Os homens têm que aprender a lidar com a humilhação
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20/01/2014 - 00:00
Os homens têm que aprender a lidar com a humilhação
Por Lucy Kellaway
Nos primeiros dias de 2014, três conhecidos meus, separadamente, vieram me contar sobre o péssimo momento que
estavam vivendo no trabalho.
O primeiro ficou perturbado ao ser pressionado a aceitar uma demissão voluntária. O segundo estava aborrecido com uma
decisão que tinha sido tomada sem que ele tivesse sido consultado. O terceiro queixou-se de que absolutamente nada
estava acontecendo com ele: outras pessoas estavam sendo promovidas - e para ele, nada.
A cada um, disse o que eu pensava. O primeiro deveria pegar o dinheiro e agradecer por ser pago para largar um trabalho
de que ele não gostava. O segundo deveria ignorar a situação. O terceiro deveria considerar partir para outro emprego.
Infelizmente, esses excelentes conselhos não caíram bem. Nenhum deles pareceu sequer remotamente inclinado a aceitar
minhas opiniões.
Ao aprofundar algumas discussões, acabei percebendo ter cometido um erro grave e elementar. O que afligia os três não
era a situação propriamente dita. O problema estava na humilhação avassaladora que eles associavam à situação. Nenhum
deles estava particularmente interessado em uma solução pragmática. O que todos necessitavam era de uma maneira de
fazer cessar a dor - uma forma de resgatar sua reputação e seu amor próprio.
Na esperança de escapar de toda essa humilhação no mundo real, decidi terminar de assistir às caixas de vídeos que ganhei
no Natal. Neles encontrei Walter Barnett visitando seu psiquiatra no fantástico "In Treatment". Walter é CEO de uma
empresa que produz leite para bebês. O leite fica contaminado, bebês morrem, as ações da companhia despencam, ele
renuncia e tenta se matar. Depois, acabamos sabendo que a razão não foi somente a culpa pelos bebês mortos: o que ele
realmente não conseguiu enfrentar foi a perda de sua autoimagem e reputação.
Até mesmo de "Downton Abbey" veio um exemplo de humilhação no mundo do trabalho. Molesley, ao ser recentemente
rebaixado do cargo de mordomo, recebe um par de luvas brancas que, a partir de então, precisa usar em sua nova função
de lacaio subalterno. Sua expressão é um estudo sobre angústia.
Todas essas histórias reais e ficcionais inspiram-me uma estranha mistura de compaixão e impaciência. Eu posso ver que a
dor é intensa, mas meu desejo é sair gritando: "DÊ A VOLTA POR CIMA". Também não posso deixar de notar que os
sofredores tendem a ser homens e que as mulheres são menos suscetíveis aos estragos causados pela humilhação no
trabalho. Não tenho dados para apoiar essa afirmação, apenas décadas vividas em escritórios e um palpite intuitivo sobre
por que pode ser assim.
Para começar, as mulheres são um pouco menos preocupadas com status e tendem a não colocar todos os ovos na cesta do
trabalho, mas a espalhá-los um pouco. Se eu estiver certa, isso elimina a ideia popular de que as mulheres - que
supostamente são frágeis e tomam todas as críticas pessoalmente - têm uma vida mais difícil no trabalho. Ao contrário. Por
serem menos propensas a se sentir humilhadas, elas podem ser mais flexíveis e mais resistentes, pois nós não assumimos
como um ataque hediondo a nossos egos cada vez que alguém deixa de nos convidar para uma reunião rotineira.
Humilhações não são apenas dolorosas, mas também inúteis. Diferentemente da culpa ou da vergonha, que têm, ambas,
um propósito evolutivo evidente, a humilhação não tem nenhum. Não faz as pessoas se comportarem melhor. Em vez
disso, leva-as a tomar decisões catastroficamente ruins. Meu conhecido provavelmente continuará a fazer um trabalho que
odeia porque se sentiria humilhado em sair. Molesley quase preferiria tapar buracos em estradas a ser humilhado pelo
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rebaixamento em "Downton". E Walter toma a decisão machista extrema, ao tentar acabar com sua vida.
Além de dolorosas e prejudiciais, humilhações são também desnecessárias. O sofredor está atormentado por pensamentos
associados a seu status reduzido aos olhos do mundo, mas o mundo está geralmente demasiado ocupado se preocupando
com seu próprio status para se preocupar muito com as injustiças desferidas contra determinada pessoa.
Então, o que deveria ser feito? Um primeiro e óbvio passo seria acabar com as práticas de trabalho pérfidas,
expressamente concebidas para humilhar. Portanto, chega de atribuir culpa publicamente.
Nada de gritaria ou intimidação. Apenas isso, no entanto, não solucionaria o problema, pois humilhação não deriva apenas
de gestão incivilizada, mas da própria condição humana.
A resposta é atribuir às emoções o mesmo tipo de "banho de loja" que tem sido recentemente dado ao fracasso, que é agora
considerado não apenas normal, mas um verdadeiro pré-requisito para o sucesso. Todas as escolas de negócios deveriam
apresentar e discutir estudos de casos em que as pessoas são ejetadas de seus postos de trabalho, preteridas e
envergonhadas.
Existe uma grande necessidade de modelos de humilhados e, felizmente, tenho a candidata perfeita. Quando Nigella
Lawson se cansar de ensinar o mundo como fazer cupcakes, ela poderia ensinar alunos de MBAs como lidar elegantemente
com as humilhações que certamente os atingirão.
Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de
Carreira
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