A PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHADOR
E A COPA MUNDIAL DE FUTEBOL 2014
LEGAL PROTECTION OF WORKER AND SOCCER
WORLD CUP 2014
Victor Hugo de Almeida*
Resumo
Publicada em junho de 2012, a Lei n. 12.663 aborda três eventos mundiais,
incluindo a Copa do Mundo Fifa 2014. Com cerca de 70 dispositivos,
prevê a possibilidade de o Poder Público celebrar acordos com a Fifa,
visando à divulgação nos eventos de campanha pelo trabalho decente.
Durante a construção das arenas para a Copa do Mundo, o Brasil registrou
nove mortes de operários. O objetivo deste estudo é examinar casos de
acidentes do trabalho durante a construção das arenas para a Copa do
Mundo à luz da efetivação do trabalho decente, considerado o ponto de
convergência dos quatro objetivos estratégicos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sendo um deles a promoção do emprego produtivo e de qualidade. Este estudo evidencia a correlação entre trabalho
decente e os direitos fundamentais à vida, à saúde e ao meio ambiente do
trabalho equilibrado.
Palavras-chave: Direito do Trabalho; Copa do Mundo; Proteção do
trabalhador; Meio ambiente do trabalho.
Abstract
Published in June 2012, Law No. 12,663 addresses three world events,
including the Fifa World Cup 2014. With around seventy devices, provides for the possibility of the government to enter into agreements with
Fifa, seeking the disclosure in campaign events at work decent. During
the construction of arenas for the World Cup, Brazil recorded nine deaths
*
Professor de Direito do Trabalho na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp/Franca. Doutor em Direito do Trabalho
pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Mestre pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Membro pesquisador
do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, Seção Brasileira da Societé Internacionale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale. Correspondência para/Correspondence to:
Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900, Jd. Dr. Antonio Petráglia, Franca/SP, 14409-160. E-mail:
[email protected]. Telefone: (16) 3706-8906.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 47-64, jan./jun. 2014
Victor Hugo de Almeida
of workers. The aim of this study is to examine cases of occupational
accidents during the construction of arenas for the World Cup in the light
of the realization of decent work, considered the focal point of the four
strategic objectives of the ILO, one being the promotion of productive
employment and quality. This study shows the correlation between decent
work and fundamental to life, health and the environment of balanced
labor rights.
Keywords: Labor Law; World Cup; Worker’s protection; Work environment.
INTRODUÇÃO
Escolhido em 2007 para sediar a edição de 2014 da Copa do Mundo da Fédération Internationale de Football Association (Fifa), às vésperas do início do evento
o Brasil já registrava nove acidentes do trabalho fatais, denúncias de violação de
direitos fundamentais e garantias mínimas dos trabalhadores e movimentos sociais
pulverizados em inúmeros Estados da Federação, reivindicando a qualidade dos
serviços essenciais prestados à população e o combate à corrupção.
48
Com cerca de 70 artigos, a Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012, também
denominada “Lei Geral da Copa”, instituiu medidas à Copa do Mundo Fifa 2014
e inovou o ordenamento jurídico brasileiro, impondo desafios para a harmonização das diretrizes da Fifa ao regramento jurídico interno trabalhista. Dentre
as disposições desse regramento, encontra-se a possibilidade de o Poder Público
adotar providências para a celebração de acordos com a Fifa, envolvendo campanha pelo trabalho decente (art. 29, I, b), um dos compromissos do Brasil perante a OIT.
Este artigo tem por objetivo examinar a proteção jurídica do trabalhador
no contexto da Copa do Mundo Fifa 2014. O método de abordagem utilizado foi
o dedutivo, visto que o estudo parte de uma análise juslaboral do contexto fático-jurídico da Copa do Mundo 2014, levantado por meio da técnica de pesquisa
bibliográfica de materiais já publicados.
Quanto à estrutura, o artigo encontra-se organizado em três partes, iniciando pelas generalidades sobre a Lei n. 12.663/2012 na perspectiva juslaboral e pela
casuística dos acidentes do trabalha durante a construção das arenas de futebol;
posteriormente, discorre-se sobre a fundamentalidade do direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado, à proteção jurídica do trabalhador e à responsabilidade civil pelos acidentes do trabalho; e, por fim, passa a examinar o legado
e a efetivação do trabalho decente no contexto da Copa do Mundo Fifa 2014.
A COPA DO MUNDO FIFA 2014: ASPECTOS GERAIS
Fundada em 1904, a Fifa é uma associação sediada em Zurique, regida pela
legislação suíça e composta por 208 federações nacionais. Possui, aproximadaRev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 47-64, jan./jun. 2014
A proteção jurídica do trabalhador e a Copa Mundial de Futebol 2014
mente, 310 colaboradores de 35 países e é constituída pelo Comitê Executivo
(órgão executivo), pela Secretaria-Geral (órgão administrativo) e pelo Congresso (órgão legislativo), que é a instância máxima composta por todas as federações
afiliadas1, incluindo o Brasil.
De acordo com o artigo 2º, I, da Lei n. 12.663/2012 (a Lei Geral da Copa)2,
e com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a natureza jurídica da Fifa é de associação voluntária e internacional de sujeitos de
direito privado, constituída mediante tratado e regida por regulamento e órgãos
diretivos próprios3.
A missão da Fifa é desenvolver o esporte, aperfeiçoando e promovendo
globalmente os valores unificadores, educacionais, culturais e humanitários do
futebol; construir um futuro melhor por meio da força unificadora do futebol,
considerado, na perspectiva da organização, uma ferramenta para o desenvolvimento social e humano; e sensibilizar o mundo mediante a paixão pelo futebol,
por meio de competições, dentre elas a Copa do Mundo da Fifa4.
Originada na França, em 1928, e também conhecida como Campeonato
Mundial Fifa, a Copa do Mundo é uma competição de futebol aberta a todas as
federações filiadas à Fifa, que ocorre a cada quatro anos, envolvendo duas fases,
as eliminatórias da Copa e o campeonato propriamente dito, sediado pelo país
anfitrião designado pela Fifa.
Escolhido em 2007 para sediar a edição de 2014 da Copa do Mundo, o Brasil teve pouco mais de seis anos para se preparar para receber o campeonato e
construir ou adequar seus estádios ao padrão Fifa, espalhados em 12 cidades-sede: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal,
Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
Generalidades sobre a Lei n. 12.663/2012 relacionadas ao trabalho
Com cerca de 70 artigos, a Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012, também denominada “Lei Geral da Copa”, instituiu medidas à Copa das Confederações Fifa
1
2
3
4
FIFA. Entidades. Disponível em: <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/bodies/index.
html>. Acesso em: 15 abr. 2014.
BRASIL. Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012. Dispõe sobre as medidas relativas à Copa das
Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude –
2013, que serão realizadas no Brasil; altera as Leis n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, e 10.671, de
15 de maio de 2003; e estabelece concessão de prêmio e de auxílio especial mensal aos jogadores das seleções campeãs do mundo em 1958, 1962 e 1970. Planalto, Brasília, 5 jun. 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12663.htm>.
Acesso em: 29 abr. 2014.
STJ, Conflito de Competência n. 108.742 – PA – 2009/0211970-0, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, publicação em: 16.02.2011.
FIFA. Missão. Disponível em: <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/mission.html>.
Acesso em: 15 abr. 2014.
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2013, à Copa do Mundo Fifa 2014 e à Jornada Mundial da Juventude de 2013; e
alterou a Lei n. 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil,
bem como a Lei 10.671/2003, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor.
No que pertine ao trabalho, a Lei Geral da Copa inovou o ordenamento
jurídico brasileiro, impondo grandes desafios para a harmonização das diretrizes
da Fifa ao regramento trabalhista interno. Sob o pálio do incremento da economia por meio do turismo e da celebração do maior espetáculo do futebol, o país
se curvou à Fifa, como condição para a realização da Copa Mundial de Futebol
em terras brasileiras, diferentemente do que ocorreu com outros países que em
outras oportunidades já se candidataram para receber esse evento esportivo.
A autorização de trabalho a estrangeiros é ato administrativo para a concessão de vistos permanentes ou temporários a estrangeiros que pretendam
permanecer no Brasil a trabalho, cuja competência pertence ao Ministério do
Trabalho. Para a viabilização do espetáculo, a Lei Geral da Copa prevê, em seus
artigos 19 e 20, regras para a permissão do trabalho de estrangeiros no Brasil,
visando ao desempenho de atividades relacionadas ao evento, inovando a Lei n.
6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no país.
50
Condicionando a emissão de permissão de trabalho ao prazo de validade
do visto de entrada no país, a Lei Geral da Copa garante a entrada no Brasil a
todos os membros da delegação da Fifa e, vinculados a ela, funcionários das
Confederações e das Associações Estrangeiras, membros das seleções participantes, equipe dos parceiros comerciais, equipe emissora fonte da entidade, equipe
das emissoras e agências de direitos de transmissões, seus prestadores de serviços,
clientes de serviços comerciais de hospitalidade, representantes de imprensa e
espectadores com ingressos válidos ou confirmação de aquisição.
Todavia, o que de fato tem suscitado questionamentos é a situação juslaboral
daqueles que trabalharam durante o evento, cuja prestação é tratada no artigo 57
da Lei Geral da Copa como serviço voluntário, e as condições de trabalho às quais
foram submetidos os operários que ergueram as arenas de futebol brasileiras.
Por início, nota-se no caput do artigo 57 a clara intenção do legislador da
Fifa de afastar a possibilidade de caracterização de relação de emprego entre
aqueles que trabalhassem para realização do evento, o Poder Público brasileiro
e a Fifa. Além de prever que a prestação de serviço voluntário na Copa Mundial
não gera vínculo empregatício e obrigações (art. 57, § 1º, I), a legislação sequer
menciona as palavras “trabalhador” e “contrato” e, em substituição, adota o
termo “serviço voluntário” e “termo de adesão”. Já o Governo Federal adotou a
terminologia “Brasil Voluntário”5 para se referir a esses trabalhadores.
5
PORTAL da Copa. Voluntariado. Brasília, abr. 2014. Disponível em: <http://www.copa2014.
gov.br/pt-br/tags/voluntariado>. Acesso em: 25 abr. 2014.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 47-64, jan./jun. 2014
A proteção jurídica do trabalhador e a Copa Mundial de Futebol 2014
Definido pela Lei n. 9.608/98 como “a atividade não remunerada, prestada
por pessoa física à entidade pública de qualquer natureza, ou à instituição privada de fins lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais,
científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade” (art. 1º),
o trabalho voluntário não interessa ao Direito do Trabalho, salvo quando a prestação é descaracterizada, configurando típica relação de emprego, em caso de
haver efetiva contraprestação pelo trabalho, o que, necessariamente não se inclui
o ressarcimento de despesas previsto, por exemplo, no § 3º do inciso II do artigo
57 da Lei Geral da Copa.
No entanto, o trabalho voluntário (ou “serviço voluntário”) deve ser gracioso, não podendo ser contraposto ao trabalho obrigatório6, que possui caráter
de dever assentado na própria natureza bilateral do ajuste, prevendo obrigações
e direitos recíprocos entre as partes contratantes.
Ademais, nos termos da Lei n. 9.608/98, deve ser prestado por pessoa física
a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não
lucrativos, não sendo esse o caso do trabalho voluntário na Copa do Mundo 2014,
posto se tratar de um evento indiscutivelmente lucrativo, considerado uma grande oportunidade econômica e realizado por uma entidade que possui vultuoso
patrimônio.
Com mais de 46 mil candidatos inscritos (6.203 em São Paulo, 5.130 em
Manaus, 4.976 no Rio de Janeiro, 3.740 em Recife, 3.232 em Brasília, 3.420 em
Belo Horizonte, 2.427 em Curitiba, 2.400 em Salvador, 2.247 em Fortaleza, 2.230
em Cuiabá, 2.198 em Natal e 2.007 em Porto Alegre), cerca de 1.500 voluntários
foram selecionados em cada uma das 12 cidades-sede para trabalhar no evento,
submetendo-se, primeiro, a um treinamento virtual. O trabalho voluntário visa
ao auxílio a torcedores, visitantes e imprensa não credenciada em diversos espaços, como aeroportos, áreas de fluxo (por exemplo, centros comerciais, pontos
turísticos etc.), em torno dos estádios, eventos de exibição pública, áreas de
mobilidade urbana (por exemplo, terminais de ônibus, estações de metrô etc.) e
centro aberto de mídia7.
Ao final do mês de abril de 2014, os candidatos receberam convocação por
e-mail para treinamento presencial, coordenado pela Universidade de Brasília
em parceria com o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, organizações
de voluntariado e mais 17 instituições públicas de ensino das 12 cidades-sede da
Copa. Com duração de um mês, o treinamento presencial englobou quatro di-
6
7
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 6. ed. Niterói: Impetus, 2012.
PORTAL da Copa. Brasil Voluntário finaliza inscrições com mais de 46 mil candidatos. Brasil
Voluntário, Brasília, 17 mar. 2014. Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/brasil-voluntario-finaliza-inscricoes-com-mais-de-46-mil-candidatos>. Acesso em: 28
maio 2014.
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ferentes temas (segurança e primeiros socorros, integração, turismo e mobilidade) e foi ministrado para três turmas de voluntários, aos sábados e domingos, do
período de 26 de abril a 25 de maio de 2014, com cinco horas de duração diária.
Após, esse treinamento, apenas os candidatos selecionados foram convocados
para atuar nos pontos indicados no momento da inscrição8.
Além das 50 razões de toda sorte para ser voluntário na Copa do Mundo
Fifa 2014 listadas pelo Governo Federal (por exemplo, experiência para a vida
toda, fazer parte de um dos maiores eventos esportivos do mundo, culturas do
mundo inteiro, mercado de trabalho, diferencial no currículo, entender como
um aeroporto funciona de perto, histórias para a vida toda, unir esforços, cidadania, sair da rotina, ajudar seu país, doação, benefícios à saúde, entre outras) 9,
esclareceu a Fifa em seu site a inexistência de qualquer tipo de salário ou ajuda
de custo para hospedagem, garantindo apenas o fornecimento de uniformes,
auxílio para deslocamento até o local de trabalho e alimentação enquanto estiver
como voluntário. Porém, advertiu que o trabalho teria duração de até 10 horas
diárias e o trabalhador voluntário teria de ter disponibilidade de, pelo menos, 20
dias corridos na época do evento10.
52
Em contrapartida, a Fifa avisou aos voluntários da Copa do Mundo 2014
que não teriam assentos disponibilizados para assistir aos jogos e que, embora
alguns estivessem trabalhando nas arquibancadas ou em áreas com visibilidade
para o campo, deveriam se lembrar que estariam trabalhando e, por isso, não
sobraria tempo para assistirem aos jogos, o que apenas poderia ser feito no Centro de Voluntários, por alguns minutos durante os intervalos do horário de
trabalho.
Pois bem, primeiro, quanto às condições de trabalho impostas aos trabalhadores voluntários da Copa do Munda Fifa 2014, evidente que a imposição de
jornada de até 10 horas diárias de trabalho viola tanto o caráter gracioso do labor
voluntário como o limite máximo da duração do trabalho prescrito no artigo 58
da Consolidação das Leis do Trabalho, cuja intenção do legislador foi limitar o
tempo dedicado ao trabalho visando à saúde e à segurança do trabalhador, postas em risco em situação de fadiga. E, ainda quanto à duração do trabalho,
pouco disse a Fifa acerca do tempo dos intervalos concedidos a esses trabalha8
9
10
PORTAL da Copa. Brasil Voluntário finaliza inscrições com mais de 46 mil candidatos. Brasil
Voluntário, Brasília, 17 mar. 2014. Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/brasil-voluntario-finaliza-inscricoes-com-mais-de-46-mil-candidatos>. Acesso em: 28
maio 2014.
PORTAL Brasil. 50 razões para ser um voluntário da Copa de 2014. Brasília, 24 abr. 2014. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/esporte/2014/04/50-razoes-para-ser-um-voluntario>.
Acesso em: 30 abr. 2014.
FIFA. Perguntas frequentes – Inscrições do Programa de Voluntário. Disponível em: <http://
pt.fifa.com/worldcup/organisation/volunteers/faq/index.html>. Acesso em: 22 abr. 2014.
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A proteção jurídica do trabalhador e a Copa Mundial de Futebol 2014
dores voluntários que, diante da jornada prevista, jamais poderia ser aquém de
uma hora para refeição e descanso, nos termos do artigo 71, e 11 horas entre duas
jornadas, conforme o artigo 66, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho.
Não bastasse, deixou claro a Fifa a inexistência de assentos disponibilizados
para que os voluntários assistissem aos jogos, porém esqueceu-se de se comprometer em garantir assentos para o descanso desses trabalhadores durante a jornada de trabalho, frise-se, de até 10 horas diárias. Corre-se o risco de se impor
um trabalho penoso aos voluntários convocados para trabalhar na Copa do
Munda Fifa 2014, assim caracterizado pela prestação exaustiva em razão do labor
predominantemente em pé.
Ademais, em detrimento da proteção ao menor consubstanciada na legislação brasileira (Constituição Federal, Consolidação das Leis do Trabalho e Estatuto da Criança e do Adolescente), o Conselho Nacional de Justiça, por meio
da Recomendação n. 3/2013, passou a permitir, em benefícios dos interesses da
Fifa, a exploração do trabalho infantil em atividades ligadas aos jogos (por exemplo, a de gandula), cuja prestação era defesa em campeonatos organizados pela
Confederação Brasileira de Futebol, desde 2004.
Parece-nos inadequado prever a Lei Geral da Copa (art. 29, I, b) a possibilidade de o Poder Público adotar providências envolvendo campanha pelo trabalho decente para a celebração de acordos com a Fifa, haja vista que a garantia
de direitos mínimos, efetivamente ignorada nesse contexto, constitui elemento
basilar da efetivação do trabalho decente e da proteção à dignidade da pessoa
humana consagrada no artigo 1º, III, da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988.
Segundo a OIT, o trabalho decente converge quatro objetivos estratégicos,
quais sejam: (a) respeito aos direitos do trabalho, sobretudo aqueles definidos
em 1998 como fundamentais pela Declaração aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho; (b) liberdade sindical e o efetivo reconhecimento do direito à negociação coletiva; (c) eliminação do trabalho infantil; (d) eliminação de
todas as formas de discriminação em emprego e ocupação, promoção do emprego produtivo e de qualidade, extensão da proteção social e fortalecimento do
diálogo social11. Em suma, é o trabalho adequadamente realizado e remunerado,
capaz de garantir uma vida digna a quem o executa.
Assim sendo, independentemente da modalidade de prestação e do contexto em que ela se efetiva, cabe ao Direito do Trabalho a garantia a todos os cidadãos
do acesso a um trabalho digno, por meio de uma “política de promoção dos
direitos humanos fundamentais inspirada pelo artigo 1º de nossa Constituição,
11
ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. O que é trabalho decente. Disponível em:
<http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente>. Acesso em: 20 abr. 2014.
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Victor Hugo de Almeida
que aponta a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da
República”12.
ACIDENTES DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO DAS ARENAS PARA A COPA
DO MUNDA FIFA 2014
Para sediar uma Copa do Mundo, atualmente a Fifa exige do país candidato, ao menos, 12 arenas de futebol condizentes com os padrões da entidade, que
possua capacidade mínima para 40 mil pessoas, com exceção do estádio onde
ocorrerá a final do campeonato, que deve ter capacidade mínima para 60 mil
expectadores. Dentre os padrões exigidos, podem-se citar: cobertura sofisticada
para as arquibancadas, estacionamento o mínimo de 10 mil veículos, espaço para
imprensa e convidados VIP, acesso a internet, entre outros.
54
Após a escolha das cidades-sede em 2009, 12 estádios brasileiros de futebol
foram completamente erguidos ou totalmente reformados para se adequarem ao
padrão Fifa: Arena Fonte Nova (Salvador/BA), Estádio das Dunas (Natal/RN),
Estádio Castelão (Fortaleza/CE), Arena Pernambuco – São Lourenço da Mata
(Recife/PE), Arena Amazônia (Manaus/AM), Estádio Nacional – Mané Garrincha (Brasília/DF), Arena Pantanal (Cuiabá/MS), Arena Corinthians (São Paulo/
SP), Estádio do Maracanã (Rio de Janeiro/RJ), Estádio Mineirão (Belo Horizonte/MG), Arena da Baixada (Curitiba/PR) e Estádio Beira-Rio (Porto Alegre/RS).
De junho de 2012 a maio de 2014, durante a construção dessas arenas de
futebol, o Brasil registrou nove ocorrências fatais relacionadas aos trabalhadores
que se ativavam na preparação do País para a Copa do Mundo Fifa 2014, cuja
cifra é triplamente superior ao número de mortes em obras da Copa do Mundo
Fifa 2010, sediada pela África do Sul.
O primeiro acidente do trabalho fatal ocorreu em junho de 2012, nas obras
de construção do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, quando um trabalhador
caiu de uma altura de 30 metros. Em junho do mesmo ano, outro operário sofreu
uma parada cardiorrespiratória e foi a óbito durante o trabalho de reforma do
Estádio Mineirão, em Belo Horizonte, não se sabendo ao certo se o ocorrido
possuía alguma relação com as condições em que o trabalho era prestado.
Pouco mais de seis meses depois, em fevereiro de 2013, na Arena Amazônia,
em Manaus, um operário desmontava as peças de um guindaste quando foi
atingido por uma delas na cabeça. No mês seguinte, em março de 2013, na mesma arena, em Manaus, um operário sofreu traumatismo craniano e faleceu após
cair de uma altura de cinco metros quando tentava passar de uma coluna para
12
SILVA, Otavio Pinto e. Relações de trabalho e relações de consumo: o futuro da Justiça do
Trabalho. Revista do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social, São Paulo, v.
1, n. 1, p. 143-162, jan./jun. 2006.
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A proteção jurídica do trabalhador e a Copa Mundial de Futebol 2014
um andaime no canteiro de obras. Sete meses depois, em novembro de mesmo
ano, a Arena Corinthians, em São Paulo, registrou o quinto óbito na contagem
geral, quando um guindaste, que içava um módulo da estrutura da cobertura do
estádio, tombou, derrubando parte da estrutura na área de circulação de trabalhadores, levando dois deles a óbito.
Após um mês, em dezembro de 2013, um operário faleceu ao cair de uma
altura de 35 metros na Arena Amazônia e, cerca de seis horas depois, outro operário sofreu um infarto enquanto trabalhava nos serviços e limpeza e terraplenagem para o asfaltamento do Centro de Convenções da Amazônia, ao lado da
Arena Amazônia, em Manaus, também não se sabendo se o ocorrido estava relacionado com as condições em que o trabalho era prestado.
Em março de 2014, mais uma vez a Arena Corinthians, em São Paulo, protagonizou outro acidente do trabalho fatal. Um operário faleceu após cair de uma
altura de oito metros, enquanto trabalhava nas obras das arquibancadas provisórias daquele estádio, registrando a oitava morte nas obras das arenas brasileiras
para o campeonato mundial de futebol de 2014.
E, quase às vésperas do início da Copa do Mundo, em 8 de maio de 2014,
um operário faleceu durante a obra da Arena Pantanal, em Cuiabá, vítima de
descarga elétrica no setor leste do estádio.
Grande parte das notícias veiculadas na mídia relacionadas aos acidentes
fatais comentadas neste estudo avisava ao público que os acidentes não interferiram na continuidade das obras dos estádios, pouco dizendo sobre a investigação das causas dos infortúnios e da responsabilização dos causadores dos danos.
Diante desse cenário, indaga-se o que se fez pelos trabalhadores durante a
construção das arenas de futebol para a Copa Mundial Fifa 2014, cuja precarização das condições de trabalho se evidenciou pelo saldo de nove óbitos em diversas obras espalhadas pelo Brasil, afora outros acidentes do trabalho não fatais
que, porventura, podem não ter sido conhecidos e divulgados pela imprensa.
Talvez seja esse o momento de mais uma vez refletir sobre a revisão da organização sindical brasileira e a necessidade de ratificação pelo país da Convenção n. 87
da OIT, que trata da liberdade sindical, haja vista que, desde o primeiro acidente
fatal, em junho de 2012, nenhuma ação sindical se viu para cobrar melhores condições
de trabalho para esses operários; considerando-se que é prerrogativa dos sindicatos
a representação, perante as autoridades administrativas e judiciárias, dos interesses
gerais da categoria ou dos interesses individuais relativos à atividade exercida, incluem-se questões relacionadas à saúde e à segurança no trabalho (art. 513, a, da CLT).
A fundamentalidade do direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado e à proteção jurídica do trabalhador
O sistema jurídico deve visar à regulação da preservação da vida, das condições de existência humana em sociedade e da integridade biopsicossocial,
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55
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assegurando pleno bem-estar ao ser humano. Desta feita, conquanto fundamentado numa ordem econômica capitalista voltada para a atividade produtiva, deve
o sistema jurídico, antes de tudo, ocupar-se da tutela à vida com dignidade13.
A Constituição Federal de 1988 elevou o meio ambiente, incluindo o do
trabalho, ao patamar de direito fundamental (arts. 225 e 200, VIII), qualificando-o como bem difuso pertencente a todos, impondo sua preservação não só ao
Poder Público, mas a toda coletividade; trata-se de “um direito de todos e de cada
um ao mesmo tempo e, uma vez violado, a agressão atinge toda a sociedade”14.
Porquanto não se veja na norma constitucional a definição de meio ambiente do trabalho, explica Guilherme Guimarães Feliciano se tratar de uma manifestação particular, ou seja, uma unidade autônoma com leis próprias, porém
dependente da estrutura sistêmica ambiental a seguir elucidada:
Doutrinariamente, o meio ambiente do trabalho aparece ao lado do meio
ambiente natural (constituído pelos elementos físicos e biológicos nativos do entorno: solo, água, ar atmosférico, flora, fauna, e suas interações
entre si e com o meio); do meio ambiente artificial (constituído pelo
espaço urbano construído, que compreende o conjunto de edificações
– espaço urbano fechado – e dos equipamentos públicos – espaço urbano
aberto; alguns autores referem, ainda, o meio ambiente rural, relativo ao
espaço rural construído); do meio ambiente cultural (constituído pelo
patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico,
que agregou valor especial pela inspiração de identidade perante os
povos), sendo todos manifestações particulares da entidade meio ambiente, que acima concebíamos como gestalt15.
56
Relembra Julio César de Sá da Rocha que, na Conferência em Genebra de
1988, antes mesmo da vigente Constituição Federal brasileira, a OIT já considerava o meio ambiente do trabalho como parte integrante do meio ambiente geral16,
reconhecendo o vínculo entre as diversas manifestações ambientais, razão pela
qual aponta Sebastião Geraldo de Oliveira que “é impossível alcançar qualidade
de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando o meio ambiente do trabalho”17.
13
14
15
16
17
ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção
e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 1997.
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Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 47-64, jan./jun. 2014
A proteção jurídica do trabalhador e a Copa Mundial de Futebol 2014
Por ser o trabalho essencial à condição e ao desenvolvimento humano,
justifica-se a importância do contexto e do local da prestação laboral para a
garantia da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República
brasileira. Isto posto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
prevê o direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por
meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII), e ao meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida (arts.
225 e 200, VIII). Tais postulados geram ao empregador, direito e indireto, a
obrigação de cumprir normas relacionadas às condições de execução do trabalho,
sobrevindo também os deveres de diligência e fiscalização de todos os beneficiários da exploração da força de trabalho humano18.
Diante da casuística relacionada aos acidentes fatais ocorridos durante a
construção das arenas de futebol para a Copa do Mundo Fifa de 2014, evidente
o desequilíbrio do meio ambiente do trabalho e, consequentemente, a violação
desse direito fundamental consubstanciada na inobservância das normas de
saúde e segurança do trabalho. Surge, portanto, o dever de averiguar a responsabilidade civil e penal para a efetiva reparação dos danos causados, inclusive
pela ausência de fiscalização.
A responsabilidade civil pelos acidentes do trabalho durante a construção das arenas para a Copa do Munda Fifa 2014
Uma vez que a norma constitucional impõe a todos a preservação do meio
ambiente do trabalho, a obrigação do cumprimento de normas relacionadas às
condições laborais e o dever de diligência e fiscalização que incumbe aos beneficiários da exploração da força de trabalho humano, pode-se cogitar, em tese, a
responsabilidade do Poder Público pelos acidentes do trabalho na construção
das arenas de futebol para a Copa do Mundo Fifa 2014, sobretudo se constatada
a aceleração do ritmo de trabalho em condições degradantes para a conclusão
das obras, por influência do Poder Público e da Fifa.
Contudo, a responsabilidade civil da União Federal relacionada à Copa do
Mundo Fifa 2014 está prevista nos artigos 22 e 23 da Lei n. 12.663/2012. Esses
dispositivos preveem a responsabilidade da União pelos danos que causar, por
ação ou omissão, à Fifa, seus representantes legais, empregados ou consultores,
bem como a responsabilidade pelos efeitos por todo e qualquer dano surgido em
função de eventuais incidentes de segurança relacionado ao evento, salvo se a
Fifa ou a vítima houver concorrido para o dano.
18
COSTA, Aline Moreira da; GONÇALVES, Leandro Krebs; ALMEIDA, Victor Hugo de. Empregado terceirizado: consequências do acidente de trabalho e da doença profissional. Revista
Trabalhista, Rio de Janeiro, v. 38, p. 142-161, 2011.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 47-64, jan./jun. 2014
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Victor Hugo de Almeida
Observa-se, portanto, constar da Lei Geral da Copa dispositivo legal específico relacionado à responsabilidade civil por dano gerado à Fifa, porém nada
havendo em relação os danos causados aos trabalhadores que viabilizaram o
evento, incluindo os operários que se ativaram na construção das arenas e os
voluntários selecionados para o trabalho durante a Copa do Mundo. Parece-nos
correta a ideia de Guilherme Guimarães Feliciano, ao ponderar sobre a existência de uma “dupla cidadania” em matéria de responsabilidade civil19, por ter o
trabalhador um tratamento aquém do conferido a outras pessoas, incluindo as
jurídicas, como se menor valor social tivesse.
Sabendo-se que o trabalho na construção das arenas brasileiras de futebol
para a Copa do Mundo Fifa 2014 se dá na modalidade de terceirização, não se
discute a responsabilidade objetiva das empresas tomadoras e prestadoras do
serviço pelos acidentes do trabalho já relacionados.
Isto porque a tomadora de serviço é sempre responsável pela adoção, uso e
fiscalização de medidas coletivas e individuais de proteção e segurança dos trabalhadores, nos termos do artigo 19, § 1º, da Lei n. 8.213/91. Assim sendo, também
responde pelo acidente sofrido pelo trabalhador terceirizado, por ter se beneficiado economicamente da exploração da força de trabalho.
58
Destaque-se que a responsabilização da tomadora de serviços concebe dois
aspectos distintos, quais sejam: por um lado, pune a empresa por não cumprir
com os deveres relacionados à saúde e segurança do trabalhador; e, por outro,
inibe o descumprimento de dessas normas mediante a natureza pedagógica da
penalidade sofrida.
Na seara penal, embora não seja essa a abordagem relevante deste estudo, o
artigo 19, § 2º, da Lei n. 8.213/91 prevê hipótese de contravenção penal passível
de multa àquele que deixar de cumprir as normas de segurança e higiene do
trabalho, incluindo todas as normas regulamentadoras, principalmente as relacionadas na Portaria n. 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego.
Por fim, pouco se crê na responsabilização do Poder Público pelos acidentes
fatais, embora preveja a Constituição Federal a responsabilidade de todos pela
preservação do meio ambiente do trabalho e a obrigação do cumprimento e
fiscalização das normas relacionadas à saúde e à segurança do trabalhador por
todos os beneficiários da exploração da força de trabalho humano. Isto porque,
se a ministra das Relações Institucionais do Brasil já descartou a possibilidade
de o Governo assumir riscos da Copa junto à Fifa20, mesmo diante da existência
19
20
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tópicos avançados de direito material do trabalho. Atualidades forenses. São Paulo: Damásio de Jesus, 2006. v. 1.
MILITÃO, Eduardo. Ideli descarta governo assumir riscos na Copa. Congresso em foco, São
Paulo, 2 fev. 2012. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/ideli-descarta-governo-assumir-riscos-na-copa/>. Acesso em: 18 abr. 2014.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 47-64, jan./jun. 2014
A proteção jurídica do trabalhador e a Copa Mundial de Futebol 2014
de previsão legal específica nesse sentido (arts. 22 e 23 da Lei n. 12.663/2012),
não se pode supor outro desfecho senão uma longa batalha judicial, travada
pelos familiares dos operários que foram a óbito, contra as empresas tomadoras
e prestadoras dos serviços relacionados à construção das arenas; e, evidentemente, uma batalha judicial marcada pela negação recíproca de responsabilidades
entre essas empresas, visando à perversa culpabilização da vítima.
O LEGADO DA COPA DO MUNDO FIFA 2014 E O TRABALHO DECENTE
Discute-se qual o legado de um evento realizado às expensas dos direitos
fundamentais dos trabalhadores nele envolvidos e dos cofres públicos, haja vista
que 97% dos custos relacionados à construção dos estádios terem sido satisfeitos
com recursos públicos21, ainda que a administração pós-Copa dessas arenas seja
de responsabilidade de consórcios ou de empresas investidas por meio de licitação.
Os movimentos sociais deflagrados no período próximo à realização da
Copa do Mundo Fifa 2014 revelaram a insatisfação dos brasileiros em relação aos
serviços essenciais em diversos Estados do País, incluindo saúde, educação e
transporte público. Por meio de manifestações, questionaram a qualidade dos
serviços prestados aos brasileiros em face da importância bilionária injetada na
realização do campeonato mundial de futebol.
As promessas de melhoria relacionadas à mobilidade urbana, à tecnologia
da informação e da comunicação e aos aeroportos, entre outras que consistiriam
o verdadeiro legado deixado aos cidadãos brasileiros, não foram concluídas ou
jamais saíram do papel.
Os operários também questionaram as condições de trabalho, denunciando
jornadas excessivas de até 16 horas, pagamento “por fora”, assédio moral, dispensa coletiva, desestabilização de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
(Cipa), oferta de alimentação inadequada (estragada, com bichos ou validade
expirada) e ausência de pagamento e de benefícios, como, por exemplo, plano de
saúde, cesta básica e participação nos lucros e resultados. Entre o início da preparação do país para a Copa do Mundo até abril de 2012, 8 das 12 arenas enfrentaram greves de trabalhadores.
Em contrapartida, a Justiça Especializada do Trabalho se comprometeu a
estabelecer um sistema de plantão para garantir a celeridade dos julgamentos,
não se referindo à precarização das condições de trabalho dos operários na construção dos estádios, mas sim aos movimentos grevistas, por considerar que “as
21
SEGALLA, Vinícius. Previsão oficial de custo dos estádios da Copa já subiu R$ 992 mi; dinheiro público vai pagar 97%. UOL Copa, São Paulo, 27 abr. 2012. Disponível em: <http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2012/04/27/previsao-oficial-de-custo-dos-estadios-da-copa-ja-subiu-r-992-mi-dinheiro-publico-vai-pagar-97.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014.
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Victor Hugo de Almeida
greves têm custo para os trabalhadores, empregadores e população” e não pode
ser usada para “expor o país a uma humilhação internacional, como no Carnaval,
quando houve greve de garis”22.
Na perspectiva econômica, segundo Jorge Luiz Souto Maior, “ainda que,
imediatamente, se possa chegar a algum resultado financeiro positivo, considerando o que se gastou e o dinheiro que venha a ser atraído para o mercado nacional, é fácil projetar um balanço negativo em razão da quebra de confiabilidade” internacional do Brasil23. Na perspectiva social, segundo o jurista, o cenário
é igualmente desastroso, pois seria impossível assistir aos jogos da Copa do
Mundo, nos estádios ou pela televisão, sem lembrar do assalto à soberania, do
Estado de exceção, da violência dos despejos de habitantes dos arredores dos
estádios, dos gastos públicos e dos acidentes do trabalho24.
60
E nem há que se cogitar que existe algum legado no campo do trabalho,
ainda que mencionasse a Lei Geral da Copa alguma preocupação com a efetivação do trabalho decente, um dos compromissos do Brasil perante a Organização
Internacional do Trabalho. O trabalho em jornadas extraordinárias em ritmo
acelerado, os acidentes do trabalho, os benefícios suprimidos, o passivo trabalhista gerado e a degradação das condições de trabalho que custou a saúde de
muitos operários não se compensa por pagamento, ante a violação de direitos
fundamentais, essenciais à condição humana.
Para Erich Beting, “uma das maiores crises relacionadas à Copa do Mundo
está no fato de que soubemos aproveitar nem um pouco o projeto de legado
positivo que o evento realmente trará”, ao contrário de Londres, sede dos Jogos
Olímpicos de 2012, que obteve sucesso ao demonstrar o emprego de 9 bilhões de
libras em benefícios diretos aos ingleses. Acrescenta que, quanto ao Brasil, ninguém se perguntou se o país possuía capacidade para sediar um evento desse
porte, cuja resposta se evidencia pelo tempo que se perdeu discutindo assuntos
distintos (por exemplo, estádio de abertura, requisições da Fifa etc.), em vez de
se discutir ações que fossem verdadeiramente voltadas para um legado pós-Copa25.
Por isso, para Jorge Luiz Souto Maior, “o período da preparação para a Copa,
portanto, pode ser apontado como um atentado histórico à classe trabalhadora,
22
23
24
25
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A Copa já era! UOL Esporte, Blog do Juca Kfouri, 21 abr. 2014.
Disponível em: <http://blogdojuca.uol.com.br/2014/04/a-copa-ja-era/>. Acesso em: 21 abr.
2014.
Ibidem.
Ibidem.
BETING, Erich. O legado de Copa que não se soube vender. UOL Copa, São Paulo, 29 maio
2014. Disponível em: <http://negociosdoesporte.blogosfera.uol.com.br/2014/05/29/o-legadode-copa-que-nao-se-soube-vender/>. Acesso em: 29 maio 2014.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 47-64, jan./jun. 2014
A proteção jurídica do trabalhador e a Copa Mundial de Futebol 2014
que jamais será compensado pelo aludido ‘aumento de empregos’, até porque,
como dito, tais empregos, no geral, se deram por formas precárias”26. Diante disso, não se discute que o Brasil sediou o campeonato mundial de
futebol da Fifa porém, a festa da Copa do Mundo esperada pelos brasileiros, jamais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com cerca de 70 artigos, a Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012, também
denominada “Lei Geral da Copa”, instituiu medidas à Copa do Mundo Fifa 2014
e alterou a Lei n. 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, bem como a Lei 10.671/2003, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor. Não bastasse, inovou o ordenamento jurídico brasileiro, impondo grandes
desafios para a harmonização das diretrizes da Fifa ao regramento trabalhista
interno.
Durante a preparação do País para a Copa do Mundo Fifa 2014, o Brasil se
tornou um canteiro de obras e enfrentou o descontentamento dos movimentos
sociais, incluindo manifestações da população de diversos Estados brasileiros,
reivindicando melhores condições de mobilidade urbana, saúde, educação e
combate à corrupção. Os movimentos sociais também partiram do interior dos
estádios de futebol, ainda em construção para a Copa do Mundo, por meio de
greves por melhores condições de trabalho, ainda que a Lei Geral da Copa previsse a possibilidade de o Poder Público adotar providências envolvendo campanha pelo trabalho decente para a celebração de acordos com a Fifa.
A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece princípios básicos que regem o esporte no País, incluindo a autonomia das entidades desportivas, recepcionada pela Lei n. 9.615/98. Afora a submissão do Estado às determinações da Fifa para a realização do Mundial de futebol, comprometendo a
segurança jurídica e a soberania brasileira, revelou-se a incapacidade do Brasil
em sediar um evento do porte da Copa do Mundo Fifa, pois não se cumpriu o
cronograma imposto pela entidade, não se garantiu o legado esperado e prometido aos brasileiros e não se observaram os direitos fundamentais dos trabalhadores ao trabalho e ao meio ambiente do trabalho equilibrado.
Estas linhas podem perder a novidade após a realização da Copa do Mundo
Fifa 2014, porém jamais perderão o intuito pedagógico, evidenciando que o
Brasil ainda tem muito a aprender em matéria de saúde e segurança do trabalhador antes de assumir compromissos que possam denunciar o descompromisso
brasileiro com a efetivação dos direitos fundamentais, incluindo o direito ao
trabalho e ao meio ambiente do trabalho equilibrado.
26
SOUTO MAIOR, 2014.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 47-64, jan./jun. 2014
61
Victor Hugo de Almeida
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e 10.671, de 15 de maio de 2003; e estabelece concessão de prêmio e de auxílio especial
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Data de recebimento: 30/5/2014
Data de aprovação: 30/11/2014
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 30, n. 1: 47-64, jan./jun. 2014
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