DAVI CONTRA GOLIAS NO FUTEBOL AMERICANO:
COMENTÁRIOS A PARTIR DO FILME “FACING THE GIANTS”1
Hugo Sousa Campos2
Ficha Técnica:
Título Original: Facing the Giants; Título em português: Desafiando Gigantes; Gênero:
Drama; Tempo de duração: 111 minutos; Ano de Lançamento (EUA): 2006; Direção
Alex Kendrick; Roteiro: Alex Kendrick/ Stephen Kendrick; Música: Mark Willard,
Fotografia: Bob Scott; Estúdio: Destination Films/ Samuel Goldwyn Films/ Sherwood
Pictures; Site oficial: www.facingthegiants.com; Elenco: James Blackwell, Bailey Cave,
Shannen Fields, Tracy Goode, Alex Kendrick, Jim McBride, Tommy McBride, Jason
McLeod, Mark Richt, Steve Williams, Chris Willis, Ray Wood.
Sinopse:
Grant Taylor (Alex Kendrick) é o técnico do time de futebol americano Shiloh Eagles,
em uma high school norte americana. Em seis anos como técnico nunca conseguiu uma
trajetória vitoriosa. As últimas esperanças para a nova temporada se vão quando o
melhor jogador da Shiloh Christian Academy (SCA) decide se transferir para a escola
concorrente. Em meio a momentos de crise profissional e familiar, depois de perder três
jogos na temporada descobre, juntamente com seu time, valores tão ou mais importantes
que o sucesso, os quais lhe proporcionam múltiplas e surpreendentes vitórias.
Introdução:
“Caramba, aconteceu no jogo a mesma coisa que no filme!”. Estas foram as
palavras de Diego, goleiro reserva do Fluminense, para o talentoso atacante Washington
- também do mesmo clube - após a surpreendente vitória sobre o tricolor paulista, por
dois gols de diferença, dentro do Maracanã, no dia 18 de maio de 2008. A vitória
garantiu a classificação do Fluminense para as semifinais da Copa Libertadores da
América. O São Paulo, que parecia uma barreira intransponível, um gigante Golias, foi
1
O referido artigo é fruto dos diálogos traçados ao longo da disciplina História, Linguagens e Narrativas
– História e Cinema: Esporte e Modernidade, ministrada no primeiro semestre de 2008 pelo professor
Victor Andrade de Melo. Sou grato aos colegas e ao professor por me ajudarem a enxergar o esporte e o
cinema a partir de uma perspectiva histórica. Agradeço a Aline Garcia Moura Campos (minha linda
Princesa - o sobrenome não é mera coincidência) pelas correções e sugestões. Agradeço também a Eli de
Moura Diniz, pela leitura prévia e pelos comentários que enriqueceram a redação final deste trabalho.
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC-UFRJ).
2
abatido pelo Davi tricolor carioca. Extraordinária conquista que parecia “coisa de
cinema”.
E por falar em cinema, a referida vitória nos trouxe mais um exemplo das
possíveis interações entre este e o esporte. Desta vez, o jogo não vai servir de inspiração
para uma nova produção cinematográfica, mas é correto dizer que parte da vitória
deveu-se a uma singular inspiração causada por um filme, o que desde já nos leva a
refletir sobre o poder da linguagem cinematográfica. Mas que filme é este do qual
Diego falara e do qual falamos agora? Que filme é esse, para o qual a imprensa e os
comentaristas esportivos voltaram os seus olhos a partir vitória do tricolor carioca? Qual
a sua relação com o triunfo histórico do Fluminense no Maracanã?
Contudo, antes de abordar o filme em si, convém destacar que as relações entre
esporte e cinema são múltiplas, o que nos leva a destacar alguns aspectos: em primeiro
lugar, ambos são fenômenos da modernidade, surgindo na mesma época, no final do
XIX, frutos de um momento de profundas mudanças sociais e econômicas. Para Victor
Andrade de Melo, o cinema e o esporte representam, de maneira ótima, valores e
desejos que estiveram presentes em todo o século XX: “a superação de limites, o
extremo de determinadas situações, a valorização da tecnologia, a consolidação de
identidades nacionais, a busca de uma emoção controlada, o exaltar de um certo
conceito de beleza”.3 Para o autor, ao mesmo tempo que ambos expressam
representações, princípios, sentidos e significados constantes no século XX, também
contribuíram para a consolidação destes. É por isso que nos sentimos tão atraídos por estes
fenômenos modernos. A fidedignidade com que os dilemas, superações e sentimentos do
3
MELO, Victor Andrade de. Memórias do Esporte no Cinema: sua presença em longas-metragens
brasileiros.
3
atleta são reproduzidos no cinema cativa até mesmo os esportistas, os quais aplaudem a
mímesis no seu mais alto grau de perfeição.
Assim, o cinema pode e deve ser considerado, nos dias atuais, uma fonte promissora
para o trabalho historiográfico, uma vez que podemos examinar os diversos usos, recepções
e apropriações dos discursos e práticas cinematográficas. O cinema contribui para inúmeras
modalidades historiográficas como a História da Cultura Material ou a História do
Cotidiano. E mais, a produção cinematográfica também pode corresponder a uma ação que
interfere na História e isto é o que nos fascina ao empreendermos a relação entre história,
esporte e cinema, a possibilidade de ver este último como um “agente histórico”4.
Voltemos ao filme em questão: Facing the Giants é o seu título em inglês. O filme
aborda a conturbada crise vivida pelo treinador de um time de futebol americano, o
Shiloh Eagles, em uma high school norte americana. O técnico, Grant Taylor (Alex
Kendrick), está há um longo tempo sem experimentar o gostinho das vitórias, além
disso, passa por crise no casamento, uma vez que não consegue gerar filhos e, para
piorar a situação, o seu carro precisa de uma revisão urgente, pois é tão apático e inerte
quanto o seu time em campo. A crise financeira bate contundentemente à sua porta, sem
contar a demissão do cargo de técnico, que é cada vez mais certa. Enfim, um quadro
caótico.
As coisas começam a mudar para Grant Taylor e seus discípulos a partir do
momento em que, “cansado de temporadas medianas” volta os seus treinamentos para
uma outra linha, valorizando os relacionamentos interpessoais e os sentimentos dos
jogadores. A brutalidade e a força, tão características no futebol americano, não têm se
4
BARROS, José D’Assunção (org.). Cinema-história: ensaios sobre a relação entre cinema e história.
Rio de Janeiro: Lesc, 2007, p.19-23.
4
mostrado suficientes para um bom resultado.
A nova filosofia para a equipe, na
concepção de Taylor, é para ser aplicada à vida como um todo e não somente ao futebol.
Assim, a produção mostra o que cada vez mais temos visto no mundo esportivo:
uma ênfase nos atletas enquanto indivíduos, desvinculando-se um pouco da idéia dos
atletas-máquinas, em busca de um resultado melhor a cada minuto. É óbvio que os
métodos tradicionais de impulsão/projeção de atletas e os métodos modernos, baseados
na psicologia esportiva, têm o mesmo objetivo final: a vitória.
O nosso objetivo, neste artigo, é trabalhar com alguns eixos temáticos em torno
do filme, mostrando de que forma aspectos atuais do mundo do esporte são abordados
nele, destacando, desta forma, a relação entre esporte, cinema e sociedade
contemporânea, acima já explicitada.
Pretendemos nunca perder de vista a idéia de que o filme é um documento
histórico e fala muito sobre a época em que está sendo produzido ou filmado, “ a ficção,
por mais criativa e imaginativa que seja, permite em todos os casos uma aguda leitura
da realidade social e histórica”5. A obra cinematográfica “é sempre portadora de
retratos, de marcas e de indícios significativos da sociedade que a produziu”6, seja com
a intenção ou sem a intenção do seu autor. Afinal, como um esporte tão violento como
futebol americano pode combinar-se com uma mensagem de harmonia, paz e
felicidade? É algo que parece paradoxal, mas foi perfeitamente trabalhado pelo diretor
de Desafiando Gigantes, que atendeu o clamor do momento em que vivemos, em busca
da paz nos estádios, da ética no esporte e de atletas, não somente com corpos, mas
também com mentes saudáveis.
5
BARROS, José D’Assunção (org.). Cinema-história: ensaios sobre a relação entre cinema e história.
Rio de Janeiro: Lesc, 2007, p.19-27.
6
BARROS, José D’Assunção. Op. cit, p.23.
5
Assim, a “história do desporto é íntima da cultura humana, pois por meio dela se
compreendem épocas e povos, já que cada período histórico tem o seu esporte e a
essência de cada povo nele se reflete”.7
Os temas a serem abordados serão: esporte e superação; esporte e auto-estima;
esporte e torcida; vitória versus derrota.
Esporte e superação
Os esportes, de uma forma geral possuem uma infinidade de elementos
simbólicos, por meio dos quais podemos efetuar leituras e interpretações acerca dos
sentidos da existência humana. Assim, podemos considerá-los metáforas que oferecem
“expressividade sociológica”8. Superar adversidades dentro e fora do campo é uma idéia
bastante trabalhada ao longo do filme. Em Facing the Giants a superação no esporte
está no volume mais alto, lembrando-nos constantemente de que as lutas fora de campo
não deixam nada a desejar para aquelas que ocorrem dentro dele.
É fato que os esportes acompanham as transformações que ocorrem na
sociedade, refletindo em seu ambiente as mudanças, os avanços científicos,
tecnológicos e os valores criados e desenvolvidos pelos indivíduos. No entanto, a
superação é um tema que não sai de moda e não se torna obsoleto quando se trata do
universo esportivo, seja na Antiguidade, seja nos tempos atuais.
Quando Shiloh Eagles começa a ressurgir, rumo à uma trajetória de vitórias que
o leva a disputar o campeonato estadual, os jovens atletas, juntamente com seu técnico
7
TUBINO, Manoel Apud MURAD, Maurício. “Jogos Olímpicos e política: Um dia em Setembro –
Kevin MacDonald. In: MELO, Victor Andrade de & PERES, Fabio de Faria (orgs.). O esporte vai ao
cinema. Rio de janeiro: Editora Senac, 2005.
8
MURAD, Maurício. “Jogos Olímpicos e política: Um dia em Setembro – Kevin MacDonald. In: MELO,
Victor Andrade de & PERES, Fabio de Faria (orgs.). O esporte vai ao cinema. Rio de janeiro: Editora
Senac, 2005.
6
parecem se deparar com um gigante à sua frente: o Richland Giants, composto de
jogadores forte, velozes, invictos e tentando a vitória pelo quarto ano consecutivo, no
estadual. Daí a interessante metáfora utilizada pelo filme, que compara o embate dos
Eagles com os Giants ao confronto, relatado no Antigo Testamento, de Davi contra
Golias, respectivamente. Enfim, uma típica história onde o impossível é almejado: o
menor deseja abater o maior. Para Maria Lúcia Silva e Kátia Rubio, o que faz os atletas
romperem barreiras, alcançando o impossível, “é um conjunto de fatores técnicos,
físicos, materiais e psicológicos que, quando bem trabalhados, ampliam muito os seus
limites”9 e ajudam-nos a vencer gigantes aparentemente invencíveis.
O que vemos atualmente no mundo do esporte são atletas em busca da superação
de seus próprios limites, visando alcançar o impossível: marcas, estatísticas, vitórias
nunca antes alcançadas. A sua luta mais do que com o adversário tem sido “contra o
cronômetro”10 que insiste em correr, malogrando esperanças, frustrando trajetórias de
treinos intensivos e exigindo cada vez mais dos atletas.
Grant Taylor, apesar de adotar um método de treino também pautado na reflexão
(usando metáforas) e motivação, não abre mão dos pesados treinamentos, pois sabe que,
somente quando as forças são estendidas a um limite extremo, é possível derrubar os
gigantes que estão à frente, sejam eles um cronômetro, um adversário invicto ou um
medo interior:
“Quer se trate de proezas espetaculares ou dos modestos progressos de um
principiante, desde que o homem estenda as suas forças até ao limite
extremo, ele quebra os entraves entretecidos em redor dos seus membros pela
repetição inconsciente dos mesmos atos, emerge num mundo onde tudo
parece possível”.11
9
SILVA, M. Lúcia & RUBIO, Katia. “Superação no esporte: limites individuais ou sociais?”. In: Revista
Portuguesa de Ciências do Desporto (Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da
Universidade do Porto). Vol. 3, Nº 3, Julho·Dezembro 2003, p.69.
10
CALDERON, E. Apud: SILVA, M. Lúcia & RUBIO, Katia. Op. cit, p.71.
11
MAGNANE, Georges. Sociologia do Esporte. São Paulo: Prespsctiva, 1969, p. 65.
7
Assim, não há dúvidas de que o esporte funciona enquanto elemento formador e
socializador, pois a medida que a prática esportiva engendra um espírito de superação
de limites, este mesmo espírito é considerado como um ideal positivo para a formação
do indivíduo e não somente do atleta. Não é exagero afirmar que o espírito de equipe, o
qual se adquire nos esportes coletivos, é uma excelente introdução ou complementação
à vida em sociedade.
No entanto, a despeito da sociedade contemporânea ser muito mais complexa do
que o campo de futebol – matizando a comparação da experiência do campo com a vida
em sociedade - é possível afirmar que as vivências nos treinamentos e dentro do campo
se refletem, também, na vida fora dele12. E neste caminho promissor de análise, a
proposta analítica de Bourdieu para o esporte é um convite para pensarmos e
investigarmos, de modo crítico, a economia, o Estado, a política e suas relações com o
esporte, a cultura e a vida cotidiana, que são múltiplas e significativas. Esta “virada
acadêmica” tem possibilitado riquíssimos trabalhos e contribuído para que o esporte não
seja mais visto, enquanto objeto de estudo, de forma preconceituosa na academia.
Todavia, é evidente que ainda há um longo caminho a ser percorrido.
Ainda abordando a relação da experiência do campo com a vida em sociedade,
defendemos os benefícios do esporte no desenvolvimento do caráter, o qual contribui
para que os atletas aprendam a superar barreiras, a cooperar com os companheiros, a
estimular um autocontrole e persistir diante de derrota. Isto é muito bem trabalhado no
filme quando Matt Prater (James Blackwell) reconcilia-se com seu pai, a partir das
experiências vividas em conjunto com os colegas de equipe e com o treinador. A
12
BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
8
mensagem transmitida é de que a vitória vai muito além do placar e começa na vida
pessoal dos esportistas.
Tal perspectiva remete-nos ao quadro atual do esporte em que é cobrado do
atleta uma moral e ética que extrapolam o campo ou a quadra. Os atletas conhecidos
como “bons meninos/meninas” são sempre lembrados, na mídia, por sua conduta, suas
ações e projetos positivos também fora de campo, o que é de suma importância para os
clubes, patrocinadores e fãs. Para Cajigal “uma performance esportiva não se conquista
sem um complexo desenvolvimento humano”13, que se constitui em um promissor
caminho para o atleta conquistar a si mesmo, desafiar e vencer - primeiramente e em
parte - suas próprias limitações.
E por falar em limites, o jogo contra Richland Giants, na final, desafia a todos os
limites dos jovens da Shiloh Christian Academy (SCA). A Equipe de Taylor é muito
menor, aproximadamente um terço dos Giants, que poderão efetuar muito mais
substituições e ter jogadores mais descansados em campo. O Shiloh Eagles trabalha em
seu limite máximo. Os jogadores da defesa se vêem muito sobrecarregados e em
contrapartida sendo obrigados a interceptar os gigantes adversários, se quiserem
aparecer no placar. São convidados pelo treinador, insistentemente, a “negar a fadiga”14:
“Vão lembrar deste dia o resto da vida, vão se lembrar daqueles que deram tudo de si,
que não esmoreceram, que não pararam de lutar e não desistiram”, bradou Grant.
O culto à superação é celebrado constantemente em Facing the Giants, fazendo
o telespectador - impulsionado pela trajetória dos garotos do Eagles - acreditar que
pode muito mais no jogo, na vida. No entanto, concordamos com Silva e Rubio quando
afirmam que “numa época onde a valorização dos resultados sufoca os seres humanos, a
13
14
CAGIGAL, J.M. Apud: SILVA, M. Lúcia & RUBIO, Katia. Op. cit, p.71.
MAGNANE, Georges. Sociologia do Esporte. São Paulo: Prespsctiva, 1969, p. 63.
9
aceitação de limites individuais é a maior prova de superação que um indivíduo pode
proporcionar a si próprio”.15 Enfim, nesta luta em busca de extraordinárias marcas e
contra os cronômetros, não podemos perder de vista os nossos limites individuais. A
superação é redentora, empolgante, mas quando atingida conscientemente, como fruto
de um bom trabalho técnico.
Esporte e auto-estima
Auto-estima, na dose certa, é essencial para o atleta. O filme em questão traz à
tona àquilo que permeia as mentes e corações dos esportistas momentos antes de uma
competição: o medo de errar, a insegurança e, muitas das vezes, o pessimismo. Estes
seriam os verdadeiros gigantes a serem vencidos pelo atleta; são os Golias que, às vezes,
estão dentro deles mesmos. No entanto, a produção cinematográfica não pára por aí e
traz como mensagem central àquilo que já tem sido ratificado por pesquisadores e
estudiosos do mundo do esporte, de que “desenvolver um pensamento positivo é muito
importante para a realização de uma tarefa com sucesso.16
Dois momentos emblemáticos são utilizados, pelo diretor, para trabalhar a
questão da auto-estima que conduz ao sucesso: O primeiro é quando o capitão do time,
Brock Kelley (Jason McLeod), peça fundamental na defesa, apresenta, em um dos
treinos, um sentimento de derrota diante de toda equipe e dos treinadores.
Taylor convida o capitão a praticar o rastejo17 por 50 jardas e de olhos vendados.
Brock, em meio às dores e ao cansaço diz que não agüenta mais, que não vai conseguir
e pergunta se já está chegando. Em meios aos gritos do técnico é impulsionado a ir até o
15
SILVA, M. Lúcia & RUBIO, Katia. Op. cit, p.75.
SILVA, M. Lúcia & RUBIO, Katia. Op. cit, p.74.
17
O “rastejo” consiste em levar um companheiro nas costas, sem apoiar os joelhos no chão, durante um
percurso pré-determinado.
16
10
fim. Ao questionar se realmente precisava completar as 50 jardas, o técnico tira a venda
de seus olhos lhe informa que ele não somente completou as 50 jardas como também
chegou até o final do campo18, o que corresponde praticamente ao dobro do que ele
pensara ter percorrido.
Esta cena tem uma tomada fantástica, onde o campo toma a maior parte da tela e
Brock, no canto inferior direito, está estendido no chão, ao lado do técnico e do jogador
de 73 quilos que ele carregou. “Brock, você é o jogador mais influente da equipe, se
agir como um derrotado, eles farão o mesmo (...) eu preciso de você”, reafirma o
técnico, em uma excelente aula de auto-estima, assistida pelos demais jogadores, com
sobressalto e pasmo, indisfarçável, em suas faces.
E para adquirir auto-estima na dose certa, só mesmo com o treinamento, que
exerce importante papel como meio para este fim. A cada treino, metas vão sendo
estabelecidas e, se no futuro próximo forem alcançadas, passado o amanhã, já estarão
ultrapassadas e os atletas saberão que sempre serão capazes de ir mais além, sem medo.
Um segundo momento em que a auto estima é evocada, em Desafiando
Gigantes, é através da trajetória do chutador, place-kicker, David (Bailey Cave), autor
de frases como “Eu sabia que ia errar antes mesmo de acertar” ou “Que bom que não
joguei, assim não atrapalhei o time”. Frases extremamente pessimistas que, na teoria,
devem ficar longe de qualquer esportista, embora nem sempre estejam distantes das
mentes, mas sim bem escondidas e alimentadas pela baixa auto-estima.
David foi trabalhado pelo técnico e seus assistentes, os quais nele enxergaram
um potencial que nem ele mesmo via. Esta atitude nos convida a refletir sobre a
importância do técnico, do trabalho realizado e a necessidade de uma visão ampla para
18
Um campo oficial de futebol americano da Liga de Futebol Americano (NFL) é um retângulo que tem
110 metros (120 Jardas) de comprimento e 49 metros (53 jardas e 1 pé) de largura.
11
coordenar uma equipe. O desenvolvimento do atleta se dá no campo processual. Essa
preocupação faz toda a diferença na hora dos resultados.
E para abater, dar o golpe final no gigante Richland Giants, o escolhido foi
David. A metáfora Davi versus Golias foi mais uma vez explorada pelo diretor. Em um
chute de mais de 51 jardas o jovem Davi abateu os gigantes internos e o gigante
externo, garantindo a vitória do Shiloh Eagles por 24 a 23, nos últimos segundos do
jogo.
Esporte e torcida
“É o torcedor uma das principais atrações do espetáculo esportivo”19. E assim
como não podemos desprezar a sua importância em uma competição, não abriremos
mão, neste trabalho, de pensar como os torcedores foram trabalhados na produção
cinematográfica em questão.
Nos diálogos acadêmicos acerca do esporte, sempre surge a questão: é o torcedor
ativo ou passivo, mediante ao espetáculo esportivo? Georges Magnane sugere uma
perspectiva interessante quando, ao invés de polarizar atletas e torcidas defende que
“Trata-se de um ‘Nós’ que engloba, ao mesmo tempo, os protagonistas do
acontecimento esportivo e aqueles que são suas testemunhas”20. Neste sentido, não
podemos nos furtar a reproduzir as palavras de um espectador, diante da vitoriosa
chegada do corredor tcheco Zatopek, em 1948:
A multidão inteira só via Zatopek. Mais que um diálogo, era uma
identificação total entre o ator e o seu público. Cada vez que Zatopek
desembocava na última curva, o clamor ribombava como um trovão do juízo
final. Cada um gritava com todas as forças, mas sem distinguir a sua voz, que
se perdia na voz coletiva do estádio levantado (...) Zatopek arrastava o
espectador na sua ronda triunfal e torturada. Se corria tão pesadamente, era
porque carregava nos ombros todo o peso dos homens inumeráveis que
19
20
MELO, Victor Andrade de. Cinema e esporte: Diálogos. Rio de janeiro: Aeroplano/Faperj, 2006.
Apud MAGNANE, Georges. Sociologia do Esporte. São Paulo: Prespsctiva, 1969, p. 84.
12
podiam correr com ele, que queriam correr com ele. Corria com o peso
informe e desajeitado dos espectadores mas corria também com as suas
vontades de vencer, com a prodigiosa soma das suas energias”.21
Assim, basta observarmos um único telespectador para nos assegurarmos de que
ele não fica nem passivo nem desligado diante do espetáculo esportivo. Suas contrações
musculares, a respiração ofegante, os movimentos da sua boca e, acima de tudo, a
expressão tensa, carregada, por vezes alucinada, do seu olhar demonstram que ele
participa do espetáculo, não apenas como espectador, mas também como protagonista.
Em Facing the Giants, a torcida - nas partidas iniciais - é retratada como apática,
seguindo o rastro do time, quase corroborando a tese de que verdadeiramente é passiva.
No entanto, ao longo do filme, acompanhando a trajetória de Grant Taylor e seus
garotos, vai ganhando um brilho, perceptível na arquibancada e também nas acrobacias,
agora contundentes, feitas pelas belas líderes de torcida, as quais não poderiam faltar em
um bom jogo de futebol americano. Este brilho da torcida fica tão intenso que, nos dois
últimos jogos, ela parece explodir. Enfim, “esta simbiose afetiva que se cria entre atores
e espectadores atinge uma intensidade que é uma característica específica do espetáculo
esportivo”.22
Todavia, um personagem foi escolhido pelo diretor/roteirista para representar, de
maneira singular, a torcida e o torcedor: ele é Larry Childers (Steve Williams), o pai de
David, que mesmo em uma cadeira de rodas “entra em campo”, junto com o filho, em
todas as partidas. Participa ativamente da última jogada do filme, pois quando o filho
vai chutar, Larry, na arquibancada, levanta-se da cadeira, apóia-se na grade e estende os
braços em sinal de apoio a David. Este momento representa a catarse vivida nos
estádios, onde não há portadores de necessidades especiais, não há brancos, pretos,
21
22
Apud MAGNANE, Georges. Sociologia do Esporte. São Paulo: Prespsctiva, 1969, p. 84, 85.
MAGNANE, Georges. Sociologia do Esporte. São Paulo: Prespsctiva, 1969, p. 85.
13
homens e nem mulheres, há um só grito, uma só torcida, um só objetivo. E este grito
coletivo é o grande impulsionador dos jogadores e responsável pelo sentimento de
leveza adquirido pelos torcedores. Em cada grito, em cada movimento, as angústias e
nós na garganta são abandonados na arquibancada:
Este entusiasmo exprime-se espontaneamente pelo grito, e atinge muito
rápida e frequentemente um paroxismo impressionante. Quem nunca
misturou a sua voz à voz enorme das massas humanas densas, espessas e
formigantes do estádio, não tem nenhum meio de acesso aos significados
profundos do esporte (...) é impossível não sentir que é lá, debaixo do céu,
muito melhor que na mais vasta sala de espetáculos do mundo, que se realiza
de fato a catharsis coletiva que os gregos esperavam do teatro. Canto
selvagem, sem dúvidas, mas também canto de saciedade e de libertação: ele
vence todas as reticências, todas as desconfianças e todas as irritações da vida
quotidiana, assim como desfaz as angústias mais secretas, mais noturnas de
23
cada um.
Desafiando Gigantes mostra não apenas a trajetória vitoriosa de uma equipe,
mas o amadurecimento de uma torcida que aprendeu a torcer e a impulsionar o time,
torcida esta engrossada pelos jogadores reservas e técnicos assistentes. Com estes fica a
responsabilidade, diante das câmeras, das faces preocupadas, do rosto angustiado e dos
contorcionismos involuntários adjacentes a qualquer torcedor ativo.
Vitória versus Derrota
Seguindo uma linha de análise associada aos postulados teóricos de Bourdieu é
possível afirmar que existem disputas por poderes simbólicos e materiais, também, no
campo24. O próprio jogo de futebol americano é recheado de simbologias, pois envolve
uma questão moral: avançar no território do inimigo e ultrapassar as barreiras impostas
por ele.
23
24
MAGNANE, Georges. Sociologia do Esporte. São Paulo: Prespsctiva, 1969, p. 86-87.
BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983
14
No filme em questão, Shiloh Eagles ousa invadir o território de Richland Giants
que é o time da casa e ainda é coroado como vencedor no estádio destes. Há uma
espécie de afronta, semelhante àquela ocorrida por ocasião da vitória alemã na Batalha
de Sedan (1870), momento em que o imperador alemão, Guilherme I, é coroado no
Palácio de Versalhes. Em ambos os momentos há o florescer de todos os sentimentos
que acompanham a tão temida e amarga derrota.
Assim, o filme vem ratificar a idéia de que a famosa frase de Pierre Coubertin “o
mais importante não é ganhar, mas participar, tal como a coisa mais importante da vida
não é o triunfo, mas a luta e, o essencial não é conquistar, mas ter lutado com
dignidade” encontra-se em desuso na atualidade pois, evidentemente, cada concorrente
só deseja ganhar. Para Magnane, “os profissionais do futebol, do boxe ou do ciclismo
esperam, após cada jogo, cada luta ou cada corrida, a sua porção de elogios e medem a
solidez da sua situação pelas homenagens que lhes são concedidas, da mesma forma que
os atores de cinema ou as estrelas da canção”.25
Minutos antes dos Eagles entrarem em campo, na final, Taylor recebe a visita de
seu antigo treinador que diz: “Vençam ou percam este jogo, vocês já são campeões (...)
mas porque não ganhá-lo?”. Desta forma, apesar de um discurso polido pelo espírito
esportivo, concordamos com Calderon quando afirma que “no esporte-espetáculo
somente há vencedores e vencidos, o que produz uma grande tensão. Ninguém quer
pertencer à segunda categoria, ninguém quer ser um perdedor, pois a sociedade somente
valoriza os ganhadores”26. A vitória mostra-se uma exigência nos dias atuais, seguindo
25
26
MAGNANE, Georges. Sociologia do Esporte. São Paulo: Prespsctiva, 1969, p. 20.
CALDERON, E. Apud: SILVA, M. Lúcia & RUBIO, Katia. Op. cit, p.73.
15
a tendência da sociedade contemporânea, “de caráter altamente quantitativo e
competitivo”27.
Facing the Giants confronta vitória e derrota nos discursos e também nas
imagens selecionadas: o filme inicia-se com a derrota da SCA para os Tigers: o olhar de
frustração do treinador, da torcida e do locutor são bastante explorados. Não é em vão
que o filme termina, dois anos depois, com a cena fechando em cima de dois troféus
(2004 e 2005) na casa de Taylor, ou seja, mais uma conquista foi alcançada. A
mensagem que o roteirista/diretor deseja nos transmitir é que a vitória não deve ser um
espasmo, um relâmpago que sai do oriente e se mostra no ocidente, mas um processo
construído com bases sólidas e duradouras, capazes de manter patamares de qualidade
em um mesmo time, enriquecendo o espetáculo esportivo.
E quando falamos de vencedores e perdedores, no esporte, não podemos deixar
de falar sobre um aspecto importantíssimo que já fez muitos times e torcedores
chorarem: a imprevisibilidade. Quando entrevistado acerca de suas expectativas e o que
diria aos adversários, o treinador Bobby Lee Duke (Jim McBride) do Richland Giants
diz: “saiam da frente, lá vem o trem”. Isto é o que podemos chamar de auto-estima
exacerbada. Aquilo que faltava à David, em Lee Duke tinha sobrando. Eis o segredo de
uma equipe ou atleta bem sucedido: a dose certa de auto-estima. O treinador dos Giants,
tão acostumado com a vitória, foi atingido em cheio pela imprevisibilidade chamada
Shiloh Eagles.
O filme ensina não só passos para a vitória, na vida, no esporte, nos
relacionamentos interpessoais, mas fala, principalmente, como vencer depois de
27
SILVA, M. Lúcia & RUBIO, Katia. Op. cit, p.72.
16
sucessivas derrotas. “Ganhar depois de estar abatido, crer na possibilidade da vitória
novamente, é decisivo para permanecer no esporte de alto rendimento”28.
Considerações finais:
Facing the Giants é um filme ímpar e, embora não possa ser considerado uma
grande produção hollywoodiana, é rico em metáforas e possui diálogos bem elaborados,
além de tangenciar tantas outras questões atuais do mundo dos esportes. Dentre elas, a
questão da indústria do espetáculo esportivo e da prática esportiva vista enquanto
mecanismo de ascensão social e acumulação de riquezas.
No futebol americano, o sonho dos jovens atletas é conseguir traçar um caminho
de sucesso que vai do high school até a universidade, ascendendo até uns dos times da
National Football League (NFL).29 Isto fica bem claro, no filme, quando o melhor
jogador dos Eagles se transfere para a escola rival após uma trajetória de derrotas da
equipe. Sem contar na pressão dos pais, que almejam bolsas de estudos para seus filhos,
o que só ocorrerá se o talento dos mesmos for acompanhado por uma carreira vitoriosa.
Assim, para o “bem da escola”, ou melhor, para o bem de cada um, vale até a
demissão do treinador, que sofre pressão dos torcedores por melhores resultados. No
site oficial do filme, encontramos depoimentos de várias pessoas que o assistiram,
dentre estes encontramos até técnicos, os quais se identificaram com a situação de
28
SILVA, M. Lúcia & RUBIO, Katia. Op. cit, p.74.
O futebol americano é tão popular nos Estados Unidos que o Super Bowl, a final entre o vencedor da
Conferência Americana e da Conferencia Nacional chega a atingir uma audiência de 140 milhões de
pessoas somente nos Estados Unidos, além de ser transmitido para cerca de 220 países. (ver ALVITO,
Marcos. “Show me the money! – O esporte entre a paixão e o negócio no mundo globalizado:
comentários a partir do filme ‘Jerry Maguire’”. In: MELO, Victor Andrade de & ALVITO, Marcos
(orgs.). Futebol por todo o mundo: diálogos cinematográficos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
2006.
29
17
Grant, que representa bem a fluidez do cargo, a realidade daqueles que amanhã podem
ser substituídos por pressões da direção do clube ou da torcida.
O segundo aspecto importante a ser abordado - também trabalhado pelo
diretor/roteirista do filme - trata-se da violência no esporte, principalmente no futebol
americano, comprovadamente violento o que pode ser observado através das imagens
cada vez mais precisas e perfeitas que temos dos estádios e dos lances. Até mortes já
ocorreram na prática deste esporte30. Formações ofensivas entrecruzadas como a cunha
voadora ratificam a brutalidade que envolve as jogadas.
Ainda nesta questão da violência em campo, fica um importante aspecto a ser
pensado e estudado: Por que o futebol americano faz tanto sucesso nos Estados Unidos?
Defendemos que os telespectadores norte-americanos vêem em campo uma metáfora da
sua sociedade. Há uma espécie de identificação com as situações vividas em campo:
conquista de territórios; inimigos a serem implacavelmente abatidos; a moral abalada
quando têm o seu território invadido, a competição. Qualquer semelhança com a
geopolítica norte-americana não é mera coincidência.
Numa perspectiva eliseana, o esporte cumpre a função de ser uma válvula de
escape, uma espécie de catarse à pressão psicológica exercida sobre as pessoas, pressões
estas que reprimem suas pulsões no convívio social. Norbert Elias defende que hábitos,
valores e comportamentos rumavam para um aumento do controle das emoções, num
sentido contrário à violência.31 No entanto, é dentro de campo que os atletas remam de
encontro às convenções sociais e praticam uma brutalidade permitida, uma agressão em
meio a regras, mas que não deixa de ser violência32. Enfim, é um momento de catarse
30
GIULIANOTTI, Richard. Sport: a critical sociology. Londres: Polity, 2005, p.110.
ELIAS, N., DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992
32
GIULIANOTTI, Richard. Sport: a critical sociology. Londres: Polity, 2005, p.109.
31
18
coletiva em que a torcida grita, vibra, xinga, “lava a alma”. Em campo, os atletas se
libertam das pressões que regulam o convívio em sociedade.
Voltemos então ao fluminense, do qual falávamos na introdução deste trabalho.
A partir da análise do filme, fica bastante evidente o motivo pelo qual um torcedor
indicou o filme a Washington do fluminense, que juntamente com os colegas o assistiu
na concentração, às vésperas do jogo contra o São Paulo. É óbvio que não podemos
desprezar o talento e esforço dos jogadores, mas é possível dizer que o filme teve um
efeito extremamente positivo na motivação dos atletas.
E o filme Desafiando Gigantes continua marcando a história do esporte e dos
atletas. Desta vez foi nas olimpíadas da China, em 2008. O protagonista: o judoca
Thiago Camilo. Após perder para o alemão Ole Bischof, que acabaria ganhando o ouro,
na categoria de até 81 quilos, Camilo ficou muito triste. Foi aí que recebeu a ligação do
irmão o incentivando e lembrando acerca do filme Facing the Giants, já assistido por
ambos. “(...) lavei o rosto, olhei no espelho e vi que tinha que seguir lutando”.
Resultado: gigante no chão, vitória sobre o holandês Guillaume Elmont, que garantiu a
medalha de bronze a Camilo, no dia 12 de agosto de 2008, em Pequim.33 Mais uma
história de superação que Grant Taylor e seus meninos do Eagles ajudaram a escrever.
O Fluminense não derrotou todos os seus gigantes, esmoreceu diante da Liga
Deportiva Universitária (LDU), na final da Copa Libertadores da América 200834. No
entanto, tratando-se do jogo contra o tricolor paulista nas quartas de final, temos um
caminho promissor de análise, um questionamento que abre campo para novas
pesquisas: que influência pode ter a produção cinematográfica no rendimento de uma
33
Consulta em 12/08/2008 ao endereço: http://esportes.terra.com.br/pequim2008/interna/0,,OI3082187EI10378,00-Ligacao+no+intervalo+motiva+Camilo+rumo+ao+bronze.html
34
O tricolor perdeu na disputa de pênaltis, por 3 a 1, em jogo realizado no Maracanã, no dia 02/07/2008.
19
equipe, de um atleta? Neste sentido, as relações entre esporte e cinema assumem uma
perspectiva diferente daquela que se preocupa apenas em perceber como determinada
prática esportista é apropriada pela linguagem cinematográfica. É um caminho que
permite avaliar os impactos de um filme nas práticas esportivas, bem como a sua
apropriação e ressignificação pelas equipes, pelos técnicos e esportistas, além de
analisar que resultados foram obtidos. O desafio e a possibilidade de pesquisa estão
lançados.
Facing the Giants é classificado como um drama, mas vai além. Pode ser
considerado um filme motivacional, enquadrado no grupo de filmes de auto-ajuda.
Preconceitos à parte, este tipo de filme também merece o nosso olhar, inclusive para
analisarmos o porquê destas obras fazerem tanto sucesso na sociedade contemporânea.
Além disso, a produção cinematográfica em questão trabalha muito bem a temática do
esporte e quase não deixa a desejar, inclusive nas tomadas de cena que reproduzem o
jogo em si. O telespectador atento, acostumado a ver filmes esportivos, sabe que captar
os melhores ângulos e transmitir a mesma emoção de um jogo real não é tão fácil.
O roteiro foi cuidadosamente trabalhado e as imagens selecionadas. Não é em
vão que a obra tem sido utilizada por professores, técnicos, empresários e famílias.
Enfim, o filme é multidirecional e talvez esta nem fosse a intenção no momento de sua
concepção.
Por fim, Georges Magnane é quem nos ajuda a sintetizar um dos argumentos do
filme que mais nos chamam a atenção:
“A nossa civilização é fundada na concorrência econômica, mas a
competição não domina apenas as relações entre os grupos profissionais,
estende-se até às relações de amizade, de família, de sexos, provocando
20
rivalidades, suspeitas, ciúmes. Ora, simultaneamente, a nossa sociedade vive
sob uma ideologia cristã de fraternidade e de amor”.35
O esporte contém em si esta ambigüidade, presente a todo momento no filme.
Knute Rockne um dos mais célebres treinadores americanos, certa vez afirmou: “Depois
da igreja, é o futebol o que temos de melhor”36. Nestas palavras, há nas entrelinhas um
contentamento acerca do valor terapêutico do esporte, onde o máximo de violência é
acompanhado por um máximo de rigor nas regras e por trabalho em equipe.
Por isso, a combinação entre a violência do futebol americano e a mensagem
religiosa e de superação de limites não foram dissonantes, mas complementares, na
linda sinfonia tocada por Facing the Giants. Sim, uma sinfonia suave e contundente que
nos impulsiona a dançar, acreditar, vencer e prosseguir; alcançando metas, abatendo os
gigantes interiores e exteriores, vencendo cronômetros e placares.
35
36
MAGNANE, Georges. Sociologia do Esporte. São Paulo: Prespsctiva, 1969, p. 33.
MAGNANE, Georges. Sociologia do Esporte. São Paulo: Prespsctiva, 1969, p. 23.
21
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cinema e história. Rio de Janeiro: Lesc, 2007.
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22
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