DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL,
AGRICULTURA E SUSTENTABILIDADE NO
NORDESTE
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Josué Modesto dos Passos Subrinho
Reitor
Ângelo Roberto Antoniolli
Vice-Reitor
Cláudio Andrade Macedo
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
José Eloízio da Costa
Coordenador do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia –
NPGEO
Josefa de Lisboa Santos
Vice-Coordenadora do Núcleo de Pós-Graduação em
Geografia – NPGEO
CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA DA UFS
Luiz Augusto Carvalho Sobral
Coordenador do Programa Editorial
Antônio Ponciano Bezerra
Péricles Morais de Andrade Júnior
Mário Everaldo de Souza
Ricardo Queiroz Gurgel
Rosemeri Melo e Souza
Terezinha Alves de Oliva
Endereço da UFS: Universidade Federal de Sergipe – UFS
Cidade Universitária ―Profº Aloísio Campos‖
Rua Marechal Rondon, S/nº - Jardim Rosa Elze
49100-000 São Cristóvão – SE.
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL,
AGRICULTURA E SUSTENTABILIDADE
NO NORDESTE
DIANA MENDONÇA DE CARVALHO
FERNANDA VIANA DE ALCANTARA
JOSÉ ELOÍZIO DA COSTA
(ORGANIZADORES)
São Cristóvão, 2011.
CARVALHO, D. M. de/ COSTA, J. E. da/ALCÂNTARA, F. V. de
(Orgs.)
04
Editoração: Diana Mendonça de Carvalho (NPGEO)
Editoração Eletrônica:
Capa: Diana Mendonça de Carvalho (NPGEO)
Fotos: Diana Mendonça de Carvalho, Fernanda Viana de
Alcântara, Espedito Maia Lima e Verônica Ferraz Macedo.
Revisão Ortográfica: Nilson Lima
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA
CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
D451d
Desenvolvimento
territorial,
agricultura
e
sustentabilidade no Nordeste / Diana Mendonça
de Carvalho, Fernanda Viana de Alcantara, José
Eloízio da Costa (organizadores). – São Cristóvão
: Editora UFS, 2010.
365 p. : il.
1. Geografia agrícola – Brasil, Nordeste. I. Carvalho,
Diana Mendonça de. II. Alcantara, Fernanda Viana de,
III. Costa, José Eloízio da.
CDU 911.3:61(812/813)
Grupo de Pesquisa Sobre Transformações no Mundo Rural
Desenvolvimento Territorial, Agricultura e Sustentabilidade no Nordeste
APRESENTAÇÃO
05
PREFÁCIO
O Núcleo de Pós-Graduação em Geografia (NPGEO)
da Universidade Federal de Sergipe em seus 26 anos de atuação
teve sempre como referência de estudo o estado de Sergipe,
particularmente nas abordagens da diversidade geográfica e
socioeconômica do espaço rural, com ênfase na organização e
produção do espaço agrário, sendo a área de concentração do
Programa em Organização e Produção dos Espaços Agrário e
Regional.
Até início de 2010 com 180 dissertações defendidas e 35
teses de Doutorado, mais de 60% dos trabalhos produzidos por
seus discentes egressos tiveram como alvo o estado de Sergipe,
abarcando as suas três linhas de pesquisa: organização e
produção do espaço agrário, análise regional e dinâmica
ambiental. Não podemos esquecer que os quase 40% restantes
desses trabalhos tiveram como objeto de estudo outros espaços
e territórios dos estados como a Bahia, Alagoas, Piauí, Mato
Grosso e até o Acre e Amazonas. O que demonstra outro
destaque do Programa, a forte inserção regional,
particularmente com alunos procedentes do estado da Bahia.
Desse modo, a questão da organização e produção do
espaço agrário persiste como uma forte linha de pesquisa,
sendo esta a mais antiga do programa e a que concentra maior
volume de dissertações e teses. E ainda mais relevante: dos sete
programas de pós-graduação em Geografia no Nordeste, o
NPGEO/UFS é o único que oferece uma linha de pesquisa
ligada aos estudos sobre o meio rural e agrário. Daí o
fortalecimento dessa importante linha de pesquisa e do
desenvolvimento de uma política de maior qualidade e
diversidade das abordagens do mundo agrário, porém
persistindo nos estudos sobre a pequena produção familiar.
No presente estudo, em forma de coletânea, três ensaios
agregam uma atividade agrícola desenvolvida em pequenas
Desenvolvimento Territorial, Agricultura e
Sustentabilidade no Nordeste
unidades familiares e com forte tradição nos espaços rurais
sergipanos: trata-se da atividade da mandiocultura e de seus
rebatimentos na organização e produção do espaço agrário,
intitulado Ensaios sobre a Mandiocultura e a Pequena Produção
Familiar em Sergipe.
7
Esses trabalhos são produtos das dissertações de
Mestrado e tiveram como lastro analisar como se estrutura essa
atividade, os sujeitos/atores sociais envolvidos no processo de
produção e beneficiamento da farinha de mandioca, e da
tradição cultural envolvida nessa atividade, servindo como
medida de identidade dos pequenos produtores. Os três estudos
enfatizam realidades distintas, mas com processos semelhantes
de produção e reprodução da força de trabalho/mão-de-obra
da mandioca, apesar das abordagens teórico-metodológicas
serem bem diferentes.
Como cultura temporária e organizada em pequenas
unidades produtivas, a mandioca tem suas singularidades que
simbolizam o perfil de seus produtores, os instrumentos de
trabalho, o tempo da produção e o tempo de trabalho, a forma
de produzir a farinha, a formação de uma específica cadeia
produtiva que subordina a pequena produção familiar e da
resistência em continuar essa forma tradicional de produzir;
sem esquecer que seu produto ainda compõe fonte de alimento
de milhões de nordestinos.
No primeiro ensaio, intitulado “A unidade de produção
familiar camponesa e a produção de mandioca: permanência e resistência”,
de Fernanda Virgínia Kolming, o estudo analisa três
comunidades rurais no município de Lagarto/SE a partir de
uma abordagem crítica, e com uso do método do materialismo
histórico e dialético, onde a mesma provou que os pequenos
produtores de mandioca não foram seduzidos pela ―ideologia‖
da modernização da agricultura materializada pela chegada da
citricultura na região em praticamente três décadas de
crescimento dessa atividade no centro-sul do estado de Sergipe.
Ou seja, apesar desse processo avassalador de integração da
pequena produção familiar, subordinada a lógica do capital cujo
núcleo da cadeia estava concentrado na indústria de
processamento da laranja, os pequenos produtores das
comunidades rurais de Açu, Boa Vista e Alto das Caraíbas não
orientaram sua produção para a produção da laranja, mesmo
Desenvolvimento Territorial, Agricultura e
Sustentabilidade no Nordeste
conhecendo das vantagens comparativas, das facilidades do
crédito, da maior proximidade do tempo do trabalho e do
tempo da produção e da venda ―garantida‖ a jusante. A
abordagem da autora se processou nas estratégias de resistência
e mais importante, na permanência dessa atividade tradicional,
estruturando aspectos de reprodução do trabalho camponês, da
valorização do trabalho e da superposição do valor de uso
sobre o valor de troca da mercadoria-farinha de mandioca.
A autora agrega analiticamente o discurso de resistência
dos agricultores camponeses face não apenas em função da
tradição do cultivo e do beneficiamento da mandioca, mas dos
custos de implantação da cultura da laranja, quando o capital
aplicado se reproduz e com retorno após a consolidação da
produção, o que foge da concepção de vida e de trabalho desses
camponeses. A mandioca oferece condições mais vantajosas na
perspectiva da produção, por ser de ciclo mais curto e o
produto ser mais facilmente comercializado e com maior
diversidade de compradores, o que não aconteceria com a
cultura da laranja, onde a cadeia da produção estaria polarizada
principalmente pela agroindústria processadora ou dos poucos
intermediários atacadistas.
O segundo ensaio com o título “Terra e Trabalho no
Agreste Sergipano: o caso dos farinheiros de Ribeiropólis e São
Domingos/SE”, de Givaldo Santos de Jesus e José Eloízio da
Costa, os autores abordam a dinâmica interna da produção da
mandioca e do beneficiamento da farinha, comparando os dois
municípios do agreste de Itabaiana, onde um apresenta maior
concentração fundiária (Ribeiropólis) e o outro com maior
volume na produção da farinha de mandioca e do domínio da
pequena produção familiar (São Domingos); mas que apresenta
um esqueleto articulado em todo processo de produção, indo
desde a organização da unidade da produção familiar,
segmentado na área cultivada, nos espaços de morada, no
pequeno criatório e da existência da casa de farinha, até a
9
assimetria do escoamento do produto, dominado pelo grande
atacadista e da determinação coercitiva do preço, na medida em
que a venda desse produto não pode agregar ―tempo de
estoque‖ até pela necessidade de reprodução do trabalho
familiar e ―vantagem‖ da rapidez da venda, quando os produtos
são vendidos na porteira da unidade familiar.
Os autores tentam criar um neologismo a partir do
tempo de trabalho desses trabalhadores, como ―camponeses
exclusivos‖ para definir que partes desses trabalhadores
exercem também atividades fora da unidade familiar, e que
sabemos que na literatura essa análise esta muito clara, na qual
esses
trabalhadores
reproduzem
a
Grupo de Pesquisa Sobre Transformações no Mundo Rural
lógica do trabalho com base na pluriatividade ou na
multifuncionalidade.
Mais
interessante nesse texto é a quebra do paradigma da
unidade fam
SUMÁRIO
Prefácio......................................................................................
05
Capítulo 1
Indicadores: Ferramentas de Avaliação da Qualidade e
Sustentablidade Socioambiental.............................................
17
Clêane Oliveira dos Santos
Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
Capítulo 2
Cadeia Produtiva das Hortaliças em Itabaiana/Se: O Caso
da Produção e da Comercialização nas Áreas Irrigadas......
51
Diana Mendonça de Carvalho
José Eloízio da Costa
Capítulo 3
Fragmentação e Territorialização no Sudeste da Bahia:
Das Regiões Econômicas aos Territórios de Identidade....
Edvaldo Oliveira
85
Capítulo 4
A Trajetória da Cultura Fumageira em Lagarto/Se: Do
Apogeu à Decadência...............................................................
113
Elis Regina Silva dos Santos Oliveira
Márcia Maria Santos Santiago
Capítulo 5
O Desenvolvimento Territorial Rural em Evidência: A
Experiência no Agreste de Alagoas, Impasses e Desafios..
137
José Eloízio da Costa
Leide Maria Reis dos Santos
Lucivalda Sousa Texeira
Capítulo 6
Planejamento Ambiental e Gestão Territorial em Bacias
Hidrográficas..............................................................................
171
Espedito Maia Lima
Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
Capítulo 7
As Politicas de ―Desenvolvimento Regional‖: Um Olhar
Sobre o Projeto Comunitário do Rio Gavião no Sudoeste
da Bahia.......................................................................................
195
Fernanda Viana de Alcântara
José Eloízio da Costa
Capítulo 8
Mudanças e Permanências no Campo: O Caso da
Agricultura Irrigada em Ribeirópolis-Se................................
221
Givaldo Santos de Jesus
Ramon Oliveira Vasconcelos
Capítulo 9
O Desenvolvimento Territorial Rural e as Políticas
Públicas Agrícolas Nos Municípios Sergipanos de Simão
Dias e de Poço Verde: Os Territórios Rurais Sobre o
Dilema Produtivista e as Estratégias de Ação ColetivoInstitucional................................................................................
Luciano Ricardio de Santana Souza
267
Capítulo 10
Planejamento
Agrícola
e
Sustentabilidade
Socioeconômica.........................................................................
Marcelo Alves Mendes
Josefa Eliane S. de Siqueira Pinto
Capítulo 11
Agricultura Irrigada, Desertificação e Desenvolvimento:
299
Uma analise das repercussões geoambientais das áreas
irrigadas públicas de Juazeiro-Ba.............................................
337
Marlene R. Souza Felicio
Capítulo 12
Sustentabilidade da Agricultura Familiar...............................
Meirilane Rodrigues Maia
367
Aracy Losano Fontes
Capítulo 13
O Pronaf e a Pluriatividade: Oportunidade de Inserção 385
dos Camponeses no Mercado?................................................
Sheyla Silveira Andrade
Capítulo 14
A Reestruturação Produtiva do Capital e o Trabalho na
Agroindústria Cafeeira de Barra do Choça-BA....................
Verônica Ferraz de Oliveira
407
INDICADORES: FERRAMENTAS DE AVALIAÇÃO DA
QUALIDADE E SUSTENTABLIDADE
SOCIOAMBIENTAL
Clêane Oliveira dos Santos1
Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto2
1 INTRODUÇÃO
A questão ambiental e sua problemática estão vinculadas
às condições de vida em todo o mundo, suscitando estudos,
reflexões e críticas para compreensão, dimensionamento e
descoberta das possíveis soluções, uma vez que é hoje um fato
presente no cotidiano das pessoas.
A crescente preocupação com a dimensão ambiental
aparece, cada vez mais, associada à busca de estratégias que
visem atuar no âmbito da gestão e ordenamento do território,
possibilitando, desta forma, buscar novos conceitos e métodos
de ação e investigação mais abrangentes e globalizantes na
esfera dos recursos naturais e assentamentos humanos.
É indiscutível a necessidade de fundamentação teórica
com base em profícuas experiências científicas e acadêmicas de
geógrafos nas questões que envolvem nível epistemológico,
metodológico e empírico, não isolando contribuições das
ciências afins. Assim, a análise da qualidade ambiental não pode
estar restrita à natureza ou ao ecossistema, pois abarca
elementos da atividade humana que reflete diretamente na
qualidade de vida do homem.
1
Geógrafa, mestranda do Núcleo de Pós-graduação em Geografia da
Universidade Federal de Sergipe.
2
Professora do NPGEO/UFS, [email protected]
Dessa forma, neste artigo objetiva-se apresentar uma
discussão acerca de alguns indicadores como importantes
instrumentos que possibilitam a caracterização quantitativa e
qualitativa de informações cujo intuito atende ao conhecimento,
medição e percepção de uma tendência da problemática e seus
impactos sobre o meio ambiente. Outrossim, buscam-se
sugestões de indicadores socioambientais que possam ser
usados como ferramentas de avaliação da qualidade e
sustentabilidade socioambiental.
Para tanto foi realizada uma revisão bibliográfica sobre as
diferentes noções e dimensões da sustentabilidade e do uso de
indicadores como utensílios de análise. Em seguida foi
elaborado um grupo de indicadores socioambientais associados
às dimensões de sustentabilidade, com a finalidade de
possibilitar a geração de modelos representativos da realidade
estudada. A estrutura desses indicadores visa possibilitar o
estudo dos fatores que contribuem para a degradação do
ambiente e da qualidade de vida local.
Nesse contexto, considera-se importante a realização de
uma análise combinada entre os fatores ambientais, sociais e
culturais para a compreensão dos aspectos socioambientais de
uma dada localidade, sendo esta relevante para o
estabelecimento de medidas que possibilitem condições dignas
de vida à população.
2 A CARACTERIZAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE
Nas últimas três décadas a discussão em volta da relação
estado-sociedade-natureza tem sido intensificada, tanto em
níveis internacionais quanto nacionais, podendo ser
identificados neste processo diferentes tendências de análise e
interpretação, entre elas encontra-se a proposta de
desenvolvimento sustentável. Assim, nas sociedades
contemporâneas o desenvolvimento assume valor central,
sendo esse alimentado pela necessidade de progresso técnico e
ambição de domínio sobre a natureza.
De acordo com Carvalho (2006), as raízes modernas do
interesse pela natureza encontram-se discutidas no fenômeno
das novas sensibilidades que surgem como um traço cultural
ligado ao ambiente social do século XVIII quando ocorrera a
afirmação de uma nova ordem burguesa e mercantil
materializadas nos progressos técnicos que tornaram possível a
experiência da Revolução Industrial.
Este contexto foi, sem dúvida, favorável
para que as novas sensibilidades que
valorizavam a natureza e idealizavam a
natureza se constituíssem como uma
transformação cultural importante, de
longa duração, que chega até os dias de
hoje, como uma das raízes históricoculturais
do
ambientalismo
contemporâneo (CARVALHO, 2006, p.
57).
No século XXI a natureza ocupa um patamar de destaque
no debate dos destinos da sociedade, um momento no qual as
sensibilidades estéticas e políticas acabam por garantir à
natureza e às questões ambientais uma relevante notoriedade.
Porém, as probabilidades de harmonização dos projetos sociais
e estilos de vida com os alcances da capacidade de suporte do
meio ambiente ainda representa um grande desafio da
contemporaneidade.
É importante salientar que o horizonte histórico-cultural
desse debate está indiscutivelmente delimitado por centenas de
interesses e projetos sociais que disputam as interpretações
sobre o que é ou não ambiental. Assim, ―o quadro ambiental
torna-se, sobretudo, um lugar de disputa entre concepções,
interesses e grupos sociais‖ (CARVALHO, 2006, p. 59).
O acelerado crescimento demográfico, associado à
crescente urbanização que se processa muitas vezes de forma
desordenada, acaba intensificando o desmatamento,
ocasionando a transformação do meio ambiente natural e o
surgimento de investigações acerca do esgotamento de recursos
naturais. Esses fatos quando aliados à concentração e à
desigualdade de renda, potencializam as conseqüências,
podendo resultar em degradação ambiental, inseguranças
sociais, precárias condições de habitações, comprometendo a
qualidade de vida das populações. Assim,
[...] a qualidade de vida é o conceito central
da problemática ambiental e do
desenvolvimento
sustentável,
pois
representa muito mais que um nível de
vida privada, exigindo, entre outros
aspectos, a disponibilidade total de infraestrutura social e pública para atuar em
benefício do bem comum e para manter o
ambiente sem deterioração e contaminação
(KRIAN & FERREIRA, 2006, p.129).
Nesse sentido, o meio ambiente tanto pode influenciar o
processo de urbanização como pode ter seus aspectos
modificados face às alterações impostas por esse processo. Vale
destacar que a crítica ambientalista ao modo de vida
contemporâneo se difundiu a partir da Conferência de
Estocolmo em 1972, apresentando-se como pressuposto a
existência de sustentabilidade social, econômica e ecológica.
Essas dimensões da sustentabilidade especificam a
necessidade de tornar conjugada a melhoria dos níveis de
qualidade de vida com a preservação ambiental. A maior
contribuição dessa abordagem é que, além da incorporação
definitiva dos aspectos ecológicos no plano teórico, ela enfatiza
a necessidade de inverter a tendência auto-destrutiva dos
métodos de desenvolvimento no seu abuso contra a natureza.
O documento da Conferência Internacional sobre Meio
Ambiente e Sociedade, Educação e Consciência Pública para a
Sustentabilidade, realizada em Tessalônica (Grécia), destaca a
necessidade de se articularem ações de educação ambiental
baseadas nos conceitos de ética e sustentabilidade, identidade
cultural e diversidade, mobilização, participação e práticas
interdisciplinares.
Nesse sentido, Jacobi (2003) enfatiza que a produção de
conhecimento deve necessariamente considerar as interrelações do meio natural com o social numa perspectiva que
coloque em primeiro plano o novo perfil de desenvolvimento,
com ênfase na sustentabilidade socioambiental.
A sustentabilidade começou a ser focalizada em meados
da década de 1980 e desde então vem sendo freqüentemente
empregada, assumindo dimensões econômicas, sociais e
ambientais, buscando embasar uma nova forma de
desenvolvimento.
Nessa perspectiva, o termo o desenvolvimento
sustentável não se refere especificamente a um problema
limitado de adequações ecológicas de um processo social, mas a
uma estratégia para a sociedade, que deve levar em conta tanto
a viabilidade econômica como a ecológica. Assim, o avanço
para sociedade sustentável é permeado de obstáculos, na
medida em que existe uma limitada consciência na sociedade a
respeito das conseqüências do modelo de desenvolvimento em
curso.
As diferentes noções de sustentabilidade ou mesmo de
desenvolvimento dificultam a realização de uma interpretação
prática dos objetivos políticos formulados em torno da
proposta de desenvolvimento sustentável. Dessa forma, as
diversas definições apontam para a sustentabilidade como valor
normativo que permite a formulação de objetivos coletivos,
aspecto que tem sido alcançado ao nível do planeta.
No entanto, a sustentabilidade apresenta estruturas
elaboradas a partir das diferentes escalas de organização
espacial. Assim, analisa-se primeiramente o nível local
(ecossistemas) ou regional (biomassa e regiões biogeográficas), e
depois, de forma mais abrangente e conjuntural, o nível
planetário. Por isso, a elaboração de uma proposta de
desenvolvimento sustentável, deve tomar como referência à
construção de mediação de critérios estratégicos que possam
dar conta do atual estado de incertezas que envolvem esta
questão.
Essa proposta revela o quanto à relação sociedade e
natureza é resultado de uma construção histórico-social,
baseada na afirmação das relações dos homens entre si, em um
determinado tipo de sociedade. Logo, as políticas de meio
ambiente não podem ser marginalizadas ou colocadas em
segundo plano das decisões econômicas e sociais, uma vez que
―a quebra do equilíbrio natural, gerada pela sociedade da ação
humana na modificação do meio ambiente através do tempo,
resulta nos impactos ambientais causados pelas atividades
socioeconômicas‖ (SILVIA, 2004, p. 34).
Dessa forma, Leff (2002) afirma que:
A problemática ambiental gerou mudanças
globais em sistemas socioambientais
complexos que afetam as condições de
sustentabilidade do planeta, propondo a
necessidade de internalizar as bases
ecológicas e os princípios jurídicos e
sociais para a gestão democrática dos
recursos naturais (LEFF, 2002, p. 59).
Sachs (2002) desenvolve o conceito de sustentabilidade a
partir de cinco dimensões principais: a “Sustentabilidade social”,
termo que deve ter como base o estabelecimento de uma
proposta de desenvolvimento que assegure um crescimento
estável, com distribuição justa de renda, garantindo o direito de
melhoria de vida das grandes massas da população; a
―Sustentabilidade econômica‖, possível a partir de um fluxo
constante de inversões públicas e privadas, além do manejo e
alocação eficiente dos recursos naturais; a ―Sustentabilidade
ecológica‖, alcançada através da expansão da capacidade de
utilização dos recursos naturais disponíveis no planeta Terra,
com menor nível de impacto ao meio ambiente; a
―Sustentabilidade geográfica, pois a maioria dos problemas
ambientais tem sua origem na distribuição espacial
desequilibrada dos assentamentos humanos e das atividades
econômicas; a ―Sustentabilidade cultural‖, a qual apresenta uma
forma mais complexa para sua efetivação, uma vez que exige
pensar o processo de modernização de forma endógena,
trabalhando as mudanças de forma sintonizada com a questão
cultural vivida em cada contexto específico.
A viabilidade do tratamento das referidas dimensões em
uma pesquisa que objetiva pôr em ação um novo modelo de
desenvolvimento voltado para a prática socioambiental é
imensurável, à proporção que engloba um universo de fatores
que vão além da perspectiva econômica.
De acordo com o pensamento sistêmico as soluções
sustentáveis representam a única maneira de solução possível
para os problemas globais que se apresentam em nosso tempo.
Os diversos impasses ambientais observados nas cidades
tornam os centros urbanos interesse dos pesquisadores,
tornando a busca pela sustentabilidade urbana um dos maiores
desafios da atualidade.
Contudo, a sustentabilidade vem sendo debatida desde a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, quando tal noção foi associada ao
desenvolvimento e às políticas urbanas. Desde então a retórica
do desenvolvimento sustentável tem sido utilizada por
diferentes grupos como recurso de denúncia política ou
exercício de cidadania.
Algo perceptível diante de todas as abordagens quanto à
noção e conceituação de desenvolvimento sustentável é o
processo de construção em que as várias correntes de
pensamento do conhecimento científico estão sendo
convocadas para discutir e estabelecer critérios que orientem as
ações de desenvolvimento social e econômico numa perspectiva
de simbiose com a natureza.
Nesse sentido, as estratégias conceituais para gerar os
instrumentos teóricos e práticos para gestão ambiental do
desenvolvimento sob condições de sustentabilidade e equidade
não podem surgir dos paradigmas econômicos dominantes e
das praticas tradicionais do planejamento (LEFF, 2002).
Logo, o termo desenvolvimento sustentável surgiu da
necessidade de soluções para os problemas globais. Configurase em uma nova visão dos problemas ambientais, na medida em
que associa aos mesmos as extensões: sociais, políticas e
culturais, não se limitando aos aspectos físicos e biológicos,
abordando assim, questões como pobreza e exclusão social.
3 INDICADORES: INSTRUMENTOS DE ANÁLISE DA
SUSTENTABILIDADE EM UM TERRITÓRIO
A análise combinada entre os aspectos ambientais, sociais
e culturais em uma localidade é importante para o
estabelecimento de medidas que possibilitem condições dignas
de vida à população uma vez que a materialização do
econômico e do sócio-cultural, que se sobrepõem ano após ano,
não deve ser dissociada do quadro natural, o qual representa
uma realidade ambiental com ativa participação social.
Carlos (2004) afirma que a atividade social tem o espaço
como condição de sua consumação. O espaço é o palco da
prática social, é através disso que o espaço se torna território.
Deste modo, a reprodução das relações sociais materializa-se
num espaço apropriado para este fim. ―A vida, no plano
cotidiano do habitante, constitui-se no lugar produzido para
esta finalidade, e nesta direção, o lugar da vida constitui uma
identidade habitante-lugar‖ (CARLOS, 2004, p.47).
O espaço apropriado, lugar produzido do qual fala a
autora, é o que pode ser entendido como território se for
levado em consideração o fator da territorialidade, aspecto que
possibilita a construção da identidade do cidadão com um lugar,
de sentir-se parte daquilo que lhe pertence.
Enquanto espaço-tempo vivido, o território é múltiplo e
complexo, ao contrário do território proposto pela lógica
capitalista
hegemônica. Dessa
forma,
no mundo
contemporâneo observa-se uma diversidade territorial que se
manifesta a partir da produção de particularidades e
singularidades, as quais estão ligadas às desigualdades do capital
e a reconstrução das identidades.
Nesse sentido, território possui tanto uma componente
relativa ao espaço social, quanto ao espaço vivido. O espaço
social refere-se à objetividade das relações sociais e entre os
homens e o espaço. Contudo, o espaço vivido compreende a
relação existencial que o sujeito estabelece com tudo que há no
espaço de seu cotidiano.
De acordo com Saquet (2009), o território do cotidiano
corresponde a territorialização de ações de todos os dias, a
partir da qual garantimos satisfação das necessidades, isto é, o
território do cotidiano é o espaço onde se estabelece relações
entre indivíduos e lugares.
Aqui o cotidiano é interpretado como ponto de partida
para a reflexão do território e das representações, como
produtor da sociabilidade e da identidade. No qual o mundo
das representações que mediam o cotidiano depende
amplamente da informação e dos meios de comunicação de
massa, os quais geram conflitos e alienação, por isso o cotidiano
é ao mesmo tempo o interior percebido e a informação externa
que conduz a capacidade de interpretação dos processos sócioterritoriais (CARA, 1995).
A identidade representa a fonte de significação e
experiência de um povo, construída num contexto marcado por
relações de poder. Segundo Saquet (2007, p. 147), ―a identidade
tem sido tratada de diferentes maneiras em estudos do
território, especialmente, como continuidades históricoculturais, simbólicas, inerentes à vida de um certo grupo social
em um determinado lugar‖.
Pode-se afirmar que a identidade está vinculada
profundamente ao processo de representação, onde a
construção e desconstrução das relações espaço-tempo no
interior dos diferentes sistemas de representação têm efeitos
profundos sobre a forma como as identidades são localizadas e
representadas.
Nesse contexto, os símbolos, as imagens e os aspectos
culturais são na verdade, valores, que para a população local
materializa uma formação incorporada aos processos cotidianos
dando um sentido de território, de pertença e de defesa dos
valores do território e da identidade, utilizando-se das vertentes
político-cultural refletindo relações de poder e defesa de uma
cultura adquirida ou em construção.
Segundo Morelli e Suertegaray (2009), o sentimento de
identificação com o território promove a interação entre um
grupo de pessoas com idéias e pensamentos comuns,
fortalecendo a memória coletiva, sendo esta formada por um
conjunto de referências históricas comuns gerando o
sentimento de pertencimento, motivando a identidade com o
território. Porém, as lembranças contidas na memória
individual, também, contribuem para a formação do ato da
coletividade.
Essa relação identidade-território toma forma de um
processo em movimento constituído ao longo do tempo, tendo
como principal elemento o sentido de pertencimento do
indivíduo ou grupo com o seu espaço de vivência. Esse
sentimento de fazer parte do espaço em que se vive, de
conceber o espaço como lócus das práticas onde se tem o
enraizamento de uma complexa rede de sociabilidade é que dá a
esse espaço o caráter de território.
Para o estabelecimento de uma relação entre identidade,
cidadão e espaço vivido é necessário que o indivíduo ou grupo
desfrute das condições de cidadania, nas quais os direitos sejam
concretizados no espaço. Compreende-se que isso não é
possível, por exemplo, a um indivíduo ou grupo desprovido de
garantias sociais, carência em termos de educação, saúde,
moradia,
problemas
promovidos
pelo
modo
de
desenvolvimento ―insustentável‖ vigente até o momento.
Desse modo, o indivíduo excluído dos direitos a uma
vida em sociedade, negada enquanto cidadão passa a fazer parte
de uma exclusão sócio-territorial, fato que se origina da negação
de suas relações com o espaço social e vivido. Em muitos casos,
a perda dos mecanismos de realização da cidadania, exclui o
individuo da possibilidade de apropriação do espaço, uma das
formas de manifestação do território.
Esse pensamento vai de acordo com Koga (2003, p. 33)
que diz: ―O território também representa o chão da cidadania,
pois a cidadania significa vida ativa no território onde se
concretizam as relações sociais, as relações de vizinhança e
solidariedade, as relações de poder [...]‖.
A cidadania só pode existir para indivíduos em condições
de vivência na sociedade, não podendo ser exercida por pessoas
excluídas socioespacialmente e por aquelas que não participam
dos interesses e necessidades da coletividade, nem tampouco do
acolhimento a sua significação e valores. Logo, cidadania tem a
ver com pertencimento a uma coletividade, a um território.
Ao estudar as necessidades fundamentais e usos do
território, Carlos (2000) distingue dois argumentos básicos: o do
produtor que necessitará de equipamentos de infraestrutura, de
informações, de inovação, de amplas instalações; e a do cidadão
que se apropria do espaço em função das necessidades
inerentes à reprodução da vida: o habitar e o trabalho, incluindo
o lazer. Para isso, precisa de equipamentos de lazer, oferta de
determinados bens e serviços coletivos, de cultura, enfim, de
elementos que proporcionem uma melhor qualidade
socioambiental para o cidadão.
Ainda segundo Koga (2003) o território é um fator
dinâmico no processo de exclusão/inclusão social. Nele as
desigualdades sociais tornam-se evidentes entre os cidadãos, as
condições de vida entre os moradores de uma mesma cidade
mostram-se diferenciadas, a presença/ausência de serviços
públicos se faz sentir e a qualidade destes mesmos serviços
apresenta-se desigual.
Assim, no final dos anos de 1980, novas metodologias
introduziram a relação espaço, território e meio ambiente nos
estudos sobre condições de vida as quais não devem ser
estudadas deslocadas das condições do meio onde se vive, seja
este uma zona urbana ou rural, um bairro ou um povoado.
Melo e Souza indaga que:
É importante ressaltar que a temática dos
indicadores socioambientais é, sobretudo,
recente, de tal maneira que seu estudo e
elaboração sistemática ganhou impulso
apenas no final dos anos 80, em trabalhos
pioneiros
realizados
por
agencias
governamentais do Canadá e da Holanda
(MELO E SOUZA, 2007, p. 36).
Dessa maneira, a elaboração e adoção de indicadores
como ferramentas de pesquisa têm sido intensificadas com a
finalidade de possibilitar um maior entendimento do sentido da
busca pela sustentabilidade em territórios diversos.
Mais que um sistema de representação, os indicadores
condensam uma quantidade de informações provenientes de
diversas fontes constituindo-se numa forma hábil de manipular
e compreender o fato. São, portanto, ferramentas que permitem
fazer uma leitura simplificada e qualitativa de algumas
realidades, facilitando a assimilação e compreensão dos eventos.
Os indicadores são significativos para o tratamento da
informação, pois além de reunirem elementos para a tomada de
decisões inerentes às escolhas políticas, têm também a função
de demonstrar a forma de gerir o bem-estar coletivo. Segundo
Herculano (1998) os indicadores são definidos como algo que
revela ou detecta um fenômeno, ou seja, é também um utensílio
estatístico simples que ajuda a condensar informações através
de um formato compreensível, que facilita a comunicação, as
comparações e o processo de decisão.
Os mesmos podem ser vistos como um instrumento de
reflexão, pois carregam informações relevantes sobre a vida das
pessoas, o que permite embasar uma leitura crítica da realidade,
essencial na formação da opinião e participação no debate,
possibilitando a realização de diagnósticos e execução de
intervenções transformadoras.
Por sua capacidade de síntese, tais ferramentas viabilizam
uma comunicação imediata, chamando a atenção para a
constituição da sociedade, demonstrando seus avanços ou
retrocessos, servindo para elaboração de políticas públicas
sustentáveis ou que garantam à sociedade percorrer o caminho
da sustentabilidade.
De acordo com Herculano (1998) os indicadores devem
possuir relevância (precisam apresentar algo sobre os sistemas
ambientais que verdadeiramente precisam ser conhecidos); ser
de fácil compreensão (ser acessíveis para a população em geral,
e não apenas para formuladores de políticas publicas e
cientistas); ter confiabilidade (a informação fornecida pelo
indicador deve ser digna de validação mediante meios claros
que reflitam os resultados compatíveis); e devem ser baseados
em dados acessíveis (a informação deve ser inteligível ou
coletável para a tomada de decisões).
A OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico) define seis aspectos importantes
a serem observados na construção de indicadores: existência de
base de dados representativos, sobre os quais se formularam os
indicadores provenientes de fonte de informações confiáveis e
oficiais; consistência analítica e exequibilidade no
estabelecimento dos valores de referência; relevância do
significado do próprio indicador; possibilidade de manter a
informação atualizada; facilidade de interpretação e
objetividade.
Segundo Lavorato (2008), para a construção de
indicadores os pesquisadores devem estar atentos a alguns
atributos que os mesmos devem conter como: base científica,
modelo adequado, temas prioritários, compreensão e
aceitabilidade,
sensibilidade
adequada,
facilidade
de
monitoramento, fontes de informação, enfoque preventivo ou
antecipatório, trabalhar com valores discerníveis (padrões),
periodicidade adequada (coleta), conjunto de indicadores com
função de aplicabilidade.
A aplicabilidade de indicadores como metodologia de
uma pesquisa torna-se importante para pesquisas que visem
entender a evolução espacial, social, ambiental e política
municipal na tentativa de elaborar subsídios para o poder
público, que ao se envolver com o bem comum, fornece-lhe
condições para uma política de planejamento voltada aos
interesses da população.
Não obstante, um indicador pode ser considerado uma
medida, não um instrumento de previsão ou evidência de
causalidade, já que ele apenas constata uma dada situação, pois
as possíveis causas, conseqüências ou previsões realizadas são
um exercício de abstração do analista, o que depende,
especialmente, da bagagem de conhecimento do mesmo.
Indicadores e seu conjunto de parâmetros representam
um sinal que nos permite compreender dimensões do mundo
real, conferir-lhe importância, possibilitando julgamentos e
desenvolvimentos futuros através de sua análise.
Nesse contexto, a informação básica é o elemento
primordial na elaboração de parâmetros confiáveis nas
aproximações indicadoras da realidade. Uma vez que um
indicador é instrumento que permite a obtenção sobre uma
dada realidade e tem como principal característica poder
sintetizar um conjunto complexo de informações (parâmetros),
retendo apenas o significado essencial dos aspectos analisados.
Assim, a procura mundial por um novo modelo de
desenvolvimento trouxe à tona a necessidade de ferramentas
capazes de avaliar os impactos e as conseqüências ambientais
geradas pela forma de desenvolvimento quantitativo. De acordo
com essa perspectiva a utilização de indicadores ambientais
aponta para a aplicação de métodos que determinem o estudo
do ambiente e o monitoramento das mudanças em níveis local,
territorial, regional, nacional e global, uma vez que se constitui
numa ferramenta de ampla eficácia no tratamento das
informações possibilitando a sintetização e transmissão dessas,
de forma bastante significativa.
A análise de uma realidade local com base em indicadores
socioambientais favorece o estudo da sustentabilidade, uma vez
que para a solução e/ou criação de indicadores se faz necessário
apreciar previamente o município, suas características
econômicas, sociais, espaciais, ambientais e culturais.
Por isso, entende-se que o espaço está incorporado ao
cotidiano das pessoas, é produzido e re-produzido a todo
instante em decorrência das necessidades humanas e capitalistas
daquele momento, mas determinado pelos aspectos
econômicos, sociais, ambientais e culturais de um território e
pelo modo de vida das pessoas, as quais constroem o espaço
vivido.
4 QUALIDADE DE
SOCIOAMBIENTAIS
VIDA
E
INDICADORES
Historicamente, o conceito de qualidade de vida surgiu
nos anos 60, quando prevalecia a corrente economicista, o PIB
era um indicador de riqueza, não contemplando a análise do
desenvolvimento de uma cidade. Porém, o crescimento de tal
indicador era incapaz de gerar mais qualidade de vida,
agravando-se a situação social e ambiental consolidando-se as
disparidades sócio-espaciais (KRAN & FERREIRA, 2006).
Posteriormente, a disseminação do conceito de qualidade
de vida acabou expandindo as fronteiras conceituais. Partindose da compreensão de que a sustentabilidade do
desenvolvimento humano está ligada à problemática ambiental
que é determinada pelas interações entre os processos sócioeconômicos e o meio ambiente, produziram-se subsídios
teóricos e metodológicos para a formulação de indicadores
ambientais, destinados à mensuração de variáveis ecológicas ou
de monitoramento ambiental, associada também as variáveis
sociais, demográficas e econômicas, relacionadas à questão
ambiental. Logo, levou-se à formulação de metodologias para
avaliar a percepção da população acerca da qualidade do seu
meio ambiente, tal e qual ocorreu com os indicadores sociais.
Nessa perspectiva, durante a construção dos indicadores
de qualidade ambiental deve-se considerar a realidade do
sistema estudado e das condições ambientais vigentes no
espaço. Por conseguinte, os indicadores ambientais são
modelos que descrevem as formas de interação das atividades
humanas com o meio ambiente, entendido este como: fonte de
recursos (minerais, energia, alimentos, matérias – primas em
geral); depósito de rejeitos (lixo industrial e doméstico e
efluentes líquidos e gasosos); suporte da vida humana e da
biodiversidade.
Segundo Herculano (1998), a qualidade de vida deve ser
definida como a soma das condições econômicas, ambientais,
científico-culturais e políticas coletivamente construídas e
postas à disposição dos indivíduos para que esses possam
realizar as suas potencialidades. Assim, indicadores de qualidade
de vida representam um conjunto que reúne de forma
integradora o bem-estar individual, o equilíbrio ambiental e o
desenvolvimento econômico.
Tal situação implicaria em medir os níveis de
conhecimento e tecnologia já desenvolvidos e os mecanismos
para o seu fomento; os canais institucionais para participação e
geração de decisões coletivas e para a resolução de
controvérsias; mecanismos de financiamento da produção;
mecanismos de acessibilidade ao consumo (renda, alimentação,
água, luz, saneamento); canais democratizados de comunicação
e de informação; proporção de áreas verdes para a população
urbana; proporção de áreas de biodiversidade protegida;
organismos governamentais e não-governamentais para a
implementação das condições de vida.
Os indicadores subjetivos destacam a busca da identidade
através da verificação de como as pessoas vivem, percebem e
compreendem seu cotidiano, incorporando variáveis do modo
de vida e do nível de educação ambiental de cada sujeito social.
Então, a informação ambiental pode ser definida como
um conjunto de dados, de metodologias e de processos de
representação espacial ou de percepção e reflexão para a
transformação da realidade, destacando-se o seu papel na
mudança de valores e atitudes. Essas mudanças acontecem em
função do processo de percepção e incorporação das questões
representadas por esta importante ferramenta que são os
indicadores e índices.
Fica evidente, portanto, a necessidade de estudos
socioambientais e, conseqüentemente, de percepção para
melhor compreender a realidade de seus habitantes como
indicadores para o planejamento, utilizando-se de critérios que
propiciem a participação da população, bem como a análise
comportamental da mesma. Ao passo em que se tem
consciência de que a definição de qualidade vem
frequentemente acompanhada de interesses e depende de
estudos realizados no presente para serem projetados num
futuro próximo.
A mensuração da qualidade de vida através de indicadores
que enfocam a realidade do bem estar socioambiental, e até
mesmo a sustentabilidade, afasta-se do equívoco de se
demonstrar sociedades desenvolvidas aquelas que apresentam
um alto nível de renda per capita, ignorando-se a existência de
indivíduos, predominantemente, iletrados e doentes.
A avaliação da real qualidade de vida e da sustentabilidade
socioambiental deve envolver também aspectos ambientais, do
mesmo modo em que não se deve admitir que uma sociedade
viva sem acesso aos serviços de educação, saúde e tecnologia e
até mesmo sobreviver em espaços constituídos fora de um
ambiente natural e saudável.
Dirce Koga em Medidas de cidade (2003) evidencia
metodologias de pesquisas sobre desigualdades sociais para
além do desemprego e renda, valorizando o desenvolvimento
humano e social, com ênfase no local a partir de temas de
desenvolvimento sustentável, meio ambiente e uma ruptura
com a restrita avaliação da renda per capita que mascara a
desigualdade social.
Nesse sentido, adota-se a incorporação do território
como um espaço não somente de habitação, mas também de
vivência, onde a cidadania significa morar bem e com
segurança, além de usufruir bem dos serviços. Dessa forma,
[...] parece se fazerem necessárias novas
formas de resgatar o pertencimento ao
lugar, à cidade. Nesse sentido, as
metodologias de representação das
desigualdades e, ao mesmo tempo, de
totalidade da cidade contribuem para uma
identificação maior dos cidadãos com o
lugar ao que pertencem, permitindo-lhe, ao
menos, acesso ao conhecimento do lugar
(KOGA, 2003, p. 106).
Santos (2004) orienta que os indicadores devam
possibilitar a geração de modelos que representem a realidade
estudada. Para alcançar os objetivos propostos e considerando
que a qualidade de vida, dada a sua complexidade e (in)
definição teórico-conceitual, pode ser depreendida de uma
estrutura consistente de indicadores (quadro 01).
Quadro 01 Dimensões da Sustentabilidade, Parâmetros e Indicadores Socioambientais
DIMENSÕES
Ambiental
Socioambiental
Social
PARÂMETROS

Existência e freqüência da coleta dos
resíduos sólidos;

Área de deposição do lixo urbano e rural;

Formas de destinação dos resíduos
domésticos urbanos;

Formas de destinação de resíduos
domésticos rurais.

Formas de acesso à informação pelo
agricultor (Orientação técnica);

Tipo e frequência do uso de agroquímicos;

Número de ocorrências de doenças;

Tipos mais frequentes de doenças;

Percepção do clima.

Número de hospitais e postos de saúde;

Existência de espaços verdes;

Número de ruas asfaltadas;

Condições de uso dos equipamentos
urbanos (parques e praças);
INDICADORES
Resíduos sólidos
Saúde e Instrução técnica do
agricultor e seus familiares
Infra-estrutura e bem-estar
coletivo
Político- Cultural
Econômica

Disponibilidade de serviços públicos tais
como: energia elétrica, telefones, bancos e
correios.

Taxa de escolaridade;

Número de professores pós-graduados;

Número de emissoras e equipamentos
transmissores de rádio e TV

Número de horas semanais de programas
de rádio e tv com informativos sobre saúde,
educação meio ambiente e cidadania;

Número de bibliotecas públicas;

Número e acesso a lan houses.

Espaços de laser.

Conselhos e comitês de assistência à
população.

% de moradores trabalhando em atividade
formal

Tipos de profissão;

% de famílias abaixo da linha de pobreza;

% de aposentados responsáveis pela
família;

% de famílias que recebem auxílio do
Educação e cidadania
Trabalho e renda
governo.
Elaboração: Santos, 2008
Resíduos sólidos
Atualmente, observa-se uma preocupação mundial com
a geração excessiva de resíduos sólidos, pois o grande volume
gerado demanda investimentos vultosos para a coleta regular,
tratamento e disposição final por parte dos serviços públicos.
Outro fator agravante é que a maioria dos municípios
brasileiros não conhece o volume e a composição física dos
resíduos o que, sem dúvida, dificulta o gerenciamento integrado
desses resíduos.
O significado do lixo para a sociedade tem variado no
tempo e no espaço, preocupando diversas entidades e grupos.
Dentro do saneamento ambiental, pode-se verificar a
problemática dos resíduos sólidos urbanos através de uma
ampla percepção ambiental, o que não reduz o desafio a ser
enfrentado na estruturação do setor, em que o debate atual dos
resíduos sólidos está relacionado com sua produção e
disposição final.
O termo resíduo é empregado para as sobras de uma
atividade qualquer, natural ou cultural. Nas atividades em geral,
as pessoas produzem resíduos (e não lixo); pois antes de ser
gerado pode ser evitado como conseqüência de revisão de
alguns hábitos (quando se trabalha com os 3 R‘s: reduzir,
reutilizar e reciclar os materiais). Caso contrário, um resíduo
pode, por meio do descarte comum pelos criadores, virar lixo,
no caso, nenhum dos três R‘s (LEAL, 2004).
Não se podem desconsiderar os reflexos causados pela
disposição inadequada dos resíduos nos centros urbanos
induzindo à sua catação em condições insalubres nos
logradouros e nas áreas de lançamentos (aterros e lixões).
No Brasil, a prática do desperdício, associada à cultura e
consumo de descartáveis, leva ao aumento excessivo da geração
de resíduos. Assim, a forma como esses resíduos vêm sendo
coletados e destinados, na maioria das cidades, com a
inexistência de programas de coleta seletiva, pouco é o seu
reaproveitamento.
O aumento do volume dos resíduos sólidos implica na
necessidade de uma mudança cultural que se traduza em novas
estratégias e incorporação de diferentes atores em prol da
minimização dos problemas gerados, principalmente no que se
refere à responsabilidade compartilhada de toda a cadeia
produtiva com os resíduos pós-consumo.
Tal indicador representa um conjunto de parâmetros
descritos abaixo:
 Existência e frequência da coleta dos resíduos urbanos e
rurais: A ausência de uma regular coleta e tratamento de
lixo, assim como destinos adequados acarretam a
proliferação de roedores e insetos, etc. A acessibilidade
a esse serviço contribui positivamente para a qualidade
do meio ambiente e é importante para a proteção da
saúde humana. A análise dessas variáveis permitiu
averiguar as condições de acessibilidade a esse serviço,
nas diferentes partes do município, uma vez que o
atendimento de forma diferenciada reflete a exclusão de
determinados segmentos da sociedade.
 Local de deposição do resíduo urbano e rural: Dado
relevante para se avaliar questões de vulnerabilidade
socioambiental, educação ambiental e qualidade de vida
que a população está sendo submetida.
 Formas de destinação dos resíduos domésticos urbanos
e rurais: Parâmetros significativos para se avaliar a
questão da existência de pequenas lixeiras em locais
impróprios do município, uma vez que a implicação da
gestão inadequada dos resíduos sólidos é refletida na
degradação do solo, na poluição das águas e do ar e na
saúde pública.

Saúde e instrução
agricultor e seus familiares
técnica
do

Saúde
é
um
direito
humano
fundamental, reconhecido por todos os foros mundiais
e em todas as sociedades. A saúde é amplamente
reconhecida como o maior e o melhor recurso para o
desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim
como uma das mais importantes dimensões da
qualidade de vida.
Porém, a agricultura industrial, rotulada de moderna e
avançada, trouxe sérias consequências à saúde da população e
ao meio ambiente, em que se tem destaque o uso
indiscriminado de agrotóxicos, fruto da exigência da elevação
da produtividade agrícola. Aqui não se trata de criticar o
modelo de desenvolvimento tecnológico predominante, mas de
reconhecer o caráter problemático da aplicação numa sociedade
carente e de sugerir medidas que possam atenuar os efeitos
negativos.
Além disso, a qualidade da produção, contaminada pelo
uso indiscriminado de agrotóxicos, traz conseqüências ao
conjunto da população brasileira que vem consumindo
alimentos contaminados que podem trazer a doença e, a médio
e longo prazo, podem ser os causadores da morte. A esses
efeitos negativos diretos para a sociedade somam-se ainda os
efeitos para o meio natural, como a contaminação do solo, água
e ar.
Esse indicador representa o conjunto de parâmetros
abaixo:
 Formas de acesso à informação pelo agricultor
(Orientação técnica): A instrução técnica, adquirida por
meio da extensão rural, envolve o processo de estender,
ao povo rural, conhecimentos e habilidades, sobre
práticas agropecuárias, florestais e domésticas,
reconhecidas como importantes e necessárias à
melhoria de sua qualidade de vida. A própria
justificativa para a existência de um serviço de extensão
é o de estimular a população rural para que se




processem mudanças em sua maneira de cultivar a terra,
de administrar o seu negócio, de dirigir o seu lar, de
defender a saúde da família e de educar os seus filhos.
Tipo e freqüência do uso de agroquímicos: Os
agroquímicos são biocidas e alguns muitos persistentes,
podendo ser transportados para outros locais por água e
vento, por exemplo, e também acumular em cadeias
alimentares, levando-se em consideração os processos
de lixiviação e o escoamento superficial.
Número de ocorrências de doenças e os tipos mais
freqüentes de doenças: pode ser feito um levantamento
de dados nos postos de saúde e através da conversa
com os agricultores e familiares.
Percepção do clima: A percepção envolve a vida social,
isto é, os significados e os valores das coisas percebidas
decorrem de nossa sociedade e do modo como nela as
coisas e as pessoas recebem sentido, valor ou função.
Onde a idéia do clima de um lugar, que dá origem à
expectativa de seu próprio comportamento, é elaborada
pela tradição, representada pela transmissão oral de usos
e costumes, aliada à vivência do dia-a-dia das pessoas e,
no caso em foco dos agricultores (PINTO, 1999).
Número de hospitais e postos de saúde distribuídos no
território municipal: com tais dados é possível verificar
questões de disponibilidade e acesso ao serviço,
considerando o alcance e distribuição espacial do
serviço.
 Infra-estrutura e bem-estar coletivo
A intensa e crescente urbanização que vêm ocorrendo
nas cidades tem modificado o acesso à infraestrutura e ao bemestar da sociedade, assim como a desordenada ocupação do
solo, o aumento de áreas construídas e o adensamento
populacional, associados à redução de espaços verdes intra-
urbanos e à poluição atmosférica, têm provocado alterações no
microclima das cidades, tais como elevação da temperatura e
umidade do ar, mudança da direção e velocidade dos ventos.
O espaço construído atua sobre a temperatura e
umidade como consequência da substituição da superfície
natural e permeável por um conjunto de edificações e
superfícies impermeáveis que aumentam a rugosidade e
diminuem a velocidade dos ventos. A presença da cobertura
vegetal em cada bairro da cidade é um dos parâmetros que
representam os benefícios diretos e indiretos para o conforto
térmico e qualidade do ar na área urbana.
Esse indicador objetiva a verificação das condições de
conforto térmico, circulação e comunicação do município, por
meio de parâmetros como:
 Existência de espaços verdes: A presença da cobertura
vegetal em cada bairro da cidade é um dos parâmetros
que representa os benefícios diretos e indiretos para o
conforto térmico e qualidade do ar na área urbana. As
áreas verdes urbanas podem estar presentes em ruas,
avenidas, canteiros centrais, praças, parques e jardins.
 Condições de uso de equipamentos urbanos: relevantes
para o lazer, sociabilização e bem-estar. Podem ser
verificadas em lócus as condições de equipamentos
como bancos, lixeiras, calçadas, telefones, com a
finalidade de verificar o comprometimento do poder
público e da população usuária com a conservação de
tais aparelhos.
 Número de ruas asfaltadas - implica em melhores
condições de circulação e acessibilidade, além da
valorização imobiliária, porém resulta, também, no
acentuamento do desconforto térmico da população,
uma vez que o espaço construído atua sobre a
temperatura e umidade como consequência da
substituição da superfície natural e permeável por um
conjunto de edificações e superfícies impermeáveis que

aumentam a rugosidade e diminuem a velocidade dos
ventos.
Acesso a serviços públicos, tais como energia elétrica,
telefones, bancos e correios que proporcionam a
inserção social e a melhoria da qualidade de vida.
 Educação e cidadania
A educação é um direito de todos diante do processo de
inclusão social e imprescindível para o desenvolvimento de um
povo. Hoje o sentido de educar ambientalmente precisa ir além
de sensibilizar a população para o problema, visto que não basta
mais apenas conhecer o que é certo ou errado em relação ao
meio ambiente, pois é importante o exercício da consciência
mais ação.
No âmbito dessa discussão destaca-se a impossibilidade
de resolver os crescentes e complexos problemas ambientais e
reverter suas causas sem que ocorra uma mudança radical nos
sistemas de conhecimento, dos valores e dos comportamentos
produzidos pela dinâmica de racionalidade existente, fundada
no aspecto econômico do desenvolvimento.
Mudanças importantes em tempos em que a informação
assume um papel cada vez mais relevante, ciberespaço,
multimídia, internet, a educação para a cidadania representa a
possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para
transformar as diversas formas de participação na defesa da
qualidade de vida. Isso implica na necessidade de se
multiplicarem as práticas sociais baseadas no fortalecimento do
direito ao acesso à informação e à educação ambiental em um
ponto de vista integrador.
Esse indicador é avaliado através de parâmetros que
possibilitarão a análise da dimensão político-cultural que se
configura crescentemente como uma questão que abarca um
conjunto de atores do universo educativo:






Taxa de escolaridade: Percentual de estudante pelo total
de jovens do município.
Número de professores pós-graduados: Tal número
possibilitará uma análise da qualidade do ensino que
está sendo transmitido para os estudantes itabaianenses.
Número de emissoras e equipamentos transmissores de
rádio e TV: O jornalismo, falado, impresso, televisivo, é
imprescindível na mobilização social, pois se trata de
um aspecto que detém um grande poder de intervir nas
relações humanas, na reorientação das relações da
sociedade com a natureza, proporcionando uma
discussão do desenvolvimento e do meio ambiente.
Número de horas semanais de programas de rádio com
informativos sobre saúde, educação, meio ambiente e
cidadania. Os meios de comunicação de massa, além de
serem elementos informativos, são também elementos
formativos, que se destacam na construção de uma
percepção ambiental que denote um entendimento da
questão ambiental, uma promoção de mudança de
hábitos e valores e uma mobilização da ação de políticas
publicas socioambientais efetivas que refletirão na
realidade cotidiana e na disseminação dos direitos e
deveres do cidadão.
Acesso às bibliotecas públicas: esse parâmetro
evidenciará a questão do interesse da população para
com a aquisição do conhecimento, assim como
mostrará as condições de acolhida da população nas
bibliotecas.
Número e acesso a lan houses: este parâmetro está
apoiado na verificação do crescimento e disseminação
da inclusão digital que é hoje uma das principais
preocupações das políticas públicas de desenvolvimento
social, amparada na idéia de que a exclusão digital
aumenta a desigualdade social.


Espaços de lazer: parâmetro considerável para avaliação
da qualidade da sociabilização dos indivíduos.
Conselhos e comitês de assistência à população:
parâmetro significativo para avaliação da importância e
assistência social dada a sociedade.
 Trabalho e renda
O trabalho é fundamental para a dinamização da
economia e sua importância é inegável. A renda, por sua vez, dá
oportunidade de acesso a determinados bens e serviços que
contribuem para a sobrevivência e qualidade de vida da
população.
Trabalho e renda serão utilizados para avaliar as
condições econômicas da população, por meio da análise de
dados relativos à renda média da família. Parâmetros que
viabilizarão o diagnóstico do percentual de famílias que vivem
abaixo da linha de pobreza, possibilitando, então, um estudo
integrado da relação existente entre o bem estar socioambiental
com o nível econômico da população.
 % de moradores trabalhando em atividade formal;
 Tipos de profissão;
 % de aposentados responsáveis pela família;
 % de famílias visitadas que recebem auxílio do governo.
 Formas de composição dos rendimentos familiares.
Diante da complexidade que o grupo de indicadores
expostos pretende tratar, emerge a necessidade do uso de um
enfoque sistêmico, de um forte aporte teórico interdisciplinar,
para que os diferentes valores das dimensões presentes possam
ser tratados adequadamente à luz de sua complexidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das limitações têmporo-espaciais dos
indicadores, o potencial educativo desses instrumentos nas
várias esferas de ação é muito forte, pois na busca de uma
síntese do ambiente, expõe um determinado corte da realidade
que, a depender do contexto em que é apresentado, atua
positivamente.
Um indicador e seu conjunto de parâmetros
representam um sinal que nos permite compreender dimensões
do mundo real, conferir-lhe importância, possibilitando
julgamentos e desenvolvimentos futuros através de sua análise.
Compreende-se que pode existir uma insuficiência e
dispersão de informações sobre o território, bem como a
percepção diferenciada sobre os diferentes valores naturais,
culturais, políticos, ambientais, sociais e econômicos. Nesse
sentido pode-se perceber um processo recente no qual surge
um apelo para mudança de percepção, convergindo na
constituição de uma linguagem e visão mais equânime entre o
ambiente e o planejamento territorial, incorporando-as em uma
visão mais sistêmica.
A abordagem sistêmica como instrumento construtivo
da matriz de indicadores de sustentabilidade, concilia às
necessidades ambientais, sociais, econômicas e culturais à busca
da melhoria da qualidade socioambiental de um território.
De concreto, temos que sua aplicabilidade resulta em
importante instrumento avaliativo de um meio social, cultural,
político, econômico e ambiental. Portanto, o uso de indicadores
socioambientais reflete o nível de sustentabilidade, uma vez que
cada dimensão da sustentabilidade representativa dos
indicadores está associada aos aspectos ambientais, espaciais,
econômicos, sociais e culturais do município.
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________. Por uma abordagem territorial. In: SAQUET, M. A.
& SPOSITO, E. S. ( Orgs. ). Territórios e territorialidades:
Teorias, processos e conflitos. 1ª ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2009. PP. 73-94.
SILVIA, Kercy da C. T. e. O urbano, o rural e o ambiental
nas transformações do Bairro Porto Dantas no norte da
cidade de Aracaju-SE. Dissertação de mestrado: Núcleo de
pós-graduação em Geografia, UFS, 2004.
SANTOS, R. F. dos. Planejamento ambiental: Teoria e
prática. São Paulo: Oficina de textos, 2004.
PINTO, Josefa Eliane S. de S. Os reflexos da seca no Estado
de Sergipe. São Cristóvão: NPGEO, UFS, 1999.
CADEIA PRODUTIVA DAS HORTALIÇAS EM
ITABAIANA/SE: O CASO DA PRODUÇÃO E DA
COMERCIALIZAÇÃO NAS ÁREAS IRRIGADAS
Diana Mendonça de Carvalho3
José Eloízio da Costa4
1 INTRODUÇÃO
O estudo da produção de hortaliças nas áreas de irrigação
parte da análise cadeia produtiva que é centrada na agricultura
familiar. Tal categoria social é determinante para o
conhecimento do espaço rural, pois é dela que saem os
produtos que compõem o segmento de circulação, distribuição
e comercialização de produtos agrícolas. Todavia, nesse estudo,
não se pretende adentrar teoricamente na questão da pequena
produção familiar, mas definir como essa classe se insere dentro
da cadeia de produção e de comercialização das hortaliças.
Nesse sentido, a pretensão é analisar a cadeia produtiva
de hortaliças destacando a produção e a comercialização e os
impactos produtivos sobre a economia do município de
Itabaiana, tendo como marco empírico o Açude da Macela e os
perímetros irrigados de Jacarecica I e Ribeira. Isso porque essas
áreas de irrigação se constituem como importantes produtoras e
fornecedoras de hortaliças para o mercado.
Tal análise se justifica nas políticas públicas, impostas
pelo Estado, na promoção das áreas de irrigação, no volume de
produção e no número de atores envolvidos na comercialização
3
Mestre em Geografia (NPGEO/UFS) e Pesquisadora do Grupo de
Pesquisa Sobre Transformações no Mundo Rural – GEPRU/UFS.
4
Doutor em Geografia Agrária pela UNESP/Rio Claro. Professor do
Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de
Sergipe- NPGEO/UFS.
das hortaliças que têm sua cadeia produtiva definida pelo
produtor, por intermediários, de âmbito atacadista e varejista e
pelo mercado consumidor.
Para a constituição desse estudo foram realizados num
primeiro momento, levantamento bibliográfico e análise da
temática: ―agricultura irrigada‖, ―cadeia de produção agrícola‖ e
―município de Itabaiana‖. Por estes foram observados dados a
respeito da produção agrícola em áreas irrigadas, em escala
mundial, nacional, regional e local. Na análise a respeito de
Itabaiana foram destacadas suas principais características sócioeconômicas e naturais, para por fim adentrar nas políticas
públicas que edificaram as principais áreas de irrigação do
município e consolidaram sua representatividade comercial.
No segundo momento foram realizados estudos
específicos sobre as áreas de irrigação do município, os quais
foram acompanhados de reconhecimento e trabalho de campo
com os envolvidos na produção e na comercialização, por meio
de observações, registro fotográfico e obtenção de dados
quantitativos e qualitativos em torno da questão. Para tanto,
utilizou-se de entrevista aleatórias com os atores sociais, com
representantes da Companhia de Desenvolvimento de Recursos
Hídricos e Irrigação de Sergipe (COHIDRO), Empresa de
Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (EMDAGRO) e
Secretaria de Agricultura, Pecuária e Meio-Ambiente do
Município de Itabaiana. Através desses foi possível dimensionar
a produção, conhecer a cadeia de intermediação e os fluxos de
comercialização.
Com essas informações também foi possível
confeccionar mapas e delimitar a área de estudo através da Base
Cartográfica do Atlas Digital, confeccionada pela Secretaria de
Estado do Planejamento (SEPLAN)
2 ALGUNS ELEMENTOS
AGRICULTURA IRRIGADA
TEÓRICOS
SOBRE
A
A irrigação é uma importante técnica utilizada para a
produção agrícola. Ela determina maior segurança ao produtor,
pois o manejo da água de forma correta conduz a resultados
favoráveis de produção e possibilita maior número de safras
durante o ano. O controle e a administração da quantidade de
água disponibilizada para os cultivos na irrigação contribuem
para maiores índices de sustentabilidade em termos de desgaste
do solo e da poluição das águas com insumos e defensivos
químicos, e também para o aumento na produção e
melhoramento da qualidade dos alimentos.
Segundo Paz, et. al. (2000, p.05), em 1990, as áreas
irrigadas no mundo com cultivos permanentes e temporários
representavam 17% e delas se obtinham cerca de 40% da
produção agrícola mundial. Na América Latina os países com
maior destaque em irrigação eram: México, Argentina, Chile,
Peru e Brasil, sendo este último, o país com maior
potencialidade para essa prática.
No território nacional a prática de irrigação corresponde a
5% do total das áreas de cultivo, sendo responsável pela
produção de 16% do total de alimentos. Segundo Albertini
(2009), o país concentra cerca de 4,6 milhões de hectares
irrigados com um potencial 10 vezes maior. Apesar de o Brasil
ser um dos países com maior reserva de água doce do mundo, a
distribuição da mesma é desigual entre as regiões, já que cerca
de 70% delas estão concentradas na região Amazônica. Essa
situação associada às diferenças sócio-econômicas, as condições
naturais e edafoclimáticas acarretam a busca por meios técnicocientífico-informacionais que tornassem a produção agrícola
acessível economicamente.
No Nordeste brasileiro, a agricultura irrigada vem sendo
estimulada desde o período republicano através do Estado, com
planejamento regional visando amenizar a problemática das
secas, as desigualdades regionais e promover uma modernização
agrícola. Tais políticas, entretanto, se mostraram conservadoras
por não mexerem na estrutura sócio-espacial vigente na região,
além de poderem ser analisadas como medidas para alavancar o
desenvolvimento capitalista da agricultura.
Ainda assim, segundo Neto (2006), a região tem se
tornado uma boa opção para investimentos, pois apresentam
vantagens comparativas face à disponibilidade de recursos
naturais, tais quais: a luminosidade, a temperatura e a oferta de
água que se tornou ingrediente para o desenvolvimento do
sertão Nordestino, a exemplo do que ocorre no Vale do São
Francisco,
[...] onde a natureza não poupou esforços
para oferecer um clima propício e terras
com
grande
potencial
para
o
desenvolvimento da agricultura irrigada,
notadamente, para a fruticultura. Fatores
como esses, somados à participação da
CODEVASF na implantação de infraestrutura para irrigação e na viabilização de
crédito para os pequenos produtores, vêm
transformando o vale em um pomar
multiplicador de negócios e oportunidades
(CODEVASF, S/A, p.12).
Esses projetos têm contribuído, com apoio do Estado e
de agentes dos agronegócios, para a difusão de crescimento
econômico regional e assim, para a disseminação de seus
produtos em vários mercados, inclusive a nível internacional.
No município de Itabaiana, não há especificamente
empresas de agronegócio, contudo, a criação do Açude da
Macela (1950) e a instalação dos perímetros de Jacarecica I e
Ribeira (1989) auxiliou no aparecimento de duas empresas
agrícolas, a Hortaliça Vida Verde e a Itahortas que fazem a
comercialização de seus produtos para redes de supermercado.
Entretanto, deve-se ponderar que o forte da produção agrícola
de hortaliças folhosas de Itabaiana ocorre entre os pequenos
agricultores familiares que promovem eles próprios a
comercialização ou entregam parte de sua produção para os
intermediários que assim abastecem o município, municípios
circunvizinhos e ainda o Estado da Bahia.
3. CADEIA PRODUTIVA E A COMERCIALIZAÇÃO DE
PRODUTOS AGRÍCOLAS
A comercialização de produtos agrícolas depende dos
atores sociais envolvidos nesse processo, dos recursos
financeiros disponibilizados para as transações, da existência de
uma cadeia produtiva, da existência de informações com relação
às características e aos riscos de oscilação dos preços (Azevedo,
2002). Sendo assim, a comercialização agrícola ocorre a partir
de relações estabelecidas dentro da cadeia produtiva de cada
produto.
A cadeia produtiva compreende os alicerces do processo
produtivo e as fases pelas quais os produtos passam
(processamento, armazenamento e etc.) até chegar ao mercado
consumidor, podendo ser iguais e padronizados ou diferentes,
destacando especificidades locais e regionais, ou ainda,
evidenciando a integração de atores sociais que visam
minimizar problemas e promover o crescimento econômico.
Entre os vários atores sociais que compreendem a cadeia
destacam-se (figura 01):
1- fornecedores de insumos, representados por empresas
que têm por finalidade ofertar implementos agrícolas e
tecnologia;
2- Produtores, definidos por agricultores familiares, uma
vez que subordinados ao capital, esses atores estão diluídos da
luta de classe. Essa categoria social se define pelo processo
produtivo conduzido pelo proprietário da terra, pela ênfase na
diversificação produtiva, na durabilidade dos recursos, na
qualidade de vida, na utilização do trabalho assalariado em
caráter complementar e na tomada de decisões imediatas devido
ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo
(FAO/INCRA,1994).
Tal classe rural aparece em meados da década de 1990,
decorrente da adoção do termo como uma nova categoriasíntese pelos movimentos sociais do campo, dirigidos pelo
sindicalismo rural ligado à Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura – Contag; e pela criação do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –
Pronaf em 1996, que através da ação do Estado deu
legitimidade ao termo (Schneider, 2003).
3- Processadores, representados pelas ―[...] agroindústrias
que podem pré-beneficiar, beneficiar ou transformar os
produtos in-natura‖ (SILVA, 2005, p.02);
4- Comerciantes, que na forma atacadista, tem por função
distribuir as mercadorias para postos de venda, e na forma
varejista, comercializando o produto para o consumidor final;
5- O mercado consumidor é o ponto final do processo de
comercialização. Todo esse processo fundamenta uma ampla
compartimentação do processo produtivo em várias etapas até
chegar ao mercado consumidor final.
Figura 01. Etapas da cadeia produtiva. Fonte: SILVA, 2005, p.01.
Organização: Diana Mendonça de Carvalho, 2009.
Deste modo, a comercialização de produtos agrícolas está
inserida no contexto da cadeia de produção que interage em um
processo de oferta de produtos ou serviços ao mercado
consumidor. A constituição e efetivação dessa cadeia não
ocorrem da mesma forma em todos os lugares, uma vez que,
―[...] cada arranjo depende de inúmeras variáveis, que
normalmente estão associadas aos contextos regionais e as
exigências de mercado‖ (SILVA, 2005, p.05).
4 O MUNICÍPIO DE ITABAIANA: ESPAÇOS DE
IRRIGAÇÃO,
DE
PRODUÇÃO
E
DE
COMERCIALIZAÇÃO
O município de Itabaiana está localizado na faixa centroocidental do Estado de Sergipe, estando a sede a uma altitude
de 188m (figura 02). O mesmo limita-se com os seguintes
municípios: Areia Branca, Moita Bonita, Malhador, Frei Paulo,
Campo do Brito, Macambira e Riberópolis. A área municipal
ocupa 336,9Km², constituindo 1,53% do território sergipano, e
distancia-se da capital, Aracaju, via rodovia 56 km, através da
BR-235 e BR-101.
Entre as características específicas desse território que o
tornaram referência na produção de hortaliças estão as
condições edafoclimáticas. O clima classifica-se como tropical
quente semi-úmido; pluviosidade, apresentando precipitação em
torno de 750 a 1000mm, sendo o período chuvoso de março a
agosto. Os solos são dos tipos planosol, podzólico vermelho,
amarelo, equivalente eutrófico, litólico e eutrófico distrófico,
cobertos por uma vegetação de capoeira, caatinga, campos
limpos e campos sujos (SERGIPE. SEPLANTEC/SUPES,
1997/2000). O município está inserido entre duas bacias
hidrográficas, a do rio Sergipe e a do rio Vaza-Barris e conta
com 697 pontos de água (segundo dados do CPRM, 2002), dois
do tipo fonte natural, dois poços escavados e seiscentos e
noventa e três poços tabulares.
Figura 02. Localização e Rodovias que cortam o município de
Itabaiana/SE. Base Cartográfica SEPALNTEC (2004).
Em termos demográficos, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última
contagem populacional (2007), a população de Itabaiana é de
83.167 habitantes, sendo que, 62.777 são urbanos e 20.384 são
rurais. Esses números mostram que a representatividade da
população urbana é de 75,5% contra 24,5% da rural.
Em relação à economia, os números do Produto Interno
Bruto (IBGE, 2006), refletem uma economia basicamente
urbana, já que as atividades de serviços e indústria concentram
322.097 (mil reais) que equivalem a 94,5% dos valores
econômicos adicionados à nível de município, enquanto o setor
agrícola concentram 18.842 (mil reais), isto é, 5,5% dos valores
econômicos adicionados. Tais dados fazem refletir que a
economia do município de Itabaiana tem dependido cada vez
menos do setor agropecuário, concentrando-se fortemente nos
segmentos urbanos, que dentro dos termos de serviços e
indústrias destacam-se o comércio, como um dos maiores do
interior sergipano.
Historicamente o desenvolvimento do município de
Itabaiana reporta-se aos fluxos de pessoas quando ainda era
―Caatinga de Ayres da Rocha5‖. Nesta ―Caatinga‖,
provavelmente começou a se firmar pontos de encontro
comercial de pessoas em trânsito entre o norte e o sul do
Estado. Com a construção da Igreja Matriz e da Praça Fausto
Cardoso, muitos feirantes da zona rural se fixaram em torno da
praça, tornando a feira um mercado periódico aos sábados.
Segundo Carvalho, V. (2009, p.69), a ―Caatinga de Ayres da Rocha‖ se
refere à área que perfaz o atual centro urbano de Itabaiana, levando-se em
conta a geografia atual. ―O certo é que, dentro da área, conhecida por
Caatinga de Ayres da Rocha, estava localizado o sítio, que a Irmandade das
Almas adquiriu, sendo palco, mas tarde, da sede urbana da Vila de Itabaiana‖
(idem.). Essas terras pertenceram ao português Ayres da Rocha, ganhas após
a conquista do território sergipano, juntamente a comitiva de Cristóvão de
Barros e seu nome ficou como referência por muitos anos, mesmo depois de
sua morte.
5
Tal fato possibilitou uma maior conexão entre o campo e
a cidade. A cidade passou a ser ponto de escoamento da
produção agrícola e local de aquisição de outros itens
necessários a sobrevivência. Já o campo, tornou-se local de
produção de itens alimentares e base de sustento de muitas
famílias itabaianenses. Contudo, a articulação cidade e campo, a
nível municipal, não teria possibilitado ao município tornar-se
conhecido como um pólo regional de produção de hortaliças e
nem teria se constituído um nó comercial de distribuição desses
produtos sem a intervenção do Estado, com suas políticas
regionais.
Entre as políticas regionais que contribuíram para a
consolidação desse município no contexto estadual estão: a
construção do Armazém da Companhia Nacional de
Abastecimento (Cibrazém), atual Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB) na década de 1950 e a construção do
Açude da Macela (1957) e das barragens Jacarecica I (1987) e
Porção da Ribeira (1987), localizadas respectivamente no rio
Jacarecica e afluentes da Bacia do Rio Sergipe, (figura 03).
Figura 03. Perímetros Irrigados no município de Itabaiana/SE. Base
Cartográfica SEPALNTEC (2004).
Os perímetros irrigados de Itabaiana exercem importante
função em termos de produção e de comercialização das
hortaliças, principalmente de folhagens em Itabaiana/SE.
Segundo Silva (2001), o município se fixa como um dos
principais responsáveis pela produção olerícola consumida em
Sergipe. Para esse autor, os perímetros contribuíram para a
produção de alimentos pouco cultivados em Sergipe,
[...] como maxixe, pepino e vagem,
sobretudo, no tocante a uma maior oferta
desses produtos ao mercado consumidor,
contribuindo assim em mudanças de
comportamento cultural da população
(SILVA, 2001, p.26).
Todavia, segundo Mota e Lopes (1997) esses projetos
ainda necessitam de organização produtiva, para avaliarem o
melhor momento de plantar determinada área, de colher e
mesmo de planejar a quantidade que vai ser produzida, a fim de
se ter nos mercados preços mais sustentáveis. Por isso, devem
ser realizados estudos de preços e de mercados que por ventura
absorveram os produtos olerícolas cultivados.
No caso do município de Itabaiana, os produtos
cultivados nos perímetros irrigados da Ribeira e Jacarecica I são
os mesmos e a colheita ocorre praticamente no mesmo período,
dificultando assim, a comercialização e a conseqüente obtenção
de melhores preços (Mota e Lopes, 1997). Por conta disso, tem
se buscado novos mercados, como por exemplo, as hortaliças
produzidas em Jacarecica que são destinandas aos mercados de
Aracaju, Salvador e até mesmo do Rio Grande do Sul, como é o
caso da batata-doce.
Conforme os referidos autores, algumas das transações
comerciais dos produtos agrícolas desses perímetros são,
[...] feitas dentro de Sergipe, e algumas
vezes em Salvador, é o próprio agricultor
quem atua como vendedor da produção.
Porém, ainda são os intermediários locais
os principais agentes de comercialização de
hortaliças dos perímetros, detendo em suas
mãos o controle dessa atividade e
influenciando tanto na determinação dos
preços como na seleção dos produtos a
serem cultivados. (Op. Cit. 1997, p.137).
Além desses projetos, o município de Itabaiana se fixa
como grande produtor de hortaliças, utilizando-se de programas
de micro-crédito; de equipamentos como poços artesianos, para
períodos de estiagem; fertilizantes, adubos químicos e
corretivos, a fim de garantir maior produtividade; e de tratores,
como forma de trabalhar a terra.
Na década de 1990, o município de Itabaiana passa a se
reconhecido como um grande entreposto comercial,
importando e exportando hortifrutigranjeiros. Isso decorreu da
construção do Mercadão de hortifrutigranjeiros que acabou se
tornando, segundo Silva (2001), responsável pela
comercialização de 48% da produção de olerícolas do estado,
enquanto o Mercadão do Produtor em Aracaju comercializava
52%. Sendo que esses produtos olerícolas, quase sempre, têm
origem no município de Itabaiana. Este município ainda tem se
destacado pela exportação de coentro, amendoim e batatadoce.
Desse modo,
O alcance interestadual da produção é o
exemplo de que a atividade olerícola em
Itabaiana se consolida e se mostra
competitiva. O município exporta para
vários Estados do Brasil diversos produtos
olerícolas, sendo que os mais importantes
são o coentro, que tem mercado garantido
na Bahia, Alagoas e Pernambuco, o
amendoim que é enviado até para Rio de
Janeiro e São Paulo, além da batata-doce
que é consumida por diversos Estados [...]
O Estado do Rio Grande do Sul tornou-se,
desde 1991, o principal importador da
batata-doce de Itabaiana, tendo como
finalidade a produção de doces e matériaprima para as indústrias alimentícias e de
cosméticos e que é exportada para outros
Estados do Brasil como São Paulo e
Paraná, países do MERCOSUL, Estados
Unidos e Europa, como Espanha e
Portugal (SILVA, 2001, p.114).
Assim, o município de Itabaiana tem desenvolvido
atividades em variados setores da economia. Contudo, ele
continua se vinculando, como ocorre desde sua origem, à
atividade agrícola. Os produtos advindos dessa atividade
colaboraram para que a cidade de Itabaiana intermediasse o
fluxo de comercialização entre Aracaju e o Sertão e atraísse
migrantes de outros municípios sergipanos, como: Frei Paulo,
Campo do Brito, Macambira, Malhador, Moita Bonita, São
Domingos, Ribeirópolis, Carira, Pinhão, Pedra Mole, Nossa
Senhora Aparecida e Nossa Senhora da Glória.
Conforme dados do Censos Agropecuários de 1995/96 e
2006 houve uma diminuição de 1442 estabelecimentos e de
7.874 hectares de área ocupada. Isso pode ser decorrente da
integração de áreas rurais na ampliação do espaço urbano. No
mesmo intervalo ocorreu variação em relação ao número de
estabelecimentos com lavouras temporárias e permanentes em
respectivamente 27% e 82,6%. Tal aumento pode decorrer da
intensificação das áreas de cultivo, no caso da lavoura
temporária, da batata-doce que cresceu 6%; e com relação à
lavoura permanente, da banana (17,64%), do coco-da-baía
(5,26%) e do maracujá (140%). Quanto à produção, a lavoura
temporária de Itabaiana produziu em 2008, 52.175 toneladas de
alimento, ocupando uma área de 4.940 hectares, enquanto à
lavoura permanente ocupou uma área de 349 hectares, com a
produção de 150 mil frutos6 e 3.133 toneladas de frutas.
Dados do IBGE/SIDRA (2006) mostram que a
produção de hortaliças em Itabaiana é de 2.181 toneladas,
representando 34,47% da produção sergipana (tabela 01). Desse
total, a maior representatividade de Itabaiana frente ao total do
estado é na produção de chicória (100%), de rúcula (88,9%),
uma vez que são culturas evidenciadas nas propriedades
empresariais que tem sua produção direcionada as redes de
supermercados do Estado. Depois desses produtos advém a
6
Dado referente ao número de coco-da-baía produzidos.
cultura de alface (65,51%), uma produção já tradicional no
município e que faz ele ser reconhecido pela produção de
folhagens. Além desses, produz-se em grande quantidade
hortelã (60%), espinafre (50%) e rabanete (50%), sem esquecer
o coentro (37,8%) e a cebolinha (12,87%) que são também
muito cultivados, mas com menor representatividade frente ao
total da produção estadual devido ser uma cultura mais
disseminada em outros municípios, a exemplo de Areia Branca
que produz 30,81% da produção sergipana.
Tabela 01. Produção de Hortaliças na esfera estadual e municipal
Sergipe
Itabaiana
(T)
(T)
Alface
841
551
Coentro 3719
1406
Cebolinha 1421
183
Salsa
314
20
Hortelã 5
3
rúcula
9
8
Chicória 3
3
Almeirão 0
0
espinafre 12
6
rabanete 2
1
Total
6326
2181
Fonte: IBGE, IBGE/SIDRA (2006).
Segundo dados da EMDAGRO (2007), o município de
Itabaiana é ainda responsável pela produção de 19,26% de
amendoim, 88,13% da alface, 87,03% do maxixe, 78,10% da
batata-doce, 71,29% do coentro, 69,10% da cebolinha, 47,48%
da couve, 22,99% da berinjela, 20,42% do chuchu, 13,05% da
macaxeira e 12,70% da beterraba que foram comercializados na
Ceasa de Aracaju, no ano de 2007. Além desses, foram
comercializados nesse espaço, itens de menor expressividade
nos números produtivos do município de Itabaiana, como a
batata-inglesa, a cebola branca, a cenoura e o couve-flor.
5 ÁREAS IRRIGADAS E PRODUÇÃO
A produção agrícola de Itabaiana tem se concentrado em
alguns povoados, como: Caraíbas, Cajueiro, Cajaíba, Pé do
Veado e Serra, e nos espaços com projetos de irrigação, entre
os quais, as áreas do Açude da Macela e dos Perímetros
Irrigados de Jacarecica I e Ribeira que abrangem
respectivamente os povoados de: Macela, Agrovila, Lagoa do
Forno, São José, Junco, Ribeira, entre outros, de forma indireta.
a) Açude da Macela
O Açude da Macela é parte de uma política pública,
estimulada a partir de 1945, após criação da Inspetoria Federal
de Obras Contra as Secas (IFOCS), mais tarde denominada de
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).
Este Departamento centrou sua ação na instalação de infraestrutura de captação e de armazenamento de água, através da
construção de pequenos e médios açudes públicos e
posteriormente, através da perfuração de poços artesianos.
Segundo Pinto (1997, p.107), o açude tem vínculo direto
[...] com o clima e com a população e o
espaço geográfico abrangido por ele. É
para combater a seca e seus afeitos que
surgem os açudes. A sua construção, quer
por particularidades, quer pelo poder
publico, prevê sempre o atendimento aos
flagelados da seca, pela captação de água
por meio de poços, implúvios, cisternas ou
açudes, que aliada a condições pedológicas
favoráveis e tecnologia adequada, garante a
manutenção das populações através da
atividade agrícola‖ (op cit.)
Esse Açude, com a barragem que represa o Riacho da
Macela, apresenta um volume de 2.135.200 m³ de água,
abrangendo 24km². Segundo Borges (1995, p. 60), ―[...] possui
um coroamento de 710 metros e uma largura de 4 metros, com
sangradouro de 16 metros e profundidade de 14 metros. O
talude jusante tem 2,5 por 1,0 metros e o talude de montante,
2,0 por 1,0 metros‖. A área abrangida pela irrigação foi
inicialmente de 43 lotes, e no atual momento existem apenas 32
lotes, por aglutinação (BORGES, 1995) (figura 04).
Figura 04. Açude da Macela. Fonte: Diana Mendonça de Carvalho
(2009).
No momento de sua implantação, o açude gerou
prosperidade e transformações no processo de produção
agrícola do município, tornando Itabaiana conhecida como uma
das mais importantes áreas agrícolas do Estado de Sergipe. Na
década de 1970, com a implantação do modelo de Revolução
Verde norte-americano no Brasil, o município de Itabaiana teve
a incorporação de novas técnicas como o uso de novos
insumos, de defensivos agrícolas e fertilizantes. Fatores que
afetaram o ambiente e provocaram seu atual estágio de
desequilíbrio.
O Açude da Macela se configurou como uma área de
desenvolvimento de uma agricultura intensiva e diversificada,
que superava as tradicionais formas de produção. Sendo assim,
―Itabaiana tem uma longa tradição no uso de irrigação
superficial por sulcos, com excelente nível de aceitação por
parte dos produtos, na área do Açude da Macela, onde se
desenvolve uma agricultura intensiva à base de irrigação‖
(SANTANA, 1996, p.40).
Através dessa irrigação passaram a ser produzidos nesse
espaço folhagens como: alface, cebolinha, coentro, salsa, acelga
e rúcula, além de tomate e pimentão. Decorrente do fato de
esses produtos serem muito perecíveis a pragas, muitos
produtores acostumaram a usar dosagens excessivas e
incorretas de agrotóxicos para evitar perdas e aumentar a
produção. Esse fato contribuiu para alimentar um ciclo de
contaminação das águas do Açude e conseqüentemente das
plantações.
Na década de 1990, além das pequenas propriedades
familiares se organizaram duas empresas agrícolas: a Hortaliça
Vida Verde e a Itahortas que são as fornecedoras de produtos
olerícolas para a rede G Barbosa e Bom Preço de
supermercados. A produtividade da área em 1994 contabilizou
no total anual cerca de 135.000 unidades de folhagens por
tarefa, ou seja, 2.812,5 unidades por semana e em relação ao
tomate, pimentão, quiabo e repolho, esses contabilizaram uma
produtividade anual de 2.069,64 kg por tarefa, isto é, 43,11
kg/tarefa.
Nesse espaço, a empresa Hortaliça Vida Verde, no ano de
2009, produziu semanalmente cerca de 14.695 molhos ou
unidades de folhagens. Além disso, essa empresa intermedia a
comercialização de outras unidades familiares e empresas, como
da Itahortas, com relação a produtos não produzidos por eles,
visando atender a todas as exigências dos contratos
estabelecidos, e assim torna-se grande intermediária,
comercializando olerícolas que contabilizam 80% para a rede G
Barbosa, 5% para BT, 5% para o Varejão, 4% para o Macro e
6% para a Família Peixoto em Itabaiana (Tabela 02).
Tabela 02. Produção de Olerícolas pela Empresa Hortaliça Vida
Verde.
Produtos
unidades
Alface
5800
Rúcula
1900
Chicória
200
Escarola
160
Almeirão
105
Espinafre
350
alface hidropônica
6000
Rabanete
180
Total
14695
Fonte: Trabalho de campo (Setembro, 2009).
Atualmente essa área apresenta, em sua comunidade, uma
população de 244 habitantes, segundo a Empresa de
Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (EMDAGRO,
2008). Essa população depende das atividades irrigantes em sua
grande maioria7. A irrigação ocorre através do bombeamento da
água do Açude para algumas propriedades que acabam regando
suas culturas com aspersão ou técnicas de irrigação a laser, ou
mesmo através de poços tubulares promovem a produção por
bombeamento da água do lençol freático.
7
Pela proximidade com a cidade de Itabaiana, esse povoado se
transformar em um bairro urbano-rural que ainda tem atividades
econômicas ligadas a produção de folhagens, ao mesmo tempo em que já
apresenta uma dispersão da população mais jovem para a cidade, que vive
de práticas comerciais ou de serviços.
Além disso, considerando dados de algumas
propriedades, a produtividade da área por semana é de
aproximadamente 1.500 unidades de folhagem por tarefa, com
propriedades empresariais onde esse índice sobe para 4.850
unidades por tarefa8 e propriedades nas quais o índice semanal é
300 unidades por tarefa. Essa diferença decorre do número de
produtos cultivados. Dessa produção, observou-se que o
produto de mais cultivo é o alface, cuja produtividade variou de
6.000 unidades a 1.000 unidades por tarefa.
Deste modo, pode-se dizer que a área do Açude,
considerada periburbana, é a principal responsável pela
produção de folhagens que abastecerá Itabaiana, principalmente
no que se refere à produção de alfaces.
b) O Perímetro de Jacarecica I
O perímetro de Jacarecica I, construído na sub-bacia do
rio de mesmo nome, afluente da margem direita do Rio Sergipe,
ocupa 398 hectares, subdivididos em 130 lotes de 2,0hectares
que conjuntamente produzem alface, amendoim, batata-doce,
coentro, maxixe, milho-verde, pepino, pimentão e quiabo
(figura 05). Entre 1991 e 2005, o segmento de produção desse
perímetro cresceu 1.475,24%, segundo dados da COHIDRO,
empresa que monitora o perímetro (tabela 03).
8
Índice da Itahortas.
Figura 05. Perímetro Irrigado Jacarecica I. Foto: Diana Mendonça de
Carvalho, 2009.
Pela análise desses dados observou-se a variação de
crescimento, principalmente com relação ao quiabo em
1.593,48%, a batata-doce, em 1.505,76% e ao amendoim em
1.231,42%. Esses crescimentos podem ser justificados, em
relação ao primeiro produto, pelo aumento da demanda do
mercado externo e pela comercialização indireta com redes de
supermercados, intermediada pela empresa agrícola ―Hortaliça
Vida Verde‘; enquanto o segundo, decorrente da demanda
externa e dos melhores preços na pauta de comercialização na
região; e sobre o terceiro, na industrialização e redistribuição
desse produto para as redes de comercialização.9
9
Em Itabaiana existe algumas empresas que promovem o semiprocessamento de produtos como o amendoim e o milho, a fim de
possibilitarem maior mobilidade e facilitar a comercialização realizada
em mercearias e supermercados.
Tabela 03. Produção de hortaliças no Perímetro irrigado de Jacarecica I (1991 - 2005)
Itabaiana/SE Anos
Perímetros
Produtos
Amendoim
Batata Doce
Maxixe
Pepino
Pimentão
Quiabo
Tomate
Outras
Culturas
Jacarecica
Total
Anos
1991
( ton. )
10,47
149,98
4,16
13,52
12,73
17,19
20,10
15,80
243,95
1999
( ton. )
Batata Doce 259,48
Maxixe
1.620,06
Pepino
56,26
Pimentão
119,48
Quiabo
77,27
Tomate
389,30
Outras
Culturas
35,35
877,59
Total
3.434,79
Fonte: COHIDRO, 1991-2005.
1992
( ton. )
88,84
1.939,92
15,04
89,01
111,81
96,18
151,54
1993
( ton. )
75,93
5.057,36
43,76
110,48
154,27
110,06
169,80
1994
( ton. )
123,97
3.396,07
10,14
356,85
89,94
98,22
104,03
1995
( ton. )
253,34
1.806,18
33,95
423,97
140,83
106,57
199,57
1996
( ton. )
231,57
1.744,90
58,35
269,88
142,72
207,73
291,07
1997
( ton. )
183,86
1.847,37
81,43
388,98
125,11
288,14
132,31
1998
( ton. )
170,75
1.250,10
83,98
311,86
158,26
412,87
74,94
101,31
2.593,65
2000
( ton. )
206,10
1.574,27
42,65
143,96
55,59
365,58
137,92
5.859,58
2001
( ton. )
100,58
1.879,15
43,31
152,52
79,30
419,20
407,76
4.856,98
2002
( ton. )
112,00
1.763,20
42,69
108,10
76,69
386,90
177,39
3141,80
2003
( ton. )
108.94
2.732,09
31,96
87.71
88.25
453,75
368,11
3.296,33
2004
( ton. )
151,74
2.555,64
30,17
103,89
73,99
372,76
387,56
3.434,76
2005
(ton.)
139,40
2.408,32
40,21
71,26
35,97
291,11
676,95
3139,71
Variação %
22,90
650,54
3.061,49
90,34
745,75
3.510,15
48,80
807,23
3.345,61
52,60
903,11
4.458,41
23,29
975,97
4.287,45
14,94
941,60
3.842,81
-25,67
5.859,49
1.475,24
1.231,42
1.505,76
866,58
427,07
182,56
1.593,48
Outras culturas também mostraram crescimento
considerável, como o maxixe e o pepino. Todavia, o
crescimento desses produtos, igualmente ao quiabo, é
justificado na demanda externa e nas redes mercadológicas.
Entretanto, deve-se considerar que seus crescimentos não são
contínuos, tendo períodos de maior produção do que outros.
Isso se deve às questões de mercado ou ainda, a condições
edafoclimáticas, que juntamente com pragas, podem ter
causado a diminuição da produção. Além desses, outros
produtos como o tomate e o pimentão, que tinham tradição
produtiva em Itabaiana, têm tido suas culturas diminuídas. Tal
fato tem se explicado não só pelas pragas que ocasionam a
perda e a desvalorização do produto no mercado, como
também, pela substituição desses produtos por outros mais
valorizados, caso principalmente da batata-doce e do
amendoim.
Nos anos que se seguiram a consolidação do perímetro
Jacarecica I passou a ocorrer o crescimento das áreas de
produção, decorrente do roçado, de espaços de pastagem e de
mata. No ano de 2008, a área plantada e o volume de produção,
segundo dados da COHIDRO/Jacarecica I, foi de 331,14
hectares, produzindo 5.976,36 toneladas. Além das hortaliças,
nesse ano alguns outros começam a ganhar espaço, caso do jiló,
brócolis e pimenta. Os dois primeiros, demandados pelo
mercado sergipano, através das redes de supermercados.
Enquanto a pimenta tem sua cultura incentivada pelos bons
preços pagos pelo grupo Maratá, para a industrialização e
fabricação de condimentos.
Segundo o coordenador desse perímetro, existe o
predomínio na produção de batata-doce, sendo comercializado
cerca de ―6 caminhões‖10 num único dia na semana durante o
10
Cada caminhão carrega em média 15.000kg, ou 15 toneladas de
mercadorias. Normalmente os intermediários da batata-doce costumam
definir um dia na semana para passar nas propriedades, negociar e
recolher a produção.
período de safra para intermediários. Além disso, toda a
produção de hortaliças, legumes e raízes conta com a assistência
técnica da COHIDRO e DEAGRO. A produção desse
perímetro visa atender principalmente a demanda municipal,
sendo distribuído pelos próprios agricultores e mesmo por
intermediários que também atendem a demanda estadual e
regional e seguramente a demanda nacional, a exemplo do
pimentão e quiabo exportados para o estado da Bahia e mesmo,
da batata-doce, vendida para mercados sulistas, a exemplo do
estado do Rio Grande do Sul.
c) O Perímetro da Ribeira
O perímetro da Ribeira, localizado na Bacia do rio
Traíras, afluente da margem esquerda do Rio Sergipe, ocupa
área total de 1970 hectares, com 466 lotes irrigados de
tamanhos inferiores a 5hectares, onde se beneficiam 11
povoados de Itabaiana e seis de Areia Branca. Nele se cultiva
batata-doce, coentro, cebolinha, pimentão, tomate, couve,
amendoim, berinjela, alface, feijão e vagem (figura 06). Este
perímetro apresenta também projetos de piscicultura, com a
criação de peixe da variedade tilápia. Entre 1991 e 2005, a
produção desse perímetro cresceu 333,59%, segundo dados da
COHIDRO (tabela 04).
Figura 06. Perímetro Irrigado Ribeira. Foto: trabalho de Campo
(2009).
Tabela 04. Produção de hortaliças no Perímetro irrigado da Ribeira.
Itabaiana/SE
Perímetros
Ribeira
Ano
Produtos
Amendoim
Batata
Doce
Cebolinha
Coentro
Pimentão
Tomate
Outras
Culturas
Total
1991
( ton. )
26,46
1992
( ton. )
114,27
1993
( ton. )
101,50
1994
( ton. )
137,57
1995
( ton. )
245,71
1996
( ton. )
94,49
1997
( ton. )
146,88
1998
( ton. )
241,6
159,33
0,39
24,18
43,93
71,74
1.096,29
31,30
160,82
243,81
442,68
2.528,35
87,74
470,81
214,32
587,62
3.999,59
166,53
1.307,78
184,53
608,85
4.211,05
167,10
1.345,47
361,72
529,10
4.267,73
255,68
1.199,86
295,47
415,59
3.403,72
266,98
1.355,25
345,36
465,54
3.447,81
198,63
1.205,60
257,46
174,98
90,50
416,53
992,90
1.724,37 1.419,99 1.544,05 1.681,67 2.140,91 1.650,48
3.082,07 5.714,71 7.824,84 8.404,20 8.210,49 8.124,64 7.176,58
Variação
2000
2001
2002
2003
2004
2005
%
( ton. )
( ton. ) ( ton. ) ( ton. ) ( ton. ) (ton.)
316,78
178,51 132,27 127,97 108,36 48,90
84,80
Ano
1999
( ton. )
Amendoim 304,54
Batata
Doce
4.178,52
Cebolinha 214,98
Coentro
1.281,07
Pimentão 165,13
Tomate
162,17
Outras
Culturas
1.224,92
Total
7.531,33
Fonte: COHIDRO, 1991-2005.
4.217,67
266,48
1.263,39
238,02
251,51
5.365,68
366,74
1.080,76
287,43
332,29
3.377,93
274,93
1.211,86
138.64
106,57
4.457,63
297,84
882,32
249,53
102,52
3.623,39
309,37
965,12
210,49
73,82
1.221,95
39,24
58,99
82,62
21,83
666,93
9.961,53
143,96
88,07
-69,57
1.612,06 1.656,91 1.196,80 1.606,45 1.223,65 332,53 267,43
8.165,91 9.268,32 6.439,00 7.724,26 6.514,20 1.806,06 333,59
Pelos dados da COHIDRO (1991-2005), nessa área, o
foco principal tem sido a produção de hortaliças,
principalmente dos folhosos, como cebolinha e coentro, que
juntos apresentam um considerável crescimento de 10.105,49%.
Tal crescimento deve-se principalmente à ampliação da
demanda dos mercados no estado da Bahia. Fato justificado,
segundo técnico desse perímetro, no atendimento à demanda
primeiro de Itabaiana e de outros municípios sergipanos, como
Pinhão, Macambira, Pedra Mole e de Aracaju. Contudo, há
períodos de safra, em que é possível visualizar a saída diária de
3 a 5 caminhões repletos de coentro em direção a Salvador.
Além dessa cidade, a produção de hortaliças tem atendido a
outros municípios baianos, como Ribeira do Pombal, Euclides
da Cunha, Entre Rios e Esplanada. Em relação à batata-doce,
esta tem sido vendida principalmente no mês de março para o
Rio Grande do Sul e Argentina.
Além das folhagens, a batata-doce, igualmente ao que
ocorre no perímetro Jacarecica I, tem ampliado gradualmente
sua produção. A variação de 1991 a 2005 foi de 666,93%, em
virtude da demanda externa e dos preços no mercado.
Entretanto, o tomate como produto tradicionalmente
produzido em Itabaiana tem diminuído drasticamente sua
produção (cerca de 69,57%). Isso se deve, segundo os próprios
agricultores, à sua substituição por produtos mais valorizados
no mercado e aos problemas ocasionados por sua produção,
como o manejo com agrotóxicos para a prevenção de pragas.
A intervenção do Estado nessa área de irrigação é
destacada com a inserção da COHIDRO que presta assistência
técnica, serviços operacionais e de manutenção dos
equipamentos. Esse apoio contribuiu para a diversificação
produtiva dos lotes do Perímetro da Ribeira, que em 2008,
ocupou uma área de 715,3 hectares, com produção de 7.213,791
toneladas, destacando-se os seguintes produtos: abobrinha,
alface, amendoim, couve, feijão, hortelã, pepino, pimentão,
quiabo, repolho, entre outros. Desses, a produção de hortelã e
pimenta foi impulsionada pela demanda do grupo Maratá.
A comercialização de hortaliças provenientes da Ribeira é
feita pelos agricultores nos mercados varejistas, a exemplo das
feiras, ou repassadas para intermediários. Esses fazem a
distribuição dos produtos folhosos tanto para o mercado local,
quanto para outros mercados a nível estadual e nacional.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas públicas impostas pelo Estado na promoção
de áreas de irrigação no município de Itabaiana contribuíram
para que esse território se tornasse uma importante referência
regional no desenvolvimento da agricultura familiar. Essa
questão agregada às características histórico-econômicas e
naturais incentivaram a transformação da cidade de Itabaiana
em entreposto comercial dessas hortaliças.
Ainda verificou-se que o incentivo às práticas irrigantes
auxiliou juntamente a utilização de técnicas e insumos agrícolas,
o aumento da produção do município, sendo, nas áreas de
perímetros, possível se observar em função da assistência
técnica e controle mantido pelos órgãos institucionais. No
perímetro de Jacarecica I, o crescimento da produção foi de
1.475,24%, enquanto no da Ribeira foi de 333,59%,
considerando a análise de dados referentes a mais de uma
década (1991-2005). No ano de 2008 a produção dessas duas
áreas aumentou um pouco com o incentivo à produção de
novas culturas demandadas pelo mercado consumidor. Já no
Açude da Macela, estima-se que também houve aumento,
principalmente por parte da presença de algumas empresas
agrícolas. Conforme o trabalho de campo a produtividade entre
as pequenas propriedades variam entre 300 e 5.000 unidades de
folhagens por tarefa durante a semana, sendo a alface a
hortaliça mais produzida.
Desse modo, o pequeno agricultor que conta com a
família e com a irrigação para a plantação de hortaliças tem
direcionado sua produção para o que é demandado pelo
mercado consumidor, tornando-se muitas vezes, ele próprio, o
comerciante de sua produção.
A cadeia de comercialização das hortaliças, desse modo,
pode ser classificada como restrita ou ampla a depender da
atuação do produtor e de intermediários. Ela é considerada
restrita quando o produtor comercializa diretamente com o
consumidor, sendo ele responsável pelo transporte da produção
até as feiras, ou ainda, quando entrega diretamente ao
intermediário. Enquanto a atuação do intermediário se faz
sentir na aquisição do produto junto ao agricultor e no repasse
dos produtos ao mercado varejista e atacadista, ou ainda, para
outros intermediários com maior poder de compra, que acaba
adquirindo-os e consorciados a outros produtos que remetem à
comercialização em mercados mais longínquos.
Logo, a agricultura irrigada é uma atividade familiar que
tem se sustentado a partir de sua produtividade e ―alimentado‖
redes de intermediação antes de o produto chegar ao
consumidor final. Nesse processo, técnica e prática têm
auxiliado na auto-suficiência do município de Itabaiana em
relação às folhagens e em sua transformação no mercado de
distribuição e comercialização regional, como também para a
determinação de uma relação campo-cidade complementar,
pois ao mesmo tempo em que o campo fornece alimentos, a
cidade fornece insumos e bens de consumo.
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FRAGMENTAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO NO
SUDESTE DA BAHIA: DAS REGIÕES ECONÔMICAS
AOS TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE.
Edvaldo Oliveira11
1 INTRODUÇÃO
Desde a regionalização por zonas fisiográficas de 1946,
do IBGE, até a fase atual, a Bahia passou paro mais de 20
regionalizações, culminando com a Regionalização Econômica,
em que se destaca a Região Sudoeste e mais recentemente com
a nova regionalização adotada pelo governo do Estado - os
Territórios de Identidade. Esse novo processo revela a
fragmentação de uma regionalização que, na tentativa de
estabelecer uma dinamização pelas políticas de Estado via
programas de desenvolvimento regional com ênfase na
sustentabilidade, já dava sinais de desgaste, imprimindo uma
subespacialização/fragmentação.
A regionalização econômica e administrativa do Estado
da Bahia, instituída pela SEI - Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais, desde 1996, define 15 as regiões e,
embora tenha sido frequentemente utilizada como recorte
privilegiado de investigação, não se aplica mais com a mesma
força. Isso porque, se entende que a utilização de um recorte
com propósitos de investigação, em qualquer que seja a escala
(incluindo a região Sudoeste e seus subespaços)12, não pode se
11
Professor do Departamento de Geografia da UESB. Doutorando do
NPGEO/UFS. Membro do Grupo de Pesquisa sobre transformação no
mundo Rural – CNPQ.
12 Em termos de localização a Região denominada Sudoeste é muitas vezes
confundida como Sudoeste da Bahia. No plano locacional e de orientação
referendar numa concepção tradicional de região estabelecida
de maneira rígida e absoluta. Ao contrário, deve-se apreendê-la
como realidade dinâmica produzida por diferentes relações nem
sempre passíveis de delimitação, pois os processos sociais que
lhes dão vida vão além dos seus limites.
O desgaste natural da implementação dos recortes
regionais se deu pela concentração das políticas nas regiões
mais desenvolvidas, mesmo porque, o processo de
regionalização efetivada pelo Estado da Bahia, privilegiou a
cidade de Salvador como centro nodal. Daí, algumas
dificuldades de entendimento quanto aos posicionamentos
cartográficos das regiões.
Uma primeira tentativa de ―salvar‖ os recortes regionais
na modalidade econômica, buscando dinamizar cada região foi
implementada no início dos anos 2000, com a elaboração dos
Programas de Desenvolvimento Regional Sustentável – PDRS.
O mecanismo consistia em recortar os espaços regionais em
espaços menores, conforme áreas de influência intra-regional a
partir do conceito de subespaço.
A partir desse desgaste, da adoção de políticas
concentradas nas regiões luminosas, conforme Milton Santos,
deixando de lado as regiões deprimidas, e por conseqüência,
mais carentes de recursos e investimentos, é que recentemente
adotou-se, levando em conta as políticas do Governo Federal,
uma nova regionalização, contando com recortes denominados
de Territórios de Identidade. Esse procedimento acabou por
fragmentar os recortes regionais, em sua maioria, dando lugar à
nova regionalização.
É nesse contexto que se faz nesse trabalho um exercício
no sentido de explicar a nova regionalização por Territórios de
identidade, sobrepondo à regionalização econômica de 1996. O
critério regionalização econômica de 1996 levou em conta as
potencialidades econômicas regionais, com ênfase nos pólos
cartográfica a região está a sudoeste de Salvador e a sudeste do Estado da
Bahia.
dinâmicos de desenvolvimento bem como nas regiões que
apresentavam depressão econômica e problemas de natureza
social. Naquele momento foram eleitas como pólos dinâmicos
para a regionalização a microrregião de Salvador, como centro
principal, e áreas adjacentes e ainda as regiões sob influência de
Guanambi, Irecê, Barreiras, Juazeiro e Vitória da Conquista,
como centro regional da Região Sudoeste. Faz-se ainda uma
breve exposição teorica sobre o território, região e subespaço,
este em razão da tentativa de dinamizar a região Sudoeste a
partir do PDRS, Programa de Desenvolvimento Regional
Sustentável. Traz uma breve análise do processo de
implementação dos Territórios de Identidade, com base nos
Territórios Rurais sustentáveis do Governo Federal, com os
mapas de sobreposição e da fragmentação da política regional
para uma nova ordem, que começa a ser implementada e cujos
resultados só o tempo dirá.
2 REGIÃO TERRITÓRIO E SUBESPACIALIZAÇÃO
O conceito de região tem sido considerado ―caro‖ aos
geógrafos
diante
do
processo
de
globalização/internacionalização da economia, além da própria
complexidade que o conceito tem apresentado. Essa
complexidade pode ser verificada quando Milton Santos (1997,
p. 45) afirma que ―Estudar uma região significa penetrar num
mar de relações, formas, funções, organizações, estruturas, etc.
com seus mais distintos níveis de contradição‖.
No plano conceitual o termo região, no seu uso
corrente, obedece a diferentes significados. Pode ser usado
tanto para a diferenciação de áreas, quanto para a repartição ou
divisão da superfície terrestre. Portanto, ―A região neste novo
contexto, é definida como um conjunto de lugares onde as
diferenças internas entre esses lugares são menores que as
existentes entre eles e qualquer elemento de outro conjunto de
lugares‖ (CORREA, 2000, p. 32). A cada recorte espacial que
determine uma área com características diferenciadas, seja física
ou humana, de interesse ou desinteresse do capital, a rigor,
acaba recebendo, principalmente no senso comum, a
denominação de região. Abramovay (2003), por exemplo,
aborda um recorte menor da região, particularmente a
agricultura familiar que denominou de regiões rurais.
Dessa maneira, a regionalização passa a ser uma tentativa
de captar a diferenciação regional ou de áreas de atuação. No
entanto, os últimos debates sobre a região identificam como
uma entidade em constante mutação ou flexibilização. Essa
flexibilidade da região é mais freqüente nas áreas industriais e
menos nas regiões agrárias, em função da especificidade da
produção. Exemplos dessa flexibilização podem ser observados
por Abramovay (2002) Haesbaert (1996) e Silva et al. (2003)
sobre as mudanças no oeste da Bahia.
No plano mais pragmático, o sentido políticoadministrativo tornou-se o mais comum e aplicado,
identificando a região com a divisão territorial consagrada para
a gestão pública e pelas práticas administrativas. Pode ser a
nação, os estados e os municípios ou um conjunto ou
subconjunto de cada uma dessas unidades territoriais. Na
perspectiva do desenvolvimento de uma política agrária regional
diferenciada, por exemplo, percebe-se que o desenvolvimento
geograficamente desigual é discutido como uma condição para
a reprodução do capital em sua fase contemporânea, tendo na
ação do Estado um importante fator de explicação.
Na prática, a região acaba possuindo o sentido de
planificação, de delimitação, do estabelecimento de limites
espaciais com os fins mais diversos Mesmo com a adoção de
uma política regional, observa-se que o próprio Estado não tem
priorizado os recortes político-administrativos, construídos e
concebidos pelo seu próprio planejamento. Porto (2002) referese ao desmonte institucional das regiões tradicionalmente
estabelecidas no Estado da Bahia. Ao restringir a eficácia das
regiões estabelecidas acaba por inviabilizar a própria ação do
poder público. Referendando a fluidez da região, lembra que a
maioria dos recortes regionais, ou mesmo os territórios, se
agrupam oportunisticamente para responder a necessidades
pontuais e passageiras.
Assim, uma regionalização pode atender a
uma necessidade de uma política para o
turismo e, de outra parte, outro formato
regional deve ser desenhado para atender
às demandas das políticas vinculadas ao
setor agrícola, por exemplo (PORTO,
2002, p.109).
O problema agrário está relacionado com a questão
regional pelo fato de as políticas do e no campo refletirem a
política de estabelecimento das regiões agrícolas e rurais
(ELIAS, 2003). Paralelamente, a análise do território, também
como categoria, aliada ao processo de regionalização objetiva
fortalecer a argumentação da apropriação do espaço geográfico,
diga se espaço agrário, seja pelo processo de modernização via
discurso do desenvolvimento, seja pelas alterações fundiárias
observadas no campo.
Avalia-se o território como lócus das ações de poder e
como parte do espaço geográfico universal que direciona para a
concepção de território agrário, território urbano, com as mais
diversas formas de dominação do espaço. Nessa ralação
território/espaço, Girardi (2009), parte do princípio de que,
para a análise territorial é essencial compreender os conceitos
de espaço geográfico e território como indissociáveis. Negret
(2008) trata da fluidez e instabilidade do território e região
através da diluição das fronteiras. Nesse sentido, ao revisar e
discutir alguns dos conceitos mais reconhecidos pela trajetória e
importância teórica sobre espaço relata as mudanças aceleradas
no conceito de espaço e território, levando em conta seus
limites convencionais. O que se vê então é a materialização das
ações no espaço, pela via da apropriação, capaz de manter, de
alguma forma, o seu controle, que aqui se caracteriza como o
territorialização.
Pires lembra que a criação de um território depende de
como as comunidades se organizam em termos políticos e
societários, de como são concebidas as instituições
democráticas que impulsionam estratégias de alcance das
finalidades em forma de projeto comum. Assim,
O desenvolvimento territorial é o resultado
de uma ação coletiva intencional de caráter
local e especifíco, portanto uma ação
associada e uma cultura, a um plano e
instituições locais, tendo como vista
arranjos de regulação das práticas sociais
(PIRES, 2007, p76).
Ressalta que é apenas nesse caso que o território é mais
que um promotor de ativos e recursos específicos, é o principal
agente coletivo de desenvolvimento.
É necessário pensar o território a partir das ações
sociais, econômicas e administrativas. Haesbaert (2004) lembra
a existência de três vertentes básicas acerca da noção de
território: a vertente política ou jurídico, a econômica e a
cultural ou simbólica. Dessas vertentes cada processo de
formação do território utiliza um viés. Por outro lado, o
estabelecimento do território pode ser efetivado pela
apropriação do espaço.
Girardi admite ―[...] que essas relações de poder são
desempenhadas pelos sujeitos que produzem o espaço e têm
objetivo de criar territórios, aos quais denominamos sujeitos
territoriais‖. Destaca ainda que esses sujeitos são: o indivíduo
(e/ou a família), os grupos, as coletividades locais, o Estado, a
autoridade supranacional e as empresas. (Op. Cit, 2009, pp
37,38). Ao exercerem seu poder no espaço para a criação de
territórios, os sujeitos ou atores promovem o processo de
territorialização/ desterritorialização/reterritorialização que
Girardi denomina TDR.
O processo de territorialização pode ser entendido
como a forma em que o território se materializa, bem como a
manifestação das pessoas, a especialização de qualquer
segmento da sociedade, como por exemplo, a produção
econômica de um determinado produto. A desterritorialização
tanto por ser reconhecida como um processo histórico como,
mais recentemente, identificada como processo e produto da
globalização que tende a desenraizar as coisas, as idéias,
mercadoria, mercado, moeda, capital, entre outros. Isso é visto
de forma explícita no espaço agrário, pela implantação do
agronegócio. Avaliação importante pode ser observada no
trabalho de Haesbaert (1996), que marca um processo de
desterritorialização de áreas do cerrado baiano como processo
de ocupação dos sulistas na região, que levando consigo sua
cultura, sua técnica e sua identidade aceleraram o processo de
―desterritotorialização‖. A ―reterriorialização‖ da região é
ordenada pelos sulistas, quase sempre com o apoio da elite
local, que tentam transplantar os costumes e a própria paisagem
do sul para a região
É conveniente considerar que de fato a globalização dos
fluxos e a implantação de fixos, mesmo no campo, bem como a
ampliação das relações econômicas resultantes do
desenvolvimento do capitalismo tornou a realidade muito mais
complexa. Isso fez com que o planejamento territorial passasse
a ser considerado como um instrumento privilegiado para a
organização do espaço, tal como o planejamento econômico era
para a intervenção do Estado.
No tocante à categoria subespaço, embora tenha sido
pouco discutida, cabe aqui uma breve análise conceitual em
razão do chamado processo de subespacialização na Região
Sudoeste, antes da sua fragmentação para dar lugar aos
Territórios de Identidade. O termo subespaço aparece na
bibliografia como representação de um mosaico, resultante da
dinâmica espacial em várias escalas. Em sentido lato pode-se
dizer que o subespaço fundamenta-se no território e revela-se
na forma de mosaico. Souza (1997, p. 2) ao tratar as
desigualdades sociais verificadas nos lugares, paisagens e
regiões, chama atenção para o fato de que ―[...] um projeto para
o Brasil deverá necessariamente considerar esta consciência
sobre o território nacional e os seus subespaços‖.
No tocante à concepção temporal da formação de
subespaços Santos deixa claro a idéia de que há uma
historicidade desses subespaços ao afirmar que, ―[...] em cada
momento, há sempre um mosaico de subespaços, cobrindo
inteiramente a superfície da Terra e cujo desenho é fornecido
pelo curso da história: a escala deixa de ser uma noção
geométrica para ser condicionada pelo tempo‖ (SANTOS,
2006, p. 110).
Um conceito ou categoria de análise-chave para entender
a noção de subespaço é o de território. Na verdade, fica difícil a
separação entre as concepções de território e região para
entendimento da noção de subespaço. A região é, portanto,
uma expressão dos territórios que, por sua vez, define os
subespaços. Assim a funcionalidade do mundo é mutante e o
recorte regional tem por fundamento não seus limites, mas as
coerências funcionais existentes nos subespaços.
O que se depreende é que, no período atual, o mundo
está organizado em subespaços articulados dentro de uma
lógica global (SANTOS, 1988), gerida por um motor único,
identificado aqui pela globalização. Essa articulação realiza-se
por meio das redes que atuam de forma criteriosa sobre o
território. Nessa perspectiva, os acontecimentos são um
produto do mundo e do lugar ao mesmo tempo. Daí o
princípio de que, ―[...] tanto a região quanto o lugar são
subespaços subordinados às mesmas leis gerais de evolução,
onde o tempo empiricizado entra como condição de
possibilidade e a entidade geográfica preexistente entra como
condição de oportunidade‖ (SANTOS, 2006. p108). Dessa
forma, subespaços podem ser identificados como parte da
região, lugar e implica necessariamente a noção de território.
Quanto a diferenciação entre espaços urbano e rural, o
espaço urbano parece dominar a cena uma vez que é quem
articula com os demais subespaços. Como observa Santos,
[...] o espaço total é constituído de
subespaços: agrícolas, urbanos, mineiros,
estratégicos etc. Desses, somente o
subespaço urbano tem as condições
requeridas (o aparelho terciário) para
manter relações com os demais
subespaços‖ (Op. Cit., 1988, p. 112.).
Mesmo assim, em uma análise urbana, para dar conta de
explicar a diferenciação espacial, carece de observações da
dinâmica de entorno, em subespaços contíguos, ou periurbano.
De qualquer forma, o espaço urbano é também influenciado
pelos espaços fora do seu limite, pois, ―[...] o que se passa nos
subespaços não-urbanos tem uma lógica própria, que influi
sobre o sistema urbano. Desse modo, o estudo exclusivo deste
só pode levar a resultados fragmentados e possivelmente
falsos‖ (SANTOS, 1988, p.111). Isso remete ao sistema urbano
como um sistema heterotrófico, dependente quanto ao
consumo do espaço rural.
Se tomar a cidade como campo isolado para verificação
dos subespaços, com efeito a análise ficará incompleta. Assim, a
articulação entre a cidade e o campo evita as dificuldades de
intepretação e observação dos subespaços. Ambos matêm
identidades e uma imbricação capaz de dar explicações como
subespaços diferenciados. O que se deduz que ―[...] o campo e a
cidade, anteriormente compreendidos por suas diferenças
territoriais, tanto em papéis como em relação à produção e ao
consumo, apresenta de modo anômalo outro sentido no
interior dos subespaços‖. E que ―[...] a dinâmica do espaço
torna-se a base fundamental para a análise do processo destes
subespaços, sobretudo no momento em que este se apresenta
aliada à idéia de sistemas de tempo‖ (ROCHA e
PIZZOLATTI, 2005, p50).
Essa troca entre os espaços urbano e rural tende a se
diferenciar, também, pelo avanço da urbanização sobre os
territórios rurais, criando uma interface da e na biota urbana
com o espaço agrário. É o que observam Rocha e Pizzolatti, ao
avaliar que ―[...] a urbanização, à medida que avança sobre o
território, tem representado uma particular relação cidade –
campo que consiste na presença de subespaços rurais no espaço
urbano‖ (Op. Cit. 2005, p.48). Daí a prática agrícola muitas
vezes avançar sobre os subespaços urbanos e estes sobre o
espaço rural. Esse contato é evidente, pois ―no interior das
cidades, principalmente em áreas de franjas urbanas, atividades
rurais permanecem em contato com atividades urbanas, sendo
que nestes subespaços, heranças e ―modos de vida‖ distintos
configuram uma particular configuração sócio-territorial do
espaço urbano. (Op. Cit., 2005, p.46).
As observações feitas sobre a subespacialização aqui
apresentadas, nas suas várias escalas: global, regional, territorial
e local, evidenciam a presença nas principais categorias de
análise da geografia. O que fica claro é a noção de subespaço ou
subespacialização no trato das questões espaciais sem restrição
de uso do conceito. Observação semelhante feita por Rocha e
Pizzolatti (2005 p.48) dá conta de que as discussões sobre
campo e cidade na definição de subespaço ―mostram-se pouco
abrangentes quando desconsideram o espaço urbano como um
mosaico de subespaços articulados, composto por grupos
sociais e modos de vida distintos‖. Lembram ainda que as
configurações das particularidades desses subespaços
necessitam de uma interpretação mais apurada.
O processo de regionalização ou de subespacialização
implica, hoje, na concepção de rede, nas mais variadas formas
de tratá-las, principalmente no que diz respeito à rede urbana,
como as redes técnicas. Na discussão sobre os subespaços
Santos, (1999 p.214) chama atenção para o fato de que ―[...]
num mesmo subespaço, há uma superposição de redes, que
inclui redes principais e redes afluentes ou tributárias,
constelações de pontos e traçados de linhas.‖ Santos afirma
ainda, que o aproveitamento social das redes apresenta-se de
forma quanto ao uso. A rede se torna então, elo entre os
subespaços e a região e não deve ser deixado de lado no
planejamento regional, ou mesmo no caso da subespacialização.
Os argumentos para a subespacialização, contando com a
rede, remetem à análise de Santos (1997) envolvendo a
totalidade das redes, sendo esta totalidade a primeira delas. A
segunda totalidade apresentada por Santos remete ao território,
estado, país. A terceira totalidade, que interessa nessa análise,
refere-se ao lugar – aqui entendido como entidade espacial mais
próxima do subespaço.
Em outro viés, pode se observar que, para a
regionalização, seja uma subespacialização ou uma
fragmentação, deve-se levar em conta as redes. ―Há diferentes
redes recobrindo a superfície terrestre, redes que são planejadas
e espontâneas, formais e informais, temporárias e permanentes,
materiais e imateriais, regulares e irregulares.‖ (CORRÊA, 2000,
p.53) E são essas diferentes redes que promovem a
conectividade dos lugares e articulam as diversas regiões ou
subespaços.
3 A FRAGMENTAÇÃO ESPACIAL NO SUDESTE DA
BAHIA: O PDRS E O PROCESSO DE FRAGMENTAÇÃO
DA REGIÃO DENOMINADA SUDOESTE
O processo de planejamento no âmbito do Estado baseia
se, a rigor, em modelos diversos de regionalização que seguem
particularidades em cada setor de sua organização. Nesse
sentido, é comum uma dissociação geocartográfica, criando
várias regionalizações. No processo de planejamento, a Bahia
estabeleceu, no final da década de 1990, a implementação de
Programas de Desenvolvimento Sustentável-PDRS, nas regiões
econômicas. Na primeira fase foram elaborados os Programas
das Regiões Sul da Bahia, Recôncavo, Sul, Chapada
Diamantina, Oeste, Sudoeste e Nordeste. Neste aspecto
pretende-se confrontar o conceito e a metodologia adotada para
o processo de fragmentação do espaço regional baseado na
subespacialização, especificamente do PDRS/Sudoeste, diante
dos argumentos apresentados, no âmbito da geografia e dos
conceitos de subespacialização.
A subespacialização marcou o processo de elaboração do
Programa de Desenvolvimento Sustentável da Região Sudoeste
– PDRS. Como visto anteriormente, os subespaços
apresentam-se como mosaicos de espaços maiores. Neste caso,
a base para a subespacialização, embora tenha sentido de uma
regionalização, remete ao levantamento de dados da população
e da rede urbana, mesclada do potencial econômico para a
divisão dos espaços a partir dos municípios, como limite
territorial e das cidades maiores como focos de polarização. A
caracterização regional vem do próprio Programa ao definir
como ―o sistema de regionalização com a indicação e a
caracterização dos subespaços regionais‖. (CAR -BA, 2000, p.
15). Ou seja, o que se propunha era fragmentar a região
sudoeste em pequenos agrupamentos espaciais, que denominou
de subespaços.
Um conceito mais claro sobre a subespacialização foi
encontrado no PDRS/sul, em que
[...] o subespaço de uma região é a área
delimitada pela aplicação de um método de
regionalização, composta por um centro
principal e sua correspondente área de
influência, podendo ter diferentes
tamanhos e graus hierárquicos, em função,
principalmente, do nível de diversificação
alcançado pelo mesmo (CAR -BA, 1997,
p.101).
Na definição do PDRS/Sudoeste em que o processo de
subespacialização, que normalmente vem sendo empregado na
área de planejamento ―tem sua origem na palavra subespaço e
significa o processo de identificação e delimitação de subáreas
componentes de um determinado espaço territorial‖. (CAR BA, 2000, p33).
O território aí identificado induz mais ao critério de
investimentos do Estado do que os limites territoriais da região,
uma vez que é concebido a partir dos limites dos 39 municípios
que compõem a Região Sudoeste. Isso, tomando o conceito de
território no sentido de delimitação de área para implementação
de políticas de planejamento e investimentos.
O processo de fragmentação e subespacialização da
região é apresentado a partir de um o caminho metodológico
pré-definido.
Como o projeto de implementação dos
Programas de Desenvolvimento Sustentável tem natureza
política administrativa, o PDRS/Sudoeste traz como estrutura
de implementação a subespacialização fundamentada na
identificação dos efeitos da polarização entre cidades e suas
áreas de influências, o que permitiria uma melhor orientação
das ações de governo quanto à localização e natureza dos
investimentos. O objetivo, portanto, era estabelecer uma
subespacialização delimitando subáreas, componentes de um
espaço territorial.
Assim os Programas visavam a partir de suas
desigualdades e potencialidades socioeconômicas, implementar
um processo de desenvolvimento regional baseado num
diagnóstico mais real. O que interessa aqui são os conceitos de
subáreas e território, uma vez que o processo de regionalização
econômica adotada tem como centro a cidade de Salvador.
Portanto,
[...] o principal produto do trabalho de
subespacialização é a indicação de um
sistema de subáreas, definido aqui como
subespaços e que poderão ter diferentes
dimensões,
sobretudo
espaciais,
decorrentes da localização, composição,
estrutura e intensidade da produção
socioeconômica de cada um. (CAR -BA,
2000, p 34).
Para tanto, o Programa adotou subconjuntos de área,
componentes de uma determinada unidade espacial, utilizando
as técnicas de regionalização, as quais permitem dividir este
espaço em unidades menores.
Para fundamentar o conceito de subespaço, o Programa
elegeu além da centralidade das cidades maiores, o viés
econômico, in loco, tomando como princípio uma base de dados
econômico e populacional para estabelecer a subespacialização.
Dessa forma, adotou o ―modelo de desenvolvimento
econômico, baseado na localização dos investimentos, nas áreas
de melhores e mais rápidas possibilidades de retorno, resulta no
crescimento socioeconômico concentrado espacialmente‖
(CAR -BA, 2000. p.34). Neste caso, tomou como parâmetros as
taxas de crescimento relativamente mais altas em determinadas
localidades com o argumento de que estas cidades, possuindo
estruturas urbanas mais complexas, passam a manter domínios
de influência sobre áreas específicas, agrupando territórios
municipais e definindo subespaços. O conjunto formado por
este centro e sua respectiva área de influência definiu-se como
sendo o subespaço de uma região.
O projeto elaborado para a elaboração do PDRS adotou
o modelo gravitacional e polarizado baseado em Hilhorst (1971)
considerando a subespacialização a partir dos três fatores
decisivos: a) os objetivos da regionalização (para efeito de
análise ou para efeito de planejamento); b) os critérios da
regionalização (de interdependência entre centros ou de
homogeneidade) e, c) as informações disponíveis. Assim,
considerando que a escolha do método de subespacialização
depende do tipo de região que se deseja e como o tipo
escolhido é o de região polarizada, os planejadores optaram pela
aplicação do modelo gravitacional e de potencial. Como se
pretendia, estabeleceu-se uma nova dinâmica a partir desse
modelo e considerou as seguintes condições: a) um meio de
comunicação que ligue cada subespaço aos demais da região; b)
a contigüidade dos subespaços (topologia espacial); c) estudos
da região como um todo com cada espaço definido em suas
respectivas áreas, ou seja, nenhum município pode pertencer a
dois subespaços; d) o município como base territorial para a
composição dos subespaços e um centro urbano polarizador
que permita visualizar um nível hierárquico. Nesse sentido, a
idéia de rede se faz sentir de forma mais nítida, porém, pouco
trabalhada no Plano. A figura 01 mostra Região Sudoeste e o
traçado das isopotenciais e áreas de influência, envolvendo
desde o nordeste de Minas Gerais até o ponto definidor da
regionalização econômica da Bahia, a cidade de Salvador.
Figura 1- Região Sudoeste - Traçado das Isopotenciais e Áreas de
Influência. Fonte: CAR-BA - PDRS/Sudoeste.
O modelo adotado segue o padrão das modelos
matemáticos para o processo de regionalização. Por modelo
potencial o Plano esclarece que ―que é uma variante do modelo
gravitacional apresentado por Isard, baseia-se no princípio do
campo de forças de Newton, ou seja, entre duas cidades onde
se desenvolvem atividades humanas,‖ (CAR -BA, 2000, p.36). A
ideia de fragmentação parte da existência da força de interação
baseada na função direta do tamanho de suas populações e
função inversa da distância que as separam. Implica então entre
distância e volume da população. Essa interação nem sempre se
torna real, como de regiões onde apresenta limites estaduais.
Existem cidades que sofrem atração de outras regiões fora dos
limites administrativos e do âmbito da Unidade Federativa. Isso
pode ser observado no norte de Minas Gerais e Sudeste da
Bahia onde a população busca interpolação com municípios
fora da área planejada pelo Estado. Com base então no modelo
adotado e a partir das variáveis foi elaborado o mapa de
subespacialização/fragmentação da Região Sudoeste para efeito
e implementação do Plano de Desenvolvimento Regional
mostrado na figura 02.
Região Sudoeste
Subespacialização
conforme o PDRS
Planaltino
Irajuba
Santa Inês
Subespaço de Jaquaquara
Cravolândia
Itaquara
Maracás
Lajedo do Tabocal
Itiruçu
Jaguaquara
Lafaiete Coutinho
Subespaço de Jequié
Jequié
Manoel Vitorino
Mirante
Caetanos
Bom Jesus da Serra
Boa Nova
Subespaço de Poções
Poções
Anagé
Caraíbas
Iguaí
Subespaço de
Vitória da Conquista
Ibicuí
Planalto
Nova Canaã
Barra do Choça
Firmino Alves
Belo Campo
Caatiba
Tremedal
Itororó
Vitória da Conquista
Itambé
Subespaço de Itapetinga
Cândido Sales
Itapetinga
Ribeirão do Largo
Encruzilhada
Macarani
MaiquiniqueItarantim
Potiraguá
Km
0
20
40
60
80
Figura 02. Região Sudoeste – Subespacialização.
Embora a crítica aos modelos puramente matemáticos
seja recorrente nas discussões sobre a organização do espaço
geográfico, o fato de se estabelecer a fragmentação e
subespacialização a partir de dados municipais merece melhor
discussão. Outro fato é o processo de subespacialização
contemplando a rede urbana imediata, sem contar com a
territorialização, tanto das ações do estado como do capital ou
como fruto da dinâmica agrária, por exemplo.
Outra observação feita e incluída no Plano remete à
―insustentabilidade‖ da região, ou da sua fluidez. O fato de
redistribuir o espaço regional da Região Sudoeste em
―microrregiões‖ ou subespaços mostra que a regionalização
econômica, a priori, não tem (teria) aplicabilidade no processo
de planejamento. Isso leva a uma discussão quanto ao tamanho
ou pela dinâmica da região em relação ao poder central. Na
ideia central do plano aparecem as formulações de que era
necessário realizar um trabalho de subespacialização decorrente
da
[...] inexistência de perfeita integração
espacial e econômica na Região e das
modificações que ocorrem quanto à
hierarquia entre seus centros urbanos e
suas áreas de influência, provocadas pelas
transformações de sua economia (CAR BA, 2000. p. 34).
A justificativa era de que, para se ter uma definição mais
precisa dos subespaços regionais, quanto aos limites e ações dos
municípios que compunham a região, remete a composições e
intensidade de suas socioeconomias, lastreada pelas políticas de
Estado, objetivando definir projetos de desenvolvimento que
assegurem melhor qualidade de vida para a sociedade regional.
Esse processo de fragmentação significa que a região ou a
regionalização não deu conta das ações do Estado, ou não foi
dinamizada, daí a necessidade de fragmentação em subespaços
para aplicação do Plano. Considera-se ainda que o processo de
regionalização ―[...] não é simplesmente recortar o espaço a
partir de parâmetros genéricos, quantitativos, diferenças de grau
como faixas de renda, produto interno bruto, fluxos comerciais
etc.‖ (HAESBAERT, 1999, p.21).
Do desgaste, tanto do plano quanto da abrangência da
regionalização econômica, calcada nas cidades pólos ou áreas de
influência, é que o Estado propõe uma nova regionalização,
baseada no sentimento de pertencimento e na ubiquação do
espaço agrário, principalmente, com espaço urbano.
4 OS TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE: UMA NOVA
ORDENAÇÃO TERRITORIAL E O PROCESSO DE
REGIONALIZAÇÃO DO SUDESTE DA BAHIA
Uma nova regionalização começa a ser implementada em
alguns Estados da Federação, particularmente os mais ligados às
políticas do Governo Federal. O Estado da Bahia é tomado
como exemplo, embora alguma discussão teórica sobre essa
nova territorialização careça de melhor discussão.
Desde o ano de 2003, através do Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), o Governo Federal criou a
Secretaria
de
Desenvolvimento
Territorial
(SDT),
implementado políticas de desenvolvimento territorial, relativos
aos Territórios Rurais/Territórios da Cidadania, adotando uma
dinâmica territorial como eixo estratégico de atuação na área
rural, priorizando as classes menos favorecidas desse setor, por
ser este o seu maior público alvo. Nesse contexto, o debate
sobre a questão territorial rural tem sido direcionado para o
desenvolvimento local sustentável, com ênfase nas dinâmicas
territoriais, pautada numa estratégia postulada por muitos
autores como requisitos para dinamizar e articular diferentes
processos locais de forma permanente e adequada à realidade, o
que implica inevitavelmente num processo de regionalização e
territorialização.
Esse processo de readequação territorial parece ser hoje
o exemplo mais generalizado da aplicação do conceito de
"Território" a partir de uma vertente de política pública com
alto grau de abrangência, direcionada ao processo de
desenvolvimento rural sustentável brasileiro. No plano
conceitual, a concepção geral de território rural concebido na
SDT aparece como sendo ―territórios, onde os critérios que o
caracterizam, bem como os elementos mais marcantes que
facilitam a coesão social, cultural e territorial apresentam
explícita ou implicitamente a predominância de elementos
rurais‖ (SDT/MDA 2005, p. 28). Nessa direção, Gomez (2007)
relaciona o desenvolvimento territorial rural como elemento da
política de desenvolvimento e reconhece a origem dos
territórios rurais com base na consolidação de políticas públicas
ocorridas na Europa, nos anos de 1990. Assim, o território e o
desenvolvimento territorial rural aparecem como,
[...] mais uma nova orientação das políticas
públicas de desenvolvimento rural. Tratase de um enfoque que avança no caminho
da ênfase espacial que o desenvolvimento
ganha, sobretudo a partir dos anos 1990 e
cujo referencial mais importante é o
sucedido modelo da Terceira Itália
(GOMEZ, 2007, p 49).
Algumas ponderações iniciais sobre o novo processo de
regionalização via Territórios de Identidade mostram que pela
primeira vez se tem uma forma participativa de implementação
de um processo de regionalização, bem como a presença de um
gestor local do modelo implantado, com investimentos para
cada território o que demonstra uma forma de regionalização
―fora dos gabinetes‖. Esse processo de descentralização é
postulada pelos coordenadores Programa argumentando que as
formas anteriores de gestão das políticas públicas
historicamente implantadas nos municípios que compõem os
territórios,
[...] estabeleceu-se e manteve sob o
domínio e poder restrito de uma parcela de
atores, protagonistas dos processos
decisórios, em detrimento da socialização
do poder e privação de acesso a direitos
para a população mais numerosa e
necessitada (VASCONCELOS et.al., 2006.
p. 17).
Embora não apresente uma linha teórica bem definida e
aprofundada, a publicação, em 2006, feita por Vasconcelos et
all, traz o processo de regionalização em que apresentam a
dinâmica de cada território, chegando à delimitação territorial
pelo que chamaram de sentimento de pertencimento, termo
ainda em discussão, para o processo de delimitação. Na pratica,
[...] a gestão social do território é proposta
como objeto de aprendizagem dos atores
sociais. É na gestão dos fins e dos meios
que o território vai sendo apropriado pelos
atores e desenvolvendo neles o sentimento
de pertencimento. (VASCONCELOS et
all, 2006. p. 18).
Ou seja, estabelece-se o contraditório entre o processo de
delineamento e a posterior apropriação do território. A figura
03 mostra a sobreposição dos Territórios de Identidade sobre
as regiões econômicas evidenciando a fragmentação pelos
Territórios de Identidade.
Estado da Bahia
Fragmentação das Regiões Econômicas
pelos Territórios de Identidade
Limites dos Territórios
de Identidade
0
50
100
150
kilometers
Figura 03 Sobreposição dos Territórios de Identidade sobre as
Regiões Econômicas.
No processo de regionalização adotou-se quatro
principais estratégias operacionais para prosseguir a missão
institucional da SDT: a) elaboração participativa de Planos
Territoriais de Desenvolvimento Rurais Sustentáveis (PTDRs);
b) o fomento a uma instituicionalidade territorial, dotando-a de
condições para a elaboração, a negociação, a gestão e o
monitoramento dos PTDRSs; c) a disponibilização de seus
programas, em especial o PROINF (Programa de Infraestrutura dos Territórios Rurais) para a definição de aplicação
de recursos segundo os interesses dos territórios e, d) a
articulação com vistas à integração dos demais programas do
Ministério, do Governo Federal e dos Governos Estaduais de
modo a convergirem para os PTDRs. (VASCONCELOS et all,
2006.). o processo de fragmentação.
Isso remete à análise de que a divisão, aparentemente
delineada sem clareza dos elementos tanto teóricos quanto
práticos, de classificação para a incorporação dos municípios
nos territórios pode resultar no fracasso ou sucesso. Isso
porque foram consideradas as relações entre os fatores
históricos, culturais, econômicos de cada território
considerando semelhanças e diferenças e, a partir daí, o recorte
regional.
A visualização do espaço permite vislumbrar que
fragmentação da região Sudoeste se dá em quatro áreas
abrangendo o Território do Vale do Juquiriçá, ao norte, seguido
do Território do Médio Rio de Contas e ao sul com os
territórios de Vitória da Conquista e de Itapetinga. No novo
recorte espacial o quadro regional muda saindo da Região
Sudoeste, com 39 municípios, fragmentando em quatro
Territórios, agregando e dispensando municípios para
territórios contíguos conforme visto na figura 04.
Territórios de Identidade no Sudeste da Bahia
e a fragmentação da "Região Sudoeste"
Milagres
Nova Itarana
Elísio Medrado
São Miguel das Matas
Amargosa
Brejões
Laje
Planaltino
Irajuba
TI Vale do Jiquiriçá
BAHIA
Milagres
Nova Itarana
Elísio Medrado
São Miguel das Matas
Amargosa
Brejões
Laje
Planaltino
Irajuba
TI Vale do Jiquiriçá
Maracás
Iramaia
Santa Inês
UbaíraJiquiriçá
Mutuípe
Cravolândia
Itaquara
Lajedo do Tabocal
ItiruçuJaguaquara
Lafaiete Coutinho
Itamari
Nova Ibiá
Apuarema
TI Médio Rio de Contas
Ibirataia
Ipiaú
Barra doUbatã
Rocha
Aiquara
Itagi
Itagibá
Bom Jesus da Serra
Boa Nova
Caraíbas
Anagé
Iguaí
Gongogi
Cravolândia
Itaquara
Lajedo do Tabocal
Itiruçu
Jaguaquara
Lafaiete Coutinho
Nova Canaã
Barra do Choça
Firmino Alves
Belo Campo
Cordeiros
Piripá
Ibicuí
Planalto
TI Vitória da Conquista
Condeúba
Mortugaba
Caatiba
Tremedal
Vitória da Conquista
UbaíraJiquiriçá
Mutuípe
Dário Meira
Poções
Guajeru
Presidente Jânio Quadros
Maetinga
Jacaraci
Maracás
Iramaia
Jitaúna
Jequié
Manoel Vitorino
Mirante
Caetanos
Aracatu
Licínio de Almeida
Santa Inês
Itororó
TI Itapetinga
Itambé
Cândido Sales
Itapetinga
Ribeirão do Largo
Encruzilhada
Macarani
MaiquiniqueItarantim
Potiraguá
Itamari
Nova Ibiá
Apuarema
TI Médio Rio de Contas
Jitaúna
Jequié
Ibirataia
Ipiaú
Barra doUbatã
Rocha
Manoel Vitorino
Aiquara
Itagi
Mirante
Itagibá
Caetanos
Aracatu
Bom Jesus da Serra
Anagé
Caraíbas
Iguaí
Presidente Jânio Quadros
Maetinga
Jacaraci
Nova Canaã
Barra do Choça
Condeúba
Firmino Alves
Belo Campo
Mortugaba
Piripá
Ibicuí
Planalto
TI Vitória da Conquista
Cordeiros
Gongogi
Dário Meira
Poções
Guajeru
Licínio de Almeida
Boa Nova
Caatiba
Tremedal
Vitória da Conquista
Itororó
TI Itapetinga
Itambé
Cândido Sales
Itapetinga
Ribeirão do Largo
Região Sudoeste
Encruzilhada
Macarani
MaiquiniqueItarantim
Potiraguá
Km
0
20
40
60
80
Figura 04. Fragmentação da região sudoeste em Territórios de
Identidade.
Observa-se que a regionalização por territórios de
Identidade não leva em conta a base física, como em outras
regionalizações, que define, de certa forma, uma dinâmica
economia e, por consequência, o recorte territorial. O Território
de Vitória da Conquista, por exemplo, apresenta 24 municípios
dos quais nove compõem o recorte do Planalto da Conquista,
com clima subúmido e predomínio de latossolos contrastando
com a Bacia do Rio Gavião de clima semiárido, o que demanda
políticas diferentes.
O processo de fragmentação obedece à metodologia
adotada pelo Governo do Estado para e definição dos
Territórios, com base nos levantamentos do Governo Federal,
que carece de discussões que enfatize a relação dos municípios
com as cidades-pólo e a articulação entre os territórios. Um
exemplo são as definições das políticas públicas feitas em
comum entre os territórios de Vitória da Conquista e
Itapetinga. Isso pode significar tanto o baixo poder de
articulação dentro de um território quanto a facilidade de
articulação entre eles. Por outro lado, o Território do Médio
Rio de Contas, que tem cidade de Jequié como pólo, acaba
articulando com os Territórios contíguos criando dependência
entre eles. O futuro dos territórios rurais começa a se delinear a
partir do poder de articulação de cada um interna e
externamente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pretendeu mostrar foi a fragmentação de um
espaço maior – a Região Sudoeste - e sua articulação com as
categorias de análise da geografia, assim como sua aplicação no
processo de planejamento regional. A crítica maior remete ao
modelo adotado no processo de espacialização para a Região
Sudoeste, não pela definição de espaços maiores, mas pelo viés
puramente econômico e localizado sem levar em conta as
implicações da dinâmica do capital no plano global e regional,
principalmente pela dinâmica das redes existentes ou que
venham a ser implantadas na região. Embora mereça discussão
em outro trabalho, a técnica de regionalização a partir do
modelo gravitacional-potencial adotado no Plano de
desenvolvimento Regional Sustentável – PDRS/Sudoeste, não
foi avante uma vez que as ações de governo não foram
aplicadas, até então.
A novidade da regionalização pela política dos Territórios
de Identidade ainda é nova, mas mostra a fragmentação de uma
região que, a depender da dinâmica empreendida pelas Políticas
de Estado, pode avançar ou retroceder no que diz respeito ao
desenvolvimento regional. O que se destaca no planejamento
regional/territorial, nesse contexto, é a forma participativa de
definir uma política regional, com implicações no espaço
agrário e sua articulação com o espaço urbano.
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120 p.
A TRAJETÓRIA DA CULTURA FUMAGEIRA EM
LAGARTO/SE: DO APOGEU À DECADÊNCIA
Elis Regina Silva dos Santos Oliveira13
Márcia Maria Santos Santiago14
1 INTRODUÇÃO
No Estado de Sergipe os cultivos industriais são feitos
geralmente em grandes propriedades com base em inovação
mecânica, química e biológica. Destacam-se em Sergipe os
cultivos de cana-de-açúcar, laranja e em menor escala, fumo e
algodão. O fumo, apesar de ser um cultivo industrial, em
Sergipe é realizado em pequenas e médias propriedades,
ocupando um pequeno percentual da produção agrícola
estadual. O estudo do fumo toma justificativa nas últimas
décadas em função da formação de ciclos da cadeia produtiva
bem como a consolidação de uma atividade que mesmo em
escala restrita nos dias atuais ainda é ambicionada pelo
mercado. O município de Lagarto é o maior produtor onde a
instalação de uma indústria de beneficiamento no início da
década de 60 consolidou a cadeia produtiva do município. A
produção é utilizada na fabricação da corda de fumo,
confeccionada pelos próprios agricultores, que é vendida para
ser processada nas indústrias. Na concepção de ―cadeia
produtiva‖, enquanto modelo de sistema de produção simples,
o fumo em Sergipe passou por diversos processos de produção
13
Mestranda em Geografia pelo Núcleo de Pós-graduação em Geografia
da Universidade Federal de Sergipe (NPGEO) e Membro do Grupo de
Pesquisa em Transformações sobre o mundo rural – GEPRU/UFS.
14
Mestranda em Geografia pelo Núcleo de Pós-graduação em Geografia
da Universidade Federal de Sergipe (NPGEO) e Membro do Grupo de
Pesquisa em Transformações sobre o mundo rural – GEPRU/UFS.
desde a inserção do sistema cooperativo que malogrou do
tempo e de seu processo de apropriação da empresa capitalista
enquanto setor dominante da Cadeia.
Mais relevante ainda é a perspectiva da análise crítica da
pesquisa enfocando as contradições e implicações sócioespaciais e suas conseqüências na organização da Cadeia. É
evidente que a Cadeia é uma somação de atividades onde o foco
determinante é o beneficiamento da matéria-prima, o fumo.
O estudo do tema justifica-se pelas poucas análises dessa
temática com um olhar geográfico, principalmente ao abordar o
fumo a partir da Cadeia Produtiva em uma perspectiva espaçotemporal envolvendo suas instâncias de produção, no processo
de beneficiamento em bases artesanais, ou seja, do núcleo da
Cadeia, a dinâmica da produção, como a materialização do
produto beneficiado industrialmente e a venda in natura dos
excedentes não incorporados ao processo de beneficiamento. A
relevância do tema verifica-se ainda pela identificação do papel
do Estado como aparelho interventor das ações de políticas
públicas na fumicultura do estado, ou seja, os recursos públicos
voltados para o investimento, custeio e a comercialização. Sem
omitir da análise a descentralização espacial na utilização do
solo para o cultivo destacando-se novos municípios e as
relações de trabalho na Cadeia Produtivo do Fumo, as relações
assalariadas e não assalariadas.
Assim, a proeminência dessa análise sobre a fumicultura
dá-se pela incipiência de estudos voltados para os ciclos de
apogeu e decadência da cultura fumageira no estado de Sergipe
desde a década de 1960 até os dias atuais. Portanto, são
necessários estudos que avaliem esses ciclos na tentativa de
responder as indagações da atual conjuntura da fumicultura: o
fumo está designado ao desaparecimento ou a sua revitalização?
Tais indagações se devem aos incentivos contrários ao
consumo do fumo, alegando os males causados à saúde. Essas
políticas repercutem na situação socioeconômica que os
produtores de fumo se encontram atualmente, pois enquanto
outrora essa produção recebia financiamentos para o aumento
da produtividade, na atual conjuntura os financiamentos são
para a substituição por outros cultivos.
A tradição do cultivo do fumo no estado de Sergipe,
principalmente na região centro-sul, vem requerer uma análise
da existência da cadeia produtiva a fim de serem percebidas as
implicações e contradições específicas da produção sergipana.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA AÇÃO DO CAPITAL DO
CAMPO
A análise do espaço agrário atualmente passa por grandes
contradições em função da inserção do sistema capitalista. O
espaço da agricultura praticamente está apropriado em sua
forma de mercadoria materializada no valor de troca. Logo, o
valor de uso assume um papel secundário.
O espaço voltado para reproduzir metabolicamente na
natureza tem na agricultura seu maior mecanismo centralizado
pela ordem do capital e suas inerentes contradições que
radicalizam suas relações de trabalho, sistema de produção,
distribuição e circulação. Além da inserção do Estado no
processo de reprodução dessa atividade capitalista, como afirma
Oliveira:
A articulação entre o capital industrial, o
capital comercial e o grande proprietário
de terras, tem no Estado a mediação da sua
reprodução e regulação. A mediação e a
regulação do Estado têm garantido todas
as condições para o processo de
desenvolvimento do capital (1999, p. 1314).
O capitalismo se insere no campo historicamente
retardado em relação ao capitalismo urbano. Quando ocorre a
inserção do capital este transforma tudo em mercadoria
inclusive a terra como renda fundiária e produção, gerando
acumulação de capital e expropriação daqueles que não têm
como se manter independentes para concorrer dentro desse
sistema econômico.
No Brasil, a modernização agrícola se dá a partir da
década de 1970 gerando no país uma intensa concentração da
propriedade nas mãos de grandes empresas rurais, evidenciando
a força do valor de troca da terra.
Nas últimas décadas verificam-se enormes mudanças
estruturais no campo que atingiram direta e intensamente o
pequeno produtor. O modelo de modernização apenas
beneficiou os grandes latifundiários elevando ainda mais a
desigualdade de renda no campo acarretando em uma
subordinação da natureza ao capital e um aprofundamento da
divisão social do trabalho. Muitos pequenos agricultores são
contratados pelas indústrias para fornecer toda a sua produção
a um preço muito abaixo do mercado não gerando para este
uma renda significativa.
Segundo Sampaio (2002), apesar da crescente
modernização, o espaço agrário brasileiro ainda enfrenta sérios
problemas. A começar por uma estrutura fundiária que, além de
concentrar as terras nas mãos de grandes empresas rurais,
dificulta o acesso dos pequenos proprietários a recursos que
incrementem sua produção.
Silva (1999) afirma que são dois processos que a
agricultura vem passando: um é a destruição da economia
natural pela retirada progressiva dos vários componentes que
asseguravam a harmonia da produção assentada na relação
homem-natureza (e suas contradições); e o outro, de uma nova
síntese de recomposição de uma outra harmonia também
permeada por novas contradições baseada no conhecimento e
controle cada vez maior da natureza e na possibilidade da
reprodução artificial das condições naturais da produção
agrícola. A esta passagem o autor denomina industrialização da
agricultura.
Os complexos agroindustriais são fruto dessa inserção do
capital na agricultura ocorrendo em seguida uma subordinação
socioeconômica e cultural dos agricultores à indústria e a
integração à grande produção industrial.
A agricultura está na égide do capitalismo, os pequenos
agricultores são sorvidos pelo sistema que impõe novos valores
e ritmos, gerando os agricultores sem as ferramentas de
trabalho e sem terra para serem futuramente capturados pela
indústria como mão-de-obra barata ou captar parte da
produção por valores irrisórios. Esta expansão do capital no
campo está criando novos desafios para os pequenos
agricultores, como bem situa Silva:
O longo processo de transformação da
base técnica chamado modernizaçãoculmina, pois, na própria industrialização
da agricultura. Esse processo representa na
verdade a subordinação da Natureza ao
capital que, gradativamente, liberta o
processo de produção agropecuária das
condições naturais dadas, passando a
fabricá-las, sempre que se fizerem
necessários (1999, p. 3).
Segundo Doria e Ubiritan (2006), o camponês é
contraditoriamente necessário ao capital ao mesmo tempo em
que é um entrave ao modo de produção capitalista. Além de ser
uma reserva de mão-de-obra para as cidades, a produção
camponesa tida como uma relação não capitalista, vai favorecer
ao capital à medida que a renda fundiária se metamorfoseia em
renda capitalista.
Ainda de acordo com os autores, o camponês torna-se
um entrave no momento que apresenta em certos casos uma
traição às leis capitalistas, pois esses procuram novas terras para
ocuparem não completando o ciclo capitalista de expropriação
e exploração da força-de-trabalho.
Nesse palco de conflito o pequeno agricultor sozinho não
tem forças para combater e concorrer com o capital. A última
possibilidade de sobrevivência é se curvar diante do sistema. A
atividade camponesa possui suas singularidades, porém não
pode ser vista como atividade autóctone em relação aos
processos capitalistas que operam principalmente na produção
e na distribuição da mercadoria, como afirma Silva:
O desenvolvimento capitalista se faz
movido pelas suas contradições. Ele é
portanto, em si, contraditório e desigual.
Isto
significa
que
para
seu
desenvolvimento ser possível, ele tem que
desenvolver
aqueles
aspectos
aparentemente contraditórios a si mesmo
(1999, p. 18).
Apenas unidos podem sobreviver à luta constante do
capital/terra. A partir de cooperativas e de uma reforma agrária,
sendo esta gerada pela ação dos agricultores no sentido de
planejarem e decidirem seus objetivos, não sendo imposta pelo
Estado.
3 A CULTURA FUMAGEIRA
A fumicultura é de natureza temporária e apresenta várias
peculiaridades, entre elas pode-se destacar a intensa utilização
da mão-de-obra familiar que ocupa cerca de noventa por cento
da força de trabalho utilizada na produção fumageira, o restante
da força de trabalho é formado por trabalhadores temporários,
sobretudo no período da colheita.
Assim, essa cultura sobressai-se em relação a outros
cultivos agrícolas pela intensa absorção do trabalho humano,
pois o cultivo caracteriza-se pelo difícil manejo, desde a
semeadura, sendo necessário colocar as sementes em canteiros
e só após dois meses as mudas são transferidas para o terreno
permanente por um período de quase noventa dias até a sua
colheita. Após essa etapa aumenta a demanda por mão-de-obra,
assim, o trabalho individual de cada família não supre as
necessidades, logo, ocorre a permuta dos dias de trabalho entre
parentes, vizinhos e amigos. Caso essa permuta não supra a
demanda é necessário realizar contratações informais,
sobretudo da mão-de-obra feminina para retirar os talos das
folhas de fumo para formar as cordas.
No âmbito dessa discussão verifica-se que mesmo com a
inserção de técnicas no campo, alterando os meios e as relações
de produção, a lógica capitalista não consegue extinguir a
interatividade social que ocorre entre os pequenos agricultores.
A partir desse procedimento ocorre a secagem das folhas
que serão enroladas folha a folha em uma vara, sendo
umedecidas constantemente até formar o rolo de fumo
passando ainda cerca de noventas dias exposto ao sol em um
intenso processo de maturação (figura 01).
Figura 01. Fonte: trabalho de campo, 2009.
Outros pontos relevantes é que toda a produção do fumo
é marcada por intenso uso de produtos químicos, fator que
contribui para o elevado custo financeiro da produção, além da
produção está destinada ao abastecimento industrial, onde
ocorre o beneficiamento e a distribuição para o mercado
interno e o exterior. Assim, quase totalidade da produção é
captada pelo setor industrial através dos intermediários que
compram o produto ao pequeno agricultor por valores
irrisórios e repassa para os grandes grupos capitalistas que
processam, embalam e distribuem para o mercado. Estes são os
principais protagonistas do processo lucrativo da cultura
fumageira. Nesta perspectiva, verifica-se a contradição da lógica
capitalista deste cultivo, pois enquanto os pequenos agricultores
encontram-se empobrecidos, os conglomerados aumentam
cada vez mais seus lucros.
4 PRODUÇÃO DO FUMO NO BRASIL
O hábito de consumir o fumo é uma herança dos
ameríndios americanos que em atos festivos e religiosos
queimavam e aspiravam a fumaça oriunda da folha dessa planta,
tradicionalmente denominados de rapé, além de ser utilizado
como medicina milagrosa e até mesmo como complemento
alimentar. Com a colonização portuguesa essa cultura indígena
chegou até o continente europeu e se propagou mundialmente.
Inicialmente a produção era de subsistência, só o
excedente era exportado para a Europa, mas a partir de meados
do século XVII, a produção foi ampliada e angariou novos
mercados. Assim, além de suprir o mercado europeu foi
utilizada como moeda de troca no tráfico de escravos. Com a
abolição da escravatura, a produção do fumo, além de ser
redirecionada para o mercado europeu se expandiu no mercado
interno. Assim, no final do século XIX, o fumo se consolidou
como componente essencial na formação socioeconômica do
Brasil.
Nesse âmbito de discussão ressalta-se que a produção
fumageira no Brasil pré-colonial estava dissipada em
praticamente quase totalidade das tribos indígenas, mas após a
colonização esse cultivo se concentrou na Bahia, que além do
consumo voltado para os colonos se inseriu no mercado
internacional. Porém, em meados do século XX, enquanto a
Bahia e os demais estados nordestinos continuaram com a
produção do fumo nos moldes tradicionais, o Brasil ver eclodir
nos estados sulinos uma produção moderna, ampliando a
produtividade e a qualidade do fumo (tabela 01).
Tabela 01. Maiores Produtores de Fumo do Nordeste
ANOS / Quantidade ( T)
Estados
1975
1985
1996
2006
Rio Grande do Sul 2.800
164.824 206.918
448.534
Santa Catarina
1.269
161.559 166.468
306.530
Paraná
270
30.021
59.531
294.130
Alagoas
8.146
3.2801
21.688
48.461
Bahia
2.671
9.310
12.944
6.274
Minas Gerais
4.031
3.331
1.659
768
Sergipe
3.847
4.479
5.994
2.469
FONTE: Censo Agropecuário 1975, 1985, 1996 e 2006
Assim, segundo a tabela acima os censos agropecuários
evidenciam que, na década de 1970, a primazia fumageira ainda
era um legado da região Nordeste, mas na década seguinte essa
hegemonia foi transferida para a região Sul.
A partir de então, a produção fumageira no nordeste
transfere a sua hegemonia para os estados do Rio Grande do
sul, atual maior produtor do fumo no Brasil, representando
96% da produção nacional; em seguida Santa Catarina com
31% e Paraná 12%. Assim, os estados da região Sul perfazem
96% da produção. Essa constatação pode ser evidenciada
através da sequência de figuras (02, 03, 04 e 05) que exibem os
valores relativos dos maiores produtores de fumo referentes aos
censos agropecuários de 1975, 1985, 1996 e 2006:
Maiores produtores de Fumo
Brasil
1975
12%
17%
Rio Grande do Sul
6%
1%
Santa Catarina
Paraná
Alagoas
18%
Bahia
34%
12%
Minas Gerais
Sergipe
Figura 02. Maiores produtores de Fumo, Brasil, 1975. FONTE:
IBGE 1975.
Maiores Produtores de Fumo
Brasil
1%
1985
1%
2%
Rio Grande do Sul
8%
Santa Catarina
7%
41%
Paraná
Alagoas
Bahia
40%
Minas Gerais
Sergipe
Figura 03. Maiores produtores de Fumo, Brasil, 1985. FONTE:
IBGE, 1985.
Maiores Produtores de Fumo
Brasil
1%
1996
0%
3%
5%
Rio Grande do Sul
Santa Catarina
13%
43%
Paraná
Alagoas
Bahia
Minas Gerais
35%
Sergipe
Figura 04. Maiores produtores de Fumo, Brasil, 1996. FONTE:
IBGE, 1996.
Maiores Produtores de Fumo
Brasil
0%
2006
0%
1%
Rio Grande do Sul
4%
Santa Catarina
27%
40%
Paraná
Alagoas
Bahia
Minas Gerais
28%
Sergipe
Figura 05. Maiores produtores de Fumo, Brasil, 2006. FONTE:
IBGE, 2006.
Segundo Mesquita, os elementos determinantes para essa
defasagem do fumo no nordeste e, por conseguinte, a
hegemonia sulista estão atrelados à relação entre o capital
industrial e o capital bancário; o sistema de produção integrada
promovido pela indústria; investimentos na geração e difusão
de tecnologias fomentadas pela parceria entre indústria;
organização do setor produtivo através de associações e
cooperativas estruturadas e competitivas; preocupação com a
sustentabilidade da produção, aderindo a protocolos e acordos
internacionais de proteção do meio ambiente.
5 PRODUÇÃO DO FUMO EM SERGIPE
A introdução do fumo em Sergipe ocorreu em meados do
século XIX no centro-sul do estado, tendo Lagarto como o
maior produtor até os dias atuais, como pode-se verificar nos
cartogramas abaixo que estão evidenciado os dados da
produção de fumo em Sergipe nos anos de 1975, 1985, 1996 e
2007 (Figura 06, 07, 08 e 09).
Figura 06. Produção de Fumo, Sergipe, 1975. Fonte: IBGE, 1975.
Figura 07. Produção de Fumo, Sergipe, 1985. Fonte: IBGE, 1985.
Figura 08. Produção de Fumo, Sergipe, 1996. Fonte: IBGE, 1996.
Figura 09. Produção de Fumo, Sergipe, 2006. Fonte: IBGE, 2006.
Dentre os fatores determinantes para inserção do fumo
nessa região pode-se elencar os elementos naturais, como a
regularidade pluviométrica, a temperatura e o solo adequado.
Outro fator propulsor para a cultura fumageira nessa região é a
predominância da pequena estrutura fundiária, pois como foi
citado anteriormente esse cultivo prevalece nas pequenas
propriedades, com a utilização da mão-de-obra familiar.
Segundo os resultados obtidos com aplicação de
entrevistas junto aos atores sociais envolvidos na fumicultura,
constatou-se que essa cultura foi introduzida em Lagarto na
década de 1950 por pequenos agricultores. Vale ressaltar que
essa prática agrícola neste município sempre esteve associada a
outros cultivos, visto que nenhum agricultor se dedica
exclusivamente ao cultivo do fumo, pois este possui uma única
safra anual, logo durante a inter-safra o agricultor se dedica a
outros cultivos temporários, sobressaindo-se a mandioca.
De acordo com as informações repassadas pelos
agricultores e técnicos essa prática consorciada da laranja e
fumo favorece o aumento da produtividade da laranja, em
decorrência do uso intensivo de fertilizantes e defensivos
agrícolas junto ao manuseio diário que o cultivo do fumo exige.
6 O APOGEU DO FUMO EM SERGIPE
O auge do fumo em Lagarto está atrelado à fundação da
Cooperativa em setembro de 1962, intitulada inicialmente de
Cooperativa dos Agricultores do Treze LTDA. Em dezembro
do mesmo ano foi alterado para Cooperativa Mista dos
Agricultores do Treze, tendo como o primeiro presidente o
senhor José Firmino de Araújo (SANTOS, 2009).
A formação da Coopertreze na Colônia Treze, povoado
do município de Lagarto, está vinculada a ações do Banco do
Brasil como tentativa de recuperar o capital investido em
pequenos agricultores que adquiriram empréstimos, mas devido
a catástrofes naturais ficaram impossibilitados de saldar o
débito junto ao banco. Cabendo a este o refinanciamento e
assessoramento na administração da Cooperativa para
promover a recuperação econômica dos agricultores e
consequentemente liquidar o saldo devedor.
Nessa perspectiva, fica evidente a lógica do capital de se
manter e se reproduzir mundialmente, todavia essa ação se
concretiza de modo camuflado, em que as minorias sociais são
excluídas do processo lucrativo, no entanto, estão inseridas
dentro dessa lógica de mercado. Essa ação oculta é o artefato
preponderante da manutenção de um sistema excludente, mas
que se ostenta como acessível. Outrossim, ocorreu com a
formação da Coopertreze no povoado Colônia Treze em
Lagarto, pois até hoje os relatos dos cooperados e ex-sócios
vangloriam a iniciativa do Banco do Brasil em assessorar a
fundação dessa cooperativa.
Essa ostentação que esses atores fazem é em decorrência
da ―liberdade‖ (termo utilizado pelos agricultores) angariada no
processo produtivo, pois embora continuassem dependentes do
mercado, a partir desse momento obtiveram maiores
rendimentos com a produção agrícola e consequentemente
maior acessibilidade aos bens e serviços ―ofertados‖ pelo
mercado.
O desvendamento dos artifícios utilizados pelo
capitalismo para a sua perpetuação evidencia a realidade desleal,
mas não se deve negar que tais ações acabam sendo
incorporadas como única alternativa de sobrevivência dos
grupos sociais excluídos, que contraditoriamente acabam sendo
induzidos a inserir-se nessa lógica de mercado. Por isso, tais
atores sociais aclamam até hoje a iniciativa do Banco do Brasil,
pois foi a partir da fundação da Coopertreze que os pequenos
agricultores não só tiveram a oportunidade de ampliar a renda
familiar, mas também de ter acesso a melhorias no sistema
produtivo além de assistência ambulatorial e educacional.
Os avanços individuais e, sobretudo coletivos, obtidos
com a implantação da cooperativa, devem-se à remoção de um
agente importante na escala lucrativa do capitalismo. Este se
denomina intermediário, o qual junto aos conglomerados detém
quase totalidade da rentabilidade do pequeno agricultor que
recebe um valor irrisório pela sua produção. Logo, com a
retirada do mediador do lucro, os cooperados assumem o papel
de fornecedor direto de seus cultivos para a cooperativa.
7 A DECADÊNCIA: CAUSAS, EFEITOS E LIMITES
A cooperativa foi palco de inúmeras irregularidades
administrativas, como desvio de dinheiro, altos salários e más
administrações, proporcionando em meados da década de 1990
a decadência e consequentemente a falência, apresentando a
falta de credibilidade e a fuga dos membros da cooperativa.
Assim, além do prejuízo financeiro, também se manifestou
entre os cooperados o sentimento de frustração e consternação,
pois segundo os relatos de entrevistas a cooperativa não
fomentava somente a possibilidade de ascensão financeira, mas
promovia a concretização das sociabilidades dentro da
comunidade.
Aliado à falência da cooperativa e aos baixos valores
pagos pelo fumo verificou-se a diminuição na produção do
fumo no estado de Sergipe (tabela 02).
TABELA 02. Produção do Fumo em Lagarto/SE
Ano
Área ( há )
Quantidade ( t )
1975
2.810
4.863
1985
1.568
3.639
1996
1.676
789
2006
770
1.491
FONTE: IBGE, Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1996 e 2006.
Mesmo com a redução da produção e uma participação
irrisória no PIB do estado, Sergipe ainda é o terceiro maior
produtor do nordeste de fumo, perdendo apenas para a Bahia e
Alagoas, ocupando a terceira colocação de fumo do nordeste.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No quadro atual o mercado caracteriza-se pelos ciclos, ou
seja, a instabilidade econômica, que consequentemente
proporciona a insegurança social. Esta vulnerabilidade de
mercado tem maior repercussão nas classes menos favorecidas,
pois são essas que estão à deriva de tal perversidade. Nessa
perspectiva, ao analisar os ciclos do fumo no município de
Lagarto, compreende-se não só a dinâmica econômica da
cultura fumageira, mas sobretudo, desvenda-se a subordinação
dos pequenos agricultores à versatilidade do capital.
Assim, verifica-se que a história do fumo no Brasil está
atrelada a instabilidades desde o período colonial, quando essa
cultura se inseriu no mercado internacional. A partir de então
novos protagonistas surgiram nessa cadeia produtiva, porém
não aboliu a importante função dos pequenos proprietários que
sobrevivem até hoje aos reveses dessa cultura.
Portanto, ao longo desse tempo os fumicultores do
município de Lagarto depararam-se instantaneamente tanto
com a valorização do fumo no mercado, como com a sua
desvalorização. Esses extremos econômicos estão encadeados
com as redes sociais estabelecidas entre os produtores de fumo
através da cooperativa, pois enquanto havia uma sinergia
socioeconômica entre os cooperados estes detinham melhores
condições econômicas, mas com a falência da cooperativa
também ocorreu o empobrecimento e endividamento de muitos
produtores.
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SUBRINHO, J. M. P. História econômica de Sergipe (19501930). Aracaju/SE: Programa editorial da UFS, 1987.
O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL EM
EVIDÊNCIA: A EXPERIÊNCIA NO AGRESTE DE
ALAGOAS, IMPASSES E DESAFIOS.
José Eloízio da Costa15
Leide Maria Reis dos Santos16
Lucivalda Sousa Texeira17
1 INTRODUÇÃO
O debate em torno das questões territoriais no Brasil,
principalmente nos últimos anos, se processou de forma
multifacetada e de certa forma instigante, podendo facilmente
clivar em duas vertentes do ponto de vista da abordagem
acadêmica. A vertente que integra diretamente o debate e que
operacionaliza sua contribuição face à complexidade da agenda
territorial em construção, inclusive produzindo artigos,
participando de eventos ou até mesmo intervindo nas instâncias
territoriais do arranjo construído e que resume no que se
denomina de Gestão Social dos Territórios.
Em outra vertente se refere à crítica acadêmica sobre essa
política. Encarada como política compensatória e de renunciar a
uma política mais radical de implementação da Reforma
Agrária, a questão do Desenvolvimento Territorial sob o
âmbito rural se revela como uma ação de frágil repercussão em
termos de mudanças estruturais. E a continuidade dessa política
poderá, em longo prazo, fortalecer ações em que a
concentração fundiária, a desigualdade no acesso ao crédito e
principalmente da consolidação do agronegócio; comprometerá
ainda mais as relações precárias de trabalho no campo e o
15
Professor do NPGEO/UFS e Líder do Grupo de Pesquisa
Transformações Sobre o Mundo Rural.
16
Mestre em Geografia – NPGEO/UFS
17
Mestranda em geografia – NPGEO/UFS
aumento da pobreza e da migração campo-cidade.
O que se observa é a certeza desses críticos que medeiam
a necessidade de inserção do Estado nesse processo e da
organização dos trabalhadores desprovidos da terra, onde
inevitavelmente devem lutar por esse direito. Apesar da
importância dessa vertente que na Geografia se apresenta de
forma contundente, no nosso entendimento não podemos
simplesmente abominar medidas institucionais e jogar no
quadro da crítica confortável de que são ―políticas
compensatórias‖. O que de certa forma destoa quem realmente
estar analisando outros processos socioeconômicos e territoriais
do meio rural brasileiro onde diversidades analíticas, conceituais
e principalmente articuladas com a literatura consistente da
chamada Nova Economia Institucional
Apesar da diversidade e que naturalmente envolve
interesses coletivos e de estratégias de poder, o presente artigo é
uma singela contribuição de tentar explicar a dimensão analítica
da abordagem territorial sob o lastro dos resultados
materializados das ações desses protagonistas representados por
atores sociais coletivos com poder de decidir às demandas
territoriais e da possibilidade de cimentar essas ações entre as
entidades dentro do território, e de seu grande desafio: o
fortalecimento e da perenidade operativa dessas ações a partir
das instâncias organizadas.
Nessa esteira, os estudos dentro do paradigma ―clássico‖
do desenvolvimento rural onde uma das vertentes
contemporâneas mais evidentes é a abordagem das dinâmicas
territoriais, isso pode ser demonstrado pela necessidade de
analisar as particularidades dos territórios constituídos por
instituições oficiais para fins de execução de políticas públicas.
O exemplo do território do Agreste de Alagoas serve para
entender como operam essas dinâmicas, com seus resultados já
evidenciados, mas ao mesmo tempo dos impasses desses
produtos territoriais, bem como dos desafios face à necessária
continuidade dessa política.
O estudo está dividido em dois estratos. O primeiro
relaciona-se com a situação da questão do desenvolvimento
territorial enquanto paradigma emergente, sendo que a
Geografia necessita incorporar em seus debates e estudos para
tentar dimensionar o fértil debate territorial da área com o
paradigma que está mais para a abordagem multifacetada do
desenvolvimento rural das áreas afins do que propriamente com
o debate intra-corporis na Geografia. Desse lado, também
sabemos que esse embate pode ser bizantino na medida em que
pode configurar por uma desnecessária guerra epistemológica.
Mas uma questão central é inexorável: o paradigma do
desenvolvimento territorial consolidou-se como um meio de
realização das ações estatais e com ele os desafios dos estudos
que devem ser constituídos daqui para frente, decorrente da
diversidade das realidades locais. Por esta linha, adotamos nessa
primeira abordagem as dimensões conceituais que passam nas
ciências sociais como um todo, na Geografia e principalmente
dos conceitos institucionais, particularmente do conceito
institucional estabelecido pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA).
O quadro atual ainda não define resultados concretos
com impactos socioterritoriais positivos sobre o meio rural.
Entretanto, observa-se como um processo em evidência,
estabelecido por ―ciclos operacionais‖, tanto internamente,
através da instabilidade do arranjo constituído, face à
rotatividade dos atores sociais que representam as entidades,
principalmente pela inércia dos representantes institucionais
(como as prefeituras, através das secretarias de agricultura). Mas
também, pelas deficiências das materializações dessas ações e de
seus impasses, em especial na questão da gestão social desses
processos. O que constitui os chamados ciclos operacionais do
Colegiado Territorial a partir do caso do Agreste de Alagoas.
Entende ciclos, como processos de avanços e recuos e que
impactam no desenvolvimento territorial, inclusive com
realizações aparentemente ―fracassadas‖, no que alguns
denominam de ―elefantes brancos participativos‖. Ou em ações
que resultaram em efeitos ―positivos‖ e de avanços ou que
sejam socialmente convenientes, mais limitados, decorrentes da
menor abrangência territorial.
2 A EMERGÊNCIA DA CATEGORIA TERRITÓRIO NO
MARCO INSTITUCIONAL
Dentro
da
perspectiva
histórica,
principalmente dentro da história do
pensamento geográfico, o Espaço
enquanto categoria universal abstrata foi
marcante na Geografia sendo bem anterior
à categoria Território e, portanto, essa
última pode ser observada como produto
daquela sendo definido como ―um espaço
onde se projetou um trabalho, seja energia
e informação, e que, por conseqüência,
revela relações marcadas pelo poder.
(RAFFESTIN, 1993, p.143-144).
A concepção do autor aborda o território enquanto
produto de um espaço preexistente, porém não sendo território
uma derivação do espaço e sim um subespaço constituído a
partir das relações socioeconômicas. Na verdade, o território
constrói seu próprio sistema baseado em representações ou em
ações concretas de indivíduos, evidentemente dentro de uma
dimensão de poder. Porém, Raffestin limita-se pelo aspecto da
―territorialização‖, omitindo o processo dinâmico que altera ou
se transforma no tempo, no qual o território é produto do
capital e que deve garantir seu processo de acumulação,
tornando assim um foco flexível no uso do território.
Para Veiga (2003, p. 286), ―As vantagens das noções de
território e de espaço são evidentes: não se restringem ao
fenômeno local, regional, nacional ou mesmo continental,
podendo exprimir simultaneamente todas essas dimensões.‖. E
Souza (1995, p. 100-101) acrescenta:
[...] o território não é simplesmente uma
variável estratégica em sentido políticomilitar; o uso e o controle do território, da
mesma maneira que a repartição real de
poder, devem ser elevados a um plano de
grande relevância também quando da
formulação de estratégias de desenvolvimento
sócio-espacial em sentido amplo, não
meramente econômico-capitalístico, isto é,
que contribuam para uma maior justiça
social e não se limitem a clamar por
crescimento econômico e modernização
tecnológica.
Nesse diapasão, o acompanhamos também a concepção
de Santos (2002, p. 17) em seu ensaio que polemiza a
importância do retorno analítico do território, descortinando
abordagens conservadoras e descritivas, e introduzindo
elementos centrais como o acontecer hierárquico, o acontecer
complementar e o acontecer homólogo. Ou seja, o território é o cenário
de atos humanos exercidos naturalmente pelo poder, que tenta
homogeneizar seus interesses de poder ou dar maior solidez em
espaços ainda não apropriados, estendendo-se ou
complementando este exercício. Como disse Fajardo (2005, p.
132) ―sob a ótica produtiva, as relações de poder assumem-se
como processos geradores de territórios.‖. Nesse sentido
entende-se que a abordagem mais comum quando da referência
da categoria território, e ainda particularmente na proposta
apresentada pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA) é o simples
uso e não o sentido do território. Nessa linha analítica, Santos (2002,
p. 15) tem uma visão singular: ―é o uso do território, e não o
território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social.
Trata-se de uma forma impura, um híbrido, uma noção que,
por isso mesmo, carece de constante revisão histórica‖. Ou
seja, o uso do território se processa pelo uso como derivação da
constituição do território real e do verdadeiro sentido dentro do
sistema capitalista de produção.
Assim, a concepção de território é marcada pela
diversidade conceitual, pois trata-se de uma construção social
para além da configuração do Estado Nacional ou territorial, ou
seja, aquela juridicamente organizada com base no exercício do
poder, sejam países ou territórios estatais. Como assinala Souza
(1995, p. 81), o território ―[...] não precisa e nem deve ser
reduzido a essa escala ou à associação com a figura do Estado.
Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas
mais diversas escalas [...]‖. Evidentemente que, mesmo se
tratando da concepção em associação com o Estado, a que se
confere o domínio de terra contínua ou não contínua, é
inegável a dimensão identitária existente. A ―[...] identidade
coletiva de pertencimento a um povo e a uma cultura própria.‖
Haesbaert (2007b, p. 37) enfatiza que ―Hoje, num
mundo de ‗hibridismos‘ como o nosso, os conceitos estão longe
de carregar a ambição formal de outrora‖. O território é
construído a partir das relações sociais, econômicas, culturais e
políticas, que conseqüentemente, constituem relações de poder.
De acordo com Fajardo (2005, p. 134), fazendo uma crítica a
abordagem economicista, ―As análises do território econômico
pela visão unicamente marxista são, desse modo, limitadas.‖.
Desse modo, a economia é um forte norteador da
territorialização, desterritorialização e reterritorialização, mas
não constitui o único viés para a ocorrência desses processos.
Como afirma Cunha (2000, p. 57), ―Trabalhar com um conceito
de território definido e considerado pela via das relações de
poder e, destarte, políticas, não significa uma falta de
reconhecimento da importância das outras vertentes que
também consideram este conceito.‖ É apenas mais um enfoque
que se soma aos demais para explicar a questão territorial, pois
Quer se trate de relações existenciais ou
produtivas, todas são relações de poder,
visto que há interação entre os atores que
procuram modificar tanto as relações com
a natureza como as relações sociais. Os
atores, sem se darem conta disso, se auto
modificam também. O poder é inevitável
e, de modo algum, inocente. Enfim, é
impossível manter uma relação que não
seja marcada por ele. ((RAFFESTIN,
1993a, p.158-159).
A literatura sobre território tem apresentado uma riqueza
analítica e também crítica na medida em que é uma categoria
que historicamente foi cara à Geografia face ao seu caráter
eminentemente político estando vinculada quase que
estritamente ao campo da Geografia Política. Os novos recortes
teóricos evidenciam a multiplicidade não apenas no
aprofundamento do conceito e da análise do território, mas das
derivações categoriais por ele emanadas, como as categorias
―territorialização‖, ―territorialidade‖, ―multiterritorialidade‖, etc.
e que agora oferece lastro na análise da sociedade no processo
de produção do espaço. E ainda mais importante, com a
captura da categoria como medida operacional de ação do
Estado a partir de uma proposta de intervenção e de
―substituição histórica‖ da velha categoria região, isso na
dimensão do planejamento e do desenvolvimento.
Assim, adentremos nesse enfoque da questão do
desenvolvimento territorial rural como substrato às recentes
políticas públicas voltadas para o meio rural brasileiro
evidenciado com a criação dos chamados Territórios Rurais
(TRs), sob a responsabilidade institucional da SDT/MDA. Nele
se extrai a concepção de território, na qual denominamos de
concepção institucional sobre Território, a partir de seu
documento metodológico ―Marco Referencial para Apoio ao
Desenvolvimento de Territórios Rurais‖, e que define território
como:
Um espaço físico, geograficamente
definido,
geralmente
contínuo,
compreendendo a cidade e o campo,
caracterizado
por
critérios
multidimensionais – tais como o ambiente,
a economia, a sociedade, a cultura, a
política e as instituições – e uma população
com grupos sociais relativamente distintos,
que se relacionam interna e externamente
por meio de processos específicos, onde se
pode distinguir um ou mais elementos que
indicam identidade e coesão social, cultural
e territorial. (SDT/MDA, 2005a, p. 07-08).
É evidente que tal definição tem suas incongruências
teóricas, quiçá metodológicas, e confunde muito,
principalmente para aqueles que militam na Geografia, pois o
território é comumente caracterizado a partir das relações de
poder e seus ―hibridismos‖, e estas não estão explícitas na
definição apresentada no documento da SDT/MDA que se
baseou principalmente no fator identidade e principalmente do
caráter homogeneizador do espaço. Face as limitações do
presente trabalho, tal análise não será aprofundada, até porque
já existe toda uma literatura ―crítica‖ que descortina as
contradições e as limitações dessa abordagem, além dessa
concepção atender ‗aos interesses do capital‖.
O que torna relevante nesse quadro é a abordagem
territorial extraída a partir dessa nova dimensão, estritamente
institucional e de certa forma normativa, fruto de experiências
já realizadas em diversos países, como a Espanha, México e
Equador, e que, no Brasil se materializaria no primeiro mandato
do presidente Lula da Silva no desenvolvimento de ações
voltadas no mundo rural. Daí a importância dos estudos de
caso, decorrente da realidade multifacetada dos territórios
constituídos (atualmente em 164 territórios) e dos impasses e
desafios observados.
Nessa dimensão, observamos que o debate e as ações
territoriais passam ao largo ao debate da Geografia, até porque
a natureza da ―nova institucionalidade‖ opera preocupando-se
diretamente com os resultados imediatos e na Geografia o
debate restringi-se à dimensão teórica e a crítica acadêmica de
grande contribuição epistemológica. Nisso agregamos a
literatura sobre essa questão e desenvolvida por autores nãogeógrafos.
Um primeiro aspecto é o reconhecimento da diversidade
e complexidade desses territórios e que devem ser valorados,
como afirma Leite Et alli (2009:117) quando comenta a
abordagem de Ignacy Sachs em palestra no III Forum sobre
Desenvolvimento Territorial, em Fortaleza, em novembro de
2008, in literis:
[...] as experiências são diferentes e é
preciso ter cuidado ao se exacerbar as boas
práticas. É preciso pensar nos mecanismos
que possibilitem ampliar e replicar em
outros territórios processos que tenham
resultados positivos num determinado
território sem que isso determine,
entretanto, a homogeneização e a perda da
riqueza do caráter específico ou da ‗marca‘
de cada um dos territórios. A busca por
soluções e saídas capazes de serem
generalizadas e universalizadas torna-se
tentadora, em particular no âmbito da
administração publica e das agencias
internacionais. Contudo, ao se acompanhar
os diferentes processos que são postos em
marcha pela política territorial nas suas
áreas de atuação, é importante ter em
mente que certos traços destes territórios
lhe são específicos, resultantes de sua
trajetória de construção.
Nesse diapasão, fundamental é extrair da citação em
supra os elementos necessários para justificar a proposta e que,
pela abordagem já desenvolvida pela literatura especializada, é
evidente que especificidades, ou melhor, particularidades
territoriais, devem ser levadas em consideração, o que impõe a
necessidade de superar o caráter normativo e principalmente
homogeneizador da política de desenvolvimento territorial
protagonizada pela SDT. O que não significa que os meandros
normativos dessa política devem ser colocados em segunda
instância. Pelo contrário. Evidencia-se um conjunto de
institucionalidades sob o marco de princípios conhecidos como
a participação direta da sociedade, empoderamento dos atores
sociais dentro do arranjo e da possibilidade da governança
materializada na gestão social dos territórios; seriam essas as
particularidades (ABRAMOVAY: 2003; 2005).
Ou seja, a diversidade e a complexidade das realidades
territoriais unificam-se pelo arranjo a partir da constituição dos
Colegiados Territoriais, com força operativa das instâncias
internas e do cumprimento dos princípios institucionais.
Desse lado, articular diretrizes, estabelecer dimensões e
alcance das ações, da importância do controle social, da
constituição do planejamento, coordenação, direção e
principalmente execução; sintonizados com a realidade concreta
do território e dos procedimentos evidenciados a partir da
diversidade representativa dos atores sociais envolvidos no
processo; naturalmente contribuirá na dinâmica da
institucionalidade estabelecida no arranjo e do alcance material
e operacional dessa estrutura descentralizada sobre o território
em si. Como o próprio Leite (2009, p.118) analisa a importância
dessas particularidades, porém alertando que todo esse processo
deve estar articulado com a realidade macro,
Em muitos casos, serão particularidades as
responsáveis pelo sucesso ou mau
andamento
da
política
territorial
(condicionalidades), devendo assim ser
reforçadas ou corrigidas pela política.
Contudo, o reconhecimento dessas
especificidades não determina que essa
experiência possa ser facilmente transposta
para outros territórios. Desde o início, a
política territorial, ao se debruçar sobre os
territórios, procura destacar e reforçar
elementos endógenos que, em articulação
com processos de escala macro (estadual,
federal), sejam capazes de se desdobrarem
em
processos
sustentáveis
de
desenvolvimento econômico e social, e
não aplicação de fórmulas uniformes.
Ainda na questão da importância das relações de poder
dentro da esfera do Território e agora em seu aspecto
operacional e institucional, na verdade, trata-se de um novo
modelo de desenvolvimento pautado no empoderamento
exercido pelos atores socialmente representados, tendo como
delimitação a esfera territorial. Nessa linha, segundo Lopes e
Costa (2006, p. 01).
A justificativa é de que com a abordagem
territorial do desenvolvimento seria
superada
a
visão
localista
do
desenvolvimento que até então vinha
sendo seguida pelos municípios brasileiros,
e cujos resultados mais evidentes eram a
pulverização de recursos e a superposição
de políticas públicas, resultando em visível
fragilidade do processo de efetivação
dessas políticas, geralmente de corte
municipal.
Porém, Favareto (2006a) faz uma análise interessante
afirmando que seria também, isso com amplas possibilidades,
de efetivação de uma política de ―inovação por adição‖ por ter
agregado outras políticas a partir da experiência intermunicipal e
as políticas de desenvolvimento de base local, sobretudo a partir
de meados da década de 90 quando é implantado o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF). E completa enfatizando que essa abordagem
territorial a partir da proposta institucional dos Territórios
Rurais se configura somente pela ampliação da escala geográfica
das articulações, mas limitado pela característica estritamente
setorial e vinculado a um Ministério secundário:
O fato de que esta política tenha sido
criada no interior de um ministério setorial
e periférico – o Ministério do
Desenvolvimento Agrário -, limitou
enormemente o sentido e a eficácia da
adoção desta nova abordagem. Apesar do
discurso territorial, o leque de agentes
envolvidos e as ações apoiadas
continuaram restritos ao agro e a seus
agentes mais tradicionais. Além da
inovação retórica, a única mudança de fato
foi a ampliação da escala geográfica das
articulações
[...]
para
o
âmbito
intermunicipal. (FAVARETO, 2009, p.07).
Ainda acompanhando a análise da particularidade
territorial, este seria o entendimento da economista
pernambucana Tânia Bacelar (2009), quando analisa a questão
da gestão social e do desenvolvimento sustentável dos
territórios frente aos desafios da multidimensionalidade,
extraindo sua abordagem a partir da realidade ―regionalterritorial‖ brasileira. Para isso, adentra elementos já bem
conhecidos, como a questão da diversidade regional, e, partindo
desse novo modelo de desenvolvimento baseado na
sustentabilidade, seria necessário redescobrir essa diversidade. A
autora ainda aborda a velha herança da desigualdade, representada
pelas diferenças espaciais a partir das densidades demográficas,
diferenças entre o litoral e o interior, do norte e sul; e também
da demarcação socioeconômica (utilizando variáveis como o
índice de desenvolvimento humano – IDH), com uso de uma
linha
horizontal,
definindo
claramente
espaços
socioeconômicos dinâmicos e estagnados, reproduzindo o
velho modelo das desigualdades regionais e que formaliza em
linhas gerais a boa intencionalidade de inserção da política de
desenvolvimento territorial sobre o meio rural, principalmente para
atender, em termos conjunturais, as áreas socioeconomicamente
mais pobres. E complementa:
Se colocarem os Territórios da Cidadania
(TC) [...] irá observar que a grande maioria
dos territórios da cidadania está daquela
para cima. Portanto, o desafio é muito
grande: não estamos trabalhando nos
lugares
mais
favoráveis,
estamos
trabalhando nos lugares mais desafiadores,
exatamente aqueles que não eram a
prioridade no século passado. (BACELAR
2009:45).
Nas entrelinhas da abordagem de BACELAR (2009)
podemos observar que o modelo de planejamento regional ao
estilo keynesiano praticamente foi sepultado, porém a presença
do Estado também não pode ser secundarizado ou subordinada
a hegemonia absoluta da economia de mercado. O modelo de
desenvolvimento territorial surgiu como marco particular de
intervenção do Estado. Isso a partir de uma proposta de
valorização de concepções construídas pela sociedade civil
organizada, com atribuição de decidir a alocação dos recursos
públicos, em harmonia com as demandas ‗objetivamente
concretas‖, ampliando assim dentro das várias dimensões.
Nesse entendimento a dimensão social e ambiental se
constituem como as mais emergentes.
É nessa agenda institucional-desenvolvimentista que
surge da necessidade de superar determinadas mentalidades
ainda arraigadas no meio acadêmico, como afirma a autora
quando analisa a emergência da dimensão social e ambiental e
da construção de outro modelo de desenvolvimento:
Os dados sobre a dimensão social: a
emergência social que o pais consegue
exibir ao mundo. Quando nos colocam na
dimensão econômica, estamos ao lado dos
países mais poderosos do mundo, quando
nos colocam na dimensão social, estamos
ao lado dos países mais pobres do mundo:
e é o mesmo país. Daí ter tomado mais
força o debate da dimensão social; e a
dimensão ambiental vem tomando
crescentemente importância no debate
nacional. (BACELAR, 2009:39).
É evidente que este modelo de desenvolvimento dirigido
para o meio rural está ainda em formação, mesmo sabendo que
alguns dos territórios já apresentem consolidados em sua
organização, inclusive com ações territoriais realizadas. Mas o
alcance real das dimensões pretendidas está dando seus
primeiros passos na medida em que o entendimento é que o
paradigma do desenvolvimento territorial veio para ficar como
alternativa ao modelo keynesiano e liberal. Esse, mesmo com
enfoque setorial (por ser estritamente voltada ao mundo rural),
mas inexoravelmente incluído como uma política de Estado, e
não um simples programa de governo, pode ser enquadrado
como uma política de longo prazo.
É nesse contexto que os estudos de caso devem ser
valorados nesse momento, isso no intuito de entender a
dinâmica desses territórios e dele extrair experiências singulares
e que certamente nortearão em futuras ações, articuladas
diretamente com os arranjos através dos Colegiados
Territoriais, além da importância da troca de experiências entre
os Territórios.
Daí o desafio e ao mesmo tempo da ciência dos
constantes impasses constituídos em todo esse processo.
Infelizmente atores sociais de certa relevância dentro do
território são negligenciados, como é o caso dos representantes
do pequeno e médio empresariado territorial (o SEBRAE, por
exemplo), ou ainda dos agricultores pobres despossuídos de
representação política e social e que certamente teriam um
espaço de maior participação, se houvesse mobilização de suas
entidades ‗naturais‘ (como os sindicatos de trabalhadores
rurais).
É dentro desse enfoque que colhemos algumas
experiências do Território do Agreste de Alagoas, tanto na
dimensão do arranjo, como das realizações já feitas; nas quais
estamos denominando de ―ciclos operacionais‖ sob o lastro dos
impasses e dos desafios constituídos.
3 AS EXPERIÊNCIAS NO TERRITÓRIO DO AGRESTE
DE ALAGOAS: A CONSTITUIÇÃO DOS CICLOS
OPERACIONAIS
O Território do Agreste de Alagoas forma um dos seis
territórios rurais alagoanos implantados pela SDT/MDA,
compondo um total 16 municípios. A população absoluta no
território em 2000 era de 531.750 habitantes, em uma área
compreendida de pouco mais de 4,6 mil km² nas quais 48,6 %
residiam na zona rural. Com uma densidade demográfica média
de 116,6 hab/km2, no Território do Agreste a agricultura
contribui com aproximadamente 30% do PIB territorial, em
função de seu principal município – Arapiraca – se destacar
como pólo regional de maior expressão econômica do interior
alagoano, não apenas como centro distribuidor de produtos
agrícolas, mas importante nos segmentos do comércio, serviços
e da atividade industrial, com forte alcance não apenas no
agreste, mas em parte significativa do interior do estado de
Alagoas.
Segundo ―Atlas dos Territórios – 2004‖, da SDT, 63,3%
da renda gerada esta concentrada nas mãos dos 20% mais ricos,
enquanto os 20% mais pobres abocanham apenas 1,4% da
renda distribuída no território.
Em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano
(Tabela 01), apesar do aumento dos IDHs verificado em todos
os municípios do território no período entre 1991 e 2000, os
mesmos ainda apresentam-se baixos, seguindo as mesmas
características dos municípios mais pobres do Nordeste. A
média nacional do IDH é de 0,766, enquanto o estado de
Alagoas o índice é de 0,649. Já no território do Agreste, o índice
médio ainda é menor em relação ao estado: 0,569. Com base
no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD (2000), observa-se que os únicos municípios que
apresentam índices superiores aos do estado são Palmeira dos
Índios, dispondo do maior IDH com 0,666, seguido de
Arapiraca, com 0,656. Enquanto que Traipu ocupa o último
lugar no território e também como menor IDH do estado, com
apenas 0,479, considerado também como um dos mais pobres
do Brasil. Tabela 01. Território Rural do Agreste de Alagoas: Índice
de Desenvolvimento Humano no Brasil – Municipal (1991 e 2000).
Tabela 01. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.
Índice de Desenvolvimento Humano –
Municípios
Municipal
IDH-M (1991)
IDH-M (2000)
Arapiraca
0,556
0,656
Campo Grande
0,420
0,547
Coité do Nóia
0,458
0,569
Craíbas
0,402
0,553
Estrela de Alagoas
0,450
0,545
Feira Grande
0,432
0,560
Girau do Ponciano
0,425
0,535
Igaci
0,432
0,540
Junqueiro
0,491
0,615
Lagoa da Canoa
0,436
0,580
Limoeiro de Anadia
0,432
0,569
Olho D`Água
0,395
0,544
Grande
Palmeira dos Índios
0,566
0,666
São Sebastião
0,419
0,565
Taquarana
0,447
0,583
Traipu
0,379
0,479
Média do
0,446
0,569
Território
Fonte: PNUD, Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, 2003.
Elaborada por Leide Santos.
O Território Rural do Agreste difere da metodologia
classificatória construída pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), em função de extrapolar a tradicional região
agrestina ou ainda por não abrangê-la em sua totalidade. Dos 24
municípios da mesorregião do Agreste, apenas 15 integram o
território, sendo 10 pertencentes à microrregião de Arapiraca, 3
da microrregião de Palmeira dos Índios e 2 da microrregião de
Traipu. O município de Junqueiro, apesar da proximidade
territorial com os demais municípios membros do território, é o
único que não pertence à microrregião, a mesorregião do
Agreste. O município integra a mesorregião de São Miguel dos
Campos, localizado na porção leste do estado de Alagoas.
Entretanto, Junqueiro tem forte relação econômica com a
região do agreste, sendo que o município é fortemente
polarizado pela cidade de Arapiraca, mesmo que seu centro
urbano esteja localizado às margens da BR-101, com fácil
acessibilidade a centros urbanos maiores, inclusive destacando
na diversidade em termos da oferta de bens e serviços, como a
capital do estado, Maceió (Figura 01).
Através do Programa Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Territórios Rurais - PRONAT (2006), a seleção
dos territórios alagoanos foi realizada pelo Conselho Estadual
de Agricultura Familiar e Reforma Agrária (CEDAFRA).
Assim, em maio de 2004, seria constituída a Comissão de
Instalação de Ações Territoriais (CIAT), composta por diversos
atores sociais que representavam inicialmente as entidades que
diretamente atuam sobre o meio rural. A missão da CIAT era
coordenar o processo de construção do Plano de Trabalho de
Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS), através da figura
do articulador, tendo com suporte um consultor territorial que
atuariam em nível territorial e estadual, respectivamente.
Figura 01. Território Rural do Agreste de Alagoas. Fonte: IBGE,
2010.
O PTDRS era um documento que descrevia a
metodologia utilizada, as informações levantadas e os elementos
fundamentais que compunham o referido Plano, fruto de
reflexão e discussão da CIAT e do articulador territorial com os
atores sociais, através da realização de oficinas, seminários e
reuniões regulares, tendo a finalidade de nortear as ações no
território. Posteriormente a CIAT seria substituída pelo
Colegiado de Desenvolvimento Territorial (CODETER) e a
figura do Articulador Territorial substituída pelo Assessor
Técnico, isso com objetivo de dar maior agilidade ao processo
de desenvolvimento territorial, em que a questão seria, nesse
momento, a consolidação do CODETER e não mais,
necessariamente, a de mobilização.
Nesse aspecto, podemos estabelecer níveis de análise na
questão do desenvolvimento territorial, tomando como
parâmetro empírico o Território do Agreste de Alagoas.
Inicialmente abordaremos sobre a questão do processo de
constituição do arranjo institucional e um dos maiores
problemas como a rotatividade dos atores nas instâncias do
Colegiado, bem como dar maior participação de algumas
entidades que, em função da organicidade de seus
representantes, teve forte poder de influência e decisão dentro
das instancias do CODETER.
A segunda relaciona-se com as ações territoriais
realmente efetivadas e que formaram o que denominamos
como ‖primeira geração das ações territoriais‖. E finalmente,
dos impasses e desafios da ―segunda geração‖, na qual podem
ser analisadas pelas dificuldades no processo de consolidação
do Colegiado face à reiteração dos mesmos problemas
observados no processo de constituição e da questão da gestão
das obras realizadas na medida em que tem configurado como
problemas centrais enfrentados pelo Colegiado.
É pertinente observar que Colegiado do Agreste de
Alagoas é formado por representantes de entidades de direito
público interno (Estado e Municípios) e de entidades da
sociedade civil organizada e que tenham como marco de
atuação o meio rural, como os sindicatos dos trabalhadores
rurais, cooperativas associações, etc.
O Colegiado do Território do Agreste de Alagoas é
constituído por tripla instância. A instância da Plenária, mais
ampla e de caráter deliberativo, apresentando maior
flexibilidade em sua composição, onde entidades que não
estiveram ―presentes‖ em reuniões anteriores da Plenária, por
exemplo, poderão participar e sua presença regular em reuniões
posteriores poderá lhe dar o poder do voto e com ela na
constituição como membro permanente do
Colegiado.
Atualmente 45 entidades integram o Colegiado com poder de
voz e voto.
Já a instância do Núcleo Diretivo possui 15 entidades.
Geralmente integram esse núcleo as entidades mais atuantes no
Colegiado e que regularmente estão presentes nas reuniões
deliberativas. O Colegiado também é composto pelo Núcleo
Técnico com função de apoio às demais instâncias do
CODETER, em especial na prestação de assessoria ao Núcleo
Diretivo. O Assessor Técnico tem um importante papel nessa
instância, além do papel crucial no Núcleo Diretivo, com
apenas poder de voz, mas de grande responsabilidade nas três
instâncias.
Destaca-se também a constituição mais recente das
chamadas Câmaras Temáticas, com objetivo de descentralizar
internamente às decisões mais frequentes e que sempre
compõem a pauta do arranjo. Para o exemplo do Agreste de
Alagoas, a prioridade seria dada pela constituição da Câmara da
Educação, por apresentar extensa demanda territorial e de certa
forma abranger praticamente todos os municípios do território.
No que refere ao assessor técnico, geralmente vinculado
a alguma das entidades do território ou eleito entre os pares e
que possui a atribuição de mobilizar, sensibilizar e articular as
entidades ligadas ao mundo rural no território. Ele também é
responsável pela elaboração e acompanhamento da execução do
PTDRS e agora mais recentemente pelo processo de
implementação do plano de providências visando recuperar
obras inacabadas e que estejam com problemas de conclusão.
Atualmente a entidade SOMAR é responsável pelo
gerenciamento dos recursos do Colegiado e pelo pagamento do
assessor técnico.
Aparentemente é possível interpretar que foram poucas
obras realizadas depois de um longo processo de discussão nas
instâncias do CODETER e naturalmente com sérios problemas
de gestão, controle e principalmente fragilidade de capital de
giro destas operações. Mas também não se pode esquecer que a
realidade institucional dos territórios rurais tinha uma longa
agenda de ação do assessor técnico com o objetivo preliminar
de mobilizar, sensibilizar e ―convencer‖ as entidades mais
representativas e vinculadas ao meio rural do território, da
importância de participar de uma nova dinâmica em que a
questão dos princípios da participação social, do caráter da
inovação e da governança compunham como substratos
fundamentais na constituição das instâncias discursivas e
deliberativas. Ao lado também da longa construção do PTDRS,
da qual é o grande desafio das dezenas dos Territórios da
Cidadania nos dias atuais, pois alguns sequer já haviam sido
montados seus planos de atuação quando eram ainda territórios
rurais, e formularam suas agendas imediatas ou a montagem de
um plano de desenvolvimento territorial para médio ou longo
prazo.
A partir do trabalho de campo foi possível constatar as
ações territorializadas no Agreste, possibilitando fazer uma
análise conjuntural a partir dos resultados positivos e dos
problemas que inviabilizaram uma ação mais eficaz.
Um dos graves problemas encontrados para desenvolver
as ações no território são as pendências fiscais das prefeituras
com o INSS, pois uns dos requisitos para a liberação do recurso
é a regularidade das obrigações previdenciárias. Desse modo, a
inadimplência de alguns municípios inviabilizou a execução de
projetos, o que contribuiu para o desânimo de algumas
entidades envolvidas. ―Apesar de que não é só o projeto, é a
mobilização, é a articulação para uma série de outras ações,
mas, infelizmente, acaba se vendo muito a parte do projeto. É
mais o lado econômico, então o pessoal desanimava e acabava
não vindo mais para a reunião,‖ afirmou um dos membros do
Colegiado (2009).
Apesar da regularidade das reuniões e dos recursos a
serem discutidos e deliberados, o clima no território passou por
uma fase de ―marasmo‖ (expressão utilizada por um de seus
membros). Para alguns, existe uma espécie de ―esgotamento‖
do modelo, apesar dos projetos em andamento. Desde a sua
criação foram implementados vários projetos, porém, além da
inadimplência, existem outros problemas que dificultam o
desenvolvimento das ações, como as dificuldades de
relacionamento entre os próprios membros da sociedade civil
organizada, o inchaço no núcleo diretivo, o que tem
contribuído na lentidão das decisões, e na fluidez das entidades
nas reuniões.
Configura-se contradição na partilha dos recursos
disponíveis formando um grupo de municípios que atua de
forma mais intensiva como Arapiraca, Palmeira dos Índios,
Estrela de Alagoas e Igaci que dispõem de ―discurso
competente‖, facilidade de organização e freqüência nas
reuniões, tanto no núcleo diretivo, como também nas plenárias.
Enquanto que outros não têm grande poder de barganha,
evidenciando marginalização dos municípios da porção sul do
território, como Traipu, Olho D`Água Grande e Campo
Grande por falta de organização, ―discurso‖ e participação.
Desse modo, pode-se dizer que dentro da dinâmica das
entidades territoriais que atuam no colegiado, estrutura-se uma
classificação interessante e ao mesmo tempo excludente na
medida em que a questão da participação social não apresenta de
forma tão homogênea. O que tem como resultado inevitável a
constituição de um mosaico territorial, este definido em termos
espaciais, com uma divisão bem nítida dos municípios
―dinâmicos‖ e dos municípios ―estagnados‖ das políticas
territoriais.
Se de um lado temos os municípios como Palmeira dos
Índios, Estrela de Alagoas e Igaci, estes inseridos como
municípios do Território do Agreste de Alagoas por ―adição‖,
esses são os mais atuantes no arranjo territorial, o que torna
surpreendente. Por outro lado, temos municípios que possuem
maior identidade fisiográfica com o Agreste Alagoano, como
Limoeiro de Anadia, Coité do Nóia, Lagoa da Canoa, Feira
Grande e Girau do Ponciano, onde o poder das entidades
originadas desses municípios, e que integram o Colegiado, é
praticamente nulo ou com pouca representatividade na
instância. O que inviabiliza processos de discussão mais abertos
entre os membros do ponto de vista da constituição das
demandas no Colegiado, infelizmente dando maior legitimidade
as entidades mais organizadas e com maior poder de pressão (e
discurso) dentro do Colegiado.
Mais grave relaciona-se com a incapacidade da
organização dos municípios mais fragilizados do Território,
principalmente entre eles. Tem-se uma nítida coesão territorial dos
municípios através de entidades dentro do território, existindo
efetivamente identidades de demandas, e que substancialmente
articulam-se entre as entidades dentro do colegiado desses
municípios, como as Secretarias Municipais de Agricultura de
Palmeira dos Índios, Estrela de Alagoas e Igaci, além da intensa
participação da Cooperativa dos Produtores de Leite de
Palmeira dos Índios (CARPIL) e da Secretaria Municipal de
Educação de Estrela de Alagoas. Em contraposição estrutura-se
uma dissociação orgânica das entidades dos municípios da parte
meridional do território, onde, em função da atuação fragmentada e
pouco participativa, suas demandas não são colocadas na agenda
imediata do território, mesmo que possa estar incluída no
PTDRS.
Todo esse processo naturalmente, como já analisado
anteriormente, rebate na materialização das ações territoriais,
isso como produto das discussões e das deliberações das
instâncias do colegiado. É fundamental essa análise na medida
em que regionalmente todo esse processo tem grande
importância quando essas políticas efetivadas têm como alvo os
agricultores familiares da região agrestina alagoana.
Assim, podemos segmentar em linhas gerais como
principais ações territoriais do Território do Agreste de Alagoas,
isso formando o que denominamos de ―primeira geração‖
dessas ações, que foram as seguintes:
1 – Construção da unidade de beneficiamento de leite no
município de Arapiraca;
2 – Construção da unidade de produção da fécula da
mandioca e da unidade classificadora de farinha, também
localizada no município de Arapiraca;
3 – Reestruturação das casas de farinha, totalizando 27
ações, que abrange diversos municípios do Território.
Entretanto, outras pequenas ações foram também
constituídas nessa fase, como a construção de infraestrutura
básica para a implantação dos serviços de micro finanças rurais,
a compra de equipamentos de informática e atividades de
extensão entre agricultores familiares, como os cursos voltados
para a formação de jovens agricultores. Destacamos as três
ações acima pelas mesmas terem concentrado maior volume de
recursos e apresentarem, de certa forma, forte rebatimento
territorial e contraditoriamente apresentaram os maiores
problemas operacionais no Território.
Podemos inserir que as três ações territoriais citadas
acima tiveram maior envergadura na região e de maior
montante de recursos, mas infelizmente com contradições
quase que insuperáveis do ponto de vista de sua
operacionalização. As duas primeiras – a unidade de
beneficiamento de leite e a fecularia de derivados da mandioca
estão paralisadas face aos problemas relacionados à gestão e de
certa forma, da negligência das prefeituras municipais, além dos
problemas internos entre os atores representativos do
Colegiado. A inadimplência com as obrigações previdenciárias,
a não apresentação de determinados atos administrativos como
os cadastros relacionados aos dados educacionais ou dos
benefícios dos programas de transferência de renda; repercutem
negativamente na liberação dos recursos, na medida em que são
as prefeituras responsáveis pela execução das demandas
deliberadas.
Outra questão relaciona-se com a pouca agregação
participativa de algumas prefeituras no Colegiado.
Simplesmente algumas delas ignoraram, e, mesmo tomando
ciência do que efetivamente estão sendo discutidos e
encaminhados nas reuniões das plenárias, ainda assim sequer
enviam representantes para essas reuniões.
Daí o contexto do que estamos denominando de ―ciclos
operacionais‖ do desenvolvimento territorial no Agreste de
Alagoas, que foi estabelecido inicialmente por um ciclo de
“motivação” e que compreenderia os três primeiros anos de
funcionamento concreto do Colegiado (2005/2007), onde a
característica seria dar maior visibilidade a instância e a
necessidade de mobilização dos atores sociais mais organizados
do território, além da construção do PTDRS. Podemos dizer
que os primeiros passos foram positivos, inclusive em função
da realização de experiências anteriores através da constituição
do consórcio intermunicipal e do conhecimento que alguns
atores institucionais tinham como as prefeituras municipais e
alguns órgãos do governo alagoano, em relação à necessidade
de discussão e deliberação de demandas coletivas de
repercussão territorial. É pertinente observar que nesse período
foram construídos os atuais ―elefantes brancos participativos‖
mais importantes do território, como a fecularia e a unidade de
beneficiamento do leite. Para alguns atores do território, esse
processo se tornou como o mais problemático e de difícil
solução, sendo, talvez, o que apresenta maior impasse nos dias
atuais na medida em que os recursos aplicados foram
significativos (mais de 2,0 milhões de reais!) e que
concretamente não gerou qualquer efeito em termos de
desenvolvimento local.
Nessa esteira, o segundo ciclo que caracterizamos como
“ciclo da estagnação”, ou nas palavras de um dos membros do
Colegiado, do ciclo do ‗marasmo‖ caracterizou-se pela quase
paralisação da instância colegiada e da completa desmobilização
dos atores sociais mais ativos; o que afastaria importantes
células sociais definidoras da organização colegiada e do maior
distanciamento com as entidades representativas da sociedade
civil organizada do território que poderiam contribuir no
processo de desenvolvimento territorial. Praticamente não
haveria regularidade das reuniões nessa fase, havendo mudanças
na figura do assessor técnico e do articulador regional e
estadual; além da falta de recursos para gerir o funcionamento
da própria instância. Mais interessante, que, mesmo em um
quadro negativo, é evidente que a boa intencionalidade ainda
existia.
Finalmente o atual ciclo operacional, nascido com a
constituição no território da cidadania do Agreste de Alagoas a
partir de 2008 e que se caracteriza pela tentativa de reconstrução
da instância coletiva, não apenas em função de forças exógenas
interessadas nesse processo, como o governo federal, através do
MDA, mas da inserção de novos atores inseridos no processo e
da necessidade de constituição ―real‖ dos membros efetivos do
CODETER.
A tentativa de implantação do plano de providências e as
realizações regulares das reuniões são algumas dessas ações. O plano
de providências no sentido de discutir e encaminhar propostas
das chamadas ―ações paralisadas‖ como a fecularia e o
―esqueleto esquecido‖ da unidade de beneficiamento do leite. O
que torna um grande desafio, no mínimo, para os próximos
dois anos, na medida em que foram ações de grande ousadia.
A reconstrução da instância coletiva obrigará a
apresentação de habilidades por parte dos atores sociais
envolvidos e das prefeituras municipais (como a Prefeitura de
Arapiraca, onde essas obras estão localizadas), a fim de gerarem
resultados nesse processo, podendo ocasionar consequências
no próprio funcionamento do Colegiado. Daí o grande desafio
em relação aos impasses e contradições observadas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão do desenvolvimento territorial rural sustentável
incluído como política de Estado tem suas contradições e
desafios, além dos impasses gerados em seu processo de
consolidação e da questão de entender a dinâmica e a
diversidade dos territórios rurais em todo o Brasil. Desse modo,
entendemos que a questão insere como um dos elementos
centrais para ações do Estado na questão social e seu papel
institucional de operar dentro dessa nova perspectiva, que
sepulta o velho modelo do desenvolvimento regional
keynesiano ou da irracionalidade do Estado Neoliberal.
É evidente que a limitação dessa proposta, por ser
setorial, envolvendo apenas questões relacionadas ao mundo
rural e focado com os agricultores familiares mais pobres do
país, não vem acompanhada de mudanças estruturais. Mas
enquanto intervenção de propostas que deságuam em ―ações
territoriais‖ sobre esse mundo rural poderá, tal política poderá
trazer mudanças e principalmente maior capacidade dos atores
sociais se envolverem no processo de desenvolvimento
territorial (ou de desenvolvimento local).
O Território do Agreste de Alagoas revela como umas
das experiências mais interessantes, principalmente na questão
da dinâmica do Colegiado e de suas realizações, além da
facilidade de aglutinar representantes de entidades
concretamente interessados no processo de desenvolvimento.
Os ciclos operacionais observados é um desenho inicial desse
processo e que poderá estabelecer novos parâmetros de
atuação. Não necessariamente de ser como uma mera caixa de
ressonância para efetivamente aplicar recursos do MDA no
território, sem qualquer lastro com a questão do princípio da
participação social, mas que busque maior autonomia da
instância, modificando atitudes ainda viciadas, como a
indiferença das prefeituras municipais e seu maior problema – a
inadimplência das obrigações institucionais – além da forte
rotatividade da participação dos atores nas instâncias do
Colegiado.
Mais interessante ainda é a tentativa de mobilizar
entidades dos municípios que menos participam no território,
como os que estão localizados na porção meridional do
território, visando dar maior organicidade em sua composição,
o que torna como uma das maiores agendas do território na
atual conjuntura (2010/2011).
Finalmente, é pertinente observar o papel da Geografia
nesse debate. A insistência em realizar com competência e
elegância à crítica a proposta de desenvolvimento territorial em
nada muda a inserção da ciência geográfica, principalmente na
construção de abordagens propositivas. A crítica pela crítica, no
nosso entendimento, isola a Geografia no atual debate sobre o
Desenvolvimento Rural Sustentável, desconstrói seu papel
enquanto ciência do espaço, com pouca relevância aplicativa, o
que torna um tanto vaidosa essa posição na qual perde a
oportunidade histórica de formar recursos humanos
competentes para esse fim principalmente na construção real de
uma saída para aqueles que vivem nos territórios mais pobres.
E não simplesmente fazer a crítica estrutural, sem qualquer
lastro com a realidade, principalmente daqueles que fazem o
mundo rural, além da necessidade de preocupar-se em formar
estudiosos sobre a questão, como acontece nas áreas afins ou
teremos apenas um mercado de trabalho; a de professores de
ensino superior e médio. Devemos transcender esse campo
restrito de atuação dos profissionais da Geografia.
Completa-se também que a questão do desenvolvimento
territorial voltado para o mundo rural tornou-se uma sólida
política de Estado e, indubitavelmente, é a bola da vez, e os
estudos de caso e da diversidade dos territórios no Brasil
poderão contribuir na definição de novas políticas públicas
voltadas para esse mundo. A simples referência no uso da
crítica, sem qualquer proposição de reposição, em nada
acrescenta. E a questão dos territórios é um vasto campo de
estudo para os estudiosos da Geografia Rural.
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PLANEJAMENTO AMBIENTAL E GESTÃO
TERRITORIAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS
Espedito Maia Lima18
Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto19
1 INTRODUÇÃO
As bacias hidrográficas funcionam como verdadeiros
sistemas ambientais, e se caracterizam por uma organização
natural de atributos ambientais que lhe conferem uma dinâmica
própria, marcada pelos fluxos de matéria e energia. A sua
estrutura abrange atributos do quadro natural, compostos por:
1) A estrutura geológica, abrangendo a litologia propriamente
dita e as propriedades geomorfológicas das rochas; 2) O
modelado, envolvendo as unidades de relevo, formas das
vertentes, perfil transversal e longitudinal dos vales, índices de
dissecação e classes de declividade; 3) Os solos, com suas
características e propriedades ambientais como profundidade
do perfil, profundidade do horizonte A, rochosidade e
pedregosidade superficial e no interior do perfil, teor de matéria
orgânica, estabilidade dos agregados, anisotropia interna,
porosidade e permeabilidade; 4) A cobertura vegetal e seus
atributos ambientais como porte, densidade, estratos, grau de
cobertura do terreno, sistema radicular e capacidade de
interceptação das águas das chuvas; e 5) A rede de drenagem,
com seus arranjos espaciais, gradientes longitudinais e formas
18
Professor do Departamento de Geografia da UESB. Doutorando do
NPGEO/UFS.
19
Professora do NPGEO/UFS. Doutora em Geografia pela UNESP - Rio
Claro.
transversais, regime dos cursos d‘água, alimentação das
nascentes e características dos lençóis subterrâneos.
Considerando que muitos dos processos atuantes nas
bacias hidrográficas estão associados com a dinâmica hídrica,
ressalta-se a importância dos elementos atmosféricos,
especialmente das precipitações pluviométricas, como
motivadores e mantenedores dos mecanismos hidrológicos
superficiais e subsuperficiais. Nesse aspecto, algumas
características da pluviometria devem ser consideradas, como
sua distribuição espacial, altura total anual e sua distribuição no
tempo (nas escalas mensais, semanais e diárias), grau de
torrencialidade das chuvas (intensidade e duração). A análise
rítmica subsidiada na proposta formulada pela CEI (1971)
explica a geografia de bacias hidrográficas, articulando e
integrando seus componentes aos atributos externos, quer de
origem natural, quer antropogênica.
A distribuição das chuvas na escala temporal, associada às
demais características do ambiente, tem implicações sobre o
balanço morfopedológico das vertentes, definindo o grau de
preponderância da componente perpendicular ou da
componente paralela, cujos saldos positivos (pedogenéticos) ou
negativos (morfogenéticos) refletem o grau de estabilidade
natural dos ambientes. Entretanto, as condições climáticas e sua
atuação na ecodinâmica das bacias hidrográficas não se
restringem a pluviometria e seus efeitos sobre as águas
superficiais e subterrâneas. Outros elementos do clima são
igualmente importantes, por interferirem diretamente sobre as
características da vegetação, dos processos pedogenéticos,
como também de alguns outros mecanismos que ocorrem na
estrutura superficial das paisagens, onde podem ser destacados
a ação da temperatura, evapotranspiração e ventos, além da
radiação expressa pelo fotoperíodo e fotossíntese.
Complementando o rol dos elementos motivadores da
ecodinâmica dos sistemas ambientais em bacias hidrográficas,
destaca-se a drenagem como importante agente nos
mecanismos dinâmicos de fluxos de matéria e energia. Faz-se
necessário analisar os diferentes arranjos da drenagem, cujos
padrões refletem importantes significações ambientais. Os
fluxos superficiais também podem fornecer informações sobre
o comportamento ambiental da bacia hidrográfica,
especialmente as características relacionadas ao regime dos
canais fluviais, carga de sedimentos e características químicas e
bacteriológicas das águas.
2 AS BACIAS HIDROGRÁFICAS NO CONTEXTO DOS
SISTEMAS AMBIENTAIS
As trocas de matéria e energia estão presentes em todos
os processos ligados a fase terrestre do ciclo hidrológico,
envolvendo o empoçamento superficial, a infiltração, o
escoamento difuso e concentrado, os canais fluviais efêmeros,
estacionais e perenes, o fluxo subsuperficial e a alimentação dos
aquíferos subterrâneos e superficiais, o consumo hídrico pelas
plantas e animais e os mecanismos de evaporação e
evapotranspiração.
A grande maioria desses processos assume uma
significação ainda maior, já que tratam de ações de modelagem
da estrutura superficial das paisagens naturais, de conformação
da própria bacia hidrográfica como um sistema ambiental
dinâmico. As transformações implementadas por esses
processos representam um continuum dos processos
estruturantes e evolutivos da bacia enquanto ambiente físico,
deixando na mesma as suas marcas características.
Esta argumentação aponta para um importante critério
técnico utilizado na avaliação e planejamento ambiental, que é a
visão areal dos fenômenos, que permite a espacialização de
processos, mesmo que estes tenham fortes influências nos
mecanismos lineares.
Na qualidade de sistemas abertos, as bacias hidrográficas
evoluem dinamicamente, ganhando e perdendo matéria e
energia. Os fluxos internos geram transporte de materiais, o que
vai repercutir em perdas e ganhos localizados, promovendo
também metamorfoses em seus componentes pela ação
energética de seus atributos.
As tentativas de interpretação dos ganhos, perdas e
transformações como alterações elementares individualizadas,
em uma visão analítico-separativa, tem produzido sérios
equívocos, tanto na leitura dos processos espaciais, como nas
ações de planificação territorial pautadas nesses modelos de
interpretação.
Como cada elemento que constitui os sistemas ambientais
é resultado de processos, mas é também agente transformador,
as interações processuais são simbióticas e complementares,
dando ao sistema ambiental a conotação de organismo, em que
o resultado das complexas combinações e reciprocidades é mais
importante do que as características individualizadas de cada
elemento constituinte.
O resultado da combinação dessas ações é que os
sistemas ambientais evoluem oscilantemente em torno de uma
situação de equilíbrio dinâmico. A noção de equilíbrio dinâmico
não pode ser confundida com o conceito de clímax. Significa o
resultado evolutivo das condições naturais de cada sistema
ambiental, que é reflexo da combinação instável dos seus
diversos componentes. Cada componente possui seu
comportamento próprio e, portanto, um grau de fragilidade
diferente dos demais. Esta fragilidade do ambiente é resultante
da complexa combinação sistêmica de processos elementares,
mas é fortemente influenciada pelo seu elo mais frágil.
A noção de ajustes ambientais entre a estabilidade e a
instabilidade foi introduzida na Geografia através da teoria do
equilíbrio dinâmico, formulada com aplicação específica na
Geomorfologia, considerando o modelado terrestre como um
sistema aberto, e, portanto, permanentemente permutando
matéria e energia com os demais sistemas interativos.
Juntamente com a entrada, processamento e saída de matéria e
energia (princípio do sistema aberto), os constantes
ajustamentos na busca de seu equilíbrio são premissas básicas
da teoria do equilíbrio dinâmico.
Trata-se de uma das teorias que mais coadunam com os
princípios da Teoria Geral dos Sistemas, formulada por
Bertalanfy, dado que a estabilidade ambiental representa nada
mais que um equilíbrio entre as forças contrárias, de entrada e
saída de matéria e energia. O maior ou menor armazenamento
de matéria e energia através dos processos internos pode indicar
as tendências de estabilidade ou instabilidade. A estabilidade
tem um significado de ajuste em relação a quantidade da energia
que entra, como também a sua variabilidade no tempo e no
espaço. É provável que o ajustamento dependa da capacidade
de auto-regulação e do grau de interdependência entre os
elementos.
As paisagens em equilíbrio refletem as características dos
agentes dinâmicos do sistema. Refletem as condições climáticas,
edáficas e fitogeográficas, muito mais do que as condições
geológicas e geomorfológicas, sendo, portanto, reflexo do
período atual.
A estabilidade ambiental é um importante indicador do
grau de resistência que o ambiente natural oferece à tensão
provocada pelas atividades humanas. Com um mesmo nível de
interferência humana, os sistemas reagem diferentemente, já
que cada ambiente possui sua própria combinação de
fragilidades.
Todo sistema natural tem sua própria
dinâmica o qual pode às vezes ser afetada
pela ação antrópica, que encontra seu
reflexo na sociedade e nos ecossistemas,
afetando de maneira direta sua própria
existência e desenvolvimento (CABO;
FERNANDEZ; SILVA, 2006, p. 61).
Seja nos processos naturais ou naqueles resultantes das
investidas humanas, os mecanismos ambientais nunca se
comportam numa relação de causa e efeito. Os sistemas
ambientais são complexos por natureza, com sucessões de
mecanismos de retroalimentação. Thornbury (1954) destaca que
―na evolução geomorfológica a complexidade é mais comum do
que a simplicidade‖. Este princípio é válido também para a
evolução dos demais elementos estruturantes do meio físico.
A análise ecodinâmica das paisagens deve considerar as
características dos fenômenos do ambiente físico, como
também o grau de interferência humana no processo de
transformação dos arranjos ambientais e recriação de paisagens,
muitas vezes fortemente antropizadas.
Ao se dedicar ao estudo do meio ambiente
não perde de vista que, enquanto ciência
do espaço terrestre, é uma reflexão sobre a
natureza ocupada pela sociedade e por ela
transformada, a fim de adequar-se aos
imperativos da sobrevivência‖ (CONTI,
2001, p. 59).
Ao mesmo tempo em que essas transformações
significam a transformação da primeira natureza e criação da
segunda natureza, na perspectiva marxista, sendo o próprio
mecanismo pelo qual se produz o espaço geográfico, no dizer
de Santos (1988), significam também o mecanismo mais
importante de desregulação e desordem dos processos
ambientais. Muitos ambientes naturalmente biostásicos são
transformados em uma magnitude tal, que sua estabilidade é
rompida, os processos são modificados (muitas vezes com
relações dinâmicas invertidas), dando origem a condições de
resistasia antrópica.
Dadas essas circunstâncias, a análise das transformações
socioambientais não pode ser restrita às leis da natureza e a
regulação dos sistemas ambientais. Não deve considerar
somente o grau de modificação dos elementos das paisagens,
como também os princípios e leis da sociedade, especialmente a
forma como os diferentes grupos sociais se organizam no
processo de apropriação, uso e transformação dos recursos
naturais.
Ao tratarem da perspectiva geográfica nos estudos do
meio ambiente, Cabo, Fernandez e Silva (2006, p. 61) destacam
que
[...] devemos compreendê-lo como a
integração de componentes naturais,
humanos e todos os campos da vida social,
que
se
encontram
estreitamente
relacionados e que de uma forma ou outra
satisfazem as necessidades materiais,
espirituais e culturais para garantir uma
conduta ambiental responsável, onde se
tomem decisões capazes de responder as
verdadeiras necessidades da sociedade.
O tratamento das derivações ambientais atuais deve levar
em consideração que sua gênese está mais atrelada a questões
sociais do que naturais. Neste sentido, Martinelli e Pedrotti
(2001, p. 39) afirmam que ―a forma como os homens se
relacionam com a natureza depende do modo como se
relacionam entre si, o que é determinado pelas relações sociais
vigentes em certo modo de produção, em dado momento do
percurso da história da sociedade humana‖.
3 DINÂMICA DAS PAISAGENS E FRAGILIDADE
AMBIENTAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS
O controle da qualidade ambiental é uma medida
necessária para a conservação dos diversos ecossistemas e
depende não só das decisões do poder político-administrativo,
através da legislação e fiscalização, mas também do
comprometimento dos profissionais que lidam com a área, bem
como das atitudes de cada cidadão.
Embora o termo ―potencial geoambiental‖ dê a
impressão de força ou magnitude, a sua definição é feita a partir
do grau de fragilidade de cada variável do sistema ambiental.
Mesmo pautado em uma premissa sintética, o seu
enquadramento nos diagnósticos ambientais se dá a partir da
variável de maior fragilidade que, combinada às demais, define
o grau de vulnerabilidade do ambiente.
Há que se distinguir conceitualmente os termos
―fragilidade ambiental‖ e ―vulnerabilidade ambiental‖.
Enquanto a fragilidade ambiental é entendida como o grau de
resistência de uma variável ou conjunto de variáveis ambientais
às investidas humanas, a vulnerabilidade ambiental implica na
consideração da fragilidade, acrescida do grau de risco
ambiental. Nesse sentido, um ambiente pode ser classificado
como muito frágil, mas pouco vulnerável, caso ele esteja sob
proteção integral.
Drew (1989, p. 28) destaca que ―cada aspecto de um
sistema natural apresenta um limar para além do qual a mudança
imposta se torna irreversível e é necessário estabelecer um novo
equilíbrio‖. Destaca a ideia de limiar de recuperação, argumentando
que a intensidade das alterações inadvertidas depende do
esforço aplicado ao sistema pelo homem e, também, do grau de
suscetibilidade à mudança, do próprio sistema.
Os diferentes cenários associados a processos de
degradação ambiental, derivados das ações antropogênicas ou
dos mecanismos de recomposição das características
ambientais, representam situações de busca de um novo
equilíbrio dinâmico do sistema ambiental, que quase sempre
não corresponde ao estado anterior a ação antrópica. Nesta
perspectiva, Camargo (2005, p. 217) afirma que
[...] a dinâmica do espaço geográfico
efetiva constantes mudanças nos lugares,
logo cada nova paisagem torna-se um
novo
patamar
de
complexidade,
remetendo as formas geográficas a novos
conteúdos. A cada nova reestruturação da
paisagem e, logicamente, a cada novo
reordenamento do espaço geográfico,
novas possibilidades sistêmicas ocorrem
que:
Araújo (2005 p. 24) reforça tais princípios, argumentando
Os riscos de erosão dependem tanto das
condições naturais quanto dos modelos de
uso da terra. O clima (especialmente a
intensidade da chuva), as características
das encostas, a cobertura vegetal e a
natureza do solo também são importantes.
Com respeito ao uso da terra, qualquer
atividade humana que exija a remoção da
cobertura vegetal protetora (florestas,
arbustos, forragens, etc.) promove a
erosão, o mesmo ocorrendo com medidas
impróprias, como arar morro acima.
Dessa forma, percebe-se que as transformações
socioambientais não dependem exclusivamente da magnitude
da pressão humana sobre os recursos naturais, mas,
principalmente, dos padrões de vulnerabilidade de cada recorte
territorial.
A metodologia proposta por Crepani et al. (2001)
preconiza que a análise da vulnerabilidade natural dos terrenos
aos processos de erosão seja feita a partir da identificação das
UTB´s - Unidades Territoriais Básicas, delimitadas diretamente
sobre a imagem de satélite, a partir da interpretação de padrões
semelhantes, identificados pelas variações de cores, textura,
formas, padrões de drenagem e relevo.
O
zoneamento
ambiental
pode
expressar
cartograficamente as unidades ambientais, caracterizando-as do
ponto de vista de suas potencialidades ambientais, do grau de
sustentabilidade às atividades humanas, podendo classificá-las
com base no grau de estabilidade ambiental. Esta etapa de
trabalho pode dar suporte ao planejamento e gestão do
território, visto que estes dependem, dentre outros elementos,
da avaliação das variáveis da sustentabilidade ambiental.
Nesse sentido, Monteiro (1987) salienta que as
correlações básicas estabelecidas entre os elementos do quadro
natural – o suporte (geologia, geomorfologia, hidrologia), a
cobertura (vegetação e solos) e o envoltório climático –
dinamizados por aqueles de ocupação antrópica, com suas
derivações sucessivas, sugerem padrões de organização espacial
que induzem a definição de conjuntos ambientalmente
solidários.
Guerra e Cunha (1996) reafirmam a concepção de
Monteiro, destacando que a estrutura físico-bótica do extrato
geográfico se consubstancia nas diversas camadas ou
componentes da natureza, tais como a baixa atmosfera, a
hidrosfera, a litosfera e a biosfera. Estes componentes se
articulam e interagem de forma tal, que definem mecanismos
extremamente complexos de funcionamento e de
interdependência. Fazem parte destes sistemas o ar, as águas, os
solos, as rochas, as formas do relevo, a vegetação e a fauna.
Estes mesmos autores salientam que, além do ambiente
natural, o meio antrópico é parte fundamental no entendimento
do processo, sendo para isso imprescindível a análise das
relações socioeconômicas entre os homens e destes com a
natureza.
É importante avaliar a estabilidade ambiental quando se
pretende aplicar tais estudos ao planejamento ambiental e
territorial. Dentre os modelos utilizados para este fim, o que
utiliza o conceito de ―unidades ecodinâmicas‖, na concepção de
Tricart (1977) é um dos mais utilizados.
O modelo de avaliação ecodinâmica, proposto por Tricart
(1977) define, segundo as condições do balanço morfogênese x
pedogênese, os seguintes meios: Meios estáveis – quando há a
predominância da pedogênese sobre a morfogênese; Meios
Intermediários ou Intergrade – quando há equilibro no balanço
entre morfogênese e pedogênese; Meios Instáveis – quando há
predomínio da morfogênese sobre a pedogênese.
Evidentemente, o modelo proposto por Tricart é
bastante amplo e necessita da definição de variáveis e do
estabelecimento de critérios mensuráveis para a classificação de
determinados recortes territoriais. Sua aplicação a cada realidade
pode perpassar, inclusive, por uma readequação das classes,
estabelecendo novas classes intermediárias, dada a
complexidade dos arranjos dos sistemas ambientais.
Penteado-Orellana (1981) destaca que os objetivos da
Geografia abrangem: o estudo dessas derivações e a
compreensão dos processos destruidores; a tentativa de
modelizar para recriar espaços, conduzindo os efeitos
destruidores num caminho de auto-regulação dos sistemas
agredidos, para poder manter o espaço habitável e produtivo.
O estudo da ecodinâmica da paisagem representa uma
tentativa de compreensão dos mecanismos de evolução dos
complexos arranjos geossistêmicos, que comportam diferentes
escalas temporais e espaciais.
Christofoletti (1989, p. 207), argumenta que,
[...] não se pode esquecer que o padrão
espacial observável representa resposta a
um continuum evolutivo, à sequência de
eventos que se sucedem ao longo do
tempo. O estudo da dinâmica é
essencialmente realizado na escala
temporal, pois refletem as ajustagens
internas do sistema à magnitude dos
eventos, mantendo a sua integridade
funcional,
ou
se
ajustando
em
busca de mudanças adaptativas às novas
condições de fluxo.
É nesta perspectiva que Ab‘Sáber (1994) reforça que é
preciso conhecer o funcionamento dos fluxos da natureza e
toda a sua história e formas de ocupação dos espaços criados
pelos homens, tendo em vista a previsão dos impactos
ambientais.
Em conformidade com Tricart e Kilian (1982), reforça-se
que o tratamento da dinâmica do meio ambiente deve
considerar dois aspectos:
- A dinâmica atual, que regula algumas características do
meio natural, que interferem com determinado recurso
ecológico que explora e quer explorar, que também pode
ameaçar as instalações que implantam. Deve ser levada em
consideração em todas as fases do ordenamento;
- As dinâmicas anteriores, que foram exercidas em épocas
pretéritas, durante períodos relativamente breves em relação a
escala geológica, e que deixou heranças no meio natural que
utilizam e que é nosso marco ecológico. A sucessão dessas
dinâmicas diferentes, ritmada fundamentalmente pelas
mudanças climáticas, é um importante fator de explicação da
situação atual. Indiretamente influi também sobre os problemas
do ordenamento, sobre a susceptibilidade do meio em relação
aos impactos do homem.
É necessário considerar que a dinâmica socioambiental
não segue, necessariamente, um padrão uniforme. Por isso, a
projeção de cenários deve considerar, conforme Rauli (2006, p.
150), que:
Os eventos exógenos obviamente
interferem nas séries históricas dos
indicadores
de
desenvolvimento,
dificultando um exercício correto de
previsões que busquem a extrapolação de
dados históricos (novas tecnologias,
epidemias, catástrofes, e etc.), mas não
podem ser desprezados, assim como não
podem inviabilizar a mensuração, uma vez
que terão seus impactos dimensionados e
gerenciados,
independentemente
do
aspecto temporal.
A elaboração de um diagnóstico ambiental visando a
ordenação territorial deve levar em consideração uma
delimitação de zonas homogêneas do ponto de vista físicoambiental (unidades ambientais), cuja dimensão territorial
depende particularmente da escala de trabalho. No nível
regional de análise dos fenômenos ambientais, o zoneamento
deve chegar à delimitação de geossistemas, dentro da hierarquia
sistêmica proposta por Sotchava (1977).
Harvey (1976) destaca que: em qualquer que seja o nível
de detalhamento, a análise dos ambientes pode ser feita por
meio de modelos, onde uma dos mais utilizados é o que
considera a variável ―input‖ e ―output‖, onde a primeira é
independente do modelo, enquanto a segunda é inteiramente
dependente do que possa acontecer dentro do modelo. O
fundamento do modelo é mostrar como diferentes ―output‖
resultarão de valores ou atributos distintos dados às variáveis
―input‖.
Esse modelo pode ser aplicado em diferentes realidades,
sendo um dos mais apropriados ao estudo de bacias
hidrográficas. Pode ser alimentado com dados e informações
sobre a organização dos sistemas ambientais e sua dinâmica
evolutiva (considerando os mecanismos naturais e aqueles
influenciados pelas ações antrópicas), dados sobre a produção
dos agroecossistemas e sobre a utilização das terras e dos
recursos hídricos, insumos e irrigação, avaliações experimentais
e/ou estimativas de perdas de solo e água dos diferentes
segmentos que compõem o mosaico da bacia e dados sobre
vazão média e vazões extremas do rio principal.
Tais informações podem fornecer um modelo próprio de
análise para cada bacia hidrográfica, traçado em elementos
teóricos e checado através de parâmetros mensuráveis.
Cabral e Cabral (2005, p. 60), tratam do planejamento
ambiental pautado em uma visão holística dos fatos
socioambientais, frisando que:
Sob a visão sistêmica, os atributos
ambientais devem ser estabelecidos e seus
papéis, avaliados dentro dos ecossistemas.
Isso reforça o planejamento do uso do
solo e sua capacidade de relacionar o nexo
causal (causa-efeito) por meio da ligação
entre planejamento e proteção ambiental.
O controle da qualidade ambiental é uma medida
necessária para a conservação dos diversos ecossistemas e
depende do conhecimento detalhado das características
ambientais e da implementação de ações contínuas de controle
e correção.
Queiroz Neto (1993, p. 108/109) destaca que,
[...] a situação atual aponta para a
necessidade de se questionar os processos
produtivos atuais e para a busca de
alternativas, tanto na maneira de produzir
quanto no modo de consumir. As
alternativas devem contemplar duas
condições essenciais: o abastecimento
correto de toda a população mundial,
presente e futura, e a minimização dos
efeitos ambientais. Para isso, é preciso
conhecer melhor os ciclos da natureza, os
processos globais que regulam as
atividades da matéria, da vida, no tempo e
no espaço. É nesse contexto que as ações
humanas devem ser colocadas, quanto ao
efeito que produzem sobre o meio físico.
A degradação ambiental e os conflitos na relação
sociedade/natureza não estão relacionados somente ao uso
indevido dos recursos naturais, mas também ao ato de produzir
e consumir em alta escala, especialmente a produção. Contudo,
a sociedade vive alguns dilemas socioambientais relacionados ao
consumo, em que as diretrizes gerais da construção de
sociedades sustentáveis estão embasadas no ato de se consumir
moderadamente os recursos, de forma a permitir que as
gerações futuras possam usufruí-los nos mesmos moldes da
geração atual.
Tal fato conduz a um sério equívoco que é o
entendimento de que os recursos naturais são uma dádiva da
natureza a todos os seres humanos, passando a ideia de um
―bem comum‖ que deve ser consumido com cautela para não
faltar depois.
As riquezas naturais, o ambiente, o meio
ambiente passam a ser considerados como
‛bem comum‘ da humanidade e as
dilapidações, o esgotamento de riquezas
são, conforme é dito, causados igualmente
por todos (RODRIGUES, 2009, p. 192).
O segundo equívoco, advindo do primeiro, é que o
grande conflito na relação entre sociedade e natureza é um
conflito entre a geração atual (portadora dos poderes de
utilização em maior ou menor escala) e as gerações futuras,
dependentes do ritmo atual de uso dos recursos naturais. Pelo
fato de essas ainda inexistirem, não há como dialogar com a
geração atual sobre o ambiente desejável a eles, e, por isso
mesmo, dependem da sensatez desta geração.
4 BACIA HIDROGRÁFICA COMO UNIDADE DE
PLANEJAMENTO E GESTÃO
O nosso modelo político-administrativo tem conduzido a
avaliação, o planejamento e a gestão territorial, incluindo a
gestão ambiental, dentro dos limites municipais, sem considerar
que os fluxos dinâmicos da natureza extrapolam esses limites.
Há uma recomendação da ONU, e que vem
crescentemente sendo adotada em alguns países, inclusive com
algumas experiências no Brasil, de relevar o planejamento e a
gestão ambiental a partir da organização dos sistemas
ambientais, especialmente das bacias hidrográficas como
unidades básicas de planejamento e gestão do território. Isso
porque, dentre os mecanismos dinamizadores dos fluxos
superficiais de matéria e energia, a drenagem assume papel da
mais alta relevância, estruturando os sistemas ambientais e
buscando o equilíbrio morfodinâmico, resultante do dialético
jogo entre as ações dos componentes estruturais e os
componentes esculturais da superfície.
Os planos diretores de bacias e a formação dos comitês
de bacias e consórcios de usuários são instrumentos
importantes no planejamento territorial para além dos limites
municipais. Entretanto, sua implementação é dificultada por
uma série de circunstâncias, dentre as quais a visão
individualista de grande parte dos proprietários rurais e dos
gestores municipais.
Dadas as peculiaridades com que os fenômenos se
manifestam nas bacias hidrográficas, com forte unicidade dos
mecanismos dinâmicos da natureza, a mesma configura-se
como célula básica da análise da organização dos sistemas
ambientais. Daí verifica-se uma forte tendência de sua eleição
como unidade básica prioritária para a análise dos fenômenos
geográficos e como unidade espacial ideal para o planejamento
territorial.
Melo, Sales e Arruda (2007, p. 474) enfatizam que as
bacias hidrográficas,
[...] representam unidades sistêmicas que
permitem a identificação e o conhecimento
das interrelações dos fluxos de energia e
dos demais fatores envolvidos no processo
produtivo, com vistas a compatibilizar as
atividades humanas com a preservação
ambiental.
Os processos de troca de matéria e energia criam uma
relação de interdependência entre os sistemas ambientais e
entre os elementos característicos de cada sistema, permitindo a
sua compreensão completa, somente através de uma visão
holística dos fenômenos. Tais correlações são responsáveis pelo
grau de pontencialidade/vulnerabilidade de cada recorte
geoambiental. Dessa forma, o conhecimento dos ambientes,
especialmente do jogo complexo estabelecido entre suas
variáveis, permite também a classificação das potencialidades de
uso dos recursos naturais de cada unidade ambiental-territorial.
Da mesma forma, a análise da fragilidade dos ambientes passa
pelo conhecimento e avaliação integrada dos elementos
característicos de cada sistema.
Tal consideração tem fortalecido a ideia de gerenciar este
tipo de unidade espacial, em função de seus atributos
ecossistêmicos. Nesse sentido, argumenta-se que:
O conceito de Bacia Hidrográfica tem sido
cada vez mais expandido e utilizado como
unidade de gestão da paisagem na área de
planejamento ambiental. Basicamente até
meados dos anos 80, os estudos realizados
no âmbito da bacia hidrográfica
abordavam quase que exclusivamente só a
questão dos recursos hídricos em trabalhos
de gestão dos recursos naturais.
Atualmente, vários pesquisadores utilizam
essa unidade de forma integrada,
analisando e inter-relacionando todos os
componentes físicos, biológicos e sociais
pertencentes a uma bacia (MELO; SALES;
ARRUDA, 2007, p. 474).
A perspectiva de sistema aberto e dinâmico, por
conseguinte, é o princípio básico para a que as bacias
hidrográficas sejam utilizadas como unidades de planejamento e
gestão ambiental. Enquanto unidade dinâmica, elas expressam
significativamente a filosofia sistêmica de fluxos internos de
matéria, energia e informação e suas relações com as sub-bacias
adjacentes ou com a bacia de ordem hierárquica superior.
É importante destacar tal princípio, dado que:
Tendo sua delimitação baseada em
critérios geomorfológicos, as bacias de
drenagem levam vantagens sobre as
unidades de planejamento definidas por
outros atributos, cujos traçados dos limites
podem ser bastante imprecisos, como, por
exemplo, unidades definidas por atributos
climáticos, ou, ainda, baseadas nos tipos de
vegetação, que podem não cobrir a
paisagem de modo contínuo (BOTELHO,
1999, p. 270).
Mesmo quando se considera a bacia hidrográfica como
unidade básica de análise, planejamento e gestão territorial, há
que se ponderar que a mesma pode abranger um mosaico de
unidades equipotenciais, cuja qualificação taxonômica se define
em função da sua abrangência territorial e grau de uniformidade
dos geoambientes.
Entretanto, essa diversidade das paisagens naturais não se
reproduz congruentemente nas novas paisagens modeladas pela
ação humana, já que os mecanismos de apropriação e uso dos
recursos naturais no espaço rural tendem a criar paisagens
homogêneas, associadas em maior ou menor grau de
aproximação das características das áreas core das principais
culturas da região.
A gestão integrada de uma bacia hidrográfica deve estar
pautada na análise do estado dos sistemas socioambientais,
avaliação das condições de uso do solo e da água e cenários
possíveis, projetados a partir dos processos em curso.
Tais mecanismos devem, a partir do diagnóstico que
comporte uma visão do cenário atual da bacia hidrográfica,
apresentar as proposições para a ordenação territorial,
definindo ações de conservação e recuperação ambiental e os
usos múltiplos não conflitantes da água e do solo na bacia,
pautados nas premissas da sustentabilidade ambiental.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A visão propalada pelos ideais do desenvolvimento
sustentável tem massificado a ideia de que a questão ambiental
representa um conflito entre a geração atual e as gerações
futuras, e não um conflito resultante do processo atual de
apropriação diferenciada dos recursos naturais, que se
materializa no próprio espaço geográfico.
A ordem espacial produzida por essa acumulação
diferenciada dos recursos, meios e tecnologias reflete as
contradições e complexidades dos processos dinâmicos de
produção do espaço. Entretanto, essas contradições são
conflituosas por natureza, tanto verticalmente, através das
hierarquias derivadas do processo diferenciado de apropriação
cumulativa, como espacialmente, pela demanda dos recursos
fluidos, portanto migratórios, como é o caso da água.
A grande encruzilhada do planejamento ambiental e
gestão territorial em bacias hidrográficas está vinculada aos
mecanismos derivados da propriedade privada das terras e das
águas e a geração de uma série de conflitos espaciais entre os
seus usuários, criando novos territórios que se estabelecem a
partir da lógica do poder e da correlação de forças. As disputas
territoriais se espacializam pelas lutas individuais ou pela
associação entre os diferentes grupos de usuários.
O que se verifica é que o Estado tem desempenhado
papel fundamental na intensificação desse processo, visto que
cria as condições para que o grande capital se aproprie dos
recursos hídricos e utilize mais produtivamente o território.
Nessa disputa desigual, o ribeirinho é excluído, o
pequeno irrigante é ignorado, o médio produtor vive os
conflitos e o grande produtor é o verdadeiro beneficiado,
inclusive com as obras públicas, que são direcionadas para esta
fatia de usuários das águas e do solo.
Cabe ao Estado, especialmente pelo necessário
desempenho de seu papel social, a implementação de ações de
planejamento territorial pautadas no uso sustentável dos
recursos naturais, no atendimento às demandas dos diferentes
grupos de usuários do solo e da água e no necessário ato de
sanar os conflitos já existentes. Os instrumentos são vários e
podem ser utilizados conjuntamente, mas sempre focados na
lógica do uso racional dos recursos naturais.
O planejamento territorial em bacia hidrográfica pode
partir de uma análise acurada dos processos pretéritos,
considerando o ritmo das atividades nela desenvolvidas, a
avaliação do estado atual do sistema e a projeção de cenários
futuros. Os cenários podem ser projetados sob duas
perspectivas: uma que considera o ritmo atual das atividades
humanas (cenário tendencial) e outra que considera a adoção de
medidas corretivas das incongruências entre o uso atual e o
potencial de uso (cenário de sucessão).
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AS POLITICAS DE ―DESENVOLVIMENTO
REGIONAL‖: UM OLHAR SOBRE O PROJETO
COMUNITÁRIO DO RIO GAVIÃO NO SUDOESTE DA
BAHIA
Fernanda Viana de Alcantara20
Prof. Dr. José Eloízio da Costa21
1 INTRODUÇÃO
A opção da temática do estudo considera a importância
da implementação de políticas públicas que visam contribuir
para o desenvolvimento regional. A isso se soma a observação
da crescente preocupação acerca dos modelos e alternativas de
desenvolvimento capazes de enfrentar os grandes ―desafios‖ e
problemas econômicos, sociais e ambientais que se apresentam
no mundo contemporâneo. É importante ainda considerar os
inúmeros eventos realizados para debater e refletir sobre o
assunto, tanto no ambiente científico/acadêmico, como
noutros horizontes, patrocinados pelo Estado ou pela ordem
privada.
O contexto conduziu à formação de concepções de
desenvolvimento da espécie, desenvolvimento regional, pois,
mesmo observando os vários tipos de propostas ou tendências
de concepções do que se entende por desenvolvimento,
verifica-se que algumas iniciativas vêm sendo realizadas no
campo prático tanto em escala local (municipal e
microrregional) como em escala regional.
20
Doutoranda em Geografia - Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Sergipe – UFS.
21
Professor do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal de Sergipe – UFS.
As políticas de ―Desenvolvimento Regional‖ procuram
promover ações que apresentam alternativas de médio e longo
prazo, objetivando assegurar melhorias na condição de vida do
cidadão, via, entre outros, ajustes na organização econômica,
conservação e preservação do meio ambiente. Itens analisados
no estudo do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da
Região do Rio Gavião.
De modo mais preciso, elegeram-se as ações
desenvolvidas pelo projeto em algumas comunidades rurais da
Região do Sudoeste do Estado da Bahia, área situada na divisa
do Sudoeste baiano com o estado de Minas Gerais, considerada
como uma unidade muito pobre do ponto de vista sócioeconômico e ambiental, que integra a região denominada
―Polígono das Secas‖. Precisamente nos municípios de Anagé,
Belo Campo e Tremedal.
Assim, os resultados de estudos na área de implantação
das ações desenvolvidas por políticas públicas, especialmente
daquelas cujo sentido é promover ações na perspectiva do
―desenvolvimento regional‖ são apresentados neste artigo.
Sendo que, estes resultados provêm da investigação e análise da
dinâmica do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da
Região do Rio Gavião (1996-2004), popularizado como PróGavião.
O estudo ainda teve como objetivo: analisar as mudanças
proporcionadas a partir da implantação do Pró-Gavião;
identificar as possíveis contribuições no sentido de garantir
melhoria nas condições de vida das comunidades residentes na
área investigada; observar a capacidade de organização da
sociedade local, e o envolvimento do poder público municipal
de cada uma daquelas localidades.
A formulação e a implantação do Projeto de
Desenvolvimento Comunitário do Rio Gavião teve como
propósito um processo do tipo ―resgate à vida cidadã‖ de
algumas comunidades de determinados municípios baianos. O
Pró-Gavião visou o desenvolvimento regional através da
integração ou inclusão social de parte das comunidades rurais
no conjunto dos municípios do Sudoeste baiano, através de
propostas envolvendo a participação e interação de diferentes
sujeitos sociais como as comunidades rurais de abrangência do
Projeto. Desse modo, considerando tais fatores, entende-se que
o Projeto em análise é merecedor de relevante atenção como
objeto de estudo.
2 BREVE TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO
BRASIL
O Brasil, por ser um país de grande dimensão territorial,
população irregularmente distribuída, espaço onde existem
grandes recursos naturais em exploração, e por explorar; a crise
se agrava face à debilidade de suas estruturas econômicosociais. Debilidade resultante das marcas deixadas pela
colonização, controle dos principais setores da economia por
grupos estrangeiros e do modelo econômico concentrado de
renda ao qual foi imposto.
Estas deficiências se acentuam pela falta de produção de
uma ciência e de uma tecnologia própria, que pudessem
responder aos desafios da realidade. A tendência entre alguns
setores da elite cultural de copiar modelos produzidos por
outros países e impor é falha, pois estes modelos foram
projetados para solucionar desafios diferentes e, portanto, sem
condições de aplicabilidade com êxito ao espaço geográfico e
social brasileiro.
É relevante considerar que demandas sociais urgentes
como questões agrárias, educacionais, da saúde, da assistência
social e outras não têm respostas encontradas devido à
alienação dos quadros técnico-burocráticos e à resistência dos
setores econômicos e sociais que se beneficiam das distorções
existentes.
Desta forma, é indispensável à reflexão sobre políticas e
programas voltados para pequenos produtores rurais.
Especialmente no semi-árido nordestino, onde se concentra a
maior carência de projetos com a finalidade de solucionar
problemas relacionados ao homem-meio e ao enraizamento
dessas comunidades no território, observando as contradições
que permeiam a discussão sobre possíveis melhorias das
condições de vida destes.
Partindo das necessidades reais, para que sua elaboração e
sua implantação não sejam apenas repetições de decisões de
cima para baixo e restritamente compensatório.
A inserção da questão social na consolidação das políticas
públicas de desenvolvimento é fundamental. Mas o que se
observa é uma participação meramente formal das comunidades
beneficiadas por estes programas, uma vez que em muitos
casos, são desconsiderados aspectos relevantes como as
características culturais da comunidade, a confiança, a
organização social.
A falta de participação da comunidade é
apontada, na literatura produzida pelas
principais instituições internacionais da
área de fomento do desenvolvimento,
como uma das principais causas de
fracassos de políticas, programas e projetos
de diferentes tipos. Segundo essa avaliação,
a ausência de uma interação suficiente com
os segmentos relevantes da sociedade
tende a fazer com que muitas das ações
públicas sejam calibradas, tornando-se
incapazes de alcançar integralmente os
objetivos propostos. (BANDEIRA, 2004,
p. 35)
É uma nova forma de ver, ordenar e construir o mundo.
São princípios básicos os direitos humanos, a responsabilidade
pessoal e o compromisso social na realização do destino
coletivo. Faz-se necessário um trabalho de reconhecimento e
valorização dos direitos e deveres do cidadão, para que sejam
respeitados, uma vez que este exercício não ocorre
automaticamente.
A tendência para um reforço generalizado
da gestão política nas próprias cidades
representa uma importante evolução da
democracia representativa, onde se é
cidadão uma vez a cada quatro anos, para
uma democracia participativa, onde grande
parte das opções concretas relacionadas
com as condições de vida e a organização
do nosso cotidiano passam a ser geridas
pelos próprios cidadãos. (DOWBOR, 1998
p.42)
A elaboração de políticas públicas necessita de debates
abertos e transparentes, que devem ir além do interior dos
gabinetes governamentais, pois a antiga prática em nada
contribuiu para que acontecesse a inclusão dos sujeitos sociais.
E ainda deve-se considerar que não é só tratar dos recursos
públicos diretos ou por intermédio de renúncia fiscal (isenções),
também envolvem interesses coletivos, que eram planejados
num campo extremamente contraditório de interesses e visões
de mundo. Neste sentido, Brandão (2003) afirma que:
Apenas ao ir desmontando as forças do
atraso estrutural é que se pode,
verdadeiramente, falar em inclusão social.
Alcançar, envolver e abarcar a massa social
majoritária da população em um processo
consistente de construção de cidadania.
Envolve arrancar politicamente, ―a força‖,
o direito à cidade, à região e à nação. Essas
e outras ―escalas‖ estão entregues às
alianças conservadoras aludidas. Por isso,
muitas políticas de inclusão, de caráter
caritativo e paternalista, acabam tendo o
efeito de reforçar tal pacto interno de
dominação (p.28).
Com relação à efetivação das políticas públicas de
desenvolvimento no Brasil, verificam-se as primeiras mudanças
com o final do Regime Militar, que centralizava e burocratizava
o poder, inibia as iniciativas contrárias e a organização da
participação popular, ou seja, não permitia a ação do controle
social exercido pelas comunidades.
Na formulação de Dowbor (1998), o princípio da
descentralização refere-se à capacidade real de decisão detida
pelas demais esferas de governo, com descentralização dos
encargos, atribuições de recursos e flexibilidade de aplicação.
Não se trata de dotar as administrações centrais de dedos mais
longos, com a criação de representações locais, mas de deixar que
as administrações locais venham a gerir efetivamente as
atividades.
Com o final do regime militar no Brasil e a Constituição
de 1988, os Estados e municípios puderam começar a
promover a descentralização político-administrativa. Mas ainda
parece algo novo e só recentemente vem apresentando seus
primeiros reflexos na sociedade brasileira.
Entre estes reflexos, pode-se citar a associação de
políticas públicas com políticas de desenvolvimento. Com
finalidade de ampliar os direitos à cidadania e/ou inclusão
social, contribuir com o setor econômico na geração de
emprego e renda e aumentar a inserção do país no mercado
internacional.
No Brasil, a região Nordeste se destaca na urgência de
criar capacidade tecnológica e gerencial para conduzir
estratégias competitivas de crescimento, necessita de medidas
alternativas de desenvolvimento; pois apresenta poucas
condições de integração no mercado mundial interdependente.
Entre as heranças coloniais, o Brasil ficou marcado como
produtor de açúcar na condição de um dos mercados
econômicos de Portugal e europeu. Com traços de
concentração de poder nas mãos de poucos, os senhores de
engenho e mão-de-obra escrava, fatores que contribuíram para
o estabelecimento das desigualdades sociais consolidadas ao
longo da história, principalmente na região Nordeste. E ainda
mais relevante, formaram-se verdadeiras ―ilhas econômicas‖,
articuladas diretamente com o eixo dinâmico exógeno,
dominado pela Metrópole Portuguesa.
Desta forma, construiu-se no Brasil uma sociedade de
estrutura econômica e social fragilizada, baseada na forte
concentração fundiária a partir da perspectiva da realidade
nordestina, que até os dias atuais representa o cenário de graves
problemas sociais alimentados por questões naturais e políticas.
Fatores que fizeram desta região alvo das experiências de
planejamento e execução de ações governamentais apresentadas
como alternativas para alcançar uma possível ―solução‖ para a
situação de pobreza quase absoluta. Sendo que, essas
experiências se deram especialmente com o aparecimento da
―Questão Regional‖ no Brasil e com o surgimento do Nordeste
como ―região problema‖.
O planejamento e implantação das ações governamentais
no Nordeste se tornaram objetos de estudo que atraem a
atenção de pesquisadores e estudiosos para a leitura e análise
dos possíveis resultados obtidos e até que ponto estas ações
interferem na qualidade de vida da população nordestina. São
muitas as experiências, algumas grandiosas e ousadas como foi
a própria Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE), até hoje objeto de discussão, isso enfocada em
uma perspectiva macroeconômica, mas que gerou contradições
em sua trajetória até os dias atuais.
É interessante observar que o quadro sócio-econômico
do Nordeste, no final dos anos 50, caracterizava-se como uma
região já estruturalmente pobre em relação às áreas mais
dinâmicas do país, com poucas perspectivas de superação de
problemas sociais e econômicos.
Mas a preocupação com a questão econômica foi
gradativamente colocando o discurso sobre o desenvolvimento
social em segundo plano no Brasil e se apresentou como uma
tarefa difícil.
As disparidades regionais se tornam mais evidentes no
clássico debate cepalino das décadas de 1950-60. O discurso da
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(CEPAL), criada em 1948, buscava refletir sobre os problemas
econômicos regionais, com o objetivo de apoiar o planejamento
das economias no período pós-guerra, e implementar políticas
econômicas imediatamente na América Latina, sobretudo
voltadas para a industrialização.
Aliado ao discurso dos ―desequilíbrios regionais‖, que,
partindo de uma concepção cepalina de inspiração furtadiana,
se operaria a criação da SUDENE. Agora utilizada como
instrumento de intervenção regional e atuação em nível de
planejamento, que gerou o reconhecimento da necessidade de
implantação de Políticas voltadas para o desenvolvimento desta
região. O Nordeste então estaria sendo visto como um todo e
também como parte integrante do território brasileiro.
No entanto, em consequência de uma série de questões
políticas e históricas, que não é objetivo deste trabalho resgatar,
o resultado das quatro décadas posteriores, caracterizaram-se
pelo esvaziamento político e principalmente pelo definhamento
do orçamento da SUDENE, é que problemas identificados na
década de 50 persistem ou até se acentuaram.
Deste modo permanece a preocupação com o
desenvolvimento regional, que deve passar pela dimensão
política e por uma análise multidimensional, integradora e
totalizante, eliminando definitivamente o clientelismo e a
permanência da subalternidade.
Analisando sob aspectos geográfico-econômico e social,
nota-se que o Brasil vivenciou a partir da década de 1970 um
desenvolvimento industrial e de expansão urbana num ritmo
acelerado, mas o país manteve a atividade agrícola como força
geradora de sua economia, por meio das grandes propriedades
agrícolas.
Atualmente, a maioria das grandes propriedades agrícolas
evoluiu para um sistema dominado pelo capitalista,
particularmente da atividade agroindústria. Apenas nas regiões
mais isoladas do país, onde prevalecem as pequenas
propriedades, a produção camponesa mantém-se como a
principal atividade econômica, sem contar com todo o aparato
tecnológico e recursos financeiros disponíveis nas regiões que
apresentam maiores sinais de prosperidade.
Isso pode ser relacionado ao desigual desenvolvimento
do modo de produção capitalista sobre o território brasileiro,
que promoveu a expropriação do trabalhador no campo. A este
restou a alternativa de auto-reprodução da força de trabalho a
partir de relações de produção não-capitalistas, entendida como
o trabalho familiar praticado pelo pequeno agricultor ou
camponês. Sendo que, quando essas propriedades são muito
pequenas e a mão-de-obra torna-se excedente, cabe aos
membros da família saírem em busca de uma outra ocupação
que possa incrementar a renda familiar e auxiliar no sustento.
Nos países subdesenvolvidos, ―em vias de
desenvolvimento‖ ou emergentes, a exemplo do Brasil, a
agricultura continua sendo a atividade básica principal da
economia. É necessário pensá-la não apenas como reprodução
do capital, pois se trata de uma das atividades mais complexas
do espaço, que requer investimentos, retorno financeiro e
material para trabalhadores nela envolvidos.
Na perspectiva da construção de regiões dinâmicas e
articuladas entre si, o Governo do Estado exerce um
importante papel quando é capaz de definir uma política
estratégica de desenvolvimento que possibilite a valorização das
regiões e suas autonomias relativas. Carvalho (1988) destaca a
relação entre o Estado e a sociedade nordestina: ―[...] uma
sociedade como a nordestina, onde o governo chega a se
confundir com o Estado e, de certa forma, com a sociedade
civil, tal a importância daquele para a vida de todos‖ (p.192).
Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de
construir uma política nacional de desenvolvimento. No
entanto, a realidade político-social brasileira vem permitindo
apenas a construção de políticas de desenvolvimento e
planejamento de ação em prol da atenuação dos problemas
regionais através de outras escalas territoriais - Estados e
municípios.
Também verifica-se a implementação de programas e
projetos governamentais sem incutir as práticas sociais, voltados
essencialmente para a melhoria das questões relacionadas ao
crescimento econômico.
Neste contexto não existe um real enfrentamento dos
problemas sociais pelos projetos governamentais de políticas
públicas. Os mesmos apresentam insuficiências, desvios, e até
mesmo a tradicional prática do clientelismo. As lições que
podem ser retiradas a partir da implantação das políticas
públicas no Brasil é que se constituem como ações isoladas e
temporárias, em que seus protagonistas se distanciam da
realidade e como conseqüência permanece uma sociedade de
aparência, prevalecendo apenas a constante luta pela
sobrevivência.
Contrário a essa realidade apresentada, o Projeto de
Desenvolvimento Comunitário da Região do rio Gavião, no
Sudoeste do estado da Bahia, apresenta-se como uma tentativa
de construir novas ações capazes de gerar mudanças na
organização sócio-espacial das localidades por ele atendidas.
3 O PROJETO DA REGIÃO DO RIO GAVIÃO:
AVANÇOS, IMPASSES E LIMITAÇÕES
No caso da Bahia, a região semi-árida é dotada de um
grande potencial produtivo. No entanto, é necessária a
identificação de novas oportunidades de mercado para os
produtos locais, a valorização da região com ênfase em suas
características, melhoria dos padrões de qualidade, e
conservação da identidade territorial e cultural.
As atividades agrícolas do Semi-Árido, pela sua
diversidade ambiental e riqueza cultural, oferecem um espaço
promissor para o trabalho. Assim, o fortalecimento de parcerias
de organizações entre produtores através de programas
públicos constitui uma linha prioritária para o projeto de
Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião, a fim
de privilegiar os produtos locais, mesmo que alguns deles se
limitem a ofertas estacionais.
O incentivo a esse tipo de ação, de acordo com
programas voltados ao desenvolvimento auto-sustentável, deve
abranger o fortalecimento das redes locais de apoio técnico, o
crédito simplificado e a adequação de uma legislação fiscal e
tributária que considere todo o contexto da realidade agroecológica e sócio-econômica do Semi-Árido.
No sentido de proporcionar a auto-sustentabilidade aos
municípios com elevada concentração de pobreza, a
Companhia de Ação Regional (CAR) lançou em 1997 o Projeto
Gavião, com atuação no Sudoeste baiano, que compreende uma
das regiões mais pobres do Estado na divisa da Bahia com
Minas Gerais, pertencente ao denominado ―Polígono das
Secas‖.
As comunidades atendidas pelo Pró-Gavião pertencem
ao universo da população que habita a bacia do Rio Gavião.
Trata-se de um programa governamental com atuação nas
diversas áreas de desenvolvimento produtivo e comunitário,
visa incrementar a renda da população rural da região de forma
sustentável; através do aumento da produtividade agropecuária
e agro-industrial dos beneficiários, e também melhorar o
abastecimento de serviços de infra-estrutura básica e social.
A área do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da
Região do Rio Gavião abrange 13 municípios, ocupando uma
área de 14.718km, o que corresponde a 1,94% da superfície do
Estado. Os municípios que compõem a área de abrangência do
Pró-Gavião são: Anagé, Belo Campo, Caraíbas, Condeúba,
Cordeiros, Guajeru, Jacaraci, Presidente Jânio Quadros, Licínio
de Almeida, Maetinga, Mortugaba, Piripá e Tremedal.
Esses municípios são caracterizados pela concentração de
famílias vivendo nas áreas rurais, constituídas por pequenos
produtores com propriedade de até 50 ha, que se encontram
abaixo da linha de pobreza. E, em decorrência disso, uma
considerável parcela dessa população acaba migrando para
centros urbanos na tentativa de empregar sua força de trabalho
durante boa parte do ano, geralmente nos períodos de seca.
Diante deste quadro, para beneficiar cerca de 14.300
famílias rurais num período de 7 anos, o Projeto Gavião criou
ações nos campos de desenvolvimento comunitário,
agropecuário e de financiamento do desenvolvimento de
pequenas propriedades rurais. Apresentando como principais
componentes de ação:
1. Desenvolvimento Comunitário:
Nesta linha de ação o Projeto Gavião estabeleceu a
realização de atividades relacionadas às obras de infra-estrutura
e serviços sociais. Estas atividades incluem a capacitação da
mão de obra através de assistência técnica, também capacitada,
para um melhor manejo dos recursos naturais. Com a finalidade
de propiciar o desenvolvimento sustentável da agropecuária da
região, a valorização do trabalho da mulher rural, o apoio à
organização dos produtores, o investimento em sistemas
alternativos de captação e armazenamento de água; além do
reforço à infra-estrutura básica, através da melhoria de estradas
vicinais, obras de irrigação comunitária e eletrificação rural. De
modo geral, melhoramento da qualidade de vida.
Na realização das ações voltadas para o Desenvolvimento
Comunitário, foram destinados 13,46 milhões de dólares, de
acordo o Relatório Final do Projeto Gavião22. Este valor foi
utilizado na realização de ações como: a oferta de 360 bolsas de
estudos para crianças de comunidades pobres; a construção de
140 reservatórios de água, cada um para ser usado por 10
famílias; a realização de 2.600 ligações de água estabelecidas e
mantidas por associações dos usuários destas; a manutenção e
reparo 200 km de estrada nos 13 municípios; e a construção de
2.450 cisternas entre outras atividades.
2. Desenvolvimento Agropecuário:
É o segundo componente, constitui-se no eixo da
estratégia de desenvolvimento do Projeto Gavião. Através dele
as bases para o desenvolvimento agropecuário sustentável da
região se estruturaram, com ações que permeiam a validação de
tecnologia, assistência técnica e extensão rural. Seu objetivo é
ofertar tecnologias capazes de incrementar a produtividade
agropecuária e ofertar cursos de capacitação dos beneficiários
(técnicos e produtores) para a qualificação da mão de obra, a
promoção e reforço das pequenas empresas rurais por meio de
mecanismos de incentivo aos pequenos empreendedores.
De acordo com relatório final do Projeto, foram
destinados 10,17 milhões de dólares para esta área, sendo gastos
principalmente com a realização de seminários de capacitação,
eventos de treinamento técnico, treinamento em administração
rural básica e assistência técnica.
Estes eventos normalmente ocorriam nas comunidades
beneficiadas ou em localidades vizinhas, neste caso os
beneficiados eram transportados para o local do evento. Em
algumas situações, o transporte era feito até mesmo para outros
22
Relatório de Finalização do Projeto de Desenvolvimento Comunitário
da Região do Rio Gavião, elaborado em Setembro de 2006.
municípios, com o intuito de apresentar experiências bem
sucedidas ou apenas para facilitar a realização do curso ou
treinamento. Em conversa informal com os beneficiados do
projeto, observou-se que os mesmos estavam sempre dispostos
a buscar informações e conseqüentemente melhorias para a
produção.
3. Financiamento do Desenvolvimento de Pequenas
Propriedades Rurais:
Terceiro componente de ação do Projeto visa o
desenvolvimento de cerca de 7000 pequenas propriedades
rurais na área de abrangência do Pró-Gavião. Para isso, foi
criado um Fundo de Financiamento, sendo que para o
investimento na criação de animais a aprovação e liberação do
crédito têm como pré-requisito a garantia de que a propriedade
a ser beneficiada tenha capacidade de suporte forrageiro para
assegurar a alimentação animal na época da seca.
Esse componente de ação ficou estruturado em três
subitens, sendo: 1) Componente de Serviços de Financiamento
Rural, para o qual foram destinados 9,76
milhões de dólares
investidos em um programa de crédito, estabelecendo e
liberando crédito aos pequenos produtores para a criação de
microempresas rurais; 2) O Componente de Monitoramento e
Avaliação que recebeu 560 mil dólares, tendo como proposta
assegurar a concretização das atividades planejadas do projeto,
ou que chamaríamos de custo funcional de manutenção. E por
fim, 3) Unidade de Execução do Projeto com o valor investido
de 1,25 milhão de dólares, visando a participação dos
beneficiados por meio de Conselhos, Comitês e outros.
A possibilidade de implantar processos econômicos
dinâmicos baseados na pequena propriedade familiar nas áreas
rurais dos treze municípios da bacia do rio Gavião foi a grande
meta do Projeto. Os investimentos do Pró-Gavião foram
derivados de recursos provenientes do Fundo Internacional de
Desenvolvimento Agrícola (FIDA), do Governo do Estado da
Bahia e de recursos dos próprios beneficiários do Projeto.
O Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola
(FIDA) é um órgão italiano que subsidiou o Projeto com
recursos na ordem de US$ 20,117,590.00. O Governo do
Estado ficou responsável por US$ 19,872,143.00 e US$
411,838.00 foram recursos oriundos dos próprios beneficiários,
totalizando assim um investimento na ordem de US$ 40,3
milhões para os 13 municípios.
A realização das ações e os resultados durante o período
de desenvolvimento do Pró-Gavião foram acompanhados por
documentos elaborados sobre as atividades. Estes documentos
também contribuíram na execução e re-organização das
mesmas. Desta forma, ao longo da gestão e execução do
Projeto foram feitos relatórios parciais e as comunidades
receberam visitas periódicas, em média a cada quatro meses,
dos representantes do FIDA para garantir a eficácia das ações
do Projeto, evidentemente com atribuição de monitoramento e
posterior avaliação.
Na etapa de conclusão das ações foi elaborado o
documento final de avaliação do Projeto, ―Relatório de
Finalização das Ações do Projeto Gavião‖ que aponta a geração
do fortalecimento das comunidades atendidas dentre outros
benefícios promovidos pelo Projeto. E ainda, a formação de
treze Conselhos Municipais por grupos beneficiados durante o
período de execução, os quais apresentaram diferentes níveis de
articulação ou arranjo com o intuito de reivindicar ou construir
ações junto ao poder local.
De acordo com o Relatório, os Conselhos possuíam uma
estrutura de funcionamento colegiada composta por uma
coordenação geral, administrativa, financeira e de
comunicações; e uma composição formada pelos Comitês de
Gestão Comunitária - CGC, composta por entidades como: os
sindicatos, igrejas, organizações não governamentais, prefeituras
e câmaras de vereadores.
Os documentos elaborados pela equipe do Projeto
indicaram que o processo de organização municipal mobilizou a
participação de aproximadamente 7.760 pessoas de 208
Comitês de Gestão Comunitária, sendo 46% do sexo feminino
constituído de produtores e produtoras da comunidade e de
outras representações locais. Por outro lado, o instrumento de
planejamento e negociação em torno do qual se definiram as
atividades do Pró-Gavião, junto às comunidades, foi o Plano de
Desenvolvimento Comunitário - PDC23.
A questão da participação e envolvimento das
comunidades no Projeto Gavião, embora apresente uma
relativa importância enquanto proposta de ação, não atendeu
em sua plenitude ao esperado com efetiva participação, visto
que as decisões não eram apontadas e aceitas pela comunidade
em sua totalidade.
Neste sentido pode-se levantar um questionamento a
respeito da maneira pela qual às atividades promovidas pelo
projeto seu processo de elaboração e adequação foram
recebidas pelos pequenos produtores. Uma vez que conforme
se verifica nos diferentes discursos dos protagonistas e
beneficiados, não houve nenhuma participação direta da
comunidade ou de entidades representativas na elaboração dos
planos, metas e ações do Projeto, antes de sua efetiva
implantação.
Pode-se afirmar que a inserção do projeto de política
pública nas comunidades ocorreu de ―cima para baixo‖,
contrariando o modelo de desenvolvimento que valorize as
peculiaridades do local. E contraria também a proposta do
Projeto Gavião em promover o chamado ―capital social‖, por
meio da participação, pois em diferentes momentos verificou-se
que as entidades exerceram apenas um papel passivo.
É interessante destacar que enquanto crescem as
discussões sobre a importância da participação, as entidades
23
Dados do Relatório de Finalização do Projeto Gavião, setembro/2006.
representativas das comunidades são surpreendidas por
propostas bem elaboradas e que na maioria não são
questionadas, apenas aceitas.
No Brasil, para as Políticas Públicas são utilizados esses
princípios na formulação de projetos a serem desenvolvidos e
implantados nas áreas rurais que apresentam sinais de
estagnação, e que requerem mudanças capazes de promover um
desenvolvimento sustentável nas atuais condições da economia
para amenizar a diferenciação regional hoje existente no país.
Tendo em vista esta realidade somada a persistência de
posturas que provocam o distanciamento entre as regiões e
pessoas, e ainda, o duelo com uma aparente harmonia na visão
globalizada de mundo, observa-se que problemas tão sólidos,
como os de desequilíbrios regionais, não são solucionados
facilmente como numa ação ―mágica‖. As soluções que as
esferas do poder público apresentam estão pautadas em
políticas públicas voltadas para o desenvolvimento, que
normalmente acabam caindo no mero entendimento do
desenvolvimento enquanto crescimento econômico. Ou servem
de instrumento na disputa político-partidária, cuja apresentação
de melhores indicadores econômicos e de certos ―avanços‖
sociais significa maiores oportunidades para quem detém o
poder político.
No caso da Bahia, as políticas públicas de
desenvolvimento vêm sendo em sua maioria implementadas
pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional - CAR, a
exemplo do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da
Região do Rio Gavião – Pró-Gavião.
O estudo do Pró-Gavião e os dados apresentados e
analisados foram obtidos por meio do trabalho de campo,
visitas às comunidades e instituições que participaram de forma
direta ou indireta da implantação do Projeto, bem como da
realização de entrevistas com diversos atores sociais, além da
aplicação de questionários, por amostragem aleatória, esses
aplicados com os beneficiados do Projeto em diferentes
comunidades rurais dos municípios de Anagé, Belo Campo e
Tremedal. Foram também realizados registros fotográficos das
ações do Projeto nos já referidos municípios.
Após esta etapa, deu-se a sistematização da pesquisa. As
impressões e resultados revelaram que as ações do Pró-Gavião
estão presentes em diferentes pontos dos municípios
beneficiados e que o mesmo foi um fato marcante no cotidiano
da região, mas não mudou objetivamente a condição de vida.
As comunidades inicialmente não compreendiam a
dimensão do projeto, mas já estavam se adaptando às
interferências geradas pelo mesmo. Habituaram-se à presença
de técnicos que auxiliavam na orientação de suas tradicionais
atividades agropecuárias; também ao surgimento dos microempreendimentos para beneficiamento de produtos das
localidades, como o exemplo mandioca; ao acesso do crédito
rural que visava ampliar a renda e a melhoria da estrutura das
propriedades, bem como construção de cisternas com
reservatórios da água das chuvas. Sendo esta última uma das
ações de maior relevância para os beneficiados estudados na
pesquisa, por ser uma região de seca.
Estes novos elementos inseridos no cotidiano das
comunidades rurais beneficiadas, por meio das ações do Projeto
Gavião, geraram diferentes visões que vão desde a frustração
daquele que não foram contemplados com nenhum tipo de
benefício do Projeto por questões político-partidárias, ou na
distribuição das ações, passando pelos questionamentos dos
participantes das Associações Locais dos Pequenos Produtores
que alegaram não terem sido consultados; até chegar à
satisfação e à renovação do entusiasmo dos pequenos
produtores que de alguma maneira foram beneficiados.
Em função do quadro de abandono, carência e fragilidade
em que se encontravam as comunidades rurais, todas as
iniciativas do Projeto foram visualizadas pelos pequenos
produtores rurais como um caminho para o enfrentamento dos
problemas estruturais locais como o clientelismo, a baixa renda
e outros. Somando estes motivos à expectativa de novas
mudanças o que restou em comum foi o desejo da permanência
das ações do projeto entre os beneficiados e também entre as
pessoas que não foram beneficiadas.
De modo geral, é possível afirmar que o nível de
interferência positiva ou negativa do Projeto representa para
estas comunidades uma alternativa de desenvolvimento ou, no
mínimo, de melhoria das condições de vida locais. Contudo,
sem alterar as velhas estruturas da pequena propriedade,
concentração de renda, baixa participação social e outros.
Outro aspecto relevante refere-se à análise da
possibilidade de implantar processos econômicos dinâmicos,
baseados na pequena propriedade familiar, nas áreas rurais dos
municípios da bacia do rio Gavião, uma vez que a proposta de
aumentar a renda média dos lavradores, através da validação de
tecnologia, oferta de crédito agrícola e da organização dos
produtores, em forma associativa não foi alcançada em sua
totalidade, pois as causas da baixa renda não foram alvos das
ações do Projeto.
Observa-se que tal proposta ficou limitada com o final do
Projeto. As associações não estão preparadas para utilizar a
organização como caminho para se atingir o mercado, já que a
produção foi ampliada em algumas comunidades. Ainda se
esbarra no desafio da comercialização que facilita a
permanência, em muitos casos, da figura do atravessador. Não
se sentem, ainda, capazes de entrar na competição, o que tem
inibido o crescimento da renda dos pequenos produtores. As
alternativas para solucionar estas questões estão sendo
elaboradas pelas associações e pela equipe da CAR.
Verifica-se que as tentativas para promover o
desenvolvimento
regional,
considerando
este
conceito/categoria no seu aspecto econômico e abrangendo as
questões sociais, muitas vezes não atingem a totalidade,
apresentam limitações. É notória a existência de grupos e
pessoas não beneficiadas pelas alternativas propostas pelas
políticas públicas voltadas para o desenvolvimento, como
ocorreu no processo de execução do Pró-Gavião. A
constatação desse fato, mesmo com a quantidade de iniciativas
já existentes, é que ainda são significativas as disparidades
sociais e as baixas condições de vida de muitas pessoas, de
modo especial da região Nordeste.
Espera-se do desenvolvimento, principalmente no meio
rural, é que este venha atender às expectativas da população nos
aspectos social, econômico, ecológico e político. Isso abrange o
aumento da produtividade agrícola aliado à preservação e
melhoria do ambiente natural, possibilitando a garantia de renda
suficiente para que os agricultores tenham um padrão de vida
aceitável, e que os faça permanecer no campo investindo na
atividade agrícola.
A incorporação da questão ambiental na execução de
projetos de Políticas Públicas em sua maioria permanece apenas
no papel. Falar do meio ambiente tornou-se essa discussão
necessária, mas do discurso à prática se estabelece uma barreira
quase intransponível. No Pró-Gavião a história se repetiu. As
propostas do projeto relacionadas às questões ambientais não se
concretizaram, nem mesmo algumas atividades simples como a
educação ambiental. Isto representa uma contradição desta
política, uma vez que, apresenta em seus objetivos o
desenvolvimento voltado e preocupado com o futuro destas
comunidades.
4 CONCLUSÃO
Destaca-se a importância nesse processo de discussões e
propostas voltadas para o desenvolvimento a necessidade de
uma interação de atores políticos e diferentes setores sociais,
tais como: governo federal, governos estaduais, órgãos nãogovernamentais e a comunidade. Mobilizados pela melhoria das
condições de vida das regiões mais carentes, o que não
aconteceu, em sua totalidade, durante a elaboração e execução
do projeto; este aspecto torna questionável a proposta de
desenvolvimento defendida pelo mesmo.
Um outro elemento considerável, em projetos voltados
para pequenas propriedades e comunidades rurais, é que os
mesmos direcionem seus objetivos à satisfação dos reais anseios
da população dessas localidades. Para isso, é necessário dedicar
maior atenção à implantação de projetos que buscam
alternativas de reestruturação dessas áreas através da
manutenção de atividades típicas, mas capazes de fornecer
subsídios para que os pequenos agricultores possam, de fato,
ampliar sua produção e a qualidade da mesma, almejando
melhorias na renda e na qualidade de vida em geral. Isso porque
a persistência da população em formas tradicionais, quando não
satisfeitos com as propostas de cultivo, acaba impedindo o
alcance de uma produtividade significativa e, posteriormente,
lucrativa.
As contradições aparecem constantemente, ao
observarmos a consolidação das diferenças sociais no Sudoeste
da Bahia. Este aspecto aponta para a compreensão de que o
Pró-Gavião seja concebido como uma política pública focalista,
implementado de ―cima para baixo‖ não solucionando, de
forma definitiva, os graves problemas sociais vivenciados pela
população do Sudoeste Baiano.
Para gerar condições ao pequeno trabalhador rural, as
políticas públicas precisam ser propostas considerando as
estruturas já existentes, partindo das necessidades reais, que
algumas vezes são simples. Assim, pode-se mudar o quadro
onde existe um conjunto de propostas que simplesmente não
condizem com a realidade, ou não auxiliam na superação de
problemas que impedem o desenvolvimento, e pelo contrário,
servem de instrumento da política partidária. Ou na melhor das
hipóteses, seja apenas um mecanismo que incentive a
organização dos pequenos produtores e que pode ser logo
depois esquecida, gerando assim um círculo de expectativas,
com a vinda de uma proposta, seguida de outras, com
resultados apenas paliativos.
Ao observar o conjunto de recursos financeiros
empregados em nome do desenvolvimento, nas políticas
públicas compensatórias, da qualidade das equipes técnicas
envolvidas, nas necessidades dos pequenos produtores e no seu
esforço em manter a atividade agropecuária, acredita-se que é
possível avançar. No entanto, a soma de todos estes elementos
se perde, porque não há uma relação objetiva entre prioridades
e necessidades no processo de decisão e execução das ações
destas propostas.
A concretização das ações do Pró-Gavião, mesmo com
limitações, apresentou algumas mudanças positivas, do ponto
de vista do pequeno produtor, que afirma que a vida era pior
antes da passagem do projeto. Problemas como a falta de água,
de eletrificação, orientação técnica temporária dentre outros
foram amenizados na região.
É certo que o Pró-Gavião tornou-se um marco na
história dos municípios beneficiados. A maioria dos pequenos
produtores afirmou que conhecem ou já ouviram falar sobre o
Projeto ao serem questionados sobre a existência do projeto
durante trabalho de pesquisa. Entretanto, os comentários e
impressões são diferentes entre as comunidades, uma vez que
as ações foram desenvolvidas de maneira diferenciada de
acordo ao perfil da cada comunidade.
É mister reconhecer que o nível de carência valorizou as
ações do Pró-Gavião, e ainda que, sem a contribuição deste
projeto as comunidades atendidas estariam em piores condições
de vida. Entretanto, isso não representa uma superação do
quadro sócio-econômico em que se encontram os municípios
do Sudoeste baiano.
O desejo das comunidades é de retorno do Pró-Gavião
ou de outro projeto similar que implemente ações voltadas,
mais uma vez, para o desenvolvimento. Estas ações, mesmo
que protagonizadas pelo Estado e que apresentem limitações e
dificuldades, são importantes para a população local e para a
Região. Para elas, de qualquer forma, representam novas
mudanças e suscitam as esperanças de melhora para o Homem
do Campo.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Rio Grande do
Sul. In: Superintendências de Estudos Econômicos e
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Subdesenvolvimento, As Desigualdades Espaciais e o ―Jogo das
Escalas”. In: Superintendências de Estudos Econômicos e
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2003.
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SP: Editora SENAC, 2002.
PROJETO RADAMBRASIL. Folha SD. 24. Salvador:
geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial
da terra. Rio de Janeiro, 1981. 624p. (Levantamento dos
Recursos Naturais, 24).
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO CAMPO: O CASO
DA AGRICULTURA IRRIGADA EM RIBEIRÓPOLIS-SE
Givaldo Santos de Jesus24
Ramon Oliveira Vasconcelos25
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos têm sido crescente as discussões a
respeito das transformações ocorridas no campo em função do
avanço do sistema capitalista, que todos conhecem por
globalização. Dessa forma, a ciência geográfica tem buscado
explicações com bases técnicas e reflexivas no sentido de
subsidiar a compreensão dos fatos, que implicam na dinâmica e
configuração do espaço, levando em consideração os aspectos
políticos, econômicos, sociais, culturais, naturais, entre outros.
O presente artigo surge da necessidade de analisar a
importância da agricultura irrigada no município de
Ribeiropolis-Se, destacando a produção, o uso da força de
trabalho familiar e a circulação da produção no estado de
Sergipe e no Brasil.
O município de Riberópolis, segundo dados do IBGE,
integra a microrregião de Carira, situado na Zona Oeste, área de
transição do agreste com o sertão (Figura 01). Apresenta uma
área de 263.0 Km² e a sede municipal localiza-se no centro do
24
Graduado em História, Especialista em Educação, Mestre em Geografia
– Área de concentração: Organização e Dinâmica do Espaço Agrário –
NPGEO/UFS e pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Transformações
no Mundo Rural (DHI/NPGEO/UFS/CNPq).
25
Graduado em Geografia, Bacharelando em Geografia, Mestrando em
Geografia - Área de concentração: Organização e Dinâmica do Espaço
Agrário – NPGEO/UFS e membro do Grupo de Pesquisa sobre
Transformações no Mundo Rural (DGE/NPGEO/UFS/CNPq).
território, ao norte da Serra do Saco, distando em linha reta 61
km e pela rodovia 75 km da capital do estado. De acordo com o
Censo Demográfico do IBGE (2010), o município possui uma
população de 17.163 habitantes.
A pequena produção agrícola no município de
Ribeirópolis merece estudos específicos e aprofundados para
entender a formação, o seu papel econômico-social e a
importância significativa das relações entre agricultura, força de
trabalho e meio ambiente. O desafio é discutir a questão do
agricultor familiar no minifúndio relatando a dinâmica das
relações capitalistas e não capitalistas nos aspectos econômicos
e demográficos da pequena exploração familiar.
No município em tela, a produção agrícola ao longo do
tempo perdeu espaço para a pecuária, ocasionando uma forte
concentração fundiária, expropriação e empobrecimento do
agricultor familiar. Todavia, paralelo ao desenvolvimento das
fazendas de gado, a pequena propriedade se desenvolveu e
persiste ao processo de expropriação produzindo a mandioca, o
feijão, o milho e com destaque na produção de hortículas
(batata-doce, amendoim, tomate, pepino, entre outros) em
alguns povoados.
Figura 01. Sergipe: Localização dos Municípios em Estudo, 2006.
Fonte: IBGE. Base Cartográfica: SEPLAN, 2007. Organização:
Diana Mendonça de Carvalho (2010).
Em Ribeirópolis, a agricultura irrigada partiu da iniciativa
dos pequenos produtores que com os próprios recurso
investiram em barragens e poços artesianos com destaque para
os povoados Lagoa D‘água, Sítio Velho, Pinhão e depois
investimentos do governo estadual através do açude cajueiro,
que atualmente está poluído e da barragem do João Ferreira que
passou a atender parte dos agricultores dessa povoação.
Dessa forma, surge a necessidade de um maior
conhecimento das experiências dos perímetros irrigados e da
viabilidade sócio - econômica a respeito da melhoria das
condições de vida e renda dos pequenos irrigantes e das
populações que vivem nas áreas de influência. Sabendo-se que
no Nordeste, e em Sergipe, o espaço rural é marcado pela
elevada concentração fundiária e pelo controle da água e das
melhores terras pelos grandes proprietários rurais. Além, da
pobreza e miséria dos pequenos produtores- proprietários
órfãos do Estado.
Em termos metodológicos, esta temática foi desenvolvida
a partir do seguinte panorama: levantamento detalhado da
bibliografia geral, específica e histórica da Geografia Agrária,
utilizando como suporte teses, livros, artigos, sites, jornais,
entre outros, tendo como foco a produção de resenhas e
resumos; Coleta de dados realizada na Secretaria de Agricultura
da prefeitura de Ribeirópolis, Sindicato dos Trabalhadores
Rurais, EMDAGRO local e no IBGE, através dos Censos
Agropecuários de 1975, 1985, 1995/96, 2006. Realização de
trabalho de campo através do procedimento de entrevistas e
questionários aplicados aos agricultores, intermediários e
feirantes que vivem das atividades agrícolas e irrigadas em
Ribeirópolis. Foram aplicados 30 questionários por
amostragens estratificadas com estes atores sociais, além de 5
com agentes públicos e políticos responsáveis na gestão do
segmento social. Foi feito o mapeamento do uso do solo,
mostrando sua distribuição fundiária que facilitou a
compreensão da região e suas relações. Além disso, foram
usadas figuras ilustrativas para visualizar a área de estudo, seus
cultivos, tipos de moradias, etc.
2 BREVE DISCUSSÃO TEÓRICA
Entre os fundamentos teóricos o termo agricultura
incorporou-se ao vocabulário das políticas públicas, ao discurso
dos movimentos sociais voltado ao conhecimento do meio
rural. Com isso uma intensa atividade vem-se desenvolvendo
com base nos agricultores familiares através de investimentos
que vão desde as atividades rurais não agrícolas até a educação
no meio rural, passando pela implantação de pequenas
agroindústrias e por melhorias de infra-estrutura.
Abramovay (1992) enfatiza a implantação do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura familiar (PRONAF),
oferecendo perspectivas promissoras, visto pelo Movimento
Sindical de Trabalhadores Rurais como uma conquista. O que
se observa é a ampliação na quantidade de agricultores com
acesso ao credito e as condições que poderão liberar o potencial
econômico do País. Nesse sentido, a agricultura familiar está
proporcionando mudanças no campo, o acesso dos habitantes
do espaço rural as condições do processo de desenvolvimento.
E claro que se trata apenas de um começo, já que no campo
encontram-se ainda os piores indicadores sociais do país.
Atualmente, a lógica do campo é entender o
desenvolvimento desigual do modo capitalista de produção na
formação social capitalista, que ele supõe sua reprodução
ampliada através da reprodução das relações de produção não
capitalistas. O capitalismo avançou por todo o espaço brasileiro,
estabelecendo relações de produção capitalistas, promovendo a
expropriação total dos trabalhadores brasileiros no campo,
colocando desprovido de todos os meios de produção. Todavia,
as relações de produção não-capitalistas, como o trabalho
familiar praticado pelo pequeno lavrador também avançou:
A minha hipótese é a de que o capitalismo,
na sua expansão, não só redefine antigas
relações, subordinando-as à reprodução do
capital, mas também engendra relações
não-capitalistas igual e contraditoriamente
necessárias a essa reprodução [...]
(MARTINS, 1996, p. 20).
Essa contradição tem nos colocado frente à situações em
que a fusão entre a pessoa do proprietário da terra e o do
capitalista, e frente à subordinação da produção pelo capital,
que sujeita e expropria a renda da terra, além do excedente
produzido, reduzindo o rendimento da produção de acordo
com a reprodução física. A contradição que move a lógica do
capital, certamente, é o móvel revelador do desenvolvimento
desigual e combinado do campo brasileiro, que abre espaço
para o avanço do trabalho familiar. Dessa forma:
[...] a subordinação da produção
camponesa, pelo capital, que sujeita e
expropria a renda da terra. E, mais que
isso,
expropria
praticamente
todo
excedente produzido, reduzindo o
rendimento do camponês ao mínimo
necessário à sua reprodução física
(OLIVEIRA, 2001, P. 11).
O processo de desenvolvimento desigual e contraditório
do capitalismo no campo está na sujeição da renda ao capital.
Significa dizer que o capital não expande de forma absoluta o
trabalho assalariado, sua relação de trabalho típica por todo
canto e lugar, destruindo de forma total e absoluta o trabalho
familiar. O capital cria e recria para que sua produção seja
possível e com ela possa haver também a criação de novos
capitalistas.
O nascimento da classe capitalista no campo teve origem
no mercantilismo quando o setor tecnológico passou a utilizar
(máquinas, fertilizantes, sementes selecionadas, agrotóxicos, etc)
para aumentar a produção de alimentos nas fazendas dos
capitalistas estando a disposição dos grandes agricultores.
Portanto, aqueles que, possuidores de capital, destinam-no à
produção. Tornando-se capitalistas, em que na agricultura
adquirem terras e outros meios de produção e contratam
trabalhadores para trabalharem para eles em troca de um
salário. Isso significa que para entendermos a distribuição social
e ou territorial das desigualdades e contradições do
desenvolvimento capitalista, devemos compreender que eles
estão ligados aos processos históricos específicos de cada país
ou nação, ou seja, cada formação econômica social concreta
revela no seu interior esse processo desigual e contraditório
espacial e temporal.
Com o aumento dos latifúndios capitalistas há também
aumento das unidades familiares de produção. Ao mesmo
tempo em que aumenta o número de agricultores em luta pela
recuperação das terras expropriadas, um exemplo dessa
realidade e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
Isso aponta para a necessidade de compreendermos que a
reforma agrária se faz no campo, mas se ganha na cidade.
Assim, cidade e campo estão unidos no processo de luta. Se a
concentração fundiária tem suas raízes históricas nas relações de
trabalho, no campo também os tem. Nesse sentido:
[...] temos que entender que o processo de
desenvolvimento do capitalismo no Brasil
está marcado contraditoriamente por esse
processo desigual, que ao mesmo tempo
em que amplia o trabalho assalariado no
campo, amplia igual e contraditoriamente o
domínio do trabalho familiar [...]
(OLIVEIRA, 1991, P. 44).
Os resultados obtidos a partir dessas discussões são
fundamentais para a compreensão do desenvolvimento do
capitalismo e da agricultura no Brasil e em Sergipe. Segundo
Lopes (1997), em Sergipe, a partir dos anos 70 a agricultura vem
passando por mudanças significativas nas relações de produção,
nas políticas governamentais, nos investimentos na agricultura
irrigada, visando à expansão do capitalismo no campo.
Em Sergipe, as experiências com agricultura irrigada, teve
início com os projetos de irrigação da Companhia de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco – CODEVASF, do
Departamento Nacional de Obras contra a Seca- DNOCS
como o açude da Macela, em Itabaiana, além das iniciativas
particulares, em meados dos anos 80 é que a política de
irrigação tornou-se prioridade do Governo Estadual para o
setor agrícola. É importante estudar o processo técnico e os
determinantes da renda gerada nos perímetros públicos de
irrigação de Sergipe, pelo fato de a irrigação constituir uma
alternativa de transformação ou modernização da agricultura.
Segundo Pinto (1989, p. 34):
[...] a irrigação, do ponto de vista do
desenvolvimento das forças produtivas é
apenas uma pré-condição para a
implantação de uma agricultura moderna
na região semi-árida do Nordeste. Não
garante, porém, que os seus resultados
sejam socialmente distribuídos de um
modo mais justo. Porém, mesmo quando
os assentamentos de colonos resultam em
sucesso [...] os beneficiários, além de
poderem ser contados nos dedos
reproduzem, no entorno dos projetos,
situações semelhantes às que inspiraram a
necessidade de intervenção publica
original. Quando, por outro lado, os
assentamentos não dão certos, em
conseqüência do cerco que lhes impõem as
oligarquias locais, os colonos permanecem
sob a tutela do Estado ou, com a retirada
deste, subordinam-se inteiramente aos
mesmos capitais comerciais dos quais se
buscava libertá-los.
O Governo Estadual vem contando com recursos
financeiros de instituições como o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, o Banco
Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento- BIRD e o
Banco do Nordeste, investindo nas experiências dos perímetros
irrigados e na viabilidade sócio-econômica a respeito da
melhoria das condições de vida e renda dos pequenos irrigantes
e das populações que vivem nas áreas de influência dos
projetos. Sabendo-se que em Sergipe o espaço rural é marcado
pela elevada concentração fundiária e pelo controle da água e
das melhores terras pelos grandes proprietários rurais, além da
pobreza e miséria dos pequenos produtores-proprietários
órfãos (que não são assistidos por políticas públicas) do Estado.
Nesse sentido, procura-se ressaltar as principais
diferenças sociais e econômicas entre os irrigantes, no que diz
respeito aos aspectos tecnológicos, composição e determinantes
de renda e organização social, no novo contexto que se
inserem, refletindo sobre a política de irrigação do Governo
Estadual, para identificar os condicionantes e contribuir para a
discussão sobre a viabilidade da irrigação para os pequenos
irrigantes em Sergipe.
No estudo da irrigação como alternativa para resolver os
problemas econômicos e sociais dos pequenos agricultores
familiares no espaço do semi - árido nordestino, o que se
propõe é uma concepção de Estado que tem funções como
respostas a condições históricas especificas do que a uma teoria
sobre o estado capitalista, isto é, tais funções são moldadas por
lutas sociais anteriores e pelo caráter de prévias intervenções
desse mesmo Estado. A noção de agricultura familiar aqui
trabalhada não se confunde com a idéia de algo frágil e sem
poder econômico, mas no sentido que concebe Abramovay
(1992, p.142):
[...] o que os exemplos dos Estados
Unidos, Canadá, da Europa, em suma de
todos os países capitalistas centrais, mas
também de boa parte do sul do Brasil e de
São Paulo mostram é que familiar não é
necessariamente sinônimo de precário; a
existência
de
unidades
produtivas
contando majoritariamente com o trabalho
da família, mas que são grandes quando ao
seu volume e valor da produção é a regra
no Hemisfério Norte. Claro que a
produção está cada vez mais concentrada
num numero menor de unidades
produtivas: esta é a conseqüência do
próprio funcionamento de uma economia
de mercado. O interessante é que mesmo
estas unidades de grandes dimensões
econômicas permanecem, na maior parte
dos casos familiares quanto a sua
composição social.
A ação do Estado, visando ampliação da agricultura
irrigada no país e no Nordeste, está vinculada ao processo de
modernização da agricultura brasileira a partir da década de 60,
como ―modernização conservadora‖, caracterizada como:
manutenção da elevada concentração fundiária e nas alterações
profundas na base técnica de produção, com o emprego de
inovações tecnológicas (máquinas e equipamentos, insumos
modernos etc) e transformações nas relações de produção
como aprofundamento e consolidação do trabalho assalariado
no campo particularmente o trabalho temporário.
A irrigação tem suas ações voltadas para o aumento da
produção e produtividade agrícolas, embora os projetos de
irrigação sejam justificados legal e politicamente pela
―sutilidade‖ pública da obra implantada e pelo interesse social
para a população da área de influência. As áreas beneficiadas
permitem a desapropriação fundiária, evitando a valorização
imobiliária decorrente dos investimentos públicos, além da
importância do seu caráter ―pontual‖, não prescindindo de
outras políticas complementares se o objetivo é de que seus
resultados atinjam uma perspectiva mais ampla. Segundo Pinto
(1989, p. 35):
[...] se deseja dar um cunho social à política
de irrigação do Nordeste, não basta criar as
condições produtivas necessárias à
instalação de uma agricultura moderna na
região semi – árida. É preciso ampliar
horizontes de intervenção do estado,
incorporando as demandas sociais das
populações atingidas. Para começar não
agir apenas nas áreas a serem arrecadadas,
mas em toda a região a ser influenciada
pelos projetos, e não apenas no setor rural,
mas também na saúde, na educação etc.
Em outras palavras, transformar a política
de
irrigação
numa
política
de
desenvolvimento de algumas regiões do
semi – árido nordestino.
A irrigação pública por pequenos produtores consiste em
que a terra constitui um meio de produção controlado pelo
Estado; de meio de produção privado transforma-se em
patrimônio público por intermédio da ação desapropriatória,
podendo voltar a assumir características privadas em condições
expressamente definidas pelo Estado. É este quem decide como
e quem deve usar a terra beneficiada com as obras de infraestrutura hidráulica, além das complementares. Com base no
arbítrio do estado, que deve refletir nos interesses mais gerais, a
terra é distribuída a quem não a possui, podendo o beneficiário
ser, inclusive um ex-pequeno proprietário, que passa a usá-la
com base em planos de produção previamente definidos por
agências governamentais, em função das necessidades do
mercado. Nesse sentido:
[...] por não ter compromisso com as
necessidades básicas da população, atua no
sentido de agonizar as já precárias
condições de vida de seus segmentos, mas
pobres, vê no avanço da irrigação o
mecanismo capaz de tornar possíveis as
mudanças desejadas (CARVALHO, 1988,
P. 349).
Os projetos de irrigação pública são implantados em
terras previamente desapropriadas por interesses sociais e
destinadas ao assentamento de agricultores sem terra. A
irrigação privada é aquela que as obras foram executadas pela
iniciativa privada, com ou sem incentivos governamentais. É
fundamental explicitar o contexto de progresso técnico que é
utilizado neste estudo porque os projetos de irrigação ―tocados‖
por pequenos produtores ensejam e requerem o uso dos mais
diversos tipos de insumos, e de equipamentos modernos, além
de conjuntos de irrigação por aspersão e gotejamento. O
progresso técnico constitui uma das facetas do próprio
desenvolvimento do capital cujo objetivo é o de subordinar a
terra e a própria natureza ao imperativo da acumulação. Dessa
forma:
[...] a intensificação da produção agrícola
provocada pelo progresso técnico significa
colocar as forças da natureza a serviço do
capital. Ocorre uma transformação
essencial: o capital passa a comandar o
processo de trabalho enquanto que a terra
deixa de ser o meio de produção
fundamental; a produção agrícola deixa de
se guiar apenas pela fertilidade dos solos,
pela água da chuva, enfim pelas condições
naturais que afetam a produtividade do
trabalho. Agora são as maquinas, os
fertilizantes, os canais de irrigação e de
drenagem
que,
progressivamente,
assumem o papel de condutor da
modernização da agricultura. (SILVA,
1981, p.22)
Em Sergipe, a agricultura irrigada tem a potenciação do
trabalho agrícola através da introdução de novas culturas e do
uso do progresso técnico, no semi-árido sergipano. As
experiências em andamento merecem estudos, seja do ponto de
vista técnico-agronômico, seja dos impactos na geração de
renda e na melhoria das condições de vida dos irrigantes. Os
perímetros públicos de irrigação, incluídos na categoria da
pequena irrigação, apresentam características diferenciadas na
forma de implantação, desenho do projeto e método de
irrigação.
Na década de 1980, o Governo Federal estabeleceu um
ambicioso programa nacional de Irrigação, PRONI, e para o
Nordeste o Programa de Irrigação do Nordeste- PROINE,
tendo a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São
Francisco (CODEVASF), e do Departamento Nacional de
Obras e Saneamento (DNOCS), a responsabilidade com o
programa. Segundo o plano estadual de irrigação do governo de
Sergipe, a finalidade era: estabelecer infra-estrutura capaz de
permitir o desenvolvimento de uma atividade agrícola eficiente
e rentável; propícias a população um modo de vida estável e
atrativo; evitar o êxodo rural; reduzir a dependência das
importações de alimentos de outras regiões. Nesse sentido,
progresso técnico deve:
[...] ser visto sob uma perspectiva histórica.
Trata-se da aplicação tecnológica da
ciência, da sua incorporação ao processo
produtivo. Numa sociedade capitalista, ele
se configura como uma expressão do
processo das técnicas capitalistas de
produção e, portanto, atua como um dos
elementos de dominação do capital sobre o
trabalho, na medida em que permite
aumentar a extorsão da mais-valia, seja ela
absoluta ou relativa (SILVA, 1981, p. 24).
A ideia de investir na irrigação surgiu na Superintendência
de desenvolvimento e Apoio à Produção – SUDAP, vinculada à
SAGRI e a COHIDRO, de modo a absorver a coordenação e a
execução da política de irrigação no estado e a administração
dos perímetros irrigados.
3 ASPECTOS DA ESTRUTURA
MUNICÍPIO DE RIBEIRÓPOLIS-SE
FUNDIÁRIA
NO
No campo o avanço capitalista produz violentas
transformações, deixando quase sempre os agricultores
familiares desprovidos dos meios de produção. O município de
Ribeirópolis deveria apresentar uma melhor distribuição da
terra por fazer parte de uma região de transição do agreste para
o sertão, onde historicamente a presença da pequena
propriedade foi marcante, mas se inserem no processo de
estruturação do espaço agrário sergipano apresentando uma
economia voltada para atender os interesses dos grandes
proprietários e do mercado capitalista.
As pequenas propriedades sempre existiram subordinadas
a grande propriedade, sendo fornecedoras de produtos
agrícolas, força de trabalho e até a própria terra para a expansão
e acumulação capitalista. Dessa forma, a produção agrícola ao
longo do tempo perdeu espaço para a pecuária, que exige áreas
de pastagens cada vez maiores, e imprimindo ao município a
contraditória
concentração fundiária
ocasionando a
expropriação e o empobrecimento do campesinato. Dessa
forma, paralelo ao desenvolvimento das fazendas de gado, a
propriedade camponesa se desenvolveu, persiste, e tem uma
relativa importância no conjunto da estrutura agrária municipal,
o que torna o processo de apropriação do espaço de forma
contraditória. Segundo Oliveira (1998, p. 15):
O processo contraditório da expansão da
agricultura fez com que os setores
capitalistas
no
campo
optassem
principalmente pela pecuária bovina (corte
e leite), e pelas culturas da cana-de-açúcar,
soja, arroz, laranja e, em escala menor, pelo
trigo, cacau, café, etc. Enquanto isso, as
pequenas unidades camponesas têm sido
responsáveis diretas pela maior parte do
volume de produção de alimentos da
população e de várias matérias-primas
industriais [...].
Analisando a distribuição dos estabelecimentos por
extrato de área a partir de dados coletados nos Censos
Agropecuários do IBGE dos anos de 1975, 1985, 1995/96 no
município estudado, encontramos dados importantes para
serem apresentados e discutidos neste trabalho, afirmando a
forte concentração fundiária ocorrida através do
desenvolvimento do capitalismo. No município de Ribeirópolis,
notamos uma redução do número de estabelecimentos de
menos de 1 ha, e permanecendo até as propriedades de 10 a
menos de 20 ha (Tabela 1). Nas propriedades de 20 a menos de
50 ha, o número de estabelecimentos sofreu uma pequena
alteração. Porém o número das propriedades acima de 50 ha
apesar de uma certa queda em 1985, aumentou de forma
considerável em 1996 e no ano de 2006, o número e a área das
propriedades continuaram sofrendo pequenas alterações.
Porém, vale ressaltar que em Ribeirópolis não existem
propriedades acima de 500 hectares. Elas são em torno de 200 a
menos de 500 ha. Todavia, existem proprietários que acumulam
mais de uma propriedade. Quanto a área média das
propriedades, ocorreu um aumento insignificante nas unidades
de menos de 1 a 10 ha, um certo equilíbrio nas propriedades
entre 10 e 20 ha e um aumento considerável da área das
propriedades acima de 50ha.
TABELA 1 - Distribuição por extrato de área e área média dos estabelecimentos no município de Ribeirópolis 1975/1985/1995/96/2006
Anos
1975
G. de
N°
área (ha) Est.
%
Menos
de 1
1.183 46,35
1-----------2
344 13,47
2-----------5
335 13,12
5----------10
223 8,73
10---------20
199 7,79
20---------50
174 6,81
50 e
mais
94
3,68
Total
2.552
100
1985
1995/1996
2006
há
%
A.
M.
(ha)
621
3,63
0,47
697
38,08
354
1,75
0,51
451
26,31
228
1,17
0,5
12,43
468
2,74
1,43
262
14,31
381
1,89
1,45
267
15,57
386
1,98
1,44
339
12,85
1.091
6,39
3,28
269
14,69
885
4,39
3,29
345
20,12
1.128
5,78
3,26
7,25
233
8,83
1.674
9,8
7,18
186
10,16
1.353
6,71
7,3
209
12,19
1.527
7,82
7,3
13,19
14,2
196
7,43
2.849
16,69
14,5
147
8,03
2.008
9,96
13,6
168
9,8
2.366
12,1
14,08
5.193
24,21
29,8
182
6,9
5.741
33,64
31,5
181
9,89
5.684
28,22
31,4
147
8,57
4.487
23
30,52
9.623
44,87
102,4
28
1,06
4.621
27,07
67,9
88
4,8
9.476
47,04 107,7
89
5,19
9.401
48,2
105,62
21.444
100
8,4
2.637
100
17.065
100
6
1.830
100
20.141
1.715
100
19.524
100
11
ha
%
A. M.
(ha)
N°
Est.
641
2,98
0,54
1.331 50,47
491
2,28
1,42
328
1.050
4,89
3,13
1.616
7,53
2.830
%
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1975, 1985, 1995/96, 2006.
Nº Est.: Número de Estabelecimentos
ha: hectare
N°
Est.
%
ha
%
A.
M.
(ha)
N°
Est.
%
ha
%
A. M.
(ha)
100
11
Segundo Lima (2004, p. 41), ―os padrões de classificação
das propriedades rurais, imóveis rurais e estabelecimentos
agrícolas no Brasil diferem em nível de instituições como de
pesquisadores‖. Existem classificações de instituições oficiais26
que são ineficientes para a realidade sergipana, e não servindo
também para analisar o nosso objeto de estudo. Dessa forma,
pelo conhecimento da região estudada e a partir da observação
das propriedades na pesquisa de campo (2010) no município
estudado, como medida metodológica utilizou-se (de menos de
1 a 10 ha) para as pequenas propriedades, (10 a menos de 50ha)
para as médias propriedades e (50 e mais ha) para as grandes
propriedades. Analisando os dados dos censos agropecuários
do IBGE de 1975, 1985, 1995/96, o percentual do número e da
área das pequenas propriedades no município estudado (figuras
2 e 3), constatamos que no ano de 1975, o percentual do
número dos estabelecimentos camponeses correspondiam a
81,7% ocupando uma área de 17,7%. As consideradas médias
propriedades correspondiam a 14,6% e ocupavam uma área de
37,4%. As grandes propriedades correspondiam a 3,7%
ocupavam uma área de 44,9%, afirmando a concentração
fundiária. Em 1985, o número das pequenas propriedades
correspondiam a 83,3% e ocupavam uma área de 22,6% da área
total ocorrendo um certo aumento no número e na área das
propriedades. As médias correspondiam a 14,1% e ocupavam
uma área de 50,3% e, apesar do número das grandes
propriedades corresponderem a 2,6% ocupava 27,1% da área
total. No ano de 1995/96, percebemos que no município de
Ribeirópolis a concentração da terra aumentou de forma
O critério de classificação da DEAGRO é um exemplo dessa realidade,
pois considera como muito pequena a propriedade de 10 hectares; a pequena
de 10 a menos de 100 hectares; a média de 100 a menos de 1000 hectares; e
grandes acima de 1000 hectares. Todavia, para o município de Ribeirópolis o
tamanho das áreas é um exagero, pois não existem propriedades acima de
500 hectares.
26
considerável, pois 77,3% das pequenas propriedades ocupavam
apenas 14,8% da área total. O número das consideradas médias
propriedades correspondia a 17,9% e ocupavam uma área de
38,2%. As consideradas grandes propriedades correspondiam a
4,8% e ocupavam 47% da área total. Dessa forma, fica evidente
a alta concentração fundiária como mostra também o cálculo
do coeficiente de Gini de 0,760, uma concentração considerada
muito forte, gerando a expropriação e o empobrecimento dos
agricultores familiares no município de Ribeirópolis-Se.
Figura 02. Percentual do Número dos Estabelecimentos . Fonte:
IBGE, Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96.
Figura 03. Percentual da Área dos Estabelecimentos. Fonte: IBGE,
Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96.
Segundo Oliveira (2001) a concentração fundiária tem
suas raízes históricas e quanto mais o capitalismo avança
produz contraditoriamente a existência da pequena
propriedade, que em Ribeirópolis persistem através do trabalho
familiar, cultivando a mandioca, o milho, o feijão e a
horticultura em alguns povoados localizados no agreste.
A concentração fundiária a partir do avanço capitalista
analisado acima ocorreu em face da necessidade do capital de
ampliar as pastagens para a criação de gado, atendendo a uma
economia que tem como objetivo produzir excedentes
ocasionando a expropriação e o empobrecimento dos pequenos
agricultores.
Analisando a produção agrícola do município de
Ribeirópolis, em 1975, o município colheu 408 toneladas de
milho (figura 4). No ano de 1985 colheu 3.870 toneladas, mas
em 1995/96 diminuiu para 2.576 toneladas. No ano de 2006
aumentou para 3.024 e em 2009 aumentou para 9.000
toneladas. O feijão colhido em 1975 foi de 101 toneladas. No
ano de 1985 colheu 114 toneladas e em 1995, 2.020 toneladas.
No ano de 2006 reduziu para 582 toneladas e em 2009 para 466
toneladas. A produção da mandioca em 1975 correspondeu a
6.200 toneladas. Em 1985 produziu 3.575 toneladas. E no ano
de 1995 produziu 10.200 toneladas. No ano de 2006 reduziu
para 8.400 e em 2009 permaneceu na mesma produção. No ano
de 1975 o rebanho bovino do município de Ribeirópolis
informado ao IBGE foi de 13.509 cabeças. No ano de 1985
decorrentes das secas da década de 80 o rebanho bovino caiu
para 11.599 cabeças. Já em 1995 a produção bovina passou para
13.805 cabeças. Em 2006 aumentou para 14.040 e em 2009 para
16.875 cabelas.
Nesse sentido, a presença do capital acabou interferindo
na produção vegetal e ampliou a produção de bovinos, como
também, outros fatores contribuíram para essa realidade como,
as variações climáticas, uso intensivo do solo, doenças,
variações nos preços dos produtos no mercado, etc., presença
esta materializada no ciclo de realização do capital desde a
produção até a circulação. Já a produção de hortícolas pouco
foi informado ao IBGE, pois se concentram em alguns
povoados como Sítio Velho, Lagoa D‘água, Pinhão e João
Ferreira.
Figura 04. Orientação da Agricultura. Fonte: IBGE, Censo
Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96.
Em relação à utilização das terras durante o período de
1975, 1985, 1996 no município de Ribeirópolis (tabela 02)
tivemos um pequeno aumento das lavouras permanentes de 0 a
5% e uma redução nas lavouras temporárias principalmente
entre 1975 a 1996, de 13% para 9,7%. Nas pastagens naturais
tivemos um aumento considerável que de 23,7% caiu para
21,1% e em 1996 subiu para 36,1%. Isso pode ser explicado
pela falta de recursos dos proprietários menos capitalizados e de
pequenos agricultores para fazer os pastos sendo obrigados a
permanecer com as pastagens naturais. Já as pastagens
plantadas mostram uma nítida diminuição. Passando de 60,2%
em 1975 para 59,8% em 1985 e uma queda considerável para
43,0% em 1996. Em relação às matas e florestas tivemos um
aumento considerável de 0,2% para 3,4% e em 1996 para 7,9%,
decorrente da falta de recursos de muitos produtores que não
tem capital necessário para tocar as terras pela diminuição da
família e da força de trabalho, como também a necessidade de
preservar parte das matas para retirar madeira e outras partes
para reserva obrigatória exigida pelo IBAMA. Nas terras
produtivas não-utilizadas ocorrem os mesmos fatores. Já as
terras em descanso permanecem quase intocáveis.
Tabela 02. Municípios de Ribeirópolis: Utilização das terras
(1975/1985/1995/96).
Municípios
Ribeirópolis
Anos
1975
1985
1995/96
Lavouras permanentes
0,0%
0,2%
0,5%
Lavouras temporárias
13%
13,2%
9,7%
Pastagens naturais
23,7%
21,0%
36,1%
Pastagens plantadas
60,2%
59,8%
43,0%
Matas e florestas
0,2%
3,4%
7,9%
Terras em descanso
0,0%
2%
1,1%
Terras
produtivas
não
2,9%
0,4%
1,7%
utilizadas
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96.
Outro elemento importante da estrutura fundiária é a
moradia do proprietário, pois morando na propriedade
teoricamente o proprietário pode explorar de forma mais
racional a sua terra. Analisando os dados dos censos
agropecuários do IBGE, 1975, 1985, 1996 sobre o município de
Ribeirópolis (figura 5) percebemos que existiu um certo
crescimento da moradia fora do estabelecimento. De um modo
geral quase 60% dos proprietários moram fora do
estabelecimento. Esses proprietários passaram a morar na
cidade devido a falta de saneamento básico, energia elétrica,
água encanada, e principalmente segurança. Algumas melhorias
para os povoados de Ribeirópolis chegaram muito tarde como a
energia elétrica e o calçamento em alguns dos principais
povoados.
No município de Ribeirópolis a propriedade individual da
terra predomina tanto no número de estabelecimentos quanto
na área total. De acordo com a tabela 03, observa-se que no
município de Ribeirópolis no período de 1975 a 1996, tivemos
um aumento tanto no número de estabelecimentos como na
área explorada pelos proprietários. Em 1996 os proprietários
exploravam 75,8% dos estabelecimentos e 97% da área total.
No ano de 2006 o aumento foi ainda maior, tanto nos
estabelecimentos (98,15%) quanto na área ocupada (99,73%). A
categoria arrendatário no mesmo período estudado sofreu um
decréscimo em estabelecimentos e área, passando
respectivamente de 14,8% e 1% em 1975 para 12,5% e 0,8%
em 1985, e em 1996 caiu para 11,8% e 0,7%. A categoria
parceiro não apresenta qualquer relevância. Já a categoria
ocupante chegou a ocupar 25,8% dos estabelecimentos em
1975 e caiu para 12,2% em 1996, e reduzindo para 1,13% em
2006. A área ocupada destes subiu de 2,2% para 2,3% da área
total entre 1975 e 1995/96 e caiu vertiginosamente para 0,17%
em 2006.
Figura 05. Residência do Produtor. Fonte: IBGE, Censo
Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96.
TABELA 3 - MUNICÍPIOS DE RIBEIRÓPOLIS CONDIÇÃO DO
PRODUTOR
POR
ESTABELECIMENTO
E POR
ÁREA
(1975/1985/1996)
Município
Anos
Ribeirópolis
Proprietário
1975
Est. ha
%
%
59,4 96,8
1985
Est.
ha
%
%
61,5 97,7
1995/96
Est.
ha
%
%
75,8
97
2006
Est.
ha.
%
%
98,15 99,73
Arrendatário
14,8
1
12,5
0,8
11,8
0,7
0,71
0,08
0
0
0
0
0,2
0
0
0
Estabelecimentos
Parceiro
25,8 2,2
26
1,5 12,2 2,3 1,13
Ocupante
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96, 2006.
Est.: Estabelecimento
ha: Área
0,17
Com relação ao pessoal ocupado no período estudado,
podemos verificar uma diminuição do número do pessoal nãoremunerado e um aumento do trabalho permanente e
temporário que pode ser explicado pela necessidade que o
capital impõe aos pequenos agricultores de complementar a
renda através do trabalho alugado, na construção civil, em
fábricas, etc.
Portanto, a partir da análise dos dados do IBGE e das
observações através da pesquisa de campo 2010, podemos
observar no período estudado características da estrutura
fundiária de Ribeirópolis, fundamentais para a análise desse
município, comprovando a histórica concentração fundiária e
contraditoriamente a persistência das pequenas unidades de
produção mesmo subordinadas ao capital.
4 A UNIDADE DE PRODUÇÃO FAMILIAR (SÍTIOS)
Metodologicamente nesta pesquisa considera-se pequena
propriedade aquela que possui uma área equivalente a menos de
1 a 10 hectares, por entender que as classificações dependem
muito da região estudada e, que, algumas classificações e
definições de pequena propriedade estão ultrapassadas. Para
Queiroz (1976), os sitiantes caracterizaram-se por trabalhar
pessoalmente a terra com o uso do trabalho familiar e o
emprego de técnicas de produção rudimentares. Então, desde a
sua origem, na região em tela, a pequena propriedade se
caracterizou como ―sítio‖ que é resultado do trabalho, um
espaço construído, definido como:
Um conjunto de espaços articulados entre
si, que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos. Esse
espaço é o resultado, também, de um
processo histórico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa
eliminação da cobertura vegetal original e
de todo ecossistema que lhe era associado
(WOORTMANN, 1997, p. 27).
A categoria sítio tem vários significados e no sentido mais
amplo designa uma parcela de terra fundada por um ancestral e
que a família continua trabalhando nela. Para Herédia (1979, p.
36), ―a categoria sítio define a pequena produção em oposição à
fazenda, engenho e granja‖. Nesse sentido, em nossa análise
esta categoria é aplicada às pequenas propriedades que utilizam
o trabalho familiar para garantir a sobrevivência e
desenvolvimento da família (Figura 06).
Figura 06. Pequena propriedade (sítio) no Povoado Pinhão –
Ribeirópolis/Se. Foto: Givaldo Santos de Jesus, 2008.
A partir da observação em pesquisa de campo, definimos
os espaços presentes na maioria das propriedades visitadas
como: o espaço da casa de morada (casa e quintal); o espaço da
lavoura (chão de malhada e/ou de roça); espaço da casa de
farinha; espaço do pasto (pasto, curral e o mato), tomados
apenas como modelo-padrão das pequenas unidades de
produção familiar existentes no município de Ribeirópolis.
No município estudado a casa de morada está localizada
próximo à estrada, geralmente são unidades simples
predominando as casas feitas de bloco, cobertas com telhas e
piso de cimento, equipadas com energia elétrica e em menor
quantidade casas com água encanada. Boa parte possui sofá, TV
e DVD, geladeira, fogão a gás, etc, tudo de modo simples. No
fundo da casa estrutura-se o quintal onde são criadas as
miunças, como porcos e galinhas e onde se concentram o maior
número de fruteiras e que as frutas são consumidas e/ou
vendidas na feira.
No espaço da lavoura, o chão de malhada predomina em
todas as propriedades, que é formado por uma terra macia
(areia) e bem trabalhada e de cultivo intensivo. No sistema de
malhada, o agricultor cava a terra e forma montículos de areia
com aplicação de adubação orgânica ou não denominados de
covas ou leras usadas na produção de hortaliças. Já o chão de
roça é formado quando derruba a capoeira que passa a ser roça.
A terra passa por um rodízio entre vegetação e lavoura. O
plantio na roça é realizado através do sistema de covetas que
consiste em cavar um buraco no chão e ali plantam os produtos
como a mandioca, o milho e o feijão.
O espaço da casa de farinha é onde a mandioca é
beneficiada na forma de farinha, servindo também de depósito
para armazenar a farinha, o milho e o feijão em envoltórios
como vasos ou sacos. Geralmente as casas de farinha ficam ao
lado da casa de morada, e é um espaço de trabalho onde
concentra todo o trabalho da família, e às vezes, chegam a
contratar força de trabalho.
O espaço do pasto é formado pelo curral, pasto e o mato.
O curral fica localizado ao lado da casa de morada e serve para
apreender o gado à noite, evitando furtos e de manhã facilita
para extrair o leite, como também, para alimentar o gado com
ração que é sobra da produção como a palha do milho, raspas de
mandioca, manivas, etc. No pasto predomina as pastagens
plantadas com capim pangola que serve para sustentar o gado.
Os produtos que predominam nas pequenas propriedades
são a mandioca, o milho, o feijão e a horticultura em alguns
povoados. A mandioca é o produto básico da reprodução
desses agricultores e está presente em todas as propriedades
pesquisadas. Em segundo lugar, destaca-se o feijão e o milho
que são produzidos na maioria das vezes para o auto-consumo.
Segundo Garcia Júnior (1983) a mandioca tem um ciclo
vegetativo de 1 ano e 6 meses e o seu limite máximo na terra é
de 3 anos. A preparação do solo inicia no mês de março e vai
até abril. Para Woortmann (1997, p. 65) ―a preparação do solo
leva em consideração a adequação entre as qualidades do solo, a
pluviosidade, a disponibilidade de força de trabalho, as
necessidades de consumo do grupo doméstico, as perspectivas
de comercialização [...]‖. O plantio tem início no mês de abril e
termina em junho. Plantam manivas de Maria Pau, Santo
Antônio, caravela e macaxeira.
O feijão está presente na maioria das pequenas
propriedades. Plantam o feijão do tipo carioca, mulatinho e o
rosinha, e tem um ciclo vegetativo de três meses (maio a junho).
Segundo Herédia (1979) durante o seu crescimento são
necessárias três limpas e sua maturação, é parcelada de modo
que sua colheita pode variar de acordo com as chuvas, e quando
maduro é arrancado manualmente e pendurado no telhado,
geralmente da casa de farinha, para secamento. Alguns pés são
consumidos verdes pela falta do produto seco, e muitos gostam
do feijão maduro, e quando seco, é batido e armazenado em
recipientes de metal ou em garrafas peti para serem consumidos
e em sacos para serem comercializados.
O milho é produzido também na maioria das
propriedades e plantado no início do inverno nos meses de
março a abril. Segundo Herédia (1979, p. 67) ―[...] a melhor
semana é aquela que se celebra a festa de São José (19 de
março), pois, desta forma, se assegura que a colheita coincida
com a comemoração de São João‖. Seu ciclo produtivo é de
aproximadamente três meses e são necessárias três limpas
durante o seu processo de crescimento. O milho quando
maduro boa parte é consumido verde e o restante fica na roça
durante dois ou três meses para secar. A colheita é feita
manualmente e armazenam em recipientes de metal ou em
sacos e são consumidos em forma de cuscuz e serve para
alimentar as aves e animais. Já as palhas do milho alimentam o
gado. Alguns povoados de Ribeirópolis como Pinhão, Lagoa
D‘água, Sitio Velho e João Ferreira produzem também o
tomate, pimentão, maxixi, pepino, amendoim, melancia, batata
doce, etc., atividade que vem se intensificando e gerando
melhores rendas para os agricultores.
No campo, o sistema de cultivo predominante é o de
produtos consorciados compostos pela mandioca, milho e
feijão, que obedece um princípio de alternância, sendo a
mandioca o principal produto e que tem uma duração maior na
terra em relação ao milho e ao feijão. A escassez de terras
contribui para que o camponês utilize ao máximo a terra,
reduzindo de certa forma, a produção e por outro lado,
diversificando-a, como também, essa forma de associação entre
os produtos agrícolas num espaço determinado facilita no
trabalho com o preparo da terra e com a produção, tornando o
trabalho menos penoso. Dessa forma:
Este é explicado principalmente pela
escassez de terras, constituindo-se também
em uma estratégia por parte dos
camponeses, apesar de diminuir a
produtividade da terra. Não resta dúvida
que a produtividade física do cultivo
simples é superior a do cultivo consorciado
que, embora permita um crescimento do
valor da produção por hectare, baixa a
produtividade física dos três produtos
básicos [...] (SANTOS, 1996, p. 54).
O criatório também constitui um meio de reprodução do
agricultor familiar de Ribeirópolis. Nas pequenas propriedades
nota-se a presença e predominância da criação bovina, suínos e
aves. O gado é uma grande estratégia de reprodução utilizada
para supri as necessidades do grupo familiar. Os suínos e
galinhas são criados, na maioria das vezes, para aproveitar os
restos alimentares da casa e o lucro acaba ajudando nas
despesas, e até mesmo para a aquisição de gado bovino.
O município de Ribeirópolis possui um certo grau de
modernização, pois 68% das propriedades utilizam força
mecânica (arar a terra), através do pagamento de horas de trator
de particulares que passam a acumular capital, ou com tratores
de associações controladas pela prefeitura. Outro dado que
mostra essa modernização dependente é a utilização de
fertilizantes químicos que são maiores que os orgânicos entre os
agricultores do município. O alto índice do uso de casas de
farinha se dá pela utilização das casas comunitárias que são
mecanizadas.
Através da pesquisa de campo, constatamos também, que
nas pequenas propriedades, predomina exclusivamente o
trabalho familiar. A família de um modo geral é formada pelos
pais, filhos, e às vezes avós, tios, noras ou genros que se somam
às famílias por algum tipo de necessidade, e acabam garantindo
a sobrevivência de todos, ajudando no equilíbrio trabalho e
consumo. Os trabalhadores permanentes são inexistentes
enquanto os temporários têm uma certa relevância, pois são
trabalhadores alugados que vendem e/ou em menor quantidade
compram força de trabalho na época de pico (plantio e colheita)
para atender as necessidades da produção. Todavia, com uma
freqüência maior os vendem alguns dias de trabalho para os
médios e grandes proprietários.
Nas pequenas unidades de produção participam das
atividades produtivas todos os membros do grupo familiar,
desde as crianças até os mais velhos, existindo uma certa divisão
na distribuição das tarefas na propriedade. Segundo Antonello
(2001, p. 47), ―a combinação das forças físicas de cada membro
do grupo familiar forma uma sólida unidade, que alicerça a
organização das tarefas no interior da exploração camponesa
[...]‖. O pai é o chefe da família, é aquele que organiza e
determina a distribuição dos trabalhos na propriedade, sendo
considerado o pilar do grupo e o saber camponês. Dessa forma,
a pequena unidade de produção tem um elemento fundamental,
que é o trabalho familiar e esse trabalho é o que sustenta a
posse da terra e a sobrevivência da família.
Outro aspecto importante percebido na pesquisa de
campo é que 60% dos entrevistados afirmam que os filhos não
pretendem continuar na terra e esperam um futuro melhor que
os deles. Todavia, quando perguntamos aos próprios filhos esse
índice aumenta. A situação econômica precária e a precariedade
do ensino como um todo e principalmente no campo com uma
mentalidade voltada para a zona urbana contribuem ainda mais
para a saída do homem do campo para a cidade com a ilusão de
ter um emprego com carteira assinada que na atualidade
assistimos a uma forte exclusão dos trabalhadores ao trabalho
formal. O grau de escolaridade na família camponesa entre os
pais varia de analfabetos à quarta série do ensino fundamental e
entre os filhos da primeira série a oitava série do ensino
fundamental, e em menor quantidade camponeses com o
ensino médio completo. Existe uma distorção enorme entre a
idade e a série. O trabalho no campo e uma educação voltada
para a cidade acabam excluindo muitos camponeses da escola e
são eles os que pretendem continuar na terra.
5 A AGRICULTURA IRRIGADA EM RIBEIRÓPOLIS-SE
A introdução da tecnologia de irrigação em alguns
povoados de Ribeirópolis (Lagoa D‘água, Sítio Velho, Pinhão e
João Ferreira), provocou um impacto na natureza da atividade
agrícola ali desenvolvida. O cultivo de produtos como
mandioca, milho e feijão deu lugar a horticultura visando o
mercado. A farinha de mandioca, que era o principal e às vezes
o único produto destinado a venda, foi substituída pela
produção de hortaliças, verduras e olerícolas que passou a ser o
determinante das decisões dos agricultores quanto à exploração
de terra.
A existência de infra-estrutura de irrigação já traz em si,
mudanças no comportamento e na visão dos irrigantes. O
mercado é o horizonte a ser conquistado, o elemento definidor
das ações desses produtores, assim como o movimento de
compra e venda de insumos e implementos agrícolas, mão-deobra e de diferentes serviços, em que a relação dos pequenos
produtores irrigantes com o mercado passa a ser indispensável à
reprodução social do grupo familiar. Outro aspecto importante
nesse contexto diz respeito à necessidade do estabelecimento de
um padrão de organização social dos produtores diferente
daquele a que estavam acostumados, haja vista as exigências
impostas pela irrigação.
No passado, os sistemas de produção eram basicamente
as condições naturais, clima e solo, e do trabalho familiar. Os
produtos cultivados destinavam-se ao auto-consumo. No
presente, a atividade agrícola passa a depender de fatores
externos, implicando numa redefinição da forma de produzir
no interior da parcela e nas relações com os diferentes agentes
econômicos.
As tentativas de induzir a modernização de práticas e
processos sociais agrários construídos historicamente pelos
agricultores, constituídos por relações onde diferentes agentes
interagem e disputam o controle das intervenções propostas,
reelaborando-os segundo as condições econômicas e as
posições que ocupam na estrutura social.
Os irrigantes com rendas mais altas optam por
proporcionar aos filhos melhor formação escolar e qualificação
profissional, a mantê-los no trabalho agrícola. A maioria não
dispõe desta possibilidade, o que os leva a incorporar nas
atividades agrícolas todos os membros da família inclusive as
crianças, Em outras palavras, a utilização da totalidade da força
de trabalho familiar passa a ser indispensável às novas
exigências que a irrigação traz, não só a respeito da produção,
mas quanto à comercialização. A tabela 4 mostra a agricultura
familiar na microrregião de Carira em Sergipe:
Tabela 4. Estabelecimento e área da agricultura familiar de Sergipe,
segundo a Microrregião de Carira e Municípios – 2006.
Agricultura familiar - Lei nº
Não familiar
Microrregião 11.326
de Carira
Área
Área
Estabelecimentos
Estabelecimentos
(ha)
(ha)
Sergipe
Carira
(microregião)
Carira
Frei Paulo
Nossa
Senhora
Aparecida
Pedra Mole
Pinhão
Ribeirópolis
90 330
711 488
10 276
768 925
7 174
1 552
838
77 885
22 808
15 233
776
148
76
76 900
29 491
12 721
2 520
408
274
1 582
19 943
3 392
2 877
13 632
317
41
61
133
16 985
4 969
6 842
5 892
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.
A organização da produção e o uso da tecnologia
obedeceu ao objetivo único de maximização de lucros com a
agricultura irrigada, com a diversificação da produção, em que
os irrigantes procuraram seguir aquilo que as suas condições
econômicas permitiam e que estendiam como sendo de menor
risco, isto é, utilizar a tecnologia de irrigação em culturas que já
dominavam o cultivo e tinham um certo conhecimento e
experiência do processo de comercialização, como é o caso da
batata-doce.
Na atualidade, as sementes selecionadas e/ou adaptadas,
adubo químico, tração mecânica e agrotóxico são usados em
maior quantidade e com freqüência. No caso dos agrotóxicos, a
utilização tem sido abusiva e sem controle, e os produtores não
tomam as precauções necessárias, sendo freqüentes os
problemas de tonturas e desmaios. Um pequeno número de
irrigantes de Ribeirópolis com certa consciência ecológica e
visando o mercado tem produzido hortaliças sem o uso de
agrotóxicos praticando uma agricultura orgânica com a
utilização de húmus, o uso de alho e chorumo despertando a
curiosidade e a critica daqueles agricultores que abusam dos
produtos químicos.
Sobre a questão tecnológica e da mecanização os
irrigantes usam o que podem como o trator para o preparo do
solo assim como o uso também da tração animal (figura 07). O
sistema de adubação utilizado nos perímetros é por cova, lanço
e sulco, porém, os mais usados são aqueles com a fórmula 1015-10, 0-10-10, além do calcário e o esterco de gado. A mão-deobra e as relações de trabalho, na irrigação passam a obedecer
às exigências do capital subordinado aos objetivos da produção,
em que o mercado é agora o elemento decisivo do ato de
produzir, e não mais a produção para o consumo familiar,
como antes.
Figura 07 – Preparação do solo com o arado manual. Foto: Ramon
O. Vasconcelos, 2010.
As mudanças nas relações de trabalho aparecem como
uma das mais importantes conseqüências da introdução da
agricultura irrigada seja em termos de extensão da jornada, seja
em termos da natureza da força de trabalho. No que se refere às
relações de produção, a parceira surge em decorrência da
insuficiência de recursos financeiros do proprietário da terra em
relação à disponibilidade de terras e da inexistência de um
trabalho estruturado, como forma de evitar reclamações por
parte dos trabalhadores contratados através de diárias ou
permanentes. Para Silva (1989, p. 87),
[...] a parceira pode ser vista, assim, como
uma forma flexível de remuneração do
trabalho, adaptável a circunstancias
especificas de organização da produção,
permitindo combinar simultaneamente
atividades típicas de empregado e
empregador.
A contratação de trabalhadores assalariados foi ampliada
em função das novas exigências a partir da irrigação com o com
o prolongamento e a intensificação da jornada de trabalho. As
formas de ajuda mútua, a exemplo do mutirão ou ―batalhão‖,
tão comum no passado, não mais se verificam nessas áreas.
De acordo com a pesquisa de campo (2010), o número de
membros das famílias nestas unidades de produção variam de 2
a 6 pessoas (adultos, crianças e velhos), a divisão do trabalho
por faixa etária e sexo, na maioria das unidades como no cultivo
da batata em que os homens adultos abrem as leiras, as crianças
e idosos semeiam as mudas e as mulheres cobrem ou mudam a
sementeira. É o que acontece praticamente em todas as
culturas, onde os homens participam de todas as atividades
―pesadas‖ e vai variando de acordo com as necessidades. Dessa
forma o ano agrícola na agricultura irrigada é dividido em duas
estações inverno e verão, sendo que 70% dos irrigantes
destacam que o inverno é a estação que a família mais trabalha,
pois expandem a produção na propriedade, para aproveitar a
facilidade que a chuva proporciona. Em contra partida no verão
é mais rentável mesmo com os gastos de energia elétrica para
irrigar através de bombas e motores instalados nos poços
artesianos ou barragens, mas é mais fácil de controlar as pragas
e doenças das plantas. Além disso, cada produtor atua como
―cientista‖ durante todo o ano prevendo os meses e cultivos
ideais para ―acertar‖ um preço satisfatório, já que não há uma
garantia de preço na produção.
Em relação ao grau de escolaridade dos agricultores é
baixo e varia de analfabetos aos que possuem o ensino
fundamental. Cerca de 90% são provenientes do próprio local e
a área das propriedades variam de menos 1 a 10 há, que foram
adquiridos através de herança em 30% dos casos e 70% foram
comprados. É importante ressaltar que os proprietários
possuem essas terras a mais de 5, 10 anos e quando questiona
se durante esse tempo melhorou ou piorou a qualidade de vida,
o entrevistado responde o seguinte:
[...] melhorou, em relação à renda e
conseqüentemente na qualidade de vida,
pois trabalho no que é meu e posso dar
uma vida melhor para meus filhos, além de
conseguir comprar uma moto, reformei a
casa, e pretendo nos próximos meses de
trabalho juntar dinheiro para comprar uma
mercedinha, assim posso transportar
minha produção e dos vizinhos garantindo
mais uma forma de lucrar (Antônio,
Povoado Lagoa D‘água-Ribeirópolis-Se,
2010).
Os agricultores que possuem um sítio menor em relação
aos outros produtores arrendam áreas denominadas de ―tiras ou
malhadas‖, ou ainda trabalham para outros produtores no
período de preparação do solo e durante a colheita das verduras
e olerícolas. É relevante a quantidade de famílias que residem na
propriedade cerca de 70% e justificado pela facilidade para
trabalhar, criar animais como galinha, porco, carneiro, peixe,
vaca leiteira, contribuindo assim para uma dieta variada e na
maioria das vezes como uma poupança que pode ser
comercializada a qualquer momento. Além desses fatores em
100% das propriedades dos povoados pesquisados27 possuem
energia elétrica e água, encanada de poços artesianos no centro
do povoado e nas propriedades mais isoladas a água é
proveniente de poços individuais da própria propriedade, e a
irrigação provém de poços artesianos (figura 08) ou barragens
individuais, fruto dos recursos dos próprios agricultores que
utilizam a água para os afazeres domésticos, para bebe e
principalmente para a produção irrigada. Já no povoado João
Ferreira, a água vem da barragem pública de mesmo nome do
povoado.
Figura 08. Poço artesiano. Foto: Ramon O. Vasconcelos, 2010.
27
Sítio Velho, Lagoa D’água, Pinhão e João Ferreira.
Outro fator importante é observado na diversidade de
culturas que é o resultado de uma alternativa visando diminuir a
vulnerabilidade do produtor diante das freqüentes oscilações
dos preços agrícolas sabendo-se que em 1996 de acordo com o
Censo Agropecuário do IBGE a batata-doce era plantada por
70% dos proprietários irrigantes, 48% coentro, 35% tomate e
coentro, 30% amendoim, 17% pepino e 13% couve. Com essa
ausência de um planejamento de cultivo que evite uma oferta
excessiva dos mesmos tipos de hortaliças no mercado tornando
inviável a lucratividade.
De acordo com a pesquisa de campo (2010) os principais
produtos vegetais cultivados são batata com 60%, pepino 50%,
em seguida o amendoim com 40%, maxixe 40%, pimenta e
folhas 30%, além de feijão de corda, tomate, vagem, quiabo,
pimentão, milho e feijão. O sistema de cultivo varia de acordo
com a estação, se for durante o verão planta se de extremo, pois
contribui na economia de água, e no inverno planta se na leira
para escoar o excesso de água. Durante o período de estiagem
que há a necessidade de irrigar o sistema mais utilizado é de
aspersão (figura 09) em segundo o gotejamento e por fim o
sulco.
Figura 09. Irrigação por aspersão. Fotos: Ramon O. Vasconcelos,
2010.
Nas propriedades que os agricultores foram entrevistados
100% não fazem a análise do solo, mas todos utilizam sementes
selecionadas, nenhum possui trator, mas alugam para gradear as
―malhadas‖ e outros possuem arados de tração animal e
arrendam para os vizinhos que não tem. Além disso, todos
usam agrotóxicos discriminadamente e não dão destino
apropriado aos dejetos, sendo que 60% queimam e 40% jogam
no próprio ―terreiro‖. Apenas 10% usam algum produto natural
de receitas caseiras, quando pergunta sobre a assistência técnica
da EMDAGRO 10% já procurou informações e
acompanhamento, mas qualificam a assistência como deficiente.
Os recursos para produção são de economias próprias,
10% já recorreram a financiamento do PRONAF para investir
na produção e estruturação da propriedade além da criação de
animais. É interessante que no município não há associação ou
cooperativa e quando falam aos produtores muitos acham que
não há necessidade. Contudo, quando pergunta se no final do
ano agrícola os resultados da produção irrigada têm dado para
as despesas, a resposta é que melhorou a vida em 100%, com a
esperança que a cada ano melhore ainda mais.
Em relação ao processo de comercialização, em função
da inexistência de agroindústrias que pudessem absorver a
produção beneficiando ou transformando os produtos ali
cultivados, contribui para o alto índice de perda da produção e
impede que tenha maior valor aos mesmos, restringindo-se a
capacidade de acumulação e capitalização dos irrigantes. A
agricultura irrigada, pelos investimentos que ela exige é
incompatível com uma atividade que insiste em ser conduzida
de modo empírico e sem planejamento, como acontece.
As hortaliças, verduras e raízes produzidas são
comercializadas no mercado e feira de Ribeirópolis, Itabaiana,
Aracaju, Salvador e até no Rio Grande do Sul como acontece
com a batata-doce. Os principais agentes de comercialização
são os intermediários, detendo o controle dessa atividade e
influenciando tanto na determinação dos preços como na
seleção dos produtos a serem cultivados. A venda da produção
é feita de diferentes maneiras a principal é a entrega dos
produtos ao intermediário, que vem buscá-los no lote do
irrigante; outra parte vende a feirantes e uma menor parte
vende seus produtos diretamente na feira ao consumidor final.
Nesse sentido, existe no município de Ribeirópolis um
pequeno número de produtores que além de comercializarem a
produção obtida na sua própria área ou lote também atuam
como compradores da produção de outros irrigantes. O uso
diferenciado da tecnologia de acordo com o tamanho da terra
disponível e ainda pelo maior ou menor conhecimento do
mercado e de seu funcionamento sempre preservam a
autonomia e a individualidade.
Como um dos objetivos é conhecer a composição e a
magnitude da renda gerada no município, foi feito um esforço
no sentido aproximado dessa variável importante que é a renda
do agricultor. Os pequenos irrigantes continuam agindo da
mesma maneira que agem quando trabalhavam na área de
sequeiro, ou seja, não contabilizam as despesas e receitas. O que
não significa dizer que não façam um cálculo, mas que este é
feito com base num outro tipo de racionalidade, não
exclusivamente econômica.
Chama-se atenção, também para outro aspecto: os custos
de produção e a renda dos agricultores que correspondem são
somente a despesas e receitas da atividade econômica, não
sendo imputados quaisquer valores para auto-consumo e
remuneração hipotética da mão-de-obra familiar, desgaste de
equipamentos e maquinas, nem incluídos o pagamento de juros
de empréstimos eventualmente tomados pelos irrigantes.
Na composição dos custos entram as despesas com
sementes, adubos, agrotóxicos, aluguel de maquinas,
embalagem transporte de produtos e tarifa de energia, além de
gastos com a produção animal e pagamentos da mão-de-obra
assalariada.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil a pequena propriedade se formou às margens
dos latifúndios nas terras menos férteis e que foram as grandes
responsáveis pela produção de alimentos para o mercado
interno. Na verdade, essas propriedades foram formadas por
posseiros que desde cedo se defrontaram com a expansão das
grandes propriedades pecuarista, observada na região estudada.
Em Ribeirópolis-Se os posseiros tiveram uma abertura maior
que em outras regiões e, com o tempo, boa parte conseguiu a
posse da terra e tornaram-se sitiantes.
O município estudado revela uma forte concentração
fundiária, tendo como suporte a concentração de terras para a
expansão das fazendas de gado. Todavia, não ocupou
totalmente as terras de lavoura e as pequenas unidades de
produção familiar através de suas próprias especificidades, no
que se refere às relações de trabalho e à importância da família,
persiste e tem uma importância relevante no desenvolvimento
do município de Ribeirópolis.
A propriedade da terra significa a garantia de
sobrevivência e permanência no campo. Atualmente, mesmo
subordinadas ao capital e com um processo desigual de
modernização e produção, o pequeno agricultor através da terra
e do trabalho familiar consegue produzir para garantir o
sustento da família, embora seja também obrigado a recorrer a
algumas atividades complementares como o criatório bovino, o
trabalho alugado, etc.
No que se refere às experiências com agricultura irrigada
em unidades de produção familiar, os irrigantes com a posse da
terra e/ou capital e conhecimento para adotarem as inovações
tecnológicas visando à modernização da agricultura provocaram
mudanças importantes no panorama da agricultura em alguns
povoados do município de Ribeirópolis. Criaram melhores
condições de aproveitamento da terra; contribuíram com o
aumento da oferta de olerícolas no mercado; ampliaram o
consumo de insumos e equipamentos agrícolas, as
oportunidades de negócios agrícolas e não agrícolas e foram
responsáveis pela constituição parcial de um mercado de
trabalho, com o aproveitamento da mão-de-obra existente.
Ao estimular o aumento da produção de verduras e
hortaliças a irrigação trouxe a ampliação de novos mercados e
também
do
número
de
compradores
(atravessadores/atacadistas). Contudo, esse dinamismo não foi
acompanhado de modificações na estrutura e nos mecanismos
de comercialização agrícola. Percebe-se claramente a
insatisfação dos agricultores no processo de comercialização. O
município apresenta uma cadeia produtiva desarticulada e
desorganizada, favorecendo a ação dos intermediários que
controlam as informações do preço de mercado e compram os
produtos na porta, proporcionando uma venda rápida e sem
obstáculos, e por outro lado, concentra a maior parte do lucro.
Os efeitos do uso da irrigação e dos problemas surgido
pela falta de um planejamento agrícola, crédito rural compatível
com a situação financeira dos agricultores, orientação técnica
eficiente e necessidade de mudanças na sistemática de
comercialização, são percebidos e reivindicados pelos irrigantes,
como uma condição indispensável à consolidação econômica,
melhoria da renda e condições de vida dos pequenos
agricultores.
Apesar de tudo, é significante a melhoria das condições
de vida e de renda dos produtores familiares que trabalham
com a irrigação, como provam não apenas a renda por eles
obtida, mas também as boas condições sociais, qualidade das
habitações, abastecimento de água e o patrimônio que
conseguiram formar após a implantação da irrigação. Contudo,
a situação dos agricultores dos povoados que continuam
plantando mandioca, milho e feijão não apresentam melhorias
significativas nas condições de vida e de trabalho desses
agricultores.
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O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL E AS
POLÍTICAS PÚBLICAS AGRÍCOLAS NOS MUNICÍPIOS
SERGIPANOS DE SIMÃO DIAS E DE POÇO VERDE: OS
TERRITÓRIOS RURAIS SOBRE O DILEMA
PRODUTIVISTA E AS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO
COLETIVO-INSTITUCIONAL.
Luciano Ricardio de Santana Souza1
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, tanto em Simão Dias como em Poço Verde,
propaga-se a produção especializada do milho como forma de
engendrar as novas relações capitalistas de mercado no meio
rural nestes municípios. Neste cenário, percebe-se, também, que
os dois municípios estão incluídos no contexto de
desenvolvimento territorial rural do governo federal, o qual
concebe os projetos integrados à realidade teórico-conceitual do
produtivismo agrícola e da lógica capitalista sobre o Espaço
Agrário.
Os projetos de desenvolvimento rural em Simão Dias e
Poço Verde implantam novas formas dinâmicas de produção
capitalista voltadas para o aumento da produtividade agrícola
local, não enfatizando ainda a constituição de alternativas
voltadas à solução do atraso nas estruturas socioeconômicas e
na superação dos problemas relativos à preservação ambiental.
Apesar dos avanços contidos na concessão de
instrumentos creditícios, as políticas públicas agrícolas (como
crédito rural e incentivos a aquisição de sementes) advindas dos
1Economista,
Licenciando em Geografia e Mestre em Geografia pelo
Núcleo de Pós-graduação em Geografia (NPGEO), Membro do Grupo de
Pesquisa
sobre
Transformação
no
Mundo
Rural.
E-mail:
[email protected].
projetos de desenvolvimento territorial rural e implantadas nos
dois municípios redefiniram, equivocadamente, as novas ações
produtivas propostas para os territórios rurais dos dois
municípios, concentrando-se apenas nas demandas de
modernização agrícola sem primar pela realidade sócioambiental do espaço rural simãodiense e poçoverdense.
A proposta da discussão é estabelecer uma crítica à
relação direta entre a natureza dos projetos de desenvolvimento
territorial rural e a realidade produtiva da agricultura familiar
simaodiense e poçoverdense, colocando em foco as deficiências
na implantação das ações estatais locais no meio rural através
do uso dos instrumentais técnicos capitalistas e observando as
estratégias coletivo-institucionais colocadas à disposição das
comunidades rurais com vista à superação do entraves
produtivos engendrados pelo capitalismo.
2 O DESENVOLVIMENTO
TÉORICO-CONCEITUAIS
RURAL:
RELAÇÕES
O Desenvolvimento rural torna-se assunto de difícil
análise devido à complexidade teórico-conceitual que o cerca.
Desta forma, a complexidade teórico-conceitual desvincula o
desenvolvimento rural das abordagens sociais. Suas concepções
fundamentais sobre o espaço rural e sobre a dinâmica
socioeconômica são absorvidas pela hegemonia da teoria
produtivista28.
Os teóricos produtivistas conceberam formas
conflituosas de definir e, até mesmo, utilizar o conceito de
desenvolvimento rural, tratando-o como forma de difusão de
políticas públicas agrícolas que remodelam as relações sócioprodutivas e os territórios rurais, baseando-se no alto nível de
ação modernizadora produtiva, ou seja, concentrando-se na
28A
teoria produtivista prega a máxima eficiência da estrutura agrícola
familiar através do aumento da produtividade alicerçado pelo processo de
modernização conservadora.
idéia de uso intensivo de tecnologia agrícola como sinônimo de
eficiência
A proposta de análise produtivista do desenvolvimento
rural também amplia o campo de entendimento acerca dos
elementos técnicos e da ação capitalista necessários ao meio
rural, mascarando as estratégias de controle do excedente e
novas tendências produtivas não-sustentáveis sobre os
territórios rurais. Por conseguinte, redefinem-se estratégias para
políticas locais que norteiam a constituição de projetos de
desenvolvimento territorial rural condizente com as imposições
das empresas ligadas ao setor industrial de implementos
agrícolas (tratores) e insumos (fertilizantes e agrotóxicos). Por
isso, enfatiza-se a necessidade de entendimento do marco
teórico-conceitual sobre Desenvolvimento Rural que esteja
correlacionado com o contexto de efetivação da agricultura
moderna.
O conceito desenvolvimento rural é, possivelmente,
submetido ao entendimento acerca dos seus efeitos sobre a
sociedade e sobre o espaço rural. Para Ilha (1993, p.98), o
desenvolvimento rural está submerso num ―fundo ideológico‖
e o seu sentido encontra-se sujeito ao relacionamento com as
novas formas de produção agrícola e com a introdução da
tecnologia moderna. Neste caso, o autor enumera três
características que integram o entendimento sobre a integração
do desenvolvimento rural com tecnologia e as novas formas de
produção agrícola:
Assim, entende-se o desenvolvimento
[rural] como: a) modernização dos
instrumentos, matérias-primas e insumos
tecnológicos; b) introdução e adoção de
técnicas modernas e racionais pela
empresas rurais; e c) captação da força de
trabalho, para que esta possa utilizar os
novos instrumentos (ILHA, 1993, p.98a).
O conceito de desenvolvimento rural é visto, apenas,
como ―modificação das forças produtivas‖. O emprego de
tecnologia agrícola (máquinas e agrodefensivos), das técnicas
modernas de tratamento do solo e manejo de novos cultivares,
das sementes modificadas geneticamente e dos programas de
qualificação de mão-de-obra rural, que inserem o conceito de
desenvolvimento rural no contexto de aceitação do ideário
produtivista.
Ademais, Ilha indica a sua concepção sobre o
desenvolvimento rural, considerando que tal forma de conceito
deve ser ampliada até o ponto de inclusão de ―um outro
componente‖, o qual é visto como:
A transformação das relações que os
homens, independentes de sua vontade
como indivíduos estabelecem à volta do
processo de produção, antes, durante e
após este. Como exemplo dessas relações,
pode-se citar as relações de propriedade, a
organização do trabalho, a forma de
distribuir a riqueza social, a distribuição
dos produtos e outras. (ILHA, 1993,
p.98b)
Ainda, a influência da qualificação da mão-de-obra no
contexto teórico de entendimento do desenvolvimento rural é
aqui tratada como alicerce da educação no meio rural e como
forma de elevação da produtividade, não acrescentando nada de
novo sobre a concepção do desenvolvimento rural que vá além
da ótica produtivista.
Diga-se de passagem, que o produtivismo é algo inerente
às teorias que buscam analisar o desenvolvimento rural,
defendendo o lócus de atraso do meio rural e da forma de
produção de seus atores principais (os agricultores).
Porém,
O desenvolvimento rural não pode ser
[também] entendido simplesmente como
crescimento agrícola e econômico. Deve
abranger uma perspectiva mais ampla no
sentido se atingiram metas no campo
social, com ênfase na distribuição
eqüitativa [produto e renda]. Entre essas
metas, deve-se perseguir a criação de mais
oportunidades de emprego, tanto na
fazenda como fora dela; o acesso mais
justo à terra arável; a distribuição mais
justa da renda rural; melhorias em saúde,
nutrição e habitação; e, finalmente, o maior
acesso a uma educação formal e informal
para adultos e crianças, os quais tenham
relevância direta para necessidades e
aspirações dos habitantes rurais (ILHA,
1993, p. 100).
Neste caso, há a possibilidade de elaboração de um plano
de desenvolvimento rural que concretize a criação de um
contingenciamento de programas e projetos que atendam às
demandas sociais no meio rural, não concentrando esforços em
realizar, apenas, os programas de desenvolvimento que criam
uma expansão da produtividade agrícola somente sobre a ótica
produtivista.
Conforme Schneider (2003, p. 4-5a), há uma preocupação
por parte dos estudiosos sobre o que significa desenvolvimento
rural. Para isso, o debate é distribuído em quatro elementos
preconizadores do entendimento sobre o desenvolvimento
rural:
i.
a erradicação da pobreza rural;
ii.
a questão da participação política
dos atores sociais e o seu protagonismo;
iii. o território como referência; e
iv.
a
preocupação
com
a
sustentabilidade ambiental (SCHNEIDER,
2003, p. 5b).
Schneider afirma que: ―[...] apesar de muito difundida e
utilizada, a noção de desenvolvimento rural continua a ser de
definição complexa e multifacetada, passível de ser abordada
por perspectivas teóricas as mais diversas‖ (SCHNEIDER,
2003, p.7a). Apesar deste fato listado por Schneider, o estudo
apresentado por ele conduz à definição de desenvolvimento
rural como ―processo que resulta das ações articuladas, que
visam induzir mudanças socioeconômicas e ambientais no
âmbito do espaço rural para melhorar a renda, a qualidade de
vida e o bem estar das populações rurais‖ (SCHNEIDER,
2003, 7b).
Dadas às especificações particulares do
espaço
rural,
determinadas
pelos
condicionantes sociais, econômicos, edafoclimáticos
e
tecnológicos,
o
desenvolvimento rural refere-se a um
processo evolutivo, interativo e hierárquico
quanto aos seus resultados, manifestandose nos termos dessa complexidade e
diversidade
no
plano
territorial
(SCHNEIDER, 2003, p.7c).
Dado que, no espaço rural, a complexidade dos
elementos internos (economia rural, sociedade, clima,
vegetação, relevo e tecnologia empregada) parece firmar-se
como um conjunto de manifestações socioeconômicas e físicas
do meio agrícola, as quais redefinem o próprio sentido de
construções dos territórios rurais. O conceito de
desenvolvimento rural deve levar em consideração a relação
entre o processo ―hierárquico e inter-atores‖ e os componentes
definidores do espaço rural (clima e estrutura socioeconômica)
e a forma de capitação da situação real do plano produtivo
territorial. O desenvolvimento rural deve levar em conta à
própria situação dos elementos internos dos territórios rurais e
o processo socioeconômico de construção destes, além da
relação natureza-agricultura.
Assim, há, também, a observância dos desafios ao
desenvolvimento rural. O desafio encontra-se na concretização
do encontro entre o eixo de simetria entre a teoria e a realidade
de construção eficiente de uma política sócio-territorial rural
eficiente. Isto também significa dizer que deve haver uma
conscientização dos teóricos acerca da difusão das definições
sobre o desenvolvimento territorial rural que sejam alternativas
viáveis ao conceito de desenvolvimento do meio rural
empreendido pela lógica produtivista. A partir dessa
necessidade de mudança no paradigma do desenvolvimento
rural, busca-se alçar uma nova forma de se pensar o dinamismo
territorial rural para o espaço e sociedade rural, priorizando
racionalmente os seus elementos territoriais, socioeconômicos e
regulatórios.
3 O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL EM
POÇO VERDE E EM SIMÃO DIAS: O CONTRAPONTO
ENTRE O CONTROLE CAPITALISTA E AS
ALTERNATIVAS SOCIAIS
O Desenvolvimento Rural está inserido dentro de um
contexto teórico puramente produtivista e condizente com a
proposta que norteia a busca por soluções de inclusão
tecnológica dentro do meio rural. Ademais, as propostas
teóricas alternativas29 que disputam a primazia de abrangência
sobre o espaço rural são substituídas pelas ações da lógica
produtivista, desviando o foco das políticas públicas agrícolas
29As
propostas alternativas à ótica produtivista são caracterizadas pelas novas
ações que enfatizam as sinergias sócio-ambientais no meio rural.
do campo sócio-ambiental para a constituição de um eficaz
controle do excedente sócio-espacial.
A partir da visão sobre a complexidade teórica-conceitual
do termo desenvolvimento rural e como esta proposta é usada
pela corrente teórica produtivista para legitimar a ação
capitalista no campo, redefinem-se os novos destinos
produtivos para o espaço rural através de uma série de medidas
e políticas públicas que não auxiliam na reversão do processo
de exclusão no meio rural e do efeitos nocivos ao meio
ambiente rural.
Para tal, busca-se compreender que a principal proposta
do produtivismo está no controle direto das políticas públicas
agrícolas. Desta forma, busca-se compreender a essência dos
territórios rurais através de sua conversão em via favorável para
criação valor expropriável pelos agentes do capitalismo (bancos
e empresas de insumos e implementos agrícolas).
A implementação de Políticas Públicas Agrícolas, através
de projetos eficientes de desenvolvimento territorial rural, pode
nutrir os elementos socioeconômicos e ambientais através da
―valorização dos recursos locais‖. Assim,
É necessário a implementação de políticas
que tenham como princípio a valorização
dos recursos locais, tanto humanos, através
da capacitação (formação e educação) dos
mesmos, como de base territorial.
Também é necessária uma maior
participação dos agentes envolvidos no
processo de superação de conflitos
sociopolíticos que tem dificultado a
implantação de práticas que promovam o
bem estar de todos (LOCATEL;
HESPANHOL, 2006, p. 7).
A possibilidade de ações ineficientes sobre o meio rural
permite que haja propostas de políticas públicas que
inviabilizem a lógica de sustentabilidade socioambiental. As
ações estatais impostas estão voltadas para efetuação de
atividades produtivas aliadas a abordagem do desenvolvimento
territorial rural produtivista, enfocando novas dinâmicas
propícias a agricultura química capitalista e desprezando o
processo de formação de renda autônoma nas comunidades
rurais e de preservação ambiental.
Neste caso, o desenvolvimento territorial rural nos
municípios sergipanos de Simão Dias e de Poço Verde abre
uma perspectiva sobre as transformações ocorridas na estrutura
produtiva agrícola territorial através da integralização dos
arranjos sócio-espaciais ao processo produtivo agrícola
capitalista. Para isso, o entendimento da permanência do
enfoque teórico-conceitual produtivista na elaboração de
propostas políticas e na dinâmica de territórios rurais nestes
municípios deve privilegiar o processo de acumulação do capital
por parte das empresas de insumos e implementos agrícolas.
Para implementar o desenvolvimento rural,
a partir de uma perspectiva territorial e
integral, é fundamental a criação de uma
nova institucionalidade, compreendida
como estruturas sociais,
instituições
públicas, regras, organizações, interesses e
motivação dos atores sociais inseridos em
uma realidade econômica e política, o que
constitui a essência do capital social. Para
tanto, a ciência, a tecnologia, os recursos
financeiros e humanos deverão ser
colocados à disposição, com base num
processo estruturado de planejamento
participativo, esclarecido e dinâmico, onde
a comunidade estabeleça suas metas e
defina as etapas do envolvimento dos
diversos setores e da população local
(LOCATEL; HESPANHOL, 2006, p. 8).
Para o processo de desenvolvimento territorial rural
implementado em Simão Dias e em Poço Verde, os efeitos do
arranjo espacial rural segue duas trajetórias, que se embatem no
decorrer da formação da lógica territorial agrícola: a defesa dos
interesses capitalistas no campo e a formação de um capital
social auto-sustentável. As trajetórias de defesa dos interesses
capitalistas seguem as primícias de não formação de um capital
social que produza autonomia financeira e tecnológica para as
comunidades rurais30.
Por conseguinte, a formação de um capital social rural
auto-sustentável constitui uma idéia central voltada para
reformulação institucional, ou melhor, para uma nova
institucionalidade que possa originar barreiras à expansão do
produtivismo no meio rural simãodiense e poçoverdense. Este
processo de autonomia do capital social inviabiliza a subsunção
da estrutura sócio-espacial por parte das empresas de
implementos e insumos agrícolas através das políticas públicas
sociais, do cooperativismo rural solidário e da educação no
campo.
Estas possibilidades de ações do Capital Social contra o
controle total do capitalismo, via ação estatal, busca reproduzir
coletivamente as dinâmicas políticas, econômicas e educativas
solidárias responsáveis por um ambiente produtivo autoregulável. As ações capitalistas perdem o efeito quando surgem
novas alternativas sociais, econômicas e produtivas no rural
relacionadas com os atrativos da solidariedade local que
promovem a valorização do saber e do uso tradicional da terra,
desprezando-se quaisquer interrupções da Modernização
Conservadora e estabelecendo uma sinergia mais consistente
entre os atores locais (os agricultores) com vista a melhorias das
condições de vida e de preservação do meio ambiente rural.
30Predispõem
aí o entendimento acerca da lógica dialética entre a formação
de capital social e a ação capitalista no meio rural.
Como se processa tal processo de subsunção capitalista
sobre o meio rural dos municípios de Simão Dias e Poço
Verde?
O indício principal do processo de subsunção capitalista
sobre o meio rural simãodiense e poçoverdense é caracterizado
pela presença de forças de pressão político-econômicas locais
que engendram projetos de desenvolvimento rural e territorial
baseados na manipulação da estrutura sócio-produtiva através
das atividades extensionistas. Qualquer inter-relação local
voltada para a formação de alternativas de geração de renda e
preservação ambiental é tratada como iniciativas não associadas
à necessidade de crescimento da produtividade rural.
As forças de pressão do capital são reforçadas pelos
próprios órgãos públicos locais (secretarias municipais de
agricultura dos dois municípios e órgãos governamentais de
extensão rural), bancos e organizações não-governamentais
(ongs). Por isso, a falta de foco nas reais necessidades dos
agricultores e na dinamização eficiente dos territórios rurais,
pelos projetos de Desenvolvimento Rural, em Simão Dias e em
Poço Verde, deixa perceptível a ineficiência dos órgãos
governamentais de extensão rural no tocante às especificidades
de cada território, não promovendo uma integração eficiente
das políticas com as características sociais, econômicas,
produtivas e ambientais intrínsecas ao meio rural.
Segundo Locatel e Hespanhol (2006, p.9a), quando se
pensa em desenvolvimento rural, a partir de uma abordagem
territorial, necessita-se elaborar mais pormenorizadamente as
―políticas estruturais‖31 que contém todo um instrumental
jurídico, financeiro e educacional, envolvendo a totalidade das
unidades de produção agrícola, observando as demandas
31As
―políticas estruturais‖ remontam a teoria keynesiana acerca da
dinamização dos setores da economia através do consumo dos atores
produtivos e de suas ações locais.
individuais dos agricultores locais e atentando para cada
categoria definidora dos territórios rurais32.
Aliás, toda proposta para o desenvolvimento territorial
rural está integrada a lógica de criação de atividades que
promovam a geração de renda, com aumentos de produtividade
autônoma e sustentável, a especialização produtiva eficiente
voltada para novos mercados, a prestação de serviços, a difusão
da agroindustrialização e o revigoramento do associativismo no
meio rural, convertendo estas ações em dinâmicas
anticapitalistas.
A incapacidade coletiva rural de deter o lobby das
empresas de insumos e implementos agrícolas demonstra que o
sucesso das iniciativas sociais sustentáveis ainda se mostra lento
em Simão Dias e Poço Verde. Por isso,
Sem que os próprios agricultores estejam
conscientes dos trunfos que o meio rural
pode oferecer a uma estratégia de
desenvolvimento baseada na formação de
tecidos territoriais densos e variados no
interior do país, será impossível a
superação do caráter até aqui burocrático e
autoritário (a famosa ―prefeiturização‖) de
que se revestem as tentativas de
descentralização das políticas públicas
(ABRAMOVAY, 2003, p. 94).
Concomitantemente, em Poço Verde e em Simão Dias, a
prefeiturização converte os projetos de desenvolvimento
territorial rural em meros programas de plataforma para elites
políticas que dominam estes municípios. Também, tal proposta
de políticas agrícolas para o meio rural simãodiense e
poçoverdense obedece a uma lógica de integração das elites
32As
características definidoras dos territórios são aquelas relacionadas com
as especificidades climáticas, sociais, produtivas, econômicas e físiconaturais.
políticas aos ditames capitalistas na região; além de atentar para
o favorecimento de alguns representantes de empresas
multinacionais através do ―apadrinhamento político local‖.
O que pode ser absorvido do modelo de
desenvolvimento territorial rural de Simão e de Poço Verde é a
incapacidade sinérgica local e a supremacia do lobby das
empresas produtoras de insumos e de implementos agrícolas. A
partir deste contexto, formam-se todos os instrumentais de
mando capitalista que deverão subordinar as ações propostas de
Políticas Públicas Agrícolas aos novos meios técnicos
capitalistas. Há o atrelamento das Políticas Públicas Agrícolas a
um conteúdo de desenvolvimento produtivista baseado na
obrigatoriedade de interconexão Estado-empresa no momento
da construção dos projetos produtivos territoriais.
4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS AGRÍCOLAS
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL
SIMÃO DIAS E EM POÇO VERDE
DE
EM
Conseqüentemente, o desenvolvimento territorial rural
conduz ao arranjo dos territórios rurais através da inserção da
lógica capitalista, oferecendo ao recorte local uma gama de
ações sócio-produtivas não condizentes com as características
reais meio rural simão-diense e poçoverdense.
O modelo de política de desenvolvimento territorial rural
em Simão Dias e em Poço Verde representa as transformações
econômicas, sociais, produtivas e ambientais que estabelecem
um cenário de expropriação de valor relacionada com a lógica
capitalista. A partir desta lógica, define-se uma nova dinâmica
construtiva do espaço através das novas ações e dos novos
objetos técnicos produzidos pelo capitalismo agrícola.
Assim, surgem algumas discussões acerca do papel da
ação estatal nas mudanças produtivas e na forma de utilização
do programa de crédito rural pelos gestores de políticas
agrícolas, quando estes utilizam os instrumentos financeiros
para dinamizar as vendas de produtos agrodefensivos.
5 O PAPEL DA AÇÃO DO ESTADO NAS MUDANÇAS
EMPREENDIDAS NO ESPAÇO AGRÁRIO EM SIMÃO
DIAS E EM POÇO VERDE.
As Políticas Públicas Agrícolas articuladas para
dinamização dos territórios rurais em Simão Dias e em Poço
Verde correspondem ao contexto de ocorrência do processo
nacional de implantação sobre o meio rural nordestino dos
aparatos produtivo-tecnológicos (insumos, tratores e
agrotóxicos) advindos da Modernização Conservadora
Capitalista.
Mesmo com a intencionalidade de uso das Políticas
Públicas Agrícolas para dinamizar a estrutura produtiva da
agricultura familiar tradicional, nota-se a existência de uma rede
de poder que corresponde aos interesses das elites locais e do
capital internacional. A própria estruturação das políticas deve
corresponder à demanda dos agentes externos (bancos e
empresas de produtos agrodefensivos). Isto reduz o poder de
decisão local das comunidades rurais e amplia os projetos de
desenvolvimento territorial rural que contradizem as
especificidades dos territórios rurais.
Desta forma, as políticas crédito rural passam a
representar o principal meio para a reversão de lucros para as
empresas produtoras de insumos e de implementos agrícolas.
Os programas de crédito rural devem se destinar a compra de
agrodefensivos e de sementes. Isto coloca os instrumentais de
crédito dentro da ―camisa de força‖ da promoção dos produtos
de valor agregado das multinacionais.
Conforme Delgado (1985, p, 43a), a inserção do Estado
revela a complexidade das políticas regulatórias que entremeiam
as relações socioeconômicas no meio rural. Neste caso,
É importante perceber como as esferas de
regulação estatal se tornam cada vez mais
onipresentes. Não tanto pelas novas
funções, o que poderia dar uma idéia
estática de funcionalidade do papel do
Estado, mas, e principalmente, pela
penetração por dentro da máquina do
Estado [do Capitalismo] (DELGADO,
1985, p.43b).
O Estado, particularmente, é o promotor das Políticas
Públicas Agrícolas, mas não há uma autonomia decisória em
relação à busca de ações que consigam minorar as forças de
pressão do capitalismo internacional. Há uma intensa
penetração de grupos de pressão capitalistas nas ―esferas de
regulação‖, produzindo uma nova gama de ações e objetos que
dinamizam incoerentemente os territórios rurais sem preciso
atentar para suas especificidades ou a heterogeneidade de
composição sócio-produtiva.
A presença do aparelho regulatório do Estado redefine
todas as ações locais e a démarche de reconstrução do espaço
rural local, atentando para a supremacia decisória dos grupos de
pressão. A atuação da lógica dos grupos de pressão capitalista
ocorre com a constituição de uma ―esfera normativa‖ (Delgado,
1985, p: 43a). A esfera normativa define o campo de atuação e
as estratégias a serem empreendidas nos territórios rurais. As
normas criadas orientam os policies markers (elaboradores de
políticas públicas agrícolas locais: prefeitos e representantes
sindicais rurais) na elaboração das propostas de políticas
voltadas às comunidades rurais e aos territórios. Revela-se que
esta esfera normativa deve trazer sempre embutida as
imposições capitalistas.
A prefeitura e os sindicatos de trabalhadores rurais
mantêm diálogos conflitantes na tentativa de buscar soluções
para os problemas sociais (pobreza e desemprego rural) e
ambientais nas comunidades de agricultores. O impasse é mais
uma estratégia de efetuação do projeto expropriador capitalista
para empreender um projeto de exploração das estruturas
produtivas agrícolas locais, desprezando a reversão da pobreza
e o atraso socioeconômico e a sustentabilidade ambiental e
produzindo uma ação baseada no financiamento reverso e
ações anti-sinérgicas.
No desencontro das estruturas de políticas de
modernização agrícolas com as especificidades sócioambientais, descobre-se que as ações políticas foram deliberadas
para a implantação de insumos e de tecnologia. Em Simão Dias
e Poço Verde a especialização agrícola e a introdução de novos
cultivares só, obstinadamente, atentam para as novas
necessidades de expansão das compras extra-setoriais e do uso
de novas técnicas baseadas na manipulação de produtos
agrodefensivos, garantido a reversão de lucros para
atravessadores, banqueiros e empresas.
O processo de modernização da agricultura simãodiense e
poçoverdense, desenvolvido pelas Políticas Públicas Agrícolas,
trouxe atrelado um fluxo de marginalização tecnológica e
técnica que desvincula o pequeno agricultor, num primeiro
instante, da capacidade de capitalizar-se; isto é, afastar o
produtor rural da condição mínima de reprodução social. No
segundo momento, para estender os instrumentais produtivos
idealizados para a lucratividade das empresas capitalistas
produtoras de insumos, os pequenos agricultores são forçados a
se modernizarem através dos endividamentos compulsórios
causados pelas políticas de crédito rural.
Para Delgado (1985, p. 97a), decorrentes das condições
técnicas exógenas33 que afetam o setor agrícola através da
introdução de implementos provenientes de ―pacotes
tecnológicos‖ transferidos para a agricultura através das
políticas agrícolas e do extensionismo rural, permite-se a criação
de projetos de desenvolvimento territorial rural pautada na
33As
condições técnicas exógenas estão relacionadas com os implementos
das ações modernizadoras desenvolvidas pela globalização tecnológica.
política de transformação da agricultura tradicional em
agricultura química capitalista.
Ademais, com estas políticas modernizantes, inicia-se a
difusão de tecnologia sobre as comunidades rurais em duas
etapas cruciais:
1.
Adaptação das inovações biológicas
a estratégias industriais das inovações
mecânicos e físico-químicos; e
2.
Estreita vinculação da adoção
tecnológica à política de crédito rural e aos
serviços
de
assistência
técnica
governamental (DELGADO, 1985, p.
97a).
Tanto em Simão Dias como em Poço Verde, a
introdução de colheitadeiras mecânicas, tratores e silos
(contêineres) climatizados são características presentes nas
etapas de implantação da modernização no meio rural. As
inovações biológicas estão centradas na propagação das
sementes geneticamente modificadas e uso de herbicidas e
fungicidas. Além disso, a introdução de novas variedades de
adubos químicos com alto potencial de potássio, fósforo e
nitrogênio artificiais possibilitam a racionalização e a
standardização do processo produtivo, substituindo os métodos
tradicionais de preparação solo e adubação natural pelos
agricultores por métodos artificiais e químicos de uso da terra.
As etapas descritas por Delgado (1985, p. 97b)
demonstram que o paradigma do produtivismo incorpora
novos usos instrumentais e materiais para inserir uma nova
forma de arranjo produtivo moderno nos territórios rurais,
pautando-se nas mudanças significativas nas estruturas social,
econômica e ambiental.
Resolve-se, pois, nutri as ações capitalistas com a
superação da forma produtiva agrícola tradicional. Assim que se
constrói uma política de marginalização da forma agrícola
tradicional, edificam-se novas propostas que, segundo os policies
makers, são mais eficientes para o aumento da produtividade.
A formação do produto social no território rural deve
relacionar-se com os interesses do capitalismo industrial, o qual
dispõe de um emaranhado de recursos técnicos que não
atentam às exigências ambientais e não estão destinados ao
processo de inclusão social no meio rural. Permite-se que os
territórios rurais sejam áreas de teste e de implantação de
produtos químicos.
Todavia, vê-se o propósito de observar o
desenvolvimento territorial rural dentro de propostas antisociais e anti-ambientais, edificando novas etapas de mudanças
técnicas no cenário territorial rural através do aumento da
presença nas esferas públicas das redes de poder capitalistas que
redirecionam o foco das ações públicas para as comunidades
rurais tradicionais de Simão Dias e de Poço Verde, objetivando
a criação de veículos técnicos para a venda e ganhos de lucros
das empresas capitalistas produtoras de insumos agrícolas. Daí
arquiteta-se as linhas centrais de entendimento do uso dos
programas de fomento da agricultura familiar e do crédito
agrícola para atender os objetivos maximizadores de lucros das
empresas multinacionais produtoras de insumos e de
implementos agrícolas.
6 O CRÉDITO RURAL E AS MUDANÇAS NO MODO DE
PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR
A política e o programa de crédito rural foram difundidos
em Simão Dias e em Poço Verde no início dos anos oitenta.
Esta fase corresponde à introdução dos empréstimos contidos a
juros de longo prazo para compra de máquinas, custeio agrícola
e seguro safra.
No caso do crédito rural tais recursos se destinavam à
produção de milho, feijão e pecuária. Tal processo de concessão
do crédito só era possível através de uma seleção de agricultores
que deveriam ter um perfil de produtor de alta escala, os quais
eram tidos como aceitáveis quanto à capacidade de liquidar o
endividamento a longo prazo nos bancos. Neste caso, o grande
agricultor disponha de crédito facilitado (sem burocracia) e
contrato de aval sem restrições devido à sua capacidade de
liquidar os débitos no final do decurso produtivo.
Entretanto, o principal dever do crédito rural era o
atendimento total às necessidades de suporte financeiro à
produção da agricultura familiar independente de seu porte
produtivo. Por isso,
o crédito rural é um dos mais importantes
instrumentos de incentivo à produção
agrícola, pois consegue potencializar
importantes mudanças qualitativas no
processo produtivo da atividade [agrícola].
Tanto foi justamente esse crédito, o
principal instrumento de política estatal
para a viabilização do novo modelo de
produção, resultante do processo de
modernização da agricultura (BUAINAIN
et al., 2002, p. 1b).
Isto estabelece a tentativa de empreender programas de
desenvolvimento territorial rural que garantam a maximização
da produtividade agrícola sem restrições ao aporte produtivo,
estabelecendo uma política de inclusão aos benefícios do
crédito rural.
Contudo, existe uma lógica contrária nas propostas
instituídas pelo programa de crédito rural que é representada
pela garantia de promoção do projeto de modernização
capitalista da agricultura através do uso compulsório de
insumos e implementos agrícolas, voltando-se para o paradigma
do produtivismo.
O crédito rural, na sua fase inicial implantação em Simão
Dias e em Poço Verde, corresponde à fonte de recursos que
amplamente servem à difusão da modernização capitalista
agrícola apenas para os grandes agricultores, os quais logram os
benefícios da oferta de recursos voltados à produção agrícola.
Esta situação perdura até meados dos anos noventa quando os
programas de crédito rural tentam atender a demanda de
agricultores de médio e pequeno porte. Estes são inseridos num
novo modelo de políticas de crédito rural que se destinavam a
estabelecer obrigatoriedades de compras compulsórias extrasetoriais34.
Mesmo assim, há um direcionamento do uso do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF) para a abrangência da modernização agrícola
capitalista sobre a base produtiva agrícola familiar de médio e
pequeno porte. O principal foco era gerar lucro para as
multinacionais implantando um sistema de crédito rural que
destruísse a autonomia da agricultura tradicional. Desta forma,
em Simão Dias e em Poço Verde, produziram-se novas formas
de ações pautadas na dinamização eficiente das cooperativas de
crédito rural e das políticas de Fundo de Aval, tratando estas
formas alternativas de dinamização coletiva como veículo ideal
para implantação do projeto de ações contra as restrições ao
crédito e ao dinamismo associativista das comunidades rurais.
7 O PRONAF, A CREATIVA E O FUNDO MUNICIPAL
DE AVAL EM SIMÃO DIAS E EM POÇO VERDE:
AÇÕES
VOLTADAS
AO
DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL RURAL COM REPOSTAS DIFERENTES
No início dos anos 1980, nos municípios de Simão Dias e
de Poço Verde, o crédito agrícola para custeio da produção era
destinado aos grandes agricultores. Sempre no início do mês de
março, os contratos passavam a ser firmados em cartório e com
34As
compras extra-setoriais estão relacionadas a aquisição de produtos
industrializados. No caso do setor agrícola, as compras abrangiam uma lista
de insumos e implementos agrícolas.
o próprio banco, sendo apresentada a escritura com a certidão
de aval, a assinatura de três avalistas e a proposta hipotecária do
grande proprietário rural. Tal custeio se caracterizava pela
modalidade de duração que poderia ser estendido, de acordo
com o contrato de concessão do empréstimo, para dois ou três
anos.
Os programas oficiais de crédito rural,
diante do reconhecimento da importância
de se disponibilizar recursos creditícios
para os produtores familiares e da
constatação do desempenho insatisfatório
dos bancos comerciais no que se refere a
essa atribuição - especialmente ao
financiamento da agricultura familiar-,
foram formulados de forma a romper com
o racionamento de crédito e assegurar
recursos a custos reduzidos e compatíveis
com a lógica produtiva das atividades
agropecuárias, particularmente daquelas
desenvolvidas pelos produtores familiares
[grande porte] (BUAINAIN et al., 2002,
p.2a).
Para Buainain et al. (2002, p.2b), compreendia-se o
contexto de implantação dos programas oficiais de crédito rural
através das adaptações às condições desses grandes produtores
agrícolas familiares as exigências normativas do financiamento
agrícola Neste caso, três instrumentos poderiam ser utilizados
para garantir o acesso dos agricultores familiares de grande
porte:
A oferta de recursos, assegurando
um fluxo autônomo de recursos para o
crédito rural por intermédio de
regulamentações e da destinação de fundos
públicos fiscais;
As taxas de juros, adotando uma
política de remuneração branda e com alto
percentual de subsídio; e
As condições de acesso, com
redução da burocracia relacionada aos
contratos de crédito e das garantidas
exigidas. (MDA, 2003)
Porém, de acordo com Schneider et al. (2004, p.21), a
criação do PRONAF representou, em meados da década de 90,
―o reconhecimento e a legitimação do Estado em relação às
especificidades de uma nova categoria social – os agricultores
familiares-, que até então era designada por termos como
pequenos produtores, produtores familiares, produtores de
baixa renda ou agricultores de subsistência‖.
Para Abramovay e Piketty (2005, p. 56), o PRONAF é
―uma exceção inovadora e indica um caminho para que a
distribuição de ativos (no caso, do crédito rural) seja uma das
bases do processo de crescimento econômico‖.
Apesar da utilidade do PRONAF como aparente
programa de inclusão do pequeno agricultor ao crédito rural, a
realidade explica que um número bem significativo dos
pequenos agricultores familiares encontrava-se desprovido das
vantagens ofertadas pelo programa nos municípios de Simão
Dias e Poço Verde. Porém seus critérios de atuação se
destinavam ao atendimento de toda comunidade rural carente,
mas, na realidade, a forma de acesso demonstrava o contrário:
para o acesso dos pequenos produtores rurais era necessária a
montagem de um grupo de dez pessoas. Assim, revela-se que o
PRONAF não se destinava ao atendimento do pequeno
agricultor de maneira individual, mas estabelece uma restrição
ao produtor através da dimensão de sua propriedade. Se a
propriedade do pequeno agricultor fosse menor que cem
hectares, exigir-se-ia que este produtor constituísse um grupo
de 10 agricultores para o pedido de empréstimos.
O critério de atuação do PRONAF estabelecia,
aparentemente, um perfil ideal de produtor agrícola familiar,
que deveria ser contemplado com o crédito rural do programa:
Em relação à delimitação do público alvo, o programa
atende especificamente os agricultores familiares, caracterizados
a partir dos seguintes critérios:
1)
Possuir, pelo menos, 80% da renda
familiar
originária
da
atividade
agropecuária;
2)
Deter ou explorar estabelecimento
com áreas de até quatro módulos fiscais
(ou até seis módulos quando a atividade do
estabelecimento for pecuária);
3)
Explorar a terra na condição de
proprietários, meeiro, parceiro
ou
arrendatário;
4)
Utilizar
mão-de-obra
exclusivamente familiar, podendo, no
entanto, manter até dois empregados
permanentes;
5)
Residir no imóvel ou aglomerado
rural ou urbano próximo;
6)
Possuir renda bruta familiar anual
de até R$ 60.000,00. (SCHNEIDER et al.,
2004, p.25)
Ainda é possível observar que, em Simão Dias e em Poço
Verde, a estrutura de rendimento per capita rural está
diretamente vinculada à pequena produção agrícola qualificada
como de baixo nível de renda-produto. Porém, a solução
encontrada pelo comitê gestor municipal35, sindicatos, MST e
Juventude Rural de Simão Dias e de Poço Verde é elaborar um
projeto alternativo que conceda à pequena agricultura familiar
35Neste
caso, destacam-se os Comitês Municipais de Desenvolvimento Rural
Sustentável.
local, além do apoio técnico, o apoio financeiro e a assessoria
de comercialização para os produtos agrícola obtidos na região
bem como o acesso aos mercados localizados em Sergipe e em
outros estados. Para tal fim, é fundada a Cooperativa de Crédito
Rural de Simão Dias, Poço Verde, Tobias Barreto e Pinhão
(CREATIVA), criando-se também um organismo nãogovernamental responsável em dar suporte aos projetos
empreendidos pela cooperativa: a Sociedade de Apoio SócioAmbientalista e Cultural (SASAC).
A CREATIVA conta com apoio e participação dos
organismos locais, entre os quais:
- A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do
Estado de Sergipe (FETASE);
- As Prefeituras Municipais de Simão Dias, Pinhão, Poço
Verde, Pinhão e Tobias Barreto;
- Os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Simão Dias,
Pinhão, Poço Verde, Pinhão e Tobias Barreto;
- O Grupo de Jovens de Pinhão, de Poço Verde, de
Tobias Barreto, Pinhão e de Simão Dias (Juventude Rural).
- A Rádio Tropical FM (Emissora de Rádio Regional).
A CREATIVA é a primeira cooperativa de crédito rural a
atuar no Estado de Sergipe, garantindo auxílio ao trabalhador
rural e ao pequeno e médio agricultor, desburocratizando o
acesso ao crédito rural e aos programas de desenvolvimento
territorial rural. O MDA coloca a CREATIVA como instituição
de ―Ação Organizativa‖36. Para isto, é elaborado um quadro de
ações e de agentes beneficiados pelos projetos de
desenvolvimento territorial rural e ambiental desempenhados
pela CREATIVA nos municípios atendidos. Algumas ações da
CREATIVA compreendem:
36A
―Ação Organizativa‖ constitui uma forma de sinergia entre atores
produtivos agrícolas (agricultores) e institucionais (prefeituras, bancos e
ongs).
 A Constituição de cooperativas de crédito rural (Poço
Verde, Simão Dias, Tobias Barreto e Pinhão) – 150 agricultores;
 A Crédito Fundiário – formação de grupos (Simão Dias,
Tobias Barreto, Pinhão e Poço Verde) – 45 agricultores
familiares;
 A Avaliação do mercado de terra (Sergipe);
 A Capacitação – 120 jovens rurais;
O volume de contratos de concessão de crédito rural em
Simão Dias e Poço Verde passam a está vinculado,
necessariamente, aos programas de ações deliberativas da
CREATIVA, da SESAC e dos organismos que apóiam o
programa de crédito rural (como prefeitura e sindicatos rurais
locais).
Os territórios rurais ainda não estão longe do paradigma
produtivista. Mesmo com as melhorias em termo de relações
sinérgicas entre agricultores e organismos sindicais, bancos e
órgãos públicos municipais, há ainda lacunas para serem
preenchidas nos projetos de desenvolvimento rural local nos
povoados, tais como a da criação das associações de Economia
Solidária Rural nos povoados.
Além de novas perspectivas e direcionamentos para a
CREATIVA há a dinamização de novas cooperativas como a
Cooperativa de Agricultura Familiar e Economia Solidária
(COOPERAFES) em Simão Dias e das cooperativas ligadas as
atividade pluriativas, entre elas, de artesanato.
Outra forma de ação voltada ao desenvolvimento
territorial rural anterior ao surgimento da CREATIVA, o
Fundo Municipal de Aval, ocorre no município de Poço Verde
como forma de favorecer o acesso do pequeno produtor rural
ao crédito rural, tendo na Prefeitura Municipal de Poço Verde
seu único avalista. O Fundo Municipal de Aval na cidade de
Poço Verde beneficia apenas um agricultor por família, sendo
que o principal critério de acesso era a certificação de posse de
uma área de até três hectares cultivados.
A partir do segundo ano, o programa estende-se à
participação de todas as famílias de agricultores independente
da dimensão de área cultivada. Estes são enquadrados nos
critérios do PRONAF através das normas de acesso do
programa do Fundo Municipal de Aval, ampliando assim a
concessão por área agricultável. O Fundo Municipal de Aval de
Poço Verde constitui-se em programa alternativo de
desenvolvimento territorial rural através do acesso de
agricultores poçoverdenses ao crédito rural independente de sua
capacidade produtiva.
A iniciativa da Prefeitura Municipal de Poço Verde
constituiu-se como programa de garantia de acesso direto do
agricultor familiar ao crédito rural reconhecida e premiada
nacionalmente. Através deste reconhecimento, o Fundo
Municipal de Aval passou a vigorar como ―Protocolo de
Cooperação Financeira celebrado entre o Banco do Brasil e
Prefeitura (Prefeitura Municipal de Poço Verde)‖, sendo
apoiados pelas Associações Comunitárias Rurais, MST e pelo
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Poço Verde; não sendo
assim um programa de crédito restritivo, mas um instrumental
de política pública local que facilitou o acesso direto dos
pequenos agricultores ao financiamento para as atividades de
custeio agrícola.
Nos anos em que vigorou em Poço Verde, 1997 a 2002, o
Fundo Municipal de Aval de Poço Verde tentou promover a
inclusão de pequenos agricultores familiares no programa de
Crédito Agrícola do PRONAF e Seguro Safra, garantindo
também o escoamento da produção agrícola da região através
de programas de comercialização direta e indireta.
O que mais intriga na experiência de Poço
Verde, em Sergipe, é a com que se propaga
para outros municípios. Os resultados,
segundo o relato dos que animaram a
experiência, são notáveis. Das 3.917
famílias com acesso a crédito de custeio
em Sergipe, em 1997, nada mais de 17.660
estão em Poço Verde (ABRAMOVAY;
VEIGA, 1999, p. 29a).
Com a criação do programa, o município de Poço Verde
consegue uma safra de 20 mil toneladas de milho, e 10 mil
toneladas de feijão, permitindo uma arrecadação de ICMS no
valor de um milhão e quatrocentos mil reais no ano inicial de
implantação do programa (1997). Estes indicadores positivos só
foram possíveis pelo acesso dos pequenos agricultores ao
crédito através do Fundo Municipal de Aval, desvinculando-os
dos problemas com agiotas locais e atravessadores de outros
estados. (ABRAMOVAY; VEIGA, 1999, p. 29b)
A priori, a partir de janeiro de 2002, o modelo de Fundo
Municipal de Aval do município de Poço Verde começa a
sofrer alguns entraves devido a vários fatores, entre eles estão:
- A inadimplência entre os agricultores;
- A prefeiturização (clientelismos públicos entre prefeitos e
grandes agricultores);
- O não cumprimento das exigências firmadas com os
bancos (dimensão das áreas e documentação);
O Modelo de Fundo Municipal de Aval poçoverdense
deixa de existir em março de 2002. Mesmo com tentativas
frustradas de revitalização do programa em 2003, a prefeitura
não conseguiu repetir os resultados dos anos promissores do
programa. No entanto, o modelo firma-se como alternativa de
projeto desenvolvimento territorial rural emblemático voltada à
geração de emprego e renda nas comunidades rurais carentes e
possibilita que alternativas semelhantes tais como associação
para crédito rural subsidiados pelas prefeituras possa existir em
âmbito local.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Desenvolvimento Territorial Rural em Simão Dias e
em Poço Verde promove um modelo de desenvolvimento rural
e local que atende aos requisitos do paradigma produtivista.
Desta forma, todos os programas e projetos empreendidos
objetivam o desempenho produtivo local. Não há, nesse caso,
uma forma para superar os entraves produtivos baseando-os no
enfoque socioeconômico solidário, isto é, não são necessários
estudos aprofundados para criação de programas eficientes de
combate à pobreza e à degradação ambiental no meio rural
simãodiense e poçoverdense. Este fato é motivado pela barreira
do ideário produtivista presente nas ações governamentais
sobre o Espaço Agrário.
Os projetos criados em Simão Dias e em Poço Verde não
se destinam a atender às especificidades locais no tocante aos
programas de independência financeira e sustentabilidade
ambiental nas comunidades rurais. Deve-se aprimorar apenas a
parte produtivista do sistema agrícola local. Desta forma, todas
as formas de integração local entre agricultores familiares não
produzem resultados eficientes destinados à promoção de
ganhos de conhecimento e independência financeira. O
contexto gerado apenas induz à visão de um projeto de
desenvolvimento local relativo à busca de inserção do Espaço
Agrário dos municípios sergipanos de Simão Dias e de Poço
Verde à lógica de ações que visem o ganho de lucro para o
capitalismo agrícola.
Portanto, as Políticas Públicas Agrícolas baseadas no
custeio agrícola, no acesso ao crédito rural e na promoção do
fortalecimento da agricultura familiar expõem as falácias das
políticas macroeconômica, macro-sociais e macro-ambientais,
não permitindo a percepção formal da compatibilidade
existente entre tais políticas agrícolas e a realidade
socioeconômica e física dos territórios rurais.
A solução será desenvolver um novo modelo de
desenvolvimento rural sem uma ótica produtivista. Neste caso,
os novos projetos deverão centrar esforços na formação de
sinergias locais e promoção da agrobiodiversidade. Estes novos
projetos poderão integrar o conhecimento tradicional do
agricultor familiar às novas técnicas de gestão participativa e
cooperativista solidárias, não desprezando o enfoque ambiental
como principal proposta de construção de novas articulações
produtivas agrícolas locais.
Algumas estratégias locais como a Cooperativa de Crédito
Rural e os Fundos de Aval Municipal são formas eficientes para
auxiliar o processo de formação de renda para o agricultor
familiar. Aliados a estas estratégias, tornam-se indispensáveis as
medidas de integração Estado-Comunidades Rurais,
priorizando a elaborações de projetos de desenvolvimento
territorial mais condizentes com a capacidade empreendedora e
inovativa do agricultor tradicional.
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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repensando o desenvolvimento rural. In: ABRAMOVAY,
Ricardo. O futuro das Regiões Rurais. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2003.
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Agricultura Familiar (PRONAF): resultados e limites da
experiência brasileira nos anos 90. In: Cadernos de Ciência e
Tecnologia, Brasília, v. 22, nº1, jan./abr., 2005.
ABRAMOVAY, Ricardo; VEIGA, José Eli da. Novas
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www.ipea.gov.br/pub/td/td_99/td_641.pdf. Acessado:
20/07/2007.
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PLANEJAMENTO AGRÍCOLA E
SUSTENTABILIDADE SÓCIOECONÔMICA
Marcelo Alves Mendes37
Josefa Eliane S. de Siqueira Pinto38
1 INTRODUÇÃO
O trabalho em estudo tem a finalidade de fazer um
acompanhamento das variações do ritmo climático (pluvial,
térmico, etc.) relacionando-os com o desenvolvimento agrícola
do município de Pão-de-Açúcar no Estado de Alagoas,
almejando subsidiar um melhor planejamento das atividades
humano-econômicas do município.
Entendemos conceitualmente o ritmo climático a partir
da proposta elaborada por Monteiro quando diz que:
o ritmo climático só poderá ser
compreendido através da representação
concomitante dos elementos fundamentais
do clima em unidades de tempo
cronológico
pelo
menos
diária,
compatíveis com a representação da
circulação atmosférica regional, geradora
dos estados atmosféricos que se sucedem e
constituem o fundamento do ritmo (1971,
p. 9).
De acordo com Monteiro, a escala de análise favorável
para o estudo do ritmo climático se dá no âmbito regional pelo
Prof° Mestre DGEI/UFS e doutorando pelo NPGEO/UFS. E-mail:
[email protected] .br
38 Profª Doutora DGE/UFS. E-mail: [email protected]
37
motivo de que a sucessão de tipos de tempo se expressa
geograficamente nesta escala.
A introdução da análise rítmica no contexto das
discussões científicas (Monteiro, 1971), possibilitou estudos
integrados de forma sistêmica entre os elementos do clima, com
o intuito de buscar respostas eficazes para dar explicações aos
fatos ocorridos na natureza. É nesse contexto que tentaremos
relacionar o rítmico climático através das variações anuais, por
meio dos elementos climáticos, com a agricultura, sobretudo,
com o crescimento dos cultivos e sua adequação.
Além da análise rítmica da pluviosidade, estudaremos as
conseqüências das variações da temperatura e suas repercussões
para o crescimento dos cultivos, pois ―todos os cultivos
possuem limites térmicos mínimos, ótimos e máximas para cada
um de seus estágios de crescimento‖ (AYOADE, 1998, p. 264).
O espaço geográfico do Nordeste e do Brasil encontra-se
caracterizado do ponto de vista natural, pela sua tropicalidade
em função de sua localização geográfica no globo terrestre.
Assim, é de fundamental importância o estudo detalhado do
clima através da análise rítmica, propiciando maior número de
informações a respeito do comportamento atmosférico,
favorecendo um melhor planejamento para as tomadas de
decisões nas esferas públicas e privadas de acordo com as
escalas de abrangência do poder local, regional ou nacional.
Entendemos que apesar dos avanços técnico-científicos,
o clima ainda é referência nas atividades agrícolas, pois afeta os
estágios de produção, incluindo a preparação da terra,
semeadura,
crescimento
dos
cultivos,
colheitas,
armazenamento, transporte e comercialização.
Ao se estudar o ritmo do clima em zona tropical, como é
o caso do município de Pão-de-Açúcar, localizado no centro-sul
do Estado de Alagoas, a pluviosidade é um dos elementos
climáticos mais variável e significativo para a comunidade que
tem suas atividades econômicas relacionadas com as condições
climáticas. Nesse contexto, Monteiro diz que,
Os tempos que atravessamos revelam
sensível irregularidade no ritmo climático
que, função dos nossos vínculos zonais e
regionais
a
quadros
climáticos
intertropicais, se evidencia, sobretudo, na
distribuição das chuvas (Op.cit. p. 1).
Apesar da pluviosidade exercer importância fundamental
para a análise rítmica e para a agricultura nas áreas tropicais, a
avaliação das condições médias de temperatura ocupa interesse
nas pesquisas climatológicas aplicadas ao mundo tropical,
principalmente quando relacionada à vegetação e sua
distribuição no tempo e no espaço.
A área em estudo está situada no sudoeste do Estado de
Alagoas, fronteira com o Estado de Sergipe, através do rio São
Francisco. Pertence a zona fisiográfica do Sertão do São
Francisco e sua sede municipal localiza-se na margem esquerda
do rio, servindo de referência para dar-lhe nome. Possui uma
população de 24.316 habitantes, com uma área de
aproximadamente 661,8 Km2. A sede municipal dista 240 Km
da capital. O município de Pão-de-Açúcar apresenta as
seguintes coordenadas geográficas: 9o44‘46‖ de latitude sul e
37o26‘03‖ de longitude oeste, com uma altitude registrada na
sede de dezenove metros.
Através do conhecimento da análise rítmica do clima, por
meio do comportamento das variáveis climáticas, e de outros
elementos como: cálculo do balanço hídrico, da variabilidade e
da tendência das condições climáticas, pode fazer um
diagnóstico das condições ambientais, justificando ou não, as
necessidades da intervenção do Estado através de políticas
públicas destinadas a amenizar os danos negativos decorrentes
das variáveis pluviométricas.
Portanto, o objetivo do presente trabalho é analisar o
comportamento do rítmico climático e suas relações com a
agricultura na espacialidade de Pão-de-Açúcar numa perspectiva
de contribuir para o desenvolvimento local.
Com isto segue algumas questões de pesquisa norteadoras
do trabalho constituindo a problematização base da presente
pesquisa, tais como:
 Qual o ritmo climático de Pão-de-Açúcar?
 Que relação climática existe entre os fenômenos de
escala local com os de escala global?
 As variações climáticas a curto, médio ou longo prazo
têm provocado mudanças nas atividades sócio-econômicas do
município?
 Quais as conseqüências ambientais e climáticas da
construção da hidroelétrica de Xingo e que mudanças foram
introduzidas na economia e nos hábitos da população?
 Qual a importância da agricultura para dinâmica
econômica do município?
 Qual a relação entre o clima e a agricultura municipal?
 Será que existe relação direta entre clima e distribuição
espacial das atividades agrícolas e pecuárias no município?
 Na estrutura agrária predomina a grande ou pequena
propriedade?
 É possível que exista alguma relação entre clima e
manipulação do poder político local ou regional?
 Enfim, qual a relação do ritmo climático e a organização
espacial do município de Pão-de-Açúcar?
Sendo assim, a partir da visão integrada dos elementos
naturais e sociais seguidas do levantamento bibliográfico,
podemos analisar o espaço geográfico e compreender a sua
dinâmica organizacional.
2 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS
Qualquer procedimento de análise pressupõe o
levantamento das informações disponíveis, quer referentes à
bibliografia que servirá como referencial teórico-metodológico,
quer à disponibilidade de dados, na busca de um diagnóstico
mais apropriado e eficiente das condições humano-ambientais
reinantes na área pesquisada. Assim, o trabalho foi
desenvolvido obedecendo as seguintes etapas:

Levantamento bibliográfico;

Leitura e fichamento do material selecionado;

Levantamento dos dados;

Pesquisa de campo;

Aplicação de questionário;

Tabulação dos dados;

Construção de gráficos e tabelas

Análise e redação.
O levantamento bibliográfico visou melhor compreender
a realidade empírica dos conteúdos, a fim de subsidiar na
interpretação da realidade do espaço em análise.
Com o intuito de aprofundar o conhecimento da área em
estudo foi desenvolvida uma pesquisa de campo, na qual foram
aplicados quarenta (40) questionários distribuídos espacialmente
em todo o município. Entendemos que a amostragem de
questionário é quantitativamente satisfatória, devido à dimensão
do municio (661,8 Km2) e ao reduzido número de povoados
(aproximadamente 25 povoados). Assim, cada questionário
representa, em média, 16 Km2, incluindo vazios demográficos.
Paralelamente, foi realizada entrevista com o secretário de
agricultura do município e com alguns trabalhadores locais.
Para realização deste trabalho também foram utilizados
dados do Instituto Nacional de Meteorologia – INMET, 3º
Distrito de Meteorologia – 3º DISME, Seção de Observação e
Meteorologia Aplicada – SEOMA, cujo posto de observação
localiza-se nas coordenadas geográficas 9º44‘46‖ de latitude sul
e 37º26‘03‖ de longitude oeste, com a finalidade de
compreender a dinâmica dos fenômenos atmosféricos, no
tempo e no espaço.
Os dados obtidos foram tabulados e posteriormente
confeccionados gráficos e tabelas com a finalidade de facilitar a
compreensão dos resultados obtidos a partir da pesquisa de
campo e de informações oficiais.
A partir dos dados do período de 1977-2003, que
perfazem 26 anos, elaborou-se gráfico de precipitação,
coeficiente de variação, assim como, foi elaborado o cálculo do
balanço hídrico utilizando o método de Thorntwaite & Mather
(Tubelis & Nascimento, 1984).
Os dados de área colhida, produção e produtividade,
produção de rebanhos dentre outras informações a respeito da
agropecuária foram fornecidos pela Secretaria de Agricultura e
Meio Ambiente – SEAMA, e adquiridos a partir da pesquisa de
campo com a aplicação de questionário e com entrevistas.
No tocante ao raciocínio desenvolvido no presente
trabalho, foi o dedutivo, pois partimos de uma análise geral dos
fenômenos atmosféricos e dos conceitos utilizados no decorrer
da pesquisa, para depois chegarmos a conclusões das
particularidades do espaço em foco.
[...] O raciocínio dedutivo é um raciocínio
cujo antecedente é constituído de
princípios
universais,
plenamente
inteligíveis; através dele se chega a um
conseqüente
menos
universal.
As
afirmações do antecedente são universais e
já previamente aceitas: e delas decorrerá,
de maneira lógica, necessária, a conclusão,
a afirmação do conseqüente. Deduzindose, passa-se das premissas à conclusão
(SEVERINO, 2000, p. 192).
Por fim, utilizou-se como base teórica na construção do
presente trabalho a noção de ritmo climático desenvolvida por
Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, pioneiro em tal
temática a partir dos anos 70 com a publicação: Análise Rítmica
em Climatologia (1971). No entanto, outros autores como
Zavatini, Mendonça, Tarifa, Pinto, Ayoade, Sant‘Anna Neto,
etc. foram fundamentais na realização do referido trabalho.
3 PLANEJAMENTO AGRÍCOLA
No tocante ao processo de implantação das atividades
agrícolas no território brasileiro percebe-se que há uma relação
existente entre o tipo de colonização empreendido e a expansão
do mercantilismo europeu do século XVI no qual objetiva
explorar as riquezas naturais das colônias e enviá-las para a
metrópole para alimentar o surgimento do sistema capitalista.
Nesse contexto, a agricultura desempenha um papel importante
no processo de formação das atividades econômicas e
conseqüentemente na própria formação do espaço territorial
brasileiro.
A ocupação das terras brasileiras se deu a partir da
implantação de plantations, no qual a agricultura visava atender
os interesses econômicos e estimulando o crescimento do
mercado exportador, contribuindo para a manutenção da
estrutura fundiária altamente concentradora. Neste contexto, os
cultivos de subsistência ficaram excluídos da pauta econômica,
possibilitando a exclusão das pessoas sem acesso a terra, a
renda e ao emprego, tendo como conseqüência um baixo
padrão de vida. Para Andrade, tal forma de ocupar o espaço
contribui para formação de uma sociedade concentradora de
terra e de renda.
As terras foram divididas em sesmarias
com dezenas de milhares de hectares que
se estendiam desde as proximidades do
litoral baiano até o sul do Piauí e do
Maranhão; o Oeste do Ceará, de
Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande
do Norte e do norte de Minas (1998. p.
225).
Apesar da modernização da agricultura brasileira, as
atividades agrícolas ainda convivem com técnicas rudimentares
que prejudicam o solo e a produtividade da agricultura, assim
como o próprio ambiente. Daí percebe-se a herança colonial
deixada na agricultura brasileira.
A partir dos anos 70 e 80 do século XX impulsionado
pela terceira Revolução Industrial, o espaço mundial tem se
reestruturado em ritmo intenso, propiciado pelos avanços
tecnológicos e pela integração dos países por meio da
globalização econômica. Tal progresso tecnológico tem sido o
carro-chefe no processo de expansão do sistema capitalista.
Nesse contexto, a agricultura como parte do processo não ficou
de fora, principalmente no que se refere à produção e ao
consumo. No entanto, a partir da inserção da agricultura na
competitividade do mundo capitalista, a conseqüência foi a
ampliação do desemprego e da fome em escala global, pois tal
modernização veio beneficiar o grande produtor
rural,
excluindo do processo de modernização o pequeno produtor
que não possuía capital e informação para se inserir nas
transformações agrícolas.
No Brasil, as mudanças constatadas no
espaço rural resultaram da política de
modernização, iniciada na década de 50,
cuja tônica principal foi a adoção de
medidas que vinculassem, de forma cada
vez mais estreita, o setor agrícola ao setor
urbano/industrial (PESSOA, 2000, p. 97).
A implantação de um planejamento agrícola seja na esfera
regional ou local, necessita do reconhecimento da área. Isto
implica no estudo para caracterização dos elementos físicos
como solo, relevo, vegetação, clima e outros, pois estes
representam o suporte para a implementação de qualquer
empreendimento rural. Neste sentido o conhecimento de
alguns aspectos climáticos tem favorecido significativamente ao
aumento da produtividade agrícola. Assim, busca a cada dia, o
conhecimento a respeito de tal assunto com o intuito de
diminuir os riscos de produtividade agrícola.
Na agricultura, a água se constitui um elemento
fundamental para o seu sucesso. Assim, a quantidade de água
precipitada durante o ciclo de exploração agrícola, o volume e a
quantidade de água armazenada pelo solo e possível de ser
aproveitada pelo cultivo, a influência direta e indireta da
temperatura são alguns dos elementos climáticos que motivam
a pesquisa relacionada às atividades agrícolas. Entretanto, um
dos estudos mais complexos nos estudos na área climática é a
sua variabilidade tanto espacial quanto temporal, nas diversas
escalas geográfica.
A água é o elemento mais importante para a
sobrevivência da vida no planeta. A vida, as atividades
realizadas pelos homens, a sua saúde, o seu bem estar, como
também o desenvolvimento e o progresso das regiões
dependem dos recursos hídricos. Para se ter idéia da sua
importância, a água também está presente nos vegetais,
constituindo uma média de 95% na formação do fruto. Já o
protoplasma dos animais contém cerca de 70% a 90% deste
líquido. Portanto, a água serve como regulador térmico, tendo
importância para a existência dos seres vivos.
No estudo das limitações climáticas quanto à utilização da
terra, o conhecimento das disponibilidades de água constitui um
dos elementos mais importantes a considerar, especificamente
em trabalhos ligados ao planejamento de recursos hídricos e a
agricultura.
O
desenvolvimento
da
sociedade
organizada e da agricultura sempre esteve
vinculado ao controle da água,
especialmente para a irrigação. Com os
avanços da tecnologia, o grau de
interferência aumentou assustadoramente;
poucos são os sistemas existentes de
drenagem inteiramente natural (Bastos e
Freitas Apud CUNHA E GUERRA, 1999,
p. 24).
Não é interessante para o desenvolvimento das atividades
agrícolas haver grande quantidade de água precipitada em uma
determinada região, se não houver uma distribuição no tempo e
no espaço, tendo em vista que o excesso é tão prejudicial
quanto a falta de água para a produtividade nas áreas rurais.
A obtenção dos recursos hídricos agregados ao uso dos
solos está relacionada direta ou indiretamente, às condições
climáticas. Sob esse ponto de vista, há o seguinte relato:
O clima e as variações climáticas exercem
influência sobre a sociedade. O impacto do
clima e das variações climáticas sobre a
sociedade pode ser positivo (benéfico ou
desejável) ou negativo (maléfico ou
indesejável). As sociedades têm muitas
vezes visto o clima basicamente como um
fator negativo e o têm negligenciado como
recurso. Contudo, o clima é tanto um fator
negativo, como recurso, dependendo do
tempo local e dos valores envolvidos nos
parâmetros climáticos (AYOADE, 1998,
p. 288).
Os fatores climáticos, também possuem importância
fundamental na distribuição dos seres vivos, principalmente no
que diz respeito a vegetação. Os limites, superior e inferior de
tolerância das plantas com relação à temperatura, luz, vento,
umidade e pluviosidade, são bem definidos para cada espécie.
Excesso ou ausência de qualquer um destes fatores resulta na
incapacitação para o desenvolvimento do ciclo vital: não há, por
exemplo, germinação, crescimento, floração ou frutificação
satisfatória. A grande biodiversidade dos trópicos deve-se
essencialmente aos fatores climáticos, onde há alta incidência
dos fatores anteriormente descritos.
Diante disso, percebemos a importância dos estudos
climáticos para se planejar coerentemente uma atividade
agrícola. Ou seja, devemos ter conhecimento do
comportamento têmporo-espacial dos elementos do clima, para
saber a viabilidade de investimentos. Mesmo com o avanço
tecnológico, tornam-se necessários estudos específicos, pois as
tecnologias têm o objetivo de gerar produtividade sem se
preocupar com a degradação e sem ter conhecimento se as
condições naturais são favoráveis ou não para receber o
progresso tecnológico.
4 ANÁLISE SÓCIOECONÔMICA
O estudo demográfico é importante para o
desenvolvimento da humanidade. Assim, é preciso conhecer o
total de habitantes que vivem na comunidade, seu ritmo de
crescimento, sua distribuição espacial, suas necessidades, seu
gênero de vida, bem como outros aspectos, para que se possam
elaborar projetos de desenvolvimento social e econômico para a
população.
Outrossim, serviu de base para a análise rítmica do clima
tal como proposto na essência, quando deve considerar todo o
contexto geográfico.
Partindo deste princípio, este item analisa dados sócioeconômicos de Pão-de-Açúcar, cujo intuito é diagnosticar o
quadro humano, ao mesmo tempo, que busca a integração com
os fenômenos de ordens naturais.
Assim, o município apresentou em 2003 uma população
absoluta de 24.316 habitantes, com uma área de
aproximadamente 661,8 Km2, tendo uma densidade
demográfica na ordem de 36,74 hab./Km2. A população
encontra-se má distribuída em seu território, havendo uma
maior concentração na sede do município e na margem do rio
São Francisco.
Tabela 01. Aspectos Gerais de Pão-De-Açúcar - AL
Ano
Unidade
Quantidade
Área Urbana
2003
Km2
05
Área Rural
2003
Km2
656,8
Área Total
2003
Km2
661,8
Distância da Sede à
2003
Km
248
capital
Pluviosidade Média
2003
mm
583
Povoado
1999
Unid.
25
Fonte: Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente (SEAMA), 2004
Percebe-se na tabela 01 que o território municipal é
constituído em sua grande maioria, 99,24% por áreas rurais,
refletindo a importância das atividades primárias na economia
local e conseqüentemente na fonte de renda e qualidade de vida
dos trabalhadores do município, o que ratifica a necessidade de
conhecimento de suas condições climáticas.
O percentual de população que reside em áreas rurais é
de aproximadamente 64,06% contra 35,94% de pessoas que
residem nas áreas urbanas, o que demonstra outrossim, a
necessidade de políticas públicas voltadas para os trabalhadores
do meio rural, objetivando sua permanência e reprodução de
forma humana. No que se refere a distribuição da população de
acordo com sexo, o município apresenta-se dentro da média
nacional (50,8% sexo feminino) com um percentual de 50,86%
da população constituído por mulheres, conforme tabela 02, de
dados referentes a 1999, publicados em 2000.
Tabela 02. Pão-de-Açúcar – AL: Aspectos Demográficos
Ano
Unid.
Pop.
Pop.
Urbana
Rural
População Total 1999
Hab.
8751
15600
Total
24351
População
1999
Hab.
3160
8805
11965
Masculina
População
1999
Hab.
2626
9760
12386
Feminina
Densidade
1999 Hab/km2
8,2
16,8
32,5
Demográfica
Taxa de
1999
%
0,5
12,5
32,5
Crescimento
Fonte: Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente (SEAMA), 2000
No trabalho de campo, foram aplicados 40 questionários
distribuídos espacialmente pelo município de Pão-de-Açúcar,
numa amostra selecionada dos entrevistados, 95% são casados,
apresentando uma média de idade de 45,57 anos e uma taxa de
fecundação de 5,35 filhos por mulher. A partir dessas
informações e de outras variáveis, constatou-se um baixo nível
de vida da comunidade, reflexo da falta de renda, educação e de
outros indicadores sociais como saúde, moradia, alimentação
dentre outros, numa conseqüência padrão de áreas comuns.
A partir da análise dos questionários constatou-se que
30% dos entrevistados apresentam famílias na faixa de 0 (zero)
a 2 (dois) filhos por casal, seguido do percentual de 12,5% das
famílias que tem 3 (três) a 4 (quatro) filhos, conforme dedução
dos dados na tabela 03.
Do ponto de vista educacional, 75% dos entrevistados
possuem apenas o 1º grau incompleto e 25% é composto por
agricultores analfabetos. A falta de informação é um dos
elementos responsável pelo êxodo rural, ou seja, pela saída do
homem do campo para a cidade tendo em vista, não terem
conseguido se adequar à nova realidade de agricultura brasileira
baseada na modernização do campo. Tais fatos contribuem
para ampliação de bairros pobres assim como para o
surgimento de favelas, aumento do número de desempregados,
dentre outros problemas sociais, como a falta de moradia,
saúde, lazer repercutindo na baixa qualidade de vida, nas áreas
urbanas.
Tabela 03. Pão-de-Açúcar – AL: Tamanho das Famílias
Tamanho da família
Número de famílias
%
0–2
12
30
3–4
5
12,5
5–6
9
22,5
7–8
4
10
9 – 10
7
17,5
+ 10
3
7,5
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
A realidade do campo confirma dados e teorias oficiais
vistos, por exemplo, na tabela seguinte.
Tabela 04. Pão-de-Açúcar – AL: Educação Municipal
Ano
7 a 11
12 a 17 Acima de
anos
anos
17 anos
Taxa de Evasão
2000
10,54
5,46
1,00
Taxa de Reprovação
2000
22,08
9,50
0,50
Taxa
de 2000
20,00
10,00
20,00
Analfabetismo
Fonte: Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente (SEAMA), 2000.
A taxa de evasão e o índice de reprovação são
considerados elevados repercutindo em uma acentuada taxa de
analfabetismo no município, fato este, que é mais um dos
elementos responsáveis pelo nível de subdesenvolvimento e
dependência da comunidade diante das pretensões políticas
com medidas paliativas ou assistencialistas.
Outra informação que caracteriza a realidade do
município, de acordo com o conhecimento empírico, é que a
maior parte da comunidade trabalha em propriedades
particulares (60%). Tal fato reflete a má distribuição da terra e
conseqüentemente da renda, tendo em vista que o município
apresenta uma elevada aptidão rural, com um destaque para as
atividades pecuárias. Assim, os cultivos priorizados em tais
propriedades são aqueles de período curto destinados ao
mercado interno e a sua própria subsistência, assim como da
família.
Um dos cultivos produzidos nas áreas onde a tecnologia
encontra-se presente por meio da irrigação e outras técnicas de
produção é a produção de melancia destinada ao abastecimento
das feiras livres das cidades circunvizinhas, gerando trabalho e
renda, conforme figura 01.
Figura 01. Produção de Melancia. Foto: Marcelo Alves Mendes
(2004).
A deficiência de informação aliada a falta de terra, 35%
dos trabalhadores pesquisados buscam outras atividades com o
intuito de complementar a renda familiar, assim como para
trabalhar nos períodos de estiagens prolongadas.
Como a comunidade produz em pequena escala, destinada ao
mercado local, tem-se que aproximadamente 75% dos
entrevistados não possuem mão-de-obra complementar, ou
seja, empregados para ajudar desenvolver as atividades
agrícolas. Tal fato pode ser evidenciado na tabela 05, conforme
informações colhidas a partir de aplicação de questionários.
Tabela 05. Pão-de-Açúcar – AL: Número de empregados por
propriedade
Nº Empregado
Proprietário
Porcentagem (%)
Não possui
30
75%
empregado
1–3
6
15%
4–6
3
7,5%
+6
1
2,5%
Fonte: Pesquisa de campo, 2004.
As informações demonstradas na tabela anterior
sinalizam que a atividade agrícola do município, uma das
principais fontes de renda, se caracteriza por apresentar baixo
nível tecnológico, falta de acompanhamento técnico e pequena
produtividade, refletindo no processo de subordinação do
agricultor diante dos interesses do capital. Uma parte da
produção dos cultivos destina-se a subsistência da família,
enquanto outra parcela é vendida na feira local com o intuito de
criar um excedente (capital) para adquirir os produtos não
produzidos. Ainda neste contexto, uma outra parte da
produtividade destina-se a produzir ração para alimentar os
animais, tais como: boi, galinha, porco, ovelhas dentre outros,
com a finalidade de obter uma reserva financeira para resolver
os eventuais problemas de saúde, moradia, alimentação, etc.
No que se refere ao armazenamento da produção,
conforme informação colhida na aplicação dos questionários,
25% possuem áreas propícias para estocagem da produção com
a finalidade de alimentar os animais nos longos períodos de
estiagens.
De maneira geral percebe-se que existe uma relação direta
entre os cultivos agrícolas e o conhecimento empírico do
agricultor, sobretudo, no que se refere à escolha do período de
plantio, os cultivos a serem plantados, o período de preparo da
terra, a época chuvosa, dentre outros conhecimentos adquiridos
a partir do seu cotidiano. Assim foi identificado que 95% dos
produtores informaram que o melhor período de plantio se dá
no trimestre abril-maio-junho, com um destaque para o mês de
maio eleito como o período mais favorável ao plantio de seus
produtos.
Daí intui-se o nível de dependência das condições
naturais (chuva) para o sucesso das atividades agrícolas do
município em foco, tendo em vista que apenas 20% dos
agricultores utilizam a técnica da irrigação em suas
propriedades. Nesse contexto, a maioria dos trabalhadores alega
a falta de condições econômicas o motivo de não irrigar suas
lavouras (Figura 02).
Figura 02. Produção de Maracujá e Mamão Irrigado. Foto: Marcelo
Alves Mendes (2004).
É oportuno mencionar que todas as áreas onde são
empregadas técnicas de irrigação em seus cultivos encontram-se
nas proximidades do leito do rio São Francisco, enquanto as
áreas mais distantes do leito possuem problemas, inclusive falta
de abastecimento para o consumo familiar.
Assim, constatou-se que os 20% dos agricultores
privilegiados pela técnica de irrigação, obtém resultados
promissores, pois consegue extrair de três a quatro colheitas
durante o ano, a depender do tipo de cultivo, enquanto os
produtores que dependem dos fenômenos naturais (chuva) para
obter êxito em sua safra, ficam a mercê do comportamento
atmosférico reinante na área resultando em baixa produtividade
agrícola, tendo apenas uma colheita por ano.
Como resultado da modernização agrícola e do manejo
inadequado solo, enfrenta-se atualmente desequilíbrios
ambientais. Não resta dúvida que qualquer atividade agrícola
favorece o processo erosivo, no entanto, algumas culturas
associadas a diferentes técnicas poderão provocar maior ou
menor grau de erosão e, conseqüentemente, empobrecimento
do solo, tendo como conseqüência a queda da produtividade.
De acordo com a tabela 06 pode-se perceber que de maneira
geral não são utilizadas técnicas que busquem a proteção do
solo e sua fertilidade natural.
Tabela 06. Pão-de-Açúcar – AL: Técnicas Agrícolas de Proteção ao
Solo
Técnica
Proprietário
Porcentagem (%)
Rotação de cultura
15
37,5%
Pousio
14
35%
Possui Trator
5
12,5%
Faz queimada
37
92,5%
Fonte: Pesquisa de campo, 2004.
Grande parte dos trabalhadores rurais do município, por
tradição, prepara a terra para o plantio usando técnicas
rudimentares como o uso de boi de arado, queimadas, enxadas,
foices e outros equipamentos que caracteriza o baixo nível de
modernização praticada na atividade agrícola.
Pode-se identificar na amostra, um elevado percentual de
agricultores que utiliza queimadas como técnica para o preparo
da terra agrícola. No entanto, tal prática possibilita um maior
desgaste e empobrecimento do solo, além de deixar o solo
descoberto de vegetação, tornando-se mais vulnerável aos
agentes erosivos, fotografado no trabalho de campo,
evidenciado na foto a seguir (Figura 03).
Figura 03. Solo sem Cobertura Vegetal.
Mendes (2004)
Foto: Marcelo Alves
A cobertura vegetal também tem importância direta na
produção de matéria orgânica das partículas constituintes do
solo. Além disso, as raízes podem ramificar-se no solo e, assim,
ajudar na formação de agregados.
[...] demonstrou que as práticas agrícolas,
além de reduzir a cobertura vegetal
permanente dos solos, podem tornar
certos solos mais sensíveis à erosão, pois a
diminuição do teor de matéria orgânica
reduz a resistência dos agregados ao
impacto das gotas de chuva (Morgan Apud
CUNHA & GUERRA, 1998, p. 163).
A mata é também o recurso natural que minimiza os
efeitos catastróficos das enxurradas, sem contar com a sua
participação na diminuição da taxa de erosão dos solos, pois a
cobertura vegetal serve de proteção ao primeiro contato da gota
de água precipitada no solo, evitando assim, a desagregação das
partículas. Além dessas contribuições, a vegetação faz com que
o escoamento superficial ocorra de forma difusa, propiciando
uma menor taxa erosiva, pois é sabido que o desgaste se dá com
maior intensidade no escoamento superficial concentrado.
No que tange ao acompanhamento técnico da
agropecuária do município de Pão-de-Açúcar, 87,5% disseram
que não há nenhum tipo de acompanhamento, seja, pela
iniciativa pública ou privada. Tal fato reflete-se na baixa
produtividade agrícola da localidade. Apenas um proprietário
informou que há acompanhamento técnico fornecido por parte
da EMATER-AL.
Talvez, pelo fato da agricultura do município depender
primordialmente das condições naturais como é o caso da
chuva, 67,5% dos entrevistados responderam que a atividade
mais rentável é a pecuária, enquanto que apenas 32,5%
disseram que a agricultura é mais lucrativa (Figura 04).
A respeito da importância do clima para os agricultores,
100% dos produtores responderam que o fator responsável pela
euforia, ou seja, pela sensação de bem-estar, de alegria do
trabalhador seria a chuva, pois ela traz melhores perspectivas de
vida para a população do campo. Por outro lado, 100%
afirmaram que a seca seria responsável pelo desânimo do
produtor do campo, gerando a miséria e fome.
Figura 04. Armazenamento de Água em Barragem. Foto: Marcelo
Alves Mendes (2004).
Com isso percebe-se a importância do estudo do clima
para a localidade pesquisada, pois as principais atividades
econômicas dependem das condições naturais, em especial a
chuva, para obtenção de êxito na produtividade e
conseqüentemente na renda.
Os meses de fevereiro e setembro são identificados como
os meses mais quentes do ano, sendo que 65% informaram que
1970 foi o ano mais seco que eles tem lembrança. Uma parcela
menor da população diz que o início da década de 80 foi o
período mais seco que eles já perceberam.
Com relação ao período mais chuvoso, a maior parcela
dos entrevistados respondeu que o início do século XXI foi o
período mais chuvoso, sobretudo, o ano de 2004. No entanto,
os elevados índices pluviométricos não trazem benefícios para a
comunidade devido a sua irregularidade, ou seja, em função da
má distribuição das chuvas no tempo e no espaço. A
concentração das chuvas tem provocado rompimento de
barragens, erosão do solo, enxurradas, morte de animais e
destruição de pontes que dão acesso a sede do município
desregulando a dinâmica econômico do município. Por outro
lado, não se pode esquecer, que a chuva é sinônimo de
esperança de melhoria do pequeno agricultor, pois a sua
sustentabilidade está relacionada ao comportamento
atmosférico (Figura 05).
Figura 05. Rompimento da Barragem. Foto: Marcelo Alves Mendes
(2004).
Formas de adaptação do pequeno produtor as condições
de estiagens, são produção de cultivos mais resistentes às
elevadas temperaturas e à falta de água como o caso da palma,
destinada alimentar os animais. Da mesma maneira são
construídos silos para armazenar a produção, que irá servir de
alimento durante o longo período sem chuva. Porém, essas
estratégias de sobrevivência e permanência do produtor na área
rural não refletem a realidade da totalidade dos trabalhadores,
pois a maior parcela deixa de cultivar os produtos agrícolas
durante todo o período de estiagem em função da falta de
capital para investir em técnicas agrícolas que contribuíssem
para mantê-los produzindo ao longo do ano. Tal fato
proporciona a saída de trabalhadores em direção a zona de
produção agrícola ou ainda buscam atividades alternativas como
meio de sobrevivência nas áreas urbanas como é o caso de
aproximadamente 30% da população que vive nas cidades.
Esse fato é refletido na falta de informação do produtor
no que se refere ao conhecimento técnico de produção. Neste
contexto, apenas 15% disseram conhecer algum órgão de apoio
ao pequeno produtor, cujos mais citados foram: Banco do
Nordeste, Emater, Visão Mundial (ONG) e Associação. Assim
constatou-se que a fragilidade da economia dos produtores se
passa pela falta de informação e incentivos repercutindo no
padrão de vida dos produtores e conseqüentemente da
comunidade.
Uma das perguntas presentes no questionário se reporta à
relação regime fluvial e atividade econômica desenvolvida na
comunidade. Assim perguntou-se se havia conhecimento de
alguma relação entre a construção da hidrelétrica de Xingó e as
atividades econômicas da localidade. Na totalidade dos
entrevistados 20% responderam perceber as mudanças
ocorridas no município após a construção da usina hidrelétrica.
Tal percentual é aparentemente pouco significativo, no
entanto, 100% dos que disseram perceber as mudanças sócioeconômicas identificaram as atividades ligadas à rizicultura e a
piscicultura, as mais prejudicadas diante dessa modernização
conservadora, refletindo no padrão de vida e conseqüentemente
alimentar da população. O percentual de entrevistados ditos
perceber as mudanças, residem na margem ou próxima do rio
São Francisco.
Relacionado a estrutura fundiária do município identificase quantitativamente o predomínio das pequenas propriedades
rurais com até dez hectares. No entanto, as grandes
propriedades rurais com mais 500 hectares, apesar ser minoria
quantitativamente, abrange uma área maior que das pequenas
propriedades refletindo na concentração da terra e da renda no
município de Pão-de-Açúcar. Tal realidade não é exclusiva de
Pão-de-Açúcar, é reflexo da estrutura brasileira e, sobretudo,
alagoana. A principal atividade pecuária é a criação de gado
bovino seguido pela criação de galinhas e pela criação de
caprinos, fonte de renda para a população que reside no meio
rural.
Uma das principais fontes de renda do município é a
lavoura onde despontam as plantações de arroz, algodão, feijão,
milho e mandioca. Seus excedentes são vendidos para os
municípios circunvizinhos e outros municípios da região. Nos
últimos anos têm-se notado o declínio da produtividade agrícola
do município e conseqüentemente uma perda no padrão
alimentar da população. A pecuária está em ritmo crescente,
destacando-se as criações de gado Gir e Holandês.
5 PARÂMETROS CLIMÁTICOS DE PÃO DE AÇÚCAR
As irregularidades pluviométricas se expressam por secas
ou por excesso de água, afetam diretamente a produção e
produtividade da agricultura, repercutindo nos rendimentos das
culturas e conseqüentemente no sucesso ou insucesso do
agricultor. Daí a necessidade de conhecer a importância dos
estudos climáticos, no que tange a distribuição, intensidade e
freqüência, como subsídios para as atividades vinculadas aos
elementos climáticos.
Com o intuito de estabelecer uma análise dos eventos
climáticos do município de Pão-de-Açúcar-AL, foi levantada
informação climática referente ao período de 1977-2003,
correspondente a vinte e seis anos de dados, como forma de
subsidiar o estudo do trabalho em foco.
Informamos que este período de análise foi estabelecido a
partir de levantamento prévio da estação pluviométrica do
município, a fim de referendar a análise climática, pois há
necessidade de informações de superfície. Apesar da estação ter
entrado em funcionamento em 1975, havia muitas falhas na
base de seus dados. O período de análise se encerrou em 2003,
pois representou o marco inicial da coleta.
Inicialmente efetivou-se uma análise morfológica dos
elementos climáticos, calculando-se a média anual e total dos
anos observados. Foram calculados desvio padrão e coeficiente
de variação, como referência descritiva do estado atmosférico
de um espaço municipal, tendo como foco a área no entorno da
estação meteorológica.
Foram acrescentados cálculos dos índices das médias
trimestrais
e
mensais,
objetivando
demonstrar
o
comportamento cronológico interanual, ressaltando o período
de maior ou menor irregularidade climática, contribuindo para o
conhecimento do período de maior grau de vulnerabilidade do
município e conseqüentemente para o planejamento racional de
sua agricultura.
A partir das informações contidas na tabela abaixo (tabela
07), identifica-se o trimestre de abril/maio/junho como mais
chuvoso, com precipitação média de 79,54 mm, correspondente
a 39,31% da chuva anual do período analisado. Por outro lado,
o trimestre outubro/novembro/dezembro foi caracterizado
como o menos chuvoso, apresentando média de 26,36 mm,
correspondente a 13,02% da precipitação anual. Tal fato não
difere de outras localidades nordestinas do Brasil.
Tabela 07. Pão – de –Açúcar – AL: Médias Mensais/ Trimestrais do
Período 1977 – 2003.
Jan
Fev
36,
42
34,
09
40,76
20,14%
Ma
r
51,
79
Abr
62,
10
Meses/Precipitação (mm)
Mai Jun Jul
Ag
87, 89,
08
46
79,54
39,31%
91,
52
Set
48, 26,
89
6
55,67
27,51%
Organização: Marcelo Alves Mendes, 2005.
O
ut
27,
6
No De
v
z
22, 29,
09
40
26,36
13,02%
No período observado, constatou-se que o mês mais
chuvoso em média foi o mês de julho com 91,52mm, que
relativamente representa 15,07% da pluviosidade anual do
município, não muito mais chuvoso que os dois meses
antecedentes. O mês mais seco, em média, foi o mês de
novembro com 22,09 mm, representando relativamente 3,63%
da média anual, tal qual ocorre em territórios vizinhos.
A partir do cálculo da precipitação anual ocorrida no
município de Pão de Açúcar-AL, obteve-se uma média
pluviométrica anual de 583,31mm, considerada baixa por se
inserir na faixa tropical, porém, razoável tomando como
referência o índice pluviométrico das áreas de clima semi-árido.
Ao longo desse tempo, detectou-se que 1977 foi o ano
mais chuvoso, com uma média pluviométrica de 982,3mm, e o
ano de 1998 foi identificado como o menos chuvoso com uma
média pluviométrica de 269,9mm. É mister desconsiderar estes
extremos, tomando como referência a média anual dos totais,
tornando mais significativa a variabilidade pluvial.
O total pluviométrico anual ou a média ao longo de um
período não oferece confiabilidade quanto à regularidade
pluviométrica. A precipitação é mais variável nas áreas secas e
subúmidas, onde tem mais repercussão sócio-econômica,
especialmente na agricultura.
Por conseguinte, a compreensão das mudanças climáticas,
o acompanhamento de eventos críticos de secas e veranicos e a
análise da variabilidade pode ser empreendida pela observação
dos gráficos de variabilidade, através dos desvios, negativos e
positivos, reforçando ou negando os resultados encontrados no
cálculo do desvio padrão (variabilidade absoluta) e do
coeficiente de variação (variabilidade relativa).
É a partir do estudo da variabilidade relativa pelo
coeficiente de variação, que se pode, tomar medidas preventivas
no que se refere ao melhor aproveitamento da precipitação e
das atividades relacionadas com a chuva. Tal estudo é
importante para o município por estar localizado em área de
elevada variabilidade, pois de acordo com Ayoade (1998) nas
áreas tropicais a variabilidade tende a ser mais elevada do que
nas zonas temperadas e quanto menos variável é a precipitação
pluvial, maior será a confiabilidade no planejamento das
atividades ligadas a tal fenômeno.
Para Alfonsi (2000, p. 214),
A grande variabilidade dos elementos
meteorológicas, no tempo e no espaço,
aumenta
a
necessidade
do
desenvolvimento de modelos matemáticos
na definição das condições climáticas em
todo o mundo e de suas interações com os
organismos vivos.
No que se refere a precipitação pluvial em escala mundial,
Ayoade (1998, p. 164) escreve que há uma maior concentração
na zona equatorial com destaque para as superfícies oceânicas.
O volume de precipitação diminui na direção das zonas polares.
No entanto, tal distribuição é complexa, pois fatores como
topografia (direção e alinhamento), continentalidade, ventos,
massas de ar, além da latitude, influenciam na espacialização dos
efeitos radioativos sobre o comportamento climático global.
A zona equatorial é caracterizada por apresentar elevado
índice pluviométrico, enquanto na zona tropical a característica
é a irregularidade pluvial no tempo e no espaço. Tal
irregularidade torna-se um fator negativo para as atividades
agropecuárias e humanas de modo geral, pois nas áreas rurais
gera escassez ou excesso de precipitação afetando a agricultura
e a pecuária. Nas áreas urbanas há problemas com a
concentração de chuvas, gerando enchentes, deslizamentos,
desmoronamento, desabrigados e doenças que se disseminam
com facilidade para a população, afetando a qualidade de vida.
Nesse contexto, escreve que,
[...] a distribuição sazonal da precipitação é
tão importante quanto o volume total,
tanto nas áreas tropicais com nas
extratropicais. [...] As épocas do início,
duração e término da estação chuvosa
controlam as atividades agrícolas nos
trópicos. (Op. Cit. 1998, p. 167).
O município de Pão-de-Açúcar está localizado em torno
da latitude 9o44‘46‖ sul do Equador apresentando clima semiárido, caracterizado por elevada taxa de evaporação, pouca
precipitação, gerando déficit hídrico, ou seja, falta de
reservatório hídrico para sustentar o crescimento da vegetação.
Em tal clima, além de haver pouca precipitação, é muito
irregular. Da mesma forma, há uma forte inconstância nas
condições térmicas anual e diurna.
Em sua extensão territorial, não há registros de azares
naturais do tipo geada, granizo, nevoeiros, nevascas, tornados
nem furacões. Reconhecem-se as secas, enchentes e
tempestades de verão, com relâmpagos e trovões. Sua
topografia é relativamente plana, com relevo suave, não sendo
propício a avalanches ou desabamentos, quando da ocorrência
de impactos pluviais concentrados.
6 CONCLUSÃO
Considerando que a produção do espaço se dá a partir de
momentos diversificados da relação que se estabelece entre a
sociedade e a natureza, o conhecimento da dinâmica
atmosférica torna-se significativo, em especial para algumas
atividades econômicas. No caso específico da agricultura
dependente de condições naturais, tal conhecimento se faz
importante, tendo em vista que a partir dele, é possível a
identificação de períodos chuvosos e secos, frios e quentes,
possibilitando elaborar um planejamento mais eficiente para o
desenvolvimento das atividades agrícolas.
As mudanças ocorridas no leito do rio São Francisco, por
meio dos avanços tecnológicos, provocaram alteração nas
atividades econômicas do município de Pão de Açúcar,
especificamente nas atividades que se relacionam diretamente
com o regime hídrico, evidenciando-se na rizicultura e
piscicultura.
É importante que o poder público, no seu planejamento,
leve em consideração a ocorrência dos fenômenos naturais,
tendo em vista que a execução das atividades ocorre no meio
natural e que a maior parcela da população do município reside
em áreas rurais, desenvolvendo atividades que dependem
diretamente das adversidades das condições ambientais,
distantes dos avanços tecnológicos e de conhecimentos
científicos.
De forma geral, o município apresenta indicadores sociais
não favoráveis ao seu desenvolvimento, tendo em vista,
apresentar um elevado percentual de pessoas semi-analfabetas,
elevado número de filhos, deficiência de informações, dentre
outros fatores que funcionam como entraves para o
crescimento sócio-econômico.
No entanto, há falta de interesse do poder público
municipal, reflexo de instâncias superiores, de desenvolver
políticas que busquem priorizar definitivamente os pequenos
produtores e suas atividades. Nas áreas que se identificou a
presença de implementos tecnológicos, como é o caso da
agricultura irrigada, o resultado das atividades desenvolvidas foi
considerado satisfatório pelo produtor, repercutindo numa
melhor qualidade de vida.
Por outro lado, a falta de investimento e informação são
fatores que tornam a população dos municípios, em sua
maioria, dependentes dos fenômenos naturais. Tal situação
deixa as pessoas vulneráveis aos mecanismos de controle
desencadeados pelo sistema político municipal, fazendo-as
perder sua autonomia e dignidade diante da situação precária e
dependente. Tal fato é recorrente em Pão de Açúcar por
questões culturais próprias das áreas nordestinas brasileiras em
geral.
O poder público municipal aliado a esferas superiores
poderão desenvolver estratégias para os produtores rurais
conviverem em meio as adversidades climáticas, sobretudo, em
relação as estiagens prolongadas e a variabilidade pluviométrica
constatada. Assim, há necessidade de elaborar estudos
integrados com órgãos de pesquisa a fim de produzir projetos
consistentes que desenvolvam condições favoráveis para o êxito
das atividades municipais.
A título de sugestão, poder-se-ia incentivar o cultivo de
plantas de ciclos curtos, a produção de cultivos resistentes a
elevadas temperaturas e pouca umidade, assim como, criar
moderna cooperativa agrícola com a finalidade de subsidiar
com ferramentas e informações técnicas os produtores da
região, acompanhando as tendências de mercado e
sustentabilidade econômica.
O coeficiente de variação do município (31,37%) é
considerado acima da média regular (30%) demonstrando
irregularidade no comportamento pluvial do município. O
balanço hídrico calculado também atesta a necessidade de uma
política agrícola, considerando as condições climáticas como
um todo, para que a atividade agrícola possa ser planejada com
segurança, e que posteriormente venha a ser investido recurso
para o seu desenvolvimento.
O município é caracterizado por apresentar deficiência
hídrica em quase todos os meses do ano, com índices negativos.
O mês de julho tem uma característica peculiar, como o único
mês que não apresentou índice negativo, mas, não se constitui
em excedente hídrico, se caracterizando no ótimo agrícola,
quando há equilíbrio entre a evapotranspiração potencial e a
pluviosidade, situação ideal para manter uma área vegetada
sempre verde e túrgida.
A irregularidade pluviométrica do município sinaliza a
necessidade de implantação de projetos de irrigação como
solução de parte dos problemas enfrentados pela seca e pelo
sistema político que fazem da seca uma fonte de renda e
trampolim para reeleição. No entanto, tal política de irrigação
deverá vir com acompanhamento técnico e com mecanismo
que integre o produtor e a produtividade ao mercado
consumidor.
Os indicadores de elevada variabilidade pluvial
constituem
problemas,
pois
indicam
instabilidade,
imprevisibilidade, irregularidade, no decorrer dos anos,
resultando em enchentes em uns anos, e desabastecimento em
outros, tendo como conseqüência, calamidades e miséria para a
população.
Pode-se concluir, que deveria haver incentivos às políticas
públicas para o município, sobretudo, no que tange a irrigação
das áreas semi-áridas tendo em vista que é do conhecimento de
todos que no sertão são registradas as maiores irregularidades
pluviométricas do Estado de Alagoas.
Portanto, a má distribuição pluviométrica do sertão
alagoano, justifica a implantação de projetos de irrigação, como
solução de parte dos problemas enfrentados pela seca e pelos
políticos que fazem da seca, um indústria. Nesse contexto,
sabe-se que o problema da deficiência hídrica das áreas semiáridas do Estado e do Nordeste, não é a causa da fome e da
miséria absoluta que acarreta todos os anos a população de
baixa renda.
Os resultados obtidos centrados no elemento peculiar do
clima, a chuva, fator influenciador da produtividade agrícola,
demonstrou que o município não possui potencialidade
climática para a prática agrícola, necessitando de subsídios para
o desenvolvimento de tais atividades.
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AGRICULTURA IRRIGADA, DESERTIFICAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO: Uma Analise das
Repercussões Geoambientais das Áreas Irrigadas
Públicas de Juazeiro-Ba
Marlene R. Souza Felicio39
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo busca analisar o papel da agricultura
irrigada no desenvolvimento do município de Juazeiro e as
repercussões geoambientais que essa atividade econômica
provoca nas áreas produtoras. Para o desenvolvimento do
mesmo, necessário se faz debruçar em algumas reflexões
teóricas sobre o processo de modernização da agricultura
brasileira e as concepções das políticas públicas que
fomentaram a implantação da irrigação em toda região
Nordeste, bem como o rebatimento territorial das mesmas.
Em Juazeiro a agricultura irrigada tem se apresentado
como uma atividade econômica viável e relevante dado as
características geoambientais, que jamais seria possível pelo
sistema convencional (sequeiro). Devido a essa atividade, a
região foi inserida no circuito comercial internacional
destacando-se pelo seu alto grau de ―modernização‖ do
Nordeste brasileiro e gerando um ―pólo de desenvolvimento‖
como é apresentado no discurso estatal. Mas é claro que esse
―boom‖ econômico, via fruticultura irrigada não se deu de
forma eqüitativa e homogênea no espaço em questão, havendo
39
Professora de geografia, mestre em Ciências Agrárias –
Desenvolvimento Rural e doutoranda em geografia pelo Núcleo de PósGraduação em Geografia – UFS.
[email protected]
repercussões socioterritorial e ambiental perversas e com alto
custo para o conjunto de toda a sociedade, sobretudo pelas
alterações decorrentes do uso intensivo dos insumos, técnicas e
semoventes que fazem parte dos itens que compõe o ―pacote
tecnológico‖ para o setor agrícola.
Na abordagem desse estudo são elencadas algumas
considerações teóricas sobre a agricultura irrigação e a
desertificação. Essa analise se faz necessária por se constituir a
atividade agrícola irrigada contradições de natureza ambiental,
social, territorial, etc. e por apresentar a mesmo tempo, uma
questão de viabilidade econômica para o desenvolvimento de
Juazeiro. No percurso discute-se a representatividade e
relevância da agricultura irrigada o município, que provocou
uma intensa dinâmica econômica e colocando o mesmo entre
os cinco maiores produtores agrícola do estado com significante
participação no valor agregado no PIB agropecuário baiano,
repercutindo
assim
com
crescentes
transformações
socioespaciais.
Para elaboração do estudo foi necessário um
levantamento literário sobre a temática, analise das categorias
abordadas, bem como uma sutil empiricização do espaço em
foco.
2 MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA: Gênese da
Agricultura Irrigada
Atualmente é comum referir-se a modernização da
agricultura como sinônimo de semoventes, sementes
selecionadas, fertilizantes, defensivos agrícolas, informações
técnicas, etc. Sabe-se que todos esses componentes são parte
integrante do processo de modernização que são agregadas aos
avanços das relações de produção que tem um peso
significativo no circuito modernizante da agricultura. Embora
existam no meio acadêmico/cientifico autores, que consideram
a modernização a partir do ângulo das transformações técnicas,
ou seja, que faz o uso intensivo de máquinas, técnicas e
insumos químicos que resultam no aumento em curto prazo
dos rendimentos da produção. Nessas condições, a
modernização da agricultura significaria a mecanização e
tecnificação agrícola, como uma das inovações tecnológicas
aplicadas ao setor.
Por outro lado, outros estudiosos que consideram a
modernização como transformações de todo o processo
produtivo, desde as modificações técnicas, mecânicas,
informacionais e o avanço das relações sociais que venha
superar as estruturas tradicionais de produção. O certo é que a
modernização da gricultura teve sua gênese no seio das
transformações que o capitalismo provocou no campo que
tendeu a aumentar a utilização de insumos, equipamentos,
maior utilização trabalho assalariado e uso intensivo do solo.
Nessas condições, a estratégia do capital é controlar e
subordinar intensivamente a produção agropecuária a sua
reprodução.
O paradigma modernizador tem em sua essência uma
carga ideológica composta por aspectos altamente favorável a
expansão do processo.
A esse respeito ALMEIDA (1997, p.39) declara que a
modernização está incorporada de elementos ou noções ao
afirmar que:
[...] a) a noção de crescimento(ou de fim da
estagnação e do atraso), ou seja, a idéia de
desenvolvimento econômico e político; b)
a noção de abertura (ou do fim da
autonomia) técnica, econômica e cultural,
com o conseqüente aumento da
heteronomia; c) a noção de especialização
(ou o fim da polivalência, associado ao
triplo movimento de especialização da
produção, da dependência à montante e à
jusante da à produção agrícola e a inter-
relação com a sociedade global; e d) o
aparecimento de um tipo de agricultor
individualista, competitivo e questionando
a concepção orgânica de vida social da
mentalidade tradicional.
As transformações capitalistas no campo via
modernização da agricultura, em geral busca a elevação da
produtividade do trabalho e maximização dos rendimentos
(físicos e monetários), demandando insumos da indústria para a
agricultura que já está subordinado a sua lógica. A esse respeito
afirma SILVA (1996, p.14):
O desenvolvimento das relações de
produção capitalistas no campo se faz
―industrializando‖ a própria agricultura.
Essa industrialização da agricultura é
exatamente o que se chama comumente de
―penetração‖ ou ―desenvolvimento do
capitalismo no campo.
Assim, dentro do quadro da modernização processada no
meio rural segue uma tendência a beneficiar no setor, apenas
certos produtos e certas categorias de produtores, abrindo com
isso mercado de consumo para as indústrias de semoventes,
insumos agrícolas e estabelecendo um novo uso agrícola do
território
no
período
técnico-cientifico-informacional
(SANTOS e SILVEIRA, 2005).
Com as inovações tecnológicas e organizacionais, e a
disponibilidade de modernos equipamentos agrícolas, a
agricultura passa a ter certa independência das condições
ambientais e a responder com mais eficiência as demandas
mercadológicas. Assim, dentro dessa lógica capitalista de
subordinação cada vez maior da agricultura à indústria,
emergem também as contradições inerentes ao esse processo.
Para OLIVEIRA (1994, p.13):
A industrialização da agricultura revela
assim o que o capitalismo está
contraditoriamente unificando o que ele
separou no inicio do seu desenvolvimento:
indústria e agricultura. Esta unificação está
sendo possível porque o capitalismo
tornou-se também proprietários das terras,
latifundiário portanto. Isto se deu
igualmente também porque o capital
desenvolveu liames de sujeição que
funciona, como peias, como amarras ao
campesinato, fazendo com que ele
produza, às vezes, exclusivamente para a
indústria.
Entretanto, as mudanças técnicas e a mecanização da
agricultura tenham seu lado perverso, excludente e conservador,
pois a subordinação da mesma a indústria provoca uma
elevação dos preços das terras agrícolas o que favorece a
concentração das terras e conseqüentemente intensifica o êxodo
rural. Como afirma PAULINO (2006, p.62):
Portanto, as mudanças técnicas na
agricultura explicaram e deram novos
contornos ao problema da concentração
fundiária no país, pois antes era uma forma
de baratear o custo da atividade, com a
entrada das máquinas isso deixou de ser
oportuno, daí o esvaziamento do campo.
A
maioria
dos
expulsos
restou
possibilidades de trabalhos precários, ou a
organização em busca da reconquista da
terra.
Entretanto,
modernização não
as
conseqüências
perversas
da
ocorrem apenas na esfera social,
apresentando também repercussões na dimensão espacial e
econômica pela sua forma excludente e parcial de se
territorializar no meio rural.
Esse caráter excludente da modernização diz respeito às
disparidades regionais, isto é, ela não atinge todas as regiões da
mesma forma e pode ser percebida pela quantidade de tratores
existentes em São Paulo e nas demais regiões do país, bem
como na quantidade de estabelecimentos que utilizam
adubação, que em 1980, era de um terço das propriedades.
Quanto ao caráter parcial da modernização, essa diz respeito ao
não atendimento a todas as fases dos ciclos produtivo dos
produtos agrícolas (SILVA, 1999).
Assim, percebe-se que a modernização não se processa
com certa uniformidade no tempo e no espaço e para todas as
culturas agrícolas e categorias de produtores.
Para DELGADO (1985, p.42):
Todo esse processo de modernização se
realiza com intensa diferenciação e mesmo
exclusão de grupos sociais e regiões
econômicas. Não é, portanto, um processo
que homogeniza o espaço econômico e
tampouco o espectro social e tecnológico
da agricultura brasileira.
Ao contrário, deve-se ressaltar a
concentração
espacial
do
projeto
modernizante, abrangendo basicamente os
estados de Centro-Sul brasileiro (MG, GO,
RJ, SP, PR, SC e RS). Por seu turno,
ocorre paralelamente um movimento de
concentração de produção, abrangendo
um número relativamente pequeno e
estabelecimentos (entre 10 e 20% dos
estabelecimentos rurais, conforme o
indicador de modernização que se tome),
que respondem por parcelas crescentes da
produção.
As demais regiões do país e os milhões de
estabelecimentos não incorporados ao
processo de modernização cumprem,
nessa estratégia de organização da
produção, papéis periféricos na agricultura
brasileira.[...]
Dentro dessa estratégia, insere o Nordeste brasileiro, que
tem sua atividade primária rotulada de agricultura atrasada e
tradicional, bem como as áreas de fronteiras agrícolas que
apresentam um cenário produtivo heterogêneo e uma estrutura
fundiária de domínio do latifúndio.
A modernização da agricultura teve seu marco no final da
Segunda Guerra Mundial com o declínio do processo de
colonização e como estratégia de aumento da produção agrícola
mundial, os países capitalistas desenvolvidos introduzem nos
países subdesenvolvidos o ―pacote tecnológico‖, contendo
exatamente os itens da modernização que seria: novas técnicas
de cultivo, semoventes, fertilizantes, defensivos agrícolas e
sementes selecionadas. Pacote esse, que foi rotulado de
Revolução Verde e concebido nos Estados Unidos com o
objetivo de combater a fome e miséria nos países pobres.
Por outro lado, muitas dessas tecnologias, como é o caso
das sementes, foram desenvolvidas em ambientes onde as
condições naturais eram bem diferentes dá que se destinavam
que na sua grande maioria foram os países de região tropical.
Com isso, os adquirentes não alcançavam o desempenho e o
objetivo que desejavam. A saída para o problema era a
utilização de insumos (adubos, fertilizantes e defensivos e até
alguns semoventes) importados dos países que haviam
fornecido os produtos agrícolas e com isso elevando a
dependência dos países ―subdesenvolvidos‖ em relação aos
desenvolvidos. A esse respeito diz DELGADO (2001, p.165)
que:
Perseguiu-se na política agrícola a
concepção de planejamento induzido dos
mercados de produtos rurais mediante a
desoneração dos riscos estruturais do
processo produtivo privado (riscos de
produção e de preços). Estimulou-se a
adoção de pacotes tecnológicos da
―Revolução Verde‖, então considerados
sinônimos de modernidade, e incentivouse um enorme aprofundamento das
relações de crédito na agricultura
mediando a adoção desses com volumosos
subvenções financeiras.
Assim, é perceptivo que a Revolução Verde ampliou nos
países subdesenvolvidos o hiato sócio-econômico entre o
grande e o pequeno produtor. Esse pequeno produtor aqui é
considerado todos aqueles excluídos do acesso ao ―pacote
tecnológico‖ e da forte competição de mercado diante desses
novos parâmetros de produtividade oferecido pelo paradigma
agropecuário vigente. Essas novas condições mercadológicas
declinaram os preços dos produtos agrícolas a valores fora da
realidade dos pequenos agricultores, o que contribuíram para o
abandono ou a venda da pequena propriedade, que na maioria
das vezes é adquirida/incorporada a grande propriedade. E isso
contribuiu para a manutenção de uma estrutura agrária
concentradora existente nos países subdesenvolvidos e o Brasil
como parte dessa realidade mantém esse modelo até os dias
atuais.
O Brasil contou com um grande protagonista na
disseminação do processo de modernização da agricultura - o
Estado. Sua ação se daria através das políticas públicas,
programas de incentivos fiscais, infra-estrutura e viabilização de
crédito que foi peça chave no desenvolvimento desse processo.
Foi através do Sistema Nacional de Crédito Rural - SNCR, a
partir de meado dos anos 60 até o final dos anos 70, que
marcou o dinamismo e abrangência do processo de
modernização (DELGADO, 1985). Esse período grifou no
desenvolvimento econômico brasileiro também a constituição
dos Complexos Agroindustriais do Brasil – CAIs, e que para
alguns autores foi à aceleração do processo de industrialização
do campo e enlanguescendo a dependência da agricultura com
relação à indústria. Nesse sentido GUIMARÃES, (1979, p.114)
acrescenta: ―à medida que se industrializava a agricultura
passava de um nível inferior a um nível superior de
desempenho, mas isso também significava uma perda
progressiva de sua autonomia e de sua capacidade de decisão‖.
E ressalta ainda o autor que o principal efeito do CAI foi à
eliminação da livre concorrência contribuindo para a
dominação monopolista da indústria no mercado.
A esse respeito acrescenta DELGADO (1985, p.35):
[...] Essa agricultura que se moderniza, sob
o influxo dos incentivos do Estado e
induzida tecnologicamente pela indústria,
transforma profundamente sua base
técnica de meios de produção. Esse
processo significa, também que em certa
medida a reprodução ampliada do capital
no setor agrícola torna-se crescentemente
integrada em termos de relações
interindustriais para trás e para frente. [...]
Contudo, no inicio dos anos 70, percebe-se uma
intervenção maior do Estado no setor rural brasileiro
direcionando os rumos da produção e viabilizando o cenário
favorável, principalmente no que diz respeito à fiscalização,
determinação de preços, estocagem, comercialização, infraestrutura, etc. Nesse contexto, procurou o Estado com seu
projeto modernizador integrar a agricultura a indústria através
dos CAIs, direcionar o setor agropecuário ao desenvolvimento
econômico do Brasil e agrega forças e interesses ao processo
modernização da agricultura, como destaca DELGADO (1985,
p.41):
O surgimento e consolidação do
Complexo Agroindustrial articulam novos
interesses sociais comprometidos com o
processo de modernização. Conforma-se
um novo bloco de interesses rurais em que
sobressai a participação do grande capital
industrial, do Estado e dos grandes e
médios proprietários rurais. A soldagem
desse pacto modernizador é feita pela
política econômica, com primazia dos
aparatos financeiros do Estado. [...]
Observa-se que mesmo com toda essa aliança de interesse
em avançar no processo de modernização, o mesmo se
materializa espacialmente de forma concentrado, com forte
exclusão no especto social.
Sobre essa questão afirma GRAZIANO NETO (1985
p.25): ―[...] a chamada modernização da agricultura não é outra
coisa, para ser correto, que o processo de transformação
capitalista da agricultura, que vem vinculando as transformações
gerais da economia brasileira recente‖.
Assim, observa-se que toda transformação da economia
brasileira que tinha o campo como palco e o Estado como
protagonista, via modernização da agricultura que foi
posteriormente a ―munição‖ para o desenvolvimento do
capitalismo mundial e conduzindo a manifestação e a
territorialização do processo de globalização.
3 AGRICULTURA IRRIGADA E DESERTIFICAÇÃO:
algumas considerações
A agricultura irrigada constitui em sua essência a
introdução da água no solo por métodos artificiais com o
intuito de suprir as necessidades hídricas das plantas.
Embora a irrigação venha constantemente se
modernizando, ela remota as antigas civilizações que permeiam
milhares de anos sendo praticada, pesquisada e aperfeiçoada em
todo o mundo, com o objetivo de viabilizar a produção vegetal
diretamente, e a animal indiretamente.
Segundo ABLAS (1988), a irrigação, a rigor, é uma técnica
a ser utilizada no cultivo, que leva a uma melhor organização da
produção. Contudo, o fato dela geralmente estar acompanhada
de modificações relevantes na vida social, mostra como a
evolução tecnológica possui um efeito reestruturante sobre a
totalidade do complexo sócio- ambiental.
Assim, o avanço da irrigação aumenta o domínio humano
sobre os recursos naturais conduzindo o setor agrícola a sua
independência das condições climatológicas. Com isso, permite
um aumento de produção, intensificando o uso do solo, que
passará a ser utilizado durante todo o ano. Mesmo assim, sendo
insignificante para o desenvolvimento pleno da mesma, que só
ocorre segundo CARVALHO (1988), à medida que progridem
as relações de produção de uma determinada formação social.
Nessas condições, isso se leva a observar que o
desenvolvimento da irrigação não esta atrelado apenas ao
avanço técnico, mas, principalmente ao das forças produtivas e
das relações sociais no contexto ao qual esta inserida.
Conforme BRITO(1991), em essência a irrigação é
concebida sobre a ótica do desenvolvimento rural integrado e as
áreas ou territórios irrigados constituem um meio ou
instrumento de promoção social e valorização econômica do
homem do campo.
Nesta perspectiva, a natureza da agricultura irrigada está
em proporcionar os meios que favoreçam o cultivo para
produção (matéria-prima) e consumo (alimento). Mas, para isso,
depende de como se apresentam as relações sociais e as forças
produtivas da agricultura como um todo e não apenas a irrigada.
Para tanto:
O progresso da agricultura irrigada,
especialmente nos países capitalistas, está
submetida às mesmas leis que comandam
o
desenvolvimento
da
agricultura
caracterizando-se àquela como um
processo de produção e de trabalho cuja
especificidade consistiria no sentido mais
amplo em levar essas leis ao sue limite
(CARVALHO 1998, p. 346).
Nessas condições, afirma-se que a irrigação é a essência
da moderna agricultura, caracterizando-se com transformadora
das relações de produção que tem o campo como palco. A
visibilidade desta metamorfose é decorrente da natureza
artificializada da agricultura irrigada, tendo em vista que exige
forma de produzir diferente da agricultura de convencional
(sequeiro). São os cuidados na forma de produzir que vão
determinar o sucesso ou o fracasso dessa atividade (irrigação) a
médio e longo prazo.
Assim, dadas as características geoambientais do SemiÁrido brasileiro, a irrigação apresenta-se como uma alternativa
econômica mais viável do ponto de vista do desenvolvimento
territorial.
Nesse município, a agricultura irrigada tornou-se uma
atividade de grande relevância, pois inseriu o mesmo no
comércio internacional, colocando-o em considerável destaque
o Nordeste brasileiro no cenário comercial externo. Essa
atividade gerou no município um ―pólo de desenvolvimento‖,
tendo a fruticultura como ―atividade motriz‖, e uma das
responsáveis pela inserção da economia baiana e
particularmente a juazeirense, na economia internacional. Mas
essa modernização, entretanto, não se deu de forma homogênea
no território em questão, tendo repercutido negativa e
perversamente com alto custo social, sobretudo por meio de
alterações ambientais, decorrentes do uso intensivo e
desnecessário de fertilizantes químicos, defensivos agrícolas,
técnicas ultrapassadas de irrigação, somada a outros manejos
inadequados.
Não resta dúvida que a degradação é o aspecto mais
relegado do desenvolvimento e que ao mesmo tempo é o que
mais atrofia a sustentabilidade. E por degradação entende-se
desertificação que o PNUMA (ECO, 1992) definiu-se como
―degradação das terras em regiões áridas, semi-áridas e subúmidas resultantes de diversos fatores como: variações
climáticas e atividades humanas‖.
A desertificação é um fenômeno que provoca impactos
negativos nas esferas ambientais, social e econômica. Ela é
preocupante e precisa ser combatida de forma amplamente
participativa pelos atores sociais afetados pelo mesmo.
De acordo como o Ministério do Meio Ambiente (1993),
o problema da desertificação no Brasil atinge a zona semi-árida
e subúmida seca do país aproximadamente 950.000 km²,
localizados na região Nordeste e Norte de Minas Gerais.
Percebe-se assim, a vulnerabilidade da área em estudo já
que todo seu território está inserido na zona semi-árida. Com o
uso intenso do solo para atividade agrícola acompanhada de
tecnologia obsoleta do ponto de vista ecológico são grandes
fatores desencadeadores da desertificação.
Sabe-se que toda atividade produtiva em qualquer
circunstância é susceptível a degradação ambiental em diferentes
graus. No caso brasileiro e nordestino, isso não foge a regra em
decorrência das suas aptidões edofoclimática e o seu potencial
hídrico, o que favorece a atividade agrícola de forma intensa
somada ao uso intensivo da tecnologia. Tecnologia essa, que se
for concebida e executada para atender às necessidades em
harmonia com a natureza só trará benefícios. Mas se forem
aplicadas tecnologias duras para atender a interesses de grupos
dominantes, aumentar a concentração do poder e a dependência
exógena (ó o caso do semi-árido brasileiro), se tornará um algoz
ambiental. É o que acontece em alguns casos com o território
em estudo, que num curto prazo (escala da biosfera) foi repleta
de sucesso com vantagens sócio-econômicas. Ao aproximar-se
do longo prazo de exploração do solo, observa-se uma outra
realidade, onde os benefícios não são condizentes com os
custos com corretivos para repor as perdas agrícolas em função
da degradação ambiental, acelerada por métodos de irrigação
ultrapassados.
4 JUAZEIRO-BA: O Território, a Relevância Geoeconômica
da Agricultura Irrigada Pública e os Problemas Ambientais
O município de Juazeiro localiza-se no extremo norte da
Bahia, na margem direita do Rio São Francisco como pode ser
visualizado na figura 1. Possui uma extensão territorial de 6.390
Km² e sua altitude de 368m. O mesmo limita-se com os
municípios de Campo Formoso, Curaçá, Jaguarari, e
Sobradinho em território baiano e com Petrolina do lado
pernambucano. E distancia 500 Km da capital do estado –
Salvador (Figura 01).
Figura 01. Cartograma da divisão política da Bahia – 20.
Juazeiro possui toda sua base territorial inserida na zona
Semi-Árida, apresentando uma precipitação média anual de
399mm e com uma variação de 99mm – 1055mm, o que em
condições climáticas naturais não é favorável ao
desenvolvimento de atividade econômica agrícola de sequeiro.
A rede hidrográfica do município é formada pelos rios
Curaçá, Malhada da Areia, Salitre e o São Francisco. Sendo esse
ultimo o mais relevante em volume hídrico e tem se
caracterizado como um forte propulsor do desenvolvimento da
principal atividade econômica da região – a agricultura irrigada,
fornecendo a principal matéria – prima da irrigação -água.
Atividade essa que elevou o município a uma condição de
destaque no cenário econômico estadual, nacional e
internacional como o principal pólo de fruticultura do país. E
ocupou o lugar destaque ficando entre os cinco grandes
produtores agrícolas da Bahia, como pode ser evidenciada na
tabela 1.
Tabela 01 - Cinco Maiores Municípios em Relação ao PIB da Bahia:
1999, 2006 e 2007.
AGROPECUÁRIA
Participação Total no
PIB
(em milhões)
Estado (%)
1999 2006 2007 (1) 1999 2006 2007
Estado
2.695
Município
365
São Desidério 105
Barreiras
160
Juazeiro
62
Luís Eduardo
Magalhães
Formosa do
Rio Preto
38
Fonte: SEI/IBGE
6.491
1.194
405
274
256
8.221
1.680
637
372
278
100
13,55
3,89
5,95
2,29
100
18,40
6,24
4,22
3,95
100
20,44
7,74
4,52
3,38
168
215
-
2,59
2,61
91
179
1,41 1,40
2,18
Os demais municípios do ranking, todos estão localizados
no Oeste baiano, onde a produção principal está voltada para
grãos e algodão. Com isso, firma-se Juazeiro também como
maior produtor e exportadora de frutas do país, mesmo em
condições edofoclimáticas de semi-aridez.
A fruticultura tropical referenciou a economia Juazeirense
como predominantemente rural, mesmo com um expressivo
desenvolvimento industrial e possuindo o maior distrito
industrial da região - Distrito Industrial do São Francisco –
DISF.
Esse
reconhecimento
de
uma
economia
predominantemente rural de Juazeiro pode ser realçado no
crescimento de 6% da participação dos maiores municípios no
valor agregado da agropecuária no PIB baiano no período de
pouco menos de uma década como pode observada na figura
02. Com isso deu uma grande contribuição para incrementar o
setor agropecuário no PIB baiano participando com uma fatia
de 9% (ver figura 03) mesmo tem a Bahia aproximadamente
68% do seu território inserido na zona semi-árida.
Figura 02. Participação dos cinco maiores municípios no VA da
Agropecuária da Bahia Fonte: SEI/IBGE
Figura 03- Participação dos Grandes setores de Atividade, PIB
Municipal -Bahia- 2007. Fonte: SEI/IBGE
A Bahia por ter uma grande extensão territorial que
perpassa por várias unidades geoambientais, o que favorece uma
diversificação da atividade econômica agrícola.
O crescimento da atividade agrícola em Juazeiro nos
últimos anos foi relevante aumentando em 6% a participação do
grupo dos cinco maiores município no valor agregado da
agropecuária no PIB baiano dentre os quais está Juazeiro. No
caso do município de Juazeiro o destaque está para fruticultura
com a produção de manga, coco, goiaba e principalmente de
uva, onde tem diversificado a variedade para atender a produção
de vinho. A vitivinicultura é uma atividade econômica que vem
crescendo no município nos últimos anos com a
territorialização de vinícolas do Sul do Brasil na região.
O desenvolvimento da irrigação no município foi parte de
modelo estratégico de intervenção publica nos anos setenta para
algumas áreas da região Nordeste do Brasil, onde foram
implantados em Juazeiro quatro grandes projetos públicos de
irrigação: Curaçá, Mandacaru, Maniçoba e Tourão (figura 04) de
onde vem a maior parte da produção agrícola do município e os
responsáveis pelo crescimento econômico do território
juazeirense que foram visto no recorte analítico do PIB baiano
anteriormente.
Figura 04. Cartograma do Território do Sertão do São Francisco-BA e
localização dos Perímetros de Irrigação de Juazeiro-Ba.
A implantação dos perímetros de irrigação públicos veio
acompanhada de um crescimento significativo na população,
chegando quase ao dobro de habitantes em menos de duas
décadas como pode ser verificada tabela 02.
Tabela 02 - Evolução populacional do municipio de Juazeiro-Ba 1991 – 2009.
Ano
Habitantes (mil)
1991
128.767 hab.
1996
171.414 hab.
2000
174.567 hab.
2007
230.538 hab.
2009
243.896 hab.
Fonte: IBGE
Esse processo evolutivo da demografia de Juazeiro é um
reflexo da dinâmica econômica impulsionada pela agricultura
irrigada contribuindo para formação de pólo de atração
populacional no contexto territorial e extraterritorial., levando
assim o município a apresentar a maior taxa de variação de
crescimento tanto absoluta como relativa de todo o território de
identidade do Sertão do São Francisco (tabela 03) e ocupando o
ranking de quarta cidade mais populosa da Bahia, perdendo
apenas para a capital Salvador, Feira de Santana e Vitória da
Conquista respectivamente. Com essa dinâmica populacional
Juazeiro superou os municípios do Di-pólo Ilhéus-Itabuna,
tradicionalmente grandes produtores de commodity primária – o
cacau.
Toda organização e reorganização espacial é uma
produção histórica, e portanto, reflexo social de uma conjuntura
vivida e apropriada pelos atores sociais e institucionais de uma
dada realidade. Assim, toda estrutura espacial tem sua dinâmica
e está inter-relacionada com sua forma e a função expressada
num dado momento. Contudo a organização dos espaços
agrícolas irrigados de Juazeiro tem apresentado não só uma
dinâmica econômica, mas sérios problemas ambientais de
diversa natureza, embora da mesma origem - do método de
irrigação e práticas agrícolas.
Tabela 03. População e dinâmica populacional dos municípios que
compõem o território do Sertão do São Francisco-Ba no período de
1991 a 2007.
Município População total
C. Alegre
de Lurdes
Canudos
Casa
Nova
Curaçá
Juazeiro
Pilão
Arcado
Remanso
Santo Sé
Sobradinh
o
Uauá
1991
2000
2007
26.125
27.607
26.935
Variação
1991/2000
Absolut Relativ
a
a
1.482
5,67
Variação
2000/2007
Absolut Relativ
a
a
- 672
- 2,43
13.762
46.838
13.761
55.730
14.656
62.862
-1
8.892
-0,01
18,98
895
7.132
6,5
12,79
24.895
128.76
7
31.949
28.841
174.56
7
30.713
32.449
230.53
8
32.884
3.946
45.800
15,85
35,56
3.608
55.971
12,5
32,06
- 1.236
-3,86
2.171
7,06
34.381
28.387
21.208
36.257
32.461
21.325
38.004
36.517
21.315
1.876
4.074
117
5,45
14,35
0,55
1.747
4.056
-10
4,81
12,49
-0,05
24.343
26.517
24.662
2.174
8,93
-1.855
-6,99
Fonte: IBGE.
Os impactos ambientais apresentados nas áreas irrigadas
de Juazeiro podem ser atribuídos a vários fatores como, por
exemplo, práticas agrícolas inadequadas. Dentre elas a mais
comum é a invasão a área de sequeiro como forma de
compensar o abandono de outras áreas dos lotes devido aos
efeitos ambientais negativos apresentados.
Ocorre que esse é um impacto que influi negativamente
no ambiente, pois pressiona e transforma o ―ecossistema‖ local
em ―tecnossistema‖. que já pela sua natureza apresenta
fragilidade, além de comprometer a produtividade agrícola local,
devido à utilização de solos impróprios e a atividade irrigada,
que já é dimensionada no estudo pedológico do projeto
executivo. Alem disso, é claro, há excesso de demanda pela água
que foge do dimensionamento do sistema de captação e
distribuição de água dos distritos de irrigação.
Na pesquisa de campo foram observados diversos
impactos ambientais edáficos. Percebe-se que eles estão ligados
entre si e que têm sua origem no uso intenso e inadequado de
certas práticas e tecnologias agrícolas como as referidas
anteriormente e dizem respeito aos seguintes problemas:
Salinização: é um fenômeno caracterizado pelo acúmulo
crescente de sais nas camadas superiores do solo. Ela pode ter
origem em ações primárias (processo pedogenético) ou
secundárias (ação antrópica), principalmente em áreas de
atividades irrigatórias, como afirma SALAZAR (1988, p.18).
A salinidade dos solos é um problema
comum nas áreas irrigadas de regiões
áridas, e tem intima relação com a
profundidade do lençol freático, sendo
responsável pela queda da produtividade e
até degradação das terras, levando ao seu
abandono.
Acrescenta-se ainda, na citação acima, a tecnologia. Essa
tem sua participação efetiva nos impactos ambientais quando
usada de forma inadequada ou introduzida em ambientes para o
qual não foram geradas.
O levantamento de campo mostra que a salinização é um
fenômeno presente e que atinge 37% dos lotes dos perímetros
de forma parcial ou total de suas áreas irrigadas. Na área de
sequeiro o percentual é um pouco menor, atingindo 26,7%.
Essa diferença percentual entre as áreas de sequeiro e a irrigada
demonstra que o uso intensivo do solo associado a outros
fatores tende a aumentar o problema da salinização. Isso vem
comprovar o que muitos estudos já demonstram, que a irrigação
é a principal causa da salinização.
O atual quadro de degradação por salinização das áreas
irrigadas é conseqüência da utilização inadequada de agrotóxicos
e fertilizantes e do excesso de água nas culturas, sem nenhum
critério técnico. Na maioria das vezes, esse comportamento é
danoso. E são esses critérios, desprovidos de racionalidade, que
conduzem a efeitos inconseqüentes e onerosos, tanto do ponto
de vista financeiro quanto ecológico.
Compactação: este é um tipo de impacto ambiental na área
que merece uma ressalva. Segundo relato dos irrigantes, as
interferências desse tipo de degradação no desempenho
produtivo é pouco significante. Isso porque está havendo a
substituição da cultura anual pela perene, evitando, assim, o
preparo do solo periodicamente. É o uso intenso de maquinaria
pesada para o preparo do solo que tem sido a principal causa da
compactação, adensando o solo, diminuindo a capacidade de
infiltração e armazenamento da água (ABREU, 1994).
Nos perímetros, observa-se que ainda se trabalha com
culturas anuais, apesar de ter sofrido uma redução significativa.
Esse problema tende a continuar, até que se passem os
irrigantes a consorciarem com culturas agrícolas perenes a
adotarem técnicas de irrigação moderna, somada a práticas
alternativas de conservação e de fertilidade do solo, a exemplo
do plantio direto, evitando o uso de maquinaria pesada, com
vistas a atenuar o problema.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na região Nordeste do Brasil, a implantação dos
programas de irrigação foi atrelada a um contexto normativo de
metas econômicas e políticas, ratificando, com isso, os critérios
adotados no país de avaliação do desempenho de projetos de
irrigação que são: custo e benefício. No entanto, relegaram
sempre a segundo pano as questões ambientais e suas
implicações socioterritóriais, que dentre as mais perversas está à
desertificação.
Nas áreas irrigadas do território de Juazeiro, os problemas
ambientais no solo, tais como salinização, inundação e
compactação são significantes. Nessas áreas, o principal
causador da salinização e da inundação é o sistema de irrigação.
A tecnologia utilizada pela grande maioria os irrigantes é o
sistema de sulco, sistema esse, usado desde a implantação até a
atualidade. O uso intensivo e inadequado de agroquímicos é
outro fator que tem contribuído para aumentar o problema da
salinização. Já a compactação, foi observada como um problema
em declínio. Isso vem acontecendo devido à substituição de
culturas anuais por perenes, evitando assim, o preparo do solo
sazonalmente com máquinas. Nessas circunstâncias, a falta de
capital para investir em tecnologia, e os baixos níveis de
escolaridade, somados com o despreparo técnico dos
produtores constituem-se no principal problema. Assim fazemse necessárias linhas de crédito para investimento, capacitação e
assistência técnica mais eficaz para os irrigantes, a fim de
reverter-se o quadro.
Nesses termos, dada as condições dos irrigantes, estes têm
sido conduzidos a tratar o meio ambiente como mero
fornecedor de bens comercializáveis e não como patrimônio
natural que pode ser usado, e deve ser conservado.
Do ponto de vista social, os problemas apresentados nas
áreas irrigadas têm repercussões nas condições de vida das
famílias, alem de desestruturá-las como unidade produtiva.
Tendo em vista que a agricultura irrigada é o único meio de
renda das famílias, o agravamento do quadro poderá conduzi-las
a buscar suas estratégias de sobrevivência em atividades nãoagricolas, como já vem ocorrendo lentamente, reproduzindo-se
assim um modelo de desenvolvimento marcado pela exclusão
que geograficamente denomina-se desterritorialização e pela
miséria social.
Os resultados indicam que os problemas existem e não
são apenas de ordem ambiental e social. Eles são de diferentes
graus e natureza: tecnológica, científica, infra-estrutural,
recursos humanos e econômicos, e, acabam restringindo a
sustentabilidade das áreas irrigadas. Para minimizar, ou até sanar
o problema, seria necessária uma maior ação por partes dos
gestores públicos, com vista a fortalecer as associações e
cooperativas para que estas busquem novos mercados e novas
parcerias com instituições financeiras e de pesquisa a fim de
buscar mecanismos para contribuir na capacitação (tanto técnica
como financeira) dos irrigantes para mudar o sistema de
irrigação das áreas. Evitar-se-iam, com isso, o desperdício
hídrico e os efeitos adversos ao ambiente. A degradação nos
perímetros é mais um problema de falta de capacitação e de
assistência ao pequeno irrigante que do processo de irrigação.
Essa quando é bem concebida os impactos ambientais são
minimizados e conseqüentemente os sociais.
Enfim é percebida pelo presente estudo que a agricultura
irrigação tem uma importância indiscutível do ponto de vista
geoeconômico para Juazeiro, trazendo grandes repercussões no
desenvolvimento. Mas a atividade econômica está estrangulada
com os problemas ambientais e precisa de uma agenda
emergente de intervenção via políticas publicas territorial de
mitigação dos problemas ambientais como forma de não
comprometer o desenvolvimento sustentável do território.
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SUSTENTABILIDADE DA AGRICULTURA
FAMILIAR
Meirilane Rodrigues Maia40
Aracy Losano Fontes41
1 INTRODUÇÃO
Este artigo está pautado no questionamento do modelo
de desenvolvimento atual e na perspectiva do chamado
desenvolvimento sustentável, definido pela Organização para a
Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) como o
uso dos recursos naturais de forma a garantir as necessidades
atuais sem comprometer a capacidade de produção das
gerações futuras. A sustentabilidade se transformou num
desafio tanto para gestores quanto para planejadores. No
entanto, o aparente consenso sobre o termo o torna utilizável
para legitimar estratégias e ações estatais no sentido de construir
uma sociedade ―ecológica e socialmente sustentável‖.
Com o desenvolvimento científico e tecnológico e seus
conhecimentos aplicados, principalmente, na indústria, é
inquestionável o avanço nas melhorias para a satisfação das
necessidades humanas. Da mesma forma, é inegável que a
produtividade tecnológica pode recuperar e melhorar as práticas
tradicionais de uso dos recursos naturais. No entanto, isto tem
ocorrido à custa da destruição ambiental, visto que a natureza
não é capaz de absorver a degradação ambiental imposta pelo
homem através das ações atuais. Neste sentido, as bases
40
Professora do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB). Doutoranda do Núcleo de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Federal de Sergipe (NPGEO/UFS).
41
Professora Doutora do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]
ambientais estão sendo comprometidas pela forma de utilização
predatória dos recursos naturais.
O desenvolvimento sustentável depende da motivação e
capacidade das comunidades para gerir processos de mudança,
absorver conhecimento científico e técnicas modernas que
facilitem a produtividade, conservando sua identidade e valores
culturais. Quando se pensa na sustentabilidade, sabe-se que as
soluções não podem ser globais e a busca da sustentabilidade
deve ser guiada para além da visão imediatista do modelo atual
de sociedade.
2 SUSTENTABILIDADE
SUSTENTÁVEL
E
DESENVOLVIMENTO
A discussão sobre sustentabilidade ou desenvolvimento
sustentável, como tratam alguns autores, é relativamente
recente, mas se transformou num paradigma que a sociedade
busca de forma incessante e como todo novo paradigma, o
conceito está propenso a questionamentos. ―Até a década de 70
as análises econômicas só se preocupavam com o fluxo
monetário e o crescimento econômico, relegando a um segundo
plano os limites do ambiente natural‖ (MERICO, 1996, p. 41).
O conceito de desenvolvimento possui longa história de
construção, se apresentando como tema de debates e
controvérsias. Para esses autores, entre o final da Segunda
Guerra Mundial e meados dos anos sessenta, não se fazia
distinção entre desenvolvimento e crescimento econômico. No
entanto, as condições de vida de muitas populações, mesmo
quando seus países apresentavam elevadas taxas de
crescimento, não apresentavam melhoras. Este fato provocou
questionamentos com relação ao conceito de desenvolvimento
como sinônimo de crescimento econômico. Daí a ―ideia de
desenvolvimento foi paulatinamente incorporando uma série de
aspectos sociais: emprego, saúde, educação, equidade e etc‖
(DENARDI; HENDERIKX; CASTILHOS; BIANCHINI,
2000, p. 4).
Para Moreira (1999, p. 177-178), o desenvolvimento
sustentável
[...] traz implícita a idéia de que a solução
por meio de técnica é possível. O
problema é apenas a questão do
desenvolvimento de tecnologias adequadas
e que nada garante que os benefícios deste
paradigma trarão ganhos para os setores
sociais historicamente subalternos, como é
o caso da agricultura familiar [...] a
sustentabilidade continuará carregando
elementos conservadores, ao não se
constituir como um questionamento de
ordem social.
Ehlers (1999, p. 111), se contrapondo, afirma que,
A erradicação da pobreza e da miséria
deve ser objeto primordial de toda a
humanidade e que a prática sustentável
envolve aspectos sociais, econômicos e
ambientais que devem ser entendidos
conjuntamente. A técnica é meio
necessário
à
condução
do
desenvolvimento sustentável.
Romeiro (1998 p. 248) observou que ―o desenvolvimento
para ser sustentável, deve ser não apenas economicamente
eficiente, mas também ecologicamente prudente e socialmente
desejável‖.
As atividades produtivas das sociedades modernas
marcadas quase sempre por uma forte e crescente exploração
dos recursos naturais, através dos modelos de desenvolvimento
adotados, não têm trazido bons resultados para a manutenção
do equilíbrio ambiental e, nem apresentado preocupação com a
manutenção da produção sustentável. Este fato tem levado
muitas vezes a práticas de uso ―inadequado‖ dos ambientes,
refletindo-se na sub ou na superutilização dos mesmos, bem
como na geração de problemas socioambientais. Essas práticas
estão relacionadas às diferentes culturas e técnicas específicas de
apropriação da natureza e de transformação dos espaços. ―A
gestão racional do capital natural é uma condição necessária
para alcançar crescimento econômico e níveis de vida
sustentáveis para a população‖ (CEPAL, 1991, tradução nossa).
Neste mesmo sentido, Casseti (1991, p. 21), considera que,
[...] a utilização espontânea da natureza,
onde está implícita a dilapidação de suas
riquezas, esboçou-se nas primeiras etapas
da história da sociedade e se acentuou na
época feudal, porém alcançou um grau
máximo no curso da sociedade capitalista.
Sob a perspectiva capitalista que impera em nossa
sociedade, a busca incessante do lucro a ser alcançado a todo
custo, tem prevalecido em detrimento da sustentabilidade dos
ambientes. Esta situação não se restringe apenas às nações
capitalistas, mas também aquelas que tiveram experiências
socialistas. No entanto, na medida em que o sistema capitalista
vê ameaçado o seu processo de acumulação, a questão
ambiental vêm deixando de ser caracterizada como alternativa e
passou a ser considerada como necessidade. E como saída, o
sistema capitalista tenta incorporar a via do desenvolvimento
sustentável, para sua própria sobrevivência. Sobre este assunto
Layrargues (1997, p. 7) tratando do modelo convencional de
desenvolvimento, afirma que, ―sob pressão da nova realidade
ecológica e da necessidade e de assumir uma nova postura,
desponta sob uma nova roupagem, sem que tenha sido
necessário modificar sua estrutura de funcionamento‖.
Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2004, p. 203) afirmam que,
O
discurso
do
desenvolvimento
sustentável não é homogêneo mas sim está
marcado e diferenciado pelos interesses
perante o meio ambiente dos diferentes
agentes e atores sociais, estando permeado
por diferentes interpretações políticoideológicas. Isso dá lugar às divergências
quanto as opções políticas e técnicooperativas para a incorporação da
sustentabilidade
ao
processo
de
desenvolvimento.
Mais recentemente, percebeu-se que ―as bases ambientais
de qualquer progresso futuro poderiam estar sendo
comprometidas pelo crescimento econômico predatório de
recursos naturais e altamente poluidores‖ (DENARDI;
HENDERIKX; CASTILHOS; BIANCHINI, 2000, p. 4).
As atividades agrícolas também têm contribuído para a
diminuição das florestas e aumento dos problemas ambientais
no planeta. Neste sentido, Santos (2001), considera que o
despontar da agricultura foi também sinônimo de
desmatamento. Segundo Altiere (1998, p. 8), no intuito de
dominar a natureza o homem tem levado a sua destruição visto
que,
Hoje, há provas suficientes de que a perda
de solo arável, manuseio inadequado do
solo e poluição são fatores chave na
estagnação da produtividade das colheitas.
A falta de acesso dos produtores menos
favorecidos a insumos caros, bem como
questões
básicas
de
igualdade
socioeconômica,
obstaculizaram,
em
muito, a modernização da agricultura nos
países em desenvolvimento.
No entanto, cabe salientar que a atividade industrial direta
ou indiretamente tem sido uma das principais responsáveis
pelos problemas ambientais do planeta. Apesar da utilização
dos recursos naturais ter sido feita de forma predatória ao longo
da história da humanidade é a partir da revolução industrial que
os problemas ambientais começaram a agravar-se cada vez
mais.
3 EXPANSÃO DO MODO DE PRODUÇÃO
CAPITALISTA NO CAMPO E AS QUESTÕES
AMBIENTAIS
A expansão do modo de produção capitalista no campo
tem levado a necessidade de áreas cada vez maiores para a
produção de lavouras comerciais, agravando, dessa forma, os
problemas ambientais. Na prática, a agricultura está produzindo
cada vez mais em grande escala. Segundo Castillo (2004) ―a
ocupação de novas áreas, além de todo aparato tecnológico
mobilizado para a produção, tem provocado uma profunda
transformação na organização do território, sobretudo em
termos de transporte e comunicação‖.
Torna-se necessário salientar que ao longo dos tempos,
nem todas as formas de agricultura serviram para atender as
atividades industriais, mas mesmo a agricultura tradicional para
auto-sustento, tem produzido impactos ambientais, muito
embora com menor intensidade.
Sobre este assunto, Altiere (1998) afirma que, utilizando a
alta confiança criativa, o conhecimento empírico e os
conhecimentos locais disponíveis, os agricultores tradicionais
freqüentemente desenvolveram sistemas agrícolas de
produtividade sustentável. Este autor enfatiza que para
compreendermos os sistemas agrícolas na atualidade, temos que
ter em mente sua sustentabilidade, pois ―a agricultura é afetada
pela evolução dos sistemas sócio-econômicos e naturais‖
(ALTIERE, 2000, p. 16).
Foi a partir do meado do século passado, que as questões
ambientais se tornaram mais preocupantes, ganhando uma
dimensão global, com o objetivo de diminuir os impactos
ambientais para a sociedade e, ao mesmo tempo, conscientizar
os cidadãos sobre estes problemas.
O modelo de desenvolvimento difundido mundialmente
envolve o uso inadequado dos recursos naturais, promovendo
seu esgotamento, como também o surgimento de sérios
problemas socioambientais. Esta constatação não tem sido
suficiente para que as políticas de ―desenvolvimento‖ e
ocupações territoriais se voltem para a defesa de um
desenvolvimento que preze pelo princípio da melhoria das
condições socioambientais. Lamentavelmente, as propostas de
desenvolvimento ainda carregam princípios que valorizam
quase que exclusivamente a dimensão econômica em
detrimento das demais.
O conceito de desenvolvimento econômico da civilização
industrial valorizou, acima de tudo, a multiplicação quantitativa
da produção e do consumo. O lucro capitalista excluiu o meio
ambiente das preocupações econômicas e políticas.
No mundo todo, uma nova consciência ecológica invade
a esfera da política e questiona as noções tradicionais de
progresso. Na realidade, os donos do capital estão chegando, de
certa forma, ao consenso de que o desenvolvimento econômico
deve passar pelo conceito de sustentabilidade42. Segundo
Margulis (1995),
O
desenvolvimento
ecologicamente
sustentável seria uma modalidade de
desenvolvimento alternativo, um novo
estilo de vida, embora muitos grupos
ambientalistas
prefiram
falar
em
42
Sustentabilidade deve ser entendida como a otimização da conservação
ambiental em beneficio da população e a democratização de acesso aos
recursos ambientas.
sociedades ecologicamente sustentáveis,
em que a concepção da natureza como
algo infinito e passivo deva ser abolido. E
os custos do seu uso devem ser divididos
de forma justa. Abre-se mão de atingir o
que seria excelente para a economia, mas
incorpora-se um critério que pode ser
implementado na prática.
Para a efetivação de um desenvolvimento sustentável fazse necessário diagnosticar o estado atual do ambiente a fim de
conhecer os desequilíbrios e, portanto, a sustentabilidade do
mesmo. O grande desafio, e sem dúvida uma das tarefas mais
difíceis e importantes que se configura na atualidade, é conciliar
os inúmeros impactos socioambientais negativos com um
conceito de desenvolvimento socialmente crítico ou de
Desenvolvimento Sustentável. Para Leff (2001) ―as mudanças
para o desenvolvimento sustentável não serão alcançadas sem
uma complexa estratégia política [...] mobilizada pelas reformas
do Estado e pelo fortalecimento das organizações da sociedade
civil‖. Segundo Lima e Queiroz Neto (1997, p. 247),
Não será possível se propor um modelo de
produção sustentável ambientalmente sem
a clara compreensão da organização e da
dinâmica ambiental. As respostas que
podem ajudar a entender os ambientes e
oferecer um referencial de sustentabilidade
ambiental para um uso racional dos seus
recursos naturais só serão encontradas
dentro de um enquadramento que
considere a totalidade do meio ambiente e
a sua dinâmica no espaço e tempo. Nessa
abordagem interativa, a organização social,
o nível de utilização tecnológica e o modo
de produção da sociedade humana não
podem ser desconsiderados.
A incorporação do adjetivo sustentável à palavra
desenvolvimento não o isenta dos efeitos negativos que produz,
quando pensado de forma autoritária e inconseqüente. Desse
modo, para a efetivação da sustentabilidade pretendida, faz-se
necessário diagnosticar o estado atual do ambiente43 a fim de
conhecer os desequilíbrios e, portanto, a sustentabilidade do
mesmo.
Segundo Moreira e Carmo (2004, p. 5),
Para
um
desenvolvimento
rural
sustentável, a partir da agroecologia, que
não pretende ser hegemônica para todas as
comunidades rurais do mundo, pelo
contrário, a sustentabilidade e a estratégia
de desenvolvimento rural devem ser
definidas a partir de participação e da
identidade etnoecossistêmica de cada
localidade a ser considerada.
A importância do desenvolvimento sustentável se dá na
medida em que ele pode ser a base para a criação de um
desenvolvimento rural que proporcione maior igualdade e seja
ambientalmente sadio.
4 A AGRICULTURA
SUSTENTABILIDADE
FAMILIAR
NA
ÓTICA
DA
A partir dos anos 90 observa-se um crescente interesse
pela agricultura familiar no Brasil. Este interesse se materializou
em políticas públicas, como o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e na criação
do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), além do
43
Ambiente é aqui entendido no seu sentido amplo no qual envolvem
também as dimensões sociais, políticas, culturais, históricas e
econômicas.
revigoramento da Reforma Agrária. A formulação das políticas
favoráveis à agricultura familiar e à Reforma Agrária resulta em
boa parte, da pressão dos movimentos sociais, especialmente
das reivindicações dos trabalhadores rurais organizados.
Contudo, este segmento não tem sido reconhecido como
prioritário pelos governos, haja vista que a agricultura patronal
tem concentrado a grande maioria do crédito disponibilizado
para financiar a agricultura nacional. Assim, existem hoje dois
projetos direcionados para o campo no Brasil. Um que
apresenta uma preocupação central com a expansão da
produção e da produtividade agropecuária, na incorporação de
tecnologia e na competitividade do chamado agribusiness, ―com
uma tendência a espacialização funcional da produção agrícola
dos lugares‖ (CASTILLO, 2004, p. 81). Este enfoque se liga aos
interesses empresariais dos diversos segmentos que compõem o
agronegócio. Outro segmento em contraposição, que enfatiza
os aspectos sociais e ambientais do processo de
desenvolvimento, de acordo com o que vem se denominando
sustentabilidade do desenvolvimento rural, que procura
equilibrar a dimensão econômica, social e ambiental do
desenvolvimento.
Este segundo enfoque elegeu a agricultura familiar como
um dos seus principais elementos norteador. Uma pesquisa
realizada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO) e pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA), cujo objetivo principal era
estabelecer as diretrizes para um ―modelo de desenvolvimento
sustentável‖, escolheu como forma de classificar os
estabelecimentos agropecuários brasileiros, a separação entre
dois modelos: ―patronal‖ e ―familiar‖. Enquanto o modelo
patronal teria como característica a completa separação entre
gestão e trabalho, a organização descentralizada e ênfase na
especialização, o modelo familiar teria como característica a
relação íntima entre gestão e trabalho, a direção do processo
produtivo conduzido pelos proprietários, a ênfase na
diversificação produtiva e na durabilidade dos recursos e na
qualidade de vida, a utilização do trabalho assalariado em
caráter complementar e a tomada de decisões imediatas, ligadas
ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo
(FAO/INCRA, 1994).
A escolha da agricultura familiar está relacionada com
multifuncionalidade desse tipo de agricultura, que além de
produzir alimentos e matérias-primas, gera mais de 80% da
ocupação no setor rural e favorece o emprego de práticas
produtivas ecologicamente mais equilibradas, como a
diversificação de cultivos, o menor uso de insumos industriais e
a preservação do patrimônio genético.
Drew (1986) afirma que o debate sobre as condições e
importância da agricultura familiar tem produzido inúmeras
concepções, interpretações e propostas, oriundas das diferentes
entidades representativas dos pequenos agricultores, dos
intelectuais que estudam a área rural e o ambiente físico onde
ela se desenvolve e dos técnicos governamentais encarregados
de elaborar políticas nacionais para o setor rural sem, contudo,
dar conta dos tipos de recursos naturais existentes nas áreas
onde se estabelecem e desenvolvem as relações de produção da
agricultura familiar.
Neste sentido, Wanderley (2001) afirma que o meio rural,
hoje, aparece também como portador de soluções vinculadas à
melhoria do emprego e da qualidade de vida. Para Veiga (1998),
o Brasil Rural precisa de uma estratégia de desenvolvimento,
em que o desenvolvimento rural deva visar à maximização das
oportunidades de desenvolvimento humano em todas as regiões
do país, diversificando as economias locais, a começar pela
própria agropecuária.
A agricultura familiar é capaz de admitir uma distribuição
mais equilibrada da população no território, em relação à
agricultura patronal, normalmente associada à monocultura.
Tais argumentos devem ser considerados no debate sobre os
caminhos para a construção do desenvolvimento sustentável.
Apesar do consenso existente entre vários autores sobre a
importância da agricultura familiar para a sustentabilidade
ambiental as visões em relação ao modelo que essa agricultura
familiar deveria adotar, divergem em certos aspectos.
A agricultura familiar não é uma categoria
social recente, nem a ela corresponde uma
categoria analítica nova na sociologia rural.
No entanto, sua utilização, com o
significado e abrangência que lhe tem sido
atribuído nos últimos anos, no Brasil,
assume ares de novidade e renovação
(WANDERLEY, 2001 p. 21).
Para Abramovay (1992), em lhe sendo favorável esse
ambiente e com apoio do Estado, a agricultura familiar
preencherá uma série de requisitos, dentre os quais fornecer
alimentos baratos e de boa qualidade para a sociedade e
reproduzir-se como uma forma social engajada nos mecanismos
de desenvolvimento rural. O pensamento deste autor fica mais
claro quando expressa que ―se quisermos combater a pobreza,
precisamos, em primeiro lugar, permitir a elevação da
capacidade de investimento dos mais pobres. Além disso, é
necessário melhorar sua inserção em mercados que sejam cada
vez mais dinâmicos e competitivos‖.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existe uma corrente que defende o principio de que o
agricultor familiar está fortemente inserido nos mercados e
procura sempre adotar novas tecnologias. Em contraposição,
existe outra que destaca a autonomia relativa do pequeno
produtor, enfatizando a utilização de recursos locais, a
diversificação da produção e outros atributos que apontam para
a sustentabilidade dos sistemas de produção tradicionais. Nessa
visão, a sobrevivência do agricultor familiar teria muito mais de
resistência do que de funcionalidade à lógica da expansão
capitalista.
Este segundo enfoque está associado ao que se conhece
como agroecologia. Na agroecologia, os objetivos de um
programa de desenvolvimento rural sustentável devem,
segundo Altieri (2002), apresentar: a) Segurança alimentar com
valorização de produtos tradicionais e conservação de
germoplasma de variedades cultivadas locais; b) Resgatar e
reavaliar o conhecimento das tecnologias camponesas; c)
Promover o uso eficiente dos recursos locais; d) Aumentar a
diversidade vegetal e animal de modo a diminuir os riscos; e)
Reduzir o uso de insumos externos; e f) Busca de novas
relações de mercado e organização social.
O desenvolvimento rural, sob essa ótica, representa uma
tentativa de ir além da modernização técnico-produtiva,
apresentando-se como uma estratégia de sobrevivência das
unidades familiares que buscam sua reprodução. O modelo não
é mais o do agricultor-empresário, mas o do agricultorcamponês que domina tecnologias, toma decisões sobre o
modo de produzir e trabalhar (SCHNEIDER, 2003). Segundo
Costabeber e Caparol ( 2003, p. 1),
O processo de desenvolvimento rural, para
ser sustentável, precisa encerrar não
apenas uma mudança no tamanho (aspecto
físico quantitativo), mas especialmente
uma expansão das qualidades e
oportunidades (aspectos qualitativos)
como condição necessária para o alcance
de ganhos sociais, econômicos, ambientais,
políticos e culturais.
A agroecologia não está centrada numa agricultura apenas
de subsistência, mas a integração ao mercado de produtos e
insumos
deve ser olhada com precaução, para não aumentar a
dependência do produtor. Por outro lado, há que se considerar
que os autores que enfatizam a necessidade de modernizar a
agricultura familiar, também não deixam de reconhecer os
impactos ambientais e sociais que muitas das chamadas técnicas
modernas têm provocado ou poderão vir a provocar.
Existe um consenso sobre a necessidade de construir uma
agricultura mais sustentável que considere os aspectos sociais,
ambientais e econômicos, e sobre a importância dos
agricultores familiares na construção desse novo modelo, mas
ainda há divergências sobre os modelos mais apropriados para
que a agricultura familiar atinja esses objetivos. Apesar do
consenso mencionado, há uma linha que defende maior
competitividade e integração nos mercados e o enfoque
agroecológico que se fundamenta numa profunda mudança no
modelo tecnológico, na organização da produção, na mudança
de valores, ou seja, na própria organização da sociedade. Neste
sentido, ―a única forma de se evitar um tal último recurso, seria
por uma inversão política total, que gerasse um novo equilíbrio,
no qual a tecnologia, a economia e a própria história passassem
a estar sob controle social‖ (STAHEL, 1998, p. 119).
A partir das abordagens teóricas aqui delineadas de forma
sucinta, defende-se o principio de que a sustentabilidade na
agricultura familiar deva ser fundamentada no conceito de
ecodesenvolvimento, na perspectiva local. No entanto, ―ao se
estabelecer o limite do local, não se deve perder de vista as
contradições do espaço dentro da sociedade e da prática social‖
(CONCEIÇÃO, 2004, p. 34).
Este modelo de desenvolvimento tem como
―compromisso básico valorizar as contribuições das populações
locais nas transformações dos recursos do seu meio. Em vez de
serem soluções boas, uniformes para todos‖, cópias de modelos
de outros países, o ecodesenvolvimento recomenda soluções
endógenas, pluralistas, baseadas nas diferenciações de cada
local/região e se apóia segundo Barbiere (2002, p. 19), em cinco
pilares: a) deve ser endógeno; b) deve basear-se em suas forças;
c) deve ter como ponto de partida a lógica das necessidades; d)
promover a simbiose entre a sociedade e natureza; e) deve estar
aberto às mudanças institucionais.
Não se pode deixar de considerar os conjuntos de
técnicas disponíveis, a precariedade dos transportes à circulação
e a comunicação na produção agrícola seja na agricultura de
precisão, seja na agricultura familiar. Não se deve discutir
agricultura e sustentabilidade sem relacioná-la aos aspectos
como circulação, comunicação e mecanização da agricultura.
Neste sentido, as redes são fundamentais tanto nas escalas
global e nacional quanto na escala local, muito embora
apresentando perspectivas diferentes para a escala local.
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O PRONAF E A PLURIATIVIDADE:
OPORTUNIDADE DE INSERÇÃO DOS
CAMPONESES NO MERCADO?
Sheyla Silveira Andrade44
1 INTRODUÇÃO
Os termos family farm ou family farmer, pelo seu uso
restrito e contextualizado, não foram analiticamente
incorporados por pesquisadores brasileiros; no início da década
de 90 ainda não era cogitada a utilização do conceito agricultura
familiar. Tais produtores foram aqui distinguidos como
agricultores integrados ou tecnificados e sob estes aspectos
pesquisados. Havia uma preocupação com a diversidade de
modos de existência e o irreconhecimento de uma categoria
genérica de designação. Após essa fase o termo agricultura
familiar foi assumido por pesquisadores de diferentes áreas no
Brasil. Muitos trabalharam na efetivação da utilização do termo
agricultura familiar com o intuito de reconhecer a legitimidade
dos objetivos da ação política de trabalhadores rurais, em busca
de enquadramento profissional, de acesso aos recursos
creditícios e assistência técnica.
O termo agricultura familiar é uma convergência de
esforços de certos intelectuais, de políticos e de sindicalistas
articulados pelos dirigentes da Confederação Nacional dos
trabalhadores na Agricultura, mediante apoio de instituições
internacionais, mais especificamente a Organização das Nações
44
Graduada em Geografia licenciatura pela Universidade Federal de
Sergipe
Cursando Geografia Bacharelado e mestrado na linha de pesquisa
Produção e Organização do Espaço Agrário no Núcleo de Pós-graduação
em geografia na mesma entidade. E-mail: [email protected]
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Os
articuladores desse projeto reconhecem a racionalidade
econômica e social da pequena produção agrícola e por isso
valorizam os trabalhadores e agricultores rurais.
VEIGA apud NEVES (2007) advoga as vantagens de
reflexão em torno do termo agricultura familiar afirmando que
não é o tamanho dos estabelecimentos agropecuários o fato de
maior relevância no desenvolvimento da produtividade na
agricultura e sim a tecnologia. Assim, o desenvolvimento eficaz
da agricultura de pequeno porte depende mais da introdução de
inovações tecnológicas, da localização, da qualidade do solo, do
que à área inicial do estabelecimento. NEVES ainda ressalta
que:
A proposição da agricultura familiar como
termo de apelação de um setor produtivo
também correspondeu a procedimentos de
mobilização política, visando à criação de
princípios
para
enquadramento
institucional de diferenciados usuário de
serviços e recursos públicos. Por esse
motivo, consagrou-se a construção de
contrapostos modelos de desenvolvimento
econômico e social, capazes de qualificar
as formas de organização de unidades
produtivas, um deles politicamente
correspondente ao desejado valor da
sustentabilidade econômico-social. Ou
diferenciado por melhor corresponder aos
ideários
elaborado
diante
do
enfrentamento da reconstrução produtiva,
genericamente reconhecida pelo termo de
globalização. Emerge então no decorrer
desses processos, a construção do
agricultor familiar como sujeito de direitos,
consagrados enfim pelo PRONAF [...]
(2007, p. 229 - 230).
Para essa linha de pensamento às características dos
agricultores familiares não se encontram nem na agricultura
nem na família, mas no projeto político de constituição de uma
categoria socioeconômica, como categoria socioprofissional e
jamais pode ser compreendida como estado.
Deve incorporar os conteúdos atribuídos
por definições politicamente construídas,
segundo negociações de interesses e
conquistas relativas, cristalizadas no texto
instituidor do PRONAF: Modelo de
organização da produção agropecuária
onde predominam a interação entre a
gestão e o trabalho, a direção do processo
produtivo pelos proprietários e o trabalho
familiar complementado pelo trabalho
assalariado (NEVES, 2007, p.234)
Ainda, nessa linha de pensamento o PRONAF sistêmico
é uma linha de crédito rural de custeio e investimento para
atividades agropecuárias e não-agropecuárias, sendo que
consentirá financiar um conjunto de despesas que estejam
avaliadas como conservação do agricultor e de sua família. O novo
programa do Governo Federal visa financiar o conjunto da
propriedade em uma única operação de crédito e ainda
proporcionar um desenvolvimento ambiental equilibrado. Com a
simplificação do PRONAF os juros permanecem mais baixos e os
limites de crédito são alargados.
2 O PRONAF E A PLURIATIVIDADE
Para NEVES (2007) os mentores da redefinição do
PRONAF, no Plano de Safra 2003/2004, preconizam a tomada de
posição do desejado agricultor frente às alternativas de inserção no
mercado. Advogaram a constituição de vínculos mercantis em
mercados cujas relações não acentuassem os riscos de apropriação
abusiva de excedentes e de expropriação. O mercado interno (local
ou regional) foi então concebido como mais propicio às estratégias
de controle da concorrência, especialmente as praticadas pelas
empresas que se apresentam sob monopólios. Nestes termos os
atributos que configuram a categoria socioeconômica projetam a
construção de paradigmas para a ação estatal e para os
investimentos que buscam o reconhecimento social sob a
condição de afiliação.
ABRAMOVAY e PIKETTY (2005) comungam do mesmo
viés de raciocínio ao explanar que diante das dificuldades do
crescimento econômico, devido às desigualdades e a cisão entre
equidade e eficiência (provocados pela concentração nas mãos de
minorias as possibilidades de ganhos econômicos), as políticas
distributivas seriam uma alternativa viável. E ainda o PRONAF é
inovador e indica um caminho para que a distribuição de ativos
(créditos) seja uma das bases do processo de crescimento
econômico. Porém, a unidade entre equidade e eficiência depende
dos mecanismos de incentivo e das instituições que determinam o
andamento de cada programa público.
Sacco dos Anjos alerta para a definição do público alvo pelo
PRONAF. O Programa identifica o verdadeiro agricultor como
aquele produtor apoiado quase que exclusivamente na exploração
agropecuária de uma unidade de produção. Assim, a
profissionalização do produtor é entendida como um estímulo à
especialização e ao produtivismo (HILLIG, 2008, p.115).
Tanto a especialização quanto o produtivismo são formas
de cooptação do camponês pelo capital financeiro, onde aquele
para se inserir nessa lógica torna-se refém deste, pois, é obrigado a
produzir um único produto (especialização) que não é de sua
escolha, obviamente, mas, da escolha daquele que emprestar-lhe-á
o crédito. O camponês possui uma lógica de relação com a terra
diferenciada dos capitalistas latifundiários personificados nos
agronegócios. Ou seja, o primeiro possui uma relação afetiva com
a terra a fim de produzir para atender suas necessidades, tendo o
produto como valor de uso e sua troca no mercado para adquirir
outras mercadorias a qual não produz. A produtividade está para
o capitalista, pois, este possui um desejo obsessivo de acumulação
de riqueza, de capital, levando a qualquer custo a miséria e ao
empobrecimento de toda classe trabalhadora, através da
exploração do trabalho desta.
E também a portaria nº 386, de 24/9/1997, criou a
declaração de aptidão, pela qual a verificação do preenchimento
dos critérios de enquadramento na categoria social agricultor
familiar pertence às organizações locais claramente designadas
para esse fim: os sindicatos de trabalhadores rurais, as empresas
estaduais de extensão rural e também os sindicatos rurais. O
acesso ao PRONAF passa pelo vínculo com alguma organização
local que qualifica o agricultor familiar. Existe aí um risco de
cartorialismo e mesmo de exclusão. (HILLIG, 2008, p.117)
NEVES (2007) afirma que formas de inclusão resseguram
que os termos agricultura familiar e agricultor familiar apresentamse como categoria de mobilização política, fundamental na
construção da identidade de atores aglutinados em torna da luta
pelo reconhecimento da cidadania econômica e política.
ABRAMOVAY e PIKETTY (2005) observaram que os
termos anteriormente utilizados (pequena produção, agricultura
não-comercial, etc.) davam uma conotação marginalizada a esse
segmento hoje chamado de agricultura familiar. Os fatores
científicos e políticos foram os responsáveis por desfazer essa
visão. Os autores mostraram que nos países mais avançados a
agricultura não mais se apoiava em grandes extensões territoriais e
no trabalho assalariado. O fator político trás o surgimento de um
novo ator nas lutas sociais no campo nos anos 80. Um amplo
segmento social, os agricultores familiares, tinha acesso a terra,
tomava crédito de organizações bancárias, inseria tecnologia na
produção, integrava-se a mercados exportadores, etc. A primeira
metade dos anos 90 contribuiu para uma série de reivindicações
quanto à política agrícola, que reflete no PRONAF.
Dessa forma, o PRONAF é concebido como um ganho das
lutas dos movimentos sociais a partir de sua implantação na
primeira metade da década de 90. É um discurso muito bonito,
que ao mesmo tempo em que tenta acalmar os conflitos de terra
no Brasil cria uma ilusão no imaginário da população. Ilusão
pautada na inclusão do camponês no mercado, quando na verdade
tenta-se eliminar a luta por ―distribuição‖ de terras e ―melhores‖
condições de trabalho no campo.
Por parte dos gestores estatais houve, segundo NEVES
(2007), a intenção de regularizar a adequação entre liberação dos
financiamentos e calendário agrícola dos sistemas de produção dos
reconhecidos agricultores familiares. Além disso, houve
investimento na tentativa de melhor adequar às condições de
acesso no tocante à exigibilidade bancária e à criação de poupança
rural. Tais medidas vêm sendo avaliadas como fundamentais para
a construção da credibilidade do PRONAF junto aos requisitados
agricultores familiares e para expansão da base social dos
beneficiários.
Porém, o crédito do PRONAF, segundo suas normas
operacionais e regras bancárias, aplicadas pelos mediadores locais,
direciona os recursos aos agricultores com maior habilidade
produtiva e mais vinculados aos mercados estáveis, especialmente
as commodities agroindustriais.
Para o sistema bancário os beneficiários de crédito de
custeio e investimento do PRONAF devem poder reembolsar
seus empréstimos, com base nos resultados econômicos advindos
de suas atividades. Em tese, se esses resultados são positivos, o
sistema bancário deveria interessar pelo seu financiamento.
Deixadas, entretanto, ao livre arbítrio do mercado, essas atividades
dificilmente serão financiadas, não por possuírem rentabilidade
duvidosa, mas por representarem custos de transação bancárias
superiores à sua rentabilidade potencial. A escassez dos recursos
voltados ao crédito rural torna os maiores tomadores de
empréstimos especialmente interessantes aos bancos, não tanto
por sua eficiência econômica na operação desses recursos, mas,
sobretudo, por sua capacidade de oferecer ao sistema bancário as
garantias reais e as contrapartidas que baixam os riscos das
operações e ampliam seus ganhos colaterais. (HILLIG, 2008,
p.117)
Por conseguinte, as instituições (associativismo,
cooperativismo, sindicatos, etc.),
[...] se articulam tendo em vista
fundamentalmente a concessão de crédito
monetário, as alternativas da objetivação
do PRONAF passam a reduzi-lo a este
único e restrito serviço. Ora, por suas
intenções, ele não é apenas um programa
de crédito. Na verdade, o PRONAF [...]
propõe a construção de quadros
institucionais para reconhecimento da
categoria sócio-profissional produtor
familiar, especialmente através do crédito,
recurso fundamental para a redefinição dos
modos não só produtivos de inclusão
social. Ele se apresenta, ao mesmo tempo,
como instrumento referenciador dos
valores atribuídos ao exercício da
cidadania;
e
como
instrumento
fundamental ao reconhecimento da
importância social e econômica do
produtor familiar‖ (NEVES, 2007, p. 258).
Dessa forma, NEVES (2007) concebe o conceito de
agricultura familiar como aquele capaz de aglutinar o pequeno
produtor em torno de um propósito de formação da categoria
sócio-profissional, ela concebe-o como positivo. Porém, ela
alerta para um problema, o pequeno agricultor, ao qualificar as
dificuldades como burocratização, passa a conhecer e a
qualificar a externalidade do programa e desaniman-se diante da
primeira dificuldade. O agricultor precisa se sentir valorizado
para projetar o futuro e se construir como parte de um sistema
de possibilidades e de alternativas. Tornar-se produtor é
integrar-se em redes sociais e, principalmente, institucionais; é
identifica-se com outros agentes econômicos e com eles criar
alianças, especialmente as que fundamentam as possibilidades
de comercialização sob certa estabilidade. Ou seja, a
preocupação da mesma consiste em um melhoramento de todo
aparato institucional que dê subsidio aos pequenos agricultores
tanto para um apoio inicial de crédito como da manutenção de
ajuda na conservação da estabilidade em longo prazo.
É preciso esclarecer que este tipo de alternativa se torna
inviável ao passo que no modo de produção capitalista, que tem
como principio a acumulação de riqueza através da exploração
do trabalho, tem nesse termo (agricultura familiar) apenas uma
forma de camuflar a verdadeira intenção política a que se
pretende. Assim, como diversas ONGs e parte dos sistemas
cooperativistas o que se pretende é esconder a desmobilização
do camponês como ser histórico e revolucionário, dotado de
capacidade de transformação da realidade, esta que vem por
muito tempo o constrangendo.
A questão agrária brasileira, sob a égide desse termo
(agricultura familiar), em nada ajuda na mobilização do
camponês. Até porque o crédito não tem chegado para todos,
de acordo com MAGALHÃES apud HILLIG (2008, p. 115) ―o
programa só estaria atingindo seus objetivos em algumas partes
do país, principalmente no sul e com aqueles ligados aos
agronegócios‖. Além disso, existe o conflito entre a necessidade
de financiar agricultores familiares para a participação nos
mercados e objetivos sociais para todo o grupo de agricultores
familiares. Esse termo além de ser criado de cima para baixo, o
que se deduz que não vai atender aos interesses a quem foi
destinado, também funciona de forma instrumentalizada pelo
Estado como principal agente mobilizador não de ações
políticas e sim de cooptação do camponês pelo capital e pelo
mercado. O único conceito capaz de reivindicar sob sua égide a
mobilização de uma classe em prol de suas necessidades no
campo é o camponês. Pois, como é sabido, em toda a sua
existência, possuindo diferentes leituras a cada tempo histórico
e espaço em que se situava, este sujeito esteve envolvido no
palco das lutas.
Por outro lado, o conceito de pluriatividade é
amplamente difundido no meio acadêmico para resumir o
significado de atividades extra-agrícolas. Segundo aquele
conceito estas atividades são manifestadas de várias formas,
através de trabalhos com artesanato, com turismo rural, nas
indústrias, etc. Essas atividades praticadas pelos camponeses
permitem a ampliação da renda do camponês, mas ao mesmo
tempo implica numa maior exploração do trabalho. Esse
pequeno aumento de renda, se comparado à renda obtida
através de trabalhos árduos a que se encontrava submetido
antes dessa nova forma de trabalho, esconde a verdadeira
exploração que ele está submetido; e agora não só através da
subsunção dos produtos agrícolas na distribuição e na
circulação, mas, também através do trabalho excedente nãopago nas indústrias.
O advento da industrialização difusa é indicativo desse
novo caráter de exploração. Assim entende-se que a
industrialização difusa ou descentralizada,
[...] além de ter uma estrutura de produção
pulverizada de unidades de pequeno porte
fortemente ligadas ao ambiente social e
econômico local estabelece relações
mercantis muito particulares, verdadeiros
nichos
no
mercado
internacional
(SCHNEIIDER, 1999, p. 64).
Ou seja, leva em consideração a disponibilidade de mãode-obra existente tirando proveito daquela que é mais barata e
desorganizada; expandindo sua área de influência para longe
dos centros urbanos, pois, estes não se encontram propícios ao
desenvolvimento de atividades tanto devido à presença de
deseconomias de aglomeração quanto à presença de sindicatos.
Além disso, a fuga da rigidez dos contratos de trabalho, maior
flexibilização; a fixação da população no meio rural, evitando o
aumento da superlotação e o caos nas cidades; e a melhor
assimilação dos impactos da modernização agrícola.
O aparecimento de economias regionais de características
localizadas, intensamente ligadas ao esquema global de
acumulação capitalista, é indicativo do colapso do fordismo e
do advento da reestruturação produtiva do capital. Elas
representam uma possibilidade de flexibilização das relações de
produção nos objetivos de uma nova forma de acumulação.
Isso não significa que a influência do processo estrutural local
não ocorra, pelo contrário é uma relação dialética. Ou seja, a
reestruturação produtiva impõe mudanças, através da
industrialização difusa e da flexibilização das relações de
trabalho, que são atribuídas à população levando em
consideração as atividades produtivas de cada localidade. E
também, é comum que o espaço social e econômico local
retenha alguns traços característicos de seu passado camponês
ou colonial.
No entanto, as indústrias passaram a dar maior
importância ao processo de descentralização ao perceber que
esta seria uma estratégia para enfrentar os novos desafios
organizacionais da flexibilização dos processos produtivos
adequados a um ambiente onde o operário não dependesse
exclusivamente do seu salário.
Nesse sentido, os camponês-operários (termo utilizado
por SCHNEIDER (1999)) são sujeitos que não possuem nem
características somente camponesas, nem somente operárias,
eles se identificam como camponeses, mas são trabalhadores da
indústria. A sua condição não é necessariamente a de operário,
nem eles se consideram como indivíduos da classe operária,
apesar de suas atividades industriais terem diminuído bastante
sua atividade agrícola. O que os diferencia dos outros operários
é o fato de se ocuparem na lavoura, mesmo que para
subsistência, de pertencerem a famílias que tem propriedade das
terras que cultivam, mesmo em pequena quantidade, e de não
morarem na área urbana.
A condição de camponês-operário tem haver com o
ambiente no qual ocorre a ligação do indivíduo assalariado com
a atividade rural. Ser camponês não significa apenas ser um
agricultor que cultiva a terra, mas comportar-se de acordo com
um conjunto de valores simbólicos. Embora um camponêsoperário seja assalariado, a reprodução dos seus valores se dá
num ambiente distante da fábrica. Porém, a aproximação com o
ambiente fabril, através do acesso a empregos fora da
propriedade, pode fazer com que muitos desses valores e
normas sejam diminuídos. A aquisição de renda através do
assalariamento pode admitir que os jovens tenham acesso a
bens de consumo e as mais variadas formas de lazer e de
entretenimento.
Nesse sentido, inverte-se o papel que historicamente
desempenharam as atividades não-agrícolas em sociedades
camponesas: o de ser um rendimento complementar e
esporádico. Mas, isso não significa que dessa forma, por
assumir a condição de camponês-operário, o camponês deixou
de ser explorado e de ser uma relação não-capitalista de
produção. O que antes eram atividades complementares e
temporárias, exercidas em períodos de pouca demanda de força
de trabalho na unidade produtiva camponesa, assume, agora,
um caráter estável e decisivo à manutenção da família e da
propriedade.
Assim, pôde-se observar que nem a pluriatividade nem o
PRONAF tem, apesar da tentativa de inserção dos camponeses
no mercado, a função de inclusão livre de benefícios ao
acúmulo de riqueza cada vez mais exacerbado. Até porque com
a mundialização cada vez mais evidente das formas de
concentração de capital, para a manutenção de ―estabilidade‖
do capital, é impossível que haja uma suposta divisão do bolo.
O que ocorre é que o Brasil possui um movimento social no
campo bastante significativo frente às intempéries do capital,
então, é necessário frear o desenvolvimento deste movimento e
ao mesmo tempo cooptar os camponeses, criando uma ilusão
de inclusão. Dessa forma, fragmenta-se a luta, já que um ou
outro camponês acabará ascendendo e este servirá de estímulo
a aqueles que criam o desejo de se inserir em um projeto que
não corresponde aos anseios deste segmento social. Assim,
será que os agricultores familiares vão ter crédito de forma mais
ágil e mais adequada às suas necessidades?
3 A INSERÇÃO DOS CAMPONESES NO MERCADO
Por conseguinte, é preciso esclarecer que, mesmo que o
camponês venha a obter crédito proveniente do PRONAF, o
processo de reprodução capitalista ampliada do capital é
contraditório; além de redefinir antigas relações subordinandoas à sua reprodução, engendra relações não-capitalistas igual e
contraditoriamente necessárias à sua reprodução. O capital, em
sua essência, para dominar um ramo de atividades (que nesse
caso é a agricultura) necessita da separação entre o produtor
direto e os meios de produção, ou seja, de uma crescente massa
de camponeses expropriada, de trabalhadores ―livres‖. Estes
tendo apenas como propriedade a sua força de trabalho e não
tendo instrumentos de trabalho, sem objetos, sem um meio de
trabalho (que no caso é a terra). Esses trabalhadores são livres
no sentido de que têm a liberdade de vender a um capitalista,
proprietário dos meios de produção, através de um contrato, a
sua força de trabalho; podendo por isso mesmo, a qualquer
instante, desfazer o contrato.
Por conseguinte, o que acontece é que nem sempre se dá
a separação, entre o produtor direto e os seus meios de
produção, como foi referida anteriormente. É certo que se
conserva a propriedade da terra por parte dos camponeses que
não foram expropriados, mas eles não têm a propriedade real.
Conserva-se, também, a aparência de um ―produtor
comerciante‖ que oferece produtos ao mercado, mas, na
verdade é um vendedor da força de trabalho, e sua venda é
disfarçada pela aparência da produção comercial. Assim o
produtor é reduzido ―à condição de trabalhador domicílio‖.
Na medida em que o produtor preserva a
propriedade da terra sem o recurso do
trabalho assalariado, utilizando unicamente
o seu trabalho e o da sua família, ao
mesmo tempo em que cresce a sua
dependência em relação ao capital, o que
temos não é a sujeição formal do trabalho
ao capital. O que esta relação nos indica é
outra coisa, bem distinta: estamos diante
da sujeição da renda da terra ao capital
(MARTINS, 1981, p.175).
Se o trabalhador produz diretamente uma
parte de seus meios de vida, destrói o
caráter salarial de sua remuneração porque
entrega ao capitalista diretamente, em
forma material diversa, o seu trabalho
excedente. Nesse caso, o trabalhador pode
ser livre, mas não formalmente igual, o que
impede essa relação como capitalista.
(MARX apud MARTINS, 1981, p.19)
O camponês não existe a partir de uma relação de
trabalho assalariada, isso significa dizer que não se trata de
uma forma capitalista de produção. Mas, isso não expressa que
não haja exploração do seu trabalho de uma forma até mais
ilusória que o operário, já que aquele se sente proprietário
tanto da terra quanto do seu trabalho, pois, os meios de
produção se encontram em suas mãos. O que o camponês não
sabe é que quando ele comprou a terra ela é renda capitalizada
que espera a valorização do seu trabalho para render frutos ao
capitalista na distribuição e circulação da produção.
Sabemos que o capital se mantém, também, através das
relações não-capitalista, pois, o dinheiro que é investido na
produção camponesa ajuda o capitalista a usufruir a mais-valia
na distribuição e na circulação da produção. Assim, a
transformação da condição do camponês no campo e a
transformação do operário em lupemproletariado na cidade
vai levá-los a entender a necessidade de tomar para si os meios
de produção e utilizá-los de forma igualitária e justa; vai leválos a compreender que algo que é estranho a sua lógica de
sobrevivência (baseada no valor de uso para atender a suas
necessidades) se elevou diante deles a tal ponto que ou eles
promovem a luta como sujeitos históricos que são ou estão
fadados a desaparecer em meio a uma barbárie aguda. É
importante frisar que não se pode determinar o que vai
acontecer na história, mas é preciso acreditar em algo que dê
suporte a uma transformação que surgira ao longo dos
acontecimentos históricos.
Portanto, o atual desenvolvimento contraditório do
modo capitalista de produção, na sua etapa monopolista, cria,
recria, domina relações não-capitalistas de produção como o
campesinato e a propriedade capitalista da terra. A terra sob o
capitalismo tem que ser entendida como renda capitalizada.
Então, o processo contraditório do desenvolvimento do
capitalismo se faz através da sujeição da renda da terra ao
capital, quer pela compra da terra para explorar (através da
extração da mais-valia, ou seja, trabalho não-pago, aos
parceiros, arrendatários, etc.) ou vender, quer pela
subordinação à produção do tipo camponesa.
Nesse último caso o capital não pode tornar-se
proprietário real da terra para remover juntos o lucro e a renda,
como é o caso da compra daquela para explorar ou vender,
assim, ele se garante em estabelecer a dependência do produtor
em relação ao crédito bancário. O que acontece com a pequena
plantação de base familiar é que o camponês está comumente
cheio de dividas com o banco.
Assim, o produtor poderá, sem qualquer modificação
visível, continuar proprietário, entregando ao banco anualmente
os juros (aqui está embutida parte da mais-valia, ou seja,
trabalho não pago ao camponês) do empréstimo que faz, ou
caso não tenha como pagar as dividas se tornara despossuido de
suas terras, podendo torna-se proletário rural. Ou ainda, a
subordinação da produção camponesa se dá através da
distribuição e da circulação dos produtos agrícolas.
Na ilusória realidade da classe dominante observam-se
três tipos de proprietários distintos: o capitalista, proprietário
do capital; o dono da terra, proprietário da renda da terra; e o
trabalhador, proprietário do salário. Se todos são proprietários,
embora de coisas distintas, então todos os homens são iguais e
possuem iguais direitos. Enquanto não superarmos essa
aparência e procurarmos como realmente são produzidos esses
proprietários pelo sistema capitalista, não podemos entender
que o salário não é propriedade do trabalhador, mas é o
trabalho não-pago pelo capitalista (mais-valia); que a renda não
vem da terra, mas de sua transformação em capital pelo
trabalho não-pago do camponês; e que, o capital é efetivamente
proprietário. Isso acontece porque a ideologia é ilusão, isto é,
abstração e inversão da realidade, ela permanece no plano do
imediato do aparecer social. [...], o aparecer social é o modo de
ser do social de ponta-cabeça (CHAUI, 2005, p.9).
Por outro lado, a obtenção de tecnologia pelos
camponeses para prover sua produção a partir da aquisição de
créditos poderia torná-los como aqueles fazendo parte do
agronegócio de base familiar? Será que a partir da penetração da
tecnologia no campo o camponês deixará de existir e tornar-seá agricultor familiar? Transformar-se-á em pequeno capitalista?
Na verdade ele só vem revestido de uma nova roupagem mais
moderna; o que pode tornar o entendimento e análise mais
ilusórios por parte de alguns estudiosos desavisados, que nos
tempos remotos observaram a existência de menos tecnologia.
O próprio desenvolvimento desigual do capital é que, ao
introduzir uma nova tecnologia, possibilita que se dê na própria
unidade familiar, condição de criação de excedentes (aumento
da produção), que possibilite a contratação de trabalhadores
assalariados e a converta em unidade de produção capitalista.
Como da mesma forma pode transformar os camponeses, que
tentam introduzir tecnologia na sua produção, em proletariados
rurais.
Assim,
[...] a combinação do arcaico e do
ultramoderno não é uma anomalia em
nossa sociedade, para a desilusão,
possivelmente,
daqueles
velhos
antropólogos e sociólogos que trabalham
com a polarização irremediável do
tradicional e do moderno. Tradicional e
modernos não estão polarizados, mas
contraditoriamente combinados. Essa é a
forma que a acumulação capitalista assume
nessa sociedade, que se dá, também,
através dos incentivos fiscais, das isenções,
das doações do Estado, da transferência da
riqueza pública para o particular. Nosso
capitalismo é um capitalismo tributário,
um capitalismo que se alimente, sobretudo,
da arrecadação de tributos e não só da
exploração da força de trabalho. Um
capitalismo que vive, ainda, da renda da
terra, que é forma absolutamente irracional
de acumulação (MARTINS, 1993, p.5455).
Uma sociedade em que o trabalho não reduza homens e
mulheres a simples ferramentas de produção torná-los-iam
livres no sentido de desenvolver suas personalidades de maneira
harmoniosa e no encurtamento da jornada de trabalho. Para
permitir que isso se torne possível, a liberdade no trabalho só
pode consistir em homem socializado, os produtores associados
regulam seu intercâmbio com a natureza; e conseguindo isto
com o mínimo dispêndio de energia e sob condições mais
favoráveis e dignas de sua natureza humana. Assim, a
tecnologia deveria ser produzida nesse sentido, como um bem
de usufruto da humanidade e menos dispêndio de energia, e
não para atender a acumulação.
―O trabalho necessário por seu lado esconde encobre o
trabalho excedente, de modo a ocultar a exploração do
trabalho‖ (MARTINS, 1981, p. 19). Nessa sociedade, em que a
apropriação do excedente de trabalho se dá a partir do controle
da produção, e esta se dá pela propriedade privada dos meios de
produção, prevalece à divisão de classes em prol da acumulação
de riqueza por aqueles que se apropriam do excedente de
trabalho; que apesar de o camponês possuir o controle da
produção, e em algumas situações a propriedade privada dos
meios de produção (a terra), ele não acumula riqueza através da
apropriação do excedente de trabalho, pois, sua lógica é nãocapitalista. Pois, nessa sociedade em que a divisão em classes se
apóia tanto na apropriação do excedente, por aqueles que nada
produzem (exploradores), quanto na divisão do trabalho, que
essa apropriação gera, o camponês não consegue enxergar seu
trabalho explorado numa outra esfera do processo de produção
do espaço pelo seu produto, ou seja, na distribuição e na
circulação, em que ocorre a exploração do seu trabalho. E
também porque ao fim do processo de trabalho ele pensa que o
dinheiro, que ele investiu na produção, será recuperado na
venda de seus produtos ao mercado, sendo isso para ele uma
lógica ‗natural‘ de venda e nada tendo haver com o valor gerado
pela sua força de trabalho. Uma vez que, o capital encontrou
mecanismos de cooptar a produção camponesa não-capitalista,
mesmo esta produzindo numa lógica diferenciada daquele,
através do sentido que rege o sistema produtor de mercadorias,
a acumulação de riqueza através do trabalho não-pago a
qualquer tipo de trabalhador.
É preciso que o camponês tome consciência de que a
resistência coletiva é a única forma de retorno e permanência na
terra, com o usufruto do trabalho retirado da mesma, e não
como exploração daquele a partir de uma lógica que lhe é
estranha. A resistência a partir do contexto em que está posta é
pontual, exceto nos movimentos sociais, e muitas vezes o
Estado consegue cooptar os camponeses para se inserirem na
lógica do mercado. Existe uma gama de interesses dentro dos
―diferentes‖ tipos de camponeses (parceiros, meeiros,
ocupantes, etc.) que impedem que eles se enxerguem como
classe. A partir do momento em que eles se encontrem nas
mesmas condições materiais de existência, eles iram perceber
que somente como classe eles poderão transformar a realidade.
A compreensão do papel fundamental e do lugar dos
camponeses na sociedade capitalista e no Brasil é fundamental.
E ainda ou entende-se a questão no interior do processo do
desenvolvimento do capitalismo no campo, ou então persistirse-á a ver muitos autores assegurarem que o PRONAF é um
meio de inserção dos camponeses no mercado. Eles
permanecem lutando para conquistar o acesso às terras em
muitas partes do Brasil através dos movimentos sociais. E
ainda eles ao invés de se proletarizarem, passaram a lutar para
permanecerem camponeses. O estudo do campo no Brasil
deve levar em consideração que o processo de
desenvolvimento do modo capitalista de produção no
território brasileiro é contraditório e combinado.
Ou seja, a partir do momento em que os camponeses
perdem sua condição de permanência na terra (regularizada
dentro da lógica capitalista da propriedade privada), e não a
sua condição como camponês (representação simbólica dos
seus valores que foram obtidos durantes sua vida e nunca
deixara de existir), e se encontram na mesma condição que os
demais sem terra, eles partem para a luta. E somente nessa
situação passam a se ver como classe, pois, antes eles não
queriam perder a sua condição nas diferentes concepções de
camponês (rendeiro, posseiro, proprietário formal da terra,
etc.) e por isso não conseguiam se ver como classe. As classes
lutam entre si por objetivos específicos e assim se determinam
enquanto tal. Elas são determinadas pelo fato de que, há os
que não têm propriedade e os que têm. Esta última afirmação
leva a uma indagação: por que alguns camponeses, então,
possuem a propriedade de sua terra? Já que eles não são
capitalistas. Foi afirmado anteriormente que eles só possuem
a propriedade formal da terra, pois, sua força de trabalho é
subsumida na distribuição e na circulação do seu produto e
eles não têm como intenção a acumulação de riqueza e sim
atender as necessidades.
É preciso que haja a luta para que o camponês tenha
consciência em si e consciência para si. A primeira diz respeito
ao fato que o camponês deve se colocar no lugar do outro
para se perceber como classe. E para se colocar no lugar do
outro é necessário que ele esteja na mesma condição do outro,
para que ambos se unam em um objetivo especifico. Se por
exemplo o camponês tiver a oportunidade de se inserir ou
pelo menos se imagine dentro do sistema do capital de forma
não marginalizada, ele terá como objetivo especifico a
mudança de lógica da sua produção e sua inserção no mercado
assumindo essa nova lógica. Ou seja, ele deixara de ter o
objetivo especifico de outro camponês que se encontre na
mesma situação que a sua e poderá até se tornar um
latifundiário capitalista. Porém, se esse camponês perde sua
terra ele pode se perceber no outro e pode se juntar aos
movimentos sociais que tem como objetivo especifico a luta
organizada pela terra (consciência para si) ou, infelizmente
tornar-se proletariado rural, caso ele não observe aquela
alternativa.
É preciso entender que para haver a superação da
sociedade vigente, tanto o camponês como o proletário e o
desempregado têm que ir a luta para suplantar não só a
condição a que estão submetidos, mas também, a situação
daquele que o submete a isso. Ou seja, é preciso superar a
condição dos proprietários dos meios de produção através da
eliminação da propriedade privada; pautados em novos valores
que levem em consideração os valores de uso dos sistemas de
objetos construídos pelo homem através do trabalho e da
tecnologia acumulada. Finalizando com o sistema de ações que
consiste na materialização do processo de trabalho em
transformar e produzir o espaço como ação consciente
dialeticamente voltada para ruptura das estruturas sociais e
econômicas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, os camponeses são aqueles que fazem parte de
uma classe social o campesinato. Segundo MARTIN (2008,
p.5) eles ―[...] constituem uma classe que se constrói no fazer-se
da luta pela defesa dos seus valores, de sua formação social e
cultural, em oposição a outros valores, ideais e modo de vida‖.
Os caracteres desses têm a família como unidade social de
trabalho e de exploração da propriedade; as tarefas se dividem
entre todos os membros do grupo doméstico, em função das
faculdades de cada um, formando assim uma equipe de
trabalho. A família assegura a subsistência de todos os
membros e aquela geralmente está sob autoridade do pai de
família. Procurando perpetua-se por ligação afetuosa com os
meios de subsistência (terra e instrumentos) e da herança. Além
disso, nas relações sociais de trabalho, na produção de sua
existência, o camponês tem por característica ser uma relação
não-capitalista de produção. Tanto porque suas relações de
trabalho não possuem trabalho assalariado quanto porque o
camponês não tem por objetivo a acumulação de riqueza a
partir da exploração do trabalho do outro. Isso não significa
que não tenha seu trabalho explorado, capturado, subsumido
pelo capital na distribuição e circulação dos seus produtos. Ou
seja, mesmo que o Estado venha a fornecer créditos para
fomentar as suas atividades, para uma futura inserção no
mercado, o que não é provável que atinja ao menos grande
parte dos camponeses, isso não irá atender a suas necessidades.
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A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL E
O TRABALHO NA AGROINDÚSTRIA CAFEEIRA DE
BARRA DO CHOÇA-BA.
Verônica Ferraz de Oliveira45
1 INTRODUÇÃO
A implantação da cultura de café na região de Barra do
Choça provocou transformações importantes no espaço urbano
e rural. Estas mudanças podem ser percebidas na base fundiária
do município, na sua dinâmica produtiva e demográfica, e ainda
nas condições e relações de trabalho e na produção específica
da atividade cafeeira.
O estudo destas alterações exigiu, num primeiro
momento, uma retomada das contribuições da Geografia
Agrária acerca da produção do espaço agrário, de modo a
compreender a forma de inserção do capital no campo e o
processo de monopolização do território.
Ademais, com vistas ao maior entendimento deste
processo foram realizados estudos sobre as intervenções
estatais na configuração do espaço agrário brasileiro por meio
de programas e incentivos à agroindústria e, sobretudo à
agricultura familiar.
Como suporte aos estudos destas questões foi realizada
uma análise sobre a territorialização da agroindústria cafeeira,
no Brasil, no Nordeste, na Bahia e finalmente na Barra do
Choça. Para analisar a inserção da atividade cafeeira na Barra do
Choça, foi feito um estudo mais profundo sobre o município,
focando a sua formação, com apontamentos históricos,
45
Mestre em Geografia pelo Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Sergipe – UFS.
geográficos, econômicos e sociais que justificam o fluxo da
produção cafeeira neste município.
O segundo momento da pesquisa foi voltado para a
compreensão de reestruturação produtiva do capital,
observando as alterações que esta estratégia do capitalismo
provocou na modernização da agroindústria cafeeira e nas
relações de trabalho. Nesta etapa, a reestruturação foi avaliada
desde os seus primórdios até os dias atuais, de modo a
compreender as suas relações com a cafeicultura do município
em estudo. Os escritos mostram as fases pelas quais a atividade
cafeeira deste município passou, desde o momento de apogeu,
passando pela crise até a sua recuperação.
Na investigação sobre a modernização da cafeicultura
da Barra do Choça, as condições infra-estruturais não poderiam
deixar de ser destacadas e analisadas, pois elas fazem parte do
contexto da reestruturação produtiva do capital. Atrelado a este
aspecto veio à tona a precariedade do trabalho e das relações de
trabalho estabelecidas na atividade cafeeira. Com a abordagem
destes aspectos optou-se por trazer à baila, as formas de
enfrentamento dos trabalhadores mediante as lutas e a
participação em sindicatos e movimentos sociais.
Para analisar a reestruturação produtiva do capital e o
trabalho na agroindústria cafeeira no município de Barra do
Choça, foram adotados procedimentos metodológicos que
permitiram captar o movimento das dimensões sociais,
econômicas, políticas e culturais embutido nesta atividade
produtiva, buscando ir além do racionalismo técnico que
dominou a geografia teorético-quantitativa, fundamentada no
positivismo lógico, em que não considerava os fenômenos
sociais.
Isto posto, observa-se que o tema em pauta apresenta três
categorias principais: Reestruturação Produtiva do Capital,
Trabalho e Produção Socioespacial na Agroindústria Cafeeira.
Para tanto foi realizada uma revisão teórico conceitual,
utilizando bibliografia específica.
2 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO
Em princípio é oportuno reafirmar a capacidade de
mutações do modo de produção capitalista com o propósito de
garantir a permanente acumulação de riquezas, seja em qualquer
tempo ou lugar. É com esta capacidade de recriar as
engrenagens da acumulação capitalista que se assistem às
metamorfoses do capital, do Taylorismo ao Fordismo e deste
para o Toyotismo.
A análise dos contextos históricos da acumulação
capitalista revela que os princípios da produção taylorista fordista caracterizados pela produção em massa, pela divisão do
trabalho, pela falta da totalidade do processo produtivo, pelo
trabalhador passivo e pela linha de montagem, possui a
perspectiva de aumentar a produtividade do trabalho. Com esse
sistema de produção a indústria diminuiu o tempo de trabalho,
o que possibilitou a produção de grande estoque de mercadoria.
Sobre este contexto de crise, Hobsbawm (2001) afirma
que nas décadas de 1970 e 1980, o mundo vivenciou crises, e,
parte da África, Ásia Ocidental e América Latina sofreram uma
severa depressão, que levou à recessão e ao forte desemprego.
O capitalismo já não dava conta de manter-se intacto às crises
econômicas, que rebatiam também no lado social.
Nas décadas de 1970 e 1980, a América Latina passaria
por uma profunda crise econômica, com taxas de crescimento
decrescentes e subordinadas à lógica do sistema financeiro face
ao crescimento das taxas de juros e da crise financeira mexicana
em 1982.
É possível inferir que a década de 1980 foi marcada pela
crise financeira dos países subdesenvolvidos e da nova
orientação estrutural do sistema capitalista, resultando em
mudanças do ponto de vista das relações econômicas e do
mundo do trabalho. Efetivamente a crise estrutural do capital,
apontada inicialmente em meados de década de 1970 se
prolongaria durante a década seguinte, realizando um novo
arranjo nas relações de trabalho e sobre o lastro do fantasma da
crise do Socialismo Real e da ideologia da globalização. Então, a
reestruturação produtiva nada mais seria do que a radicalidade
do capital sobre a economia de mercado e das relações de
trabalho.
Em relação aos novos métodos de trabalho, para
transcender a crise, a primeira experiência foi desenvolvida no
Japão realizando um ―novo‖ sistema de produção para tentar
dar efetividade ao sistema do capital, que até então se
encontrava em crise. A nova proposta de métodos e técnicas na
organização da produção e do trabalho, conhecida como
Toyotismo foi estruturada desde 1960, mas veio à tona e tomou
maior impulso a partir da década de 1980 e no Brasil tomou
mais forma na década de 1990.
Para Thomaz Júnior (2002) foi a partir da década de 1990
que a reestruturação produtiva atingiu maior amplitude e
profundidade no Brasil, momento em que as inovações técnicas
e organizacionais assumiram um caráter sistêmico em todo o
circuito produtivo em diversos setores econômicos. O autor
afirma que com todas estas mudanças ainda há traços de
semelhança em relação à busca da competitividade do capital e
à adoção de novos padrões organizacionais e tecnológicos
compatíveis.
Com a técnica do Toyotismo surgiram as chamadas ilhas
de produção, nas quais o trabalho é desenvolvido em equipe, os
trabalhadores são estimulados a acompanhar tudo o que
acontece nesta ―ilha‖, e cada operário deve conhecer suas
próprias funções e as funções dos demais. Como resultado
deste processo a indústria obtém o aumento da produção e a
redução de custos e naturalmente aumento na produtividade do
trabalho. Com a qualidade técnica e tecnológica, vê-se que o
Toyotismo tem obedecido à lógica do capital. Isto é, produtos
são fabricados de acordo com as especificações determinadas
para a produção de mercadoria com menor custo.
Um dos princípios do Toyotismo é o de que a indústria
opere com baixos estoques de mercadorias e o dinheiro fique
acumulado no banco, sendo sacado apenas quando houver
necessidade para produção. Este processo introduziu maior
flexibilidade na produção industrial. É como se cada mercadoria
fosse fabricada sob medida e ao gosto do cliente, logo a
rotatividade do capital deve ter um ciclo menor.
Mesmo com todo aparato de propostas de inovações que
o Japão apresenta ao mundo capitalista como solução para a
crise da superprodução do sistema taylorismo-fordismo,
Thomaz Júnior (2002) entende que em escala universal, o
Toyotismo passa a mesclar-se com outras formas de
racionalização do trabalho, ainda que seja num processo
contraditório de continuidade-descontinuidade com o
taylorismo-fordismo. Mesmo tentando primar pelas novas
necessidades de acumulação capitalista, o referencial
produtivista que vigorou durante o século XX ainda é mantido.
Segundo a abordagem de Alves (2007) o Toyotismo não
rompeu a rigor com a lógica do Taylorismo-fordismo, é por
isso que muitos autores o denominam de ―neofordismo‖. Pelo
menos em relação à questão do trabalho, ele realiza um avanço
que seria o de promover a racionalização do trabalho.
Alves (2007) enfatiza que o Toyotismo não representa
uma nova forma produtiva propriamente dita, por isso tende a
mesclar-se com outras vias de racionalização do trabalho.
Ocorre, então, uma adequação à era das novas máquinas de
automação flexível para superar a crise estrutural da
superprodução. Portanto, no que diz respeito ao processo de
trabalho, o Toyotismo integra o novo com o arcaico das formas
Taylorista-Fordista.
Vê-se que estas transformações que o sistema capitalista
de produção tem experimentado é o resultado de crises que o
capitalismo vivencia constantemente. Como enfrentamento
dessas crises, o capital apresenta ao mundo um novo sistema de
produção para tentar recuperar as estruturas do capitalismo que
até então se encontravam abaladas. Sobre a incidência destas
mudanças no mundo do trabalho Antunes afirma que:
A crise experimentada pelo capital e suas
respectivas
respostas,
como
o
neoliberalismo
e
a
reestruturação
produtiva, que expressam a era da
acumulação flexível, tem acarretado, entre
tantas conseqüências, profundas mutações
no interior do mundo trabalho, ―além de
uma degradação que se amplia, na relação
metabólica entre o homem e natureza,
conduzida pela lógica societal voltada
prioritariamente para a produção de
mercadoria e para valorização do capital.
(ANTUNES, 1995, p. 45)
Como enfrentamento dessa crise, o capital apresenta ao
mundo um novo sistema de produção para tentar recuperar as
estruturas que até então se encontram instáveis. Desta forma, a
reestruturação produtiva tomou maior impulso a partir da
década de 1980 e no Brasil, se consolida na década de 1990.
O processo de modernização no Brasil foi implementado
com base em modelos externos e não considerou a realidade
histórico-social e econômica brasileira. Sob a ótica de
Gonçalves (2001) o país sempre se adequou à nova ordem
econômica mundial sem atentar para os problemas
socioeconômicos nele existentes.
O padrão de modernização do campo no Brasil atuou no
processo de exclusão dos pequenos produtores, tanto no acesso
à propriedade como da subordinação, criando dificuldade de
competir, face à inserção das inovações tecnológicas. Na Barra
do Choça, por exemplo, parte deles conseguiu se inserir no
mercado de trabalho urbano mas outros não conseguiram,
restando-lhes o desemprego, o subemprego, e a precarização do
trabalho. Este fato ocorreu e vem ocorrendo no Brasil de um
modo geral. Sobre esta questão Feliciano afirma que:
O Brasil é o segundo maior país do mundo
em concentração da propriedade da terra,
o que tem provocado, nos últimos anos,
crescimento dos movimentos sociais das
populações rurais sem terra e de
produtores
familiares
empobrecidos.
Exacerbados pela reestruturação produtiva
em andamento, tais grupos rurais acabam
engrossando as fileiras do desemprego e
subemprego urbano e rural, além de
comporem em grande proporção, um
quadro social que apresenta baixo nível de
escolaridade, problemas endêmicos de
saúde e insuficiente acesso aos bens e
serviços, ou seja, índices generalizados de
pobreza e miséria. (FELICIANO, 2006,
p.202).
Segundo Gonçalves (2001) a nova ordem econômica
mundial, sob a égide do capital, remodela a economia dos países
subdesenvolvidos,
que
sempre
foram
subjugados,
intensificando as desigualdades sociais existentes, e perpetuando
a estrutura social marcada por uma grande concentração de
renda e por grande diferença entre ricos e pobres. Estas
questões têm se agravado de maneira geral, e, também, no
Brasil, devido ao fato do mesmo almejar sua inserção na
economia global com as graves conseqüências para a classe
trabalhadora que tem se tornado ainda mais pobre. Isto não
foge à realidade latino-americana nem tampouco barrachocense.
A modernização brasileira se deu por meio do capital
externo, ou seja, pela tomada de empréstimos subsidiados por
órgãos internacionais como o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD). Considera-se que este processo
resultou no agravamento das condições sociais do país, já que o
ônus dos financiamentos pagos com altas taxas de juros recai
sobre a classe trabalhadora.
Para Gonçalves (2001) o Brasil é membro ―emergente‖
da economia mundial financeirizada, e assume, por meio do
Governo Federal o papel que lhe é imposto pelas entidades
financeiras transnacionais. Para participar desse grupo
econômico, deve assumir e arcar com as conseqüências da crise
e corte dos gastos públicos em áreas básicas. O autor ainda
afirma que o governo brasileiro opta por assumir e manter este
quadro caótico, para honrar compromissos com credores
institucionais no exterior, que acumulam bilhões de dólares no
processo especulativo.
Percebe-se, contudo, que essa modernização ocorreu
mediante o sacrifício da classe trabalhadora e excluindo-a do
processo produtivo e da inserção no mundo do trabalho.
Gonçalves consegue expor esta questão de maneira bastante
clara quando avalia que:
No Brasil o quadro gerado pela
reestruturação produtiva do capital, na era
da economia mundializada, é de
superoferta de mercadoria força de
trabalho, parte destes trabalhadores são
então abandonadas e impelidas de
participar do mercado de trabalho, outras
são subaproveitadas, sejam os muito novos
e desqualificados, sejam os que podem ser
considerados velhos e despreparados ou
sem muita energia, restando a estes
trabalhadores, ou a estas mercadorias sem
compradores, buscar alternativas para a sua
sobrevivência, daí o crescimento no Brasil
das atividades econômicas e de trabalho
que fogem ao padrão organizacional e
técnico
atual
de
desenvolvimento
econômico. O trabalho por conta própria,
terceirizado e informal, são apenas algumas
das classificações que são estabelecidas
para a nomeação de um fenômeno
crescente que é o da precarização das
relações e condições de produção e de
trabalho (GONÇALVES, 2001, p. 6).
Portanto, é preciso enfatizar que a reestruturação do
capital produziu uma grande oferta da mercadoria ―força de
trabalho‖, em que parte dos trabalhadores teve de vendê-la em
menor custo, e parte não teve a oportunidade de se inserir no
mercado de trabalho, enquadrando-se no subemprego. Esta
realidade foi também encontrada no município da Barra do
Choça, quando trabalhadores responderam, em pesquisa de
campo, que só estavam trabalhando na colheita de café porque
não tinham outra oportunidade de emprego. Então, vendem
sua força de trabalho por um preço baixo, além de se submeter
às péssimas condições de trabalho.
Quando se afirma que a classe trabalhadora, em todos os
setores, foi a que mais ficou sobrecarregada com o processo de
reestruturação produtiva do capital, é necessário que se reflita o
caso particular do trabalhador rural no Brasil.
Durante os anos de 1960 e 1970, período da Ditadura
Militar, os planos de modernização no Brasil causaram a
expropriação do camponês, a exploração, dominação e exclusão
de trabalhadores rurais, cujos efeitos foram a submissão a um
violento processo de proletarização e um maciço êxodo rural.
Este processo produziu um conjunto de fenômenos, dentre
eles, o surgimento de ―bóias-frias‖, a formação e concretização
dos espaços marginais na periferia das cidades médias, bem
como o recrudescimento do trabalho. Ao avaliar a participação
do Estado no processo de expropriação do camponês, Silva
considera:
[...] tal expropriação, culminando com a
tomada das terras e destruição de parte do
campesinato, não ocorreu, em sua quase
totalidade, por intermédio da violência
aberta, mas, ao contrário, da violência
monopolizada pelo Estado, com a
promulgação de leis que implementaram
os projetos de modernização (SILVA,
1999, p.27).
Uma das primeiras medidas jurídicas tomadas pelo
Estado foi a vigência do Estatuto da Terra pela Lei nº. 4.504
/1964, que objetivava a modernização do campo através do
crescimento da produção e produtividade, como contraponto
ao estatuto do trabalhador rural.
Porém, o Estatuto da Terra tornou-se uma arma contra
os agricultores familiares, que em função dele, perdeu sua terra,
deixou de estabelecer relações de trabalho como: parceria, a
meia, a quarta e assumiu no lugar a figura do trabalhador
volante, temporário, diarista, sendo que uma parcela deste
submete-se a serviços e subempregos nas cidades nos períodos
de entressafra, o que atualmente alguns estudiosos denominam
de pluriatividade.
Este processo ocorreu também com os trabalhadores que
colhem o café no município de Barra do Choça. Conforme
pesquisa de campo, destes, a maioria afirma que trabalha quatro
meses por ano (junho, agosto, setembro e outubro)
concentrado na colheita do café e os meses do ano que restam,
submetem-se (quando encontram) ao subemprego na cidade ou
muitas vezes ficam parados por falta de oportunidade de
trabalho.
Outra relação de trabalho observada na área de estudo é a
contratação do trabalhador rural por empreitada ou pagamento
por produção. Essa relação imprime uma intensidade no
trabalho exigindo maior esforço do trabalhador para aumentar
o seu salário. Ou seja, o salário do trabalhador depende do seu
desempenho no trabalho. Entretanto, o que se observa é que a
remuneração que conseguem como fruto de todo esse esforço
no trabalho, ainda é considerada insuficiente para atender as
suas necessidades básicas como saúde, educação, alimentação e
moradia.
Em entrevista, os trabalhadores responderam que
trabalham oito horas por dia, sem interrupção e preparam as
refeições no alojamento e levam para a roça. Com isso não
param para o descanso do almoço. Eles dão o máximo de si
para aumentar a produção e, consequentemente, ampliar a
renda, já que, como dito anteriormente, a remuneração é
realizada por produção. Por isso os trabalhadores consideram
que se pararem para o descanso do almoço perdem tempo e
que, nessa lógica, é dinheiro. Nesse aspecto, o tempo de
trabalho é medido pela fadiga e a exaustão, o que Marx
denomina de trabalho como ―carcaça do tempo‖.
Tudo isso surge a partir do momento em que a indústria
articula-se à agricultura. Fato que possibilitou o aparecimento
de uma elite agrária e paralelamente a proletarização do
trabalhador rural, que passou a cumprir o papel de fornecedor
de mão de obra barata para a indústria na cidade, na dupla
função que a agricultura tinha.
Este fato também ocorreu com proprietários de fazenda
de café no município barrachocense. Os depoimentos revelam
que muitos não tinham recursos disponíveis para modernizar
sua agricultura e acabaram vendendo suas unidades agrícolas ou
perdendo-as com hipoteca em instituições financeiras e
tornando-se trabalhadores que residem na cidade e trabalham
no campo na condição de bóias-frias.
Neste período, a migração campo-cidade foi estimulada
pela lógica do capitalismo e a abundante força de trabalho
camponesa possibilitou o rebaixamento da faixa salarial. Fato
que ocorreu também com os catadores de café na região da
Barra do Choça que recebem a quantia de dois reais por cada
lata de café colhido. Sobre estas questões Caio Prado Júnior
afirma não haver outra saída, ou solução para o trabalhador
rural.
[...] a concentração da propriedade agrária,
contribui fortemente para colocar o
trabalhador
em
posição
muito
desfavorável. Não existe para ele outra
alternativa de ocupação e maneira de
alcançar seus meio de subsistência que se
colocar a serviço da grande propriedade e
aceitar as condições que lhes são impostas
(PRADO JÚNIOR, 1987, p.59).
Este autor ainda afirma que o único meio que o
trabalhador rural tem para superar esta situação é o de ter maior
acesso à propriedade rural. Percebe-se que até o valor
especulativo dado a terra, no município da Barra do Choça, é
um ponto que dificulta a democratização do uso dela, pois
segundo dados do mercado de terras na região, um hectare vale,
aproximadamente, R$ 3.000,00 (três mil reais).
Acredita-se que só uma estrutura fundiária mais
democrática e justa poderá reverter esta situação de péssimas
condições de vida, a que o trabalhador rural brasileiro é
obrigado a submeter-se. Para que haja estímulo e êxito na
proposta da materialização da Reforma Agrária e ocorra a
descentralização da terra das mãos de poucos proprietários, que
a tem apenas como reserva de valor, precisa-se tomar medidas
que envolvam a carga tributária, e diminuir os incentivos fiscais
que são fornecidos aos latifundiários. Este seria um caminho
que poderia nos conduzir às transformações sociais no campo,
que rebatem na cidade.
Diante desse quadro, entende-se que somente uma
tributação onerosa poderá levar o grande proprietário rural a
abrir mão da terra que ele possui apenas como valor
especulativo. Essa estratégia pode provocar a redução do preço
da terra, na medida em que a referência da renda será o valor da
produção e não da terra.
Para Prado Jr. (1987) a tributação constitui a maneira
principal, no momento de golpear a concentração e o virtual
monopólio da terra, tornando-a acessível à massa de
trabalhadores rurais. No modelo fundiário brasileiro, grande
parte da população rural, não dispõe de nenhuma terra e nem
tampouco de recursos para adquirir, explorar ou arrendar terras
para produzir. Isto causa a alienação da força de trabalho e a
sua precarização. Prado Jr. (1979) afirma que, mesmo nas
regiões mais desenvolvidas do país, o padrão de vida do
trabalhador rural brasileiro beira características servis.
Não se pode escurecer o fato de que o baixo padrão de
vida dos trabalhadores do campo brasileiro tem uma
repercussão que também influi nos padrões urbanos. Prado Jr.
(1987) nos leva a uma profunda reflexão e análise crítica
quando afirma que a população trabalhadora do campo, no
Brasil, vive em situação de miséria material e moral. Conclui
ainda que um grande problema agrário brasileiro esteja no fato
de os grandes proprietários e fazendeiros serem homens de
negócio para quem a utilização da terra constitui um comércio
como outro qualquer.
A terra deve ser vista como elemento central para que a
população rural seja trabalhadora ou produtora de sua própria
riqueza. Ela só terá este papel quando passar a cumprir sua
função social e inserir ou (re) inserir o homem do campo na
sociedade. Infelizmente esta é ainda uma realidade distante em
nosso país e da Barra do Choça, pois como pondera Guimarães
(1981) o sistema latifundiário mantém até nossos dias, com a
máxima firmeza, o controle da nossa economia agrária.
Existe uma discussão acerca da modernização da
agricultura como garantia de melhores condições de vida no
meio rural. Alguns autores defendem a possibilidade de esta ser
a solução para este grave e antigo problema que o homem do
campo enfrenta no Brasil. Porém, outros optam por não
acreditarem neste caminho como solução e afirmam que,
mesmo nas áreas mais desenvolvidas do país, que possuem um
alto nível de modernização e mecanização, o trabalhador sofre
com a exploração, espoliação e precarização do trabalho.
Prado Jr. (1987), é um desses autores que pensam que o
progresso tecnológico não significa necessariamente uma
melhoria das condições vida do trabalhador. E às vezes ocorre
até o contrário, pode agravá-las, por implicar o aumento dos
custos da produção que, por conseguinte podem refletir no
trabalhador que precisa estender a jornada de trabalho, pois o
tempo da renda mínima caracteriza-se pelo aumento cada vez
maior do tempo do trabalho morto.
É melhor primar pela idéia de que foi o processo de
modernização, ou a reestruturação produtiva do capital, um dos
motivos que encaminharam a vida do trabalhador rural para
este cenário de miséria e exclusão em que vive subjugado, sem
terra, sem direitos trabalhistas, sem as mínimas condições de
vida que todo ser humano deve usufruir. Porque foi o modelo
de modernização da agricultura adotado no Brasil que
caracterizou a natureza das relações de trabalho na agricultura
brasileira.
Pode-se analisar a questão da precariedade do trabalho
rural e das péssimas condições de vida em que vive a maioria do
trabalhador, pelo viés do latifúndio improdutivo. A
Constituição brasileira de 1988 considera como improdutiva a
terra que não cumpre sua função social. Segundo o Art. 186 e
Incisos I, II, III e IV, os requisitos para o cumprimento desta
função são:
[...] aproveitamento racional e adequado da
terra; utilização adequada da terra e
preservação
do
meio
ambiente;
observância das disposições que regulam
as relações de trabalho e finalmente, que
haja uma exploração que não favoreça
apenas o bem-estar do proprietário, mas
também da classe trabalhadora (BRASIL,
1988).
Desta forma, cabe uma parcela de culpa do latifúndio
improdutivo ao antagonismo da produção de riqueza e, ao
mesmo tempo, de miséria existente no campo. Como aconteceu
segundo Santos (1997) na zona rural da Barra do Choça,
quando os pequenos proprietários venderam suas terras ao
grande produtor, viabilizou o enriquecimento de quem
comprava por preço ínfimo e o empobrecimento dos que
vendiam suas terras.
A reestruturação produtiva do capital possibilitou o
aumento dos latifúndios, uma vez que aos pequenos
proprietários não restou outra solução que não fosse a de
vender seus pedaços de terra e migrarem para a cidade em
busca de trabalho. Neste cenário surgem as cidades
dormitórios. Muitos se tornaram bóias frias e trabalhadores
volantes no campo, por não conseguirem realizar uma função
no mundo do trabalho urbano.
Quanto às transformações nas relações de trabalho
também foi constatado, através de pesquisa, que 87% dos
trabalhadores catadores de café que não residem no local de
trabalho vão em casa apenas para dormir, são também bóias
frias e trabalhadores temporários. Isto nos remete a uma
reflexão e posteriormente a uma conclusão:
Mais da metade da população brasileira
depende da terra para seu sustento e a
estrutura fundiária condena esta população
a uma existência miserável e sem
perspectiva. Ela é a mais perversa da
América Latina e o Brasil é recordista em
desigualdade. A única fonte de acumulação
no Brasil é a renda fundiária. Esta estrutura
agrária brasileira contribui para a
manutenção de privilégios de uma pequena
parcela da população, é por isso que não se
faz a Reforma Agrária (PRADO JÚNIOR,
1979, p.46).
A Reforma Agrária no Brasil ainda é uma realidade
distante, uma vez que para que ela aconteça é necessário mexer
nas estruturas de manutenção de privilégios de uma pequena
parcela da população, que tem o ―poder‖ em suas mãos.
Diante do exposto conclui-se que a reestruturação
produtiva do capital possibilitou a modernização da agricultura
que por sua vez, levou ao aumento da produção e conseguiu
aumentar a mais-valia. Entretanto, relega os trabalhadores à
precarização do trabalho. O processo de modernização da
agricultura é caro, portanto não é de fácil acesso a todos, isto
favorece o grande proprietário, e somente as grandes empresas
agroindustriais conseguem a sua fixação no mercado. Para
muitos trabalhadores brasileiros a modernização significou e
ainda significa a expulsão de suas terras e a descamponização.
Desta maneira, pode-se afirmar que a reestruturação produtiva
do capital produziu e produz grandes disparidades e
desigualdades econômicas e sociais no meio rural.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de reestruturação produtiva do capital tem
provocado transformações substanciais nas relações de trabalho
e de produção que estão presentes nas atividades comerciais,
industriais e de serviços. Estas transformações são hoje
percebidas em diferentes escalas espaciais, não só no espaço
agrário, como também no urbano. Na agroindústria cafeeira, no
Planalto da Conquista, mais especificamente no município de
Barra do Choça, estas transformações também são evidentes.
O espaço é compreendido como o lugar onde as
reproduções das relações sociais de produção acontecem e se
materializam (re) desenhando as formas espaciais. Este lugar
não é apenas o da localização, mas a própria sociedade numa de
suas dimensões. Desta forma, conclui-se que a agroindústria
cafeeira na Barra do Choça possibilita a reprodução destas
relações sociais no momento em que os trabalhadores
interagem entre si e com o próprio espaço por um determinado
período do ano.
Partindo deste pressuposto vê-se que eles territorializam
o espaço no momento da colheita, (des) territorializam quando
já não tem mais trabalho e um tempo depois (re) territorializam.
Todo este processo ocorre porque eles possuem um contrato
de trabalho temporário e por isto realizam periodicamente este
movimento migratório.
Foi constatado que os trabalhadores, que colhem o café
no município em Barra do Choça, estão submetidos a uma
intensa precarização nas condições e relações de trabalho. Pois,
os mesmos submetem-se ao trabalho sem vínculo empregatício
e sem direitos trabalhistas. Muitos justificaram que estavam ali
por falta de opção, uma vez que na cidade não conseguiam uma
colocação no mercado de trabalho na cidade em que residem.
Apesar deste cenário, constatou-se que os catadores de
café estão desorganizados e desarticulados. A luta por meio dos
sindicatos ou movimentos sociais é frágil e inexpressiva. Fatos
que ampliam a precarização que está expressa no desconforto
dos alojamentos, na falta de segurança no trabalho, nos baixos
salários e na negação dos direitos trabalhistas aos catadores de
café.
Outro aspecto evidenciado é que a mão de obra destinada
a este tipo de labor, na Barra do Choça não é suficiente para
realizar a colheita do café em tempo hábil (de modo que não
comprometa a qualidade do produto). Portanto, é necessário
que os fazendeiros importem mão de obra de outros
municípios, principalmente do sertão da Bahia onde a oferta
emprego é escassa e até mesmo inexistente, em alguns casos.
Isto significa que a colheita de café é a única fonte de renda de
alguns catadores. Trabalham um determinado período do ano
para manterem-se no restante de tempo que faltam emprego.
Observou-se ainda que, de fato, a reestruturação
produtiva do capital possibilitou a modernização da agricultura
por meio de insumos, implementos e máquinas, aumentando a
produtividade e a rentabilidade, mas, em razão dos altos custos
que este investimento requer, muitos pequenos produtores
foram excluídos do processo, o que fez com que muitos
abandonassem a cafeicultura e passassem para outro tipo de
atividade no campo.
O pequeno produtor que insistiu em incrementar sua
produção, por meio de empréstimos bancários, acabou
perdendo suas terras que foram hipotecadas como garantia da
quitação do empréstimo.
A pesquisa revelou que os programas do governo de
incentivo à agricultura, também acabam excluindo o pequeno
produtor. Pois, os trâmites legais para se ter acesso a estes
programas são burocráticos e bastante seletivos. Além disso, foi
constatado que os pequenos produtores, principalmente os que
praticam a agricultura familiar não se adequam aos critérios
exigidos para se participar destes programas.
Nota-se, no entanto, que com o investimento na
aquisição de máquinas, aos poucos a mão de obra do catador
vai desaparecendo, pois uma colheitadeira de café substitui os
braços de cento e cinquenta trabalhadores. Ao adquirir tais
máquinas a idéia do produtor é também de livrar-se da
legislação trabalhista e produzir mais em menos tempo. Por
isto, considera-se que a reestruturação do capital preserva os
princípios do capital, produzindo a riqueza de alguns e
submetendo os trabalhadores ao desemprego, ao subemprego e
à precarização do trabalho.
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desenvolvimento territorial, agricultura e sustentabilidade