Espaço Aberto A Leitura dos Estudantes do Curso de Licenciatura em Química: Analisando o Caso do Curso a Distância Ana Luiza de Quadros e Luciana Campos Miranda A linguagem química permite uma leitura elaborada do mundo. Um mundo que o homem interpretou, transformou, registrou e revelou em palavras num processo contínuo e espiral, em que ações de interpretação, registro, revelação e transformação, influenciam-se mutuamente. Ler o mundo é, também, ler as palavras que sintetizam a forma como cada ramo da sociedade entende esse mundo. Aos que ingressam na graduação, a leitura é uma ferramenta indispensável. Investigamos as leituras que estudantes do curso de Licenciatura em Química – na modalidade a distância – afirmam fazer. Percebemos que muitos deles limitam essa atividade e, portanto, as chances de desenvolverem estratégias de entendimento do texto, necessárias para o próprio curso e a outros interesses. leitura, formação de professores, aprendizagem Recebido em 21/10/08, aceito em 19/07/09 Não se deve, porém, imaginar o domínio da cultura como uma entidade espacial qualquer, que possui limites, mas que possui também um território interior. Não há território interior no domínio cultural: ele está inteiramente situado sobre fronteiras, fronteiras que passam por todo lugar, através de cada momento seu, e a unidade sistemática da cultura se estende aos átomos da vida cultural, como o sol se reflete em cada gota. Todo ato cultural vive por essência sobre fronteiras: nisso está sua seriedade e importância; abstraído da fronteira, ele perde terreno, torna-se vazio, pretensioso, degenera e morre. (Bakhtin, 1998, p. 29) (p. 32). Uma vez validado e, portanto, tro, de amigo para amigo etc. É o que aceito pela comunidade científica, chamaremos de cultura do dia a dia. esse conhecimento torna-se uma das Mortimer (1998) nos fala que formas possíveis – considerada não as linguagens usadas nesses dois problemática – de explicar o mundo mundos – o da ciência e o do dia material e os fenômenos que nele a dia – também diferem. O mundo acontecem. Essa explicação faz uso da ciência clássica tem, em sua de “entidades” tais como átomos, linguagem, características atempomoléculas, cátions, ânions e tantos rais, a-históricas e a ausência do outros. Os autores nos dizem, ainda, sujeito. Essas características foram que esse conhecimento construído sendo construídas ao longo do depela comunidade científica “é comusenvolvimento científico como forma nicado através da de registrar, divulgar cultura e das instie ampliar o conheO conhecimento é a tuições sociais da cimento. A forma atividade pela qual o ciência” (p. 32). como a linguagem homem toma consciência Considerando científica é estrutuda realidade e procura que o conhecimenrada pode provocar compreendê-la e explicá-la. to é a atividade pela “estranheza” para qual o homem toma os sujeitos externos consciência da realidade e procura à comunidade da área de ciências compreendê-la e explicá-la, podemos da natureza. afirmar que os conhecimentos do dia A linguagem do dia a dia tende Segundo Driver e cols. (1999), a dia também são desenvolvidos, a ser mais narrativa e, portanto, di“os objetos da ciência não são os validados e comunicados. Eles se ferente da linguagem da ciência. Na fenômenos da natureza, mas construdesenvolvem na cultura popular e perspectiva apresentada por Bruner ções desenvolvidas pela comunidade são, normalmente, transmitidos de (1997; 2001) – no qual o narrador científica para interpretar a natureza” pai para filho, de um vizinho para ouestá inserido e a história narrada segue uma lógica mais linear –, o uso da linguagem narrativa, em A seção “Espaço aberto” visa abordar questões sobre Educação, de um modo geral, que sejam de interesse dos sala de aula, pode situar e engajar professores de Química. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Leitura dos Estudantes do Curso de Licenciatura em Química Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 235 mais o estudante nas aulas, por ser mais compreensível e, portanto, não causar “estranheza”. Para ressaltar essa diferença, apropriamo-nos do exemplo citado por Mortimer (1998) ao referir-se à relação entre a solubilidade e a temperatura: 236 e permitir avançar nas fronteiras entre (2007), a leitura de textos escritos é, uma e outra é a leitura. Ler é um ato na maioria das vezes, a base do saber de decodificar símbolos, de juntar construído no ambiente da educação letras e signos, de formar palavras. formal. Para eles, a leitura tem grande Juntando palavras, elaboram-se fraimportância no processo de aprenses e, assim, se constrói textos. No dizagem, e quem lê mais aprende entanto, ela não se limita a isso! A mais. Na modalidade de ensino a leitura é, também, aprofundar-se no distância (EaD), as interações entre Dia a dia: ao colocarmos significado do que é dito e do que os estudantes e o conhecimento são sal em água e aquecermos, está nas entrelinhas. É envolver-se na predominantemente mediadas por conseguimos dissolver uma trama literária, tanto pelo que ela traz informações gráficas, impressas ou quantidade maior do que em em termos de conteúdo quanto pela digitais. Mesmo nas interações com água fria. sua forma ou envolver-se na “trama” os colegas, professores e tutores, o científica, tanto pela explicação que estudante regularmente utiliza recurCientífica: o aumento da temela traz quanto pela sos que requerem o peratura provoca um aumento sua elaboração episuso contínuo das hada solubilidade do sal. (p. 103) Um caminho para facilitar o temológica. bilidades de leitura e entendimento de diferentes Como nos lemescrita, como fóruns Mesmo que a linguagem narrativa linguagens e permitir bra Paulo Freire, os eletrônicos, correio esteja presente nas salas de aula, ela avançar nas fronteiras entre seres humanos leem eletrônico, postanão costuma ser usada em artigos uma e outra é a leitura. o mundo antes de gem de atividades de divulgação científica. Portanto, ao lerem a palavra. Do e envio de relatórios. adentrar no mundo da ciência por ponto de vista histórico, o homem Considerando a importância do meio da leitura, o sujeito se deparará transformou o mundo, revelou esse ato de ler para todos os cidadãos com a linguagem mais formal e terá mundo e, a seguir, escreveu as pae, aqui, mais especificamente, para que entender o significado do que lê. lavras (Freire e Macedo, 1990). As os adeptos das ciências tradicionalVillani e Nascimento (2003) afirpalavras e os entendimentos que mente classificadas como exatas, mam que: delas fazemos representam o modo desenvolvemos este trabalho. Ele A linguagem científica é, como significamos e ressignificamos surgiu a partir da constatação de que portanto, mais que o registro os fenômenos/fatos/acontecimentos os estudantes de graduação em Quído pensamento científico. Ela do mundo. A Química é uma ciência mica, tanto da licenciatura quanto do possui uma estrutura particular permeada por modos de ver o munbacharelado, costumam alegar que a e características específicas, do, de representar, ler e interpretar os dedicação ao curso e o cumprimento indissociáveis do próprio cofenômenos desse mundo. das exigências nele contidas limitam nhecimento científico, estruA leitura é uma habilidade básica a atividade de leitura à bibliografia turando e dando mobilidade para o exercício pleno dos direitos de básica sugerida pelos professores. O ao próprio pensamento cientícidadania. Segundo Soares (1998), objetivo foi de investigar a adesão à fico. O domínio da linguagem não é suficiente que as pessoas leitura entre os alunos da Licenciatura científica é uma competência sejam alfabetizadas, saibam ler e em Química da modalidade EaD. essencial tanto para a prática escrever, é necessário que elas usem da ciência quanto para o seu O planejamento essas habilidades, respondendo às aprendizado. Neste sentido exigências de leitura e escrita contiOs estudantes de Licenciatura em aprender ciências requer mais nuamente demandaQuímica, na modalidade a distância, que conhecer esdas pela sociedade. oferecido pela UFMG, adentraram tes elementos. É O mundo da ciência Nesse sentido, a alnum mundo que, para alguns deles, necessário que clássica tem, em sua fabetização, como era até então desconhecido: das os alunos selinguagem, características meta social, cede tecnologias de comunicação e inforjam capazes de atemporais, anistóricas e lugar a um anseio de mação. O primeiro semestre letivo estabelecer rea ausência do sujeito, que um processo mais representou, para os estudantes, lações entre tais foram sendo construídas ao amplo, o letramenum grande desafio de apropriação elementos dentro longo do desenvolvimento to, que compreende dos recursos da informática como da grande estrucientífico como forma de tanto a apropriação fonte, instrumento, meio e locus de tura que organiza registrar, divulgar e ampliar das técnicas para o produção de novos conhecimentos. o conhecimento o conhecimento. desenvolvimento do Uma vez vencido o desafio do uso científico escolar. processo de alfabetida informática, a disciplina Metodo(p. 188) zação, quanto o aspecto de convívio logia de Estudos Autônomos II foi e hábito da leitura e da escrita. idealizada como incentivadora do Um caminho para facilitar o entenDe acordo com Dias e cols. desenvolvimento de habilidades de dimento dessas diferentes linguagens QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Leitura dos Estudantes do Curso de Licenciatura em Química Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 leitura. Na introdução da obra didátiNotamos que alguns deles não se especialmente com esse objetivo. ca (Dias e cols., 2007) usada nessa mantiveram dentro do período sugeNa página de apoio – via moodle –, disciplina, encontra-se que quem lê rido para as leituras – ano de 2008 –, são colocados, semanalmente, os bem aprende mais e melhor (p. 9). descrevendo leituras feitas em funconteúdos a serem estudados, as Permeada por váção do vestibular ou atividades decorrentes desse conterias discussões que outros comentários údo e as tarefas que os estudantes Ao adentrar no mundo da argumentavam sobre que permitiam idendevem realizar. Para realizar esse ciência por meio da leitura, a importância da leitificá-la como sendo conjunto de atividades, a leitura dos o sujeito se deparará com tura, apresentando mais antiga. Como textos acadêmico-científicos é fundaa linguagem mais formal aspectos envolvidos já esperávamos, em mental. Acreditamos que os demais, e terá que entender o nessa atividade e sufunção da percepção que não citaram essas leituras, a significado do que lê. gerindo estratégias decorrente de nossa fazem semanalmente para poderem de leitura visando o prática pedagógica, se manter no curso. entendimento do texto lido, a criação a falta de tempo para ler foi o assunO que nos chamou a atenção é de um fórum de discussão procurou to dominante do fórum. O grupo de que, dentre os 39 estudantes que identificar que tipo de leitura esses esestudantes é formado por pessoas alegaram fazer as leituras do curso, tudantes costumavam fazer. O fórum que trabalham e que ingressaram 21 deles se limitaram a descrever foi colocado na página da disciplina, na graduação recentemente. Muitos apenas essas leituras. Muitos deles que usa o moodle1 como ferramenta deles já constituíram família. A leitura alegaram falta de tempo e a necesde comunicação entre professor, tutor acaba sendo, para muitos, aquilo do sidade de priorizar o curso como e estudantes. Os estudantes tiveram qual eles podem desistir em função justificativa para essa limitação. quinze dias para participar, postando de outras necessidades. A leitura de um texto didáticoopiniões, informações, respondendo Entre os que descreveram leituras, científico deve propiciar ao leitor a aos questionamentos feitos tanto agrupamo-las de acordo com caracancoragem do novo conhecimento pelo professor quanto pelo tutor e, terísticas comuns, que chamamos de ao repertório de conhecimentos que até mesmo, comentando sobre as categorias. A Tabela 1 mostra essas ele já dispõe, de forma a ampliar ou leituras dos colegas. categorias e o número de ocorrência transformar saberes. A leitura vem a De um total de 205 alunos, de cinde cada uma delas. Ressaltamos ser um diálogo entre o conhecimento co polos, que frequentavam a disciplique o número de ocorrências é já processado e o novo conhecimenna, 117 participaram do fórum. Esse maior que o número to, estabelecendo índice de abstenção não é específico de participantes do nexos, criando relaLer é um ato de decodificar para esse fórum. Por mais que cause fórum em função de ções, ampliando sasímbolos, de juntar letras estranhamento, no primeiro semestre alguns deles terem beres. Para que isso e signos, de formar do curso, os estudantes apresendescrito leituras que aconteça, usamos palavras. Juntando palavras, taram dificuldades técnicas para pertencem a duas uma série de opeelaboram-se frases e, assim, participarem das atividades virtuais. ou três categorias rações mentais. Esse constrói textos. Essas dificuldades variavam desde diferentes. sas operações são a falta de computadores em casa até Apesar de o fóderivadas de certa inabilidade para operar o equipamenrum esclarecer que os estudantes não competência de leitura adquirida ao to. Consideramos, para este trabalho, deveriam se referir às leituras exigidas longo da vida. Se não há o hábito de os 117 participantes. Algumas das no curso, a maior ocorrência se refere leitura, é muito provável que essas participações aparentam terem sido a essa categoria. Para cada uma das competências não estejam formadas, feitas com intenção de cumprir tarefa, disciplinas a serem cursadas, os estutornando o texto didático-científico mas outras mostraram o estudante dantes receberam um livro construído uma leitura feita por obrigação ou empolgado por relatar suas leituras e Tabela 1: Leitura dos estudantes de Licenciatura em Química – EaD. com postura de incentivar os demais Nº de Única a adentrar no mundo da leitura. Categorias de leituras As leituras dos estudantes No fórum criado para discutir a leitura dos estudantes, foi solicitado que descrevessem as feitas em 2008 e, quando possível, fizessem um comentário sobre o que leram, registrando detalhes sobre a leitura, de forma a despertar a “vontade” de ler nos demais participantes e fomentar mais comentários. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA ocorrências ocorrência Para atender às exigências do curso 39 21 Revistas/jornais 37 05 Influenciadas pelas atividades profissionais dos estudantes 32 11 Literaturas diversas 28 05 Influenciadas pelas crenças religiosas dos estudantes 17 04 Livros de autoajuda 12 - Ligadas às atividades do cotidiano 10 - Ligadas às demandas dos filhos 7 01 A Leitura dos Estudantes do Curso de Licenciatura em Química Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 237 238 porque exigência do professor, sem Roseman, 2004) apontam o livro didásolicitados a descrever leituras, esses que esta produza a aprendizagem tico como principal fonte de contato estudantes lembraram-se desta, proesperada. dos professores com o conhecimento vavelmente por terem associado essa Ao priorizar a leitura dos textos mais próximo do científico, além de modalidade de leitura a uma prática específicos das disciplinas de graser definidor do que e de como se corriqueira deles. duação, o estudante pode estar limideve ensinar. Dessa forma, limitar as Outros sete participantes, por já tando a possibilidade de desenvolver leituras dos futuros professores ao terem constituído família e já terem estratégias de entendimento do texto livro didático compromete sua autofilhos, descrevem a leitura infantil. e, consequentemente, de aprender. nomia e capacidade crítica frente aos Eles alegam que precisam incentivar A leitura de revistas ou jornais conteúdos nele apresentados. os filhos à leitura, reconhecendo a imtambém foi bastante citada. Alguns Os outros sete participantes cujas portância dela e, por isso, dedicamalegam fazer uso de jornais ou revistas leituras são influenciadas pelo trabase a ler com os filhos. Um destes que chegam ao seu local de trabalho. lho atuam na área desportiva, jurídica, descreve apenas a leitura infantil. Outros, dentro desse grupo, descrevesocial e outras. Descrevem que a Se considerarmos que o exemplo é ram essa modalidade de leitura como leitura os auxilia a falar melhor do seu um bom incentivador, então a leitura algo esporádico, próprio trabalho. desse “pai” é limitada, por apenas mencionando, por Passamos, agoler para o filho sem, no entanto, fazer A leitura é aprofundar-se no exemplo, leitura num ra, para a quinta cauma leitura mais específica que o significado do que é dito e consultório médico tegoria (voltaremos ajude a adquirir conhecimentos de do que está nas entrelinhas. ou dentário enquanto à quarta posteriormundo e que o faça ser um exemplo aguarda a sua vez mente). As crenças para o filho. Esse pai afirma: de ser atendido. Para esses últimos, religiosas são descritas como sendo Minhas leituras, este ano, a leitura não pode ser considerada a leitura de 17 estudantes. No geral, foram voltadas para meu filho um hábito. Menos de dez estudantes percebemos uma grande ênfase nesde seis anos, para desenvolver alegaram assinar um jornal ou uma sa leitura já que, em alguns casos, é nele o gosto pela leitura, já que revista para essas leituras. leitura diária e, em quatro casos, é a está sendo alfabetizado [...], Na terceira categoria, apareúnica leitura descrita. É bem provável essas leituras são uma diversão cem as leituras influenciadas pela que a dedicação a esse tipo de leitura para mim e para ele. atividade de trabalho. Entre esses de cada um dos pesquisados desse estudantes, estão os professores. grupo acabe por interferir no trabalho Apenas um dos pesquisados Das 32 participações que alegaram de sala de aula. Freire (1987), referindesse grupo cita leituras literárias, ler em função do trabalho, 25 são do-se ao professor, cita que “nosso além das infantis. Os demais, junto professores. Nesse grupo, há os papel não é falar ao povo sobre a com as leituras infantis, descrevem as que trabalham com pedagogia ou nossa visão de mundo, ou tentar impôreligiosas, do cotidiano e de trabalho. atividades pedagógicas mais gerais la a ele, mas dialogar com ele sobre a Vamos aqui tomar as palavras e, para isso, leem livros e artigos sua e a nossa” (p. 87). Considerando a de Machado (2001), ao referir-se à relacionados à educação. Os profeshegemonia da própria ciência em exleitura dos professores, afirma que sores de ciências – Química, Física e plicar o mundo, não teríamos, nesses “imaginar que quem não lê pode fazer Biologia – dedicam-se mais à procura casos, o risco de outro extremo: a heler é tão absurdo quanto pensar que de leituras sobre fenômenos atuais gemonia religiosa? Sendo assim, em alguém que não sabe nadar pode como, por exemplo, efeito estufa sala de aula, como se converter em insou algo semelhante. Todos os que serão conduzidos trutor de natação” A leitura é envolver-se na ministram aulas – ciências e outras possíveis diálogos (p. 122). Segunda trama literária, tanto pelo áreas – citam o livro didático como conflituosos entre ciela, para formar leique ela traz em termos atividade de leitura. Sendo ele uma ência versus religião? tores, é preciso ser de conteúdo quanto pela referência tanto para estudantes As dez participaleitor. Assim, o pai sua forma ou envolver-se como para professores, é lembrado ções que chamamos que lê para formar na “trama” científica, tanto ao citar as leituras que fazem. Apede ligadas ao coo filho leitor sem, no pela explicação que ela traz sar de oferecer uma modalidade de tidiano referem-se entanto, ter o hábito quanto pela sua elaboração leitura, o livro didático já se configura a leituras de uma da leitura está mais epistemológica. como uma ferramenta de trabalho receita, um extrato próximo do velho presumível para o professor e, nesse bancário, bula de jargão “faça o que sentido, provavelmente não ampliará medicamentos etc. Na parte introdueu digo, mas não faça o que eu faço”. as estratégias de entendimento do tória do livro didático da disciplina na Para o tipo de leitura que espetexto lido, à medida que esse profesqual foi realizado este trabalho, havia rávamos ver debatido no fórum – e sor não diversifica sua leitura. Vários a descrição das várias possibilidades agora voltamos para a quarta categotrabalhos (Freitag, 1993; Loguercio de leitura e, entre elas, essa que reria –, apenas 28 estudantes fizeram e cols., 2001; Martins, 2002; Stern e lacionamos ao cotidiano. Ao serem referência. Estes citaram um ou mais QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Leitura dos Estudantes do Curso de Licenciatura em Química Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 livros que leram no ano de 2008, senvolver estratégias adequadas professores – estratégias eficientes sendo tanto literatura nacional quanto ao entendimento do texto lido e, para envolver nossos estudantes em internacional. Os títulos mais citados portanto, ampliar conhecimentos, é leituras diversificadas, que desenvolforam O mundo de Sofia, Olga, O necessário o envolvimento do sujeito vam estratégias de entendimento do caçador de pipas, A cidade do sol, O na leitura de uma variedade de formas lido e que colaborem na formação de código Da Vinci, A cor púrpura, Perdas e assuntos. Nesse sentido, alguns professores/leitores. e ganhos, Sagarana, Chatô, O grande dos pesquisados – 21 que só leem Solé (1998) trata de estratégias de mentecapto, Laços de família, Os material do curso, 5 que leem apenas leitura para o entendimento do lido. sertões e outros ou citaram autores jornais e revistas, 11 que leem apenas Ela sugere uma leitura compartilhada, de posição consolidada no cenáo que está diretana qual professor rio literário como Sidney Sheldon, mente relacionado e alunos realizem A alfabetização, como Monteiro Lobato, Agatha Christie. Se ao próprio trabalho, previsões sobre o meta social, cede lugar considerarmos os 117 participantes, 4 que afirmam ler texto a ser lido e, a um anseio de um as 28 referências a obras literárias apenas assuntos liposteriormente, soprocesso de letramento, significam cerca de 24% dos estugados à religião e 1 bre o que foi lido, esque compreende tanto a dantes. No entanto, se considerarmos que só lê livros infanclarecendo dúvidas apropriação das técnicas o número total de matriculados, ou tis – estão limitando e resumindo ideias. para o desenvolvimento do seja, de estudantes que matricularam consideravelmente A autora argumenta processo de alfabetização, na disciplina, independente de terem as possibilidades que essa estratégia quanto o aspecto de participado do fórum, esse percentual de desenvolver esbusca o diálogo e a convívio e hábito da leitura será de, aproximadamente, 13%. sas estratégias. Para discussão sobre o e da escrita. Ressaltamos esse tipo de leitura em estes, com um único significado do texto. função de considerarmos que ampliar tipo de leitura citada, A leitura deve posconhecimento por meio da leitura quando terão facilidade de entendisibilitar a construção de sentidos, significa ler uma variedade de formas mento do texto lido, inclusive do texto relacionando-os com a realidade do e assuntos. didático-científico com o qual estão leitor. Um êxito maior de entendimenPoderíamos justificar essa pouca mais em contato durante o curso? to do texto ocorre pela fusão da atileitura por serem estudantes de ciA limitação da leitura a livros vidade cognitiva com o envolvimento dades interioranas, cujas bibliotecas didáticos, no curso de Licenciatuemotivo do leitor. escolares podem estar defasadas ra em Química, é justificada pelo O incentivo à leitura não deve ser ou conterem poucos livros de qualipouco tempo disponível em função uma prerrogativa de alguns cursos dade e cujas bibliotecas municipais das diversas atividades didáticas específicos, mas de todos e, princisofreriam do mesmo mal. Entretanto, exercidas pelos estudantes. Para espalmente, dos cursos de formação de algumas questões tes, a pouca leitura professores. Só um professor leitor emergem dessa pode não desenvolserá capaz de incentivar a leitura em As palavras e os especulação! Será ver as competências seus estudantes. E, para isso, é nosentendimentos que delas essa uma realidade necessárias para o sa responsabilidade iniciarmos um fazemos representam o apenas do interior entendimento de processo de discussão dessa leitura modo como significamos do estado? Os esum texto. Portanto, dentro dos cursos de formação de e ressignificamos os tudantes do curso ao limitá-la a textos professores. fenômenos/fatos/ de Licenciatura em didático-científicos, Machado (2001) nos diz que: acontecimentos do mundo. Química presencial, podem estar refor[...] ninguém resiste à tentasituados na capital, çando um ciclo de ção de saber o que se esconde têm um hábito maior de leitura? Para não entendimento do lido, ou seja, dentro de algo fechado – seja aqueles que têm o hábito de leitura, por lerem pouco não desenvolvem a sabedoria do bem e do mal esse é mantido durante o curso de competências para o entendimento no fruto proibido, seja na caixa Licenciatura em Química? Para os da leitura e o pouco lido torna-se de Pandora, seja o quarto do que não têm esse hábito desenvolvicada vez mais difícil de ser entendido. Barba Azul. Mas, para isso, é do, o curso de graduação incentiva Chartier (1991) refere-se, com propreciso saber que existe algo o desenvolvimento? Deveriam os priedade, à representação que fazelá dentro. Se ninguém jamais cursos de formação de professores mos do mundo e à grande distância comenta sobre as maravilhas – de todas as áreas – ensinar a ler o entre os letrados de talento – os que encerradas, a possível abertura mundo e as palavras? Estaria a área entendem o texto lido – e os leitores deixa de ser uma porta ou uma de Ciências envolvida num “silêncio” menos hábeis, que precisam oralizar tampa e o possível tesouro sobre a leitura de seus estudantes? o que leem para poder compreender. fica sendo apenas um bloco Para que formemos letrados de compacto ou uma barreira Aprendendo com os dados talento, é preciso que usemos – tamintransponível. (p.149) Consideramos que, para debém nós professores formadores de QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Leitura dos Estudantes do Curso de Licenciatura em Química Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009 239 240 Consideramos urgente que o tipo podemos ensinar nossos estudantes a de leitura feita pelos estudantes de descobrir, de tanto lerem, o “caminho um curso de Licenciatura em Química das pedras” e não esperar que, como seja objeto de análise e discussão. O aconteceu com muitos de nós – numa aprender a aprender (uma das preépoca de pouca televisão e de não missas da UNESCO existência de internet para a educação), –, aprendêssemos Ao transformarmos o como forma de edusozinhos. leitor em potencial num cação continuada, Para que a linleitor na prática, ele necessita de um enguagem científica passa a desenvolver volvimento na leitura, não cause mais as competências para com estratégias que “estranheza” a esleitura que conferem a capacitem cada um ses estudantes, é ele um repertório de ao entendimento do indicado que usem estratégias para enfrentar as lido e possibilitem estratégias de leitura dificuldades apresentadas o real envolvimento adequadas a cada numa nova situação de com o texto de forum deles. Estratéleitura. ma que, interagindo gias de leitura não com ele, possam são natas, devem vivenciá-lo melhor e potencializar o ser ensinadas. Para o entendimento prazer da leitura e o aprendizado ali do lido, pode ser necessário o uso oferecido. de estratégias cognitivas, tais como Ao transformarmos o leitor em poa construção de esquemas, resumos, tencial num leitor na prática, ele passa mapas conceituais e outros. E estas, a desenvolver as competências para sim, podem ser ensinadas. leitura que conferem a ele um reperA tarefa de ensinar a leitura não tório de estratégias com as quais será se restringe aos professores de porpossível escolher aquela que pareça tuguês nem aos níveis fundamentais mais conveniente para enfrentar as da educação. Professores de todas dificuldades apresentadas numa nova as disciplinas, e em qualquer fase situação de leitura. Nós, professores, do percurso da educação escolar, Referências BAKHTIN, M. Questões da literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Ed. UNESP, 1998. BRUNER, J. Realidade mental, mundos possíveis. Trad. Marcos A. G. Domingues. 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Ana Luiza de Quadros ([email protected]), licenciada em Química pela UNIJUÍ, especialista em Ensino de Química pela UPF/RS, mestre em Educação nas Ciências pela UNIJUÍ/RS, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação da FAE/UFMG e professora de Ensino de Química no Departamento de Química – ICEx – UFMG. Luciana Campos Miranda (professoraluciana@ oi.com.br), licenciada em Química, especialista em Ensino de Ciências e mestranda em Educação pela UFMG, é professora de Química da Escola Municipal Professor Tabajara Pedroso e tutora no Curso de Licenciatura em Química modalidade a distância da UFMG. MORTIMER, E.F. Sobre chamas e cristais: a linguagem cotidiana, a linguagem científica e o ensino de Ciências. In: CHASSOT, A. e OLIVEIRA, J.R. Ciência, ética e cultura na educação. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1998. p. 95-118. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 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We investigate the readings that students of the course of chemistry’s teacher formation - in the modality in the distance - affirm to make. We perceive that many of them, limit this activity and, therefore, the possibilities to develop strategies of agreement of the text, necessary for the proper course and to other interests. Keywords: reading, formation of teachers, learning. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Leitura dos Estudantes do Curso de Licenciatura em Química Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009