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Curso de Fisiologia 2012 Ciclo de Neurofisiologia
Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida
SENTIDO DA AUDIÇÃO E DO EQUILÍBRIO
O ouvido interno ou labirinto é constituído
pelos sistemas coclear e vestibular. A cóclea é o
órgão sensorial responsável pela decodificação dos
sons e evoca o sentido da audição. O sistema
vestibular é constituído pelos canais semicirculares,
sáculo e utrículo e informam o SNC sobre a posição
e movimentos da cabeça. Os receptores vestibulares
são do tipo ciliado e, quando estimulados, causam
mudanças no potencial de membrana por
mecanismos distintos. Por meio de sinapses
químicas excitatórias, essas células sensoriais
comunicam-se com as fibras aferentes primárias do
VIII par de nervo craniano (=vestíbulo-coclear). Além
disso, as células sensoriais recebem vias eferentes
do SNC significando que a sua sensibilidade pode
ser modulada centralmente.
Dentro da cóclea estão os órgãos de Corti
que são sensíveis às ondas mecânicas; os canais
semicirculares possuem as cristas ampulares
sensíveis à aceleração angular da cabeça e o sáculo
e utrículo possuem as máculas sensíveis a
aceleração linear da cabeça.
Todos esses neuroepitélios têm células
sensoriais ciliadas, sendo que um feixe de cílios é
mais longo e são denominados quinecílios (ou
cinocílios) e outros, mais curtos, denominados
estereocílios. Estes cílios movem-se apenas num
único plano: ao serem deslocados na direção dos
quinecílios se despolarizam e em sentido oposto,
hiperpolarizam. A despolarização causa o aumento
na secreção de neurotransmissores excitatórios e a
hiperpolarização, diminuição. A despolarização
aumenta, por sua vez, a freqüência dos potenciais de
ação nas fibras sensoriais primárias e a
hiperpolarização, diminui.
Tanto os receptores ciliados dos órgãos de
Corti como os vestibulares geram potenciais
receptores desse modo. A diferença está na natureza
dos estímulos mecânicos que evocam o sentido da
audição ou de equilíbrio.
SENTIDO DA AUDIÇÃO
Introdução
A sensibilidade auditiva proporciona não só o reconhecimento objetivo dos sons ambientais (chuva,
farfalhar de folhas, sons de instrumentos musicais, etc.), mas participa efetivamente no processo de
comunicação entre os indivíduos e, deste modo, constitui um importante elemento da linguagem. A perda da
sensibilidade auditiva ou a surdez dificulta este aspecto da relação humana, pois o nosso principal meio de
comunicação é através da linguagem falada. O próprio mecanismo de aprendizado da linguagem falada
depende da audição.
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Por ser um sistema biaural, permite uma impressão tridimensional do espaço para detectar não só
origem da fonte sonora como também a sua direção devido à integração central das informações
provenientes das duas orelhas.
A física do som
O som é uma onda mecânica que comprime e descomprime as moléculas do meio, criando
alterações periódicas de compressão e rarefação. O fenômeno ondulatório propaga-se num único plano,
apresenta uma amplitude (intensidade), freqüência (número de oscilações na unidade de tempo) e
duração. Um tom puro é um som com uma única freqüência; podemos expressá-la em ciclos por segundo
(cps) ou hertz (Hz). Os sons que emitimos e que ouvimos não são puros, mas compostos de várias
freqüências. A voz humana possui uma nota fundamental que caracteriza a sua freqüência básica além dos
vários harmônicos conferindo o timbre característico de cada pessoa. Assim, mesmo que os diferentes
instrumentos musicais produzam a mesma nota musical, todos causam uma impressão sonora diferente
porque os harmônicos que compõem a nota fundamental são diferentes.
Os sons audíveis para a espécie humana estão entre as freqüências de 20 a 20.000Hz; abaixo
deste intervalo os sons são chamados de infra-sons e acima, de ultra-sons que não escutamos. Isso
significa que audição se refere à capacidade de percepção e que é limitada para cada espécie. Os cães e
morcegos, por exemplo, escutam sons bem acima do nosso limite superior de freqüência e, assim,
podemos afirmar que somos surdos comparados a eles. Os sons audíveis de alta freqüência nos causam a
impressão sonora de agudo (alto) e os de baixa freqüência, grave (baixo). As variações na amplitude do
som indicam a sua altura do som (forte ou fraco).
Apesar de limitado, o nosso ouvido é
fabuloso em termos de acuidade auditiva:
detectamos uma ampla gama de intensidade
dentro do espectro audível e, por isso, usamos
uma escala logarítmica para exprimi-la:
variações na ordem de 10 decibéis (dB)
correspondem a uma variação de 100 vezes!!. O
nosso limiar de detecção sonora é, por definição
0dB e, quando os sons atingem mais de 110dB,
tornam-se desconfortáveis e causam dor. Uma
peculiaridade do sistema auditivo é que o limiar
de sensibilidade acústica depende da freqüência
e intensidade do som. Analise a curva de
audibilidade ao lado: a menor intensidade
sonora (0dB) torna-se mais fácil de detecta-la
quando os sons estão na faixa de freqüência da
fala humana (200 a 5000Htz); aquém e além
desta faixa, a intensidade precisa ser bastante
aumentada para que possamos ouvi-lo.
A relação estrutura função das três orelhas revela uma engenhosa solução que serve para superar
a impedância física ar-líquido. Lembre-se de que quando o som se propaga do ar para a água uma
significativa quantidade de onda é refletida (99%). Se não houvesse um mecanismo de compensação,
seriamos todos meio surdos, pois as ondas mecânicas que vem do ar precisam ser transmitidas para dentro
da cóclea cheia de líquido onde estão as células transdutoras.
ANATOMIA FUNCIONAL DA ORELHA
O aparelho auditivo humano e dos demais mamíferos é
formado pela orelha externa, a orelha média e orelha
interna.
Orelha externa
A orelha externa é formada pelo pavilhão auricular e
pelo meato auditivo. O pavilhão tem a forma de uma concha
acústica e funciona como um coletor de ondas sonoras; o
meato, um tubo rígido, direciona as ondas mecânicas em
direção à membrana timpânica que vibra em ressonância. A
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orelha externa, ao captar os sons numa área grande, os transmite para uma área vibratória menor. Com
isso o sinal é amplificado, otimizando-se a pressão sonora incidente no tímpano, especialmente aquelas
que estão entre 2500 a 3000Hz, ou seja, que correspondem à freqüência da nossa linguagem falada. A
membrana timpânica é acinzentada e sua tensão é regulável graças às fibras concêntricas que lhe
conferem elasticidade e fibras radiais, muita resistência mecânica.
A temperatura no interior do meato é sempre estável de modo que as propriedades físicas do som
não sejam modificadas.
Orelha média
Localizada na cavidade do osso temporal é
denominada caixa do tímpano. Fica limitada
lateralmente pela membrana timpânica e medialmente
pela cóclea. A orelha média comunica-se,
anteriormente, com a tuba auditiva (trompa de
Eustáquio) que se abre na nasofaringe e
posteriormente com a cavidade mastoideana. A
trompa estabelece o equilíbrio da pressão em ambos
os lados do tímpano.
A comunicação com a orelha interna é feita
por duas aberturas (janela oval e janela redonda).
No ouvido médio encontramos um sistema de três
ossículos articulados: o martelo, a bigorna e o
estribo. O martelo está em íntimo contato com a
membrana timpânica e a base do estribo fica
assentada diretamente sobre a membrana da janela
oval. Quando a membrana timpânica vibra em
resposta às ondas sonoras, o martelo também vibra
em ressonância e o sinal mecânico chega até a base
do estribo. O resultado é que o estribo vibra
empurrando a sua base para dentro da janela oval.
Orelha interna
A orelha interna está situada na porção petrosa do osso temporal e corresponde a uma estrutura de
organização complexa formada pela cóclea (que possui células sensoriais auditivas) e o sistema
vestibular (canais semicirculares, utrículo, sáculo que possuem células sensoriais associadas ao sentido do
equilíbrio). Cada uma dessas estruturas possui três partes: o labirinto ósseo, o labirinto membranoso (e o
espaço entre eles).
A amplificação do sinal sonoro
Ao longo da evolução dos vertebrados a membrana do tímpano e a cadeia ossicular tornaram-se
um sistema eficiente de equalização da impedância ar-líquido, garantindo que as ondas de pressão vindas
do ar fossem transmitidas para dentro do líquido coclear sem perder a qualidade do sinal. A superação da
impedância sonora se dá por meio de duas formas:
- Efeito de superfície ou transformação mecânica - a área da membrana timpânica é da ordem de 80 mm
(dos quais 55 mm tem a flexibilidade regulável) e a da base do estribo, de 3,2 mm, ou seja,
proporcionalmente muito menor. Em função do efeito de superfície, o estribo recebe uma pressão sonora 17
vezes maior quando comparada ao que é aplicada sobre o tímpano.
- Efeito de alavanca interfixa – como o martelo é 1,3 vez mais longo do que a bigorna, o movimento
articular entre a bigorna e o estribo é ampliado. Assim no total, o fator de amplificação é de 17 x 1,3.
O sinal sonoro que atinge a membrana timpânica chega para dentro da cóclea sem perder a sua
potência mecânica, ainda que passe de um meio de transmissão (aéreo) para o outro (liquido).
Equacionado o problema de impedância, as ondas mecânicas são transmitidas até as células sensoriais.
A condução aérea é regulável
A condução das ondas mecânicas da orelha externa até a base do estribo pode ser alterada
aumentando-se a tensão da membrana timpânica ou enrijecendo o movimento articular dos ossículos. O
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músculo tensor do tímpano (controlado pela porção motora do trigêmeo) e o músculo estapédio
(controlado pelo nervo facial) contraem-se reflexamente com a chegada de sons intensos, aumentando a
tensão do tímpano e enrijecendo o sistema de alavancas ósseas. O resultado é a dificuldade na
transmissão do som. Muitas vezes, sons intensos são produzidos súbita e rapidamente e o mecanismo
reflexo falha. Ou ainda, quando somos submetidos sistematicamente a sons intensos (acima dos 120dB), o
sistema auditivo pode ficar definitivamente danificado, causando surdez.
Para que a transmissão sonora ocorra adequadamente é necessário que as pressões entre a orelha
média e a externa sejam as mesmas. A trompa de Eustáquio que comunica a orelha média com a faringe
desempenha esse papel. Quando há comprometimento desta comunicação devido a uma infecção na
orelha média, além de causar dor, a audição fica comprometida. Mesmo sem estar doente, você já deve ter
experimentado o efeito dessa desigualdade de pressão durante as mudanças de altitude súbitas (descidas
ou subidas numa serra).
A condução óssea
O som originado do meio externo chega à orelha interna passando primeiro por um processo de
filtragem de freqüência e amplificação do sinal como estudamos. Mas os sons podem chegar à orelha
interna diretamente pela condução óssea. A nossa voz é em parte conduzida pela condução óssea,
parecendo mais grave do que realmente é. Compare a sua voz gravada em um aparelho de som com a que
você está acostumado a ouvir.
Cóclea
A cóclea por fora se parece com um caramujo, mas se pudesse ser desencaracolada revelaria um
longo sistema de tubos paralelos cheios de líquido. Sua base é ampla e a extremidade tem um ápice
estreito. O corte transversal revela que internamente encontramos três canais chamados de escalas
separados por septos. A escala vestibular fica de frente para a janela oval e se estende até o ápice
(helicotrema) e de lá volta para formar a escala timpânica terminando na janela redonda. Esse tubo em U
é preenchido pela perilinfa (rica em Na e pobre em K) e entre os dois está um duto de fundo cego, a escala
média (ou rampa coclear). A escala média é formada pela membrana de Reissner, pela membrana
basilar e pela estria vascular e preenchida pela endolinfa, rica em K.
Os receptores sensoriais estão na escala média assentados ao longo da membrana basilar fazendo
parte do órgão de Corti. O órgão de Corti forma um arcabouço rígido constituído de células sensoriais
ciliadas, tecido de sustentação e membrana tectorial. Há três fileiras de células sensoriais: duas externas e
uma interna, cujos cílios estão mergulhados na membrana tectorial.
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Quando a transmissão sonora chega no estribo esse vibra e empurra o liquido perilinfático da escala
vestibular. As ondas de compressão e de descompressão no líquido propagam-se pelas três escalas e
dissipam-se pela janela redonda. Como a membrana basilar é muito sensível à vibração mecânica ela entra
em ressonância descrevendo oscilações ascendentes e descendentes. O pico dessa oscilação depende da
freqüência: ondas de freqüências altas (sons agudos) atingem a amplitude máxima de deslocamento
próximo à base da cóclea e as de freqüências baixas (sons graves), próxima ao ápice. Isto mostra que a
capacidade de ressonância da membrana basilar está tonotopicamente sintonizada com a freqüência do
som. Como a velocidade de propagação do som no meio líquido é maior do que no ar, a onda sonora
invade a cóclea quase instantaneamente. Veja as animações sugeridas no site.
Como ocorre a transduçâo sensorial?
Em silêncio absoluto (condição hipotética) o potencial de repouso das células sensoriais estaria em
torno de -50mV, graças ao fluxo resultante de K+ cátion da endolinfa para o interior da célula. Lembre-se de
que a endolinfa possui uma [K+] bastante elevada e, portanto favorece a existência de um gradiente
químico. Assim, durante a propagação sonora pela membrana basilar, a membrana tectorial exerce força
de cisalhamento sobre os cílios no sentido do cinecílio, os canais de K se abrem e durante uma fase da
onda ocorre despolarização. Quando ocorre recuperação os canais se fecham, os cílios movem-se em
sentido contrário resultando em hiperpolarização. Dessa forma a vibração da membrana basilar causa
potencial receptor do tipo bifásico reproduzindo a oscilação da onda sonora
Potencial de repouso: -50mV
Influxo de K
Inclinação dos cílios
Aumento na abertura de canais de K
PR despolarizante
Abertura de canais de Ca
Entrada de Ca
Liberação de NT excitatórios
Os canais de Ca sensíveis à variação de voltagem despolarizante se abrem e o aumento de Ca
estimula a liberação de NT excitatórios para a fenda sináptica cuja membrana pós-sinaptica
pertence às terminações nervosas do nervo VIII. Assim a freqüência dos potenciais de ação desencadeados
nessa fibras ficará aumentada quando o potencial receptor for despolarizante e diminuída quando ocorre a
hiperpolarização.
intracelular
Analise de freqüência e intensidade do som
A análise de freqüência do som se torna possível
porque na proximidade da base, a onda de compressão
desloca uma quantidade menor de liquido e a membrana
basilar sendo mais rígida e menos larga, ressona melhor com
ondas de freqüências mais altas (agudas). O contrário ocorre
com a sua extremidade distal, próxima ao helicotrema onde
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os sons graves são analisados. A membrana basilar desta forma constitui um analisador de freqüência
sonora, onde cada região responde mais eficazmente a uma determinada freqüência do som (teoria da
localização do som). Assim, as fibras sensoriais primárias (que são mielinizadas) também só respondem
com descarga máxima de PA para freqüências sonoras características.
Além da freqüência, a
amplitude de vibração da membrana basilar é utilizada para decodificar a intensidade dos sons.
Vias auditivas
As fibras aferentes auditivas de 1ª ordem cujos corpos celulares estão no gânglio espiral se juntam
às do sistema vestibular para formar o VIII par craniano (nervo vestíbulo-coclear). O nervo chega no bulbo e
a
projeta-se no núcleo coclear de onde se originam os neurônios de 2 ordem. O núcleo coclear é dividido em
núcleos cocleares dorsal, ântero-ventral e póstero-ventral. Dos núcleos cocleares ventrais partem fibras
para a ponte, tanto no núcleo olivar superior do mesmo lado como do lado contralateral. Já as fibras do
núcleo coclear dorsal partem totalmente para mesencéfalo no colículo inferior do lado contralateral.
O núcleo olivar superior é dividido em três partes: lateral, medial e corpo trapezóide (recebem
fibras dos núcleos cocleares ventrais de ambos os lados) e emitem fibras para o colículo inferior através do
lemnisco lateral. Do núcleo olivar também partem fibras eferentes olivo-cocleares e influenciam as células
cocleares. O colículo inferior recebe todas as fibras auditivas ascendentes e é divido em três partes: núcleo
central, núcleo externo e o córtex dorsal. Do núcleo central partem fibras para o tálamo homolateral
(núcleo geniculado medial, participando da percepção
auditiva) e dos dois outros, fibras que vão fazer parte
dos reflexos auditivos mediados pelo tronco encefálico.
No colículo inferior há fibras comissurais que integram
as informações s de ambos os lados.
O tálamo também possui três divisões: a região
ventral tem neurônios cujos axônios formam a radiação
talâmica cortical e as regiões dorsal e medial,
possuem
neurônios
fazem
projeções
difusas
intralaminares.
O córtex auditivo situa-se no giro temporal
transverso do lobo temporal e identificamos os córtices
auditivos primário, secundários e a área auditiva
associativa (área de Wernicke). Conforme pudemos
acompanhar, a via auditiva tem projeção bilateral.
Projeções corticais eferentes desta área
partem para o tálamo e coliculos inferiores; e destes
para os núcleos cocleares e para os complexos
olivares.
Peculiaridades da Via
A via acústica guarda uma fiel representação tonotópica da sintonização que existe dentro da
cóclea em cada estação sináptica até o córtex auditivo.
Devido à projeção bilateral as lesões na área auditiva de um lado NÃO resultam na perda completa
da audição do mesmo lado. Assim, uma surdez unilateral completa só ocorre se a lesão estiver localizada
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nos núcleos cocleares homolaterais ou nas suas vias aferentes primárias. Lesões em locais mais adiante da
via causam déficits na audição, mas nunca perdas funcionais unilaterais completas.
Localização espacial da fonte sonora
Acima dos núcleos cocleares, os neurônios da via auditiva central respondem a ambas as orelhas,
ou seja, possuem campos receptivos biaurais que vão contribuir com o mecanismo de localização da fonte
sonora e o ser humano pode distinguir fontes separadas por 1o! O mecanismo envolve dois processos
diferentes: ·(a) localização horizontal (da esquerda ou da direita)
b) localização vertical (de cima e abaixo da cabeça)
O SENTIDO DO EQUILIBRIO
Estando o nosso corpo todo, ou parte dele, parado
ou em movimento, os proprioceptores garantem que
tenhamos a percepção cinestésica. O sentido vestibular ou
do equilíbrio também está intimamente associado a esta
sensibilidade, pois seus receptores detectam os
movimentos originados exclusivamente na cabeça. A
sensação de equilíbrio/desequilíbrio do corpo e os
movimentos de rotação da cabeça são detectados pelo
sistema vestibular que é considerada uma forma de
propriocepção especial.
O sistema vestibular situa-se dentro do osso
temporal, adjacente a cóclea e faz parte da orelha interna.
É formado por um labirinto ósseo dentro do qual
membranas formam três canais semicirculares
(horizontal, superior e posterior), e dois órgãos otolíticos
(sáculo e o utrículo). O interior dos canais e dos órgãos
otolíticos é preenchido pela endolinfa como na escala coclear média enquanto a perilinfa banha o espaço
entre o labirinto ósseo e o membranoso. Os respectivos neuroepitelios que contem os órgãos sensoriais
são protegidos de distorções mecânicas irrelevantes como aquelas causadas pela contração muscular ou a
pulsação dos vasos.
CANAIS SEMICIRCULARES
Os três canais semicirculares de cada lado estão orientados perpendicularmente entre si, sendo coplanares em relação aos do lado oposto o que garante uma abstração tri-dimensional do espaço. Esse
design garante que qualquer movimento espacial de rotação da cabeça possa ser detectado. Cada canal
possui uma dilatação em sua extremidade denominado ampola. Dentro de cada ampola está o
neuroepitélio (cristas ampulares) que contém as células sensoriais ciliadas. Os cílios dessas células
Detalhes de uma crista ampolar
Acima, esquema a orelha interna, mostrando o
aparelho vestibular. Abaixo, detalhes da crista
ampular horizontal indicando o movimento da cabeça
e do liquido endolinfático.
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estão mergulhados numa cúpula gelatinosa que quase obstrui a luz do canal. Todas as vezes que a
cabeça é rotacionada (para cima, para baixo ou para os lados) a endolinfa no interior dos canais se move
em sentido contrário devido à inércia e causa uma deformação mecânica na cúpula. Em resposta à
deformação mecânica, os cílios são tracionados e respondem com alterações na condutância iônica de
membrana, ou seja, com despolarização ou hiperpolarização, conforme o sentido de movimento do liquido.
As células sensoriais ciliadas fazem sinapses excitatórias com as fibras aferentes vestibulares do
VIII par craniano. A freqüência de despolarização das fibras aferentes primárias vai, assim, depender da
quantidade de neurotransmissores liberados como acontece com as células sensoriais ciliadas acústicas.
Como a densidade da gelatina
cupular e da endolinfa são as mesmas,
a primeira não é afetada pelas forças
de aceleração linear devido à
gravidade. Os cílios de cada ampola
estão orientados todos numa mesma
direção.
Observe o movimento de
rotação da cabeça para a esquerda na
figura ao lado (seta vermelha). Repare
que os cinecílios de cada crista dos
canais semicirculares horizontais estão
todos orientados em direção ao utrículo
(conjunto de setinhas pequenas). As
setas em curvas (verde) representam
os movimentos passivos do liquido
linfático no sentido contrário ao
movimento da cabeça. No lado
esquerdo o liquido se move em direção
à ampola e no lado direito, afastandose dela.
Acompanhando as respostas dos canais horizontais, verificamos que as células sensoriais do lado
esquerdo são excitadas devido ao movimento dos cílios em direção ao utrículo. Como conseqüência, as
fibras aferentes correspondentes, respondem com um aumento de descarga na freqüência dos PA. No lado
oposto, o liquido se movimenta no mesmo sentido, mas em oposição a orientação dos cinecílios, causando
hiperpolarização das células receptoras deste lado e reduzindo a descarga de PA nas fibras aferentes deste
lado. O SNC compara a freqüência de disparos dos PA das fibras aferentes, detectando em que sentido se
deu o movimento da cabeça. Assim, os diferentes padrões de movimentos de rotação da cabeça são
reconhecidos no SNC através da integração da sensibilidade originada nos três pares de canais
semicirculares. É difícil experimentar e descrever com clareza esta sensibilidade, pois é praticamente
inconsciente, mas a sua importância se faz presente quando ocorre o seu déficit ou funcionamento anormal,
por exemplo, durante a vertigem.
Movimentos oculares reflexos causados por estímulos vestibulares
ESTABILIZAÇÃO DO OLHAR: essencialmente reflexo, cuja função é a de manter a imagem visual
focalizada sobre a retina, seja porque os objetos estão se movendo dentro do campo visual ou porque nós é
que estamos nos movendo. Em ambos os casos há o risco da imagem ficar fora de foco. Se a cabeça está
se mexendo, então o sistema vestibular deve acionar os neurônios motores oculares e realizar os ajustes
necessários. Imagine-se correndo: a cada trepidação da cabeça, os olhos devem se mover em sentido
contrário para manter o olhar fixo em um determinado ponto à frente. Se não ocorressem esses movimentos
oculares compensatórios, o objeto estaria sempre saindo fora de foco. Estes movimentos oculares
causados por estímulos vestibulares são denominados nistagmo vestibular.
Mas se é “o mundo que se move”, as informações visuais acionam os músculos oculares via
núcleos do colículo superior (área pré-tectal) situados no mesencéfalo. Os neurônios coliculares são
especialmente sensíveis a estímulos visuais contendo movimento e recrutam os neurônios motores do
globo ocular causando os movimentos compensatórios todas as vezes que os objetos dentro do campo
visual estiverem se mexendo(nistagmo optocinético).
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Experimente ver o nistagmo
Peça a um colega sentar-se sobre uma
cadeira giratória. Gire a cadeira várias vezes e
pare-a subitamente. Repare que os olhos do
colega realizam movimentos oscilatórios de vaie-vem: eles se desviam lentamente para um
RETORNO RÁPIDO
DESVIO LENTO
lado, e se voltam rapidamente à posição anterior
Tentativa voluntária
Reflexo vestibular
para depois repetir este ciclo novamente. Esses
de correção
movimentos oculares horizontais de vaivém são
denominados nistagmo rotacional e são
evocados pela estimulação dos canais semicirculares. Mesmo depois da cabeça ter parado de rodar, o
liquido endolinfático continua a estimular artificialmente as cristas ampulares em função da enorme inércia.
As aferências vestibulares chegam nos núcleos óculo-motores “tentando” compensar a suposta rotação da
cabeça e causa o movimento lento. Mas o reflexo optocinético (voluntário) tenta compensar o suposto
movimento do mundo e causa o movimento rápido.
Aplicação prática
Baseado no principio de que o aumento de temperatura causa movimentos de convecção da
o
endolinfa, os clínicos testam a integridade do reflexo da seguinte maneira: pingam água fria (30 C) ou
o
quente (44 C) dentro da orelha externa e observa a resposta ocular. Em um paciente em coma, o
componente lento estará totalmente ausente já que esse reflexo é mediado ao nível do tronco encefálico.
SÁCULO E UTRÍCULO
O neuroepitélio do utrículo está orientado
horizontalmente e o sáculo verticalmente. A membrana
otolítica denominada mácula, possui receptores sensoriais
ciliadas (Tipo1 e Tipo2) cujos cílios também se encontram
livres e mergulhados em estruturas cupulares, porém mais
rigida devido a uma matriz gelatinosa. Dentro desta matriz,
encontramos depósitos de carbonato de cálcio, ou otólitos,
menos densos e que ficam suspensos. Esta massa gelatinosa
e os otólitos são denominados membrana otolítica.
As células ciliadas fazem sinapses excitatórias com as
terminações nervosas do nervo VIII, cujos corpos neuronais
estão nos gânglios vestibulares ou de Scarpa e quando os
cílios são deslocados, respondem como as demais células
ciladas,
com
despolarização
ou
hiperpolarização,
determinando a quantidade de NT liberados.
A membrana otolitica é mais densa do que a linfa
cerca de duas vezes. Assim, diferente do que ocorre nos canais semicirculares, a membrana otolítica sofre
efeitos de aceleração devido à força de gravidade. Essa sensação vestibular pode ser experimentada
conscientemente quando estamos parados em um elevador em movimento. Como o corpo está sendo
movimentado, mesmo sem mover a cabeça, experimentamos o que chamamos de acelereçao linear. É o
que também experimentamos dentro de um carro em aceleração. Assim durante o movimento da cabeça,
enquanto os canais semicirculares detectam a aceleração angular, os órgãos otolíticos detectam a
aceleração linear.
As máculas utriculares e saculares
possuem, ambas, uma superfície curva e as
células estão dispostas em um mosaico que
seguem um padrão em várias direções. Na figura
ao lado podemos observar o plano de disposição
das duas máculas uma em relação à outra. As
setinhas indicam a orientação ou polarização dos
cinecílios, ou seja, a inclinação que causam
despolarizações nas células sensoriais.
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Quando nós aceleramos estaticamente para frente/para trás, a membrana otolítica, que é mais
densa, desloca-se no mesmo sentido do movimento, causando movimentos dos cílios. Como a orientação
dos cílios varia por toda a superfície da mácula, qualquer inclinação da cabeça excita uma população de
células ciliadas e, ao mesmo tempo, inibe outra, gerando um padrão específico de atividade aferente quanto
à inclinação que a cabeça sofre. Se formos acelerados (dentro do carro, elevador, etc) a membrana
otolítico deslocam em sentido contrário.
Vias vestibulares
Os receptores vestibulares são considerados também proprioceptivos, pois assim como os órgãos
tendinosos de Golgi, fusos musculares e receptores articulares, evocam sensações somáticas originadas da
postura e o movimento da cabeça.
As fibras sensitivas do sistema vestibular convergem para o gânglio vestibular ou de Scarpa
(neurônios de 1a. ordem) e os axônios mielinizados formam a porção vestibular do nervo vestíbulo-coclear
a
(VIII par craniano) e projetam-se nos núcleos vestibulares. Os axônios dos núcleos vestibulares (2 .
ordem) se projetam para vários locais, conforme a via consciente ou inconsciente.
Via inconsciente: para o cerebelo (lóbulo flóculo-nodular) através do fascículo vestíbulo-cerebelar;
Via consciente: cujo trajeto é ainda obscuro, porém há projeções no córtex, no lobo parietal,
próximo à inervação somestesica da face.
As informações dos núcleos vestibulares destinam-se também para:
1) Núcleos óculomotores (III par): controla o movimento dos olhos (reflexo vestíbulo-ocular)
2) Neurônios motores medulares dos membros e pescoço contribuindo com reflexos vestíbuloespinhal (reflexos de endireitamento).
3) Formação reticular
4) Complexo vestibular contralateral.
Os circuitos relacionados aos reflexos motores envolvendo as informações vestibulares serão mais
detalhadamente estudados quando analisarmos o controle da motricidade.
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Sentido da audição e equilíbrio