UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
REGIONAL E LOCAL
Heber José Fernandes de Oliveira
O MOVIMENTO DE LUTA NACIONALISTA EM CRUZ DAS ALMAS–
RECÔNCAVO BAIANO (1957-1964)
Santo Antônio de Jesus – Bahia
2013
HEBER JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA
O MOVIMENTO DE LUTA NACIONALISTA EM CRUZ DAS ALMAS –
RECÔNCAVO BAIANO (1957-1964)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Regional e Local da
Universidade do Estado da Bahia - UNEB –
Campus V, Santo Antônio de Jesus, Bahia, sob a
orientação do Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira
Moreira e co-orientação da Profa. Dra. Lucileide
Costa Cardoso, como requisito para a obtenção
do título de mestre.
Santo Antônio de Jesus – Bahia
2013
O MOVIMENTO DE LUTA NACIONALISTA EM CRUZ DAS ALMAS –
RECÔNCAVO BAIANO (1957-1964)
Heber José Fernandes de Oliveira
Banca examinadora
Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira (Orientador)
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Profa. Dra. Lucileide Costa Cardoso
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Prof.Dr. Gilmário Moreira Brito
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Santo Antônio de Jesus-Bahia
2013
Dedico esse trabalho ao meu filho Miguel
AGRADECIMENTOS
Ao Nosso Deus, pela força de cada dia.
Aos meus pais, minha grande referência.
Ao meu filho, minha maior inspiração para continuar batalhando.
A minha esposa, pelo amor e por sempre estar ao meu lado.
Aos meus irmãos, que alimentam minha alma de alegria, união e paz.
Ao Professor Raimundo, meu orientador e amigo, pelos ensinamentos, paciência, seriedade e
humildade.
À Professora Lucileide, minha co-orientadora, pelo carinho, ajuda e o constante incentivo.
Ao Professor Jorge Ferreira pela imensa contribuição dada ao presente trabalho.
Ao Professor Gilmário, pela rica avaliação e apreciação do texto.
Aos demais professores do PPGHIS e da UNEB pelos ensinamentos.
Aos demais familiares e amigos, pelas boas vibrações.
Aos amigos Cyro Mascarenhas, Everaldo Mascarenhas (in memoriam), Hermes Peixoto e
José Alberto Bandeira Ramos, pela colaboração que deram a pesquisae pelo incentivo
constante. Assim como aos senhores Manoelito Roque Sá e Abel Gustavo, por fornecerem
fontes fundamentais para a pesquisa.
A Câmara de Vereadores de Cruz das Almas, na pessoa do Vereador Max Passos, presidente
daquela Casa Legislativa na época em que estive por lá, por ter possibilitado o acesso aos
livros de Atas.
A Casa da Cultura Galeno D‟ Avelírio (Cruz das Almas -BA), por ter fornecido algumas
fontes.
Aos amigos e colegas de Mestrado pela companhia agradável e respeitosa.
Aos amigos, colegas e professores da graduação na Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (UFRB).
A secretaria do PPGHIS, pelo eficiente trabalho e gentileza de seus secretários.
Ao Grupo de Pesquisa Memórias, Ditaduras e Contemporaneidades (MDC), sob a liderança
da Professora Lucileide Costa Cardoso.
À CAPES, pelo financiamento.
À Universidade do Estado da Bahia - UNEB / CAMPUS V e ao Programa de Pós Graduação
em História Regional e Local(PPGHIS), por terem acreditado no projeto e por tornarem meu
sonho possível.
Minha gratidão.
Desperta, povo
Que a hora é nossa
Vem para a rua
Exigir liberdade
Cansado que está
De ser explorado
De ver seus filhos
Morrerem à mingua
Pelo desperdício
Dos que o oprimem.
Desperta povo
Que a sua força
É maior que a força
De todas as forças
Que o espoliam
Maior que a cifra
De todas as cifras
Que os gringos nos roubam
Desperta, povo
Que o bem-estar
Bem como a justiça
Serão conquistados
Por suas mãos,
Elevando bem alto
Aquele ideal
Que se concretiza
Na revolução.
Cyro Mascarenhas Rodrigues – Desperta Povo
RESUMO
O presente trabalho tem como foco compreender o movimento de luta nacionalista que se
organizou na cidade de Cruz das Almas, Recôncavo Baiano, entre os anos de 1957-1964,
chamado de Frente Nacionalista de Cruz das Almas (FNCA). Avaliamos as ações de agitação
e propaganda do movimento, quem foram seus principais atuantes, o seu órgão representativo
e porta voz, a composição partidária e o funcionamento. Como pano de fundo, destacamos o
contexto político que vigorou entre os anos de 1950 até o momento do golpe civil-militar em
1964. Dessa forma, tentamos encontrar possíveis interlocuções entre a esfera política
nacional, estadual e local. A dissertação apresenta três momentos principais. Inicialmente, foi
verificado como aquele ideal nacionalista surgiu na cidade e como foi envolvendo diferentes
setores da sociedade local. No segundo capítulo, discutimos a organização e atuação da Frente
Nacionalista de Cruz das Almas (FNCA). No terceiro e último capítulo, avaliamos a
representatividade da FNCA na Câmara de Vereadores, a aproximação do movimento com as
propostas reformistas e, por fim, quando o movimento foi silenciado pela repressão no
momento do golpe civil-militar, em março/abril de 1964.
Palavras-chave: Nacionalismo. História. Cruz das Almas. Política.
ABSTRACT
This work focuses on understanding the movement of nationalist struggle which was
organized in the town of Cruz das Almas , RecôncavoBaiano, between the years 1957-1964,
called the FrenteNacionalista de Cruz das Almas (FNCA). Evaluate the actions of agitation
and propaganda of the movement who were their key players, their spokesman and
representative body, the partisan composition and operation. As background we highlight the
political context that prevailed from the 1950 until the time of the coup civilian-military in
1964. Thus we try to find possible dialogue between the political national, state and local. The
paper presents three main stages. Initially, it was found that as nationalistic ideal emerged in
the city and how it was involving different sectors of local society. In the second chapter we
discuss the organization and operation of the FrenteNacionalista de Cruz das Almas (FNCA).
In the third and, final chapter, we assess the representativeness of FNCA in the City Council
the approach of the movement with the reform proposals and finally when the movement was
silenced by repression at the time of the coup civilian-military, in march/april 1964.
Keywords: Nationalism. History.Cruz das Almas.Policy.
ABREVIATURAS
APERJ – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
BMCA – Biblioteca Municipal de Cruz das Almas.
CAT – Colégio Alberto Torres.
CEAT – Colégio Estadual Alberto Torres.
CEPAL - Comissão de Estudos para a América Latina.
CPE - Comissão de Planejamento Econômico.
DALA – Diretório Acadêmico Landulfo Alves.
EAB – Escola Agronômica da Bahia.
EA/UFBA - Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia.
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
FNCA – Frente Nacionalista de Cruz das Almas.
FPN – Frente Parlamentar Nacionalista.
GLECA – Grêmio Lítero Esportivo Castro Alves.
IAL - Instituto Agronômico do Leste.
IBESP - Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IPEAL - Instituto de Pesquisa e Experimentação do Leste.
ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros.
PCB – Partido Comunista do Brasil (a partir de 1961, Partido Comunista Brasileiro).
PDC - Partido Democrata Cristão.
PL – Partido Libertador.
PSB - Partido Socialista Brasileiro.
PRP - Partido de Representação Popular.
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro.
PTN - Partido Trabalhista Nacional.
PSD – Partido Social Democrático.
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
PR - Partido Republicano.
PSP - Partido Social Progressista.
UDN – União Democrática Nacional.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Recorte de jornal local sobre dados da cidade de Cruz das Almas........................23
Imagem2: Recorte de jornal onde aparecem os números da eleição de 1954 em Cruz das
Almas........................................................................................................................................29
Imagem3: Recorte de jornal onde aparecem os números dos votos da cidade de Cruz das
Almas na eleição para presidente em 1955...............................................................................37
Imagem4: Recorte de jornal onde aparecem os números dos votos da cidade de Cruz das
Almas no pleito de 1958......................................................................................................54/55
Imagem5: Recorte de jornal onde se critica as empresas internacionais e estimula a compra
de produtos nacionais................................................................................................................67
Imagem6: Recorte de jornal onde aparecem charges criticando os “entreguistas” I..............68
Imagem7: Recorte de jornal onde aparecem charges criticando os “entreguistas” II.............69
Imagem8: Recorte de jornal onde aparecem charges criticando os “entreguistas” III...........70
Imagem9: Recorte de jornal onde aparecem charges criticando os “entreguistas” IV...........71
Imagem 10: Recorte de jornal onde aparece a propaganda de O Semanário..........................75
Imagem 11: Recorte de jornal onde já aparecia a disputa entre Lott (nacionalista) versus
Jânio Quadros (entreguista) para Presidente da República na eleição de 1960........................79
Imagem 12: Recorte de jornal em homenagem ao Marechal Lott...........................................81
Imagem 13: Recorte de jornal onde aparece a foto de Everaldo Mascarenhas......................129
Imagem 14: Recorte de jornal onde aparece a foto de João Gustavo da Silva......................130
Imagem 15: Recorte de jornal onde aparece a foto de Hermes Peixoto................................131
Imagem 16: Recorte de jornal onde aparece a foto de José Alberto Bandeira Ramos..........132
Imagem 17: Recorte de jornal onde aparece a foto de Mario dos Santos (Mario
Comunista)..............................................................................................................................133
Imagem 18: Recorte de jornal onde aparece a foto de Luciano Faro....................................134
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO.......................................................................................12
2
CENÁRIO URBANO E POLÍTICO DE CRUZ DAS ALMAS..........21
2.1
A cidade........................................................................................................................21
2.2
Cenário Político Local: as disputas entre a UDN e a coligação PSD-PTB.............26
2.3
Jornal Nossa Terra......................................................................................................40
3
A FRENTE NACIONALISTA DE CRUZ DAS ALMAS (FNCA).....46
3.1
Os discursos nacionalistas se intensificam................................................................46
3.2
Atuação, composição e funcionamento......................................................................52
3.3
O Nacionalista: porta voz do movimento cruzalmense............................................64
4
1960-1964: DO PERÍODO DE RADICALIZAÇÃO AO GOLPE
CIVIL-MILITAR..............................................................................................83
4.1
Contexto político nacional e local..............................................................................84
4.2
A FNCA no Legislativo Municipal............................................................................91
4.3
1964: silenciado o movimento nacionalista local....................................................104
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................113
FONTES...........................................................................................................117
REFERÊNCIAS..............................................................................................118
ANEXOS..........................................................................................................124
12
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva discutir a trajetória e a atuação política da Frente
Nacionalista de Cruz das Almas entre os anos de 1957 e 1964. Ademais, pretendemos refletir
sobre os influxos do movimento perante a população local, evidenciar a representatividade da
FNCA na Câmara de Vereadores e observar as possíveis interlocuções do movimento de Cruz
das Almas com os congêneres nas esferas estadual e nacional, refletindo, assim, sobre a
efervescente conjuntura política das décadas de 1950 e 1960.
O interesse em conhecer sobre a FNCA surgiu durante a graduação na Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), quando, como estudante voluntário de iniciação
científica, participando de um projeto idealizado pela Profa. Dra. Lucileide Costa Cardoso e
intitulado História e Memória do Movimento Estudantil no Recôncavo da Bahia (1960-1970),
a FNCA foi sendo bastante citada nos relatos orais. A ideia se fortaleceu então, com a
descoberta de um material produzido pelo movimento, o jornal O Nacionalista, que se torna
uma das fontes de informações para os questionamentos levantados no presente trabalho.
No Brasil, durante a década de 1950, o nacionalismo foi relevante na ação de correntes
políticas e nos discursos que buscavam associar o desenvolvimento econômico à soberania
nacional. Sabemos da diversidade e pluralidade de apresenta tal conceito, que pode ser
adequado, por exemplo, tanto para os partidos e movimentos de direita quanto para os de
esquerda. Entre meados dos anos de 1950 e início de 1960, com o nacionalismo sendo um
tema inerente à luta por melhorias das condições de vida da população do país, para o
historiador Jorge Ferreira, ser nacionalista era ser de esquerda.
Naquele momento, o nacionalismo era bandeira dos setores progressistas e
de esquerda, a exemplo dos trabalhistas, socialistas e comunistas. Não seria
exagero afirmar que, na primeira metade da década de 1950, surgiu, na
sociedade brasileira, uma geração de homens e mulheres que, partilhando de
ideias, crenças e representações, acreditou que, no nacionalismo, na
industrialização com base em capitais nacionais, na instituição de empresas
estatais para enfrentar o poder dos monopólios norte-americanos, na defesa
da soberania nacional, nas reformas das estruturas socioeconômicas do país,
na ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores do campo e da cidade,
entre outras propostas, encontraria os meios necessários para alcançar o real
desenvolvimento do país e o efetivo bem-estar da sociedade. [...]
Democracia e nacionalismo tornaram-se ideais próximos, uma conjunção
que tiraria o país do atraso econômico, elevaria o nível de vida das
populações mais pobres e permitiria a superação da dependência em relação
13
aos países ricos. O sentimento nacionalista invadiu diversas instituições.
Facções das Forças Armadas, em especial o Exército, também tinham o
nacionalismo e a democracia como soluções para os problemas brasileiros,
permitindo que setores da oficialidade se aproximassem do trabalhismo.
Trabalhistas e comunistas começaram a falar a mesma língua: a saída
nacionalista e democrática para o Brasil. Nesse sentido, ser de esquerda, ser
nacionalista e ser democrata tornaram-se, a partir daí, expressões muito
próximas.1
Portanto, dada a sua complexidade de conceito, informamos que não temos pretensão,
neste trabalho, de aprofundar questões referentes ao nacionalismo, sendo, a variante que
trazemos aqui, correspondente à que se caracterizou no Brasil República, com feições
diferenciadas, ao longo do período de 1930 a 1964. Assim, o mais relevante, para os objetivos
do nosso trabalho, é buscar avaliar quais os elementos do nacionalismo presentes no
movimento conhecido como Frente Nacionalista de Cruz das Almas (FNCA), entre 1950 e
1964.
Contudo, é válido aprofundar algumas questões contextuais. A depressão econômica,
resultante da crise de 1929, afetou profundamente a América Latina. As potências mundiais
(Grã-Bretanha, França e mesmo os Estados Unidos) encontravam-se enfraquecidas, dando
espaço para que os países periféricos buscassem explorar meios de superar as suas
dependências perante aqueles, a fim de alcançar alguma possível autonomia política e
econômica. Para Jorge Ferreira, estes países buscavam um projeto ambicioso, ou seja, “[...]
colocar em prática o desenvolvimento nacional autônomo baseada em um Estado forte,
centralizado, interventor e planejador”2, projeto que o autor afirmou poder chamar de
“nacional-estatismo”.
Após a Segunda Guerra Mundial, na América Latina, o nacional-estatismo avançou. O
Brasil foi um exemplo. O nacional-estatismo surgiu no país, no início dos anos de 1930,
buscando superar a crise através de políticas públicas não liberais, ou seja, com o Estado
intervindo na economia e investindo em suas próprias empresas. No Estado Novo, o projeto
nacional-estatista tomou força, adotando, no Brasil, a partir de 1942, o nome de Trabalhismo.
Abandonado pela alternativa liberal do governo Dutra, aquele projeto volta fortemente com
Vargas no início dos anos de 19503.
1
FERREIRA, Jorge. Os conceitos e seus lugares:trabalhismo, nacional-estatismo e populismo. In: BASTOS,
Pedro Paulo Zahluth; FONSECA, Pedro Cezar Dutra (Org.) A Era Vargas: desenvolvimento, economia e
sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 302.
2
Ibid., p. 307-308.
3
Ibid., p. 308-309.
14
Ao longo do segundo governo de Vargas (1951-1954), o programa energético se
tornou assunto de grande relevância no trabalho de planejamento da então Assessoria
Econômica do Presidente4, órgão técnico criado por Vargas, naquele momento, com a
finalidade de atender à Presidência da República, para efeitos de assessoramento e de
planejamento nas questões econômicas. A chefia do órgão foi entregue ao economista
Rômulo Almeida (1914-1988), que atuou como Secretário da Fazenda do Estado no início do
governo Antônio Balbino (1955-1959), à frente da Comissão de Planejamento Econômico
(CPE).
Além do programa energético, a questão do petróleo “ganha tal repercussão que se
transforma no grande fator de mobilização dos setores nacionalista”
5
naquele período. Para
Lucília de Almeida Neves, “tal objetivo de dotar o país de uma ampla rede de indústrias de
base e de infraestrutura controladas pelo Estado fundia duas concepções: estatismo e
nacionalismo [...]”6.
Portanto, o conjunto de políticas públicas colocadas em prática na década de
1930, sobretudo os investimentos na industrialização pesada, as leis locais, a
expansão do setor público, a intervenção estatal na economia, e nas relações
entre empresários e trabalhadores, recebeu, a partir de 1942, o nome de
trabalhismos e foi assumido, em 1945, como projeto político pelo PTB.
Logo a seguir, os comunistas do PCB, o movimento sindical e os diversos
grupos nacionalistas e de esquerda, que surgiram na década de 1950,
tomaram o projeto como bandeira de luta, agregando a ele novos
elementos de caráter reformista [...].7
Baseado nos estudos de Ângela de Castro Gomes, Jorge Ferreira assinalou que o
trabalhismo surgiu a partir de 1942, traduzindo um conjunto de ideias, crenças, valores e
maneiras de fazer política. Trata-se, nesse caso, de compreender a classe trabalhadora como
sujeito de sua história, com suas escolhas, cuja atuação nos partidos e sindicatos excedia o
personalismo. Segundo Gomes, o trabalhismo surgiu, historicamente, como uma tradição que
4
Para saber sobre a Assessoria Econômica e a atuação de Rômulo Almeida no órgão ver: D‟ARAÚJO, Maria
Celina. O segundo governo Vargas (1951-1954). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 151-156. Sobre as
atividades de Rômulo Almeida na Bahia ver: IVO, Alex de Souza. Uma história em verde, amarelo e negro:
classe operária, trabalho e sindicalismo na indústria do petróleo (1949-1964). 2008. Dissertação (Mestrado em
História Social) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, Salvador, 2008.p. 40-41.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. A formação e a crise da hegemonia burguesa na Bahia (1930-1964).
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982. p. 65-72.
5
D‟ARAÚJO, Maria Celina. O segundo governo Vargas (1951-1954). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p.156.
6
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo: um projeto para o
Brasil (1945-1964). In: FERREIRA, Jorge (Org.). O populismo e sua história. Debate e crítica. Rio de Janeiro;
Civilização Brasileira, 2001. p. 185
7
Ibid., p. 309- 310.
15
integra o universo político brasileiro8. O nacionalismo, por sua vez, estava inserido como uma
das bandeiras de luta em meio àquele projeto, que no Brasil recebeu o nome de trabalhismo,
como assinalou Jorge Ferreira.
Durante aquele período, em Cruz das Almas, cidade localizada na região9 do
Recôncavo da Bahia, distintos atores sociais intensificaram a sua prática política contestatória
sob a égide de um movimento conhecido como Frente Nacionalista de Cruz das Almas
(FNCA). Movimento que, como será percebido no decorrer do presente trabalho, dentre
outras coisas, aderiu à perspectiva do projeto trabalhista, tendo o PTB como um dos partidos,
sobretudo a alguns dos seus integrantes, que se destacaram naquele contexto político local.
Em Cruz das Almas, neste momento histórico, existiam algumas instituições públicas
e privadas que possibilitavam a emergência de um sentimento mais crítico em relação à
conjuntura política, enquanto o nacionalismo era uma causa defendida por atores sociais que
atuavam naquelas agremiações, como perceberemos ao longo desse trabalho. Instituições
como a Escola Agronômica da Bahia (EAB), com o Diretório Acadêmico Landulfo Alves
(DALA); o Colégio Alberto Torres, com o Grêmio Lítero Esportivo Castro Alves (GLECA);
o Sindicato dos Operários do Fumo; a Associação dos Tarefeiros da própria EAB, que
mantinha uma importante luta em defesa do campesinato; e a Associação Beneficente das
Mães Pobres, um movimento liderado por mulheres, donas de casa da cidade de Cruz das
Almas. Portanto, estas entidades tornaram-se referências nos embates dos nacionalistas
cruzalmenses contra os conservadores locais.
Estudantes secundaristas e universitários, operários das fábricas de charutos existentes
na cidade, camponeses, servidores e professores da EAB e do Colégio Alberto Torres,
comerciantes, donas de casa, dentre outros, integravam a Frente Nacionalista de Cruz das
Almas (FNCA), agindo conjuntamente na crítica ao avanço imperialista e aos “trustes”
internacionais, desenvolvendo meios de reivindicação à política local, entre outras demandas.
O movimento de Cruz das Almas relacionava-se com a formação das “frentes”10 no
Congresso Nacional e em outras regiões do país, processo que se tornou recorrente naquele
momento, quando o nacionalismo expressava uma das bases de reivindicação das associações
8
FERREIRA, Jorge. Op. cit., p. 318.
A definição de Região, em termos geográficos, pode ser entendida como uma área no espaço geográfico onde se
observam inseridos, dentre outros critérios, os de ordem econômica, cultural, geológica ou climática; padrões
que podem definir a região, tornando-a capaz de singularizar estes padrões num espaço próximo. Sobre esta
interpretação ver: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. História, Região e Globalização. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2009. p. 11; BARROS, José D‟Assunção. História, região e espacialidade. p. 99. In: Revista
de História Regional, versão de 2005.
10
Entendendo, aqui, o termo “frente” no sentido político, como uma formação que visa unificar a atuação em
função de interesses comuns, independentemente do partido político a que pertença.
9
16
políticas que lutavam em prol do desenvolvimento econômico e social do país. Porém, a
historiografia especializada ainda tem dado pouca atenção aos estudos relacionados aos
movimentos nacionalistas e de “frentes” parlamentares que se organizaram por todo país no
período de 1950 - 1964.
Um avanço neste sentido são alguns trabalhos sobre organizações de caráter
nacionalista que ocorreram em outras cidades no interior da Bahia. O estudo da historiadora
Soanne Cristino Almeida dos Santos, por exemplo, merece destaque, pois analisou a
organização da Frente de Mobilização Popular (FMP) na cidade de Una, região sul da
Bahia11. Outros exemplos foram os estudos dos pesquisadores Hebert Santos Oliveira, sobre a
trajetória do Grupo dos Onze na cidade de Jacobina, interior da Bahia12, e Moisés Leal
Morais, onde o historiador pontuou a atuação da Frente Popular Democrática (FPD) no
Legislativo Municipal da cidade de Alagoinhas, interior da Bahia. 13 Além desses trabalhos, os
estudos dos pesquisadores Thiago Machado de Lima14e Cristiane Lopes da Mota15, entre
outros, se destacam por apontarem os meandros da política local no momento do golpe
civil/militar de 1964 em cidades do interior da Bahia. No caso de Lima, foi verificado o
reflexo do golpe na cidade de Esplanada e Mota na cidade de Santo Antônio de Jesus.
No caso de Cruz das Almas, criada em 1957, a FNCA passou a atuar na cidade de
forma combativa, buscando questionar a política local, influenciada pelo contexto político
brasileiro, a partir da proposta central de luta em defesa dos interesses nacionais. Em termos
partidários, entre os integrantes da frente local, além de se destacar, como já dissemos, a
simpatia pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), havia uma afinidade com Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e de uma ala do Partido Social Democrático (PSD), considerada
11
SANTOS, Soanne Cristino Almeida dos. Nacionalismo de Esquerda: Frente de Mobilização Popular em Una
(1963 – 1965). Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Programa de Pós-Graduação em
História Regional e Local, 2010.
12
OLIVEIRA, Hebert Santos. Nacionalismo de Esquerda na Chapada: A trajetória do Grupo dos Onze em
Jacobina (1962 – 1964). Monografia - Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas –
Campus IV, 2011.
13
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização, trabalhadores e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas – Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado) Universidade do Estado da Bahia, Programa de PósGraduação em História Regional e Local, 2011.
14
LIMA, Thiago Machado de. Esplanada é hoje cidade sem Deus: Política, religião e anticomunismo nas
correntezas do golpe de 1964 no interior da Bahia. Monografia - Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Educação – Campus II, 2012.
15
Projeto de pesquisa intitulado: Ditadura Civil/militar em Santo Antônio de Jesus: Prenúncios, Anúncios e
Bulícios (1964-1968), em fase de conclusão no Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local
(PPGHIS – UNEB – CAMPUS V), linha de pesquisa: Estudos Regionais: Campo e Cidade.
17
uma agremiação de cunho mais conservador que, porém, tinha uma linha mais independente
aliada ao trabalhismo, segundo Lúcia Hippolito, chamada de “Ala Moça”16.
A partir da organização do movimento, os integrantes abriram uma sede, localizada no
centro da cidade. Em 1958, os frentistas cruzalmenses fundaram o jornal O Nacionalista, no
qual eram publicados artigos, charges e reportagens relacionados às demandas nacionais e
locais do movimento. O Nacionalista substituiu outro hebdomadário, Nossa Terra, tornandose o órgão representativo da FNCA. Salientamos que os periódicos supracitados são fontes
fundamentais para a investigação aqui apresentada, pois entendemos os jornais como
materiais relevantes para a nossa pesquisa, uma vez que, mediante a análise e a
problematização dos textos investigados, emergem diversos acontecimentos, histórias e
personagens, relevantes no contexto do inquérito17.
A título de informação, utilizamos, no presente trabalho, quase a coleção completa do
jornal NossaTerra (124 exemplares), a exceção ficou por conta de 20 números não incluídos
na coleção, devido a motivos não identificados. Assim, pudemos analisar pouco mais de 100
exemplares, que vão dos anos de 1954 até 1957.
No caso do jornal O Nacionalista, uma parte expressiva dos registros escritos,
referentes a este periódico, foi quase totalmente apagada a partir do momento em que os
militares invadiram a cidade de Cruz das Almas, poucos dias após o Golpe civil-militar de
1964. Os militares, apoiados por uma parcela da sociedade cruzalmense, passaram a fazer
intensas varreduras nas organizações e nos movimentos tidos como subversivos, com o
objetivo de destruir completamente as instituições. Assim, com os crescentes boatos de que os
militares, com a ajuda de civis, estavam passando um “pente fino”, na tentativa de prender
suspeitos de atos subversivos, os familiares das pessoas que atuavam na FNCA, em O
Nacionalista ou nas organizações mais politizadas (o Grêmio, o Diretório Acadêmico, o
Sindicato e as Associações), passaram a destruir obras literárias de esquerdistas e diversas
edições daquele periódico, queimando os exemplares, jogando-os em poços etc., por temerem
uma possível represália18.
Contudo, localizamos uma coleção com 26 exemplares de O Nacionalista, do período
de que vai de abril de 1958 a abril de 1959, correspondentes ao seu primeiro ano de
16
Para saber mais detalhes sobre a Ala Moça do PSD ver: HIPPOLITO, Lúcia P. De raposas e reformistas: o
PSD e a experiência democrática brasileira (1945-64). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 163-223.
17
Sobre a utilização de jornais como fonte história ver, entre outros: LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e
por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2006. p.
111-153.
18
Essas informações foram encontradas através dos relatos orais das pessoas que atuaram na FNCA e no jornal
O Nacionalista , e que contribuíram para o presente trabalho. São eles: Cyro Mascarenhas, Everaldo
Mascarenhas, José Alberto Bandeira Ramos e Hermes Peixoto.
18
circulação. A coleção pertence a Abel Gustavo, filho de um dos membros de bastante
destaque no movimento nacionalista cruzalmense, o Sr. João Gustavo. Abel Gustavo
disponibilizou o acesso àquelas fontes.
Diante dessas análises, o presente trabalho pôde ser dividido em três capítulos. No
primeiro, intitulado “Cenário urbano e político de Cruz das Almas”, a preocupação inicial foi
apresentar o “espaço”19 urbano da cidade, aprofundando, posteriormente, esclarecimentos
sobre o ambiente político da urbe na década de 1950. Assim, discutimos os motivos para a
emergência das teses nacionalista em Cruz das Almas, o perfil das personalidades políticas
naquele momento, o teor dos assuntos discutidos no periódico local Nossa Terra – bem como
a sua influência – dentre outros aspectos. No segundo capítulo, “A Frente Nacionalista de
Cruz das Almas (FNCA)”, intentamos analisar o movimento, buscando entender, a partir das
memórias dos integrantes do movimento, além das fontes jornalísticas, como se formaram os
principais articulistas, seu órgão representativo, a relação partidária, às ações de agitação, a
propaganda e o funcionamento.
Finalmente, no terceiro capítulo, “Dos anos de 1960 ao golpe civil/militar de 1964”,
discutimos o movimento nacionalista local a partir dos anos de 1960, onde se configurou a
presença da FNCA na Câmara de Vereadores de Cruz das Almas através da atuação de alguns
integrantes do movimento que ocuparam cadeiras no Legislativo Municipal. Ainda, avaliamos
o momento de redirecionamento do movimento cruzalmense, quando se aproximou da
radicalização das reformas de base, além de destacar seus últimos passos, quando foi
silenciada pelos militares no momento do golpe civil/militar em 1964.
Ademais, entendemos o quanto é enriquecedor, em uma pesquisa histórica, tentar
sempre utilizar uma conexão entre as dimensões, abordagens e domínios do conhecimento
histórico. Desse modo, estando cientes do amplo debate e das incertezas que estão em torno
da chamada História Regional e Local20, acreditamos que ela pode contribuir para esta
pesquisa ao possibilitar uma análise aprofundada do cotidiano de “mundos” menores, ainda
não avaliados, numa relação mais próxima com atores sociais, também, possivelmente,
submetidos ao esquecimento. Obtendo um contato mais concreto com o meio social,
19
Entendendo aqui o conceito de “espaço” segundo a concepção de Certeau, ao fugir da perspectiva que
considera o conceito de espaço como forma meramente geográfica, física, observando, assim, “o espaço como
um lugar praticado”. A partir da percepção da distinção entre os conceitos de “espaço” e “lugar”, para Certeau,
por exemplo, a rua, geometricamente construída (lugar), torna-se espaço quando existe mobilidade, prática
(circulação de pedestres, por exemplo), fugindo, assim, da noção de “espaço” como estritamente geográfico.
Ver: CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 201-202
20
Sobre o debate referente a História Regional e Local, consultar : OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos;
REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. (Org.) História Regional e Local: Discussões e Práticas. Salvador: Quarteto,
2010.
19
permitindo, assim, melhores comparações de distintos grupos sociais a partir de sua
organicidade numa demarcação espacial melhor delimitada.
Entretanto, não podemos deixar de assinalar que, conforme sublinhou José
D‟Assunção Barros, uma investigação realizada a partir da História Regional e Local não é
satisfatória por si só, necessitando estar conectada a outros campos históricos, pois “[...] os
objetos historiográficos não se fazem presentes no interior dos campos históricos, mas entre
eles, na conexão entre eles, sob a ação privilegiada destes campos ou desta conexão de
campos” 21.
Para a elaboração desta versão, fez-se necessário um trabalho intenso pela busca de
indícios históricos, identificados e pesquisados quase sempre em acervos particulares, devido
à inexistência de Arquivo Público em Cruz das Almas. Sendo assim, recorremos a diversas
fontes: periódicos (O Nacionalista, Nossa Terra, O Semanário); Atas da Câmara de
Vereadores de Cruz das Almas (1957-1964), fontes documentais e livros de memorialistas.
Ademais, realizamos um total de quatro entrevistas com indivíduos que atuaram na FNCA e
no jornal O Nacionalista, buscando, através das narrativas orais, refletir acerca da diversidade
de práticas políticas dos atores vinculados à FNCA.
Torna-se necessário reiterar o cuidado para com as narrativas orais aqui analisadas.
Consideramos que “a reconstrução da lembrança, a partir do presente, sem se importar se é
fiel ou não ao passado, é passível de criação, invenção, manipulação etc.”22. Assim,
destacando que estamos trabalhando com relatos orais dos atuantes da FNCA, memórias
baseadas na defesa e no apoio daquele movimento, neste trabalho, compreendemos as
memórias coletivas seguindo, entre outros estudiosos, algumas sugestões da historiadora
Lucileide Costa Cardoso. Segundo a pesquisadora:
[...] Os depoimentos não são apenas meras exteriorizações de realidades,
mas expressam um novo fato a ser investigado. Erigindo-se enquanto
discurso específico que reclama a sua legitimidade frente a outros discursos,
fornecendo, portanto, uma resposta particular às exigências do passado
rememorado. De acordo com esse procedimento, cabe ao historiador
investigar a circulação dessas representações do real. Demonstrando que
foram recriadas a partir de questões do presente. Ou seja, interessa
21
BARROS, José D‟Assunção. O lugar da História Local na expansão dos campos históricos. In: OLIVEIRA,
Ana Maria Carvalho dos Santos; REIS, Isabel Cristina Ferreira dos, op. cit., p. 219.
22
CARDOSO, LucileideCosta.Dimensões da Memória na Prática Historiográfica. In: OLIVEIRA, Ana Maria
Carvalho dos Santos; REIS, Isabel Cristina Ferreira dos (Org.). História Regional e Local: discussões e práticas.
Salvador: Quarteto, 2010. p. 153-173.
20
considerar que o presente lhes imprime uma marca singular diferente
daquele do acontecimento tal como ocorreu23.
Assim, avaliamos a necessidade de uma análise da fonte oral de forma mais
minuciosa, sempre buscando problematizá-la, ciente da dificuldade de tal tarefa. A respeito da
História Oral, Philippe Joutard enfatizou as contribuições e os limites presentes na sua
utilização:
Estou convencido de que a história oral fornece informações preciosas
que não teríamos podido obter sem ela, haja ou não arquivos escritos;
mas devemos, em contrapartida, reconhecer seus limites e aquilo que
seus detratores chamam suas fraquezas, que são as fraquezas da
própria memória, sua formidável capacidade de esquecer, que pode
variar em função do tempo presente, suas deformações, seus
equívocos, sua tendência para a lenda e o mito. Estes mesmos limites
talvez constituam um de seus principais interesses24.
Portanto, guiado pelos lastros teóricos e metodológicos então apresentados, afirmamos
que essa dissertação ocupa lugar de destaque, primeiro, pelo fato dos movimentos
nacionalistas terem recebido pouca atenção da historiografia especializada tanto na Bahia,
quanto no Brasil. Segundo, pela investigação cobrir prováveis lacunas referentes à luta em
defesa do nacionalismo e das reformas de base na Bahia. Terceiro, pelo estudo projetar outras
possibilidades para pesquisas futuras, já que não foi possível aprofundar no presente trabalho
algumas questões, dada a limitação do tempo para a elaboração da pesquisa, equivalente a
dois anos. Por último, pelo tema se tratar de uma mobilização ocorrida numa pequena cidade
do interior da Bahia, onde grupos sociais se organizaram por reformas, demonstrando a
participação popular na política local, o que possivelmente ficaria no esquecimento. Dessa
forma, a Frente Nacionalista de Cruz das Almas é objeto de estudo de considerável
importância por mostrar a extensão e amplitude que o nacionalismo da época alcançou no
Brasil.
23
Idem.,Criações da Memória: defensores e críticos da ditadura (1964 -1985). Cruz das Almas/BA: UFRB,
2012. p.29.
24
JOUTARD, Philippe. Desafios à História Oral do século XXI. In: ALBERTI, Verena; FERNANDES, Tânia
Maria e FERREIRA, Marieta de Morais (orgs.). História Oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro, FGV,
2000. p. 34.
21
2
CENÁRIO URBANO E POLÍTICO DE CRUZ DAS ALMAS
Neste primeiro momento, apresentamos o cenário histórico e político de Cruz das
Almas na década de 1950, evidenciando as suas conexões com o contexto nacional e estadual,
a fim de apresentar os indícios da emergência das ideias nacionalistas na cidade durante o
período em questão. Assim, destacamos a hegemonia da família Passos (apoiada pela UDN),
na política local, questionada pelo grupo político que se reunia em torno de Jorge Guerra
(PSD-PTB), que foi eleito prefeito duas vezes. Desse modo, destacamos o percurso político
de Jorge Guerra, a partir de sua primeira gestão, no início da década de 1950. Ademais,
avaliamos a busca do PSD e do PTB por maior visibilidade no cenário político de Cruz das
Almas, utilizando-se, efetivamente, da figura de Getúlio Vargas para conquistar a simpatia e o
apoio da população local.
Os elementos em discussão impulsionaram as concepções nacionalistas em Cruz das
Almas. Assim, setores da sociedade local, ligados principalmente ao PTB, influenciados pelo
getulismo, ou simpatizantes do trabalhismo, passaram a demonstrar questionamentos de
caráter nacionalista, sendo o jornal Nossa Terra o instrumento de divulgação daquele debate
que se iniciava. As discussões iniciais estiveram pautadas na defesa da Petrobras e no debate
acerca das diferenças entre nacionalismo e comunismo. Enfim, sinalizamos a formação de
movimentos de cunho nacionalista em outros locais no país, o que despertou a vontade e a
necessidade de se criar um movimento similar também em Cruz das Almas.
2.1 A cidade
Na introdução do livro Aquarela de Cruz das Almas, Mario Pinto da Cunha descreve a
gênese da cidade da seguinte forma:
No princípio eram apenas algumas casas em meio à mata circundante.
Poucas, pequenas e modestas moradias, plantadas descuidada e
despretensiosamente, no solo fecundo, nos meados e fins do Século XIX.
Quem as visse, então, não diria que ali estava o embrião de uma futura urbe,
o núcleo de uma cidade em que, juntamente com o desenvolvimento
material, andariam as coisas do espírito, concretizadas no estudo das
humanidades, da ciência agronômica, da análise, observação e investigação
científica.
22
Bem modesto, pois, o início da cidade, o que maior mérito acrescenta ao
progresso e desenvolvimento dessa que recebeu, ao alvorecer dos seus dias,
o nome de Cruz das Almas25.
Em sua poética descrição, o autor sinaliza para, dentre outros aspectos, a perspectiva
urbana de Cruz das Almas, ou seja, uma cidade envolvida na busca pelo progresso, conduzida
pela mocidade estudantil, pela força do trabalhador rural, pelo estudo científico da
Agronomia, todos em prol da modernização e do desenvolvimento local.
A história começou, então, em meados dos anos de 1950, nesta cidade localizada na
região do Recôncavo Sul Baiano, distante 146 quilômetros da capital do Estado da Bahia.
Emancipada em 29 de julho de 1897 por lei estadual número 119,
sancionada pelo então governador Luiz Viana, elevando o distrito [...] a
categoria de vila, tendo lugar a primeira eleição Municipal em 3 de Outubro
daquele ano, sua verificação de poderes a 5 de novembro, e instalando-se e
empossando-se os respectivos funcionários no dia primeiro de Dezembro
daquele ano26.
Segundo dados encontrados na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros do IBGE, a
região de Cruz das Almas foi povoada no século XVIII, por indivíduos procedentes de
Cachoeira, atraídos pela fertilidade do solo. Até a última década do Império, ainda como um
arraial, Cruz das Almas pertencia à freguesia de Outeiro Redondo, distrito da comuna de São
Felix. Após a Proclamação da República, elevou-se às categorias de Vila e Município.
Compondo o mesmo território da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Sapé,
“ficando autônomo pela lei estadual número 190 de julho de 1897, como território
desmembrado da comuna de São Felix”27, a vila de Cruz das Almas, sede do Município, foi
elevada à categoria de cidade pela lei estadual número 1537, de 31 de Agosto de 1921. Em
1953, Cruz das Almas se constitui definitivamente como distrito único, quando ocorre o seu
desmembramento territorial com Sapeaçu (Freguesia de Nossa Senhora do Sapé).
No final do ano de 1955, o jornal Nossa Terra publicou uma nota apresentando dados
de cunho geográfico, econômico, demográfico e cultural da cidade, organizados naquele
momento pelo Rotary Club local.
25
CUNHA, Mario Pinto da. Aquarela de Cruz das Almas. Bahia: s/e. 1983. p. 11.
Ibid.,p. 12.
27
BRASIL. Enciclopédia dos municípios brasileiros. IBGE, volume XX. Rio de Janeiro, 1958, p. 203.
26
23
Imagem 1: Recorte de jornal local sobre dados da cidade de Cruz das Almas.
Fonte: Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 11/12/1955. No 68. p.4.
24
Alguns dos dados chamam a atenção. Em primeiro lugar, o fumo destacava-se no
conjunto das atividades econômicas, pois gerava empregos tanto no cultivo quanto na
produção nos armazéns e fábricas de charutos existentes em Cruz das Almas, a exemplo das
fábricas Suerdieck e da Sociedade Agro-ComercialFumageira Ltda., as maiores da cidade,
além de outras menores que lá se instalaram, gerando renda e movimentando a economia
local. Em 1956, Nossa Terra apresentou a chegada de uma nova fábrica na cidade:
De propriedade da firma José de Souza Pereira, acaba de surgir mais uma
fábrica de charutos em Cruz das Almas.
Trata-se de um estabelecimento industrial de pequenas proporções ainda,
mas que está fadado a triunfar pela excelência de seus produtos, os quais
estão sendo manipulados exclusivamente com fumos de Cruz das Almas28.
As informações coligidas pelo Rotary Club também permitem identificar a existência
de uma instituição de ensino superior, a Escola Agronômica da Bahia (EAB) 29; uma
instituição de pesquisa e experimentação ligada ao Ministério da Agricultura, o Instituto
Agronômico do Leste (IAL); uma Escola Secundária, com curso primário, ginasial,
pedagógico e colegial, o Colégio Alberto Torres (CAT)30; além de cinema; agência do Banco
Econômico da Bahia; órgão de imprensa (Nossa Terra), agências dos Correios e Telégrafos e
do IBGE, campo destinado a pouso de aviões, etc.
A Escola Agronômica da Bahia, núcleo que surgiu a partir do Imperial Instituto
Baiano de Agricultura e originou a atual Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
(UFRB), instalou-se na cidade de Cruz das Almas em 1943. Federalizou-se em 1967,
tornando-se Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia (EA/UFBA) para, em
2005, tornar-se a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
O Instituto Agronômico do Leste (IAL) foi criado em Cruz das Almas em 1946, dando
origem, ainda no início da década de 1950, ao Instituto de Pesquisa e Experimentação do
Leste (IPEAL). A partir daí, na década de 1970, foi criado o Centro Nacional de Pesquisa de
Mandioca e Fruticultura, órgão ligado à EMBRAPA e que mantem sua sede de estudos,
28
NOVA FÁBRICA DE CHARUTOS;Jornal Nossa Terra, Cruz das Almas, 20/05/1956. No 89. p.1.
Sobre a EAB, o Imperial Instituto Baiano de Agricultura, a UFRB, ver, entre outros, NACIF, P. G. S. UFRB 5
anos: Caminhos, Histórias e Memórias. Cruz das Almas, UFRB, 1ª ed. 2010.; BAIARDI, Amilcar. O Papel do
Imperial Instituto de Agricultura na Formação da Comunidade de Ciências Agrárias da Bahia, 1859-1930.
In:Seminário Nacional de História da Ciência e Tecnologia (7.: 1999: São Paulo) VII Reunião de Intercâmbios
para a História e a Epistemologia das Ciências Químicas e Biológicas. Anais/José Luiz Goldfarb& Márcia H.
M. Ferraz (Orgs.). São Paulo: EDUSP: EDUNESP: Imprensa Oficial do Estado: SBHC, 2001.
30
Sobre a gênese do Colégio Alberto Torres, ver, entre outros, SANTANA, Alino Mata. Trajetória da educação
cruzalmense. Cruz das Almas: Gráfica e Editora Nova Civilização Ltda., 2008.
29
25
pesquisa e experimentação na cidade até hoje. O Colégio Alberto Torres (CAT) foi uma
Instituição de ensino secundário criada em 1948 – naquela época se chamava Ginásio da
Escola Agronômica, por estar construída na área territorial da EAB. Estadualizou-se em 1964,
tornando-se o Colégio Estadual Alberto Torres (CEAT), funcionando ainda na atualidade, na
mesma propriedade onde que foi criado.
Esse era o ambiente urbano de Cruz das Almas, um espaço que se mostrava conduzido
à busca do progresso e pelo desenvolvimento, concepção propagada nos versos do poema
“Nossa Terra”, assinado pelo Sr. João Gustavo da Silva:
Cruz das Almas é terra do futuro!
Por ela, quem transita meramente,
Ao sentir do seu seio ardente e puro
O viço da mulher pura e ardente.
Fica tonto de ver tamanho apuro
No seu corpo de jovem florescente!...
E o brilho do porvir sente seguro,
Por vê-lo, nela mesmo, no presente.
Seu lavrador audaz e persistente,
Do fumo, no seu chão lança a semente
No desejo de vê-la progredir!
Mas a grandeza desta terra amena,
Do seu moço estudante está na pena,
Que derramará luz no seu porvir. 31
No poema, publicado em 1954, podemos observar, outra vez, a imagem da cidade
ligada ao desenvolvimento, ou seja, “a terra do futuro”, valorizando e estabelecendo a ligação
da perspectiva de progresso da cidade com o plantio do fumo e com a mocidade estudantil.
O motivo de apresentar algumas informações relacionadas à cidade de Cruz das Almas
surge como intenção de mostrar, aos leitores, o espaço em que vamos propor nossas análises.
Contudo, informamos que a pretensão maior é a de destinar nossa reflexão à luta política no
município, direcionando nossa análise ao movimento em defesa do nacionalismo, existente
em Cruz das Almas naquele período.
Assim, observamos, então, como algumas das instituições tornaram-se espaços de
questionamento e debate político: a Escola Agronômica da Bahia (EAB), através do Diretório
Acadêmico Landulfo Alves (DALA); o Colégio Alberto Torres através do Grêmio
31
NOSSA TERRA; Jornal Nossa Terra, Cruz das Almas, 29/08/1954. No 4. p.3.
26
LíteroEsportivo Castro Alves (GLECA); o Sindicato dos Operários do Fumo; a Associação
dos Tarefeiros da própria EAB e a Associação das Mães Pobres.
Estudantes universitários e secundaristas, operários do fumo, comerciantes,
funcionários públicos e donas de casa foram alguns dos atores que passam a questionar os
fundamentos da política local, relacionando-a, por vezes, às conjunturas estadual e nacional.
A luta nacionalista, anti-imperialista, contra os “trustes” internacionais e os “entreguistas”,
foram causas defendidas por setores da sociedade brasileira, como veremos no decorrer do
texto.
Antes, porém, conhecer o ambiente político de Cruz das Almas dos anos de 1950
torna-se essencial para entendermos o que influenciou e motivou a atuação e os
questionamentos daqueles atores sociais que viviam em meio ao dinâmico processo político
que marcou o Brasil no período.
2.2 Cenário político local: as disputas entre a UDN e a coligação PSD-PTB
Em 1950, o Sr. Jorge Guerra elegeu-se Prefeito de Cruz das Almas, apoiado pela
coligação entre o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
substituindo o Sr. Ramiro Passos. Jorge Guerra venceu Ramiro Magalhães da Costa,
candidato da União Democrática Nacional (UDN), apoiado pelo clã dos Passos, família
oligárquica local e detentora de terras que, por muitos anos, dominou o ambiente político da
cidade. Jorge Guerra teve ali sua primeira gestão como prefeito, administrando o município de
abril de 1951 a abril de 1955.
Cabe a devida atenção à figura de Jorge Guerra pelo fato de ter sido eleito, duas vezes,
como o candidato de oposição aos Passos, além de se tornar o primeiro prefeito empossado
sem o apoio da oligarquia local. Com relação ao primeiro mandato de Guerra, um
entrevistado relatou o seguinte:
O primeiro mandato foi sim muito importante na história política desta
cidade, porque quebrou com esta hegemonia de governantes que sempre
eram indicados ou da família Passos [...] Jorge era uma pessoa muito correta,
muito honesta, direita, e ele ganhou a simpatia do povo e ganhou a eleição.
Ganhou a eleição, governou e fez uma administração excepcional em termos
comparativos com as gestões anteriores32.
32
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto concedido a Heber José Fernandes de Oliveira em Cruz das Almas (BA),
em maio de 2012.
27
A eleição de Jorge Guerra tornou-se, então, um divisor de águas no que diz respeito ao
domínio dos Passos na política municipal, pois a família esteve presente na administração
local desde a sua emancipação. As informações presentes na Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros asseguram que:
Dentre os principais pioneiros da cidade se acham as tradicionais famílias
Batista de Magalhães e Rocha Passos, brasileiros e descendentes de
portugueses ambas. Os precursores estabeleceram plantação de cana de
açúcar, fundaram engenhos e iniciaram a construção do Arraial no grande
planalto [...]33.
Conforme relato, “Cruz das Almas sempre foi uma cidade assim, ter nos seus
primórdios o mando de grupos de direita, oligárquicos [...]”34. Ou seja, nas administrações que
se sucederam na cidade, era a família Passos que predominava, ocupando diversas vezes o
Executivo Municipal, através dos Conselheiros, Intendentes e Prefeitos (nomeados e eleitos).
Assim, entre os anos de 1947 e 1964, das cinco administrações que ocorreram em
Cruz das Almas, três estiveram sob o controle da família Passos e, por conseguinte, do seu
partido de apoio, a UDN (União Democrática Nacional)35. Por exemplo, Ramiro Passos, teve
seu primeiro mandato no período de 1948 a 1951, retornando ao poder na gestão de 1955 a
1959, após a primeira administração de Jorge Guerra. Sobre aquele retorno, em 1955, Nelson
Magalhães, codinome ENE EME, colunista do jornal Nossa Terra, ao descrever uma
retrospectiva de acontecimentos ocorridos na cidade naquele ano, em nota intitulada “A
Crônica da Cidade”, destacava que: “[...] a posse do prefeito Ramiro Passos, pode ser
apontada também como um acontecimento de realce, reinício do predomínio udenista local”36.
Em outra nota, publicada dias antes das eleições de 1954, o mesmo jornal alertava para
o processo eleitoral e a disputa entre os candidatos à Prefeitura da seguinte forma:
Realizar-se-ão [...], em todo território nacional eleições para Senadores,
Deputados Federais e Estaduais, Governadores de alguns Estados, Prefeitos
e Vereadores Municipais.
33
BRASIL, op. cit., p. 203.
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto concedido a Heber José Fernandes de Oliveira em Cruz das Almas, em
maio de 2012.
35
Informamos que não é objetivo desta dissertação esclarecer o motivo do apoio da UDN a família Passos nas
eleições em Cruz das Almas. Portanto, justificamos que nos faltam fontes e dados que possam esclarecer esta
questão. Enfocamos, então, a necessidade de possíveis pesquisas neste sentido em momentos posteriores.
36
A CRÔNICA DA CIDADE;Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 08/01/1956. No 71. p.2.
34
28
Neste Município, dois candidatos disputarão a preferência do eleitorado: o
Dr. Waltercio Barroso Fonseca, apoiado pelo PTB e PSD, o Dr. Ramiro Eloy
Passos pela UDN [...]37.
No pleito de 1954, Ramiro Passos venceu Waltercio Barroso Fonseca, que buscava ser
o sucessor do correligionário Jorge Guerra, como noticiou Nossa Terra:
Waltercio Fonseca, honrado que foi com a escolha do seu nome a sucessão
do grande prefeito Jorge Guerra, com o apoio integral dos dois gloriosos
Partidos [...], Partido Trabalhista Brasileiro e Partido Social Democrático,
espera contar com o vosso voto livre e consciente, em 3 de Outubro
próximo, pelo que se confessa sinceramente agradecido38.
Logo após a segunda gestão de Ramiro, o udenista Fernando Carvalho de Araújo foi
eleito para o quadriênio 1959-1963, mantendo o predomínio da família Passos em Cruz das
Almas.
Resta-nos, então, discutir aspectos relacionados às duas gestões de Jorge Guerra. A do
quadriênio 1951-1955 e a que durou de 07/04/1963 a 15/05/1964, interrompida pela sua
renúncia, como um dos desdobramentos do golpe civil-militar de 196439. Estes dados
justificam o devido destaque que assumiu Guerra na política cruzalmense, sinalizando para as
suas duas eleições, bem como as tentativas de eleger um sucessor, buscando manter a
administração municipal nas mãos da coligação PSD-PTB, em contraposição às três outras
gestões conduzidas pela família Passos e seus correligionários da UDN.
Muito embora Jorge Guerra fosse eleito pelo PSD, mostrou-se bastante próximo do
PTB cruzalmenses, um partido que tinha em seus quadros operários do fumo, que atuavam
também no Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Fumo, além de outros simpatizantes.
O percurso político de Jorge Guerra relaciona-se com o acordo local entre o PSD e o
PTB. Assim, conforme assinalamos anteriormente, Guerra elegeu-se prefeito pela coligação
no pleito de 1950, vencendo Ramiro Magalhães da Costa. Já em 1954, Waltercio Fonseca,
candidato apoiado por Guerra, foi derrotado por Ramiro Passos. Os números da eleição
podem ser constatados em Nossa Terra:
37
ELEIÇÕES; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 26/09/1954. No 8. p.1.
S/T; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 05/09/1954. No 5. p.1.
39
Informamos que não será possível aprofundar essa questão no presente trabalho, por não ter havido tempo
necessário para obter dados para as devidas análises. Para tanto, entendemos a necessidade de analisar e
aprofundar tal questão dado a importância do acontecido para a História Política da cidade.
38
29
Imagem2: Recorte de jornal onde aparecem os números da eleição de 1954 em Cruz das Almas.
Fonte: Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 17/10/1954. No 11. p.1.
Não obstante, observa-se que Jorge Guerra elegeu-se naquele momento para a Câmara
Municipal. Em 1958, concorreu novamente à Prefeitura, sendo derrotado por Fernando
Carvalho de Araújo, candidato da UDN e apoiado pela família Passos. Durante a gestão de
Fernando Araújo, Guerra dedicou-se à gerência do Banco Econômico da Bahia, cargo que
ocupou por mais de dezesseis anos40. A sua atuação à frente da agência foi apresentada pela
imprensa local nos seguintes termos:
Demonstrando a sua estabilidade em Cruz das Almas, o Banco Econômico
da Bahia S.A. está construindo o novo prédio de sua agência nesta cidade
[...]. Parabéns a sua direção e, muito especialmente, ao seu dinâmico gerente
Sr. Jorge Guerra41.
Jorge Guerra não se afastou da política após a derrota, candidatando-se à Prefeitura de
Cruz das Almas, em 1962, vencendo a eleição e derrotando José Alberto Passos de Almeida
(UDN), aposta da família Passos para aquele pleito.
O resumo da trajetória política de Jorge Guerra permite observar como, ao longo do
período analisado neste trabalho, a política de Cruz das Almas estava polarizada entre a
40
SÁ, Manoelito Roque. Actas e Atos: resumo histórico da Câmara Municipal de Cruz das Almas. Cruz das
Almas: Gráfica e Editora Nova Civilização Ltda., 2007. p. 131.
41
BANCO ECONÔMICO DA BAHIA S. A.; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 20/05/1956. No 89. p.1.
30
coligação PSD-PTB e a UDN42. De acordo com uma nota publicada no jornal local, as
eleições de 1954 assumiram a seguinte dinâmica em Cruz das Almas:
Os três partidos políticos que atuam com mais intensidade neste Município,
– PSD, PTB e UDN – estão em plena atividade, realizando comícios na
cidade e no interior, em busca de maior apoio para os seus candidatos ao
Governo do Município e Câmara de Vereadores43.
Na eleição para o Governo Estadual, os mesmos partidos estavam no centro do
confronto. Referente às eleições de 1954, visualizada na matéria do jornal Nossa Terra, na
qual se encontram os números do pleito na cidade, é possível constatar a vitória de Antônio
Balbino (1912-1992) para o governo do Estado da Bahia. Aquela foi uma campanha em que
se tratava do “candidato ao governo do Estado que rompe com o PSD sendo apoiado pela
UDN e pelo PTB”44. Balbino concorreu pela coligação UDN/PTB/PST vencendo Pedro
Calmon (1902-1985), escolhido para representar o PSD oficial naquela eleição. O quadro
eleitoral na Bahia, durante o pleito de 1954, foi resumido por Paulo Fábio Dantas Neto:
Alinharam-se com Balbino, além da dissidência do PSD, o PTB, a UDN, o
PST e o clandestino Partido Comunista; com Calmon ficaram o PSD oficial,
dissidências udenistas e trabalhistas [...], oito partidos e duas alas
dissidentes, conjunto heterogêneo que A tarde batizou de União de forças
morais e políticas da Bahia45.
Conforme o mesmo autor, o Presidente Getúlio Vargas teve uma participação
significativa nas eleições de 1954, provocando um realinhamento das forças políticas baianas
do período. Por um lado, Getúlio projetou Antônio Balbino (deputado federal pelo PSD)
colocando-o em posição de destaque no governo federal, nomeando-o Ministro da Educação e
Saúde. Por outro, o Presidente buscou recompor a aliança com o antigo interventor federal
Juracy Magalhães (1905-2001), negociou o apoio da UDN a Balbino e disponibilizou a
legenda do PTB para a candidatura do ministro ao governo do estado46.
42
Quando citamos, neste texto, PSD, PTB e UDN local, buscamos delimitar a atuação daqueles partidos na
cidade de Cruz das Almas, entendendo que existam especificidades e distinções na atuação daqueles partidos no
Congresso Nacional ou em outros Estados e cidades, pois sabemos que se trata de espaços e lugares distintos,
com interesses e indivíduos socialmente diferentes. Ao mesmo tempo, não negamos a aproximação de
influências e de perspectiva de luta dos distintos partidos.
43
COMÍCIOS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 26/09/1954. No 8. p. 3.
44
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. A formação e a crise da hegemonia burguesa na Bahia (1930-1964).
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982. p. 115.
45
DANTAS NETO. Paulo Fábio. Tradição, Autocracia e Carisma. A política de Antônio Carlos Magalhães na
Modernização da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: Editora UFMG. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006. p. 487.
46
Ibid., p. 80-81.
31
No caso da Bahia, graças ao acordo de Juracy com Balbino, patrocinado por
Vargas, a UDN esteve a salvo do ônus político e eleitoral que o desfecho da
cruzada antigetulista provocou. O PSD oficial e seu candidato pagaram a
conta [...]. Logo, se o alinhamento de forças na eleição baiana de 1954
poderia parecer paradoxal a um observador do quadro nacional, era, em
termos locais, um retrato preciso e coerente o que a trajetória dos diversos
atores houvera construído, ao longo de mais de duas décadas47.
Em Cruz das Almas, a UDN venceu a eleição para a Prefeitura, elegendo Ramiro
Passos, apesar da tentativa da coligação PSD-PTB local de suceder Jorge Guerra através da
candidatura Waltercio Fonseca. Outra publicação do jornal Nossa Terraintitulada
“Trabalhistas!”, dirigida aos “trabalhadores, amigos do Partido Trabalhista Brasileiro”,
estampava, em meio a saudosas homenagens à figura de Vargas, a seguinte conclamação:
[...] Companheiros do Partido Trabalhista: Abri os vossos olhos e pensai nos
que ides fazer nas urnas de 3 de Outubro. Votai para aqueles que foram
amigos sinceros do nosso chefe Dr. Getúlio Vargas, e não para aqueles que
foram seus adversários na campanha de 1950.
Marchemos para as urnas de outubro com o nome do DR. PEDRO
CALMON para o Governo da Bahia; levemos o nome do Dr. WALTERCIO
FONSECA para nosso prefeito [...]; levemos o nome de Dr. HERALDO
GUERRA para nossa defesa na Câmara Estadual, e os demais que sejam da
legenda trabalhista para Vereadores Municipais.
Trabalhadores: precisamos estar ao lado daqueles que foram amigos do
nosso chefe Dr. Getúlio Vargas [...]48.
Interessante como era complexa a política baiana, às vezes discrepante em relação ao
quadro nacional. Senão, vejamos. Nas eleições de 1954, o PTB cruzalmense e a seção local do
pessedista, apoiaram Pedro Calmon, candidato oficial do PSD, que foi derrotado pelo
dissidente Antônio Balbino, eleito pela coligação UDN-PTB-PST. A julgar pela conclamação
veiculada nas páginas de Nossa Terra, dentre as dissidências trabalhistas que apoiaram
Calmon estava a de Cruz das Almas. Assim, a coligação local PSD-PTB, minada pelo jogo
das forças políticas nacionais e estaduais (cabe recordar o apoio do udenista Juracy Magalhães
a Balbino), foi derrotada nas eleições para o governo estadual e a prefeitura. Ao invés da
vitória de Waltercio Fonseca, os correligionários de Jorge Guerra amargaram a retomada do
Executivo municipal pela UDN, ao tempo em que Antônio Balbino, representando a aliança
nacional PSD-PTB, assumiu o governo da Bahia.
No Legislativo Municipal, porém, constatamos um equilíbrio entre os vereadores
eleitos em Cruz das Almas. Inicialmente, eram seis da UDN, cinco do PSD e um do PTB. No
47
48
Ibid., p. 104-105.
TRABALHISTAS!;Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 12/09/1954. No 06. p. 2.
32
entanto, na edição de 24 de outubro de 1954, Nossa Terra informou mudanças na composição
da Câmara de Vereadores, que passou a contar com oito vereadores, ao invés de doze,
permanecendo os cinco mais votados da UDN e os três do PSD.
Ao publicarmos, em nosso número anterior, o resultado do pleito de 3 de
Outubro neste Município, tudo fizemos para dar aos nossos estimados
leitores os resultados exatos. [...] Assim que foi, baseados em informações
dadas pelo Juízo Eleitoral de São Felix, encarregado da apuração de nossas
urnas, publicamos a eleição de doze vereadores [...].
Logo após a circulação de nosso órgão, entretanto, o mesmo Juízo Eleitoral
verificava a existência de um telegrama do Tribunal Eleitoral, [...] o qual
esclarecia que seria de oito o número de Vereadores de Cruz das Almas, o
que veio alterar completamente a colocação dos candidatos mais votados,
excluindo assim, da Câmara, 1 da UDN, 2 do PSD, e o único eleito pelo PTB
[...]49.
Os resultados demostram que, em Cruz das Almas, o PSD gozava, naquele momento,
de uma representatividade inferior aos udenistas e o apoio ao PTB ainda se mostrava bastante
tímido. A UDN, o PSD e o PTB formavam as principais forças partidárias daquele período e
que compunham o desenrolar do jogo político na Bahia e em âmbito nacional. “Convivendo
com outras organizações partidárias de menor porte e de importância eleitoral mais
regionalizada, não há dúvida que PSD, UDN e PTB foram as organizações que dominaram o
sistema partidário do país”50.
Ainda com relação à Bahia, percebemos como as eleições para o governo do Estado
estiveram marcadas por alianças, cisões e dissidências entre o PSD, o PTB e a UDN baianos,
seguidos por outros partidos menores51. Iniciado com a eleição de Regis Pacheco, em 1951,
seguido pelos governos de Antônio Balbino (1955-1959), Juracy Magalhães (1959-1963) e
Antônio Lomanto Junior (1963-1967), o cenário político do estado foi condicionado pelo jogo
entre os três principais partidos52.
A partir de 1950, entretanto, com a cisão da UDN, o PSD se transforma no
maior partido da Bahia, posição que só será de novo ameaçada em 1962. Seu
quadro é composto predominantemente por “coronéis” ou políticos
49
O PLEITO ENTRE NÓS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 24/10/1954. No 12. p. 6.
GOMES, Ângela de Castro; D‟ ARAÚJO, Maria Celina (orgs.). Getulismo e trabalhismo. São Paulo: Ática,
1989. p.1.
51
Sobre o ponto em questão, GUIMARÃES, op. cit., p.101, apresenta, por exemplo, a existência do PSP
(Partido Social Progressista), “que em São Paulo costurava burguesia e setores operários através da liderança de
Adhemar de Barros”; do PR (Partido Republicano), que agregava setores burgueses e oligárquicos em Minas e
outros Estados, inclusive na Bahia; e do PL (Partido Libertador) “centrado no Rio Grande do Sul mas também
com ramificações forte na Bahia”, partidos este que, segundo o autor, eram importantes para o desenrolar do
jogo político, na formação de coligações e alianças partidárias naquele período.
52
DANTAS NETO, Paulo Fábio, op. cit. e GUIMARÃES, op. cit.
50
33
carreiristas do tipo clientelista, ligados aos interesses agrários e oligárquicos
e à burguesia comercial e industrial. A presença em seus quadros de
intelectuais tradicionais como Pedro Calmon é apenas secundária53.
Em Cruz das Almas, Jorge Guerra, um político que integrava os quadros do PSD, era
considerado por alguns dos entrevistados como um intelectual, apesar de ocupar uma posição
de quadro técnico, devido ao cargo de gerente de banco. Um depoente afirmou que:
Jorge Guerra, [...] era um cara intelectual, [...] que representava em termos
de força no município muito menos o conservadorismo do que a outra
corrente tradicional aqui, [...] porque os Passos era uma família que tinha as
terras [...], um poder mais antigo, e os Guerra era também uma família, [...]
mas não representava tanto o poder econômico assim de origem, não tinham
fazenda, eram mais urbanizados vamos dizer [...]54.
Talvez a imagem de Jorge Guerra como um intelectual estivesse relacionada à sua
atuação em Nossa Terra. Guerra foi um dos principais colaboradores do jornal e se tornou
redator em 1957. Publicava poesias e notas, inclusive as de conteúdo político. Vejamos o que
Guerra escreveu sobre o pleito de 1954, quando ainda era o prefeito da cidade, em uma nota
intitulada “Lições negativas”:
Estamos às vésperas de um pleito eleitoral [...]. A esta altura dos
acontecimentos [...] era de se esperar que os homens que se propõem a
exercer os cargos eletivos, se apresentassem ao público com argumentos
convincentes de seus bons propósitos, com o equilíbrio moral de dos
condutores e o bom senso de quem deseja merecer a liderança das massas
[...]. Entretanto, que vemos e ouvimos? Apresentarem candidatos incapazes
de redigir uma carta, quanto mais um projeto de lei; candidatos sem noção
das responsabilidades que o mandato requer [...]. Grupos de mascates dos
defeitos alheios; bufarinheiros de reputações fossando sujeiras, esmerilhando
farpas, numa ganância incontida de conquistar méritos à custa da
vendilhagem da honra dos que lhes são adversos [...].
[...] Enganam-se, no entanto. Esta falta de ética e escrúpulo; esta
“camuflagem”, este engodo, tal crise de reservas intelectuais e morais, já não
iludem o povo.
[...] Se lhes faltam virtudes; se lhes estão a minguar reservas morais; se as
suas vidas nada tem de promissor; se as suas inteligências são anêmicas e,
por isto, incapazes de criar seiva nova para fermentar polêmicas
construtivas, tornem-se mendigos de votos e peçam pelo amor de Deus,
como única forma de salvar a sua pobreza de espírito. Mas não preguem a
desordem; não deem mau exemplo; não deseduquem o povo [...]. Não
ensinem a mocidade estas lições negativas55.
53
GUIMARÃES, op. cit., p.101.
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas Rodrigues concedido a Heber José Fernandes de Oliveira em Cruz das
Almas (BA) em Agosto de 2010.
55
LIÇÕES NEGATIVAS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 05/09/1954. No 5. p.1.
54
34
Jorge Guerra evidenciava, através da sua escrita, uma perspectiva de esclarecimento à
população sobre os cuidados que os cidadãos deveriam ter no momento de escolha do
candidato, além de prezar pela moral e ordem no processo eleitoral. Através do texto, atacava
estrategicamente os seus adversários políticos, utilizando-se de um órgão da imprensa local,
em um cenário de disputa eleitoral, no qual Guerra, envolvido na luta política para eleger o
correligionário Waltercio Fonseca Barroso, buscava, também, mesmo sem citar nomes ou
partidos, uma oportunidade para confrontar os oponentes da UDN.
Assim, como podemos observar, em Cruz das Almas, a política refletia a correlação de
forças nacional e estadual entre as organizações partidárias de maior representatividade
naquele período, ou seja, o PSD, a UDN e o PTB. PSD e o PTB foram agremiações que
tiveram influência de Getúlio Vargas em suas origens, apesar de suas devidas distinções.
Segundo Maria Victória Benevides, no PSD, já em sua fundação, estavam reunidos “os
interventores e todos aqueles responsáveis mais diretos pela administração do Estado Novo,
comerciantes, advogados, proprietários rurais, enfim, figuras de maior destaque nos
municípios e Estados”56. Enquanto o PTB, segundo a autora, “surge como uma tentativa de
aglutinar as novas forças sociais, nascidas pelo impulso econômico pela industrialização,
visando atingir os operários urbanos”57.
Por sua vez, a UDN, surgiu como o principal partido de oposição a Vargas,
“inicialmente como uma „ampla frente democrática‟ bastante heterogênea e com um único
ponto em comum: o antigetulismo”58. Ângela de Castro Gomes caracterizou desta forma os
embates entre a UDN e os adversários getulistas:
Enquanto o PSD reunia interventores estaduais que controlavam importantes
aparatos administrativos e clientelísticos, o PTB tinha uma proposta mais
diretamente dirigida às classes trabalhadoras. O primeiro, de cunho
eminentemente conservador, teria por missão precípua garantir uma
transição política controlada, que evitasse mudanças abruptas nos rumos
políticos do país; o segundo, estava encarregado de veicular a proposta
trabalhista de Vargas em termos partidários. Ambos traziam a marca da
herança getulista, e isto o contrapunham à UDN59.
56
BENEVIDES, Maria Victória. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1979 p. 62.
57
Ibid., p. 63.
58
Ibid., p. 63.
59
GOMES, Angela de Castro; D‟ ARAÚJO, Maria Celina (orgs.). Getulismo e trabalhismo. São Paulo: Ática,
1989. p. 4-5.
35
Ademais, podemos observar também a influência de Getúlio Vargas no cenário
político cruzalmense, principalmente após sua morte, em 1954, quando a sua imagem passou
a ser bastante explorada na política local. A propósito, Nossa Terra dedicou diversas páginas
ao tema do falecimento de Getúlio Vargas. A edição de 29 de agosto de 1954, por exemplo,
estampou várias homenagens, publicando, na primeira página, a carta-testamento. Jorge
Guerra redigiu uma mensagem na qual afirma ter sido “surpreendido com a notícia do trágico
episódio que findou a vida do eminente Presidente Getúlio Vargas”. Em seguida, se manifesta
nos seguintes termos: “[...] envio ao povo de Cruz das Almas, especialmente ao Diretório do
Partido Trabalhista Brasileiro e aos modestos trabalhadores [...] o meu pesaroso voto de
solidariedade [...]”60.
Na mesma edição, as notas intituladas “De luto o Brasil” e “Uma lição inesquecível”
apresentavam a figura de Vargas como um herói que agiu com gesto patriótico, “[...]
destruindo com as suas próprias mãos a sua valiosíssima existência”61.
Outras homenagens a Vargas se seguiam no jornal nas edições dos anos posteriores,
tornando-se recorrentes, principalmente em datas simbólicas, tais como o Dia do Trabalhador,
o aniversário natalício e o do falecimento do Presidente. Assim, na edição de 28 de Agosto de
1955, Nossa Terra noticiou as homenagens à memória de Getúlio, um ano após a sua morte,
durante uma reunião no Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Fumo da cidade. A nota
mencionou os discursos proferidos pelos operários e pelo Presidente do PTB local, dentre
outros oradores. Por fim, destacou:
[...] Cada vez que os oradores referiam ao suicídio do Presidente Vargas,
eram ouvidos soluços da assistência, em cujos olhos havia o constante brilho
das lágrimas.
Todo o comércio fechou espontaneamente as suas portas e, nas casas de
residência, viam-se profusas flores ornando o retrato do grande morto62.
Não foi possível constatar, a partir das fontes investigadas, se realmente todo comércio
da cidade fechou as portas em homenagem a Vargas ou se existiu, de fato, uma comoção tão
grande nos populares em virtude da morte do Presidente. Contudo, acreditamos que o
periódico mais expressivo da cidade naquele momento evitaria divulgar o que não ocorreu,
mesmo se apresentando de forma tão parcial. Ou seja, pode uma parte do comércio ter
fechado as portas, ademais, algumas casas terem exibido homenagens a Vargas com o seu
60
MENSAGEM DO PREFEITO JORGE GUERRA; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 29/08/1954. No 4.
p.1.
61
UMA LIÇÃO INESQUECÍVEL; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 29/08/1954. No 4. p. 2.
62
SINDICATO DOS TRABALHADORES; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 28/08/1955. No 55. p.4.
36
retrato e flores. A morte de Getúlio Vargas foi um acontecimento que repercutiu na sociedade
brasileira de forma geral, neste sentido, não podemos desconsiderar que alguns populares da
cidade tivessem simpatia à figura do então Presidente e assumissem de alguma forma o pesar
pelo seu falecimento.
Realmente o que observamos é como o ambiente político em Cruz das Almas, naquele
período, esteve marcado pela figura de Vargas. Outro exemplo nesse sentido foi o projeto de
inauguração de uma estátua do Presidente em uma praça da cidade. Através da imprensa
local, os seus seguidores alardeavam:
[...] destacados elementos getulistas locais estão se movimentando para
erigir em Cruz das Almas uma estátua do saudoso estadista e líder impar das
massas trabalhadoras brasileiras, [...] perpetuando no bronze a homenagem
dos cruzalmenses ao grande brasileiro criador da legislação trabalhista no
Brasil63.
Não se sabemos se a estátua foi realmente erguida em alguma praça da cidade, pois
não foram encontramos indícios que confirmem a existência de tal escultura. O que podemos
apresentar é mais uma nota do jornal local, um mês após o pleito de 1955, que resultou na
eleição de Juscelino Kubitschek (1902-1976), para a Presidência da República, e João Goulart
(1919-1976), como Vice, reafirmando o propósito de construção da estátua.
[...] Cruz das Almas vai possuir, em um dos seus logradouros públicos, um
monumento ao líder imortal dos trabalhadores.
Segundo estamos seguramente informados o trabalho já está planejado e as
contribuições já estão sendo asseguradas, achando-se à frente do movimento
o Sr. João Gustavo da Silva e outros getulistas sinceros.
Aplaudindo a ideia, fazemos votos pela inauguração da obra no dia 24 de
Agosto próximo vindouro, quando se comemorará mais um aniversário da
morte do grande homenageado64.
É válido analisar que, em 1955, a cidade estava sob a administração do prefeito
Ramiro Passos, eleito pela antigetulista UDN, o que talvez possa explicar o fato de ter sido
impossibilitado a construção e a inauguração da estátua em homenagem a Vargas.
Também em 1955, os diretórios locais do PSD e do PTB atuavam na defesa das
candidaturas de Juscelino Kubitschek e João Goulart, valendo-se bastante da memória de
Vargas para conquistar votos. Um mês antes das eleições, Nossa Terra publicou uma
mensagem de Kubitschek, destinada aos cruzalmenses, nos seguintes termos:
63
64
ESTATUA A GETÚLIO VARGAS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 01/05/1955. No 39. p.1.
ESTATUA DE GETÚLIO VARGAS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 06/11/1955. No 63. p.1.
37
Na impossibilidade material de visitar a cidade de Cruz das Almas, quero,
nesta rápida mensagem, tocada de afetuosa sensibilidade, significar aos meus
correligionários e aliados dessa cidade o meu grande apreço e a certeza de
que, se eleito, como espero e confio, Presidente da República, terei minhas
vistas voltadas para o recôncavo baiano, cuja restauração industrial
constituirá preocupação constante do meu governo65.
A chapa presidencial da coligação PSD-PTB venceu as eleições em Cruz das Almas,
como se pode constatar a partir da nota publicada na imprensa local:
Imagem3: Recorte de jornal onde aparecem os números dos votos da cidade de Cruz das Almas na
eleição para presidente em 1955.
Fonte: Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 09/10/1955. No 61. p.1.
Juscelino e Jango conquistam a maioria dos votos em Cruz das Almas, demonstrando
o resultado do trabalho conjunto do PTB e do PSD da cidade. Os Diretórios Estaduais e
Nacionais dos partidos também atuavam no município, enviando ofícios às seções locais. Os
documentos eram publicados em Nossa Terra, chegando ao conhecimento dos eleitores
cruzalmenses. Assim, em junho de 1955, o jornal divulgou um ofício do Diretório Regional
do PSD saudando os correligionários do município, transmitindo “as mais vivas
manifestações de apreço e confiança na vitalidade do [...] partido”66. No mesmo número,
apareceu outro ofício, do Diretório Nacional do PTB, enviado à Seção de Cruz das Almas,
sinalizando para a candidatura de João Goulart à Vice-Presidência da República, na chapa
encabeçada por Juscelino Kubitscheck, conforme acordo firmado entre os partidos.
65
66
MENSAGEM; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 04/09/1955. No 56. p.5.
PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 19/06/1955. No 46. p.1.
38
Comunicando oficialmente ao prezado correligionário a decisão da VIII
Convenção Nacional, queremos chamar a sua e a atenção de todos os
trabalhistas dessa localidade para a necessidade de serem dispendidos –
desde já e sem qualquer esmorecimento – todos os esforços no sentido da
nossa vitória, em 3 de outubro vindouro, não apenas no plano federal, mas
também nos Estados e Município onde também se verificarem eleições.
Solicitamos ainda que seja dada a mais ampla divulgação à presente circular,
afim de que todos os companheiros, todos os trabalhadores e o povo, tomem
conhecimento da posição assumida, na atual conjuntura, pelo PTB DE
GETÚLIO VARGAS, a cuja memória oferecemos, em 3 de outubro, como
um ardente preito de saudade e de felicidade, a nossa vitória nas urnas67.
A eleição presidencial de 1955 se configurou como um momento estratégico para o
PTB de Cruz das Almas, pois, a partir daquele momento, o partido apareceu mais
intensamente na cidade, conquistando, aos poucos, a aquiescência de segmentos da população
e de setores do operariado do fumo, principalmente aqueles ligados ao sindicato. Muito do
destaque conquistado pelo PTB local se deveu, além da intensa utilização da imagem de
Vargas, à intensificação do trabalho do Diretório Nacional, atuando em consonância com a
direção local. Naquele contexto histórico, aliás, o fortalecimento do PTB, podia ser
constatado em diversos municípios brasileiros, como assinalou Lucília de Almeida Neves:
[...] Na verdade, as lideranças partidárias regionais e nacionais do PTB,
através de uma interlocução e de uma inter-relação efetiva com as bases do
partido, podem ser identificados como os maiores responsáveis pela grande
popularidade e crescimento da agremiação, que às vésperas do golpe de 64,
já era identificada como o partido que mais crescia no país68.
Em Cruz das Almas, o PTB mostrava-se cada vez mais presente na disputa política e o
grande número de votos dados a João Goulart, nas eleições de 1955, revelava um progresso
obtido pelo partido no município. Portanto, a partir dos pleitos de 1954 e 1955, os
getulistasalcançaram relativo sucesso na política local. Os getulistas eram, em sua maioria,
trabalhadores rurais ligados ao fumo e ao seu sindicato, além de partidários e simpatizantes do
trabalhismo e de Vargas. Jorge Guerra (um dos representantes do getulismo em Cruz das
Almas), apesar de filiado ao PSD, mostrou-se próximo aos petebistas, desde a sua primeira
eleição, quando firmou acordo com PTB para as eleições locais realizadas nas décadas de
1950 e 1960.
67
PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 19/06/1955. No 46. p.5.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo: um projeto para o
Brasil (1945-1964). In: FERREIRA, Jorge (Org.) O populismo e sua história. Debate e crítica. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001. p. 194.
68
39
Em 1955, um pronunciamento de Jorge Guerra, quando vereador, enunciado durante o
Congresso Eucarístico Paroquial, apontou a sua proximidade para com a classe trabalhadora
local. No início do longo discurso, publicado em Nossa Terra, Guerra destacou:
Ao receber dos trabalhadores de Cruz das Almas, por intermédio do seu
órgão de classe, a incumbência de falar em seu nome nesta magnífica
solenidade, o meu primeiro pensamento foi declinar do convite por me
parecer de pronto ser a escolha imprópria e desajustada, face ao brilho dos
oradores que se tem feito ouvir neste Congresso. Refletindo bem, entretanto,
conclui de modo diferente. Os trabalhadores, simples pela sua origem
modesta devem ser representados por alguém que esteja condizente com a
sua modéstia e a sua simplicidade, embora não disponha de palavras
artisticamente buriladas para expressar com precisão o pensamento dos seus
outorgantes.
Confiaram-me esta tarefa, oferecendo-me um voto de confiança que julgo
não merecer, gesto este que me impôs o dever de aqui me encontrar nesta
reunião solene, unindo o meu coração aos dos trabalhadores para entoar as
nossas súplicas a Jesus da Eucaristia que oferece a paz na terra aos homens
de boa vontade. [...]69.
Com o PTB aparecendo de forma mais expressiva no cenário político cruzalmense,
junto à influência de Vargas e do trabalhismo, teses de cunho nacionalista passaram aos
poucos a serem divulgadas na cidade por alguns articulistas ligados ao PTB. Segundo Lucília
de Almeida Neves, mesmo não sendo homogêneo o trabalhismo brasileiro (doutrina que
inspirou o PTB e que teve no partido sua mais relevante forma de organização), pois existiam
diferentes correntes internas, constata-se que, naquele período, “[...] havia um eixo, uma
estrutura dorsal nacionalista, distributivista e desenvolvimentista, que fez com que o
trabalhismo se constituísse [...] em um projeto para o país”70. Neves acrescenta, ainda:
[...] Dessa forma, o PTB e significativo segmento da população trabalhadora
brasileira naqueles anos se mobilizaram em torno da defesa de projetos
governamentais, como os referentes à implantação de empresas estatais, a
saber: Companhia Vale do Rio Doce, Petrobras, Eletrobrás, e Fábrica
Nacional de Motores [...]71.
Desse modo, questionamentos atinentes à política estatal a ser adotada em relação ao
Petróleo, na defesa da Petrobras, tornaram-se temas em discussão naquele momento em Cruz
69
DISCURSO PRONUNCIADO PELO SR. JORGE GUERRA, EM NOME DOS TRABALHADORES; Jornal
Nossa Terra. Cruz das Almas, 05/05/1955. No 44. p.1.
70
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo: um projeto para o
Brasil (1945-1964). In: FERREIRA, Jorge (org.) O populismo e sua história. Debate e crítica. Rio de Janeiro;
Civilização Brasileira, 2001. p. 177.
71
Ibid., p. 185.
40
das Almas pelos petebistas. Muitos daqueles questionamentos estiveram estampados no já
citado jornal Nossa Terra.
2.3 JornalNossa Terra
Dado a evidência histórica, segundo a qual, ao longo das décadas de 1950 e 1960,
houve uma intensificação na atividade da imprensa em diversas regiões brasileiras (inclusive
no Recôncavo Baiano), alguns esclarecimentos sobre o jornal NossaTerra tornam-se
necessários para entendermos a atuação daquele periódico na cidade. Ou seja, questões
simples como quem produzia o jornal, quais eram os seus colaboradores, a quem se destinava,
até quando circulou, por que foi extinto, dentre outros pontos, podem ser abordados,
auxiliando na compreensão acerca do papel desempenhado pelo hebdomadário nas disputas
políticas travadas em Cruz das Almas.
NossaTerra era um semanário (circulava aos domingos) fundado em agosto de 1954
por Verdival Pitanga, poeta, jornalista, cronista e dono da gráfica que deu nome ao jornal.
Possuía de quatro a seis páginas, nas quais eram publicados artigos, crônicas, ensaios, poesias,
anúncios, informações úteis sobre ética, esporte, direitos do cidadão, etc. Destacava-se,
também, pelas publicações referentes à política, fosse de interesse local, estadual ou nacional,
apresentando, já em finais de 1955, algumas matérias que abordavam a questão nacionalista,
objeto central do nosso presente trabalho.
Vejamos, então, como o jornal se apresentava à população cruzalmense, na matéria
intitulada “Nossos Amigos”:
Com as suas páginas abertas a todas e quaisquer manifestações do
pensamento desde que devidamente assinadas e dentro dos princípios de
educação e moralidades exigidos pelo nosso grau de cultura, “Nossa Terra”
vem triunfando semanalmente no conceito público, sem distinção de classe
ou partidária, mesmo porque é um órgão de imprensa nascido para servir a
Cruz das Almas e não a interesses particulares, qualidades estas
indispensáveis ao seu triunfo [...]72.
NossaTerra publicava textos sobre diversos temas. Por exemplo, em 1955, apareciam
notícias e propagandas sobre as campanhas de Juscelino Kubitschek e Plínio Salgado (18951975), concorrentes à Presidência da República. Assim, semanas antes das eleições, o
semanário estampava notas a favor da candidatura de Salgado: “Para mudar, vote em Plinio
72
NOSSOS AMIGOS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 26/09/1954. No 8. p.1.
41
Salgado; Para continuar qualquer um serve”73ou “Brasileiro vota em Plínio Salgado para
Presidente da República e confia nos destinos do Brasil”74.
Outro exemplo, neste sentido, podia ser visto nas publicações de notas referentes tanto
a Jorge Guerra quanto aos seus oponentes, membros da família Passos. Saudações do jornal
ao Prefeito Ramiro Passos e a membros da família Passos apareciam em edições do Nossa
Terra da seguinte forma: “Regressou [...] da capital do país, onde se encontrava há dias
tratando de assuntos que interessam a esta comuna, o Dr. Ramiro Eloy Passos, Prefeito do
município”75, ou, ainda: “[...]já regressou ao nosso convívio o Dr. Lauro Passos, figura de pró
da nossa vida social e política”76.
Contudo, algumas questões não podem ser deixadas de lado. No conjunto das matérias
analisadas no presente trabalho, existe uma quantidade significativa relacionada à defesa dos
trabalhadores do fumo, a Vargas, ao PTB, ao PSD e a Jorge Guerra. Não é difícil encontrar
explicações para as preferências política do jornal. A propósito, Verdival Pitanga, diretor do
periódico,Jorge Guerra, João Gustavo da Silva e outros colaboradores do jornal, eram
admiradores de Vargas, membros do PSD e do PTB, além de defensores dos trabalhadores
rurais e ligados ao sindicato do fumo. Neste sentido, Nossa Terra era um órgão de imprensa
bastante parcial no que se refere a determinado corrente política ou partidária.
Sobre a estreita relação de Jorge Guerra com o jornal Nossa Terra, por exemplo, nos
números 15, 32 e 33 do jornal, apareceram matérias com capa e fotos de obras realizadas por
ele quando prefeito da cidade, além de outras publicações nas quais o jornal enaltecia as ações
do gestor – como a construção de escolas, a pavimentação de ruas, etc. Vejamos a nota
intitulada “De parabéns o serviço público”:
Pela segunda vez, em sua brilhante gestão, o prefeito Jorge Guerra reajustou
os vencimentos do funcionalismo municipal, atendendo às condições de vida
que, calamitosamente, vêm afligindo ao povo e, muito especialmente aos
servidores públicos municipais [...].
[...] Louvamos a atitude do Prefeito Jorge Guerra, principalmente porque o
reajustamento em foco obedeceu ao critério magnificamente humano de dar
maiores aumentos aos menores ordenados. [...] convindo salientar que 90%
do funcionalismo é composto de adversários políticos do Prefeito.
Que outros Municípios apreciem, louvem e sigam o belo exemplo do
prefeito Jorge Guerra e pratiquem também a elevada política que se pratica
entre nós e que é o principal fator do nosso inegável progredimento77.
73
S/T; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 05/06/1955. No 44. p.2.
S/T; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 15/05/1955 No 41. p.5.
75
O PREFEITO ESTEVE NO RIO; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 19/06/1955. No 46. p.1.
76
DR. LAURO PASSOS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 19/06/1955. No 46. p.1.
77
DE PARABÉNS O FUNCIONALISMO MUNICIPAL; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 25/12/1954. No
21. p.2.
74
42
A preferência do jornal por Jorge Guerra se devia, dentre outras razões, aos estreitos
vínculos que o prefeito mantinha com o fundador de Nossa Terra. Durante o primeiro
mandato de Guerra, Verdival Pitanga atuou como seu secretário de governo, informação
presente na coluna “Sociedade”, edição de 5 de dezembro de 1954 daquele semanário local,
onde está descrito: “a serviço da prefeitura local, esteve em Salvador, [...] o nosso diretor e
secretário do Prefeito, Sr. Verdival Pitanga”78.
Em outra nota, um cronista do Nossa Terra, Zezito Magalhães, informa como
conheceu Pitanga:
Naquele dia, ao chegar a Prefeitura, encontrei o prefeito Jorge Guerra que,
após retribuir os meus cumprimentos, me apresentou um homem de tez
morena e olhar vivo, acrescentando: este é Verdival Pitanga, meu secretário.
[...] Além de um secretário eficiente, o Verdival revelara-se um homem de
boas maneiras, um verdadeiro amigo79.
Portanto, a proximidade entre Jorge Guerra e Verdival Pitanga explica a forma como
Nossa Terra apresentava questões ligadas à Prefeitura e ao então prefeito. Jorge Guerra, sendo
um dos mais assíduos colaboradores do Nossa Terra, aproveitava da sua fiel participação no
jornal e da ligação que tinha com o diretor do periódico para utilizar aquela imprensa como
instrumento de divulgação de sua gestão e suas campanhas.
Outra pessoa que influenciou muito o jornal, levando-o para uma provável perspectiva
de órgão de imprensa combativo e questionador, foi o comerciante João Gustavo da Silva. A
propósito, em quase todas as edições do semanário aparecem textos elaborados por João
Gustavo, dentre os quais, poesias, artigos e discursos políticos. O comerciante foi descrito por
aqueles que o conheceram como um autodidata, pois, tendo somente instrução primária,
mostrava-se capaz de escrever tão bem, de forma intensa e crítica. Como exemplo, vejamos o
que ele escreveu, em uma nota intitulada “Cuidado eleitor!”, defendendo o apoio ao candidato
a deputado estadual Heraldo Guerra:
[...] Como Getulista desde a infância, sempre lutei pela vitória de Getúlio
Vargas através do partido por ele criado para tornar os ricos deste país
menos ricos e os pobres menos pobres. E agora, depois da sua trágica morte,
os meus propósitos se alargaram, e se tornaram mais concretos. [...] Eu sou
78
79
ITINERANTES; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 05/12/1954. No 18. p.6.
HOMENAGEM A MEMÓRIA DO MESTRE; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 11/11/1956. No 93. p.3.
43
trabalhista e continuarei sendo porque sou Getulista, o que jamais deixarei
de ser [...]80.
Identificamos, diversas vezes, notas assinadas por João Gustavo em defesa dos
lavradores, dos trabalhadores de fumo e seu sindicato, de Getúlio Vargas e do trabalhismo. O
comerciante foi um agente político no contexto da pesquisa em curso, pois se tornou um dos
artífices da Frente Nacionalista em Cruz das Almas, fazendo parte da cúpula que constituiu o
movimento na cidade, além de ter sido eleito vereador pelo PTB, em 1958, sendo o primeiro
representante da FNCA a atuar no Legislativo Municipal, assunto que será aprofundado no
terceiro capítulo do presente trabalho.
O comerciante já publicava, desde 1955, artigos relacionados com tema referente ao
nacionalismo, mais especificamente sobre o monopólio estatal do petróleo. De acordo com
um dos seus amigos, “foi um brilhante nacionalista, notabilizou-se pela defesa do trabalhador
rural”81.
Sobre tal temática, João Gustavo da Silva, na matéria intitulada “Desperta Brasileiro”,
alertava para a necessidade da luta pelo monopólio estatal do petróleo:
Se você, leitor, não tema inda uma ideia formada sobre o assunto em foco,
não se deixe abater pelas opiniões dos de boa fé e pelas dos entreguistas,
vendilhões que, por si, estão sussurrando inocentemente, e lutando
bestialmente, pela entrega do nosso petróleo (...).
Não se deixe convencer pelas palavras vãs e irresponsáveis e pelo
impatriotismo dos que estão a disseminar o germe da escravização do Brasil.
Procure conhecer a verdade, raciocine e diga consigo mesmo: “O petróleo é
nosso!”82.
O mesmo articulista, em “O petróleo é Nosso”, afirmou:
[...] Graças a Petrobras, o nosso ambicionado “ouro negro” não nos foi
surrupiado pelos “trinta dinheiros” do caurinador capital estrangeiro (...).
O descontentamento de muitos não é por verem o nosso cruzeiro
palmilhando espaços e oceanos para ir adquirir dos “trustes” norteamericanos e inglês os derivados petroleiros que necessitamos, quando
debaixo dos nossos próprios pés há-os em demasia, dependendo somente de
desnacionalizarmos a riqueza com a qual, mais cedo ou mais tarde,
poderemos reconquistar a nossa emancipação econômica e política.
(...) Se “O petróleo é nosso” é uma demagogia, (...) é uma demagogia
patriótica, defensora do nosso patrimônio, pelo que, se necessário, deve ser
defendida pelo sacrifício de cada brasileiro.83
80
CUIDADO, ELEITOR!;Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 19/09/1954. No 07. p.1-2.
SÁ, Manoelito Roque. Actas e Atos: resumo histórico da Câmara Municipal de Cruz das Almas. Cruz das
Amas: Gráfica e Editora Nova Civilização Ltda., 2007. p.130.
82
DESPERTA, BRASILEIRO!;Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 04/09/1955. No 56. p.1.
81
44
Nas páginas do NossaTerra desfilaram também outros colaboradores, a exemplo de
Clodoaldo Costa – durante muitos anos diretor do Colégio Alberto Torres. Assíduo
colaborador do jornal, Costa publicou dezenas de crônicas sobre diversos temas, na coluna
“Do meu „Dossier‟”. O cronista assumia a influência recebida de Plínio Salgado (justificando
a publicações de notas sobre o antigo “chefe nacional”) e admitia ter pertencido ao
movimento integralista – como se pode verificar no número 122 de Nossa Terra, datado de 6
de outubro de 1957 84.
Mario Pinto da Cunha – conhecido como o “Historiador da Cidade” – publicou livros
sobre Cruz das Almas e foi também um ativo colaborador do jornal, contribuindo com
diversas notas sobre política, religião, cotidiano, além de poesias, na coluna “Flash”. Dentre
os seus livros estão “História de Cruz das Almas” e “Aquarela de Cruz das Almas”. Nelson
Magalhães – cronista do jornal – assinava suas crônicas intituladas “A crônica da cidade” com
o codinome ENE EME. Bartolomeu de Queiroz – publicava notas intituladas “Da minha
tribuna”, por sempre assinar da vizinha cidade de Sapeaçu – eram notas que se apresentavam
como avaliações da conjuntura política estadual e nacional. Osvaldo Sá85 – cronista, poeta,
literato, memorialista, natural da cidade de Maragojipe – passou a publicar em Nossa Terra
somente no último ano de circulação, a partir de 1956, inclusive escrevendo notas que
discutiam a questão nacionalista.
Portanto, Nossa Terra era um semanário destinado à população cruzalmense, tinha um
bom aspecto gráfico e uma quantidade razoável de assinantes. Durante quatro anos, o jornal
se destacou como um dos meios de comunicação na cidade, ao lado do serviço de autofalantes
Amplificadora Tamandaré e de outros periódicos mais pontuais, como O Torreano, órgão
estudantil e de duração efêmera.
Com o falecimento de Verdival Pitanga, em outubro de 1956, Nossa Terra passou a ter
como redatores Jorge Guerra e João Gustavo da Silva, sendo custeado, pelo que se pôde
observar, com as assinaturas que mantinha, mas passando por dificuldades financeiras.
Naquele momento, discussões referentes ao nacionalismo já ocupavam as páginas do Nossa
Terra. Notas intituladas “Triunfa a Petrobras”86 e “Apoiando a Petrobras”87 apareciam nas
83
O PETROLEO É NOSSO; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 14/08/1955. No 53. p.1.
PÁGINA SOB RESPONSABILIDADE DO DIRETÓRIO MUNICIPAL – PARTIDO DE
REPRESENTAÇÃO POPULAR; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 06/10/1957. No 122. p.3.
85
Para saber mais sobre Osvaldo Sá ver pesquisa da historiadora Ana Paula Rebouças Lessa, intitulada
“Maragojipe sobre a ótica de um cronista: As Histórias Menores de Osvaldo Sá”, entre outros textos sobre ele
publicados pela pesquisadora.
86
TRIUNFA A PETROBRAS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 25/03/1956. No 82. p.4.
87
APOIANDO A PETROBRAS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 01/05/1956. No 87. p.1.
84
45
páginas de Nossa Terra. Alguns articulistas do periódico já escreviam, por exemplo: “o
problema do petróleo brasileiro será resolvido pelo sistema estatal”88, ou, ainda: “„o petróleo é
nosso‟, e queiram ou não queiram os „entreguistas‟, muito breve estarão sob o exclusivo
controle da Petrobrás todas as atividades petroleiras do país”89.
Contudo, em outubro de 1957, um ano após a morte do idealizador, o semanário não
conseguiu permanecer ativo e findou as atividades. Na última edição, datada de 20 de outubro
de 1957, foi publicada, na capa, a nota intitulada “Aos assinantes de „Nossa Terra‟”, com a
seguinte informação:
Por motivos superiores à nossa vontade, comunicamos aos mesmos e ao
povo desta cidade, a decisão por nós tomada de suspender terminantemente a
circulação do nosso semanário, suspensão essa irrevogável até sejam por nós
conseguidas condições favoráveis a existência do mesmo, uma vez que as
nossas dificuldades são de ordem econômica e à manutenção de “Nossa
Terra” sempre foi e continua sendo deficitária.
A todos agradecemos penhoradamente pelas amabilidades e apoio com que
sempre nos distinguiram, agradecimento esse extensivo também aos nossos
dedicados colaboradores.90
Desse modo, ao longo do capítulo que aqui se encerra, apresentamos elementos que
mostram a repercussão do contexto político nacional na cidade de Cruz das Almas,
influenciando, desta forma, os getulistas e simpatizantes do PTB a defenderem teses
nacionalistas. Para João Gustavo da Silva, aquele foi um contexto que se fez em meio a um
“[...] sentimento pátrio, de objetivismo na defesa de um nacionalismo sadio e construtor
[...]”91. A luta em defesa do nacionalismo foi sendo incorporado por aqueles articulistas, que,
meses depois, organizaram o movimento nacionalista na cidade chamado de Frente
Nacionalista de Cruz das Almas.
88
TRIUNFA A PETROBRAS; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 25/03/1956. No 82. p.4.
A CRÔNICA DA CIDADE; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 18/09/1955. No 58. p. 2.
90
AOS ASSINANTES DE “NOSSA TERRA”; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 20/10/1957. No 124. p.1.
91
DESPERTA, BRASILEIRO!;Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 14/04/1957. No 98. p.2.
89
46
3
A FRENTE NACIONALISTA DE CRUZ DAS ALMAS (FNCA)
Neste segundo momento, elaboramos uma análise mais detalhada do movimento
político denominado Frente Nacionalista de Cruz das Almas. Assim, buscamos entender,
através da utilização de fontes jornalísticas e orais, como e quando o movimento se organizou,
os membros mais atuantes, algumas ações de agitação e propaganda e o seu funcionamento.
Inicialmente, colocamos em questão como o jornal Nossa Terra, já em sua fase final,
vinha noticiando sobre a formação de movimentos de cunho nacionalista em outras regiões do
país, dando indícios da necessidade de organizar um movimento similar em Cruz das Almas.
O mesmo jornal, naquele momento, preocupava-se também em esclarecer os leitores o
conceito de nacionalismo, explicitando a tese segundo a qual ser nacionalista não significava
pertencer às fileiras do comunismo, respondendo, assim, a uma das acusações feitas pelos
opositores da Frente de Cruz das Almas.
Alguns meses depois de organizada a FNCA, e com o fim das atividades de Nossa
Terra, foi criado O Nacionalista. Com o tempo, o periódico quinzenal se tornou o principal
órgão de representatividade da FNCA e arma fundamental de divulgação das teses
nacionalistas na cidade, publicando artigos enfatizando a questão nacionalista, críticas aos
“entreguistas” e ao imperialismo estrangeiro, além de intensificar a tese segundo a qual ser
nacionalista não era o mesmo que ser comunista.
3.1 Os discursos nacionalistas se intensificam
Em Cruz das Almas, a partir de 1957, as discussões referentes ao posicionamento de
uma política nacionalista para o país passaram a ocupar as páginas do periódico local Nossa
Terra. Naquele momento existia a preocupação dos nacionalistas locais de esclarecer que
Nacionalismo era diferente de Comunismo, já que a oposição os taxava de comunistas. A nota
“Tudo pelo Brasil”, assinada por João Gustavo da Silva e publicada em julho de 1957, aponta
para a preocupação. Segundo o articulista:
Se nacionalismo é comunismo, como querem e professam os nossos já
fragorosamente derrotados entreguistas, não nos resta outra alternativa,
senão proclamarmos vitorioso o comunismo em o nosso país.
Nacionalismo não é jacobinismo ou comunismo, como afirmam eles. É sim,
patriotismo, sede de progresso pelo qual possam os nossos trabalhadores do
47
campo e das fábricas libertarem-se dos vínculos escravagistas portadores de
misérias, fome e lágrimas que os acorrentam. Comunistas, como dizem eles
serem os nacionalistas, são eles próprios 92.
Na interpretação de Cyro Mascarenhas, um dos membros do movimento nacionalista
em Cruz das Almas, aquela afirmação em assumir-se nacionalista e não comunista se dava
pelo seguinte motivo:
As forças reacionárias de então, comprometidas com o capital monopolista
internacional, dominavam a imprensa falada e escrita, bem assim, a maioria
das instâncias de poder. Elas faziam questão de misturar as coisas para
impedir o crescimento do movimento. Embora os comunistas, por sua
capacidade de liderança nos movimentos operários e estudantil, sempre
estivessem em posição de vanguarda, era muito natural a Frente
Nacionalista, em todo território nacional, se preocupasse em distinguir os
dois conceitos para adquirir mais adeptos para a causa que estava acima dos
partidos.
Com o PCB na ilegalidade e a massacrante campanha
anticomunista assumida pelos americanos, o simples fato de alguém se
declarar comunista era motivo de discriminação em todos os setores da
sociedade 93.
Assim, em Cruz das Almas, a negação da simpatia ou adesão ao comunismo
relacionava-se, ao que parece, ao fato de o PCB estar na ilegalidade, sendo então perigoso
simpatizar ou integrar o partido diante daquela conjuntura. Não podemos deixar de analisar
que o movimento nacionalista local estava prestes a ser organizado e seus articuladores
buscavam a aprovação e o apoio da população local. Então, dada à situação em que se
encontrava o PCB, contrapor a luta nacionalista ao comunismo era uma estratégia de não
desgastar a imagem do movimento e, também, dos seus membros atuantes.
É interessante ressaltar, ainda, que, naquele período, setores da direita também se
diziam nacionalistas, ou seja, a luta nacionalista também contava com o apoio de alguns
setores conservadores e anticomunistas, que, por sinal, acusavam toda a esquerda de ser
comunista. Neste sentido, diferentes correntes comungavam com a luta nacionalista. Em Cruz
das Almas, a julgar pelas fontes investigadas, parece ter ocorrido algo semelhante. Em um
depoimento, Cyro Mascarenhas assinalou:
As bandeiras nacionalistas cabiam em amplo espectro ideológico, da
esquerda à direita. Veja você que até na UDN, considerada o partido mais
92
TUDO, PELO BRASIL!;Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 21/07/1957. No 111, p. 1.
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
93
48
reacionário de então, existiam alguns nacionalistas. Ser nacionalista não era
apanágio de comunista [...] 94.
Outro depoente, Everaldo Mascarenhas, afirmou que “[...] em Minas Gerais
mesmo tinha o Gabriel Passos, que era da UDN, deputado federal, um cara nacionalista”
95
.
Interessante enfocar que a FNCA foi um movimento onde se congregavam diferentes setores
da sociedade local, não se tratava de um movimento homogêneo. Assim, não descartamos a
possibilidade de que alguns dos seus integrantes fossem avessos ao comunismo ou tivessem
perspectivas políticas mais conservadoras. Para um integrante do movimento cruzalmense,
“até integralistas tinha na Frente Nacionalista”96. Vejamos o que o relato abaixo informa:
Tinha um ponto interessante a ser lembrado [...]. Seria daquilo de dizer que
nacionalismo não era comunismo [...]. Então nossos artigos todos se
baseavam “nacionalismo não é comunismo”, porque a direita nos taxava de
comunistas, e nós não éramos [...] 97.
Realmente não foi possível constatar a influência dos comunistas na gênese da FNCA
ou na sua perspectiva de luta inicial. O movimento, que surgiu sob a influência dos getulistas
locais e membros do PTB, aberto também aos nacionalistas mais conservadores, mostrava-se,
por vezes, mais simpático em relação às esquerdas. Exemplo era a atuação dos seus principais
articulistas em outras organizações como no Sindicato dos Operários do Fumo e no
Movimento Estudantil local. Assim, mesmo não tendo influenciado a FNCA em sua origem,
salientamos que existem indícios que apontam ter havido, a partir da década de 1960,
momento em que a luta nacionalista passa a ser mais amplamente defendida pelas esquerdas,
influência do comunismo na FNCA e também no ambiente político cruzalmense. No entanto,
avaliaremos estas questões com maior propriedade no capítulo seguinte.
Outra questão tomava as páginas do Nossa Terra: a propagação da luta nacionalista no
Brasil. Uma nota, informava o surgimento de núcleos, afirmando que “em boa hora se esboça
em todo país, o movimento da Frente Nacionalista”98. O mesmo texto finalizava procurando
estimular a juventude cruzalmense a fazer parte da luta nacionalista:
94
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
95
Depoimento do Sr. Everaldo Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em Agosto de 2010.
96
Depoimento do Sr. Everaldo Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das almas
(BA), em Agosto de 2010.
97
Depoimento do Sr. Everaldo Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das almas
(BA), em Agosto de 2010.
98
MOVIMENTO NACIONALISTA; Jornal Nossa Terra. Cruz das Almas, 21/07/1957. No 111, p. 3.
49
[...] Cabe também à briosa mocidade das escolas de Cruz das Almas, cidade
que se pode ufanar de seus estabelecimentos de ensino, a tarefa gloriosa de
vincular-se ao movimento nacionalista, com o compromisso sagrado de
também defender as nossas riquezas, a nossa soberania e, então, esmagar o
tentáculo com que nos envolve, horripilantemente, a hidra dos trustes, cuja
cabeça impera, terrível, ameaçadora, monstruosa, no mercado da Wall
Street99.
Veremos, no decorrer do presente trabalho, a mocidade presente na FNCA ia além dos
estudantes, pois também atuavam no movimento os operários do fumo, os camponeses e
outros habitantes do município. O que ocorreu foi que muitos estudantes da cidade passaram a
ser estimulados pelos primeiros adeptos das teses nacionalistas em Cruz das Almas.
Aproximar-se dos estudantes, principalmente dos secundaristas, buscando o seu apoio para
ampliar e fortalecer o movimento em Cruz das Almas, tornou-se uma estratégia dos
articuladores locais. Segundo um entrevistado, estudante na época, “a semente de tudo [...]
começou no Grêmio Lítero Esportivo Castro Alves, no Colégio Alberto Torres [...]. Quando
passamos pra Universidade, ai foi o DALA [...]”100. Outro depoente, afirma o seguinte:
Cursei o último ano do primário numa escola preparatória do próprio ginásio
onde prestei admissão, [...] o então Instituto Educacional Alberto Torres, que
depois foi estadualizado. Lá também fiz o curso científico e comecei
efetivamente a minha participação na política estudantil no Grêmio Lítero
Esportivo Castro Alves, do qual fui secretário geral. Participei de delegações
do Grêmio em congressos estaduais da Associação Baiana de Estudantes
Secundários – Abes e da luta pela estadualização do Colégio101.
Nota-se como outras demandas preenchiam as pautas da militância secundarista que
atuavam na agremiação estudantil do Colégio Alberto Torres, por exemplo, a luta pela
estadualização da escola. Contudo, naquele momento, os estudantes passaram a aderir, de
forma mais intensa, às teses nacionalistas, influenciados pelos precursores do movimento que
surgia na cidade. Encontros eram realizados no grêmio, convocando estudantes a se
engajarem na mobilização em defesa do nacionalismo. Muitos membros do movimento
nacionalista em Cruz das Almas assumiram ter iniciado a atuação política ainda como
99
Ibid.
Depoimento do Sr. Everaldo Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das
Almas (BA), em Agosto de 2010.
101
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira em Cruz das Almas
(BA) em novembro de 2012.
100
50
secundaristas102 e, a partir do engajamento, ingressaram na FNCA, dentre eles Cyro
Mascarenhas, José Alberto Bandeira Ramos, Everaldo Mascarenhas e Hermes Peixoto.
Algumas destas pessoas atuaram também no movimento estudantil da Escola
Agronômica da Bahia, pois terminavam o ginasial e ingressavam no curso superior de
Agronomia na EAB. Assim, já universitários, agiam no Diretório Acadêmico Landulfo Alves
(DALA)103, órgão de representação estudantil da Escola Agronômica da Bahia e que se
mostrava também inserido no movimento nacionalista local.
É interessante assinalar a participação dos estudantes da EAB na FNCA, pois atesta a
existência do comprometimento também dos universitários no debate que ocorria na cidade.
Comprometimento que ia além das reivindicações puramente acadêmicas.
Naquela época Cruz das Almas era talvez a única cidade interiorana
“universitária” e essa concentração de estudantes privilegiou o Município
que assumiu a liderança de uma mobilização política sem precedentes104.
Vale ressaltar que Cruz das Almas, sendo uma cidade dotada de curso superior,
possibilitava, perante a população, a formulação de uma reflexão crítica do contexto político
local, regional e nacional que vigorava.
Em nível nacional, naquele contexto, governava Juscelino Kubitschek, representando a
aliança PSD-PTB. O Presidente deseja, naquela gestão, dentre outras demandas, levar adiante
um projeto para o país de cunho industrializante e desenvolvimentista. O projeto foi
denominado, posteriormente, “nacional desenvolvimentismo”, pois o país buscava ativar o
desenvolvimento econômico e industrial dentro de uma proposta de defesa da riqueza
nacional. Para Maria Victoria Benevides, tratava-se de um projeto que “se distanciava do
nacionalismo getulista pela ênfase concedida ao capital estrangeiro”
105
, apesar de, no plano
econômico, segundo Jorge Ferreira, não ser negado à influência de Vargas, principalmente no
que se refere à política de industrialização.
[...] Esse nacionalismo de certa forma confundia-se com
desenvolvimentismo em termos de mobilização de recursos e de apoio e
102
Justifica-se aqui a lacuna nas explicações sobre o Movimento Estudantil Secundarista de Cruz das Almas,
pois ainda não existem trabalhos que analisem a atuação de tal movimento, sendo este um tema que necessita de
uma maior e mais dedicada investigação.
103
CARDOSO, Lucileide Costa. Entre o Movimento Estudantil e a Luta Armada: Eudaldo Gomes da Silva e o
“Massacre da Chácara São Bento”(1960-1970). In: Revista História Oral. V 15, n° 2, 2012, p.193-216.
104
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
105
BENEVIDES, Maria Victória. O governo Kubitschek: a esperança como fator de desenvolvimento. In:
GOMES, Ângela de Castro, (org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p. 12.
51
também no nível ideológico, graças ao grupo de intelectuais articulados em
torno do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) 106.
Ao longo do governo JK, os intelectuais do ISEB tornaram-se os responsáveis por
divulgarem o ideal nacional-desenvolvimentista. Sobre a gênese do ISEB, Lucília de Almeida
Neves Delgado informa que:
Nessa época, nos meios intelectuais, faziam escola as ideias difundidas pela
CEPAL (Comissão de Estudos para a América Latina). Segundo orientação
cepalina, a adoção de uma política industrializante era condição preliminar
para superação do subdesenvolvimento e também para se vencer os
obstáculos oriundos de uma economia internacionalizada, que prejudicava os
reais interesses nacionais.
Buscando fixar uma posição teórica nacionalista, alguns intelectuais
formaram o grupo Itatiaia, ainda em 1952. Desse grupo originou-se o
Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP), responsável
pela edição dos “Cadernos Nosso Tempo”, publicação de caráter
Nacionalista que marcou significativamente a produção intelectual
“engajada” da década de 50. Esses mesmos intelectuais acabaram por
fundar, durante o governo JK, o Instituto Superior em Estudos Brasileiros
(ISEB) 107.
Contudo, houve um momento em que alguns intelectuais que atuavam no ISEB
passaram a questionar a política desenvolvimentista, então praticada pelo governo JK,
colocando-a em consonância ao imperialismo e ao desenvolvimento associado com o capital
estrangeiro, o que favoreceu a uma ruptura na Instituição, a partir da década de 1960.
Na Bahia, naquele período, uma fase de perspectiva modernizadora, de busca pelo
desenvolvimento industrial, principalmente no setor agroexportador, projetava-se como
política econômica, segundo Paulo Fabio Dantas Neto. Assumindo o processo de busca pelo
avanço industrializante, o estado passava, então, a investir, por exemplo, na criação de
instituições estatais que viabilizassem a necessidade energética para sustentar uma possível
fase de elevação em níveis industriais.
A partir de Régis Pacheco (1951), a opção nacional-desenvolvimentista
ganha corpo nos trabalhos de implantação da hidroelétrica do Funil, na área
de saneamento e energia. O governo Antônio Balbino, com Rômulo Almeida
na Secretaria da Fazenda, aprofundou essa base no Estado criando a CPE, a
COELBA, a TEBASA (Cia Telefônica da Bahia), e convênios com a
PETROBRÁS para a pavimentação das rodovias do Recôncavo. O próprio
governo de Juracy Magalhães obteve uma nova linha de financiamento do
106
Ibid., p. 12.
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. Frente Parlamentar Nacionalista: utopia e cidadania. In: Revista
Brasileira de História, São Paulo/Anpuh, vol. 27, p. 68, 1994.
107
52
BNDE para a retomada da construção da Central do Funil, além da extensão
das linhas de transmissão para a zona do cacau e de outras pequenas centrais
hidroelétricas no interior, implantando definitivamente a COELBA. A obra
de Joanes (adutora e estação de tratamento) teve financiamento do BID –
Banco Interamericano de Desenvolvimento, sendo concluída pelo governo
seguinte 108.
Foi diante de uma perspectiva modernizadora e industrializante na Bahia e do
desenvolvimentismo para o país que, em Cruz das Almas, as teses de cunho nacionalista se
intensificaram, propondo um desenvolvimento econômico e social a partir de reformas no
capitalismo brasileiro. Ademais, a FNCA buscou se inserir no contexto político local,
lançando os seus representantes na corrida para o Legislativo Municipal e buscando elevar a
aceitação perante os cruzalmenses, como veremos no decorrer do presente trabalho.
3.2 Atuação, composição e funcionamento
No período em que a FNCA se organizou, a política, em Cruz das Almas, estava
polarizada em torno da disputa entre as famílias Passos e Guerra.
Quando surgiu a Frente Nacionalista, uma organização suprapartidária, a
política cruzalmense girava em torno de duas famílias tradicionais [...]. Os
Passos lideravam a União Democrática Nacional, ultraconservadora UDN, e
os Guerra o Partido Social Democrático, também conservador, porém um
pouco mais aberto, haja vista sua aliança frequente com o Partido
Trabalhista Brasileiro de raízes mais progressistas 109.
No campo dito progressista, além de Jorge Guerra, também apareciam na disputa por
votos figuras como o seu filho Evandro (vereador durante dois mandatos) e o irmão Heraldo
(deputado estadual que conquistava uma quantidade de votos significativa na cidade).
Portanto, consideramos os Guerra também como uma família que buscava dominar o espaço
político local, obviamente com projetos e perspectivas distintas do que se propunham os
Passos. Assim, se naquele momento vigorava a administração udenista de Ramiro Passos,
novas eleições foram realizadas e, em 1958, a FNCA lançou a candidatura de um dos seus
representantes ao Legislativo Municipal, nos seguintes termos:
108
OLIVEIRA JR., Franklin. A Usina dos Sonhos – Sindicalismo petroleiro na Bahia: 1954-1964. Salvador:
EGBA, 1996. p. 112.
109
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
53
A Frente Nacionalista de Cruz das Almas, cumprindo com os seus ideais de
patriotismo, de defesa dos reais interesses brasileiros e de harmonia entre
todos os povos do mundo, tem a satisfação de avisar ao povo de Cruz das
Almas, ter, em assembleia escolhido o Sr. JOSÉ RODRIGUES DA SILVA,
como seu candidato a Câmara de Vereadores, desta cidade, nas eleições de 3
de Outubro próximo, para o qual solicita os sufrágios do eleitorado
consciente desta terra, certa de que satisfará os justos anseios do povo
cruzalmense [...] 110.
Sobre o ponto em discussão, um entrevistado informou:
Na eleição de 1958, a Frente não apoiou nenhum dos candidatos a prefeito.
Mas apresentou um candidato a vereador de sua preferência. No início o
nome escolhido foi o do pastor da Igreja Batista José Rodrigues Silva que
mantinha uma coluna de caráter religioso em O Nacionalista. Mas os
reacionários caíram em cima propagando que ele era comunista, indispondoo com a própria Igreja Batista. Para não prejudicar a sua ação pastoral ele
terminou renunciando. João Gustavo da Silva foi o nome escolhido para
substituí-lo [...]. Foi eleito pela legenda do PTB que compunha a coligação
Democrática Trabalhista, tendo como candidato a prefeito Jorge Guerra,
derrotado por Fernando Araújo da UDN [...] 111.
.
A representatividade da FNCA no Legislativo Municipal, iniciada com a eleição de
João Gustavo e, posteriormente fortalecida com outros membros do movimento, eleitos no
pleito seguinte, será devidamente detalhada também no próximo capítulo. Contudo,
refletimos, aqui, primeiro, como, a partir do relato, podemos observar a existência, ainda, de
um ambiente marcado por acusações de que os nacionalistas locais eram comunistas, uma
estratégia dos ditos “reacionários” para desgastarem a imagem dos membros da FNCA, que
buscavam representação na política local, dada a impressão negativa associada aos
comunistas naquele período.
Em segundo, podemos notar como, após um ano de funcionamento, a FNCA buscava
se inserir no espaço político local, lançando um candidato à vereança, acabou sendo eleito
como o segundo mais votado da coligação PSD-PTB, conforme divulgou O Nacionalista:
110
S/T; Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 24/08/1958. No 11. p.1.
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
111
54
55
Imagem4: Recorte de jornal onde aparecem os números dos votos da cidade de Cruz das Almas no
pleito de 1958.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 26/10/1958. No 15. p.2.
O resultado foi publicado junto a uma nota, que afirmava: “Expressiva votação dos
candidatos nacionalistas João Gustavo da Silva, Clemens Sampaio, Fernando de Sant‟anna,
Hermógenes Príncipe e Hélio Ramos”112, propagandeando o aumento da representatividade
dos nacionalistas na política brasileira e local também, já que os números apresentados são os
votos da cidade. Não só os candidatos nacionalistas ligados ao PSD e ao PTB receberam boa
votação em Cruz das Almas. O comunista Fernando Santana (1915-2012), eleito pela legenda
do PTB, com 239 votos, foi o quarto candidato a deputado federal mais votado no município.
Assim, a partir dos dados apresentados, determinadas observações se fazem
necessárias. Vejamos, inicialmente, que a derrota de Jorge Guerra para o udenista Fernando
Carvalho de Araújo foi por escassos 46 votos – demonstrando o quanto Guerra e a coligação
PSD-PTB avançavam na luta pela conquista de votos e de aceitação. Outra questão é que os
vereadores mais votados naquela eleição faziam parte da coligação, ou seja, Evandro Guerra
(PSD) e João Gustavo (PTB), respectivamente. Assim, fortalece a interpretação segundo a
qual, naquele contexto político, paulatinamente, nacionalistas, petebistas e pessedistas
progrediam em Cruz das Almas.
Para o Legislativo Estadual, mais uma surpresa: o mais votado na foi Heraldo Guerra,
que, naquele momento disputou pelo PR, mas que estava ligado ao PSB e PSD113. O segundo
mais votado foi o udenista Lauro Passos. Em relação à Câmara Federal, destacaram-se, além
de Fernando de Santana, Clemens Sampaio (1924-2013), Hermógenes Príncipe (1917-) e
112
RESULTADO DAS ELEIÇÕES EM C. DAS ALMAS; Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 26/10/1958.
No 15. p.1.
113
Para mais informações sobre Heraldo Guerra enquanto deputado, ver sua ficha no site da Assembleia
Legislativa da Bahia - http://www.al.ba.gov.br/deputados/Deputados-Interna.php?id=425.
56
Hélio Ramos (1925-). Os eleitos deputados federais Fernando Santana e Hélio Ramos, ambos
integrantes da Frente Parlamentar Nacionalista, sempre que possível, se faziam presentes em
eventos e comícios em Cruz das Almas, evidenciando a articulação entre a FNCA e a FPN.
Segundo um entrevistado:
Existiam interlocuções da Frente Nacionalista de Cruz com movimentos
nacionalistas de vários pontos do país. [...] Muitos deputados, a exemplo de
Fernando Santana, Hélio Ramos, Neiva Moreira e outros, sempre
participavam em Cruz das Almas de concentrações cívicas fora do período
de eleições.114
Os perfis dos parlamentares nacionalistas apoiados pelos organizadores da Frente de
Cruz das Almas lançam novas luzes sobre as articulações entre o local e o nacional no
contexto político investigado. Por exemplo, o soteropolitano Hermógenes Príncipe foi eleito
deputado federal pela Bahia no pleito de 1958, segundo o Dicionário Histórico Geográfico
Brasileiro (FGV), pela Aliança Democrática Popular, constituída pelo Partido Social
Democrático e pelo Partido de Representação Popular (PRP), tornando-se, em junho de 1959,
vice-líder do PSD na Câmara. Reelegeu-se em outubro 1962, dessa vez pela Aliança
Democrática Trabalhista Cristã, que reuniu o PSD, o PDC, o Partido Trabalhista Nacional
(PTN), o Partido Social Progressista (PSP) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB)115.
Quanto a Clemens Sampaio, baiano de Amargosa, ainda segundo o Dicionário
Histórico Geográfico Brasileiro (FGV), elegeu-se deputado federal também em pelo Partido
Trabalhista Brasileiro e deixou a Assembleia baiana em janeiro de 1959, assumindo uma
cadeira na Câmara dos Deputados em fevereiro do mesmo ano. Em abril de 1960, tornou-se
vice líder da bancada do PTB na Câmara, sendo reconduzido ao cargo em março de 1962.
Em outubro daquele ano foi reeleito deputado federal pela Bahia, dessa vez pela Aliança
Trabalhista, coligação constituída pelo PTB, o Partido Republicano (PR) e o Partido de
Representação Popular (PRP)116.
No que diz respeito à eleição do vereador da FNCA, o jornal do movimento
consignou: “Vitória insofismável da Frente Nacionalista. João Gustavo: o 2o mais votado”. E
prosseguiu:
114
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
115
Mais informações sobre Hermógenes Príncipe, consultar Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós
1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
116
Mais informações sobre Clemens Sampaio, consultar Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
57
A Frente Nacionalista de Cruz das Almas, colocando-se acima da política
partidária [...] apresentou como seu candidato à Câmara de Vereadores local
[...]: - João Gustavo da Silva.
Como resultado dessa luta, impregnada do mais puro idealismo, o povo
independente de Cruz das Almas sufragou o seu nome com 439 votos, os
quais encarnam o apoio daqueles que já votam conscientemente, e que,
patrioticamente, se negam a vender o seu sagrado direito de votar.
Eis uma verdadeira vitória nacionalista; uma vitória do povo, uma vitória
dos humildes de Cruz das Almas.
Avante, pois, Nacionalistas cruzalmenses! Outras vitórias (que serão dos
oprimidos e injustiçados) nos aguardam e contam com o nosso decidido e
são patriotismo 117.
O eleito João Gustavo foi um dos criadores da Frente e militante nacionalista. Além do
vereador eleito João Gustavo, destacamos os nomes de alguns precursores do movimento em
Cruz das Almas: Hélio Pitanga, Mário dos Santos (conhecido como Mário Comunista),
Dionísio Lyra e José Alberto Bandeira Ramos, simpatizantes ou vinculados ao PTB local,
getulistas e influenciados pelo trabalhismo. Ademais, outros atores foram se agregando à
FNCA: estudantes secundaristas e universitários, alguns operários do fumo, ligados ao
Sindicato dos Operários do Fumo, trabalhadores rurais que atuavam na Associação dos
Tarefeiros da EAB, dentre outros, ampliando e fortalecendo o movimento nacionalista
local118. Segundo um entrevistado:
Outros membros atuantes eram Rito Rodrigues - pequeno empresário de uma
oficina mecânica; Maria Joaquina e Maria Benedita - operárias da indústria
do fumo; Baeta - dirigente de uma associação de trabalhadores; Martinho dirigente da Associação de Tarefeiros da Escola Agronômica da Bahia; [...]
Carlos Alves Costa - acadêmico de agronomia; Carlito de Almeida Costa dirigente da Associação de Motoristas Profissionais [...] 119.
Em termos partidários, podemos notar que na FNCA se reuniam distintos segmentos,
destacando-se, principalmente, a simpatia pelo PTB e pela Ala Moça do PSD. Segundo Lúcia
Hippolito:
Estreitamente vinculada à candidatura e ao governo de Juscelino, a Ala
Moça se organiza como grupo renovador, disposta a revitalizar os métodos
do PSD, adaptando-os às novas solicitações trazidas à discussão durante a
campanha e o governo Kubitschek.
117
VITORIA INSOFISMÁVEL DA FRENTE NACIONALISTA; Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas,
12/10/1958. No 14. p.1.
118
Estes importantes nomes para o movimento nacionalista de Cruz das Almas, assim como outros, serão, por
vezes, citados no presente trabalho e estão todos devidamente apresentados em anexo.
119
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
58
À “fase heroica” do governo – aprovação e implementação do Programa de
Metas e fim das hostilidades mais sérias ao nome de Juscelino, dentro e fora
do PSD - corresponde o período de ascensão e apogeu da Ala Moça. Na
“fase de consolidação” – fortalecimento dos laços entre Juscelino e a
oligarquia pessedista – iniciam-se o descenso e a agonia do grupo, já
claramente em dissidência com o comando partidário, e sua dispersão é
marcada pelo fracasso do PSD na sucessão presidencial de 1960120.
Ou seja, a Ala Moça nasceu junto com o governo JK e praticamente desapareceu com
o final do mandato do governo, mais especificamente após a derrota da candidatura do
marechal Henrique Teixeira Lott (1894-1984) à sucessão presidencial. Assim, “a derrota de
Lott leva à dissolução do grupo e à sua dispersão na Frente Parlamentar Nacionalista”121.
Além destes dois partidos, existem indícios, segundo os quais, a partir dos anos de
1962, a FNCA se aproximou do Partido Comunista Brasileiro, especificamente por meio da
figura de José Alberto Bandeira Ramos, um dos fieis articulistas do movimento nacionalista
cruzalmense e que atuou no PCB naquele período. Contudo, estes indícios serão analisados no
próximo capítulo. De toda sorte, a FNCA constituía-se como um movimento pluripartidário,
onde o que prevalecia era o propósito mais intenso de se compartilhar os princípios
nacionalistas.
Aquele foi um momento em que, também, se tornou recorrente a formação de
“frentes” políticas em algumas regiões do país, sendo o nacionalismo uma das bases de
reivindicação para o Brasil alcançar o desenvolvimento econômico e social. A já citada Frente
Parlamentar Nacionalista foi um exemplo. Ela se organizou no Congresso Nacional, no início
do governo de Juscelino Kubitschek, reunindo deputados de diferentes partidos políticos,
dentre eles integrantes da Ala Moça do PSD.
[...] Organizada em 1956, logo após a posse de Juscelino, tratava-se de uma
Frente suprapartidária que procurava no nacionalismo as soluções para os
problemas do país. Praticamente 60% de seus quadros eram oriundos do
PTB, do Grupo Compacto, e incluíam parlamentares de outros partidos,
como do PSD e da UDN. Para aderir à Frente bastava que o parlamentar se
comprometesse com as reformas de base e a defesa da economia nacional,
ameaçada pelo capital estrangeiro 122.
Os parlamentares tinham como compromisso defender no Congresso Nacional
políticas de cunho nacionalistas, na tentativa de condenar a ameaça imperialista, barrar a ação
120
HIPPOLITO, Lúcia P. De raposas e reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-64). Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p.166.
121
Ibid., p. 215.
122
FERREIRA, Jorge, João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 192.
59
do capital estrangeiro dentro do país, além de questionar o controle estatal relacionado à
exploração de recursos naturais e a regulamentação de remessas de lucros para o exterior. Um
membro do movimento nacionalista de Cruz das Almas explicou que na cidade “o movimento
era influenciado principalmente pela Frente Parlamentar Nacionalista que atuava no
Congresso Nacional”123.
O influxo decorria da similaridade entre as duas “frentes”: ambas apresentavam
composição pluripartidárias, embora o PTB fosse o partido mais presente, e da luta nacionalreformista. Sobre a FPN, Lucilia de Almeida Neves informa que:
A força e a fragilidade da FPN, paradoxalmente, se situavam no mesmo
ponto. Seu caráter suprapartidário lhe propiciava uma ampla margem de
ação e penetração junto ao governo, ao Congresso e ao eleitorado. Todavia
situava-se nesse mesmo caráter suprapartidário a fonte da fragmentação e
das divergências nela presentes124.
Não foi possível aprofundar sobre algum tipo de processo conflituoso de fragmentação
ou de divergências na FNCA, já que as fontes não nos esclareceram neste sentido, porém,
observamos como o pluripartidarismo do movimento cruzalmense talvez pudesse propiciar,
também, uma maior penetração junto ao eleitorado local e ao Legislativo Municipal, assim
como se configurou com a FPN. A hipótese pode ser confirmada pelo avanço da FNCA nas
eleições para o Legislativo Municipal. Outra influência da FPN no movimento de Cruz das
Almas pode ser observada pela recorrente presença na cidade de deputados que integravam
aquela frente no Congresso Nacional. Segundo um dos depoentes “[...] Fernando Santana,
Hélio Ramos e Neiva Moreira, [...] sempre participavam em Cruz das Almas de concentrações
cívicas fora do período de eleições”
125
. Os três deputados atuavam na FPN, com destaque
para o maranhense Neiva Moreira (1917-2012), do Partido Social Progressista (PSP), um dos
fundadores da aliança nacionalista.
Esses deputados eram sufragados com votos dos nacionalistas cruzalmenses
por suas participações firmes no Congresso em defesa do nacionalismo e das
causas populares. [...] Eles sempre estavam em contato com a Frente
Nacionalista como condutor das reivindicações nossas junto ao Congresso,
contribuindo para o debate de problemas nacionais em reuniões fechadas e
nas praças públicas de Cruz das Almas, mesmo fora da campanha eleitoral.
123
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
124
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. Frente Parlamentar Nacionalista: utopia e cidadania. In: Revista
Brasileira de História, São Paulo/Anpuh, vol. 27, p. 67, 1994.
125
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
60
Eram mentores também de subvenções do orçamento público para
sindicatos, associações de trabalhadores e órgãos assistenciais atuantes na
cidade 126.
Mais uma vez, os perfis dos parlamentares que apoiavam as lutas dos nacionalistas
cruzalmenses iluminam as relações entre o local e o nacional. Baiano de Irará, Fernando
Santana elegeu-se, em 1958, deputado federal pela Bahia na legenda do Partido Trabalhista
Brasileiro e, após assumir o mandato na Câmara, em fevereiro de 1959, filiou-se à Frente
Parlamentar Nacionalista (FPN), formada em 1956 por deputados do PTB, do PSB, do PSD e
mesmo UDN. Em outubro de 1962 reelegeu-se deputado federal pela Bahia, através da Aliança Democrática Trabalhista Cristã, integrada pelo PSD (partido para o qual se transferiu),
PSB, Partido Democrata Cristão (PDC), Partido Trabalhista Nacional (PTN) e Partido Social
Progressista (PSP). Exerceu o mandato até abril de 1964, quando teve seu mandato cassado e
seus direitos políticos suspensos com base no Ato Institucional nº. 1, editado pela junta militar
que assumiu a chefia do governo após a deposição do Presidente João Goulart pelo
movimento de 31 de março.
Comunista histórico, Fernando Santana viveu 15 anos, como exilado, no Leste
europeu. De volta ao Brasil, beneficiado pela Lei da Anistia, em agosto de 1979, voltou a
trabalhar como engenheiro em Salvador. Em novembro de 1982, elegeu-se deputado federal
pela Bahia, na legenda do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), assumindo
sua cadeira em fevereiro de 1983. Em 1985, com a legalização do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), ingressou nesta agremiação, deixando o PMDB127.
Natural de Recife, Pernambuco, Hélio Ramos transferiu-se para a Bahia e, em outubro
de 1950, concorreu a uma cadeira para a Assembleia Legislativa daquele estado na legenda do
Partido Republicano (PR), obtendo a primeira suplência. Novamente candidato em outubro de
1954, conseguiu eleger-se assumindo sua cadeira em fevereiro do ano seguinte. Sempre na
legenda do PR, foi eleito deputado federal pela Bahia no pleito de outubro de 1958, iniciando
seu mandato na Câmara em fevereiro de 1959, após deixar a Assembleia baiana. Integrou
ainda a Frente Parlamentar Nacionalista. Em outubro de 1962 reelegeu-se deputado federal
pela Bahia, agora na Aliança Democrática Trabalhista Cristã, constituída, dentre outras
agremiações, pelo PSD – partido para o qual se transferiu. Com a vitória do movimento de 31
de março de 1964, teve o mandato cassado no dia 10 de abril seguinte com base no Ato
126
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
127
Mais informações sobre Fernando Santana, consultar Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
61
Institucional nº 1, editado na véspera. Somente no governo do presidente João Figueiredo
(1979-1985) foi beneficiado pela Lei da Anistia, decretada em agosto de 1979128.
Já Neiva Moreira, natural da cidade de Nova Iorque, localizada no Maranhão, iniciou a
vida política ao se eleger deputado, no pleito de outubro de 1950, na Assembleia Legislativa
do Maranhão, através da aliança Oposições Coligadas, constituídas pela UDN, pelo PSD,
PTB, PSP, Partido Republicano (PR) e Partido Libertador (PL). Assumindo o mandato em fevereiro do ano seguinte, defendeu a criação da Petrobrás e da Eletrobrás e se tornou líder da
bancada oposicionista. No pleito de outubro de 1954, elegeu-se primeiro suplente de deputado
federal pelo Maranhão, na legenda do PSP. Porém, um recurso impetrado na Justiça Eleitoral
lhe garantiu a recontagem dos votos e, por conseguinte, a sua eleição.
Após concluir seu mandato na Assembléia Legislativa em janeiro de 1955, Neiva
Moreira assumiu sua cadeira na Câmara dos Deputados em 14 de fevereiro seguinte. Em
1956, tornou-se vice-líder da minoria e do PSP, tendo sido também um dos fundadores da
Frente Parlamentar Nacionalista. Novamente vice-líder do PSP, em maio de 1958, elegeu-se
em outubro daquele ano deputado federal pelo Maranhão na legenda das Oposições
Coligadas, que reuniam então o PR, a UDN e o PDC. Adepto do princípio da
autodeterminação dos povos e da posição não alinhada em relação aos grandes blocos, apoiou
a Revolução Cubana de 1959 e o reatamento das relações diplomáticas e comerciais com a
União Soviética, em 1961. Reeleito em outubro de 1962 na legenda do PSP, tornou-se, ainda
durante o governo de João Goulart, um dos mais incisivos defensores das Reformas de Base,
atuando em consonância com Leonel Brizola (1922-2004), então governador do Rio Grande
do Sul.
Neiva Moreira teve seu mandato cassado pela Junta Militar no dia seguinte à edição do
Ato Institucional nº 1 de 9 de abril de 1964. Ainda naquele mês, o novo governo proibiu a
edição do diário maranhense Jornal do Povo, de sua propriedade, cuja sede foi,
posteriormente, incendiada. Após vários meses de prisão em quartéis e fortalezas do Rio e de
Brasília, exilou-se na Bolívia, onde dirigiu o jornal Clarín, que apoiava as conquistas da
revolução boliviana de 1952. Também esteve exilado no Uruguai, na Argentina, no Peru e no
México. Beneficiado pela Lei da Anistia, retornou ao Brasil em outubro de 1979. Com a
extinção do bipartidarismo e a subseqüente reformulação partidária, aliou-se a Leonel Brizola
na luta pelo controle da sigla do PTB, cujo direito de uso foi concedido pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) ao grupo liderado por Ivete Vargas (1924-1984). Com a perda da
128
Sobre Hélio Ramos, consultar Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed.
FGV, 2001.
62
sigla, Brizola e seu grupo fundaram em 1980 o Partido do Trabalhismo Democrático (PTD),
que logo depois recebeu a denominação atual: Partido Democrático Trabalhista (PDT), do
qual Neiva tornou-se membro do diretório regional no Maranhão129.
Assim, sob a influência da FPN, em meados do ano de 1957 organizou-se a Frente
Nacionalista de Cruz das Almas. Segundo um dos precursores, o movimento nacionalista
local “era formado por um grupo de pessoas, heterogêneo, na idade inclusive, mas que tinha
um ponto de união que era a compreensão de que era necessário se lutar por outro modelo de
desenvolvimento para o Brasil [...]”130.A FNCA buscou difundir algumas táticas de agitação e
propaganda na cidade. Comícios fora de época eram recorrentes. Além das constantes
reuniões que os membros organizavam, ocorriam comícios nas portas das fábricas de charutos
da cidade. Um entrevistado explica que:
[...] você vê como em Cruz das Almas [...] a turma mobilizava, eu estava
fazendo comício na porta da fábrica quando a policia chegou e foi difundida.
[...] Era onze e meia da manhã, quando soava a sirene, que os trabalhadores
saiam e a gente pegava e improvisava, na garganta mesmo131.
Dentre as ações promovidas pelos integrantes da FNCA, existe um fato relatado por
quase todos os entrevistados, valorizado como relevante na atuação da FNCA e que repercutiu
intensamente pela cidade: o sequestro de uma réplica de torre de petróleo, que seria
inaugurada em uma praça da cidade, homenageando a Petrobrás, em 1959.
Às vésperas da inauguração do monumento, com a presença confirmada de algumas
autoridades, estudantes, membros da FNCA e da população em geral, o símbolo foi retirado
do local por alguns estudantes universitários, gerando comoção entre os nacionalistas, que
acusaram os “reacionários” pelo sequestro da torre. Mais um elemento para o conflito
ideológico: a inauguração coincidia com as homenagens à memória de Getúlio Vargas.
[...] erguida sob os auspícios da Frente Nacionalista [...], a torre, construída
pelo talento do operário cruzalmense, foi colocada no local, às vésperas de
sua inauguração que aconteceria num domingo. Para surpresa geral, a torre
desapareceu na madrugada do domingo. A solenidade já estava programada,
convites expedidos para autoridades políticas e a população. O que fazer?
[...]. Resolveu-se encomendar às pressas, uma pequena réplica medindo mais
ou menos um metro. Ela seria exibida no verdadeiro comício em que se
transformou o que seria uma simples solenidade. Foi redigido um manifesto
129
Mais informações sobre Neiva Moreira, consultar Dicionário Histórico Geográfico Brasileiro (FGV).
Depoimento do Sr. José Alberto Bandeira Ramos, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz
das Almas (BA), em janeiro de 2013.
131
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas Rodrigues, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz
das Almas (BA), em Agosto de 2010.
130
63
denunciando à população a suposta ação criminosa perpetrada por
entreguistas reacionários, lacaios do truste internacional. O alto falante
móvel começou a circular por todas as ruas, divulgando o manifesto e
confirmando a realização do evento, ainda que com uma torre simbólica.
Nesse ínterim descobriu-se que o monumento fora arrastado e largado num
matagal da Escola Agronômica. Foi obra de alguns estudantes que,
retornando da farra de fim de semana, resolveu fazer a sacanagem. Mas
aquela altura isso pouco importava. O importante era tirar proveito do fato.
[...] No final da história, quando a praça já estava lotada, os ânimos
exaltados, [...] eis que é anunciada a chegada da torre. Era trazida por uma
comitiva de estudantes que resolvera devolvê-la a tempo de ser devidamente
inaugurada. Era de arrepiar ver o povo, em delírio, aplaudindo a chegada
torre! Uma apoteose [...] 132.
O sequestro da torre que, segundo alguns depoentes, foi apenas uma brincadeira de
estudante, impensada, resultou em uma mobilização de grande impacto na cidade. Entretanto,
existe uma interpretação de outros integrantes da FNCA, que presenciaram o evento, de que o
rapto do monumento não teria sido mera brincadeira de estudantes farristas. Existe a suspeita
que alguns militantes da frente, com o auxilio dos universitários, organizaram a ação,
retirando a torre da praça com a intenção de colocar a culpa nos “reacionários”, numa
tentativa de comprometer a imagem dos adversários perante a população.
Contudo, trata-se de meras especulações que as fontes até aqui investigadas não
elucidaram o problema. O que conseguimos avaliar foi que, inicialmente, os nacionalistas não
esperavam uma repercussão tão grande e, de fato, os frentistas utilizaram o acontecimento
para o proselitismo das suas ideias junto à população de Cruz das Almas.
Ademais, existe a interpretação de que o movimento nacionalista passou a ser visto de
forma mais positiva na cidade depois do evento, devido, ao que parece, a repercussão do
evento e a participação dos estudantes naquele processo. Um entrevistado afirmou que:
Quem ficou a frente desse movimento de roubo de torre [...] foram os
estudantes. O Lyra, o Hélio Pitanga, que não eram estudantes, eles não
apareceram, eles colocaram os estudantes na dianteira, pois os estudantes
eram pessoas queridas em meio à população local [...] 133.
Para outro entrevistado, “a mocidade estudantil chamou para si a tarefa de liderar em
Cruz das Almas a luta pela emancipação econômica do Brasil, tendo como principal vetor a
132
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas Rodrigues, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das
Almas (BA), em Agosto de 2010.
133
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas (BA)
em maio de 2012
64
defesa da Petrobrás e da indústria genuinamente nacional [...]”134. Não podemos negar a
importância da atuação estudantil na FNCA, nas suas ações e como a causa nacionalista
passou a ser ferreamente defendida por alguns deles na cidade. Tratava-se ali de uma cidade
universitária, como já foi aqui referendado. Ao mesmo tempo, reafirmamos que não se pode
perder de vista que a atuação no movimento nacionalista em Cruz das Almas foi muito além
da participação exclusivamente estudantil. Assim, o grupo de jovens mobilizou-se, reunindose na sede da organização, objetivando estabelecer contato com a população, através de
palestras, conversas e discursos. Com o auxílio de um serviço de alto-falante, que
normalmente era ligado às 11 horas e 30 minutos, um horário estratégico devido ao grande
fluxo de pessoas no centro da cidade, os integrantes da FNCA comentavam e discutiam, por
exemplo, ensaios e artigos publicados em O Nacionalista.
3.3 O Nacionalista: porta-voz do movimento cruzalmense
Com a formação da FNCA, os seus integrantes sentiram a necessidade de criar um
órgão que pudesse divulgar as teses nacionalistas na cidade. Assim, foi então fundado o jornal
O Nacionalista. Como assinalamos,Nossa Terra, em sua fase final, já vinha apresentando
textos de cunho nacionalista. Mas, frente às dificuldades financeiras, o jornal foi extinto. Em
seguida, surgiu O Nacionalista. Segundo um dos entrevistados,
[...] o jornal O Nacionalista era impresso na Tipografia Nossa Terra, que
pertenceu ao velho Verdival Pitanga, fundador e editor do Jornal Nossa
Terra, que precedeu O Nacionalista. Com a morte de Verdival, o Nossa
Terra deixou de circular e Hélio Pitanga, seu filho, herdou o comando da
tipografia. O Nacionalista teve apoio incondicional para ser composto
naquela gráfica. Recebia também anúncios do comércio local e assinaturas
de leitores cuzalmenses e de outros municípios que ajudavam na sua
manutenção 135.
Assim, em abril de 1958, os integrantes da FNCA criaram O Nacionalista, que se
tornou então o órgão representativo do movimento, servindo como a principal arma de
divulgação dos questionamentos referentes às lutas pelos interesses nacionais. Em seu
primeiro número, o jornal publicou nota e artigos que saudavam a chegada da imprensa
nacionalista na cidade. Na primeira página, uma nota informava:
134
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
135
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
65
Brasileiro, Baiano, Cruzalmense! Em vossas mãos, o primeiro número de “O
NACIONALISTA”, órgão inspirado pelo amor e pela dedicação de
estudantes cruzalmenses, ávidos por oferecer sua decidida contribuição para
o soerguimento de um Brasil realmente livre, senhor dos seus atos. [...]
Seu lema: - UM JORNAL REALMENTE BRASILEIRO PARA OS QUE
DE FATO SÃO BRASILEIROS – bem define o seu destino.
[...] focalizando tão somente os interesses da Pátria espoliada pela maioria
dos que se dizem seus defensores, “O NACIONALISTA”, afirmamos, será a
cristalina concepção de um nacionalismo repleto de sinceridade e
transbordante de austeridade para desmascarar todo aquele que surja
obstaculizando a marcha do Brasil. [...]
CRUZALMENSE, BAIANO, BRASILEIRO! De nós, jovens, está a
depender o Brasil de amanhã, e de vós, outros, o êxito da nossa luta.
AJUDAI-NOS!136
Colocar a mocidade estudantil em destaque continuava a ser uma tática do movimento
em Cruz das Almas e O Nacionalista apresentou-se à comunidade local dando continuidade
ao modelo que já era adotado por Nossa Terra. Vale ressaltar que O Nacionalista não foi um
órgão exclusivo do movimento estudantil. Havia, sim, a participação de estudantes, mas o
periódico representava a voz dos que lutavam na cidade em defesa do nacionalismo – e muitas
das vozes não eram somente dos discentes. Ao que parece, o rapto do monumento foi
realmente uma ação desencadeada pelo grupo fundador do movimento nacionalista em busca
de maior aceitação junto à população local, daí explorar a atuação da juventude.
Além de Hélio Pitanga, dono da gráfica Nossa Terra, atuavam em O Nacionalista
outros articulistas, tais como: João Gustavo, José Alberto Bandeira Ramos, Cyro Mascarenhas
Rodrigues, Hermes Peixoto, Luciano Faro, Everaldo Mascarenhas, dentre outros. O periódico
se caracterizava um órgão de imprensa que propunha realizar a crítica da realidade local e
nacional. Assim, o periódico era direcionado à população de Cruz das Almas, mas não
podemos deixar de levar em consideração que, na década de 1950, umas das poucas cidades
universitárias do interior baiano, senão a única, o município convivia com uma baixa taxa de
alfabetização – o que justifica a possibilidade de não ser possível o periódico ter tantos
leitores. Segundo dados do IBGE, encontrados na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros,
em Cruz das Almas “conforme censo demográfico de 1950, da população de cinco anos e
mais, apenas sabiam ler e escrever 28,2%”137.Acreditamos, também, que a resistência de
potenciais leitores se devia ao caráter fortemente ideológico de algumas publicações,
representado nos artigos elaborados pelos integrantes da FNCA.
136
MAIS UM FACHO A TRANSLUZIR DENTRO DA NOITE...; Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas,
04/04/1958. No 01. p.1.
137
Enciclopédia dos municípios brasileiros. IBGE, volume XX. Rio de Janeiro, 1958, p. 207.
66
Muitas vezes, os artigos publicados em O Nacionalista oportunizavam discussões
mais densas. Em meio às notícias e charges, um articulista do jornal buscou explicar aos
leitores os conceitos de comunismo, nacionalismo, imperialismo e internacionalismo. Os
artigos, constituídos por uma série de cinco textos, eram de autoria do estudante José Alberto
Bandeira Ramos, que atuou no movimento secundarista do Colégio Alberto Torres.
Posteriormente, estudou na Escola Agronômica da Bahia e se tornou professor daquela
Instituição. Conhecido por sua atuação política, Bandeira Ramos presidiu o Diretório
Acadêmico Landulfo Alves da EAB e também foi um dos principais ativistas da FNCA e um
dos fundadores do organismo. Nos depoimentos dos contemporâneos, o jovem intelectual era
aparece como um dos principais articulistas do movimento nacionalista de Cruz das Almas138.
No primeiro artigo da série “Nacionalismo e Comunismo, Imperialismo e
Internacionalismo”, Bandeira Ramos procurou esclarecer o objetivo do trabalho:
[...] Minha pretensão ficará redimida, se conseguir orientar a atenção das
pessoas sinceras, mormente de vocês, jovens estudantes de Cruz das Almas,
para os problemas que nos afligem na atualidade. [...] 139.
Trazemos esta questão pontual para sublinhar a hipótese segundo a qual os textos do
jovem intelectual expressavam uma tentativa da FNCA de instruir a população em relação a
conceitos tão densos, objetivando politizar os cruzalmenses. O próprio Bandeira Ramos, em
meio a uma entrevista, revelou:
Com relação aos intuitos [...], minha pretensão pessoal com aquele artigo
[...], havia o intuito sim de aprofundar a análise das coisas e com o objetivo
de formação, aquilo poderia abrir caminho para realização de cursos de
formação, que não vieram a ocorrer porque poucos anos depois houve o
movimento organizado da repressão [...] 140.
Além dos artigos assinados por Bandeira Ramos, outros surgiam com forte apelo
ideológico e crítico. Notas intituladas “Você e os Trustes”, “Libertação Nacional”, “O
estudante e o nacionalismo”, “O imperialismo moribundo”, “Eles são culpados”, “O
138
Ressaltamos aqui o quanto cabe uma devida atenção à trajetória política do Sr. José Alberto Bandeira Ramos.
Além da sua atuação na FNCA, no movimento estudantil secundarista e universitário em Cruz das Almas,
Bandeira teve participação ativa no PCB a partir da década de 1960, sendo preso pelos militares em 1964. Fuga,
prisão, tortura, ligação com líderes comunistas da época estão em questão na trajetória política de Bandeira
Ramos. Contudo, destacamos a inviabilidade de tempo para ampliar tais questões neste trabalho. Portanto,
seguem como perspectiva para pesquisas futuras.
139
NACIONALISMO E COMUNISMO, IMPERIALISMO E INTERNACIONALISMO; Jornal O Nacionalista.
Cruz das Almas, 20/04/1958. No 02, p.3.
140
Depoimento do Sr. José Alberto Bandeira Ramos, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz
das Almas (BA), em janeiro de 2013.
67
entreguista e o povo”, dentre outros, foram publicados no jornal. Os trustes internacionais
eram combatidos com propagandas de estímulo à compra dos produtos brasileiros, como na
nota abaixo:
Imagem5: Recorte de jornal onde se critica as empresas internacionais e estimula a compra de
produtos nacionais.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 05/04/1958. No 01. p.1.
Outra tese muito cara à Frente Nacionalista de Cruz das Almas (e constantemente
divulgada no periódico) era o combate aos “entreguistas”, ou seja, aqueles que visavam
entregar as riquezas nacionais ao capital estrangeiro.
O que mais se destacava, com relação à crítica aos “entreguistas”, eram as charges
que, segundo um dos colaboradores de O Nacionalista, “eram feitas por um estudante
chamado Washington, cujas vítimas eram figuras como [...] Carlos Lacerda, Assis
Chateubriand, Roberto Campos [...], pela sua grande devoção aos Estados Unidos, dentre
68
outros”
141
. As charges eram publicadas no jornal como apresentadas abaixo sob o título de
“Nossos Entreguistas”.
Imagem6: Recorte de jornal onde aparecem charges criticando os “entreguistas” I.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 20/04/1958. No 02. p.2.
Esta, por exemplo, era uma charge que representava Ernani Amaral Peixoto (19051989), um dos fundadores do Partido Social Democrático e que se tornou a maior liderança da
seção fluminense do PSD, a qual presidiria de 1951 até 1965. Foi embaixador brasileiro nos
Estados Unidos entre os anos de 1956 e 1959,142 o que pode ter acirrado as críticas dos
nacionalistas de Cruz das Almas a ele. Casado com Alzira Vargas (1914-1992), segundo
141
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em Outubro de 2010.
142
Fonte: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
69
depoimento, “em tom jocoso era chamado de Alzirante”143, junção de Alzira com Almirante,
pela sua formação junto a Escola Naval do Rio de Janeiro.
Imagem7: Recorte de jornal onde aparecem charges criticando os “entreguistas” II.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 04/05/1958. No 03. p.4.
Esta outra charge exposta em O Nacionalista satirizava o general Juarez Távora
(1898-1975), um dos comandantes militares da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas
ao poder, contudo, em 1954, participou da trama política que o levou o Presidente ao suicídio.
Filiado a UDN desde 1945, lançou-se candidato à Presidência da República, perdendo a
disputa para Juscelino Kubitscheck, em 1955.A partir do ano seguinte, envolveu-se no debate
em torno do petróleo brasileiro, defendendo a participação do capital estrangeiro em sua
exploração e travando acirrada polêmica com os setores nacionalistas das Forças Armadas.
143
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
70
Atuou na oposição ao governo do presidente João Goulart e apoiou o golpe civil-militar, em
março de 1964. Com o início do regime militar, dirigiu, até março de 1967, o Ministério da
Viação e Obras Públicas.144
Imagem8: Recorte de jornal onde aparecem charges criticando os “entreguistas” III.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 01/06/1958. No 05. p.3.
Em outra charge, aparece em destaque o empresário Assis Chateaubriand (1892-1968),
dono dos Diários Associados, a maior rede de comunicação naquele período, que, durante o
seu auge, contou com vários jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência
telegráfica.Com a frase escrita abaixo da charge, afirmando: “Chama-lo de canalha seria
ofender a classe, chamamo-lo, portanto, de Chatô”145, os nacionalistas locais assumiam sua
aversão poraquela figura. Chatô caracterizou-se pelas posturas favoráveis ao capital
estrangeiro e aos imperialismos britânico e americano. Era temido pelas campanhas
144
145
Fonte: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
NOSSOS ENTREGUISTAS (III); Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 01/06/1958. No 05. p.3.
71
jornalísticas que movia, como a em defesa do capital estrangeiro e contra a criação
da Petrobras.146
Imagem9: Recorte de jornal onde aparecem charges criticando os “entreguistas” IV.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 10/08/1958. No 10. p. 4.
Nesta última charge, vejamos como O Nacionalista retratava um entreguista
discursando, em tom de veemência e de intensidade. Porém, às escondidas, acendia o pavio de
um canhão, simbolizando a tese segundo a qual o discurso não se sustentava diante da
vontade real de destruir o país. Ao que parece, os nacionalistas de Cruz das Almas quiseram
deixar patente que as ações e os interesses dos “entreguistas”, (antinacionalistas, imperialistas,
contrários à Petrobras, etc.) se sobrepunham a qualquer discurso exposto por eles. Segundo
Cyro Mascarenhas, um dos membros da FNCA e colaborador de O Nacionalista, esta última
146
Fonte: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
72
charge representava a figura de Juracy Magalhães, “ex-governador da Bahia e Ministro do
governo ditatorial. Foi autor de uma frase que ficou notabilizada como a mais emblemática
posição entreguista: „o que é bom para os americanos é bom para o Brasil‟”147.
Em 1950, após o início do segundo governo Vargas, Juracy Magalhães foi nomeado
presidente da Companhia Vale do Rio Doce e, em seguida, adido militar brasileiro nos
Estados Unidos. Em 1954, presidiu a recém-fundada Petrobrás. No final daquele ano, elegeuse para o Senado pela UDN baiana. Em 1957, passou a presidir a UDN nacional. Em 1959,
voltou ao governo da Bahia, onde permaneceria até 1963. Ainda em 1959, perdeu para Jânio
Quadros a indicação como candidato udenista à eleição presidencial do ano seguinte. Em
1964, participou da conspiração que derrubou o presidente João Goulart148.
É válido notar como, em todas as charges, aqueles que foram citados pelo jornal como
pretensos entreguistas, ao longo das suas trajetórias políticas, mostraram-se alinhados aos
interesses estrangeiros e contrários aos nacionais. Como a Petrobras era símbolo do
nacionalismo naquela época, os que se manifestavam de algum modo contra ela, como os
políticos
aludidos
nas
charges,
eram
tachados
de
entreguistas.
Assim,
era
considerado entreguista todo brasileiro que tinha postura antinacionalista nas questões
econômicas, sociais e políticas. Neste sentido, os membros da FNCA os combatiam, valendose também dos textos e das ilustrações publicadas em O Nacionalista.
Ademais, a partir da análise das 26 edições utilizadas no presente trabalho,
observamos que as atividades de elaboração do jornal estiveram, por vezes, sob a direção de
alguns estudantes, ficando a cargo deles os postos de redator ou diretor da publicação–
Luciano Sobral de Faro foi o primeiro diretor e José Alberto Bandeira Ramos o redator. Com
a partida de Luciano Faro para o estado de Sergipe, o seu nome passou a ser estampado no
jornal como fundador e a direção ficou sob a responsabilidade de Bandeira Ramos, tornandose, então, redator outro discente, Hermes Peixoto Filho. A propósito, uma nota de O
Nacionalista,intitulada “Luciano Sobral de Faro: um exemplo a seguir”, informou o
afastamento do estudante relação à FNCA, devido ao retorno a Aracaju, além de homenagear
o papel desempenhado na luta nacionalista:
Retornando ao seio de seus queridos familiares, viajou [...] o jovem e
prestigioso estudante Luciano Sobral de Faro.
[...] Jovem estudioso de nossos problemas sociais e sensível as aspirações
populares, colocou-se com invejável bravura e espírito público à frente do
147
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
148
Fonte: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
73
Movimento Nacionalista Estudantil desta cidade, fundando este quinzenário
– O Nacionalista -, cuja fama transpôs nossas fronteiras. [...] E o querido
fundador de “O Nacionalista”, que até a pouco dirigiu corajosamente este
quinzenário e esta luta, foi o vitorioso general destas primeiras batalhas.
[...] Não choramos a sua ausência porque na liderança da mocidade
estudantil cruzalmense o espírito de Luciano Sobral de Faro presidirá sempre
todos os nossos atos e atitudes, orientando “O Nacionalista”, dirigindo novas
batalhas, esclarecendo o povo, até a vitória final, DIFICIL, MAS CERTA!
dos princípios porque lutamos dos nossos supremos ideais nacionalistas
[...] 149.
Com relação à atuação de O Nacionalista na cidade, voltamos a reafirmar que, apesar
da participação dos estudantes na organização do jornal, inclusive na direção, assim como no
movimento nacionalista local, outros ativistas, que não eram estudantes, também publicavam
artigos, elaboravam ou distribuíam o jornal, a exemplo de João Gustavo, Hélio Pitanga, Lyra
(funcionário dos Correios), dentre outros. Os integrantes da FNCA buscavam manter um bom
aspecto visual do periódico, apesar de composto e impresso em máquinas antigas. Eles
entregavam o jornal em algumas residências, no Colégio Alberto Torres, na EAB e em outros
locais. Houve tentativas de atrair mais assinantes para o periódico, mas não foram bem
sucedidas. As experiências se deram por conta da dificuldade de cobrir os custos do jornal
que, na maioria das vezes, eram financiados por comerciantes da cidade que simpatizavam ou
atuavam na FNCA. Um dos financiadores assíduos era João Gustavo, comerciante, membro
da FNCA e vereador na cidade pelo PTB.
Os depoentes afirmam que Hélio Pitanga, para manter a distribuição do jornal, chegou
a passar por dificuldades financeiras.
Hélio colocou a luta política acima de tudo, sacrificando a própria família.
Poderia se tornar um empresário bem sucedido, mas preferiu dedicar-se de
corpo e alma à causa dos oprimidos e injustiçados. Foi ele quem organizou
em Cruz das Almas os Clubes de Mães Pobres com objetivo de canalizar as
reivindicações das mulheres operárias a instâncias decisórias e outras formas
de luta150.
O Nacionalista saía quinzenalmente e tinha, em média, cinco páginas. Nele,
publicavam-se artigos, charges, ensaios, crônicas, além de reproduções de matérias de outros
jornais. Sobre o ponto em debate, assinalamos que uma fonte de inspiração para O
Nacionalista foi o periódico carioca O Semanário(1956-1964).
149
LUCIANO SOBRAL DE FARO: UM EXEMPLO A SEGUIR;Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas,
29/02/1959. No 24. p. 3 e 4.
150
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
74
O periódico “O Semanário” foi fundado pelos jornalistas Oswaldo Costa e
Joel Silveira em abril de 1956, possuindo uma tiragem de cerca de 60 mil
exemplares, circulava em todo o território nacional. Sua redação funcionava,
durante os seus primeiros anos, em dois endereços, no Rio, na Avenida
Presidente Vargas 502, 8º andar, e em São Paulo, na Rua 15 de Novembro
137, 7ª andar. Circulando por cerca de 8 anos, foi uma das mais longas
publicações nacionalistas do período. O periódico surgiu num momento de
arrefecimento da crise política deflagrada após o 11 de novembro de 1955.
Assegurada a normalidade democrática, “O Semanário” se debruçava sobre
as mais diversas temáticas da agenda política e econômica brasileira 151.
Um entrevistado confirma que existia, em O Nacionalista, “também transcrições de
jornais de outras regiões e seus escritores, como Gabriel Passos de O Semanário” 152. De fato,
estampado na primeira página do número 21 do jornal, datado de 18 de Janeiro de 1959, há
um texto assinado por Gabriel Passos153, que foi transcrito de O Semanário.
O texto, intitulado “Nacionalismo não é comunismo”, reafirmava as teses do debate, já
aludidas neste trabalho. Ou seja, na redação de O Nacionalista, o desconforto com as
especulações segundo as quais os seus colaboradores eram comunistas permanecia e os
artigos e as notas relacionadas ao debate ocupavam as páginas do periódico, assim como as do
seu antecessor Nossa Terra. Assim, continuava sendo um incômodo para os ativistas da
FNCA as acusações de vínculo com o comunismo, lançadas pelos adversários.
A distribuição de O Semanário na cidade ficava sob a responsabilidade dos integrantes
da Frente Nacionalista de Cruz das Almas. É recorrente encontrar, nas edições de O
Nacionalista, a propaganda do hebdomadário carioca, através das seguintes chamadas: “Leia
O Semanário” ou “O Semanário - Um jornal que não é vendido aos trustes”:
151
BRITO. Leonardo Leônidas A Imprensa Nacionalista no Brasil - O Periódico O Semanário (1956 -1964) Editora Paco Editorial, 2011. p.21-22
152
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas (BA),
em Outubro de 2010.
153
Gabriel Passos foi deputado federal pela UDN-MG. Era um colaborador de O Semanário e simpatizava com
as causas nacionalistas, o que demonstra a pluralidade partidária em torno dos nacionalistas no Brasil naquele
período, que contava, inclusive, com a participação do conservadorismo udenistas.
75
Imagem 10: Recorte de jornal onde aparece a propaganda de O Semanário.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 01/06/1958. No 05. p.1.
A propósito, localizamos em O Semanário154 textos enviados pelos membros da
FNCA e publicados no jornal carioca. Por exemplo, na edição referente aos dias 5 a 12 de
junho de 1958, na coluna “Leitores escrevem sobre „O Semanário‟”, apareceu uma longa carta
assinado pelo estudante Luciano Faro, em nome dos nacionalistas cruzalmenses, informando
sobre a criação de O Nacionalista.
Temos a grata satisfação de levar ao vosso conhecimento e de todos que
escrevem nesse bravo e patriótico semanário que por inspiração dos nobres
ideais nacionalistas, difundidos e defendidos em vosso corajoso jornal, foi
fundado pela mocidade cruzalmense e se encontra em circulação, em nossa
cidade, um quinzenário, filho do vosso e que intitulamos “O Nacionalista”.
[...] Nós, os estudantes do Colégio Alberto Torres, herdeiros que somos do
nacionalismo do nosso patrono [...] juramos no Altar da Pátria, levar avante,
em nosso “Grêmio Castro Alves”, na Frente Nacionalista que dirigimos com
154
O jornal O Semanário encontra-se totalmente digitalizado na Biblioteca Nacional (RJ), ao tempo que pode ser
facilmente visualizado no site da Biblioteca Nacional, onde está o acervo de periódicos raros. O endereço do site
é: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx.
76
o apoio do povo cruzalmense, nas páginas vigorosas do nosso já querido “O
Nacionalista”, [...] um sistemático e paciente movimento de esclarecimento
popular para a formação de uma esclarecida e vigorosa consciência
nacionalista [...] 155.
A carta atesta a existência de uma aproximação entre os dois periódicos. Em outra
edição de O Semanário encontra-se um convite dos integrantes da FNCA ao diretor do
hebdomadário carioca e aos seus colaboradores. Tratava-se de uma comemoração em Cruz
das Almas, alusiva ao lançamento de O Nacionalista. A nota intitula-se “Da Frente
Nacionalista de Cruz das Almas a „O Semanário‟” e informa:
A Frente Nacionalista de Cruz das Almas tem a subida honra de convidar
esse brilhante semanário e de modo todo especial o seu brilhante diretor para
as comemorações do próximo dia 2 de Julho, a festa magna da Bahia,
quando será oficializado o seu lançamento e que terminará num ato publico
inspirado nos sagrados ideais nacionalistas que O SEMANÁRIO, pela pena
esclarecedora dos seus bravos jornalistas, vem criando e possibilitando por
todo território nacional, formando esta portentosa e invencível consciência
nacionalista156.
O Nacionalista buscava estar sempre atualizado e ocupava suas páginas também com
informações úteis sobre fraternidade, religião e respeito aos direitos do cidadão. Entretanto,
havia uma intensa suspeita, entre os integrantes do movimento nacionalista local, acerca dos
canais de informação que O Nacionalista mantinha. Existia uma curiosidade de como os seus
colaboradores conseguiam as notícias que outros jornais, de maior respaldo na época, ainda
não tinham publicado. Segundo um entrevistado:
[...] O jornal era noticioso e se atrevia a publicar notícias coisas que outros
jornais de grande circulação não se atreviam a publicar. Hélio e Lira tinham
canais de informação (um mistério para nós) que mantinha o jornal sempre
atualizado e combativo [...] 157.
A relação que O Nacionalista mantinha com O Semanário é um indicio de que os
articulistas cruzalmenses poderiam ter contato com outros órgãos da imprensa nacional, o que
constituiria realmente um canal de informação que pudesse deixá-los sempre atualizados no
155
LEITORES ESCREVEM SOBRE “O SEMANÁRIO” (CRUZ DAS ALMAS); Jornal O Semanário. Rio de
Janeiro, de 5 a 12 de junho de 1958. No 112. Ano III. p. 5.
156
DA FRENTE NACIONALISTA DE CRUZ DAS ALMAS A “O SEMANÁRIO”; Jornal O Semanário. Rio de
Janeiro, de 26 de junho a 3 de julho de 1958. N o 115. Ano II. p. 6.
157
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em Outubro de 2010.
77
tocante aos acontecimentos políticos nacionais. Contudo, ainda não há dados que possam
confirmar empiricamente a hipótese, o que nos impossibilita aprofundar a questão.
Um fato importante, reportado, com bastante orgulho, pelos ativistas do movimento de
Cruz das Almas que contribuíram para o presente trabalho, é com relação ao jornal O
Nacionalista ter sido o primeiro órgão de imprensa no país a lançar a campanha do marechal
Lott à Presidência da República. Segundo um entrevistado:
Um fato marcante do jornal foi o de ter lançado antes de qualquer outro
jornal do Brasil a candidatura do Marechal Lott. Quando na capital os jornais
não sabiam, os canais de informação de O Nacionalista, lá de Brasília, já
informavam ao Hélio, que saiu na frente de todo mundo 158.
Para melhor esclarecermos, o marechal Henrique Teixeira Lott (que era general até se
reformar, em janeiro de 1959) se destacou no cenário político nacional por ter liderado uma
intervenção militar, em novembro de 1955, quando ocupava o cargo de Ministro da Guerra, e
impediu um movimento golpista após a vitória de Juscelino Kubitschek para Presidência da
República, e João Goulart, para vice, objetivando impedir a posse dos vencedores
159
. A
tentativa de golpe foi derrocada e “o episódio conhecido como „contragolpe‟ ou „golpe
preventivo‟ foi mais um entre as diversas intervenções militares na vida republicana
brasileira”
160
. Segundo o historiador Jorge Ferreira, aquele episódio tornou-se importante
pela aproximação de setores do Exército com os trabalhistas.
[...] Durante o ano de 1955, sobretudo de agosto a novembro, uma ampla
campanha favorável ao rompimento institucional, abrindo caminho para uma
ditadura, foi desencadeada por setores civis e militares direitistas, sobretudo
identificados com o udenismo lacerdista. A campanha golpista, embora
vitoriosa por um breve momento, foi desarticulada por uma intervenção
militar liderada pelo general Henrique Teixeira Lott que, por 32 horas,
impôs-se como a única autoridade de fato. Contragolpe ou golpe preventivo,
o evento permitiu a aproximação do PTB com setores do Exército, definidos
pelos trabalhistas como “nacionalistas” e “legalistas”. Após 11 de novembro
de 1955, a UDN deixou de ter o monopólio político nos quarteis. Os
trabalhistas, agindo com as mesmas armas, também passaram a se aproximar
158
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira em Cruz das Almas (BA),
em Outubro de 2010.
159
Para mais informações sobre o episodio ver, entre outros: FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista.
Getulismo, PTB e cultura política popular. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 211-275; FERREIRA,
Jorge. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano:O tempo da experiência
democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.301-342; FERREIRA, Jorge, João Goulart: uma
biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 205- 213.
160
FERREIRA, Jorge, João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p.164.
78
dos militares, trazendo-os para o debate político e esforçando-se para tê-los
como aliados na luta pelas reformas 161.
Lott conquistou a simpatia dos setores progressistas brasileiros. Segundo Jorge
Ferreira, “se o general Lott não podia ser qualificado como um homem de esquerda, até
mesmo pelo seu anticomunismo declarado, definia-se como nacionalista e legalista [...]” 162.
No curso de intensas articulações partidárias, visando lançar um nome forte para
disputar as eleições em 1960, na tentativa de suceder JK, o nome de Lott foi proposto pela Ala
Moça do PSD. Segundo Lúcia Hippolito, “[...] dois membros da Ala Moça, Cid Carvalho e
José Joffily, lançam a candidatura do ministro da Guerra, general Lott, no que são
acompanhados pela Frente Parlamentar Nacionalista.”163 O conjunto do partido acolheu a
indicação e, depois, o PTB compôs a chapa com Goulart.164 Assim, João Goulart continuava
como candidato a vice.
Em Cruz das Almas os nacionalistas defendiam a candidatura de Lott. Um
entrevistado, membro da FNCA, explicou, assim, o apoio do movimento nacionalista de Cruz
das Almas à candidatura Lott:
[...] a Frente de Cruz das Almas já se manifestara na eleição presidencial
defendendo a candidatura do Marechal Lott, militar anticomunista, mas
extremamente legalista e defensor dos ideais nacionalistas. A frase de sua
autoria: A Petrobrás é Intocável tornou-se um legado da luta em defesa da
nossa estatal 165.
O apoio da FNCA ao marechal estava estampado nas páginas de O Nacionalista, já no
ano de 1958. A informação segundo a qual a gazeta de Cruz das Almas foi o primeiro jornal
brasileiro a lançar a candidatura de Lott à Presidência da Republica não pode de ser
comprovada, dada à quantidade de jornais existentes no país naquele momento e, também, a
impossibilidade de analisarmos uma quantidade tão grande de diferentes publicações daquele
período. Neste sentido, faltam fontes para cruzar e avaliar o pioneirismo reivindicado pelos
frentistas cruzalmenses. Porém, constatamos que O Nacionalista, na edição de 9 de
161
Idem.,O imaginário trabalhista. Getulismo, PTB e cultura política popular. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005. p. 217.
162
Ibid., João Goulart: uma biografia, p.164.
163
HIPPOLITO, Lúcia P. De raposas e reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-64). Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p.246.
164
Para maiores detalhes sobre o processo de candidatura de Lott e Jango ver, entre outros: HIPPOLITO, Lúcia
P. De raposas e reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira (1945-64). Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985, p.246-253.
165
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
79
novembro de 1958, antecipou uma disputa entre Lott e Jânio Quadros, como representantes
máximos de dois posições políticas distintas: o nacionalismo e o entreguismo.
Imagem 11: Recorte de jornal onde já aparecia a disputa entre Lott (nacionalista) versus Jânio
Quadros (entreguista) para Presidente da República na eleição de 1960.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 09/11/1958. No 16. p.1.
Na primeira página do número anterior, em 26 de outubro de 1958, no corpo de uma
nota em que repercutia os acontecimentos nacionais, o periódico de Cruz das Almas já
divisava a candidatura a ser combatida pelo movimento: “Jânio Quadros (o pobre-milionário)
já é candidato (não sabemos de quem) a presidência da Republica. Mais um „entreguista
confesso‟ a ser derrubado pelos brasileiros patriotas, na próxima luta cívica de 1960” 166.
Sem conseguir encontrar a confirmação do pioneirismo no lançamento da candidatura
Lott nas edições de O Nacionalista que estão disponíveis para pesquisa, identificamos, no
número vinte do periódico, de janeiro de 1959, uma carta, assinada pela FNCA e direcionada
ao marechal. A missiva foi publicada, dias depois, em O Semanário167. Na carta, os
nacionalistas cruzalmenses pediam a confirmação da candidatura do militar à Presidência da
166
ASSIM ACONTECEU; Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 26/10/1958. No 15. p.1.
No periódico nacionalista carioca, a carta está publicada em: CARTA DOS PATRIOTAS DE CRUZ DAS
ALMAS (BAHIA) AO MINISTRO DA GUERRA; Jornal O Semanário. Rio de Janeiro, de 29 de janeiro a 4
fevereiro de 1959. No 145. Ano IV. p. 2.
167
80
República – “Lott candidato do povo!: veemente apelo da Frente Nacionalista ao honrado
Ministro de Guerra subscrito por centenas de patriotas” 168.
A reposta foi imediata, publicada quinze dias depois, em O Nacionalista. A nota
intitulava-se “Lott responde ao povo, dirigindo-se a Frente Nacionalista: honrosa mensagem
do Ministro da Guerra”169. Transcrevemos parte da resposta do Marechal:
[...] Agradeço prezado patrício e demais signatários abaixo assinado 30 de
outubro manifestação apreço me enviarem [...], esclareço não pretendo
candidatar-me nenhum cargo eletivo [...]. Sds Henrique Lott – Ministro da
Guerra 170.
O fato de os nacionalistas cruzalmenses terem absorvido a ideia de ter sido o periódico
O Nacionalista quem primeiro noticiou a candidatura do Marechal pode ser justificado pelo
fato de o periódico ter antecipado a disputa entre Lott e Jânio, o que realmente se confirmou
posteriormente. Só em dezembro de 1959, na convenção nacional do PSD, que foi
homologada a candidatura de Lott, então, ter sugerido a disputa entre os candidatos do
nacionalismo e do entreguismo, ainda em 1958, mesmo sem a devida confirmação, fortaleceu
e legitimou a opinião daqueles integrantes da FNCA quanto ao pioneirismo do jornal
cruzalmense no lançamento daquela candidatura.
Esta reflexão nos leva a ressaltar a hipótese segundo a qual O Nacionalista pode ter
tomado informações de O Semanário sobre aquelas possíveis candidaturas e divulgado a
notícia, antecipadamente a confirmação de tais candidaturas. Essa ideia é respaldada,
primeiro, pelas afinidades que existiam entre os dois periódicos nacionalistas. Segundo, a
partir dos relatos da suspeita de que alguns integrantes da FNCA tivessem um canal
privilegiado de informação na capital da República, talvez com membros da FPN ou com
colaboradores de O Semanário. Contudo, a análise necessitaria de comprovação a partir do
confronto entre as fontes investigadas, o que não foi possível realizar no presente trabalho.
De toda sorte, é inegável a simpatia dos nacionalistas de Cruz das Almas pela figura
de Lott. No vigésimo sexto número de O Nacionalista, último exemplar que conseguimos
identificar, uma edição especial que celebrou um ano de publicação do periódico, existe uma
página dedicada especialmente ao Ministro da Guerra:
168
LOTT CANDIDATO DO POVO!; Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 04/01/1959. No 20. p.1.
LOTT RESPONDE AO POVO, DIRIGINDO-SE A FRENTE NACIONALISTA; Jornal O Nacionalista. Cruz
das Almas, 18/01/1959. No 21. p.1.
170
LOTT RESPONDE AO POVO, DIRIGINDO-SE A FRENTE NACIONALISTA ;Jornal O Nacionalista. Cruz
das Almas, 18/01/1959. No 21. p.1.
169
81
Imagem 12: Recorte de jornal em homenagem ao Marechal Lott.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 05/04/1959. No 26. p.3.
82
O resultado as eleições presidenciais de 1960 não foi positivo para os nacionalistas,
pois Lott acabou perdendo o pleito para Jânio Quadros, candidato apoiado pela UDN. Em
contrapartida, João Goulart venceu a eleição para a vice-presidência, mantendo-se no cargo
que ocupara desde a gestão anterior.
Em Cruz das Almas, O Nacionalista mantinha-se em circulação, contando com o
apoio dos seus leitores, mas também atraindo a rejeição dos opositores e a indiferença de
muitos. Os contemporâneos entrevistados afirmaram que uma parte da população aceitava e
considerava os seus artigos relevantes. Contudo, existiam as pessoas que desdenhavam do
jornal e da atuação dos jovens nacionalistas na cidade. Um entrevistado nos informou que
“em alguns setores da cidade éramos execrados, em outros admirados, mas o pior público era
os que nos olhava com desdém e jogava o jornal fora.”171.
Acreditamos que O Nacionalista foi publicado até o ano de 1961. Segundo um dos
colaboradores, “o jornal não foi até 64 não [...], eu acho que ele chegou até 60 [...], acho que o
último número foi logo após a eleição em que Lott disputou, em 60-61, aí ele parou, ele não
chegou até 64, acredito que por problemas financeiros [...]”172. Assim, mesmo sem o
inestimável suporte do periódico, a FNCA continuou atuando na cidade até o golpe de 1964.
Assumimos, neste sentido, a interpretação de que a FNCA, a partir do início da década
de 1960, acompanhou o processo de radicalização da conjuntura política nacional. Assim, no
próximo capítulo, avaliaremos a representatividade da FNCA no Legislativo Municipal, como
aquele movimento se comportou em meio ao contexto de um nacionalismo mais próximo às
aspirações sociais e políticas das esquerdas.
171
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em Outubro de 2010.
172
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em maio de 2012
83
4
1960-1964: DO PERÍODO DE RADICALIZAÇÃO AO GOLPE
CIVIL-MILITAR
Neste capítulo, discutiremos a presença da FNCA na Câmara de Vereadores de Cruz
das Almas através da atuação dos integrantes do movimento que ocuparam cadeiras no
Legislativo Municipal. Assim, em 1959, tomou posse João Gustavo da Silva (1918-1967), o
primeiro ativista do movimento cruzalmense eleito para a Câmara. Em 1963, o vereador eleito
foi José Alberto Bandeira Ramos. Nesta legislatura, além do titular, a Frente contava com
Hélio Pitanga e Mario dos Santos, que ocuparam as primeiras suplências. Os nacionalistas
cruzalmenses concorreram pelo PTB. Hélio Pitanga chegou atuar na Câmara, substituindo
dois vereadores que saíram de licença, mas Mario dos Santos não ingressou no Legislativo
Municipal. Com o golpe civil-militar de 1964, os integrantes da FNCA tiveram os direitos
políticos cassados.
No presente capítulo, destacaremos o panorama político nacional nos quatro primeiros
anos da década de 1960. Com isso, analisaremos a atuação dos frentistas no Legislativo
Municipal, observando os debates, as diretrizes e os assuntos propostos por eles na Câmara de
Vereadores, buscando associar as suas discussões ao que vinha ocorrendo em meio à política
nacional. Veremos, por exemplo, qual era o teor das discussões daqueles atores, o que era
defendido com maior força e constância por eles na Câmara Municipal, etc.
Tratava-se de um redirecionamento da FNCA, tendo em vista que aquele nacionalismo
defendido pelo movimento cruzalmense, quando foi idealizado, já não mais se sustentava,
dada a radicalização das reformas de base e da aproximação da luta nacionalista com os
movimentos de esquerda. Assim, verificaremos até que ponto o contexto de maior
radicalização da luta nacionalista repercutia nos pronunciamentos dos vereadores membros da
FNCA e também na dinâmica do movimento.
Após enfrentar problemas econômicos, sem condições para manter a circulação de O
Nacionalista e custear as despesas com a sede, a FNCA passou a fazer as reuniões na casa de
alguns ativistas. Assim, destacaremos os últimos passos do movimento até o golpe de 1964,
quando os vereadores membros da Frente foram cassados, alguns integrantes foram presos ou
convocados para interrogatório, enquanto outros fugiram, silenciando, assim, o movimento
nacionalista na cidade.
84
4.1 Contexto político nacional e local
No início da década de 1960, a luta em defesa do nacionalismo apresentava-se de
forma diferenciada. A perspectiva desenvolvimentista passou a ser questionada, destacando-se
um nacionalismo a favor das reformas de base e mais próximo das esquerdas. A luta
nacionalista radicalizou-se após o término do governo JK e experimentou crescimento até o
fim do governo João Goulart. O nacionalismo passou, então, a se fortalecer como instrumento
das lutas populares. Operários, estudantes, camponeses, subalternos das Forças Armadas,
dentre outros, passaram a enxergar na luta nacionalista a perspectiva de reforma nas
condições sociais e econômicas do país durante o período investigado. A luta nacionalista
deixava de ser pretendida como mera busca pelo desenvolvimento econômico nacional,
passando a se associar às lutas reformistas e sociais, referenciadas por movimentos de
esquerdas, entre eles trabalhistas, socialistas e comunistas173.
Aquele foi um período em que o país vivia uma conjuntura política de bastante
efervescência. Em 31 de janeiro de 1961, tomou posse o Presidente Jânio Quadros, que
realizou um governo marcado pela ambiguidade e contradição até 25 de agosto do mesmo
ano, quando renunciou ao cargo, gerando uma intensa crise no meio político174.
A renúncia tomou o país de surpresa. Embora sem comprovações empíricas,
as análises, quase unânimes, concordam que Jânio planejava um golpe de
Estado. Sua atitude, imaginava ele, provocaria uma reação popular e,
principalmente a militar. Retornando com o apoio do povo e dos generais,
governaria sem o Congresso Nacional175.
Porém, as coisas não ocorreram como, possivelmente, foram planejadas por Jânio,
pois o Congresso Nacional aceitou a sua renúncia, a direita não reagiu, enquanto a esquerda o
desprezou. Constitucionalmente, nas formas legais e preservando o regime democrático
brasileiro, quem deveria assumir a Presidência, a partir daquela renúncia, era o vice, João
173
Informações encontradas em: DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Nacionalismo como projeto de nação:
a Frente Parlamentar Nacionalista (1956-1964). In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Aarão. (Org.) As
esquerdas no Brasil. Nacionalismo e reformismo radical. (1945-1964). Ed 1. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007, v.2. p. 357-376; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. Trabalhismo, nacionalismo e
desenvolvimentismo: um projeto para o Brasil (1945-1964). In: FERREIRA, Jorge (Org.) O populismo e sua
história. Debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 167-204; FERREIRA, Jorge. João
Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
174
Para conhecer mais a renúncia de Jânio, ver, entre outros: FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 219-258.
175
Ibid., p. 227.
85
Goulart. Mas uma Junta formada pelos ministros militares do governo Jânio buscou impedir a
posse de Goulart, ampliando a crise política.
Na interpretação de Angelina Figueiredo, o objetivo dos ministros militares
era aglutinar apoio político para “um golpe de baixo custo”, pressionando o
Congresso a votar o impedimento de Goulart. Os partidos políticos não
aceitaram o golpe. Dentro e fora do Congresso, formou-se uma ampla
coalizão visando à preservação da legalidade e da ordem democrática, tanto
a grupos de esquerda e nacionalistas quanto a conservadores. Se os primeiros
se batiam pela posse imediata de Goulart no regime presidencialista, os
segundos, que incluíam as forças conservadoras da UDN e do PSD, com o
apoio da ala legalista das Forças Armadas, conduziram as negociações que
desembocariam no parlamentarismo176.
Assim, na tentativa do cumprimento da legalidade constitucional, o então governador
do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, deu início a um movimento conhecido como
CampanhadaLegalidade, mobilização que objetivava defender e garantir a posse de João
Goulart, preservando o regime constitucional e democrático brasileiro, mesmo que, para tanto,
tivessem que pegar em armas. De Porto Alegre, Brizola, com o apoio de civis, de alguns
generais e coronéis, constituiu um improvisado aparato militar, em um ato de resistência à
ação golpista dos ministros militares. O movimento tomou proporções grandiosas,
conquistando o apoio maciço dos movimentos populares, das esquerdas e a adesão de parcelas
da sociedade brasileira. Através da Cadeia Radiofônica da Legalidade, o movimento difundia
mensagens em defesa da legalidade constitucional. A voz de Brizola ecoava por todo canto
em defesa da posse de Goulart, inclusive sendo divulgada no exterior, pois era transmitido em
inglês, espanhol e alemão, buscando assim afetar a opinião pública internacional.
A mobilização popular no Rio Grande do Sul, a adesão do III Exército à
solução legal para a crise e, particularmente, as ondas curtas da Rede da
Legalidade, que alcançavam todo o país e o exterior, sensibilizaram o
conjunto da sociedade brasileira, alterando a correlação de forças entre o
governador gaúcho e os ministros militares [...]177.
O impedimento da posse de Goulart pela Junta dos ministros militares não se
sustentou frente à ampla mobilização legalista. Então, foi proposto, como solução para a crise,
instituir no país o sistema parlamentarista, limitando os poderes de Goulart, que assumiria as
funções de Chefe do Estado, agradando a uns e desagradando a outros. Contudo, o
parlamentarismo apenas se sustentou de 7 de Setembro de 1961, quando João Goulart tomou
176
177
Ibid., p. 246.
Ibid., p. 244.
86
posse no Congresso Nacional, até 6 de janeiro de 1963, quando, mediante a aprovação de um
plebiscito, a população votou pelo retorno ao presidencialismo178. Assim, “Goulart assumiu
seus poderes com a aprovação maciça da população”179.
Em meio àqueles acontecimentos, e de uma tão efervescente conjuntura política, a
proposta nacionalista continuava sendo pensada, passando a ser difundida por partidos e
movimentos de uma ala mais esquerdista, como o PCB – que estava na ilegalidade–, pelos
estudantes – através da UNE–, pelo movimento sindical, além dos intelectuais do ISEB, em
sua última fase, e da Frente Parlamentar Nacionalista, como já expusemos antes180.
Em Cruz das Almas, a década de 1960 iniciava com o movimento nacionalista local
mobilizado pela campanha Lott. Segundo um articulista: “discursávamos eventualmente,
principalmente nos períodos de campanha eleitoral, com mais intensidade na campanha de
Lott para presidência e de Jorge Guerra em sua eleição vitoriosa para prefeito em 1962”181.
O apoio da FNCA a campanha de Jorge Guerra em 1962 será devidamente apresentada
em seguida, contudo, sobre aquela candidatura de Lott, ela foi definida junto à aliança PTBPSD, com João Goulart representando o PTB para à vice-presidência. Embora desacreditada
pela esquerda, pelos próprios petebistas e também pelos pessedistas, a nível nacional182, em
Cruz das Almas, a campanha Lott foi amplamente apoiada pela FNCA e defendida pelos seus
membros, que atuavam na cidade em busca de votos, como foi possível constatar no capítulo
anterior.Segundo Maria Celina D‟Araújo, “Lott era o candidato do movimento nacionalista, mas
sustentava uma posição completamente avessa ao diálogo e ao entendimento com posições de
esquerda, quer no plano nacional, quer no plano internacional”183.
Nacionalista, legalista, defensor do voto do analfabeto, dos direito dos trabalhadores e
da Reforma Agrária nas terras da União, porém anticomunista assumido, Lott recusava-se a
seguir as demandas populares, não entusiasmando o eleitorado. O resultado não poderia ser
178
Ibid., p.228-323.
Ibid., p. 323.
180
Sobre isso ver: DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Nacionalismo como projeto de nação: a Frente
Parlamentar Nacionalista (1956-1964). In: Ferreira, Jorge; REIS FILHO, Daniel Aarão. (Org.) As esquerdas no
Brasil. Nacionalismo e reformismo radical. (1945-1964). Ed 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, v.2.
p. 357-376; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo: um
projeto para o Brasil (1945-1964). In: FERREIRA, Jorge (Org.) O populismo e sua história. Debate e crítica.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 167-204; FERREIRA, Jorge. A estratégia do confronto: A Frente
de Mobilização Popular. Revista Brasileira de História. Dossiê: Brasil, do ensaio ao golpe, 1954-1964. São
Paulo: Associação Nacional de História, ANPUH, n.47, 2004, p.181-212; FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma
biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
181
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
182
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 210.
183
Citado em: Ibid., p. 213
179
87
outro, acabou sendo derrotado por Jânio Quadros.184 Contudo, mesmo com a derrota do seu
candidato naquela eleição, o movimento nacionalista cruzalmense se manteve, sem perder a
sua perspectiva de luta em defesa do nacionalismo. Mesmo assim, mostrou um
redirecionamento na sua perspectiva, ou seja, posicionava-se a partir de influências de cunho
mais esquerdista, seguindo, assim, a tendência nacional. Um integranteda FNCA analisou a
conjuntura política a partir dos seguintes elementos:
A derrota de Lott e a eleição de Jânio, seguida de sua renúncia seis meses
após a posse, reacendeu o movimento político, primeiro para assegurar a
posse do seu vice João Goulart, vetado pelos militares golpistas, depois para
defender as reformas de base do governo janguista, aquela altura com o
apoio pleno do Partido Comunista Brasileiro, ainda na ilegalidade [...]. Isso
parece ter sido um divisor de águas dentro da Frente, que tinha em suas
fileiras muitos nacionalistas conservadores (até da própria UDN). Muito
provavelmente, a partir daí houve agravamento do descontentamento de
pessoas de índole nacionalista mais conservadora185.
A conjuntura política nacional caminhava para a proposta de um nacionalismo mais
radical, mais próximo das demandas populares, e em Cruz das Almas, os nacionalistas locais
pareciam ter acompanhado tal tendência. O direcionamento mais radical de alguns membros
da FNCA, acompanhando o que vinha acontecendo em nível nacional, talvez se configurasse
pela proximidade do movimento cruzalmense com órgãos de representação nacionalista em
um âmbito maior, como a Frente Parlamentar Nacionalista e o jornal O Semanário. O
movimento local, através da sua rede de contatos, passava a se apropriar das discussões e
pretensões da luta nacionalista que estava em debate em vários pontos do país.
Ao que parece, a concepção nacionalista praticada pelos membros da FNCA, a partir
do ano de 1960, também rompeu com as perspectivas nacionalistas mais conservadoras e se
aproximou de concepções mais radicais. Sobre uma ação política na cidade naquele período,
um entrevistado, membro da FNCA, afirmou:
Me recordo que na renúncia de Jânio, como membro do Grêmio do Colégio
Alberto Torres, eu e alguns colegas saímos às ruas fazendo comícios
relâmpagos em defesa da posse de Jango que estava em visita à China e os
militares queriam obstar. O último foi dissolvido pela polícia no momento
em que eu falava aos operários na saída da Fábrica Suerdieck. Recordo-me
que abriu o comício o presidente do Grêmio Leonardo Mendes exatamente
na hora em que tocou o apito da fábrica e começaram a sair os operários, a
maioria mulheres. Ele, com aquele vozeirão (era tudo no gogó, sem
184
Ibid., p.210-213.
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
185
88
amplificador) levantou o braço direito e gritou: “É soada a hora da liberdade
e da legalidade...!” Foi emocionante 186.
Assim, as reminiscências do depoente apontampara uma leitura segundo a qual as
ações desenvolvidas pela FNCA iam se tornando mais intensas e radicais. A defesa da
legalidade, a luta pelas reformas, pela melhoria na vida dos trabalhadores e dos brasileiros
mais necessitados somava-se ao combate contra o imperialismo e os entreguistas e à defesa da
Petrobras. Mesmo em meio ao cenário político que se radicalizava, o movimento nacionalista
cruzalmense mostrava-se ainda fiel às suas pretensões iniciais, não deixando de lado as
bandeiras que marcaram a sua gênese: a luta anti-imperialista e a defesa das riquezas
nacionais, buscando não perder a identidade.
Naqueles anos iniciais da década de 1960, o movimento cruzalmense, já gozando do
apoio dos estudantes locais (secundaristas e universitários), mantinha as mesmas lideranças
que idealizaram o movimento, ou seja, os getulistas e trabalhistas. Segundo um membro da
FNCA, que ingressou no movimento depois de 1960:
sem dúvida José Alberto Bandeira Ramos e Hélio Pitanga eram os principais
líderes do movimento no período em que participei. José Alberto, um
intelectual [...] e Hélio Pitanga, ativista que falava a linguagem da massa.
João Gustavo da Silva também intelectual autodidata era um expert político
que por sua experiência era consultado e muito ouvido por todos187.
Os atores citados no depoimento – Bandeira Ramos, Hélio Pitanga e João Gustavo –,
continuavam liderando o movimento na cidade e se mostravam fiéis à luta em defesa do
nacionalismo. A permanência das lideranças que idealizaram o movimento em Cruz das
Almas reforça a hipótese, exposta no presente trabalho, que, mesmo diante de um
redirecionamento que inclinava a FNCA para a esquerda, acompanhando uma tendência
nacional, ela buscava não perder sua identidade. Porém, diante da conjuntura política que se
modificou, bem como da influencia de movimentos de maior amplitude (a FPN, por
exemplo), as lideranças cruzalmenses assumissem um discursomaisradical, sem perder de
vista as bandeiras tradicionais, já expostas no presente trabalho. Mas, a tensão entre os
nacionalistas conservadores e os de esquerda existia na FNCA, como destacou um dos
entrevistados:
186
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
187
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
89
O importante era combater o chamado truste internacional responsável pela
sangria das nossas riquezas e sufocamento da indústria nacional, melhorar as
condições de vida do povo e tirar o país do subdesenvolvimento. No governo
meteórico de João Goulart a correlação de forças políticas parecia favorecer
o alcance desses objetivos e o nacionalismo se torna ideal menos romântico.
Políticas econômicas e sociais que desagradariam às forças conservadoras
são esboçadas e as esquerdas ganham mais espaço no poder. A radicalização
inevitável tenderia a afastar da Frente Nacionalista os quadros menos à
esquerda188.
É razoável supor que, nos anos inicias da década de 1960, as concepções nacionalistas
de esquerda ganhassem as mentes e os corações dos integrantes da FNCA. Contudo, a julgar
pelas fontes investigadas, não nos parece que, de fato, existisse uma proposta revolucionária
no movimento nacionalista cruzalmense. Ao que parece, a radicalização não chegou a tanto,
conforme assinalou um depoente:
Verdadeiramente em nenhum momento existiu esse projeto revolucionário.
A Frente Nacionalista era um movimento idealista puro, quase romântico,
por assim dizer. Quando a luta política se radicalizou foi mais por conta de
outras vertentes que já se projetavam seja no brizolismo seja no partidão
[...]189.
Por sua vez, o PTB, partido de grande simpatia e adesão entre os nacionalistas
cruzalmenses, e que vinha elevando a aceitação perante a população local, também
acompanhava o processo de radicalização, aproximando-se mais ainda das esquerdas.
Na avaliação de Maria Celina D‟Araújo, o mérito do PTB, [...], resultou de
sua capacidade de acompanhar o debate ideológico da época e de se tornar o
porta-voz de um discurso que invadia a América Latina e que criava
profundas raízes no Brasil. “Trata-se”, no dizer da autora, “do discurso
nacionalista que, de maneira geral, atribuía as dificuldades dos países sulamericanos às pressões econômicas e aos interesses „imperialistas‟ da
América do Norte”. Assim, para o PTB, em fins dos anos 1950, não se
tratava mais de defender e ampliar a legislação social proveniente da época
de Vargas, mas da convicção de que tais direitos somente seriam atingidos
plenamente após o Brasil alcançar autonomia política e econômica,
sobretudo libertando-se dos interesses “imperialistas” dos Estados Unidos190.
188
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
189
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
190
Citado em FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista. Getulismo, PTB e cultura política popular. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 327.
90
No começo da década de 1960, as novas demandas colocadas pela sociedade brasileira
empurravam os trabalhistas para a esquerda. O contexto era distinto daquele de 1953, quando
João Goulart era Ministro do Trabalho do governo Vargas e gozava de amplo prestígio no
movimento sindical e como liderança do partido. Para Jorge Ferreira, o PTB e o movimento
sindical não eram o mesmo daquela época.
Ao longo desses anos, sindicalistas e petebistas cresceram em número,
alteraram suas formas organizativas e radicalizaram em termos ideológicos.
Nesse momento, o presidente do PTB e da República não mais usufruía do
quase monopólio do prestígio que exercia entre os sindicatos e no próprio
partido. Jango surgira no cenário político em uma época de transição no
PTB: de uma situação de subordinação e dependência a Getúlio Vargas, o
partido procurou, após o desaparecimento do líder, construir um novo
programa e definir, com maior clareza, sua própria identidade política. João
Goulart foi a figura central nesse momento de transição organizativa,
programática e ideológica do partido. Os tempos [...] eram outros: de
radicalização. Assim, Leonel Brizola adentrou o cenário político como o
expoente mais radicalizado do PTB. Reunindo sob sua liderança a ala
esquerda de seu partido, estudantes, sindicalistas, suboficiais das Forças
Armadas, [...] e, inclusive, grupos trotskistas, Brizola passou a disputar com
Goulart a liderança do movimento popular191.
Nesse sentido, sabendo que tanto Bandeira Ramos, como Hélio Pitanga e João
Gustavo eram ligados ao PTB em Cruz das Almas, talvez a perspectiva de luta daqueles três
articulistas, as diretrizes mais intransigentes adotadas pelo FNCA no início da década de
1960, se explicassem pela fidelidade partidária e a ligação deles com o trabalhismo, que se
mostrava cada vez mais radicalizado. Não parece ser coincidência o fato de os três fazerem
parte da liderança da Frente, um movimento que acompanhava a conjuntura de radicalização
do nacionalismo no país, e estarem inseridos no PTB local, que também se mostrava mais
aberto às esquerdas naquele período.
O possível redirecionamento da FNCA para uma perspectiva mais radical parece ter
acontecido como um reflexo natural daquele trabalhismo empregado por aqueles articulistas
locais, que encabeçavam o movimento, já que ali se constituía, tanto para o PTB, como para o
nacionalismo, um momento de radicalização. Todos os integrantes buscavam se inserir na
política cruzalmense através do PTB. João Gustavo e Bandeira Ramos tornaram-se vereadores
pelo partido e atuaram na Câmara de Vereadores buscando seguir uma linha em defesa dos
trabalhadores, apresentando por vezes referências a Brizola e também a Goulart, como iremos
ver posteriormente. Hélio Pitanga esteve na suplência, mas atuou por um breve momento
191
Ibid., p. 329.
91
como vereador, seguindo as propostas dos seus companheiros. Ou seja, o nacionalismo do
PTB se refletia na prática política dos frentistas cruzalmenses. Assim, avaliaremos, na
sequência do trabalho, a atuação dos integrantes da FNCA na Câmara Municipal.
4.2 A FNCA no Legislativo Municipal
Como salientamos no capítulo anterior, em 1958, os nacionalistas cruzalmenses
elegeram o vereador João Gustavo (PTB) como o segundo mais votado, ao tempo em que não
apoiaram candidatos aos cargos de prefeito e governador do estado. A boa notícia repercutiu
até mesmo em O Semanário, pois os colaboradores de O Nacionalista enviaram ao
hebdomadário carioca o exemplar que divulgou os números finais da eleição de outubro de
1958. Assinado por Luciano Faro, a nota foi publicada em O Semanário com o seguinte teor:
Temos a grata satisfação de lhe remeter mais um exemplar do nosso jornal
“O Nacionalista”. Neste número publicamos o resultado das eleições em
nosso Município.
Aqui não nos foi possível apoiarmos candidatos para governo do Estado e
para Prefeito [...]. No entanto o nosso candidato à Câmara de Vereadores
teve espetacular votação, sendo o 2° mais votado! O Sr. João Gustavo da
Silva – nosso vitorioso candidato – é um velho lutador nacionalista, honesto
e corajoso, que saberá corresponder à confiança do nosso povo.
Foi uma vitória maiúscula da “Frente Nacionalista de Cruz das Almas”
dirigida pela mocidade inteligente e destemida do “Colégio Alberto Torres”
que despertou o povo cruzalmense para a luta patriótica sob a sagrada e
vitoriosa bandeira do Movimento Nacionalista Brasileiro. [...].
Agradecemos a segura e vigilante orientação de O SEMANÁRIO que nos
preparou para esta vitória! [...].
Analisando os nossos sucessos e deficiências à luz da experiência vivida até
agora, com O SEMANÁRIO às mãos, continuaremos a luta até a vitória
final [...]192.
Portanto, a partir do ano seguinte, a Frente Nacionalista de Cruz das Almas passou a
contar com um representante nacionalista, o que prefigurava a intensificação, através do
conquistado por João Gustavo, o debate acerca do nacionalismo em uma nova área política: a
Câmara de Vereadores. Veremos, então, até que ponto as esperanças dos frentistas se
realizaram e qual foi teor dos pronunciamentos do novo edil.
O vereador, um dos membros mais atuantes da FNCA, tomou posse em 7 de abril de
1959, como consta na Ata de Sessão Especial de Posse daquele ano.193 No início da sua
192
LEITORES ESCREVEM SOBRE “O SEMANÁRIO” (CRUZ DAS ALMAS); Jornal O Semanário. Rio de
Janeiro, de 8 a 14 de janeiro de 1959. Nº143. Ano II. p. 10.
92
atuação na Câmara de Vereadores, João Gustavo precisou solicitar licença por motivo de
saúde, ficando afastado durante todo aquele ano, só retornando às suas atividades no ano
seguinte. Na sessão de reabertura do ano de 1960, João Gustavo foi nomeado segundo
secretário, porém renunciou ao cargo, alegando ainda estar debilitado pelo problema de saúde
que o fizera se afastar no ano anterior194. Assim, manteve um desempenho modesto na
Câmara durante todo aquele ano. Contudo, João Gustavo estabeleceu uma linha de atuação
que lhe guiou o seu mandato até 1962.
Em primeiro lugar, comportou-se como ferrenho opositor do Executivo Municipal.
Críticas direcionadas ao prefeito udenista Fernando Carvalho de Araújo eram constantes nos
pronunciamentos de João Gustavo na Câmara de Vereadores. Questionamentos referentes aos
salários dos servidores municipais, à falta de apoio do prefeito aos agricultores e ao
funcionalismo público municipal, além da fiscalização do orçamento do Município, eram
ações frequentes do vereador nacionalista, conforme trecho da Ata da Sessão Ordinária da
Câmara Municipal, realizada em 18 de abril de 1960:
Terminando o material do expediente, o Sr. Presidente, franqueou a palavra,
fazendo uso o Vereador João Gustavo da Silva, abordando que, na história
deste Município, nunca constatou tanta desumanidade com os servidores
municipais, deixando esta crítica para que o Sr. Prefeito passe a encarar com
mais humanidade o caso destes servidores, porque está na hora de provar
que é realmente o amigo certo das horas incertas [...]195.
Naquela legislatura, confrontavam-se na Câmara de Vereadores de Cruz das Almas a
Bancada da União Democrática Nacional (da situação, integrada pelos correligionários do
prefeito) e a Bancada Trabalhista (opositora, que reunia os partidários do PTB, do PSD e de
outros pequenos partidos). João Gustavo integrava a Bancada Trabalhista Democrática e
criticava a gestão de Fernando Carvalho de Araújo, defendendo, ainda as reivindicações dos
lavradores e dos trabalhadores em modo geral, especialmente os operários das fábricas de
beneficiamento do fumo. Em seus pronunciamentos, o vereador nacionalista denunciava os
problemas que afligiam os agricultores do município, conforme outro trecho do Livro de Atas
da Câmara:
[...] o vereador João Gustavo da Silva abordou sobre a situação dos
lavradores desta redondeza, se lastimando do preço que estão sendo vendidas
193
Ata de 07.04.1959 da sessão especial de posse da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro
1958/1963. p.30.
194
Ata de 07.04.1960 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p. 57.
195
Ata de 18.04.1960 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p. 58.
93
as suas safras, e solicitou ao Sr. Presidente que, em caráter urgentíssimo,
devem esta Câmara com o Sr. Prefeito tomar as providencias necessárias,
afim de que solucione o mais breve possível a situação destes pobres
lavradores [...]196.
Já na metade do primeiro mandato, em 16 de outubro de 1961, João Gustavo defendeu
ação do líder da Campanha da Legalidade, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel de
Moura Brizola, apresentando uma Moção de Solidariedade que, colocada em votação, foi
aprovada por unanimidade197. Na sessão posterior, o vereador nacionalista discutiu um tema
vinculado à renúncia do Presidente Jânio Quadros. O problema decorreu de uma situação
concreta. A Câmara Municipal de Cruz das Almas, após ter recebido um memorial assinado
por representantes da várias entidades da cidade, que conclamam a Casa no sentido de
manifestar apoio à Legalidade (ou seja, a posse de João Goulart), buscou justificar a falta de
esclarecimento dos vereadores em relação aos motivos que levaram à renúncia do então
Presidente Jânio Quadros e o porquê de não terem se pronunciado sobre aquela questão.
Em meio à celeuma, a bancada da União Democrática Nacional afirmou que a Casa
não se reuniu para debater a renúncia, pois feria o Regimento Interno da Câmara, jáque o
Legislativo Municipal estava em recesso – o que desagradou a Bancada Trabalhista
Democrática. O vereador João Gustavo, acompanhado de dois companheiros de bancada,
discordou das desculpas e declarou “que estavam todos eles na obrigação de fugir ao
Regimento da Casa, naquele momento em que o Brasil atravessava uma crise político/militar,
que abalou todo o país e quase o transformava em palco de acontecimentos dos mais
sangrentos”
198
. Assim, João Gustavo manifestou inequivocamente o apoio à Legalidade e às
ações de Leonel Brizola, o que lhe rendeu um agradecimento do governador do Rio Grande
do Sul, que enviou à Câmara agradecimentos pela Moção de Solidariedade apresentada pelo
vereador da Frente Nacionalista de Cruz das Almas199.
Na sessão de 28 de maio de 1962, João Gustavo voltou a apresentar uma Moção de
aplausos a Brizola, também aprovada pela Câmara, desta vez referente a um discurso
pronunciado pelo líder legalista na Academia Nacional de Direito no estado da Guanabara –
discurso que não nos foi possível ter acesso ao conteúdo veiculado200.
Já em 8 de novembro de 1962, o vereador reeleito encaminhou para votação outra
Moção de aplausos, agora para o Presidente João Goulart. Ao que parece, no conteúdo da
196
Ata de 10.04.1961 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.75.
Ata de 16.10.1961 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p. 99.
198
Ata de 19.10.1961 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.101.
199
Ata de 30.11.1961 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.116.
200
Ata de 28.05.1962 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.135.
197
94
Moção constavam algumas críticas aos Estados Unidos, provocando divergência entre os
legisladores, como se depreende a partir da leitura de um trecho da Ata da sessão:
Em seguida sendo submetida a discussão a Moção apresentada pelo vereador
João Gustavo da Silva, os vereadores José de Carvalho Rocha e Moacyr
Antônio Ferreira, discordaram de alguns termos hostis contra os Estados
Unidos da América do Norte, [...] e declararam que votavam a favor da
Moção, com a retirada dos termos de hostilidade contra aquela nação. Em
seguida o vereador João Gustavo da Silva declarou não ter se referido nem a
América do Norte, bem como, aos americanos, e sim aos trustes e carteis.
Sendo em seguida submetida a votação, e tendo sido aprovada com a retirada
dos termos de hostilidade contra os Estados Unidos da América do Norte, o
vereador João Gustavo da Silva, solicitou da Presidência a retirada da
Moção, da ordem dos trabalhos desta casa, que em seguida foi atendida a sua
solicitação201.
Se observarmos com mais atenção, aquela sessão da Câmara Municipal ocorreu em
novembro de 1962, ou seja, corresponde a um momento em que Goulart buscava retomar o
presidencialismo, através de uma proposta de plebiscito, dado ao descrédito em que havia
mergulhado o sistema parlamentarista, recebendo, para aquele fim, amplo apoio – que ia das
esquerdas, passando pelos setores do empresariado e congregando até mesmo correntes
políticas conservadoras. A tentativa de Jango no sentido de recuperar as prerrogativas
presidenciais era vista com muitas reservas pelo governo dos Estados Unidos, o que
provavelmente motivou o vereador cruzalmense a apresentar a Moção, homenageando o
mandatário brasileiro e criticando o imperialismo norte-americano americano202.
Embora não possamos desprezar a evidência de que o conteúdo dos discursos
pronunciados por João Gustavo era relevante para os debates parlamentares, por vezes a
defesa do nacionalismo trabalhista parecia repercutir pouco na Câmara de Vereadores de Cruz
das Almas. A partir da análise das fontes utilizadas no presente trabalho, assinalamos que a
voz do representante frentista se mostrava ainda bastante isolada na correlação de forças da
Casa Legislativa. Na verdade, alguns discursos de João Gustavo chocavam as sensibilidades
políticas dos colegas legisladores, a exemplo do pronunciamento que fez acerca da exploração
capitalista, na sessão de 7 de maio de 1962:
Franqueada a palavra o vereador João Gustavo da Silva, fez um discurso no
qual, teceu considerações sobre a tão bárbara espoliação a qual os
exploradores capitalistas de além-mar têm submetido e continuam
201
Ata de 08.11.1962 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.149.
Ver FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 311323.
202
95
submetendo o nosso país; cujo discurso encontra-se arquivado na secretaria
desta Câmara [...]203.
Infelizmente não tivemos acesso ao arquivo da Câmara de Vereadores,
impossibilitando a análise, na íntegra, desse e de outros discursos citados no presente
trabalho. Porém, através da investigação dos Livros de Atas, reafirmamos que o discurso
nacionalista realmente aparecia nas sessões legislativas, porém de forma pontual, não
constante nas discussões. O fenômeno não ocorreu somente durante o mandato de João
Gustavo, mas também nos dos outros representantes da FNCA, Bandeira Ramos e Hélio
Pitanga – como acompanharemos em seguida. Algumas explicações para a diminuta
expressão do debate nacionalista na Casa podem ser buscadas. Inicialmente, o diminuto
número de representantes assumidamente nacionalistas na Câmara. Apenas três membros da
Frente, em momentos diferentes, atuaram no legislativo, o que, inevitavelmente, os deixavam
isolados no plenário quando o assunto debatido era o nacionalismo.
Em segundo lugar, a temática nacionalista parecia não se sustentar na Câmara,
sobretudo pela capacidade que outras demandas tinham de dar maior destaque aos vereadores.
Temas referentes às lutas em prol dos lavradores, idosos, servidores públicos municipais, etc.
ou a oposição ao Executivo Municipal eram assuntos que deixavam os parlamentares em
maior evidência, em contato mais direto com as demandas da população, ao contrário das
questões de viés eminentemente nacionalista – o anti-imperialismo, por exemplo.
José Alberto Bandeira Ramos, integrante da FNCA e vereador entre os anos de 19631964, fez questão de pontuar: “Nós levávamos sim a discussão nacionalista para a Câmara,
levávamos. Mas, o parlamento é muito restrito, não é? Ainda mais o parlamento naquela
ocasião”204. Assim, o nacionalismo se constituía muito mais como uma influência ideológica
para a atuação dos edis frentistas, “um ideal romantizado”205, como assinalou Cyro
Mascarenhas, pois, na prática, a luta nacionalista aparecia de forma muito tímida na Câmara
de Vereadores, muitas vezes associada à perspectiva reformista e legalista, exemplificada nas
Moções de João Gustavo, favoráveis a Brizola e a Jango.
No final de 1962, os resultados dos pleitos municipal e estadual projetavam, na cidade
de Cruz das Almas, um novo panorama político para os anos seguintes. Por um lado, as
perspectivas da FNCA experimentaram mudanças com o retorno de Jorge Guerra (PSD-PTB)
203
Ata de 07.05.1962 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.131.
Depoimento do Sr. José Alberto Bandeira Ramos, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz
das Almas (BA), em janeiro de 2013.
205
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
204
96
ao Executivo Municipal – que, ao contrário do fato ocorrido em 1958, recebeu o apoio dos
nacionalistas cruzalmense –, e a eleição de Bandeira Ramos para a Câmara de Vereadores.
Por outro, o movimento acompanhou a tendência do quadro político nacional de um
nacionalismo mais radicalizada, associado às Reformas de Base e mais próximo dos
expoentes do trabalhismo de esquerda. As mudanças de conteúdo nos discursos da Frente
serão discutidas mais adiante, quando apresentarmos a atuação dos seus integrantes na
Câmara Municipal, a partir de 1963.
Ao longo do período analisado, a FNCA experimentou problemas financeiros, pois,
como já aludimos, não teve mais condições de manter o jornal e a sede, passando a realizar as
reuniões nas casas de alguns membros que se colocavam a disposição. Conforme também
salientamos, O Nacionalista, impresso na gráfica Nossa Terra, de Hélio Pitanga, não se
sustentou devido aos custos de elaboração. Não sabemos a data precisa em que o jornal
encerrou. Alguns contemporâneos entrevistados acreditam que o fechamento ocorreu depois
da derrota do marechal Lott, nas eleições presidenciais de 3 de outubro de 1960. Segundo os
depoentes, algumas poucas edições do jornal foram produzidas, findando as atividades entre o
final do de 1960 e início de 1961. Porém, outros acreditam que O Nacionalista circulou até
1962. Contudo, Hélio Pitanga se destacou na luta em prol do movimento nacionalista
cruzalmense. Mesmo passando por dificuldades financeiras, inclusive para custear as despesas
familiares, Hélio Pitanga não fugiu do combate.
[...] As reuniões continuavam ainda assim na casa de alguns companheiros.
O local mais frequente era a casa de Hélio Pitanga que se tornou o espaço da
luta popular de várias tendências. Hoje imagino como a família do
companheiro deve ter sofrido com essa falta de privacidade. Era reunião
praticamente todos os dias, nos fundos, onde funcionava a gráfica ou até
mesmo na sala de estar. Não me sai da memória um canto de ninar que
durante as reuniões eu ouvia vindo de um dos quartos. Era a esposa de Hélio
ninando os filhos pequeninos. Procurávamos então baixar a voz 206.
Em outubro de 1962, as eleições eram o assunto que ocupava o ambiente político em
Cruz das Almas. Assim, Jorge Guerra novamente concorria à prefeitura pela coligação PSDPTB, desafiando a nova aposta eleitoral udenista, o Dr. José Alberto Passos de Almeida. O
movimento nacionalista local, que nunca havia apoiado candidaturas no âmbito municipal e
ainda tentava cicatrizar as feridas provocadas pela derrota da candidatura do marechal Lott,
resolveu aderir à campanha do pessedista Jorge Guerra.
206
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
97
Nas eleições seguintes, a Frente Nacionalista, que já tinha um poder de
mobilização popular impressionante, ponderou que a sua neutralidade no
pleito só fazia favorecer a vitória dos mais conservadores. Resolveu então
preparar uma plataforma política para colocar aos candidatos, e assim apoiar
aquele que se comprometesse com a mesma. O candidato Jorge Guerra,
comprometeu-se com a plataforma e ganhou o apoio da Frente
Nacionalista207.
Considerando os posicionamentos nacionalistas das lideranças que constituíam a
FNCA e a influência do trabalhismo no município, provavelmente a plataforma política
referida na entrevista demandava um compromisso do futuro governante em relação aos
direitos dos trabalhadores e dos mais pobres. Dessa forma, Jorge Guerra, obtendo o apoio da
FNCA, venceu a eleição para a Prefeitura Municipal de Cruz das Almas. Conforme o
testemunho de um contemporâneo, a atuação dos nacionalistas foi relevante para a vitória da
candidatura pessedista. “[...] Com o apoio da Frente Nacionalista à candidatura Guerra, passei a
integrar o seu comitê eleitoral, tendo tido uma atuação muito forte na organização de comícios e
propaganda volante e fixa”208.
Infelizmente, não conseguimos obter os resultados finais da eleição para a Prefeitura
de Cruz das Almas em 1962. Porém, salientamos que vitória de um candidato progressista
como Jorge Guerra não se tratava de um caso isolado. Ao contrário, acompanhava uma
tendência de fortalecimento do prestígio do PTB no cenário nacional, mesmo com a sua
guinada para o campo da esquerda, conforme salientou Jorge Ferreira:
Mesmo com o financiamento empresarial aos candidatos da direita, nas
eleições de 1962, o PTB aumentou a sua bancada no Congresso, passando de
66 para 104 deputados, embora a UDN e o PSD, juntos, alcançassem 54%
das cadeiras. Leonel Brizola, candidato a deputado federal pelo Estado da
Guanabara, obteve uma votação extraordinária, surgindo, assim, como a
grande liderança no campo das esquerdas. No entanto, para os executivos
estaduais, à exceção da vitória de Miguel Arrais em Pernambuco, a direita
conseguiu governos importantes, como Ademar de Barros em São Paulo e
Ildo Meneguetti no Rio Grande do Sul. Em termos gerais, o resultado foi
avaliado por Jango e pelas esquerdas com otimismo, como um avanço na
luta nacionalista e pelas reformas de base 209.
207
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
208
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
209
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 315.
98
Sabemos que, em Cruz das Almas, além de eleger Jorge Guerra, o PTB também
venceu a eleição para o governo do estado, através da candidatura de Lomanto Júnior,
coligado à UDN. Contudo, não identificamos dados que comprovem o apoio ou a oposição do
movimento nacionalista cruzalmense a Lomanto – aliás, candidato apoiado pelo Presidente
João Goulart. Caso a Frente local tenha mantido uma posição de neutralidade, ela se
configurou em virtude da incongruência da coligação que venceu o pleito estadual, traduzido
por Muniz Ferreira da seguinte forma:
O governo de Antônio Lomanto Júnior se constituiu como resultado do
triunfo da coalizão UDN-PTB sobre o candidato do PSD, Waldir Pires, nas
eleições estaduais de 1962. Sustentada pelos círculos conservadores da
política e da sociedade civil baiana de então e tendo como “padrinho”
eleitoral Juracy Magalhães – na época governador, figura de proa da UDN e
adversário declarado do presidente João Goulart –, a candidatura de
Lomanto engendrava desde o início o paradoxo de incluir em sua chapa o
PTB baiano, partido que, conquanto fosse hegemonizado na Bahia por sua
ala menos “progressista”, era também o partido do primeiro mandatário da
República. Inversamente, o Partido Social Democrático, que se notabilizava
nacionalmente pela moderação de suas propostas e por um posicionamento
de centro, trazia impressa na fisionomia política de seu candidato a marca do
comprometimento com o reformismo econômico-social e abertura às
demandas populares do ex-ministro do trabalho de Getúlio Vargas. De
imediato, pode-se perceber que o descolamento destas duas formações
partidárias em relação às suas matrizes nacionais augurava a possibilidade de
problemas no relacionamento bifrontal que qualquer um dos candidatos
eleitos haveria de manter, por um lado, com o governo da República e, por
outro, com suas bases eleitorais210.
Assim, no embate com a aliança PTB-UDN, que, segundo Sergio Alfredo Guimarães,
foi uma aliança onde, através da figura de Lomanto Júnior, se buscava na burguesia agrária,
na oligarquia e nos demais setores burgueses, o suporte para as suas ambições políticas
(procurando não deixar de lado, obviamente, as massas populares, detentoras dos votos de que
precisava), o pessedista Waldir Pires, paradoxalmente, buscava apoio nas mesmas forças que
sustentavam politicamente o governo Goulart, ou seja, na organização sindical camponesa e
na pequena burguesia reformista211.
Contudo, mesmo Waldir Pires assumido uma proposta associada ao reformismo e às
demandas populares, não encontramos indícios de apoio da FNCA também à sua candidatura.
Assim, ficamos somente com a análise do caso Jorge Guerra, destacando o apoio da FNCA à
210
FERREIRA, Muniz. O golpe de Estado de 1964 na Bahia. Clio: Revista de pesquisa Histórica. Vol. 1. N° 22.
Recife: Universidade Federal de Pernambuco. 2004. p. 85-86.
211
Citado em: FERREIRA, Muniz. O golpe de Estado de 1964 na Bahia. Clio: Revista de pesquisa Histórica.
Vol. 1. N° 22. Recife: Universidade Federal de Pernambuco. 2004. p. 86.
99
sua campanha ou, ainda, se em algum momento a sua administração esteve associado ao
movimento nacionalista local. Além disso, obviamente, verificar também a nova
representatividade da FNCA na Câmara de Vereadores com a vitória de José Alberto
Bandeira Ramos, tendo Hélio Pitanga e Mario Comunista como suplentes, todos os membros
da FNCA e ligados ao PTB local.
Bandeira Ramos assumiu a cadeira de vereador em 7 de Abril de 1963, segundo Ata
de Sessão de Posse. Na mesma cerimônia, assumiu o mandato o Prefeito Jorge Guerra212. Já
na sessão de 15 de abril de 1963, exatamente uma semana depois de empossado, Bandeira
Ramos apresentou duas Moções, ambas aprovadas: uma era de desagravo e advertência ao
Presidente da República, João Goulart; a outra de solidariedade ao governador de
Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar (1916-2005)213. Interessante observar que ambos
eram expoentes do movimento reformismo nacional.
Naquele momento, após retomar as prerrogativas presidenciais, João Goulart sofria
pressões tanto da esquerda, que queria uma posição mais radical do governo – principalmente
o apoio às Reformas de Base – quanto dos setores mais conservadores, que endureciam suas
atitudes contra o presidente.
Assim, a Moção apresentada por Bandeira Ramos na Câmara de Vereadores de Cruz
das Almas ao tempo em que emprestava apoio a Goulart, frente à pressão que o Presidente
vinha recebendo dos setores direitistas, advertia o mandatário por não aderir a uma proposta
reformista mais radical. Por outro lado, a moção de solidariedade a Miguel Arraes se
explicava em função da defesa do governador às reformas mais radicais, principalmente a
Reforma Agrária. Em 30 de maio de 1963, como consta em Ata, a Secretaria de Governo de
Arraes enviou ofício agradecendo a moção demandada por Ramos e aprovada pela Câmara.
Miguel Arraes assumiu o governo Pernambucano em outubro de 1962, com
grande apoio popular. [...] Seus primeiros atos foram garantir o pagamento
do salário mínimo ao trabalhador rural e estimular o diálogo entre
camponeses e proprietários. Miguel Arrais “revolucionou” a política do
estado com uma medida muito simples: o cumprimento da lei. Impondo a
obediência à Legislação em vigor, os camponeses passaram a ter direito ao
salário mínimo e ao 13º salário, e os latifundiários não mais disporiam, de
maneira arbitrária, do apoio da polícia estadual para reprimir e prender
grevistas ou manifestantes. O simples cumprimento da lei beneficiou
amplamente o movimento camponês, dinamizando as lutas sociais no
campo. [...] A defesa da reforma agrária alimentou ainda mais seu prestígio,
212
213
Ata de 07.04.1963 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.169-170.
Ata de 15.04.1963 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.169-171.
100
no campo popular e, partir daí, passou a concorrer com Prestes, Goulart e
Brizola na liderança do movimento reformista214.
Portanto, Bandeira Ramos aproximava-se da ala radicalizada do PTB, mais próxima a
Brizola e Arraes do que ao próprio Goulart. Naquele período, a discussão sobre as Reformas
de Base também ecoou na Câmara Municipal de Cruz das Almas. A Bancada da Frente
Trabalhista Democrática, integrada por Bandeira Ramos e os demais correligionários, entre
eles Bandeira Ramos, expressou o seu apoio às propostas do Presidente João Goulart. Na Ata
da sessão de 30 de maio de 1963, mesma em que foi lido o ofício de agradecimento enviado
pelo governador Arraes, vereadores da bancada governista apresentaram a seguinte indicação:
Iniciada a ordem do dia, e, sendo submetida a discussão a indicação de
autoria dos vereadores Dr. José Alberto Bandeira Ramos e Alino Matta
Santana, que solicita dos componentes do Congresso Nacional, a urgência
com que se deverá promover a modificação dos dispositivos constitucionais,
que estão a impedir a realização das reformas de estruturas [...]215.
A recomendação proposta também foi aprovada por unanimidade pela Câmara. Além
da indicação, Bandeira Ramos também apresentou recomendações que pediam benefícios
para as camadas mais humildes, apoio aos trabalhadores e melhor investimento do dinheiro
público – no último aspecto ele pouco questionou, pois integrava a bancada de apoio ao
prefeito Jorge Guerra. Atento aos eventos que ocorriam no país, abordava, em suas
intervenções na Câmara, temas relacionados aos meandros da política nacional,
principalmente quando relacionados ao Presidente da República216.
Na Ata da sessão de 14 de outubro de 1963, encontram-se registrados, dentre outros
assuntos, a atenção que Bandeira Ramos dava ao contexto político nacional, o seu apoio às
lutas das classes trabalhadoras e a sua afinidade com o projeto do prefeito Jorge Guerra.
[...] o vereador Dr. José Alberto Bandeira Ramos, teceu considerações sobre
a crise política que atravessava o nosso país a dias passados, elevando o Sr.
Presidente da República por ter se colocado ao lado das massas
trabalhadoras, retirando do Congresso Nacional a mensagem que solicitava
decretação de estado de sítio para o nosso país. Em continuação elogiou o Sr.
Prefeito Jorge Guerra pela posição tomada na reunião de prefeitos na cidade
de Feira de Santana a dias passados por ter o mesmo se colocado em posição
de luta e defesa das classes trabalhadoras. Ainda com a palavra, teceu
considerações sobre a vitória obtida pelos trabalhadores na Escola
214
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 316-317.
Ata de 30.05.1963 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p. 183.
216
Todas as intervenções feitas por Bandeira Ramos na Câmara de Vereadores podem ser encontradas nos
seguintes livros de Atas: Livro 1958/1963 (p.169-200); Livro 1963/1966 ( p. 1-24).
215
101
Agronômica da Bahia, no que diz respeito ao recebimento do salário mínimo
naquela Instituição. Em seguida apresentou um requerimento solicitando 30
dias de licença que recebeu do Sr. Presidente o seguinte despacho:
convoque-se o suplente imediato. Concluindo, o vereador Dr. José Alberto
Bandeira Ramos declarou que tanto ele como o vereador Hélio Pitanga, não
eram vereadores que vinham ao legislativo para defenderem posição de
bancadas, e sim se colocarem em posição de luta e defesa das massas
trabalhadoras, que para isso que foram eleitos [...]217.
Com relação à “crise” apontada por Bandeira Ramos, tratou-se de mais um episódio
grave que abalou o governo João Goulart. Era um momento em que os ministros militares do
então Presidente buscaram intervir na tentativa de prender o governador da Guanabara, Carlos
Lacerda, além de outros expoentes do conservadorismo político naquele momento. Lacerda
tinha cedido e publicado uma entrevista onde acusava Jango e seus correligionários de, entre
outras coisas, apoiarem “agitações trabalhistas” ocorridas naquele período, o que levaria o
país a uma crise profunda e desembocaria numa ação golpista liderada pelos militares. Os
ministros militares de Jango então, se sentiram ofendidos e sugeriram ao Presidente que
fizesse um pedido, junto com a aprovação no Congresso, de estado de sítio.
Porém, o movimento não foi visto com bons olhos pelas esquerdas (Grupo Compacto
do PTB, PCB e brizolistas), que também estavam em conflito com Goulart. Não tendo
confiança e nem segurança nas ações do Presidente, acreditavam que, com o estado de sítio,
os militares prenderiam tanto os conservadores quanto os esquerdistas, com destaque para
Miguel Arraes. Então, consciente que a medida seria derrotada no Congresso Nacional, Jango
retirou a solicitação de estado de sítio, o que não resolveu a crise política, que desembocou no
golpe de Estado de 1964 218.
Em meados de outubro de 1963, Bandeira Ramos teve que se afastar da Câmara por
motivos não informados. Para sua vaga, foi convocado o suplente Hélio Pitanga, companheiro
na FNCA e também no PTB. Herdeiro do getulismo, trabalhista e nacionalista assumido,
Pitanga assumiu o mandato em virtude do pedido de licença do colega de partido. Nomeado
então como vereador suplente, ficando no lugar do seu companheiro de partido e de luta,
Hélio Pitanga assumiu o cargo no dia 24 de outubro de 1963, em sua primeira sessão, dando
continuidade às propostas pela defesa dos trabalhadores, pelas reformas de base, pelas causa
dos menos favorecidos, entre outras demandas, propostas delineadas em consonância tanto ao
217
Ata de 14.10.1963 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.192.
Para saber mais sobre o episódio ver: FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011, p. 364-370.
218
102
que Bandeira Ramos vinha praticando, naquele momento, como o que João Gustavo já tinha
promovido durante o seu mandato, do qual comentamos algumas páginas atrás.
Hélio Pitanga, já na primeira sessão como vereador, manifestou o seu inconformismo
para com a Casa, alegando ter ela sempre trabalhado em defesa do poder econômico, sem dar
nenhuma atenção aos explorados e desfavorecidos. Apresentou, ainda, uma indicação em
defesa da Associação Beneficente das Mães Pobres, cujas integrantes viam na atuação de
Pitanga um suporte necessário para manutenção das atividades filantrópicas na cidade219.
As informações que conseguimos reunir sobre a Associação Beneficente das Mães
Pobres são insuficientes para avaliarmos a sua atuação em Cruz das Almas. Porém,
enfatizamos os vínculos que existiam entre a Associação e a FNCA. Algumas mães do clube
somavam-se, por vezes, às lutas do movimento nacionalista local, principalmente através de
duas líderes: as senhoras Maria Joaquina e Maria Benedita Salomão.
Quem esteve mais a frente do “Clube das Mães” foi o Hélio Pitanga, [...] e
era um movimento de natureza, eu não digo feminista, mas era um
movimento de afirmação da mulher. As reuniões que se faziam, as palestras
de esclarecimento, eu mesmo fiz mais de uma palestra. Nas reuniões do
“Clube das Mães” trazíamos companheiros de Salvador. [...] Havia duas
lideres, a Maria Joaquina e a Maria Benedita Salomão. [...] Elas tinham
atuação na Frente Nacionalista também, porque na verdade a Frente
Nacionalista era um movimento aberto, não era uma entidade, então,
enquanto movimento, todos esses outros grupos tinham um escoadouro na
Frente Nacionalista, embora a militância, por exemplo, da Maria Benedita no
“Clube das Mães” tinha uma pauta própria, que não se circunscrevia as
Reformas de Base nem a Frente Nacionalista220.
A defesa e a assistência cobrada por Hélio Pitanga para a Associação pode ser
constada nos documentos referentes a outras sessões da Câmara Municipal. Na Ata da sessão
de 31 de outubro de 1963, por exemplo, Pitanga questionou o corte na doação do leite
destinado à Associação Beneficente das Mães Pobres, ameaçando apresentar à sociedade local
o nome dos responsáveis pela interrupção do fornecimento, caso o fato se repetisse. Solicitou,
ainda, que a Casa Legislativa aprovasse um projeto de Lei, de sua autoria, que considerava de
“utilidade pública a Associação Beneficente das Mães Pobres”. Em outro momento, através
de outro projeto de Lei, concedia um terreno para a construção da sede do organismo
beneficente. As propostas foram votadas e aprovadas algumas sessões depois.
219
Ata de 24.10.1963 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1958/1963. p.194.
Depoimento do Sr. José Alberto Bandeira Ramos, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz
das Almas (BA), em janeiro de 2013.
220
103
Hélio Pitanga substitui Bandeira Ramos até novembro de 1963, porém retornou dias
depois, para substituir outro parlamentar. Bandeira Ramos, por sua vez, na sessão que marcou
o seu retorno, datada de 21 de novembro de 1963, continuou demonstrando preocupação com
os rumos da política nacional:
[...] o vereador Dr. José Alberto Bandeira Ramos teceu considerações sobre
a situação política que atravessava o país e em seguida apresentou um
requerimento solicitando do Sr. Presidente da República imediata
emancipação da Refinaria de Capaúva, fazendo a seguir alguns
esclarecimentos.[...]221.
Na sessão de 25 de novembro de 1963, Hélio Pitanga retornou ao Legislativo, sendo
convocado, desta vez, em substituição ao vereador Alino Matta Santana. Naquele momento,
os dois membros da FNCA, Bandeira Ramos e Hélio Pitanga, atuavam em consonância com
os princípios nacionalistas e reformistas. Na Ata da sessão de 28 de novembro de 1963, por
exemplo, Hélio Pitanga “teceu considerações sobre a política dos trustes internacionais no
país”222,sendo apoiado por Bandeira Ramos.
A leitura das Atas das sessões da Câmara de Cruz das Almas, realizadas no final de
1963, possibilita constatar o engajamento político dos vereadores do movimento nacionalista.
A crítica anti-imperialista, acompanhada pela desconfiança em relação aos Estados Unidos e
aos trustes internacionais, associava-se ao radicalismo imposto pelas lutas sociais dos anos
iniciais da década de 1960, a defesa das Reformas de Base preconizadas pelo conjunto das
esquerdas brasileiras. O clima de aberto conflito ideológico que dilacerava o sistema político
e a opinião pública nacional também deixou as suas marcas nos debates travados na Casa
Legislativa cruzalmense:
[...] o vereador Hélio Pitanga declarou a sua maneira como tem se conduzido
nesta casa, declarando ter sido chamado, por varias vezes, de falso
comunista, agitador recalcado, invejoso e até de cachorro leproso, fazendo a
seguir algumas considerações sobre a assunto, bem como sobre o problema
da vacinação no que diz respeito a atuação do Rotary Club, declarando ser
esta organização um movimento de espionagem americana. Concluindo,
declarou está a Frente Nacionalista de Cruz das Almas satisfeita de ter
derrubado mais um tabu nesta cidade no que diz respeito à atuação do
Vereador Dr. Geraldo Carlos Pereira Pinto [...]223.
221
Ata de 21.11.1963 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 10.
Ata de 28.11.1963 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 14.
223
Ata de 11.11.1963 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p.4.
222
104
Ao que parece, o Dr. Geraldo Carlos Pereira Pinto, que fazia parte da bancada udenista
na Casa, foi o responsável pelas ofensas dirigidas ao integrante da FNCA, Hélio Pitanga.
Assim, influenciado pelo conservadorismo udenista (que se colocava no campo oposto ao
nacionalismo trabalhista), anticomunista e receoso com o avanço das esquerdas, o vereador
Pinto rebateu as acusações, dizendo-se inocente, defendeu a atuação do Rotary Club na cidade
em prol de melhorias para a sociedade local, gerando calorosos debates na Câmara entre os
membros das bancadas rivais.
As atividades da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas, naquele ano, estenderamse até o final de dezembro, preenchidas com algumas sessões extraordinárias, queobjetivavam
analisar, votar e aprovar projetos de lei. Finalizado o período legislativo do ano de 1963, o
Legislativo Municipal entrou em recesso. A Câmara retomou os trabalhos em 7 de abril de
1964, após o triunfo do golpe de Estado que depôs o Presidente João Goulart. Perpetrado por
segmentos das Forças Armadas, apoiado por integrantes do Executivo e do Legislativo
vinculados à oposição e ao PSD, o movimento contou com a adesão entusiasmada do
empresariado, dos latifundiários, das classes médias e do governo norte americano224.
4.3 1964: silenciado o movimento nacionalista local
A leitura e a análise dos registros das primeiras sessões realizadas na Câmara de
Vereadores de Cruz das Almas após o golpe são relevantes no contexto do presente trabalho.
Nas Atas, identificamos o natural apoio e congratulação dos membros da Bancada da União
Democrática ao ato “revolucionário” das Forças Armadas Brasileiras. Ao mesmo tempo, não
faltaram as afrontas aos “comunistas”. É interessante notar que os membros da Bancada
Trabalhista Democrática, presentes às sessões, acabaram se somando aos votos de aplausos e
aos elogios tecidos à atuação dos militares que depuseram o Presidente João Goulart.
224
Existe uma vasta bibliografia que trata do golpe civil-militar de 1964, com destaque para: BANDEIRA,
Moniz. O Governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1978; DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1987; FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2011; GOMES, Ângela de Castro. FERREIRA, Jorge (orgs.). Jango: as múltiplas faces. Rio de
Janeiro: FGV, 2007; MORAES, Dênis de. A esquerda e o golpe de 1964. São Paulo: Expressão Popular, 2011;
MOTTA, Rodrigo Pato Sá. Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006; REIS
FILHO, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). O golpe e a ditadura militar 40
anos depois (1964-2004). Bauru-SP: EDUSC, 2004; SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio e Castelo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1992; TOLEDO, Caio Navarro de. (Org.). 1964: visões críticas do golpe: democracia e
reformas no populismo. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1997; FERREIRA, Marieta de Morais. João
Goulart: entre a Memória e a História. Rio de Janeiro: FGV, 2006; FICO, Carlos. Além do Golpe: versões e
controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2004.
105
Provavelmente, as atitudes dos correligionários de Jango se devessem ao receio de represálias,
cassação dos mandatos e demais prejuízos aos quais estavam sujeitos.
Em seguida, os membros da Bancada udenista, sob a liderança do vereador Dr.
Geraldo Carlos Pereira Pinto, solicitaram à Câmara a cassação dos mandatos do vereador José
Alberto Bandeira Ramos e dos suplentes, Hélio Pitanga e Mario Santos, integrantes da FNCA,
tidos como subversivos. A exigência foi aprovada. Finalmente, pediram o afastamento do
prefeito Jorge Guerra que, devido a razões insuficientemente esclarecidas, renunciou ao
cargo. Assim, como um desdobramento das decisões tomadas pelo Legislativo Municipal,
membros da FNCA foram presos, alguns fugiram da cidade (dentre eles os vereadores
Bandeira Ramos e Hélio Pitanga) e outros foram submetidos a inquérito.
Na sessão de reabertura dos trabalhos da Câmara de Vereadores, em 7 de abril de
1964, os membros da bancada da União Democrática festejavam os acontecimentos da
madrugada do dia 31 de março para 1º de abril. Terminado o expediente que abria aquele ano
legislativo, o assunto foi logo colocado em pauta, declarando o vereador Dr. Geraldo Carlos
Pereira Pinto, que “graças a Deus o sol da liberdade e da democracia voltou a brilhar no
Brasil, por se libertar o nosso país do julgo comunista”225. Além disso, o mesmo “procedeu à
leitura de um panfleto intitulado Os Patriotas, distribuído na cidade pela Frente Nacionalista
de Cruz das Almas”226. Infelizmente, não podemos identificar o texto citado, assim como não
foi possível verificar o discurso do vereador, que provavelmente deve estar arquivado na
Câmara de Vereadores, o que torna difícil o acesso a tal fonte, mas que, certamente, contém a
interessante mensagem exposta no tal panfleto.
Nas sessões, agradecimentos e Moções de aplausos às Forças Armadas, ao General da
Sexta Região Militar e aos demais “chefes civis e militares da Revolução pela legalidade
democrática” foram apresentados e aprovados227. Uma das solicitações afirmava que, graças
aos “revolucionários”, “o Brasil foi libertado da nefasta comunista”
228
. Continuando a série
de discursos, outro representante da Bancada da União Democrática, em tom de deboche,
“declarou ser com tristeza que no dia da reabertura dos trabalhos desta casa não
compareceram [...] os seus adversários por estarem envergonhados pela demagogia pregada
por eles perante o povo” 229.
225
Ata de 07.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p.24.
Ata de 07.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 24-25.
227
Ata de 07.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 25.
228
Ata de 09.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 26.
229
Ata de 07.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 25.
226
106
Desde que foram retomadas as atividades na Câmara de Vereadores não mais constou
a presença de Bandeira Ramos, nem de Hélio Pitanga. As ausências se justificam pelo fato de
os dois terem se evadido durante o golpe de 1964. A fuga de Bandeira Ramos foi constada em
Ata da seguinte forma: “[...] o vereador Dr. Zinaldo Figueiroa de Sena, apresentou um
requerimento solicitando a convocação do suplente imediato, em vista do titular José Alberto
Bandeira Ramos encontrar-se em fuga no momento [...]” 230.
No momento do golpe, Hélio Pitanga não exercia o mandato de vereador, assim não
encontramos o seu nome na lista de ausentes das sessões da Câmara que se seguiram após 7
de abril de 1964. Como suplente, Pitanga teve duas breves passagens no Legislativo,
substituindo outros vereadores. Porém, foi um dos idealizadores, líderes e integrantes mais
destacados do movimento nacionalista em Cruz das Almas. Assim, temendo represálias,
escolheu fugir. Sobre a saída de Pitanga da cidade, um entrevistado informou:
Uma das minhas maiores emoções foi quando encontrei Hélio Pitanga,
fugitivo, disfarçado, num cinema em Itabuna, [...]. Abraçamo-nos e
choramos de emoção. Ele contou-me tantas coisas, da sua fuga com os
amigos, da ditadura no seu encalço, as cercas de arame que teve que passar,
a fome a sede a peregrinação pelas beiradas escondidas das estradas [...]231.
Em 9 de abril de 1964, “o Vereador Geraldo Carlos Pereira Pinto apresentou um
requerimento
solicitando
suspensão
de
mandatos
dos
vereadores
e
suplentes
comprovadamente comunistas”232. Como já adiantamos, o pedido foi aprovado e os mandatos
de José Alberto Bandeira Ramos, Hélio Pitanga e Mario Santos foram cassados na sessão
extraordinária datada de 6 de maio de 1964, nos termos constantes na Ata:
Aos seis dias do mês de maio do ano de mil novecentos e sessenta e quatro,
na sala das sessões da Câmara Municipal de Cruz das Almas, do Estado da
Bahia, realizou-se a primeira sessão extraordinária do primeiro período
legislativo do ano em curso, com a finalidade de cassação de mandatos dos
vereadores e suplentes comprovadamente comunistas. [...] Em seguida o Sr.
Primeiro Secretário procedeu a leitura da resolução de cassação de
mandatos, em que diz no seu artigo 1º: ficam cassados por atividades
subversivas comprovadas os mandatos do vereador José Alberto Bandeira
Ramos e dos suplentes Hélio Pitanga e Mario Santos [...]233.
230
Ata de 28.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p.31.
Depoimento do Sr. Hermes Peixoto, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em Outubro de 2010.
232
Ata de 09.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 26.
233
Ata de 06.05.1964 da sessão extraordinária da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966.
p.34.
231
107
Após a leitura da resolução, todos os vereadores presentes, inclusive os que atuavam
na Bancada Trabalhista Democrática, fizeram declaração de votos favoráveis à cassação dos
mandatos e assim votaram, sendo o pedido aprovado por unanimidade. Como salientamos
anteriormente, é bastante plausível que os antigos aliados do prefeito Jorge Guerra estivessem
pressionados pelos novos rumos tomados pela política estadual e nacional, receosos de serem
presos ou terem os mandatos cassados. De toda sorte, mesmo apoiando a cassação dos
integrantes da FNCA, os componentes da bancada governista ainda corriam riscos, pois, em
diversas ocasiões, apoiaram ou aprovaram propostas dos nacionalistas – e não podiam negar o
suporte emprestado anteriormente aos “comunistas”.
Na verdade, esta foi outra questão que ocupou os debates na Câmara, sendo explorada
pelos defensores do golpe, com finalidade de desmoralizar os membros da bancada
trabalhista. Por vezes, os vereadores udenistas tratavam do assunto, apontando, de forma
irônica, os erros cometidos pelos colegas do campo oposto, que, diversas vezes, corroboraram
intervenções dos cassados. Por exemplo, um adversário da Frente Nacionalista de Cruz das
Almas, ironicamente, “congratula-se com a bancada trabalhista democrática, pela sua
mudança tão rápida de posição, no que diz respeito à politica nacional” 234. Um dos
parlamentares mais críticos em relação aos correligionários dos cassados foi o Vereador Dr.
Geraldo Carlos Pereira Pinto, que não esquecia os “equívocos” cometidos no passado recente:
[...] vereadores que defenderam nesta Câmara elementos subversivos, voltam
hoje a condená-los, como varias moções de aplausos a Arraes, o Camponês
Jofre, o padre comunista, moção de repulsa a Carlos Lacerda, foram
aprovadas nesta Câmara pela Bancada da Coligação Trabalhista
Democrática, e hoje estão esses vereadores como fiel de balança que pendem
para o lado mais pesado [...]235.
A adesão à nova ordem custou caro para aos vereadores da Bancada Trabalhista, que
tiveram de se submeter à humilhação dos questionamentos lançados pelos “revolucionários”
de primeira hora. Alguns ainda ousavam justificar, mas a maioria permaneceu quieta.
Além dos vereadores da FNCA, o prefeito Jorge Guerra se tornou alvo dos apoiadores
do golpe. Como a sua vitória se deveu em parte ao apoio manifestado pela Frente, não foi
difícil para os derrotados de 1962 apresentem Guerra como um “companheiro de viagem” dos
comunistas. Já na Moção de aplauso ao Comandante da Sexta Região Militar, o prefeito de
Cruz das Almas foi citado como conivente ao ideal comunista. Assim, colocado em votação,
234
235
Ata de 28.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 31-32.
Ata de 28.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 32
108
alguns vereadores foram contrários ao texto, em função do que afirmava sobre Guerra. Mas,
“o Vereador Edmundo Pereira Leite declarou que o Sr. Prefeito além de receber os votos dos
comunistas, participou de comícios comunistas”236.
As acusações pressionavam e desgastavam Jorge Guerra, que não conseguiu resistir,
optando pela renúncia, em 15 de maio de 1964. Em virtude do gesto do prefeito, a Câmara de
Vereadores realizou uma sessão ordinária com fim especial de tomar conhecimento da sua
renúncia e escolher um novo prefeito, na qual foi lida a Carta de Renúncia, com o seguinte
teor: “[...] Por minha exclusiva conveniência pessoal renuncio ao cargo de Prefeito deste
Munícipio. Orgulho-me dos meus amigos. Ao povo que me elegeu, a minha gratidão.
Atenciosamente, Jorge Guerra.”
237
. Segundo José Alberto Bandeira Ramos, “ele não queria
renunciar, [...] mas, cedendo às pressões familiares ele acabou optando pela fórmula da
renúncia. Se ele não renunciasse, ele seria deposto, certamente” 238.
Não existem indícios concretos da associação, simpatia ou adesão de Jorge Guerra ao
comunismo. O que foi possível constatar, ao longo da investigação histórica que resultou no
presente trabalho, é que Guerra concorreu a todas as eleições pelo Partido Social
Democrático, tendo o apoio do PTB. Assim, uma hipótese plausível é que ele integrava o
segmento mais progressista do PSD, a Ala Moça239. Porém, as fontes investigadas não
confirmaram a nossa impressão. Manoelito Roque Sá, memorialista da cidade de Cruz das
Almas, vereador naquele período, ao se referir a Jorge Guerra durante aquele episódio,
colocou que:
[...] foi afastado do poder mesmo sem implicações antidemocráticas e muito
menos subversivas. [...] O Golpe de 31 de Março de 1964 foi denominado
em Cruz das Almas de “Banquete dos Antropófagos”. A verdade após a
renúncia e antes mesmo, envolve fatos ainda obscuros, da história política da
cidade240.
Ainda existem muitas lacunas sobre os impactos do golpe de 1964 em Cruz das
Almas. Uma questão a ser investigada é a repressão que se abateu sobre o Sindicato do Fumo,
as associações e o Colégio Alberto Torres. Neste sentido, um avanço na historiografia
contemporânea que deve ser destacado é trabalho de Lucileide Costa Cardoso, que trata da
236
Ata de 09.04.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 26.
Ata de 15.05.1964 da sessão da Câmara de Vereadores de Cruz das Almas. Livro 1963/1966. p. 37
238
Depoimento do Sr. José Alberto Bandeira Ramos, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz
das Almas (BA), em janeiro de 2013.
239
Sobre a Ala Moça, ver: HIPPOLITO, op. cit., p. 163-223.
240
SÁ, Manoelito Roque. Actas e Atos: resumo histórico da Câmara Municipal de Cruz das Almas. Cruz das
Almas: Gráfica e Editora Nova Civilização Ltda., 2007. p. 60.
237
109
repressão na Escola Agronômica da Bahia (EAB)241. Desse modo, infelizmente lacunas não
puderam ser totalmente preenchidas no presente trabalho, que objetivou discutir a trajetória da
Frente Nacionalista de Cruz das Almas, ainda assim cientes que persistem dúvidas sobre os
caminhos palmilhados pelos integrantes da FNCA após o golpe.
Hélio Pitanga, dirigiu-se para Itabuna, no Sul da Bahia, lá permanecendo até o final da
sua vida. Por sua vez, José Alberto Bandeira Ramos fugiu para o Rio de Janeiro. Aliás,
Bandeira Ramos desenvolveu muitas atividades políticas e profissionais, que exigiriam uma
pesquisa mais aprofundada e detalhada, considerando muitos aspectos: a atuação no Partido
Comunista Brasileiro; a fuga, a clandestinidade, a prisão e a tortura no momento do golpe de
1964; a provável relação com expoentes do PCB; além da atuação nos movimento estudantil
(secundarista e universitário) e nacionalista em Cruz das Almas.
De toda sorte, conseguimos investigar alguns elementos relacionados aos primeiros
anos da trajetória de Bandeira Ramos. A julgar pelas fontes investigadas, ele militou no PCB,
justamente quando era vereador e integrava o movimento nacionalista em Cruz das Almas.
Em 1962, Bandeira Ramos já tinha terminado o curso superior na Escola Agronômica da
Bahia e buscava se inserir no mercado de trabalho, seguindo para Salvador. Na capital,
provavelmente iniciou o seu contato com o Partido Comunista Brasileiro. Não sabemos ao
certo quando, nem por intermédio de quem, nem por quais portas o vereador ingressou na
organização de esquerda. Mas, existem evidências não apenas da militância de Bandeira no
partido, mas também no trabalho de implantação de células comunistas em Cruz das Almas,
conforme assegurou um entrevistado:
José Alberto Bandeira Ramos continuou firme na militância em outra
dimensão. [...] Mas não deixou a política de Cruz das Almas onde era
vereador [...] e organizava as bases do partidão. [...] Na condição de
simpatizante, cheguei a participar de uma organização de base – OB do
Partido Comunista – em Cruz das Almas, no começo da década de 60,
somente até o Golpe de 1964. Depois do golpe não mais exerci militância
política de qualquer natureza242.
Um documento localizado no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ)
apresenta informações de um agente da repressão sobre o dirigente comunista e os seus
241
Para saber mais sobre a recepção do Golpe civil/militar de 1964 na EBA ver: CARDOSO, Lucileide Costa.
Entre o Movimento Estudantil e a Luta Armada: Eudaldo Gomes da Silva e o “Massacre da Chácara São Bento”
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repressão política no coração do Recôncavo Baiano. In: Anais do X Encontro Nacional de História Oral –
Testemunhos: História e Política. Recife-PE, 2010.
242
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
110
vínculos com Cruz das Almas. O Relatório, elaborado, para a VI Região Militar, setor II b /
IV b – setor político, datado de 6 de novembro de 1963, sublinhou:
Informamos que 3 elementos [...] mantiveram no dia do último domingo
palestra direta com seis comunistas. Palestra sem maiores pretensões de
nossos elementos e que redundaram em boas informações. Os comunistas
foram: José Pinheiro Tolentino, Djalnira Andrade, José Alberto Bandeira,
Ariston Caldas, Eupídio Bastos e Ivan Bastos. O sr. J. Pinheiro Tolentino,
encarregado do Comitê Municipal de Itabuna, a srta.Djalnira Andrade,
militante do PC e ligada à secção estadual de cultura e CPC e ETUB (teatro),
José Alberto Bandeira Ramos, dirigente do Comitê Municipal do PC em
Cruz das Almas e vereador por aquela cidade. O sr. Bandeira e noivo ou
semelhante da srta.Djalnira. [...] O sr. Tolentino [...] disse [...] que no
sábado, o CPC de Arte, havia recebido uma boa contribuição [...] para
custear a viagem do CPC à Cruz das Almas, onde deveriam fazer uma
exibição para a Escola de Agronomia.[...]243.
Ao menos para os agentes da repressão, inexistiam dúvidas sobre o papel
desempenhado por José Alberto Bandeira Ramos como dirigente comunista nos meses que
antecederam o golpe de 1964. Contudo, a informações presentes no Relatório necessitam ser
confrontadas com outras fontes. Por outro lado, até que ponto a suposta militância comunista
de Ramos influiu no movimento nacionalista de Cruz das Almas? Talvez em uma futura obra
que planeja escrever, o ativista possa elucidar esta e outras questões acerca da sua trajetória.
Contudo, as fontes investigadas possibilitam afirmar que o vereador foi um dos
expoentes da FNCA, defendeu os direitos dos trabalhadores e apoiou as Reformas de Base.
Finalmente, o caso Bandeira Ramos parece confirmar a hipótese da radicalização de alguns
integrantes da Frente, que nos primeiros anos da década de 1960, realizaram uma guinada à
esquerda – a ponto de um dos seus fundadores se vincular organicamente ao PCB.
Outro caso de militante comunista que se associou à Frente Nacionalista de Cruz das
Almas foi o Mario dos Santos, suplente de vereador cassado juntamente com Bandeira Ramos
e Hélio Pitanga. Com a chegada das tropas à cidade em abril de 1964, Mário Comunista,
como era conhecido, foi um dos membros da FNCA preso pelos militares. Mário dos Santos
conquistou a alcunha graças a uma remota militância comunista, que assegurava ter começado
na década de 1930.
[...] a trajetória do Mario Santos, assim chamado de Mario Comunista, era
bem anterior de todos nós. Ele, na verdade, se vinculou ao Partido
Comunista fora de Cruz das Almas. Ele [...] foi para o Rio de Janeiro, se
243
ARQUIVO Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).Fundo: Polícias Políticas (POL. POL.). Série:
Comunismo. Estado 05. Pasta 605, folha 38.
111
engajou na Marinha, participou daquele movimento de 35, esteve preso, e
levou algum tempo preso naquele período do Estado Novo de Vargas, e o
orgulho que ele tinha era de proclamar que ele tinha sido aluno de Caio
Prado Junior na cadeia [...]244.
Mais uma vez, confrontamo-nos com a carência de fontes que poderiam contribuir
para a análise da rica da trajetória política de Mario dos Santos, incluindo sua participação no
Partido Comunista. Nos limites do presente trabalho, podemos apresenta-lo como um dos
idealizadores do movimento nacionalista na cidade e responsável por estabelecer vínculos
entre a FNCA e o sindicato dos operários do fumo, que até então permanecia distante da luta
nacionalista na cidade. Conforme assegurou José Alberto Bandeira Ramos, “ele trabalhou no
fumo e chegou a ser presidente do sindicato dos trabalhadores do fumo em Cruz das Almas.
Na ocasião, [...] o sindicato também compunha o grande arco do movimento nacionalista” 245.
Existe uma fotografia de Mario dos Santos na edição de aniversário de um ano do
periódico O Nacionalista, datada de 5 de abril de 1959, que encontra-se em anexo e está
acompanhada do seguinte texto: “Sr. Mario dos Santos; Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores do Fumo; Cidadão honesto e estimado; Vida inteiramente dedicada aos
interesses da classe operária cruzalmense”246.
Não encontramos nada referente à ligação de Mario dos Santos com o Partido
Comunista no período em que atuou na FNCA. Também não conseguimos maiores
informações sobre a sua prisão, mas, ao que parece, não ofereceu resistência, nem buscou
fugir, assim como fizeram Bandeira Ramos e Hélio Pitanga, por exemplo. Junto com Mario
dos Santos, foram presos outros ativistas da FNCA, como recordou Cyro Mascarenhas:
Foram presos, além de mim, os companheiros Mario Santos, ex-marinheiro
da Marinha do Brasil que já passara por situação semelhante muitos anos
antes no Rio de Janeiro, [...]; Martinho, o presidente da Associação de
Tarefeiros da Escola Agronômica da Bahia, Carlos Alves Costa, estudante
de Agronomia, e Gumercindo Kruchesvsky, membro do Diretório
Acadêmico da Escola Agronômica da Bahia. Desses, apenas o Gumercindo
não militava na Frente Nacionalista. Recordo também de um companheiro
muito combativo que chegou a ser recolhido conosco à Delegacia de Polícia,
mas terminou não sendo levado para Salvador, o mecânico Rito
Rodrigues247.
244
Depoimento do Sr. José Alberto Bandeira Ramos, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz
das Almas (BA), em janeiro de 2013.
245
Depoimento do Sr. José Alberto Bandeira Ramos, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz
das Almas (BA), em janeiro de 2013.
246
S/T; Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 05/04/1959. No 26. p. 07.
247
Depoimento do Sr. Cyro Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das Almas
(BA), em novembro de 2012.
112
Além de Rito Rodrigues, outro membro da FNCA apenas interrogado foi João
Gustavo. O depoimento do comerciante aos militares foi avaliado por um dos seus
contemporâneos, Everaldo Mascarenhas, como um momento de grande coragem.
[...] o interrogador perguntou: “mas, o senhor é comunista?” E ele
respondeu: “vírgula, comunista, eu?” Aí disse, “se o comunista é defender o
povo, se é lutar em defesa de uma sociedade mais igualitária, ai sim, eu sou
comunista, se a interpretação de sercomunista então é isso, aí sim”248.
A atitude não lhe valeua prisão pelos militares, mas solidificou o respeito e a
admiração que seus companheiros do movimento nacionalista de Cruz das Almas já tinham
por João Gustavo249.
A Frente Nacionalista de Cruz das Almas, associada às ideias de esquerda e mesmo ao
comunismo, foi perseguição pelos militares que, contado com o apoio da sociedade civil
local, reprimiram os movimentos organizados na cidade. Além dos integrantes da FNCA,
sindicalistas, estudantes, parlamentares, camponeses e operários passaram a ser investigados
na cidade. Dessa forma, através da repressão militar, das prisões, da cassação de mandatos e
dos interrogatórios, os novos donos do poder, em abril de 1964, silenciam de vez o
movimento de luta nacionalista de Cruz das Almas.
248
Depoimento do Sr. Everaldo Mascarenhas, concedido a Heber José Fernandes de Oliveira, em Cruz das
Almas (BA), em Agosto de 2010.
249
Cyro Mascarenhas, um dos articulistas da FNCA naquele período, informa que escreveu um artigo em
homenagem a João Gustavo. O artigo pode ser encontrado, na integra, na página:
http://www.recantodasletras.com.br/homenagens/625326.
113
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na década de 1950 e início dos anos 1960, o Brasil se encontrou em um contexto
político no qual os posicionamentos nacionalistas, anti-imperialistas, de oposição aos
“trustes” internacionais, a favor das Reformas de Base e da legalidade constitucional
ganharam ampla repercussão no parlamento e junto à opinião pública. Assim, cresceram os
movimentos que reivindicaram mudanças estruturais para o país, desfraldando a bandeira do
nacionalismo.
Ao longo deste trabalho, discutimos aspectos relacionados à luta nacionalista, ocorrida
no Brasil no período questão, colocando em destaque a trajetória do Frente Nacionalista de
Cruz das Almas. Assim, consideramos pertinente a temática a partir de dois aspectos
fundamentais: a originalidade e a relevância social.
A pesquisa se tornou original pelo fato de os movimentos nacionalistas receberem
pouca atenção da historiografia baiana até então e relevante pelo fato de, mesmo o
nacionalismo ser um tema de interesse de intelectuais desde os anos de 1920, foi a partir da
década de 1950, recorte temporal proposta por nós no presente trabalho, que um projeto
nacionalista se alastrou por diversos lugares do país, tomando força e se tornando um
instrumento de mudança da realidade social, tanto nas capitais quanto nas cidades do interior,
como foi o caso de Cruz das Almas.
Ademais, a importância desse estudo decorre, também, das dificuldades que
pesquisadores encontram nas investigações sobre os pequenos municípios, que, no nosso
caso, foi possível dentro do campo da História Política, ou seja, a Nova História Política, que
deu espaço a novas abordagens, novos objetos, ao estudo sobre mundos menores ou às
pessoas comuns. Estudar movimentos políticos nos grandes centros possibilita certo conforto
ao pesquisador, pois, nas capitais, existem arquivos públicos e são maiores as facilidades de
acesso às fontes, ao contrário das pesquisas que se debruçam sobre os municípios menores, ou
seja, as histórias locais, por conta, muitas vezes, da inexistência de instituições responsáveis
pela preservação da memória histórica – para não mencionar a dificuldade no acesso aos
arquivos privados.
A Frente Nacionalista de Cruz das Almas, portanto, é um objeto de estudo original e
relevante, pois demostra a amplitude que o nacionalismo alcançou no país naquele período,
além de lançar luzes sobre as relações da FNCA com os partidos tradicionais do período
114
(PTB, PSD e o ilegal PCB), bem como acerca do processo de radicalização do movimento,
até se transformar em um projeto político silenciado pelo golpe civil-militar de 1964.
Ao longo do trabalho, buscamos entender, inicialmente, como o movimento
nacionalista surgiu em Cruz das Almas, a partir de alguns articuladores, que receberam a
influência do getulismo. As campanhas, candidaturas e gestões do prefeito Jorge Guerra
foram importantes para consolidar a FNCA, além de difundir a mensagem do PTB e do PSD,
partidos tinham como grande referência a figura de Getúlio Vargas. Neste sentido, Cruz das
Almas é um caso revelador das virtudes e das vicissitudes da aliança entre os pessedistas
(liderados por Jorge Guerra) e os trabalhistas (representados por João Gustavo, Bandeira
Ramos e Hélio Pitanga).
No contexto histórico investigado, o nacionalismo se espalhou pelas diferentes regiões
do Brasil e emergiu em Cruz das Almas. A cidade se destacava naquele período por sediar
uma Universidade, ter sindicato e movimento estudantil secundarista e universitário, ou seja,
oferecia condições para a politização de segmentos da sociedade local. Assim, somando a
influência getulista na política local e o avanço do PSD e do PTB, tanto no âmbito nacional
quanto municipal, homens e mulheres articularam-se e passaram a se engajar na luta
nacionalista, defendendo as riquezas nacionais (principalmente o petróleo) e combatendo os
que mantinham o país subdesenvolvido (os EUA, os trustes e os “entreguistas”).
A partir destes princípios, decidiram criar a Frente Nacionalista de Cruz das Almas,
congregando todos os atores sociais que simpatizassem com a causa nacional: operários do
fumo, estudantes secundaristas e universitários, camponeses, comerciantes, donas de casa e
servidores públicos. Com o progresso obtido pela FNCA, alguns ativistas optaram pelo
ingresso na política partidária e concorreram a cargos eletivos. A julgar pelas fontes
investigadas, o PTB foi o partido que exerceu maior influência sobre os membros do
movimento nacionalista local, em virtude da plataforma defendida pelos trabalhistas: defesa
da soberania nacional, dos trabalhadores e dos desfavorecidos.
Na efervescente conjuntura política nacional que se prefigurou no início da década de
1960, o PTB, assim como outras organizações política radicalizou o discurso, propondo
fórmulas mais radicais para o enfrentamento dos problemas socioeconômicos que afligiam o
país. A inflexão petebista repercutiu em Cruz das Almas devido avanços das lutas sociais e
dos canais de comunicação entre o movimento local e o nacional. A ligação entre os jornais O
Nacionalista e O Semanário, a relação da FNCA com integrantes da Frente Parlamentar
Nacionalista e a hegemonia dos partidos de âmbito nacionais na cidade exemplificam as
articulações entre os fenômenos que ocorriam no país e no município. Em Cruz das Almas, os
115
membros da FNCA e os colaboradores de O Nacionalista recebiam informações atualizadas
sobre os episódios que marcavam a política nacional e acompanhavam as perspectivas
defendidas pelos militantes nacionalistas, que, àquela altura, já se associavam às propostas das
Reformas de Base.
A Frente Nacionalista de Cruz das Almas também radicalizou as suas perspectivas.
Porém, mesmo com as afinidades em relação às propostas do Grupo Compacto do PTB, de
Leonel Brizola e de Miguel Arraes, os integrantes da FNCA entrevistados negaram adesãoa
um projeto revolucionário. Na cidade do Recôncavo baiano, a luta nacionalista se associou ao
apoio às Reformas de Base, à legalidade constitucional e à defesa dos direitos dos
trabalhadores. Os mandatos de Bandeira Ramos, Hélio Pitanga e João Gustavo na Câmara de
Vereadores confirmam o caráter reformista do movimento.
No entanto, constatamos que alguns integrantes da Frente estabeleceram vínculos com
organização de esquerda. O caso mais significativo foi o de José Alberto Bandeira Ramos, um
dos idealizadores da FNCA, membro atuante, vereador pelo PTB em Cruz. Ao que parece, o
ativista ingressou no ilegal Partido Comunista Brasileiro em Salvador, após ter se formado e
saído para trabalhar na capital. Nos documentos da repressão e nas entrevistas dos
contemporâneos, ele aparece como o dirigente partidário responsável pela organização de
base do PCB na cidade. Nesse sentido, a trajetória de Bandeira Ramos é um objeto de estudo
que se abre para investigações futuras.
Portanto, os vínculos com organizações de esquerda; o apoio emprestado a lideranças
como João Goulart, Leonel Brizola e Miguel Arrais; a luta a favor das Reformas de Base; a
participação de deputados nacionalistas e de esquerda, a exemplo de Fernando Santana (PTB)
e Hélio Ramos (PSD), nos atos e comícios da Frente; a defesa dos direitos dos trabalhadores,
dos camponeses e dos mais pobres; a propaganda anticomunista, explorado pelos setores
conservadores em âmbito nacional e local; e a mobilização política questionadora renderam
aos integrantes daFNCA os rótulos de agitadores, subversivos e, até mesmo, comunistas.
Assim, com a vitória do golpe civil-militar de 1964, a repressão se abateu sobre a cidade,
calando o movimento nacionalista cruzalmense e os seus aliados.
Para concluir, mas sem a intenção de encerrar as discussões, já que foi recorrente
relativizarmos muitas questões, devido ao tempo exíguo para investigar outras fontes e
aprofundar as análises, insistimos na importância deste estudo sobre a Frente Nacionalista de
Cruz das Almas também como mais uma expressão de uma luta política local, que esteve
interligada a um movimento que ocorrendo no Brasil entre os anos de 1950 e 1964. A Frente
foi um movimento político precursor na região do Recôncavo da Bahia no que se refere às
116
demandas nacionalistas. Não menos importante, pela sua atuação, a FNCA pode ser
considerada um núcleo organizador e propagador das lutas reivindicatórias na cidade,
demonstrando, assim, uma força de mobilização política questionadora na região.
117
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http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx.
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124
ANEXOS
ANEXO A – Prefeitos do Município de Cruz das Almas entre 1948-1964 e períodos das
gestões.
Ramiro Eloy Passos: 05/02/1948 – 31/01/1951
Jorge Guerra: 31/01/1951 – 07/04/1955
Ramiro Eloy Passos: 07/04/1955 – 07/04/1959
Fernando Carvalho de Araújo: 07/04/1959 - 07/04/1963
Jorge Guerra: 07/04/1963 – 15/05/1964
ANEXO B – Candidatos a Prefeito do Município de Cruz das Almas, períodos das
eleições e situação dos candidatos.
1947: Ramiro Eloy Passos....................................Eleito
José de Carvalho Rocha
1950: Jorge Guerra...............................................Eleito
Ramiro Magalhães Costa
1954:Ramiro Eloy Passos....................................Eleito
Waltercio Barroso Fonseca
1958:Fernando Carvalho de Araújo....................Eleito
Jorge Guerra
1962:Jorge Guerra................................................Eleito
José Alberto Passos de Almeida
1964:Waltercio Barroso Fonseca............................Eleito pela Câmara de Vereadores
125
ANEXO C - Membros da FNCA citados no presente trabalho.
*Todas as informações abaixo foram expostas pelos quatro membros da FNCA e do jornal O
Nacionalistaque colaboraram com seus relatos orais. São eles: Cyro Mascarenhas, Hermes
Peixoto, Everaldo Mascarenhas (inmemoriam) e José Alberto Bandeira Ramos.
João Gustavo da Silva:
Comerciante. Um dos idealizadores da FNCA, colaborador dos jornais Nossa Terra e O
Nacionalista, eleito vereador pelo PTB para o quadriênio 1959/1963. Em 1964, no momento
do golpe civil militar, foi recolhido para interrogatório em Cruz das Almas, mas não foi preso.
Everaldo Mascarenhas:
Estudante. Atuou na FNCA quando o movimento iniciou as atividades na cidade e foi
colaborador em O Nacionalista, porém teve uma atuação efêmera no movimento nacionalista
de Cruz das Almas por motivos profissionais. No momento do golpe de 1964 já não mais
atuava na FNCA.
José Alberto Bandeira Ramos:
Estudante. Atuou no movimento estudantil secundarista e universitário, foi um dos
idealizadores da FNCA, publicava em O Nacionalista. Foi eleito vereador pelo PTB em 1962,
atuando no Legislativo Municipal somente no ano de 1963, pois teve seu mandato cassado no
momento do golpe em1964. Integrante do PCB naquele momento, fugiu de Cruz das Almas
com receio dos órgãos de repressão que ocuparam a cidade, sendo preso no Rio de Janeiro
dias depois.
Cyro Mascarenhas:
Estudante. Atuou no movimento estudantil secundarista e universitário, ingressou na FNCA
após o ano de 1960. Simpatizante dos ideais comunistas e reformistas, não chegou a ingressar
no PCB, mas foi preso, em Cruz das Almas, no momento do golpe de 1964, sendo levado em
seguida para Salvador.
Hermes Peixoto Filho:
Estudante. Atuou com destaque no jornal O Nacionalista, sendo um dos principais redatores.
Sua atuação na FNCA foi modesta, participando apenas de algumas reuniões. No momento do
126
golpe civil-militar, em 1964, não residia mais em Cruz das Almas, o que, provavelmente, o
livrou de uma possível reclusão.
Hélio Pitanga:
Dono da gráfica Nossa Terra, empreendimento que herdara de seu pai, Verdival Pitanga, e
onde os jornais Nossa Terra e O Nacionalista eram impressos. Um dos fundadores da FNCA,
sendo um dos membros mais envolvidos naquele movimento. Fiel colaborador do jornal O
Nacionalista, chegava a passar por dificuldades financeiras em prol da manutenção daquele
periódico. Atuou ainda na Câmara de Vereadores, em 1963, quando, candidato pelo PTB,
ficou na suplência, assim, substituiu dois vereadores naquele ano. Em abril de 1964 estava
entre os nomes dos vereadores cassados e, com a chagada dos órgãos de repressão na cidade,
decidiu fugir para o Sul a Bahia, permanecendo por lá e não retornando mais para Cruz das
Almas.
Mario Santos (Mario Comunista):
Operário do fumo. Um dos idealizadores da FNCA. Presidio o sindicato dos operários do
fumo na cidade, e em 1962 se candidatou, pelo PTB, a uma vaga no legislativo municipal,
ficando também na suplência. Foi outro membro da FNCA preso no momento do golpe de
1964 em Cruz das Almas, além de ter tido sua suplência cassada pela Câmara Municipal
naquele momento. Era conhecido como Mario Comunista por ter ingressado no partido na
década de 1930 e ter sido preso também naquele período.
Dionísio Lira:
Funcionário dos Correios. Conforme os contemporâneos, um dos atuantes mais entusiastas do
movimento. Não encontramos informações sobre o que lhe ocorreu no momento em que os
órgãos de repressão chegaram à cidade.
Rito Rodrigues:
Pequeno empresário de uma oficina mecânica. Muito combativo, participou de algumas reuniões
e ações da FNCA. No momento do golpe civil/militar em 1964, foi recolhido para
interrogatóriona delegacia em Cruz das Almas, mas não chegou a ser preso.
127
Maria Joaquina:
Operária da indústria do fumo e uma das lideres da Associação Beneficente das Mães Pobres,
atuava na FNCA participando das reuniões. Não foram encontradas informações do que lhe
aconteceu no momento em que os órgãos da repressão chegaram na cidade em 1964.
Maria BeneditaSalomão:
Também operária da indústria do fumo e líder da Associação Beneficente das Mães Pobres.
Também não foram encontradas informações sobre o que lhe aconteceu no momento em que
os órgãos da repressão chegaram à cidade.
Baeta:
Dirigente da Associação dos Trabalhadores da EAB,intercalava sua luta em defesa dos trabalhadores
da EAB com a luta nacionalista na FNCA. Porém, não foram encontradas mais informações sobre
sua atuação no movimento nem o que lhe aconteceu no momento em que os órgãos da
repressão chegaram na cidade em 1964.
Martinho:
Lavrador e presidente da Associação de Tarefeiros da EAB. Também atuou no movimento
nacionalista local. Um dos integrantes da FNCA preso na cidade em 1964, no momento do golpe
civil/militar.
Carlos Costa:
Estudante. Participou de reuniões da FNCA, porém se destacava nas suas atividades no jornal
O Nacionalista, onde era o responsável pela distribuição do periódico na cidade. Também foi
preso, em Cruz das Almas, no momento do golpe civil/militar de 1964.
Eduardo Lacerda Ramos:
Estudante. Atuou no movimento estudantil secundarista e universitário naquele período. Foi
membro da FNCA e colaborador do jornal O Nacionalista. Contudo, não foram encontradas
mais informações sobre sua atuação no movimento nem o que lhe aconteceu no momento em
que os órgãos da repressão chegaram à cidade em 1964.
128
Luciano Faro:
Estudante. Destacou-se pela atuação no jornal O Nacionalista, onde foi diretor chefe daquele
periódico. Com seu retorno a sua cidade natal, se afastou do movimento nacionalista local,
assim, não foram encontradas informações sobre o que lhe aconteceu no momento do golpe
civil/militar de 1964, quando, não mais residia em Cruz das Almas.
*Para o presente trabalho, esses foram os nomes de membros da FNCA e do jornal O
Nacionalista encontrados. Se houveram outros atuantes, não foi possível mencionar por falta
de informações.
129
ANEXO D – Imagens
Imagem 13: Recorte de jornal onde aparece a foto de Everaldo Mascarenhas
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 05/04/1959. No 26. p.12.
130
Imagem 14: Recorte de jornal onde aparece a foto de João Gustavo da Silva.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 05/04/1959. No 26. p.12.
131
Imagem 15: Recorte de jornal onde aparece a foto de Hermes Peixoto.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 05/04/1959. No 26. p.11.
132
Imagem 16: Recorte de jornal onde aparece a foto de José Alberto Bandeira Ramos.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 05/04/1959. No 26. p.10.
133
Imagem 17: Recorte de jornal onde aparece a foto de Mario dos Santos (Mario Comunista).
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 05/04/1959. No 26. p.7.
134
Imagem 18: Recorte de jornal onde aparece a foto de Luciano Faro.
Fonte: Jornal O Nacionalista. Cruz das Almas, 29/02/1959. No 24. p.3.
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