CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DA BAHIA ÂNGELA DOS SANTOS NUNES COOPERAÇÃO E COMPETIÇÃO NUMA COOPERATIVA DE CATADORES: UM ESTUDO DE CASO Salvador 2004 ÂNGELA DOS SANTOS NUNES COOPERAÇÃO E COMPETIÇÃO NUMA COOPERATIVA DE CATADORES: UM ESTUDO DE CASO Monografia apresentada ao Curso de Administração com habilitação em Hotelaria, do Cefet-Ba como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Administração. Orientador: Prof. Dr. Nilton Vasconcelos Júnior Salvador 2004 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 – Diferenças entre Economia de Mercado e Economia Solidária..........................................................................................15 LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Idade dos Sujeitos .............................................................................39 TABELA 2 – Escolaridade dos Sujeitos.................................................................40 AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar a Deus, pela oportunidade de poder estudar e contribuir para o meu crescimento pessoal e de toda a sociedade. Aos meus queridos pais, que me deram todos os subsídios para que eu pudesse ser a pessoa que sou hoje. Aos meus professores, colegas e família, por toda dedicação e confiança investidas em mim durante todo este tempo de convivência. Ao meu orientador, Nilton Vasconcelos Júnior, pelo incentivo constante e objetiva orientação na condução desta pesquisa. Aos amigos da Cooperativa CAEC, que me receberam de braços abertos, possibilitando a realização desta pesquisa. A todos aqueles que de alguma desenvolvimento pessoal e profissional. A todos vocês, muito obrigada! forma contribuíram para o meu “Na Cooperativa ninguém perde sua liberdade; a cooperativa é, em suma, a associação das liberdades”. Tancredo Neves SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................ 8 2. MARCO TEÓRICO ......................................................................... 12 2.1. Economia Solidária .......................................................... 12 2.2. Cooperativismo................................................................. 15 2.2.1. Cooperativismo no Brasil........................................ 16 2.2.2. Cooperativismo no Nordeste.................................. 20 2.3. Competição...................................................................... 21 2.4. Cooperação ..................................................................... 23 2.4.1. A Teoria de Morton Deutsch Sobre Competição e Cooperação ............................................................................ 26 3. ESTUDO DE CASO ....................................................................... 30 3.1. Coleta Seletiva ................................................................ 30 3.2. Formas de Organização dos Grupos............................... 32 3.3. Produtos e Condições operacionais ............................... 33 3.4. A CAEC ........................................................................... 34 4. METODOLOGIA ............................................................................. 37 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................... 39 6. CONCLUSÃO.................................................................................. 49 REFERÊNCIAS APÊNDICE RESUMO Esta pesquisa teve como objetivo analisar a existência de relações de competição e cooperação em indivíduos em duas situações distintas: numa situação que “induzia” a competição (no antigo lixão de Canabrava) e posteriormente, numa situação de Cooperação (na CAEC – Cooperativa de Catadores Agentes Ecológicos de Canabrava). A fim de alcançar os objetivos propostos foi adotada uma metodologia quantitativa, utilizando-se a técnica do questionário estruturado com sessenta afirmativas. Os resultados mostraram que mesmo atuando em um ambiente cujo lema é a cooperação e a solidariedade, a competição se faz presente e continua atuando. Da mesma forma, em ambiente de competição, a cooperação não deixa de existir. Palavras-Chaves: Solidariedade. Economia solidária, Competição, Cooperação, ABSTRACT This research had as objective to analyze the existence of competition relations and cooperation in individuals in to distinct situations: in a situation that “ it induced” the competiton ( in the old great garbage of Canabrava ) and, in a situation of cooperation ( in the CAEC- Cooperative of that one that it collects Agent Ecological of Canabrava ). In order to reach the considered objectives a quantitative methodology was adopted, using it technique of the questionnaire structuralized with sixty affirmations. The results had shown that exactly acting in an environment whose motto is the cooperation and solidarity, the competition if makes gift and continues acting. In the same way, in competition environment, the cooperatio does not leave to exist. Key- Words: Solidary Economy, Competiton, Cooperation,Solidarity. 1. INTRODUÇÃO A constatada crise da economia mundial apresenta conseqüências desastrosas para a maioria dos países. Conforme o economista João Machado apud Adrioli (2002), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a economia mundial que se mantinha num crescimento de 4% na década de 60, chegou ao final da década de 90 com apenas 1%. O custo social disso, por sua vez, é catastrófico: a diferença entre países ricos e pobres aumentou em 110 vezes, desde a 2ª Guerra Mundial até a década de 90; aumenta consideravelmente a distância entre ricos e pobres dentro dos países. De acordo ainda com Adrioli (2002), de maneira mais conjuntural, as principais características decorrentes da crise mundial são as seguintes: a) crise do trabalho assalariado, com acentuada precarização nas relações de trabalho; b) despolitização das relações sociais; c) acento na competitividade com a perspectiva de que apenas alguns se “salvam” já que não há “espaço” para todos; d) reestruturação produtiva; e) tentativa de substituição do modelo fordista / taylorista de produção, alterando as formas de gestão tradicionais nas empresas; f) incorporação de novas tecnologias, dispensando atividades repetitivas e gerando problemas de qualificação profissional; g) corte de gastos públicos e a conseqüente redução das políticas sociais. O desemprego, que daí decorre, atinge praticamente a todos os países, numa dimensão nunca antes vista. Conforme estudo intitulado “Tendências Mundiais de Emprego -2004” 1 , realizado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT - o total de desempregados no mundo no final de 2003 foi de 185,9 milhões de pessoas, o que corresponde a 6,2% da força de trabalho do planeta. É o maior número da história da OIT, superando a marca de 185,4 milhões de desempregados atingida em 2002. Este é o tamanho da exclusão que exige providências, uma vez que a maioria da população o aponta como o maior problema da atualidade em diversas pesquisas de opinião pública. Diante do contexto de exclusão que marca a sociedade capitalista, uma das possíveis formas de inclusão é a criatividade individual de cada um que, de forma isolada, procura resistir por conta própria no mercado. É o caminho dos micro-empresários e trabalhadores autônomos que, com um reduzido montante de capital à disposição, se lançam na difícil tarefa da sobrevivência. Com sua ação isolada, a tendência ao fracasso é muito grande e, com os inúmeros casos de insucesso, intimidam-se outras ações similares (Adrioli, 2002). Segundo Adrioli (2002), uma outra forma possível é o trabalho associado, onde um grupo de pessoas se organiza e, contando com acompanhamento e maior conhecimento à sua disposição, possui maior probabilidade de sucesso. É a ação solidária dos que se unem por possuírem o mesmo problema, por uma mesma necessidade, buscando um benefício comum. 1 Este estudo pode ser obtido na íntegra no site www.ilo.org/public/english. De acordo com Marques2 apud Adrioli (2002), “a solidariedade dos que enfrentam os mesmos problemas é o melhor caminho para que cada qual melhor os entenda e melhor os enfrente, não na estreiteza e no confinamento do seu eu individual, mas numa forma nova de pensar e agir: a consciência do grupo e a forma de cooperação”. No entanto, segundo este mesmo autor, é difícil conceber a importância da solidariedade, numa sociedade marcada pela competição e pelo individualismo. Sendo que a lógica do mercado se regula pela concorrência, pela vitória de um sobre o outro, a cooperação perde o seu sentido de ajuda-mútua para se reduzir a uma mera tática de intervir no mercado: unir-se com uns para competir com outros. Assim, o desafio de construir organizações cooperativas no contexto de competição e luta desenfreada pela sobrevivência, se torna bastante complicado sem um espaço de reflexão sobre o significado do ato cooperativo, da importância da convivência e da solidariedade. Diante disso, a presente pesquisa objetivou investigar em que medida a experiência de tornar-se um cooperado muda as relações de trabalho, ou seja, a competição e o individualismo, característicos do cenário capitalista atual, podem dar lugar à solidariedade e à cooperação. A fim de alcançar os objetivos propostos, foi realizado um estudo de caso na CAEC – Cooperativa de Catadores Agentes Ecológicos de Canabrava, situada no bairro de São Marcos, em Salvador. Os atuais cooperados da CAEC são ex-catadores do extinto lixão de Canabrava que, para sobreviverem disputavam o que chegava nos 2 MARQUES, Mário Osório & ROCHA, R.H.S. 1° Seminário Latino Americano de Comunicação Cooperativa – Conferências, vol.2, Garanhuns:ASSOCENE,1978,p.64. caminhões entre cães e urubus. Após saírem deste ambiente que induzia à competição, passaram a participar de uma cooperativa, cujo lema é a cooperação e a solidariedade entre os cooperados. A hipótese que norteia esta pesquisa é a de que apesar do lema de solidariedade, existente nas Cooperativas de trabalho a competição é inevitável e continua atuando. 2. MARCO TEÓRICO 2.1. ECONOMIA SOLIDÁRIA Num mundo de desemprego crescente, em que a grande maioria dos trabalhadores não controla nem participa da gestão dos meios e recursos para produzir riquezas, um número sempre maior de trabalhadores e famílias perde acesso à remuneração e fica excluído do mercado capitalista. Neste cenário, sob diversos títulos – economia solidária, economia social, socioeconomia solidária, humanoeconomia, economia popular, economia de proximidade, etc – têm emergido práticas de relações econômicas e sociais que, de imediato, propiciam a sobrevivência e a melhora da qualidade de vida de milhões de pessoas em diferentes partes do mundo. São práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em particular. A economia solidária não é criação intelectual de alguém, embora os grandes autores3 socialistas denominados “utópicos” da primeira metade do século XIX tenham dado contribuições decisivas ao seu desenvolvimento. De acordo com Singer (2000), a economia solidária é uma criação em processo contínuo de trabalhadores em luta contra o capitalismo. Como tal, ela não 3 Owen,Fourier, Buchez,Proudhon,etc. poderia preceder o capitalismo industrial, mas o acompanha como uma sobra, em toda a sua evolução. Segundo Singer (2000), a economia solidária surge como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados no mercado de trabalho. A economia solidária casa o princípio da unidade entre posse e uso dos meios de produção e distribuição (da produção simples de mercadorias) com o princípio da socialização destes meios. Para Singer, que é um dos expoentes entre os pesquisadores da Economia Solidária no Brasil, a unidade típica da economia solidária é a Cooperativa de produção, cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o número de cooperadores não é demasiado) ou por representação: repartição da receita líquida entre os cooperadores por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação do excedente anual (denominado “sobras”) também por critérios acertados por todos os cooperadores. A economia solidária busca a unidade entre produção e reprodução, evitando a contradição fundamental do sistema capitalista, que desenvolve a produtividade, mas exclui crescentes setores de trabalhadores de acesso aos seus benefícios, gerando crises recessivas de alcance global. De acordo com Singer (2000), quando uma nova empresa solidária surge, a sua estruturação segue uma lógica completamente diferente. Em sua origem há em geral uma comunidade formada por ex-empregados duma mesma empresa capitalista ou por companheiros de jornadas sindicais, estudantis, comunitárias etc. Segundo esta vertente do pensamento sobre a temática, uma empresa solidária surge não só para permitir ganhos aos sócios, mas como criação de trabalhadores em luta contra o capitalismo, sendo uma opção ao mesmo tempo econômica e político-ideológica. Ela exigiria dos seus integrantes uma opção contra os valores dominantes da competitividade individual e da primazia do capital sobre o trabalho. Por isso, seu nascimento requer o patrocínio de apoiadores externos, que podem ser outras empresas solidárias, incubadoras (órgãos especializados em formar e amparar tais empreendimentos), sindicatos, entidades religiosas, organizações não- governamentais (ONG), entre outras. A economia solidária é vista, portanto, como um poderoso instrumento de combate à exclusão social, pois apresenta alternativa viável para a geração de trabalho e renda e para a satisfação direta das necessidades de todos, provando que é possível organizar a produção e a reprodução da sociedade de modo a eliminar as desigualdades materiais e difundir os valores da solidariedade humana. A economia solidária é também um projeto de desenvolvimento integral que visa a sustentabilidade, a justiça econômica e social e a democracia participativa. Alguns aspectos evidenciam as diferenças entre a Economia de Mercado e a Economia solidária, conforme pode ser verificado no quadro 1. Quadro 1 - Diferenças entre a Economia de Mercado e a Economia Solidária ECONOMIA SOLIDÁRIA ECONOMIA DE MERCADO Colaboração Individualismo Solidariedade Competitividade Geração de Empregos Desemprego Desenvolvimento ecologicamente sustentável Destruição dos ecossistemas Redução da jornada Exploração do trabalho Aumento da poupança interna Dependência dos capitais externos Distribuição da riqueza Concentração de capitais Desenvolvimento sustentado e Crescimento de metrópoles geograficamente distribuído Livre iniciativa solidária Monopólio Fonte: Elaborado pela autora da monografia 2.2. COOPERATIVISMO A mais antiga cooperativa de que se tem registro foi fundada por empregados dos estaleiros de Woolwich e Chatham, Inglaterra, por volta de 1760. Eram de moinhos de cereais, em reação aos altos preços cobrados pelos moinhos locais (VEIGA, 2001). O pensamento cooperativista moderno surgiu na Europa Ocidental, no início do século XIX, a partir de contribuições de pensadores como Robert Owen, William King e Charles Fourier. A primeira cooperativa moderna formouse em 1844, na cidade de Rochdale, Inglaterra, com um pequeno número de trabalhadores. Com dificuldades para comprar gêneros de primeira necessidade, os pioneiros de Rochdale, como ficaram conhecidos os cooperativados, fundaram uma cooperativa de consumo, para comprarem em conjunto e assim conseguirem preços mais baixos. O número de associados aumentou vertiginosamente com o passar dos anos. Os pioneiros abriram várias filiais e desenvolveram outras cooperativas, como de habitação e produção. O Estatuto da Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale se constitui “[...] o marco da fundação do cooperativismo moderno [...]” por seus princípios, tais como a democracia e igualdade entre os membros, que servem de base até hoje para o cooperativismo, e também pela sua preocupação com o crescimento moral e educacional dos seus membros (VEIGA, 2001). “[...] De lá para cá o cooperativismo se disseminou pelo mundo [...]” e, atualmente, cerca de 1/6 da população mundial está envolvida nele (VEIGA, 2001). 2.2.1. COOPERATIVISMO NO BRASIL As primeiras experiências do cooperativismo brasileiro remontam ao final do século XIX, com a criação da Associação Cooperativa dos Empregados, em 1891, na cidade de Limeira-SP, e da Cooperativa de Consumo de Camaragipe – Estado Pernambucano, em 1894. A partir de 1902, surgem as primeiras experiências das caixas rurais do modelo Raiffeisen, no Rio Grande do Sul e, em 1907, são criadas as primeiras cooperativas agropecuárias no Estado de Minas Gerais (OCB, 1996). A literatura acusa um florescimento da prática cooperativa brasileira a partir de 1932, motivada por dois pontos: a) o estímulo do Poder Público ao cooperativismo identificando-se como um instrumento de reestruturação das atividades agrícolas; b) promulgação da lei básica do cooperativismo brasileiro, de 1932, passando a definir melhor a especificidade daquele movimento diante de outras formas de associação (Pinho, 1996). Atualmente, o cooperativismo brasileiro é amparado pela Lei nº. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que exige um número mínimo de 20 sócios para a sua constituição e é representado, formalmente, pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) em nível nacional e da Organização Estadual de Cooperativas (OEC), em nível de cada Unidade da Federação. A Lei nº. 5.764/71 está estruturada em 117 artigos contidos nos seus dezoito capítulos. O Artigo 4 do Capítulo III da referida Lei define as cooperativas como “ sociedades de pessoas, com forma e natureza juríd ica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados(...)”. E o Artigo 79 do Capítulo XII define os atos cooperativos como sendo “os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aqueles e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais”. Um outro aspecto legal a ser destacado foi a criação da Lei n° 9.867, de 10 de novembro de 1999, que criou e normatizou as cooperativas especiais, as quais são destinadas a auxiliar pessoas em “situação de desvantagem” a se inserirem no mercado. Os pesquisadores na área são unânimes em apontar o Cooperativismo como uma alternativa de renda para os trabalhadores desempregados, resgatando a cidadania e inserindo-os no contexto sócioeconômico atual. O Cooperativismo Popular como integrante da economia solidária, procura se diferenciar do cooperativismo tradicional em função do perfil econômico dos cooperados e pela autogestão. Na carta de Princípios4 elaborada pelo Fórum de Desenvolvimento do Cooperativismo Popular do Rio de Janeiro (FCP) são desenvolvidos alguns princípios do Cooperativismo popular, baseados nos tradicionais valores do cooperativismo, porém enfatizando a solidariedade, a autogestão e a valorização do cidadão: São alguns princípios do Cooperativismo Popular: 1. Lutar pela constituição de um modelo de sociedade justa, igualitária e solidária, acreditando na potencialidade de sermos sujeitos do nosso próprio desenvolvimento individual e coletivo. 2. Lutar por uma globalização fundada na ética da solidariedade e na participação ativa dos cidadãos no controle e gestão dos meios de produção da sociedade, promovendo a auto-sustentação e a comunhão com a natureza. 3. Resgatar as idéias de participação, do entrosamento, do trabalho conjunto, onde a fraternidade/irmandade seja 4 www.milenio.com.br/ifil/rcs/biblioteca.htm essencial, afirmando as vantagens das relações humanas. 4. Promover a geração de trabalho e a democratização da propriedade, renda e conhecimento, voltadas para a maioria da população. 5. Formular, incentivar e apoiar políticas sociais integradas, que considerem formas associativas de trabalho, baseadas na cooperação, como instrumentos fundamentais de desenvolvimento local e regional. 6. Diagnosticar, planejar, acompanhar e administrar o desenvolvimento de cadeias produtivas e de serviços de fomento, viabilizando propostas de socioeconomia autogestionária e solidária. 7. Contribuir com a formação integral do cidadão, que ultrapasse a questão da sobrevivência individual, estimulando o ensino do cooperativismo, promovendo a educação e a formação dos cidadãos na prática cooperativista e organização popular; 8. Afirmar a autogestão dos que assumem o cooperativismo como instrumento de justiça social e economia solidária, criando condições de garantia de crescimento conforme a capacidade de gestão coletiva; 9. Valorizar modelos alternativos de organização social, que sirvam de base para a construção de critérios objetivos de avaliação da proposta cooperativista; 10. Estimular a troca de experiências, promovendo a democratização de informações entre as organizações populares, gerando condições de viabilidade para uma proposta de sócio-economia solidária. 2.2.2. Cooperativismo no Nordeste A região nordeste caracteriza-se por ser uma região de contrastes, marcado por forte heterogeneidade e complexidade não somente em termos de clima, vegetação, topografia, cultura, mas, especialmente, em termos econômicos. Essa região convive, simultaneamente, com situações de extrema pobreza – típicas de países subdesenvolvidos – e com níveis de produção e consumo semelhantes aos dos países de capitalismo avançado (Garcia, 1984; Araújo, 1997). A história do cooperativismo nordestino, nesse contexto, evidencia os mesmos contrastes, reproduzindo um modelo concentrador e excludente que teve numa estrutura agrária voltada para o latifúndio e para o setor agroexportador a sua base de sustentação (Silva, 2003, et al). Segundo este autor, verifica-se em muitas cooperativas criadas nesta região, que os quadros dirigentes são compostos por um grupo de poder local, em detrimento dos interesses dos cooperados. Assim, o poder e a autoridade são exercidos historicamente pelos dirigentes e não pelos associados. Nesse sentido, grande parte das cooperativas rurais no Nordeste esteve organizada a partir de uma estrutura de classes, nas quais os postos de comando sempre estiveram preenchidos pelos grandes proprietários e pelas lideranças políticas locais e regionais, atendendo a benefícios de pessoas e de grupos específicos. Eis a razão pela qual, o cooperativismo nordestino foi identificado como instrumento de controle do que de mudança social, tendo servido, muitas vezes, como instrumento de transferência de recursos financeiros para os produtores (Rios, 1987). Constata-se hoje, no Nordeste, um esforço de revitalização das práticas cooperativas, através dos diversos fóruns realizados em vários estados, na grande maioria promovidos pelas entidades representativas do cooperativismo e pelas universidades, sobretudo no que diz respeito à formação do seu quadro social e à capacitação de seus dirigentes. 2.3. COMPETIÇÃO Este trabalho analisa uma experiência de Cooperativismo a partir dos conceitos de “competição” e “cooperação”. O interesse principal do estudo está focado no Cooperativismo e, neste sentido, a categoria “competição” é vista, sobretudo, em contraposição, ou seja, como o contrário de “cooperação”. Assim, não será feita uma abordagem extensa dos sentidos de ”competição“ aplicada à economia e à estratégia empresarial. Na nossa sociedade capitalista predomina uma concepção que estimula o comportamento competitivo. Na família, a criança aprende desde cedo a competir com os irmãos por objetos e vantagens, os quais, além dos benefícios da posse em si, ainda lhe conferem certo prestígio e algum poder. Este condicionamento prossegue na escola, onde, além da meta co-orientada da aprovação, é enfatizada a meta competitiva das melhores notas. Na idade adulta, continua a aprendizagem, nos esportes, na política e na vida profissional, em razão de a cultura deixar a situação cooperativa em segundo plano, ficando a competição no primeiro plano. A primeira concepção de “competição” é oriunda da economia. Já no século XVII, mais precisamente na Inglaterra, se dizia “A competição é a vida do comércio”, identificando-se este viés competitivo desde tempos remotos da sociedade industrial moderna, como relataram posteriormente Adam Smith e os fisiocratas (Reale, 2002). Segundo Reale (2002), por definição, o único sistema em estado de competição absoluta se encontra em uma comunidade vegetal, justamente pelo fato de não haver cognição entre os competidores. Como os competidores não se reconhecem, eles competem sem que haja qualquer intenção moderadora. A competição se faz de forma absoluta, sem que outras forças a influenciem. Estes processos são diferentes dos que ocorrem entre humanos, porque estes, ao ganhar consciência da competição e dos seus efeitos, irremediavelmente, entram em conflito e procura-se moderar a competitividade por razões diversas. 2.4. COOPERAÇÃO Segundo Jesus e Tiriba (2003), o termo cooperação tem o significado semântico de ato de cooperar, ou operar simultaneamente, trabalhar em comum, colaborar, sinalizando, portanto, para um sentido de ação e um sentido de movimento coletivo, sempre em oposição à perspectiva individual e individualista. Enquanto ação, significa a disposição, o empenho, o compromisso de apoiar, de fazer com, de empreender com, de produzir com, o que pode também ser visto como valor, como resultante de uma visão de mundo e visão de homem. Nessa direção, cooperação significa tomar parte de um empreendimento coletivo cujos resultados dependem da ação de cada um dos participantes. Enquanto movimento, nos remete um pouco à história da humanidade cujas primeiras civilizações se caracterizavam pela vida em coletividade. Nas “comunidades naturais”, o indivíduo encontrava no grupo proteção e os meios materiais necessários à vida. Lassere 5 (1967) apud Jesus e Tiriba ressalta que o coletivismo foi pouco a pouco sendo substituído pela civilização individualista, a qual se materializa por meio de várias revoluções, a saber: revolução econômica (quando os indivíduos se separam da economia familiar para ter uma vida econômica independente), revolução intelectual (no Renascimento, quando o homem descobre o uso da razão, do pensamento livre e laico, tornando a ciência possível), revolução espiritual (cuja Reforma 5 LASSERE,G. La coopération. 1967. possibilitou a conquista mais preciosa da era individualista: a liberdade de consciência), revolução agrícola (camponeses se liberando das formas coletivas e de direitos feudais), revolução política (a democracia favorecendo a conquista das liberdades individuais fundamentais) e revolução industrial (capitalismo moderno e progresso material rápido). Ao fazer uma análise dos processos civilizatórios calcados no individualismo, Lassere apud Jesus e Tiriba (2003) enfatiza que “o movimento da história se inverte: o individualismo parece ter dado tudo que podia dar e esgota sua fertilidade [...] A tendência que se desenha agora á e de um retorno ao coletivo”. Conclui que “os trabalhadores compreenderam pouco a pouco que uma mudança profunda de natureza social era necessária e que sua única arma [...] residia na associação, graças à qual, seu número, de fraqueza, transformava-se em força”. A cultura da cooperação é uma filosofia baseada em conceitos e valores humanísticos como solidariedade, confiança e organização funcional de grupos. Tem como propósito substituir o individualismo pela ação coletiva. A cooperação é um conceito, de certa forma, ambíguo, permitindo múltiplos usos. É usado para definir ações, relações entre indivíduos, ou é empregado como conceito de organização institucional. Para Boettcher 6 apud Frantz (2001), cooperação é a atuação consciente de unidades econômicas (pessoas naturais ou jurídicas) em direção a um fim comum, pela qual as atividades dos participantes são coordenadas através de negociações e acordo. Portanto, em princípio, a cooperação é entendida como uma ação 6 BOETTCHER, Erik. Kooperation und demokratie in der wirtschalft. Tuebingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1974. consciente e combinada entre indivíduos ou grupos associativos com vista a um determinado fim. Frantz (2001) define a cooperação como um processo social, embasado em relações associativas, na interação humana, pela qual um grupo de pessoas busca encontrar respostas e soluções para seus problemas comuns, realizar objetivos comuns busca produzir resultados, através de empreendimentos coletivos com interesses comuns. Em um plano macro, afirmando a importância da cooperação, Lévy (1999, p.44) diz que a riqueza das nações depende hoje da capacidade de pesquisa, de inovação, de aprendizado rápido e de cooperação ética de suas populações. Levar os conceitos da cultura da cooperação às comunidades – principalmente às mais carentes – é criar condições para que elas, cada vez mais, articulem-se umas com as outras em associações, cooperativas, consórcios e outros tipos de enlances organizacionais, visando a obtenção de níveis de produtividade, qualidade e, principalmente, a flexibilidade tão necessária para enfrentar as incertezas dos novos tempos. Foi a partir dos conceitos adotados pela cultura da cooperação que o cooperativismo se desenvolveu. 2.4.1. A TEORIA DE MORTON DEUTSCH SOBRE COOPERAÇÃO E COMPETIÇÃO Deutsch7 apud Rodrigues (1986), define uma situação cooperativa como sendo aquela em que os objetivos dos indivíduos de uma situação são de tal ordem que, para que o objetivo de um indivíduo possa ser alcançado, todos os demais integrantes da situação deverão igualmente alcançar seus respectivos objetivos. Por outro lado, uma situação será definida como competitiva se, para que um dos membros alcance seus objetivos, outros serão incapazes de atingir os seus. Como reconhece o autor, poucas são as situações na vida real que se caracterizam competitivas. O autor por ser formula puramente cooperativas uma de série ou hipóteses puramente relativas ao comportamento de indivíduos nas situações de cooperação e de competição e fornece em outra publicação prova empírica em apoio de muitas das hipóteses apresentadas em seu trabalho teórico. Dentre as hipóteses apresentadas por Deutsch apud Rodrigues (1986) que receberam inequívoco apoio experimental no teste a que foram submetidas estão: 1. Indivíduos em situações cooperativas percebem que o atingimento de seus objetivos é, em parte, conseqüência das ações dos outros membros da situação, enquanto que indivíduos em situações competitivas percebem que 7 Deutsch,M. A theory of co-operation and compettition, Human Relations, 1949, p.199-232. o atingimento de seus objetivos é incompatível com a obtenção dos objetivos dos demais integrantes da situação. 2. Membros de grupos cooperativos terão mais facilidade que membros de grupos competitivos em valorizar as ações dos companheiros conducentes aos objetivos destes, e a opor-se e reagirem negativamente a ações capazes de dificultar ou impedir a obtenção de tais objetivos. 3. Indivíduos em situações cooperativas são mais sensíveis às solicitações dos outros membros da situação que indivíduos em situações competitivas. 4. Membros de grupos cooperativos ajudam-se mutuamente com maior freqüência que os de grupos competitivos. 5. Após um certo período, verifica-se maior freqüência de coordenação de esforços em situações cooperativas que nas competitivas; 6. Homogeneidade no que se refere à quantidade de contribuições ou participações é maior nas situações cooperativas que nas competitivas. 7. Especialização de atividades é maior em grupos cooperativos que nos competitivos. 8. Há maior pressão para realizações nos grupos cooperativos que nos competitivos. 9. Observação atenta à produção de sinais produzidos pelos membros de uma situação competitiva é menor do que a revelada numa situação cooperativa. 10. Há mais aceitação de intercomunicação e maior concordância em grupos cooperativos que nos competitivos. 11. A produtividade, em termos qualitativos, é maior nos grupos cooperativos que nos competitivos. 12. Há maior manifestação de amizade entre membros cooperativos que entre membros de grupos competitivos. 13. Os membros de grupos cooperativos avaliam as produções de seus grupos mais favoravelmente que membros de grupos competitivos. 14. Verifica-se uma porcentagem maior de funções grupais em grupos cooperativos que nos competitivos. 15. Os membros de grupos cooperativos percebem que são mais capazes de produzir efeitos positivos em seus companheiros de grupo que membros de grupos competitivos. Do ponto de vista das aplicações práticas da teoria, é oportuno citar o próprio Deutsch apud Rodrigues (1986) que, no final de seu estudo empírico sobre a natureza dos grupos cooperativos e competitivos, faz os seguintes comentários: “A intercomunicação de idéias, a coordenação de esforços, a amizade e o orgulho por pertencer ao grupo que são fundamentais para a harmonia e a eficácia do grupo, parecem desaparecer, quando seus membros se vêem na situação de competir para a obtenção de objetivos mutuamente exclusivos. Ademais, há alguma indicação de que competição produz maior insegurança pessoal (expectativas de hostilidade por parte de outros) do que cooperação”. 3. ESTUDO DE CASO Um ramo de atividade que tem sido priorizado por Cooperativas Populares é aquele que envolve a coleta e o processamento do lixo, em particular nos grandes centros urbanos. 3.1. A COLETA SELETIVA A Coleta seletiva e o tratamento dos resíduos têm sido muito debatidos e estudados, pois neles residem inúmeros problemas enfrentados pelas grandes e médias cidades, como os “lixões”, aterros sanitários e poluição de rios e mananciais. A coleta seletiva pressupõe, de um lado a transformação dos costumes e hábitos dos cidadãos, passando pela intensificação da educação ambiental e intervenção eficiente e planejada dos poderes públicos municipais e estaduais. Pressupõe também investimentos no processo de limpeza urbana seletiva, em educação ambiental e na elaboração de leis mais eficazes que possam coibir o processo de degradação ambiental (SEBRAE; ADS-CUT, 2002). Mas, se a coleta seletiva é uma necessidade, numa tendência crescente, há algumas implicações que alteram seus processos e estruturas. A primeira ocorre na separação do lixo orgânico do inorgânico. Executada, em sua grande maioria, por catadores, passou também a ser feita pelos próprios cidadãos. A segunda refere-se ao encaminhamento dos resíduos para a reciclagem e ao seu tratamento. Essa tarefa surge como um novo negócio, com potencial enorme para ser explorado. Pode ser desenvolvida pelo poder público, quer por iniciativa própria ou em parceria com grupos e organizações de catadores interessados. Se a sociedade já separa os resíduos, seu valor será mais facilmente reconhecido. Boa parte da coleta do resíduo reciclável é feita por grupos de coletores e catadores. Com a organização prévia dos resíduos, é mais fácil para as empresas recicladoras e atacadistas chegarem à população. O encurtamento da cadeia de comercialização já se observa no caso das latas de alumínio, que uma vez amassadas podem ser vendidas em postos colocados em supermercados, fazendo com que a indústria recicladoras trate diretamente com o consumidor. Esta possibilidade é mais remota para produtos que demandam mais espaço e/ou beneficiamento para serem reciclados pela indústria. Quando a coleta seletiva passar a ser uma obrigação do Estado, um processo que pode ser lento em algumas cidades, boa parte dos catadores podem perder sua fonte de renda, pois a transformação para a formalidade diminui significativamente os atuais espaços da informalidade. Se hoje esta atividade confere às pessoas autonomia e subsistência, é crucial que no debate sobre a coleta seletiva e o tratamento do lixo pelos municípios, a situação e o futuro daqueles que vivem desta atividade sejam considerados. 3.2. FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS GRUPOS O Brasil já é referência no setor de reciclagem. Entretanto, por maiores que sejam os números – 73% do alumínio e 71% do papelão são reciclados - e remetem à noção de “consciência ecológica”, este resultado relaciona-se basicamente à geração de trabalho e renda de milhares de catadores, uma atividade formada por excluídos sociais, pessoas de baixa renda, baixa escolaridade e desempregados. (SEBRAE; ADS-CUT, 2002). Hoje, os catadores são reconhecidos como categoria, começam como autônomos e muitos assim permanecem, encontrando na atividade de coleta de resíduos uma saída para sua subsistência, uma vez que as possibilidades de emprego são cada vez menores, especialmente para este grupo social. De outro lado, a relativa facilidade na obtenção dos resíduos e a falta de organização dos municípios quanto ao tratamento do lixo, também contribui para esta opção de geração de renda. Trata-se de um novo nicho de mercado para estes e outros trabalhadores envolvidos direta ou indiretamente no processo. A organização dos grupos varia desde a simples união espontânea de dois trabalhadores até a criação de complexos e cooperativas. Uma forte característica do setor é a informalidade, a falta de vínculos longos e o baixo grau de organização. Mas, a evolução dos grupos, na grande maioria, é marcada pela intervenção de alguma instituição, como igreja, ONGs, prefeituras e sindicatos, entre outras, que participam do processo tentando ajudar a formalizar os grupos, promovendo cursos, palestras e apoio financeiro para os novos investimentos (Verso Cooperativa,2002). Ao mesmo tempo em que os grupos têm solidariedade como identidade fundamental, ainda se observa que é forte a falta de confiança recíproca, fator importante para a desunião e dissolução de grupos e de outras iniciativas de organização entre eles. (Verso Cooperativa, 2002). 3.3. PRODUTOS E CONDIÇÕES OPERACIONAIS Os grupos de catadores trabalham com uma base de produtos recicláveis que incluem alumínio, papel e papelão, plástico, metais e vidros. Estes produtos têm variações, subdivisões e especificidades que, quanto mais trabalhadas, ou beneficiadas, maior o preço alcançado no mercado. Segundo a Verso Cooperativa (2002), a triagem dos produtos é o primeiro passo para as subdivisões. Quanto melhor a triagem, melhor a qualidade do produto final, e melhor o preço. Esse processo é feito em várias instâncias: a) Coleta seletiva em domicílios e empresas é a primeira, onde se separa o material reciclável, para posterior coleta apenas dos recicláveis; b) O resíduo coletado deve ser trabalhado em outra triagem, mais detalhada, separando-se por cor, composição do material, etc. Apesar de grandes empreendimentos utilizarem uma esteira onde é despejado o material, o que facilita a seleção, a triagem é sempre manual. Se ela for bem efetuada aumenta a renda dos grupos, uma vez que os produtos podem ser vendidos de acordo com a especificação, separados conforme a demanda; c) O beneficiamento dos produtos já triados, que é feito por apenas uma parte dos grupos, especialmente por aqueles que possuem estrutura para tal atividade. Caso contrário, entregam para atacadistas, o que é mais comum; d) Se não houver beneficiamento, os produtos são entregues conforme os compradores e o mercado. Esse espaço é bastante ocupado por atacadistas, que compram o produto bruto, beneficiam, estocam e vendem em grande quantidade. A capacidade dos grupos em beneficiar e armazenar a quantidade necessária para boa negociação de venda depende da área disponível. Geralmente, as instalações estão em localização periférica, conforme a origem dos grupos, custo e disponibilidade de espaço. 3.4. A CAEC – COOPERATIVA DE CATADORES AGENTES ECOLÓGICOS DE CANABRAVA A CAEC é uma das iniciativas voltadas para a promoção dos catadores de material reciclável, em Salvador. Foi fundada por catadores remanescentes do antigo Lixão de Canabrava em maio de 2003. No auge do lixão de Canabrava, 700 catadores adultos e 330 crianças disputavam entre cães e urubus, o que chegava nos caminhões. Os humanos fritavam ovos e restos de comida ali mesmo, utilizando o gás metano que exalava do solo, em meio à imundície. O trabalho era de 24 horas por dia. Os metais e plásticos que recolhiam eram vendidos; não havia coleta seletiva. À noite, a iluminação vinha dos candeeiros improvisados e a fumaça contribuía para aumentar as doenças pulmonares. A idéia da Cooperativa nasceu a partir de um projeto elaborado pelo Pangea – Centro de Estudos Socioambientais que faz o treinamento e viabiliza recursos de parceiros para a infra-estrutura e benefícios como cesta básica e vale transporte. A primeira organização a acreditar na idéia foi a italiana Cospe - Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes, que buscou financiamento junto à União Européia. Atualmente, são parceiros da CAEC a Secretaria Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais, o Programa Fome Zero, Bahiapet, Braskem, Projeto Axé, Chesf, Petrobrás, SRH e vários condomínios de Salvador. Além de contar com a assessoria do Pangea, os cerca de 100 catadores inicialmente cadastrados foram ajudados, na capacitação, pela Limpurb. Hoje, apenas 47 deles fazem parte da cooperativa. Os cooperados da CAEC aliaram o conhecimento já adquirido na catação de resíduos recicláveis no antigo lixão às informações técnicas do pessoal do Pangea. Hoje, os integrantes da CAEC fazem um trabalho de porta em porta nos condomínios próximos à sede da cooperativa, que fica no bairro de São Marcos. São Rafael, Canabrava e Imbuí são alguns locais onde os catadores, devidamente fardados e acompanhados dos seus carrinhos coletores, recolhem material reciclável e divulgam noções básicas de educação ambiental por meio de panfletos e outros impressos. Com a ajuda de escolas, condomínios e empresas que aceitam a colocação de seus contêineres, a cooperativa tem conseguido vender de 35 a 40 toneladas/ mês de materiais como papel, papelão, plástico, pet e metais. O vidro é doado para o hospital do câncer. Um problema ainda é a perda de cerca de 15 % do material coletado por se tratar de resíduos não-recicláveis como papel carbono, copos descartáveis, clipes, disquetes e outros que as pessoas descartam como se fossem recicláveis. Para reforçar o volume coletado, os técnicos do Pangea firmam parcerias com grandes empresas geradoras de resíduos recicláveis, a exemplo de fábricas que utilizam papelão nas suas embalagens. Uma diferença básica na operação da coleta seletiva da CAEC, em relação à que é feita pela prefeitura, é que, para participar basta separar o que é material reciclável do que não é reciclável, não sendo necessário separar por tipo de material – plástico, metal, papel e vidro. Durante os três primeiros meses da atividade produtiva, os cooperados não conseguiam mais do que R$ 60, por pessoa. Hoje, já conseguem obter uma renda média de R$ 300 por mês, além de outros benefícios como cesta básica, vale transporte e refeição. 4. METODOLOGIA 4.1. Sujeitos A fim de alcançar os objetivos propostos, foi adotada uma metodologia quantitativa, utilizando-se como instrumento o questionário estruturado (vide apêndice), com escala tipo Likert, de 5 pontos, com 60 afirmativas sobre cooperação e competição. Os sujeitos entrevistados se posicionavam quanto ao conteúdo das afirmativas de acordo com a seguinte legenda: 1- Concordo inteiramente; 2- Concordo Parcialmente; 3- Não sei responder; 4- Não Concordo inteiramente e 5- Não Concordo Parcialmente. Os questionários foram aplicados a 15 cooperados da CAEC, que se disponibilizaram a respondê-lo, sendo 11 sujeitos do sexo feminino e 4 do sexo masculino. Este instrumento tinha como objetivo avaliar a existência de cooperação e competição nas duas situações vividas pelos atuais cooperados: no antigo lixão e na cooperativa. 4.2. Procedimentos para Coleta de dados Os cooperados da CAEC foram informados pela assistente social sobre a pesquisa. Os sujeitos que se disponibilizaram para responder ao questionário dirigiam-se, voluntariamente, até à pesquisadora, que se encontrava numa mesa no andar superior da cooperativa, onde funciona a cozinha. Ao chegar até a pesquisadora, era explicado o objetivo da pesquisa e pedido o consentimento para a participação. Então, a pesquisadora lia as afirmativas para que estes escolhessem a resposta. Tal procedimento foi adotado, uma vez que o nível de escolaridade dos sujeitos era baixo sendo que muitos, inclusive, não sabiam ler. 4.3. Procedimentos para análise dos dados Para a tabulação dos dados foi utilizado o software SPSS 8.0 for Windows. Em seguida, os resultados foram comparados às hipóteses de Deutsch sobre cooperação e competição. 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO Perfil dos Entrevistados ?? Sujeitos Para um universo de 47 cooperados que atualmente trabalham na CAEC, apenas 15 se disponibilizaram a responder o questionário. Dos 15 sujeitos, 11 eram do sexo feminino (73,3%) e 4 eram do sexo masculino (26,7%). ?? Idade dos Sujeitos A idade dos sujeitos variou de 25 (o mais jovem) a 56 anos ( o mais velho), sendo que a maior parte dos sujeitos (10) situava-se na faixa de 31 a 40 anos. Tabela 1 – Idade dos sujeitos Freqüência Percentual 40 anos 2 13,3 32 anos 2 13,3 25 anos 1 6,7 26 anos 1 6,7 41 anos 1 6,7 31 anos 1 6,7 38 anos 1 6,7 44 anos 1 6,7 36 anos 1 6,7 37 anos 1 6,7 34 anos 1 6,7 35 anos 1 6,7 56 anos Total 1 15 6,7 100,0 ?? Escolaridade Verificou-se um baixo nível de escolaridade entre os cooperados, com uma prevalência do nível fundamental incompleto. Tabela 2 – Escolaridade dos sujeitos 1° grau incompleto Analfabeto 1° grau completo Total Frequência Percentual 11 73,3 3 20,0 1 6,7 15 100,0 ?? Bairro em que Mora 60% dos sujeitos residem no bairro de Canabrava, 26,7% em Sete de Abril e 13,3% em São Marcos. Estes bairros são bairros periféricos próximos à localização do antigo lixão, local de trabalho original dos atuais cooperados. ?? Tempo na Cooperativa 93,3% dos sujeitos atuam na Cooperativa desde a sua fundação, totalizando um período de dois anos e meio, incluindo o Curso de Capacitação; apenas um cooperado (6,7%) iniciou seu trabalho na Cooperativa há cerca de um mês. A seguir serão analisadas as respostas dos entrevistados face às questões decorrentes das formulações hipotéticas de Deutsch. Em relação à afirmativa que investigava os resultados do trabalho e o atingimento dos objetivos: “O resultado do meu trabalho era, em parte conseqüência do trabalho dos outros”, verificou-se que no lixão, 86,7% da amostra não concordaram inteiramente com esta afirmativa e 13,3% concordaram inteiramente. Na situação da Cooperativa, 93,3% concordaram inteiramente e 6,7% não concordaram inteiramente. Este resultado sugere uma confirmação da hipótese de Deutsch (1949) que afirma que indivíduos em situações cooperativas percebem que o atingimento de seus objetivos é, em parte, conseqüência das ações dos outros membros da situação. “Para obter resultado no meu trabalho era/é preciso que os outros não alcançassem /alcancem os resultados deles”. Observou-se que no lixão, 86,7% não concordaram inteiramente com ela. Na situação da cooperativa, 100% não concordaram inteiramente. Este resultado sugere que indivíduos em situações cooperativas percebem que o atingimento de seus objetivos é compatível com a obtenção dos objetivos dos demais integrantes da situação. Pelo contrário, indivíduos em situações competitivas tendem a perceber o atingimento de seus objetivos incompatível com a obtenção dos objetivos dos demais. Observou-se que na situação cooperativa, as respostas foram mais “adequadas” à hipótese que na situação de competição. Porém, percebeu-se que apesar da situação de competição em que viviam no lixão, ainda assim, uma parcela significativa dos sujeitos (86,7%) não consideraram tal afirmativa verdadeira. Isto pode se justificar devido ao fato de que, mesmo estando em situação de competição, a solidariedade existia de uma forma sólida entre os sujeitos no lixão. “Valorizava as ações dos companheiros do grupo”. No lixão 93,3% concordaram inteiramente com esta afirmativa e 6,7% não concordaram inteiramente. Na cooperativa, 100% dos indivíduos concordaram com tal afirmativa (sendo 80% inteiramente e 20% parcialmente). Este resultado sugere uma confirmação da hipótese de Deutsch de que membros de grupos cooperativos têm mais facilidade que membros de grupos competitivos em valorizar as ações dos companheiros conducentes aos objetivos destes. Porém, vele ressaltar que também na situação de competição (lixão), uma parcela significativa afirmou valorizar as ações dos companheiros do grupo. A nossa análise tomou como base o aumento do percentual de uma situação a outra. “Era contra aquilo que prejudicasse ou impedisse o trabalho dos colegas”. No lixão, 93,3% concordaram inteiramente com tal afirmativa e 6,7% não concordaram inteiramente. Na cooperativa, a concordância plena decresceu para 86,7% e a não concordância plena aumentou para 13,3%. Este resultado sugere uma contradição à hipótese de Deutsch (1949) de que membros de grupos cooperativos têm mais facilidade em opor-se e reagir negativamente a ações capazes de dificultar ou impedir a obtenção de tais objetivos. “Estava sempre disposto a atender os pedidos dos colegas”. No lixão, 66,7% concordaram inteiramente com tal afirmativa, 6,7% concordaram parcialmente e 26,7% não concordaram inteiramente. Na cooperativa, 66,7% concordaram inteiramente, 26,7% concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram inteiramente. Verifica-se que a concordância plena manteve-se igual nas duas situações e a concordância parcial aumentou na situação cooperativa. Isto confirma a hipótese de Deutsch (1949) de que indivíduos em situações cooperativas são mais sensíveis às solicitações dos outros membros da situação que indivíduos em situações competitivas. “Os meus colegas podiam contar com a minha ajuda para resolver problemas inesperados”. No lixão, 80% concordaram inteiramente, 6,7% concordaram parcialmente e 13,3% não concordaram inteiramente. Na cooperativa, 100% concordaram (sendo 80% inteiramente e 20% parcialmente), o que confirma mais uma vez a hipótese anterior de uma maior disponibilidade de ajuda em situações cooperativas do que em situações competitivas, ainda que a ênfase tenha sido revelada através da concordância parcial. “As pessoas ajudam-se mutuamente” e “Eu ajudava meus companheiros que estavam com sobrecarga de trabalho ou que estiveram ausentes no trabalho”. Com relação à primeira afirmativa, no lixão, 73,3% concordaram inteiramente, 6,7% concordaram parcialmente e 20% não concordaram inteiramente. Na cooperativa, 80% concordaram inteiramente, 13,3% concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram inteiramente. Verifica-se um aumento na concordância, de 80% no lixão para 93,3% na cooperativa, o que confirma a hipótese de Deutsch (1949) de que membros de grupos cooperativos ajudam-se mutuamente com maior freqüência que os de grupos competitivos. Em relação à segunda afirmativa, no lixão, 46,7% concordaram inteiramente, 20% concordaram parcialmente e 26,7% não concordaram inteiramente. Na cooperativa, 93,3% concordaram inteiramente e 6,7% concordaram parcialmente, o que confirma mais uma vez a hipótese anterior de Deutsch. “Participava das decisões juntamente com os colegas”. No lixão, 53,3% não concordaram inteiramente e 46,7% concordaram inteiramente. Na cooperativa, 73,3% concordaram inteiramente, 20% concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram inteiramente. Este resultado confirma a hipótese de Deutsch de que nas situações cooperativas há uma maior homogeneidade nas participações que nas situações competitivas. “Era especializado na minha função”. No lixão, 73,3% não concordaram inteiramente e 26,7% concordaram inteiramente com esta afirmativa. Na cooperativa, 60% não concordaram inteiramente e 40% concordaram inteiramente. Verifica-se que na situação cooperativa houve um aumento de 13,3% na especialização das atividades, sugerindo uma confirmação da hipótese de Deutsch de que especialização de atividades é maior em grupos cooperativos que nos competitivos. “Tinha muita amizade lá”, “Eu gostava da maioria dos meus colegas”, “Eu pude criar boas amizades”, “Havia um bom espírito de coleguismo”, “Existia um bom entrosamento entre os colegas”, “eu me relacionava bem com meus colegas”. Em relação a estas afirmativas, que investigavam as manifestações de amizade, verifica-se que a média de concordância plena no lixão foi de 81,11% e na cooperativa, 75,55%; a média da concordância parcial foi de 8,9% no lixão e 23,33% na cooperativa. Verificou-se que houve um decréscimo na concordância plena da situação anterior para a situação atual e um aumento na concordância parcial. Observou-se que de uma forma geral, houve um aumento na média total (plena e parcial) na cooperativa (98,88%), enquanto no lixão a média geral foi de 90,01%. Este resultado sugere uma confirmação à hipótese de Deutsch (1949) de que há maior manifestação de amizade entre membros cooperativos que entre membros de grupos competitivos. Porém, verifica-se que ainda assim, as manifestações de amizade na situação anterior eram muito grandes. “Eu gostava de trabalhar lá”. Verifica-se que na situação do lixão 86,7% concordaram inteiramente com tal afirmativa, 6,7% concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram em parte. Já na cooperativa, 100% concordaram inteiramente com ela. “Eu confiava nos meus colegas”. Verifica-se que na situação do lixão, 33,3% concordaram inteiramente com esta afirmativa, 33,3% não concordaram inteiramente, 20% concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram em parte. Na situação da cooperativa, 60% concordaram inteiramente, 33,3% concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram inteiramente. Este resultado mostra um aumento significativo na confiança em relação aos colegas. Vale ressaltar, que a maior parte deles já se conheciam na situação anterior. “Lá eu me sentia parte de uma grande família”. Na situação do lixão, verifica-se que 60% concordaram inteiramente com esta afirmativa, 26,7% não concordaram inteiramente e 13,3% concordaram parcialmente. Na situação da cooperativa, 80% concordaram inteiramente e 20% concordaram parcialmente. Este resultado mostra que na situação anterior já existia um considerável sentimento de pertencimento a uma grande família. Porém, na situação atual este sentimento revelou-se maior. “Eu era valorizado e recompensado pelos colegas”. Na situação anterior, 60% inteiramente, concordaram 6,75 inteiramente, concordaram parcialmente 26,75% e não 6,75% concordaram não souberam responder. Na situação da cooperativa, 80% concordaram inteiramente, 13,3% concordaram parcialmente e 6,7% não concordaram inteiramente. Verifica-se um maior sentimento de valorização na situação atual. “Os meus colegas trabalhavam direito e com dedicação”. Na situação do lixão, 53,3% concordaram inteiramente, 40% não concordaram inteiramente e 6,7% concordaram parcialmente. Na situação da cooperativa, 80% concordaram inteiramente e 20% concordaram parcialmente. Este resultado sugere uma confirmação à hipótese de Deutsch (1949) de membros de grupos cooperativos avaliam as produções de seus grupos mais favoravelmente que membros de grupos competitivos. “Eu trabalhava em grupo” e “os meus colegas e eu formávamos uma equipe integrada”. Em relação a estas afirmativas que investigam a presença do trabalho grupal, verifica-se que na situação do lixão, a média de concordância plena com elas foi de 23,35%, a média de concordância parcial foi de 20% e a média de não concordância plena foi de 56,65%. Na situação da cooperativa, a média de concordância plena foi de 90% e de concordância parcial foi de 10%. Este resultado sugere uma confirmação à hipótese de Deutsch de que se verifica uma porcentagem maior de funções grupais em grupos cooperativos que nos competitivos. “Achava que podia contribuir de forma boa com meus colegas”. Na situação do lixão, 73,3% concordaram inteiramente, 20% não concordaram inteiramente e 6,7% concordaram parcialmente. Na situação da cooperativa, 100% concordaram inteiramente com tal afirmativa. Este resultado sugere uma confirmação à hipótese de Deutsch (1949) de que membros de grupos cooperativos percebem que são mais capazes de produzir efeitos positivos em seus companheiros de grupo que membros de grupos competitivos. “Não havia disputas”. Com relação a esta afirmativa, que investigava a ausência de conflitos, verificou-se que na situação do lixão, 80% não concordaram inteiramente com ela, 13,3% concordaram inteiramente e 6,7% concordaram parcialmente. Na situação da cooperativa, 73,3% concordaram inteiramente, 13,3% concordaram parcialmente, 6,7% não concordaram inteiramente e 6,7% não concordaram parcialmente. Verificou-se assim, que a concordância plena quanto à ausência de conflitos foi significativamente maior na situação da cooperativa (60% a mais que na situação anterior). Além disso, observou-se que apesar do lema da cooperação e da solidariedade nas cooperativas, a presença de conflitos é inquestionável. “Eu já presenciei disputas”, “Eu já participei de disputas”. Com relação às afirmativas que investigavam a participação e observação de conflitos, verificou-se que na situação do lixão, a média de concordância plena quanto à observação de conflitos e a participação nestes é de 56,65%, a concordância parcial é de 6,7% e a não concordância plena é de 36,65%. Na situação da cooperativa, a concordância plena é de 60%, a concordância parcial é de 6,7% e a não concordância plena é de 33,35%. Verifica-se assim, que o percentual de participação/ observação de conflitos na situação atual é apenas 3,35% menor que na situação anterior. Este resultado confirma, mais uma vez, a hipótese da pesquisa de que apesar do lema da solidariedade e da cooperação, a competição existe e continua atuando. 6. CONCLUSÃO A presente pesquisa permitiu-nos constatar que apesar da situação vivida anteriormente pelos sujeitos (lixão), que “induzia” à competição e à disputa, não apenas entre humanos, como também entre cães e urubus, muitos comportamentos considerados “adequados” à atual situação, como a cooperação e a solidariedade já existiam de uma forma sólida entre estas pessoas. Ou seja, pôde-se verificar um alto grau de valorização dos colegas, um alto grau de disponibilidade de ajuda aos colegas, bem como muitas manifestações de amizade. Além disso, a grande maioria dos sujeitos entrevistados avaliou que gostavam de trabalhar lá. Também se pôde notar que, na situação atual, apesar do lema de cooperação e solidariedade, a presença de conflitos é inquestionável, o que confirmou a hipótese norteadora desta pesquisa e nos faz pensar que são raras as situações competitivas onde só haja competição. Da mesma forma, são raras as situações cooperativas onde só haja cooperação. Assim, o desafio das cooperativas no contexto de competição e luta pela sobrevivência, torna-se bastante complicado sem um espaço de reflexão sobre o significado do ato cooperativo e a importância da cooperação e da solidariedade. Foi possível perceber ainda que apesar de ter sido desenvolvido um processo de formação e capacitação dos trabalhadores da CAEC isso não foi suficiente para que os princípios do Cooperativismo fossem “internalizados” plenamente. Isso nos faz inferir que esta internalização demanda um processo de educação permanente e continuada. Vale ressaltar que a pesquisa limitou-se num estudo de caso, o que restringe seu escopo de generalização empírica. Além disso, outra limitação metodológica pode ser evidenciada: o fato de que os sujeitos fazem uma leitura do comportamento passado (no lixão) influenciados por uma nova condição e relações estabelecidas a partir da cooperativa, o que ao nosso ver pode ter “distorcido” algumas respostas e o resultado. Sendo assim, é fundamental que novas pesquisas sobre o tema sejam realizadas a fim de melhor investigar comportamentos de competição e cooperação e de que maneira estes comportamentos confirmam ou contrariam as hipóteses de Deutsch, tomadas como referência na análise. Podem-se ainda sugerir novas pesquisas visando rever a validade das hipóteses propostas por Deutsch em 1949. Desta forma, conclui-se que a passagem do estágio de excluído, desempregado, para construtor e participante de uma cooperativa demanda um conjunto de rupturas na forma tradicional de concepção do trabalho. A autogestão, o planejamento da produção, a construção da relação com o mercado, a difusão dos princípios do cooperativismo, bem como os ideais de cooperação e solidariedade são algumas das necessidades que se impõe ao processo cooperativo. Assim, um dos desafios para os empreendimentos solidários é motivar os participantes a cooperar. Tratando-se de um processo de “ressocialização”, ou seja, de uma desconstrução de atitudes e comportamentos arraigados desde a infância, para a construção de novas atitudes e comportamentos, é compreensível que esta mudança seja um processo difícil e demorado. REFERÊNCIAS ADRIOLI, Antônio Inácio.Cooperativismo: uma resistência à exclusão.In: Revista Espaço Acadêmico, Ano II,n°19 dez.2002, mensal; ISSN 1519.6186. BROWN, Guilhermo. Jogos Cooperativos: teoria e prática. [Trad. De Rui Bender]. São Leopoldo: Sinodal,1994. CORAGGIO, José Luis. Da economia dos setores populares à economia do trabalho.In: Economia dos Setores Populares: entre a realidade e a utopia.Petrópolis: Vozes, Rio de Janeiro: Capina; Salvador: CESE: UCSAL, 2000. p.91-131. FCP-Fórum de Desenvolvimento do Cooperativismo do Rio de Janeiro. COOPERATIVISMO POPULAR – Carta de Princípios. www.milenio.com.br/ifil/rcs/biblioteca.htm < acesso em 16/07/04> FRANTZ, Walter. Educação e Cooperação: práticas que se relacionam. 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