A Carreira Universitária em Portugal Paulo J. Ferreira, Ph.D University of Texas Austin, Texas, USA [email protected] Poderá parecer incrível, mas de acordo com os actuais estatutos da carreira docente universitária em Portugal, um professor associado, laureado com o prémio Nobel, poderá ter que esperar eternamente para que veja efectuada a sua promoção a professor catedrático. Isto porque em Portugal a promoção na carreira docente é controlada pelo número de vagas disponíveis e não pelo curriculum pedagógico e científico do docente. Esta regulamentação, acumulada ao sistema público de salários por tabelas e à “endogamia” (contratação de docentes formados na própria universidade) dos quadros docentes, coloca a universidade portuguesa numa posição de obsoletismo, difícil de competir a nível internacional e incapaz de gerar um impacto significativo no sistema de inovação e no crescimento económico de Portugal. Este cenário não é digno de um país que possui uma excelente rede de talentos em diversas áreas de estudo, que investe seriamente na formação dos seus quadros universitários e que pretende ter visibilidade na comunidade europeia. Mas porque razão os actuais estatutos da carreira docente universitária originam efeitos contraproducentes no desenvolvimento de Portugal? Em primeiro lugar, o facto da progressão na carreira ser condicionada pela abertura de vagas e o sistema de salários se encontrar tabelado desmotiva profundamente o empenho e a dedicação profissional de um docente. Para quê o esforço na preparação de aulas, na produção de trabalho científico, na participação de conferências, no relacionamento com a indústria, se efectivamente estes indicadores sao irrelevantes na remuneração atribuída e só aplicados no processo de promoção após a abertura de uma vaga? Resta, portanto, o brio professional para aqueles docentes que tencionam progredir sem a expectativa de uma vaga. Nos EUA, pelo contrário, a remuneração atribuída e a promoção na carreira são dependentes exclusivamente do curriculum pedagógico e científico do docente. Como consequência deste sistema de promoções, 70% dos docentes nos EUA ocupam a posição de professor catedratico, 15% a posição de professor associado e 15% a posição de professor auxiliar. Em Portugal, a distribuição de docentes por categoria é bem diferente daquela vigente nos EUA, devido principalmente ao facto do financiamento das universidades portuguesas se efectuar segundo um rácio mínimo de alunos/professores. Consequentemente, dadas as diferenças de salário por categoria, não se pode elevar o número de professores catedráticos num determinado departamento, de uma forma compatível com o financiamento disponível, sem se proceder a uma redução do número total de docentes. Daqui resulta uma distribuição “piramidal” de docentes por categoria, para que seja possível agrupar um quorum de docentes, suficiente ao funcionamento de um dado curso. Assim, segundo dados de 1996, 20% dos professores no ensino superior universitário português exercem a função de professor catedrático, 30% a função de professor associado e 50% a função de professor auxiliar. Em segundo lugar, o sistema de vagas origina uma competição elevada nos departamentos universitários o que degrada consideravelmente o desempenho dos mesmos. Dada a distribuição por categoria dos docentes no sistema universitário português, a abertura de uma vaga nas categorias de associado ou catedratico origina, consequentemente, uma competição severa entre os vários docentes candidatos. Hipoteticamente, podemos até imaginar o desinteresse por parte de um departamento na contratação de docentes qualificados, particularmente quando estes constituem uma competição séria ao preenchimento de uma vaga futura. Vamos não confundir duas coisas. A competição é salutar, mas quando entre universidades, pois estimula a produtividade, criatividade e inovação. Pelo contrário, internamente, os departamentos universitários devem reger-se por normas de colaboração e coesão entre os docentes e pela definição de uma estratégia de equipa. Este clima só existirá quando a promoção na carreira universitária se efectuar mediante o curriculo pedagógico e científico dos docentes e independentemente do trabalho produzido pelos colegas. Às categorias deverá estar subjacente unicamente a qualidade e impacto do trabalho efectuado. Em terceiro lugar, as universidades em Portugal caracterizam-se por uma “endogamia” acentuada dos seus quadros. Em geral, os departamentos universitários portugueses são constituídos em cerca de 90% por docentes que se formaram no próprio departamento. Em contraste, os departamentos universitários norte-americanos possuem apenas cerca de 15% de docentes formados pela universidade onde exercem funções, a maior parte dos quais contratados depois de uma temporada numa outra instituicao. Como diz Charles Vest, presidente do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e antigo conselheiro científico do presidente Clinton – “Tentamos contratar os melhores docentes disponíveis no mercado, mas em caso de igualdade, preferimos aqueles formados por outras universidades”. Esta estratégia tem como base a criação de um ambiente propício ao aparecimento de ideias criativas e inovadoras, geralmente possível quando existe uma diversidade de formações académicas, interesses científicos e culturas. Uma das consequências nefastas da “endogamia” dos quadros universitários é a criação de grupos de pensamento homogéneos onde se torna extremamente difícil explorar a capacidade crítica de cada elemento. Neste cenário, as ideias circulam circunscritas numa esfera reduzida de possibilidades, particularmente nos casos onde os elementos docentes de um departamento descendem academicamente uns dos outros. Este conjunto de condições faz esbanjar os talentos individuais e a potencial capacidade sinergética que advém da diversidade. Desta forma, o sistema de inovação sairá penalizado. Mas porquê a “endogamia” no sistema universitário português? Uma análise cuidada demonstra que o problema reside, para além do aspecto cultural relativo à reduzida mobilidade da população, nos estatutos da carreira docente universitária, particularmente os artigos referentes ao recrutamento de docentes a nível de assistente e professor auxiliar. Actualmente, os estatutos legitimam, como fazendo parte da carreira docente, a posição de assistente e permitem aos mesmos a passagem automática a professor auxiliar desde que tenham completado o doutoramento e tenham estado vinculados à respectiva escola durante, pelo menos, cinco anos. Mas porquê? Nao se compreende porquê efectuar contratações, na maioria dos casos, praticamente vitalícias, numa fase inicial de uma carreira de ensino e investigação. As contratações para a carreira docente deverão fazer-se a nível de elementos doutorados, seguindo um modelo de candidaturas prévias e não um sistema de promoções automáticas. O doutoramento é um grau académico. Nao deverá ser um bilhete que assegure a posição de docente mas apenas permita a candidatura a um concurso público. Neste modelo de promoções automáticas o universo de selecção de docentes torna-se bastante reduzido e a “endogamia” do sistema acentua-se. Quer isto dizer que se deveria excluir a categoria de assistente dos actuais estatutos da carreira docente e criar uma linha alternativa estatutariamente autónoma para os mesmos? Sem dúvida que sim, mas não para aqueles que se encontram já no sistema. Afinal de contas, que culpa têm estes assistentes? De facto, não nos devemos esquecer que os assistentes são fundamentais no processo de investigação e ensino. São estes elementos os responsáveis pelas aulas práticas, os que coadjuvam os professores no trabalho de investigação, os que ajudam a dinamizar os departamentos pela sua energia e criatividade e, quando destacados da instituição, os que ajudam a promover uma imagem positiva dos professores e da universidade. Porém, os contratos dos assistentes deverão fundamentarse em moldes bem diferentes daqueles existentes no momento, assumindo um caractér temporário e com término previsto uma vez concluídos os doutoramentos. Apesar dos vários aditamentos ao decreto–lei de 1979 referente aos estatutos da carreira docente, o último em Setembro de 1997, os aspectos fundamentais dos estatutos, acima mencionados, mantém-se inalterados. Não será altura de reestruturarmos finalmente este sistema? Muitas vezes pergunta-se: “São necessários génios para o aparecimento de novas ideias e novos produtos?” A resposta é claramente não. Mas são, com certeza, necessários recursos humanos qualificados e, fundamentalmente, um ambiente propício ao desenvolvimento da criatividade. Actualmente, os estatutos da carreira docente em Portugal são um antagonismo a este clima de inovação e, de facto, prejudiciais a qualquer docente. Não incentivam o trabalho dedicado e a meritocracia, dificultam a interdisciplinaridade e constituem uma barreira à exploração do próprio potencial, que tanto existe em Portugal. Os portugueses já demonstraram várias vezes que quando querem e podem conseguem ser arrojados e inovadores. O que é que nos impede então de reinventar os estatutos da carreira universitária?