Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
RAP NO ESPAÇO ESCOLAR: REDESCOBRINDO IDENTIDADES
Náiade Cristina de Oliveira Mizael1
Meireslaine Nascimento da Silva2
Adriene Soares Guimarães3
(Orientador) Cairo Mohamad Ibrahim Katrib4
RESUMO:
Trata-se de um trabalho cujo objetivo é apresentar o Rap como linguagem capaz de
desmistificar os estereótipos acerca das questões raciais e sociais servindo como importante
mecanismo de conscientização e valorização das pertenças identitárias dos diversos sujeitos
sociais nos espaços educacionais. Acreditamos que essa manifestação musical faça parte da
identidade negra e brasileira, sendo uma maneira de resistência e denuncia ás desigualdades
sociais e raciais, como podemos perceber nas letras das músicas de vários grupos musicais,
dentre os quais o do grupo Racionais Mc’s. Salientamos que a cultura negra é ainda
marginalizada e silenciada em favorecimento da cultura eurocêntrica referendada pela
indústria cultural. Defendemos o uso das letras e músicas dos rappers como um dos recursos
positivos no contexto escolar para a promoção da igualdade racial e construção da cidadania
permanente, contemplando a Lei 10.639/03 que determina a obrigatoriedade do ensino da
história da África e cultura Afro-brasileira na rede pública e particular de ensino. Nessa
perspectiva a prática pedagógica articulada à construção de ações afirmativas, juntamente
com os movimentos sociais contribuem para a quebra de modelos culturais hegemônicos.
Palavras Chaves: Rap; Identidade negra; Espaços educacionais; Lei 10.639/03.
INTRODUÇÃO
Este artigo trata-se de uma pesquisa inicial que traz a possibilidade de trabalhar o Rap
de forma crítica e consciente nos espaços educacionais, valorizando essa cultura que faz parte
dos grupos negros e que chegou no Brasil em meados de 1980, pelas periferias de São Paulo
como forma de resistência e denúncia ás desigualdade sociais e raciais. Esse trabalho dá se
também pelo fato de sermos bolsistas do Programa de Educação Tutorial (PET) – (Re)
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Graduanda do curso de Pedagogia, bolsista Pet (Re) conectando Saberes FACIP - UFU/MEC/SESU/SECAD.
Graduanda do curso de Pedagogia, bolsista Pet (Re) conectando Saberes FACIP - UFU/MEC/SESU/SECAD.
3
Graduanda do curso Serviço Social, bolsista Pet (Re) conectando Saberes FACIP/UFU - MEC/SESU/SECAD.
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Prof. Dr. Docente no curso de História da FACIP/UFU, tutor Pet (Re) conectando Saberes /
MEC/SESU/SECAD.
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conectando Saberes, fazeres e práticas: rumo á cidadania consciente, que tem como eixo
central:
(...) desenvolver ações de extensão, ensino e pesquisa que favoreçam a ampliação de
espaços de aprendizagens e diálogos com os grupos populares, numa perspectiva
interdisciplinar, cujo objetivo é o redimensionamento da construção da cidadania
consciente e da reflexão acerca das ações afirmativas de valorização das pertenças
identitárias dos grupos. É um Programa de Educação Tutorial MEC/SESU/SECAD
– FACIP/UFU. (PET, 2010).
Uma das ações de extensão foi o Cine-Escola, em que elaboramos uma proposta para
uma escola pública de Ituiutaba-Mg, em que nos encontrávamos uma vez por semana com os
anos finais do ensino fundamental durante cinco meses no espaço escolar, no intuito de
promover o diálogo entre nós bolsistas e os alunos sobre as tecnologias de formação cidadã,
tendo o cinema como disparador da construção da consciência política.
Num desses encontros trabalhamos o Rap, já que a temática era ações afirmativas,
passamos clipes de música do grupo Racionais Mc’s, além de vídeos onde o rapper Pedro
Paulo Soares, vulgo Mano Brow fala da temática racial e do seu trabalho com a música.
Percebemos que os alunos se envolveram mais por gostar e conhecer o trabalho do grupo.
Ao decidirmos trabalhar com o Rap tínhamos a noção de que se tratava de um estilo
marginalizado segundo a visão deturpada das pessoas, legitimadas pela indústria cultural que
através da mídia retrata suas músicas de forma estereotipada sob uma visão de apologia ao
crime, desacato ás autoridades, distorcendo assim os discursos dos rappers que buscam
conscientizar seu público para as desigualdades, repressão e descaso com que são tratados
pobres, negros e nordestinos. Por isso essa proposta se dá no intuito de desmistificar os
preconceitos em relação a essa manifestação cultural.
Esta linguagem, por mais discriminada que seja, tem sentidos e sentimentos para
muitos jovens e adultos que se identificam com sua mensagem, que retrata muitas vezes seus
próprios desafios e anseios. Em contato com o rap muitos jovens se redescobrem enquanto
sujeitos negros com toda a sua história e preconceitos vividos, valorizando assim suas
pertenças identitárias.
O ambiente escolar é marcado por práticas eurocêntricas, que acabam por segregar as
demais culturas, tratadas como “inferiores” e que são manifestadas pelos grupos
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marginalizados da sociedade. Desse modo, os educandos que tem seu cotidiano influenciado
por essas culturas: do hip hop, do rap, não se veem representados. Perpetua-se assim um
distanciamento entre o sistema educacional e a realidade dos alunos, fazendo com que estes
vejam sua identidade cada vez mais negada.
É necessário que a escola encontre novos mecanismos de superação dessas
desigualdades, que acabam por estimular a discriminação, marginalizando um determinado
grupo pelas suas práticas culturais. Ao propor o trabalho com o rap contemplamos a lei
10.639/03, que determina a obrigatoriedade do ensino de história da África e cultura
Afrobrasileira, pensando na construção de ações afirmativas no contexto escolar, assim como
Valente (2005) nos aponta essa necessidade, baseada em alguns estudos das relações
interétnicas no Brasil:
Para a superação do problema, destacam a importância de serem elaboradas novas
propostas e materiais didáticos para enfrentar a questão, e a construção de uma
identidade negra positiva que se construa na relação com o branco e no
reconhecimento da diferença. (VALENTE, 2005, p.62)
Desse modo a educação se compromete, juntamente com os segmentos sociais, á
promover a formação escolar e cidadã comprometida com a diversidade étnico e cultural.
Destacamos o rap como um dos mecanismos para quebrar com o silêncio referente á essa
cultura negra, desvelando suas mensagens de resistência cuja linguagem de protesto apresenta
as visões de mundo, os emblemas sociais e as escolhas culturais de seus praticantes.
O RAP E SUA FUNÇÃO SOCIAL
O termo RAP significa rhythm and poetry (ritmo e poesia), surgido na Jamaica na
década de 1960 este gênero musical foi levado pelos jamaicanos para os Estados Unidos, mais
especificamente para os bairros pobres de Nova Iorque, no começo da década de 1970. Em
1986 o rap chega ao Brasil, na cidade de São Paulo e invade as grandes periferias. O rap vem
imbuído de discurso, muita informação e pouca melodia. Quando este possui mais melodia é
considerado hip hop.
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O rap e sua poesia se constrói de maneira afirmativa, de pertencimento á determinada
comunidade que vem sendo excluída e está sujeita á miséria, ao não acesso aos bens
materiais, bens públicos, ás outras diversas formas de lazer e cultura, entre outros. Em contato
com o rap podemos interpretar nas músicas-texto, principalmente do grupo Racionais Mc’s os
conflitos sociais vividos pelos/as negros/as referente á discriminação racial, que
historicamente relega nosso povo ás camadas mais baixa da sociedade. Como demostra nessa
música Negro Drama5, do grupo Racionais Mc’s:
Ei bacana, quem te fez tão bom assim, o que se deu, o que se faz , o que se fez por
mim, eu recebi sei tic, quer dizer kit de esgoto a céu aberto e parede madeirite, de
vergonha eu não morri, to firmão, ei-sme aqui, você não, cê não passa, quando o mar
vermelho abrir, eu sou o mano, homem duro do gueto, o Brown, obá, aquele loco
que não pode errar, aquele que você odeia, ama nesse instante, pele parda, ouço
funk, e de onde vem os diamante, da lama, valeu mãe, negro drama, drama
Dentre várias questões que podem ser abordadas referente a este trecho, uma das, é o
enunciador fazer menção aos pré-julgamentos relacionados aos negros e que estes não podem
“errar”, além de citar o sucesso do grupo, que tem como senso político a não participação em
redes televisivas de massas devido á princípios ideológicos.
Esse estilo musical se configura como uma das formas de resistência, criado pelos
rappers para que todos possam ter consciência de todo o conflito social e racial que permeia
as nossas relações. Somente a partir de discussões e questionamentos sobre essas questões
poderemos encontrar possíveis soluções para essas desigualdades.
Ao analisar as letras dos rappers, podemos perceber a reconstrução da identidade
negra, do pertencer á uma determinada cultura, como bem mostra a música Eu Sou função6,
cantada e composta por Dexter e Mano Brown do grupo Racionais Mc’s:
Muito amor, muito amor, pelo som, pela cor, a herança tá no sague, louvado seja
meu senhor, que me quis, descendente de raiz, preto, função, sou sim, sou feliz,
favelado legítimo, escravo do ritmo, dos becos e vielas eu sou amigo íntimo, Dexter,
o filho da música negra, exilado sim, preso não, com certeza, o rap me ensinou a ser
quem eu sou, e honrar minha raça pelo preço que for, dos vida loka da história, eu
sou, um á mais, que te faz ver a paz como um soro eficaz
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Música do álbum ‘1000 Trutas 1000 Tretas’ do grupo Racionais Mc’s de 2006.
Música do álbum ‘Exilado sim, preso não’ do rapper Dexter de 2006.
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Este trecho da música retrata o orgulho em se reconhecer enquanto sujeito negro,
representante da música negra, em que o rap é uma arma ideológica na luta contras as formas
de discriminação, preconceito e racismo. Sendo assim a cultura do rap se mostra um
importante mecanismo para a reconstrução de identidades, pois se assim como Dutra (2006, p.
180) traz que “a globalização cria um modo de vida em que os processos de formação da
identidade estão relacionados ao consumo de mercadorias”, as tradições culturais, que não são
de origem “pura” e sim de diversas misturas tendem a se manter e invadir os espaços como
modos de resistência.
O uso dessa linguagem é positivo quando trabalhamos de maneira critica e
interdisciplinar, enfatizando o escrito e o vivido na formação dos educandos. Enquanto
futuras profissionais da educação enxergamos o trabalho com o rap na escola, um material
que estimula os jovens, além de oportuno para as discussões que ele traz consigo, sendo uma
forma de quebrar com o silêncio referente á questões tão naturalizadas como pobreza,
discriminação, preconceito e racismo.
O rap assim como diversas manifestações e contribuições dos afro-descendentes no
Brasil vêm dizendo aquilo que a História negou-se a dizer. O caso da lei 10.639/03 e
as pesquisas desenvolvidas sobre História e Cultura Africana e Afro-brasileira, têm
sido vistas como um modismo que não contribuiria verdadeiramente para o
entendimento da sociedade brasileira, principalmente quando as questões étnicoraciais são postas em discussão. Desqualificado enquanto política o debate é
excluído por aqueles que se dizem compromissados apenas com a ciência, como se
esta não representasse suas concepções políticas, inseridas em suas concepções
teóricas e de objetos de pesquisa. (GARCIA, 2008).
O rap nos proporciona esse novo olhar para a complexidade que existe nas relações
raciais no Brasil, que transmitem toda uma vivência de exclusão, pertencimento e luta por
justiça social e racial. Ao fazer uso dessa temática de maneira interdisciplinar poderemos,
através da arte, cultura, discussão e consequente interpretação, construir espaços dialógicos,
emancipatórios e verdadeiramente democráticos no seio escolar. Profissionais da educação e
movimentos sociais devem se unir e criar esse ambiente de troca de saberes, de rediscussão de
conceitos.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
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Entendemos o trabalho com o rap e sua valorização como uma das políticas públicas
que visa sanar as dívidas com afrodescendentes, senão acabar, mas amenizar com o racismo
existente em nossa sociedade, devido á um processo histórico de discriminação de suas
práticas culturais.
Através deste podemos criar inúmeras possibilidades pedagógicas e de maneira
interdisciplinar, trabalhando com o cinema, literatura afro-brasileira, dentre outros. Não se
trata de uma cultura sobrepor à outra, mas que todas possam conviver juntas igualmente. A
proposta da temática étnicorracial vêm de encontro à necessidade urgente de discussão e
práticas dessas novas possibilidades, no sentido de que almejamos a equiparação das
oportunidades de acesso dos diversos bens da sociedade brasileira para os negros, de modo a
se ter um competição verdadeiramente democrática com o branco.
Além de uma tentativa de construir uma relação de respeito e não o politicamente
correto entre pessoas de diferentes etnias, comunidades, classe social, etc. A formação política
se dá nessas relações, em que o diferente pode ensinar e aprender, sendo a construção da
identidade e suas ideologias uma maneira de estar no mundo de forma crítica e consciente.
A homogeneização de determinadas linguagens na escola cria privilégios nas relações
de identidade e poder, segregações e consequentemente exclusões de determinados grupos.
O papel da escola é formar o cidadão para a sociedade, para que este possa buscar
exercer sua cidadania, e para isso o educando precisa entrar em contato com esse diverso que
é a sua cidade, seu país, o mundo. Que os alunos possam ter suas identidades valorizadas,
suas pertenças, suas culturas, sem desconhecer as outras, vivendo assim uma educação ampla,
de qualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós graduação em Música). Brasília, 2006.
GARCIA. Allysson Fernandes. NEGRO DRAMA: o rap rasura a história.2008.
http://api.ning.com/files/c*3Iev6eLFsFmZDy2yGBru1iOLUTxGtmw5DDLA173NVHcznU2
mMbeP-5BA4qad-1sV9o2WsWiTL8GrAb73VQDCMq5pA6RVJ/AllyssonFernandesGarcia.pdf Acessado em 23/06/2012 Acessado em 20/05/2012.
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Hall, Stuart. (2003). Da diáspora. Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte,
UFMG
INÁCIO, Emerson da Cruz. Ser um preto tipo A custa caro: poesia, interculturalidade e etnia.
Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 31, p. 53-68, janeiro-junho de
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Programa de Educação Tutorial PET(Re)
Conectando
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Disponível
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<http://www.petreconectando.facip.ufu.br/inicio> acesso em 24 ago. 2012.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional
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Rap no Brasil, Rap nos Estados Unidos, significado da palavra RAP, grupos de Rap, hip-hop
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http://www.suapesquisa.com/rap/ Acessado em 10/07/2012.
SOUZA, A.L.S. HIP-HOP – LETRAMENTOS E A LEI 10.639/03: DISCURSOS SOBRE O
NEGRO POR EXCELÊNCIA. In: 1° Premio de Artigo Científico: Construindo a
igualdade racial. São Paulo: Cone, 2010. p. 82-95.
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