RECOMENDAÇÃO MINISTERIAL Nº 02/2014
CONSIDERANDO a tramitação, nesta
Promotoria
de
Justiça,
do
Procedimento
Administrativo
nº
0046.14.005540-4, que trata de notícia de paralisação dos empregados
em estabelecimentos de serviços de saúde de Curitiba e Região
Metropolitana, notadamente no Hospital Infantil Pequeno Príncipe,
Hospital Cajur, Santa Casa, São Vicente, Hospital e Maternidade Alto
Maracanã, incluindo serviços de urgência e emergência e de UTI nos
referidos estabelecimentos, e dos prejuízos que estão sendo causados à
saúde/vida dos usuários do Sistema Único de Saúde, em razão de tal
iniciativa;
CONSIDERANDO
o
contido
em
representação enviado ao Ministério Público, em data de 04 de junho
de 2014, pelo SINDIPAR- Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de
Serviços de Saúde do Estado do Paraná, corroborando por relato e
documentação eletrônica, a ocorrência de abuso perpetrado pelos
manifestantes, apontando as faltas dos integrantes do movimento no
sentido de invadir as entidades hospitalares, impedindo e cerceando a
entrada de pessoas, incluindo pacientes, além de danos aos veículos
dos indivíduos que necessitam passar pela frente dos referidos
estabelecimentos hospitalares, bloqueio das entradas e garagens;
vários leitos hospitalares estão inoperantes, ante a falta de enfermeiros e
técnicos de enfermagem escalados, inclusive para os setores de UTI
neonatal e pediátrica no Hospital Pequeno Príncipe, no dia 4 de junho
de 2014 colocando no momento em risco a vida das crianças ali
internadas e daquelas em assistência de urgência/emergência no
pronto-socorro;
CONSIDERANDO
que,
no
e-mail
encaminhado no dia 4 de junho de 2014 ao Ministério Público de
Proteção à Saúde Pública, pelo Senhor Secretário Municipal da Saúde
de Curitiba, Dr.Adriano Massuda, declinando que em virtude da greve
dos trabalhadores da saúde iniciada no dia de hoje o Hospital São
Vicente 9 das 22 cirurgias agendadas foram canceladas, eis que há
adesão de 70% dos trabalhadores à greve, prejudicando os setores
centro cirúrgico, quimioterapia, unidade de internamento; na Santa
Casa há 34% de adesão à paralisação, prejudicando os setores centro
cirúrgico, serviço de diálise, unidade de internamento, ainda há 50% de
adesão à greve dos trabalhadores que realizavam seus serviços na UTI
turno 12 horas e 40 cirurgias foram canceladas neste hospital- 100%; no
Hospital Pequeno Príncipe há 75% de adesão à greve dos trabalhadores
da UTI e 70% de adesão dos
trabalhadores do centro cirúrgico; No Hospital Cajuru há 75% de
paralisação no pronto socorro, 83% no serviço retaguarda de urgência
e 25% no centro cirúrgico;
CONSIDERANDO notícias veiculadas nos
sites de comunicação, em especial Vida e Cidadania Gazeta do Povo,
dando conta de que funcionários de seis hospitais de Curitiba fazem
greve, sendo eles Cajuru, Zilda Arns, Santa Casa, Erasto Gaertner, São
Vicente e Pequeno Príncipe, trazendo informando dos integrantes do
movimento cuja intenção é que a paralisação ocorra de tal modo que
tais hospitais somente funcionem com apenas 30% do efetivo ligado ao
sindicato; noticia ainda este site que os funcionários do Hospital Cajuru
bloqueiam a Av.São José, ocorrendo inclusive atropelamento de duas
integrantes do movimento;
CONSIDERANDO que, ao se manter o
quadro assistencial estabelecido, com a manutenção de pequena
parte de todos esses serviços, a população local (e dos municípios da
região, que se servem destes hospitais) correrá severos riscos para ter o
acesso a atendimentos médicos e especializados de urgência e
emergência, inclusive para aqueles pacientes já internados, sem
assistência suficiente;
CONSIDERANDO que manter os
hospitais em funcionamento no quantitativo de 30% não encontra
respaldo legal e impede o atendimento em urgência e
emergência e a continuidade dos serviços em leitos de UTI, o que
acarreta os já apontados atuais prejuízos à vida, à saúde e à
integridade física dos pacientes internados e em pronto-socorros,
especialmente nos nosocômios de Campo Largo, Ponta Grossa e
Litoral;
CONSIDERANDO que manter os
serviços nesse percentual implica descumprir a Lei Federal nº
8080/90
que
prevê
integralidade
dos
serviços
de
urgência/emergência e em leitos de UTIs ininterruptamente, pois o
art. 7º inciso II estabelece como diretriz do SUS “a integralidade de
assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo
das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de
complexidade do sistema” ;
CONSIDERANDO a ausência de
previsão de data para o término do movimento grevista, haja vista
o contido no ofício encaminhado ao Ministério Público de
Proteção à Saúde Pública pelo
SINDESC, ofício nº 250/2014, no sentido de que a greve se daria por
tempo indeterminado;
CONSIDERANDO que a permanência
da paralisação por longo período de tempo torna de eficácia
incerta as providências emergenciais adotadas pelo Gestor
Público Estadual para amenizar seus efeitos aos utentes dos
serviços de saúde pública;
CONSIDERANDO os parágrafos 1º e 3º
do art. 6º da Lei Federal n. 7.783/89, asseguram que “em nenhuma
hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores
poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais
de outrem” e que “as manifestações e atos de persuasão
utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao
trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa”;
CONSIDERANDO, ainda, que seu art.
9º estabelece ser obrigação do sindicato ou comissão de
negociação manter durante a greve equipes de empregados
suficientes para assegurar os serviços cuja paralisação resultar em
prejuízo irreparável;
CONSIDERANDO que pela mesma lei
são serviços essenciais a assistência médica e a hospitalar (art. 10,
II) e que, tratando-se de paralisação afeta a serviços e atividades
essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores
ficam obrigados, de comum acordo, a garantir a prestação dos
serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades
inadiáveis da comunidade, nos termos do art. 11;
CONSIDERANDO
ainda
que
o
parágrafo único do mesmo dispositivo conceitua como
“necessidades inadiáveis, da comunidade, aquelas que, não
atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a
saúde ou a segurança da população”;
CONSIDERANDO a previsão contida
no artigo 16, da Resolução n. 311/2007, do Conselho Federal de
Enfermagem, que impõe ao profissional de enfermagem “garantir
a continuidade da assistência de enfermagem em condições que
ofereçam segurança, mesmo em caso de suspensão das
atividades profissionais decorrentes de movimentos reivindicatórios
da
categoria”,
aplicável,
extensivamente, a todos os servidores públicos estaduais que
ocupem cargos de enfermeiros, auxiliares e técnicos de
enfermagem, nas unidades próprias, ambulatoriais ou hospitalares,
e demais serviços da gestão estadual do SUS;
CONSIDERANDO que as ocasionais
mortes ou ofensas à integridade física dos pacientes ou usuários
de serviços de saúde (públicos ou privados), decorrentes de falta
de atendimento à saúde de urgência ou emergência na greve
deflagrada (inclusive a não realização de cirurgias ou outros
procedimentos médicos pela falta de sangue ou hemoderivados),
podem caracterizar, em tese, infração respectivamente aos
artigos 121 e 129 do Código Penal, na modalidade de dolo
eventual (art. 18, II, do Código Penal), a partir do momento em
que cada empregado, em greve, devidamente identificado e
previamente cientificado, deixar de prestar, dentro das atribuições
de suas ocupações profissionais, a assistência que lhe cabe,
assumindo, assim, o risco de produzir o resultado;
CONSIDERANDO, ainda, a possibilidade
de caracterização do delito de omissão de socorro, tipificado no
art. 135 do Código Penal, quando se deixar de prestar assistência,
quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, à pessoa ferida ou em
grave e iminente perigo;
CONSIDERANDO
que,
malgrado
compreensível da legitimidade do direito de greve, o Ministério
Público do Estado do Paraná, em todos os hospitais particulares e
filantrópicos de Curitiba e Região Metropolitana em que está
havendo paralisação nos serviços de urgência e emergência e
nos leitos de UTIs, ainda não adotou as providências de
persecução criminal em desfavor dos grevistas, diligências como
última racio a serem obrigatória e iminentemente adotadas, já
que a vida e a saúde são direitos indisponíveis;
CONSIDERANDO que a L.F n.º 8080/90,
em seu artigo 2.º, preconiza que “a saúde é um direito
fundamental do ser humano”;
CONSIDERANDO a Lei Estadual n.º
14254/03, que em seu artigo 2.º, incisos I, V e X, expressa que: “são
direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado do Paraná: Iter um atendimento humano, digno, atencioso e respeitoso, por
parte de todos os profissionais de saúde; (...) V- receber do
funcionário adequado, presente no
local, auxílio imediato e oportuno para a melhoria de seu conforto,
bem-estar e saúde; (...)”;
CONSIDERANDO o inciso XXVIII, da
mesma norma estadual, também é direito dos usuários dos
serviços de saúde no Estado do Paraná “a assistência adequada,
mesmo em períodos noturnos, festivos, feriados ou durante greves
profissionais”;
CONSIDERANDO, da mesma forma, que
o artigo 2.º, da Portaria GM/MS n.º1820/2009, aponta que “toda
pessoa tem direito ao acesso a bens e serviços ordenados e
organizados para garantia da promoção, prevenção, proteção,
tratamento e recuperação da saúde”, e o artigo 3.º, que “toda
pessoa tem direito ao tratamento adequado e no tempo certo
para resolver seu problema de saúde”;
CONSIDERANDO o contido no artigo
127, da Constituição Federal que dispõe que “o Ministério Público
é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”;
CONSIDERANDO que o inciso II, do artigo
129, da Constituição Federal estabelece que é função do
Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos
e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua
garantia”, expede-se a presente
RECOMENDAÇÃO MINISTERIAL
Ao Sindicato dos Empregados em
Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Curitiba e RegiãoSINDESC, na pessoa de sua presidente ISABEL CRISTINA
GONÇALVES ou quem legalmente faça suas vezes, para que,
respeitado o direito de greve, no exercício de suas atribuições
exigidas pelo art. 9º da Lei n. Lei Federal n. 7.783/89, sejam
adotadas
prontas
providências
necessárias no movimento para manutenção de todos os serviços
inerentes aos EMPREGADOS em exercício nos hospitais particulares
e filantrópicos de Curitiba e Região Metropolitana, sobretudo de
urgência e emergência em prontos-socorros e nos serviços de UTI
e áreas a ela essenciais, incluindo dispensação de medicamentos
e insumos de qualquer natureza (farmácia, nutrição e
almoxarifado), execução de exames de imagem e de análises
clínicas nos laboratórios, limpeza, esterilização (de leitos,
equipamentos e centros cirúrgicos) e cozinha, a fim de garantir
que nenhum cidadão que necessite dos referidos serviços deixe
de ser atendido.
Fica
esclarecido
que
o
não
atendimento à presente recomendação obrigará esta Promotoria
de Justiça – e as demais nos municípios onde se localizam os
demais hospitais da rede própria do Estado – à adoção das
providências para persecução criminal por infração, em tese, aos
artigos 135, 121 ou 129, inclusive em sua forma tentada,
combinados com o art. 18, II, todos do Código Penal, em relação
a cada trabalhador grevista escalado para o serviço quando o
atendimento de urgência ou emergência deixar de ser realizado
exclusivamente por sua falta, sobretudo quando levar à morte ou
a agravo à saúde do paciente, sem prejuízo da interposição das
respectivas ações de indenização por danos materiais e/ou morais
cabíveis.
Outrossim, em vista da gravidade da
situação anunciada, estabelece-se o prazo de quarenta e oito
horas para que o destinatário se manifeste acerca das
providências relativas à presente recomendação.
Dê-se ciência ao Conselho Estadual e
Conselho Municipal de Saúde, bem como à Secretaria de Estado
da Saúde do Paraná, Secretaria Municipal da Saúde, aos
Conselhos Regionais de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia/
Terapia Ocupacional e de Farmácia.
Curitiba, 04 de junho de 2014.
Fernanda Nagl Garcez
Promotora de Justiça
Michelle Ribeiro Morrone Fontana
Promotora de Justiça
Luciane E.C.Melluso T.Freitas
Promotora de Justiça
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