O Brasil na Região e no Mundo: Percepções da Comunidade Brasileira de Política Externa Amaury de Souza Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) 2008 ÍNDICE Sumário Executivo Agradecimentos 1. Introdução 2. O Brasil e o Sistema Internacional 3. Prioridades da Agenda Internacional 4. Economia Internacional 5. Integração Regional 6. Segurança e Política Internacional 7. Política Externa e Representação de Interesses 8. Apêndices 2 SUMÁRIO Em duas oportunidades, 2001 e 2008, o CEBRI realizou amplas pesquisas sobre as relações internacionais do Brasil. Em ambos os casos, o objetivo foi conhecer as avaliações e preferências da comunidade de política externa quanto aos principais temas da agenda brasileira. O que diferenciou os dois trabalhos foi a maior abrangência temática do primeiro, preocupado em apreender de maneira compreensiva o pensamento internacional brasileiro, ao passo que o segundo tratou especificamente de aspectos estratégicos da inserção brasileira na América do Sul. A metodologia utilizada foi a mesma nos dois projetos: aplicação de um questionário a integrantes destacados da comunidade de política externa e entrevistas mais extensas com alguns deles. A expressão “comunidade brasileira de política externa” designa o universo constituído por pessoas que participam do processo decisório ou contribuem de forma relevante para a formação da opinião no tocante às relações internacionais do país. Compreende portanto não só integrantes do Executivo e do Legislativo, mas também representantes de grupos de interesse, líderes de organizações não-governamentais, acadêmicos, jornalistas e empresários com atuação na esfera internacional. O Brasil e o Sistema Internacional A política externa brasileira ganhou contornos mais definidos e afirmativos na virada do século 20 para o 21. A quase totalidade dos entrevistados (97%) concorda que o país deve aumentar o seu envolvimento e ter presença mais ativa no que toca a questões internacionais. Consolidou-se também a percepção de que a nossa presença internacional cresceu em importância nos últimos dez anos (85%) e deverá crescer ainda mais nos próximos dez (91%). Os entrevistados prevêem que os outros três BRICs - China (97%), Índia (94%) e Rússia (63%) , assim como a África do Sul (57%), aumentarão também a sua projeção na ordem mundial, compartilhando o poder que os Estados Unidos (61%), o Japão (59%) e a Alemanha (54%) detêm atualmente. As tendências acima indicadas foram antevistas pela comunidade de política externa em 2001, mas não de forma tão pronunciada. Nos seis anos decorridos desde a primeira pesquisa, a percepção da importância futura da China manteve-se 3 elevadíssima (96% e 97%, respectivamente, mas a da Índia subiu de 73% para 94%, a do Brasil de 88% para 91% , a da Rússia de 49% para 63%, e a África do Sul de 39% para 57%. Por outro lado, os entrevistados avaliaram que as atuais grandes potências dificilmente terão mais poder daqui a 10 anos do que têm hoje ; consideram mais provável que elas preservem a posição atual. A expectativa de que a Alemanha terá mais poder caiu de 64% para 28% , os Estados Unidos, de 49% para 15%, e o Japão, de 29% para 16%. Nos últimos seis anos, a formação de alianças no sentido Sul-Sul tornou-se um dos eixos prioritários da estratégia externa do Brasil1 . Todavia, não existe consenso quanto ao alinhamento Sul-Sul no que diz respeito à inserção do país na economia internacional. Um terço dos entrevistados (31%) prefere priorizar negociações comerciais com os países da América do Sul e economias em desenvolvimento fora da região, como a China, Índia e África do Sul; quase outro terço (26%) prefere aproximar-se dos países desenvolvidos do Norte, como a União Européia, os Estados Unidos e o Japão. Cumpre ressaltar que a maioria (41%) prefere trabalhar nessas duas linhas ao mesmo tempo. Prioridades da Agenda Internacional No topo da hierarquia dos países considerados vitais para os interesses do Brasil, permanecem a Argentina e os Estados Unidos (com ligeira queda de 96% para 95% e de 99% para 94%, respectivamente) e a China (que subiu de 82% para 92%). Caiu, no entanto, a percepção da importância de aliados tradicionais: a Inglaterra (de 59% para 41%), Alemanha (76% para 59%), França (67% para 50%), Espanha (63% para 46%) e Japão (62% para 54%). No sentido contrário, aumentou sensivelmente a percepção de interesses vitais nos países vizinhos, com destaque para Bolívia (de 57% para 81%), Colômbia (62% para 69%) e Venezuela (não mencionada na primeira sondagem, recebeu 78% das menções na segunda). Entre os países de menor relevância para o Brasil destacam-se Cuba, Coréia do Sul, Indonésia, Irã e Israel. Passaram também à condição de eixos prioritários a ampliação do Mercosul, uma atuação intensa na Organização Mundial do Comércio (OMC) com foco na 1 4 Entre possíveis ameaças, três são atualmente consideradas críticas pela maioria dos entrevistados: o aquecimento global (65%), o tráfico internacional de drogas (64%) e o protecionismo comercial dos países ricos (50%). Outras ameaças, consideradas críticas por um grande número mas não pela maioria dos entrevistados, incluem o surgimento de governos ditatoriais na América do Sul (48%), o contrabando de armas pequenas e armamentos leves (46%), a internacionalização da Amazônia (46%), a corrida armamentista na América do Sul (40%) e o aumento de países com armas nucleares (39%). Cumpre igualmente salientar um forte aumento na percepção de que o Brasil é capaz de defender os seus interesses no contexto da globalização econômica. O ineditismo e as proporções dessa mudança podem ser aferidos pela diferença de percepções quanto à ameaça representada pelo protecionismo comercial dos países ricos (que caiu de 75% para 50%), pela desigualdade econômica e tecnológica entre o Norte e o Sul (de 64% para 38%) e pelo poder econômico dos Estados Unidos (de 39% para 15%). Em relação à inserção brasileira na economia internacional, as duas pesquisas permitem traçar um quadro de substancial continuidade. A maioria dos entrevistados continua a atribuir importância às negociações multilaterais de comércio e a ver de maneira positiva uma crescente inserção brasileira na economia internacional. Em 2001, o cerne de nossa agenda internacional tinha a ver com a economia mundial; na de 2008, o aumento de nossa participação nos mercados mundiais continua prioritário, haja vista o apoio de 42% à promoção de nova rodada de liberalização do comércio exterior do Brasil. Para bem apreciar a significação desta última cifra, é mister lembrar que dois dos objetivos classificados como prioritários pelos entrevistados em 2001 foram atingidos. São eles: “promover o comércio exterior e reduzir o déficit comercial do país”, apontado por 73% dos entrevistados, e “apoiar nova rodada de negociações na Organização Mundial do Comércio”, por 55%. De uma lista de dezoito objetivos de política externa, nove foram considerados como de “extrema importância” pela maioria dos entrevistados na pesquisa deste ano. Desses nove, cinco se referem à atuação do Brasil na América conclusão da Rodada Doha e a reforma do Conselho de Segurança da ONU a fim 5 do Sul: garantir a democracia na região (74%), integrar a infraestrutura de transportes, energia e telecomunicações (70%), fortalecer a liderança regional do Brasil (65%), atuar em conjunto com países vizinhos na defesa e na proteção da Amazônia (57%) e fortalecer o Mercosul (54%). No balanço geral, os objetivos contextualizados na América Latina foram colocados num patamar de importância mais alto em 2008 que em 2001. A única e preocupante exceção é o fortalecimento do Mercosul (que caiu de 64% para 54% das respostas). Três outros objetivos considerados de extrema importância são a defesa do meio ambiente (62%), o combate ao tráfico internacional de drogas (61%) e a ampliação de acordos de cooperação em ciência e tecnologia (57%). A distribuição das respostas mostra que dois outros são altamente controversos: a reivindicação de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (considerado “muito ou extremamente importante” por 58%, contra a opinião de 42%) e o controle e redução da imigração ilegal para o país (54% contra 46%). Economia Internacional No início da década, eram ainda muito contrastadas as opiniões sobre a abertura da economia: 67% tinham-na como benéfica, contra 23% que a viam como prejudicial. Na pesquisa de 2008, as proporções respectivas são 88% e 4%, sugerindo que a avaliação positiva da competição internacional tornou-se virtualmente unânime num curto período de seis anos. Em 2001, instados a escolher apenas uma opção no tocante ao comércio exterior, 31% dos entrevistados manifestaram preferência por negociações multilaterais, 59% por diferentes esquemas de regionalismo econômico e 4% por acordos bilaterais. Entre os que optaram por esquemas de regionalismo econômico, 21% preferiam o Mercosul, 17% a América do Sul, 16% a ALCA e 5% o acordo Mercosul-União Européia. Em 2008, 28% mantiveram-se favoráveis ao multilateralismo. Entre os esquemas regionais, ficou em 15% a preferência pela integração sul-americana e em 6% a parcela simpática ao acordo Mercosul-União Européia; ALCA e Mercosul murcharam para 4% e 9%, respectivamente. Na preferência pelo bilateralismo houve um sensível aumento de 4 para 13% . de conquistar um assento permanente. 6 Em relação à ALCA, no início da década a maioria (61%) dos entrevistados considerou factível um acordo, com a condição de serem eliminados os subsídios e barreiras não-tarifárias que limitam o acesso brasileiro ao mercado norte-americano. Consoante se esperava, uma parte dos entrevistados acredita hoje que o Brasil perdeu uma grande oportunidade (40%) e outra parte que ele se livrou de uma grande risco (35%). O sucesso das exportações brasileiras de commodities agrícolas colocou a abertura da economia sob nova luz. Atualmente, 41% declaram aceitar a abertura do mercado doméstico para serviços e importações industriais e adotar uma posição mais flexível no que concerne a investimentos e propriedade intelectual, por exemplo, em troca de benefícios no comércio agrícola. Mas 47% preferem continuar a exigir a eliminação de barreiras ao comércio agrícola sem renunciar aos mecanismos de proteção da produção nacional ou à possibilidade de implementar políticas industriais autônomas. Integração Regional A comparação entre os dois levantamentos evidencia o forte desgaste do projeto Mercosul. Em 2001, a quase totalidade (91%) dos entrevistados via benefícios no acordo, posição hoje sustentada por uma maioria menos expressiva (78%). Acreditava-se também que o Mercosul era necessário para aumentar o poder de barganha do Brasil em negociações internacionais (72%). Em 2008, praticamente a metade (49%) afirma que o Brasil tem peso próprio para negociar, sendo de apenas 38% a parcela que valoriza o apoio do Mercosul. Variações dignas de nota podem também ser percebidas no que tange ao formato do Mercosul. A maioria (52% em 2001, 51% hoje) continua a apoiar a transformação do Mercosul em mercado comum, ao estilo da União Européia. No entanto, somente um em cada quatro concordam em mantê-lo como união aduaneira (a proporção caiu de 43% para 25%). Na outra ponta, aumentou cinco vezes (de 4% para 21%) o número dos que preferem reduzí-lo a uma área de livre comércio. Ampliar o Mercosul com base na adesão dos países da América do Sul continua a ser uma opção ainda majoritária (52% em 2001; 54% hoje). Aumentou, por outro lado, o apoio ao aprofundamento (de 28% para 37%) e encolheu de 17% 7 para 7% o grupo dos que julgam possível aprofundá-lo e ampliá-lo ao mesmo tempo. Neste aspecto, um ponto particularmente espinhoso é a eventual admissão da Venezuela. Indagados quanto à posição que o Congresso Nacional deve tomar em relação ao Protocolo de Adesão, 37% sugeriram a aprovação, 15% a rejeição e 41% a protelação sine die de tal voto. Quanto ao alcance da integração da América do Sul, há apoio de dois terços (65%) para uma “integração profunda”, com vistas à promoção do desenvolvimento e à redução de assimetrias econômicas e da cooperação política nos campos político, social, ambiental, tecnológico e cultural, e de um terço (33%) para uma integração seletiva, concentrada no comércio, investimentos e infra-estrutura de transportes e comunicações. Em qualquer caso, uma maioria robusta (73%) condiciona eventuais acordos do Brasil com países sul-americanos à inclusão de disciplinas sobre propriedade intelectual, proteção aos investimentos, liberalização de serviços e compras governamentais. Duas outras questões de alta importância na agenda regional são a integração energética e as assimetrias econômicas entre países. Construir um mercado integrado de energia na região, com marcos regulatórios estáveis e infraestrutura adequada para o transporte é a opção apoiada pela maioria (51%). Contudo, preocupados com a segurança energética, um terço (37%) prefere que o Brasil comercialize recursos de energia internacionalmente, mas sem abandonar a busca da auto-suficiência. No que concerne à superação das assimetrias econômicas existentes - ponto nevrálgico na agenda de integração regional -, as respostas distribuem-se entre aumentar a competitividade dos países menores ou mais pobres (35%), incentivar empresas dos países mais desenvolvidos da região a investirem nos mais pobres (26%), eliminar entraves às exportações dos países mais pobres dentro da região (20%) ou implementar simultaneamente todas essas opções (17%). Segurança e Política Internacional Contribuir para a manutenção da paz e da segurança coletiva são objetivos tradicionais do Brasil. Sem embargo da bem sucedida missão de paz no Haiti, o apoio à participação brasileira em operações dessa natureza caiu de 88% em 2001 8 para 74% em 2008. Caiu também (de 76% para 54%) o apoio à demanda de assento permanente no Conselho de Segurança das ONU . Com vistas á reorganização das Forças Armadas, a maioria dos entrevistados considera de “extrema importância” a integração das estratégias das Forças Singulares sob o comando do Ministério da Defesa (66%), a destinação de maiores recursos ao adestramento e à capacitação intelectual (62%), assim como ao reaparelhamento e à modernização tecnológica (55%). Nessa área, as medidas mais controversas são a substituição do serviço militar obrigatório pelo voluntariado (considerada de “muita ou extrema importância” por 43% e de “pouca ou nenhuma importância” por 54%), a capacitação das Forças Armadas para garantir a lei e a ordem (53% contra 46%), a preparação de pessoal para missões de paz (55% contra 45%), a integração militar da América do Sul (62% contra 37%) e o desenvolvimento da indústria bélica nacional (65% contra 35%). Na agenda multilateral, destacam-se entre os novos temas o meio ambiente e a mudança climática. A coordenação internacional das ações de proteção ambiental contava com o apoio de 74% dos entrevistados em 2001, cifra diminuída para 66% na pesquisa deste ano. Uma nítida maioria (81% em 2001; 90% hoje) entende ser de todos os países, não só dos mais industrializados, a responsabilidade de reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa. Como decorrência direta ou indireta dessas preocupações, o apoio a cláusulas de proteção de direitos trabalhistas e meio ambiente em acordos de livre comércio mais que dobrou entre a primeira e a segunda pesquisas (31% em 2001, 66% em 2008). Política Externa e Representação de Interesses Durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a política externa do governo abriu numerosas frentes de atuação, sem condições de dedicar a atenção necessária a todas elas, do que advieram negativas da parte dos formadores de opinião e mesmo de titulares de funções públicas. Embora sejam em geral positivas, as opiniões sobre a política externa do atual governo apresentam-se mais polarizadas que as registradas em 2001 a respeito da política do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2001, 62% avaliavam a política externa como “ótima ou boa”, contra 12% que a consideravam “ruim ou péssima”. No governo Lula, os percentuais são 46% e 21%, respectivamente. 9 No tocante à representação de interesses, o quadro que emerge das pesquisas sugere uma queda no nível de atenção dado pelo Itamaraty a opiniões e propostas de interlocutores – isto tanto no caso de interlocutores situados em outros setores do próprio governo ou no de interlocutores externos. No caso de “outros ministérios do governo federal”, a percepção de que o Itamaraty dá a eles “muita atenção” caiu de 57% em 2001 para 36% hoje. A mesma tendência declinante pode ser observada em relação aos meios de comunicação (46% para 30%), associações empresariais (49% para 39%), opinião pública (28% para 21%) e organizações nãogovernamentais (18% para 14%). A atenção concedida ao Congresso Nacional foi percebida como estável no nível de 30%, e ascendente em relação aos sindicatos de trabalhadores (6% para 11%) e a universidades e centros de estudo (14% para 18%). Tradicionalmente, a política externa tem sido atribuição exclusiva do Poder Executivo, cabendo ao Congresso Nacional apenas ratificar as decisões tomadas. Em 2001, 54% dos entrevistados recomendavam negociação prévia com o Congresso, a fim de limitar a margem de arbítrio do Executivo, contra 46% favoráveis à manutenção da existente divisão de papéis e prerrogativas. A pesquisa de 2008 registra uma inversão: a maioria (54%) defendendo as prerrogativas do Executivo contra um terço (38%) preconizando uma maior participação do Congresso Nacional. 10 AGRADECIMENTOS O presente estudo, tal como o que foi realizado pelo CEBRI em 2001, deve sua existência às pessoas que acederam a ser entrevistadas e se dispuseram a compartilhar suas idéias. A todas reiteramos os nossos agradecimentos. Poder Executivo Embaixador Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores Ministro Nelson Jobim, Ministro da Defesa General-de-Exército Enzo Martins Peri, Comandante do Exército Tenente-Brigadeiro do Ar Cleonilson Nicácio Silva, Chefe do Estado Maior de Defesa do Ministério da Defesa Professor Marco Aurélio Garcia, Assessor-Chefe da Presidência da República e Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) Dr. Ivan João Guimarães Ramalho, Secretário Executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Dr. Paulo Vieira da Cunha, Diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil Dr. Welber Barral, Secretário de Comércio Exterior, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Dra. Lytha Battiston Spíndola, Secretária Executiva da Câmara de Comércio Exterior, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Dra. Miriam Barroca, Diretora de Defesa Comercial, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Dr. Antônio Sérgio Martins Veloso, Superintendente da Zona Franca de Manaus Embaixador Sérgio Serra, Embaixador Especial para Mudanças Climáticas Embaixador Luis Augusto Castro Neves, Embaixador do Brasil na República Popular da China Embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa, Embaixador do Brasil na Alemanha Embaixador Gelson Fonseca, Cônsul-Geral do Brasil em Madri 11 Embaixador José Alfredo Graça Lima, Cônsul-Geral do Brasil em New York General Rômulo Bini, Secretário de Estudos e de Cooperação do Ministério da Defesa General Maynard Marques Santa Rosa, Secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa General Sérgio W. Etchegoyen, Comandante da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) Embaixador Afonso José Sena Cardoso, Diretor do Departamento de Integração do Ministério das Relações Exteriores Embaixador Jorge d´Escragnolle Taunay Filho, Subsecretário-Geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores Ministro Clemente Baena Soares, Diretor do Departamento da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores Ministro Evandro Didonet, Diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores Ministro Ademar Seabra da Cruz, Chefe do Setor de Cooperação Acadêmica, Científica e Tecnológica da Embaixada do Brasil em Montevidéu Conselheiro José Luis Machado e Costa, Assessor Especial do Ministério da Defesa Dr. Jorge Calvário dos Santos, Professor, Escola Superior de Guerra Dra. Laura Maria Correa de Sá Ferreira, Professor, Escola Superior de Guerra Dr. Claudio Marin Rodrigues, Instrutor, Escola de Guerra Naval Dr. Claudio Rodrigues Corrêa, Instrutor, Escola de Guerra Naval Congresso Nacional Senado Senador Heráclito Fortes (DEM-PI) Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Senado Federal Senador Jarbas Vasconcelos, (PMDB-PE), Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional 12 Senador Eduardo Suplicy, (PT-SP), Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional Senador Flávio Arns, (PT-PR), Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional Senador João Evangelista da Costa Tenório, (PSDB-AL), Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional Senador Neuto de Conto (PMDB-SC), Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul Senador Virgínio de Carvalho, (PSC-SE), Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional Senador Jefferson Perez, (PDT-AM), Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul Senador João Raimundo Colombo, (DEM-SC), Comissão de Assuntos Econômicos Câmara dos Deputados Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Membro Titular da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara de Deputados e Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) Deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), Membro Titular da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara de Deputados Deputado José Genoino (PT-SP), Ex-Membro Titular da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara de Deputados Deputado Antônio Carlos Pannunzio, (PSDB - SP), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara de Deputados Deputado Carlito Mess, (PT-SC), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Deputado Luis Carlos Hauly, (PSDB-PR), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional 13 Deputado Raul Jugman, (PPS-PE), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Deputado Flávio Bezerra, (PMDB-CE), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Deputado José Francisco Paes Landim, (PMDB-PI), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Deputado Eduardo Benedito Lopes, (PSB-RJ), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Deputado Décio Nery de Lima, (PT-SC), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Deputado Florisvaldo Fier, (Dr. Rosinha, PT - PR), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Deputado George Hilton dos Santos Cecílio, (PP–MG), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Deputado Matteo Rota Chiara, (DEM-RS), Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul Deputado Pedro Novais Lima, (PMDB-MA), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Líderes Empresariais, Sindicais e de Organizações Não-Governamentais Líderes Empresariais Dr. Paulo Antônio Scaf, Presidente, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) Dr. Paulo Roberto de Godoy Pereira, Presidente, Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) Dr. Edmundo Klotz, Presidente, Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (ABIA) Dr. Ciro Mortella, Presidente, Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (FEBRAFARMA) 14 Dr. Benedicto Fonseca Moreira, Presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) Dr. José Augusto Coelho, Diretor Executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Francisco Sérgio de Assis, Presidente, Conselho das Associações de Cafeicultores do Cerrado (CACCER) Dr. Marcos Sawaya Jank, Presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (UNICA) Dr. Synésio Batista da Costa, Presidente, Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ) Dr. Luis Cesário Amaro da Silveira, Presidente, Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (ABIFER) Dr. Paulo Manuel Potassi, Presidente, Associação Brasileira de Empresas Trading (ABECE) Dr. Alberto Pfeifer, Diretor Executivo, Conselho de Empresários da América Latina (CEAL Embaixador Rubens Antônio Barbosa, Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP e da Rubens Barbosa & Associados Dr. Frederico Arana Meira, Coordenador de Negociações Internacionais, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) Dr. Rodrigo Tavares Maciel, Secretário Executivo, Conselho Empresarial BrasilChina (CEBC) Dr. José da Rocha Pinto, Presidente, Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado do Rio de Janeiro (SIMPERJ) Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal, Assessor para Assuntos Internacionais, Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (SYNDARMA) Dr. Reinaldo Antônio Gonçalves, Consultor Econômico, Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (ELETROS) Líderes Sindicais 15 Sr. João Felício, Secretário de Relações Internacionais, Central Única dos Trabalhadores (CUT) Sr. Sérgio Luiz Leite, Primeiro Secretário, Força Sindical Sr. Kjeld Aargaard Jacobsen, Presidente, Instituto Observatório Social Líderes de Organizações Não-Governamentais Sr. João Pedro Stedile, Diretor Nacional, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Via Campesina Dr. Pedro Claudio Cunca Bocayuva, Diretor, Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE) Dra. Maria Helena Tachinardi, Diretora de Comunicação, Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE) Dr. Haroldo Mattos de Lemos, Presidente, Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos e Comitê Brasileiro do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Instituto Brasil PNUMA) Dra. Jacqueline Pitanguy, Diretora, Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA) Dr. Roberto Iglesias, Diretor, Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES) e Consultor da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (FUNCEX) Dr. Renato Bauman, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe no Brasil (CEPAL) Dr. Roberto Fendt, Vice-Presidente, Instituto Liberal Luiz Fernando Antônio, Presidente, ICEX - Instituto de Estudos das Operações de Comércio Exterior Dr. Pedro da Mota Veiga, Diretor, Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES) Dr. Edgard Pereira, Economista-Chefe, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) 16 Dra. Sandra Polônia Rios, Diretora, Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES) Dr. Antônio Gomes da Costa, Presidente, Real Gabinete Português de Leitura Empresários Dr. Raymundo Magliano Filho, Presidente, Bolsa de Valores de São Paulo Dr. Oziris Silva, Presidente do Conselho de Administração, Heltter Business Solution Dr. Carlos Mariani Bittencourt, Presidente, BBM - Petroquímica da Bahia Dom Eudes de Orleans e Bragança, Presidente, Vulcan Material Plástico Dr. Gilberto Prado, Presidente, Renor Refinaria do Nordeste Dr. Antônio Tadeu Coelho Nardocci, Presidente, Novelis do Brasil Dr. Joseph M. Tutundjian, Presidente, Winner Comércio Internacional Dr. Maílson da Nóbrega, Sócio-Diretor, Tendências Consultoria Dr. Raul Anselmo Randon, Presidente, Fras-Le S.A. Ministro Marcílio Marques Moreira, Sócio-Diretor, Conjuntura e Contexto Dr. Otacílio José Coser, Presidente do Conselho de Administração, Coimex Internacional Dr. Guido Orlando Greipel, Presidente, Famossul Indústria e Comércio de Móveis Dr. Roberto Luiz Fernandes Celano, Diretor Presidente, Tradewell do Brasil Dr. Joel Korn, Presidente, WIK Brasil Serviços Hélio Graciosa, Presidente, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) Ingo Plöger, Presidente, IP Desenvolvimento Empresarial e Institucional Dr. José Rubens Spada, Diretor Presidente, Unnafibras Dr. Henrique Rzezinski, Vice-Presidente de Relações Externas, Embraer Dr. Tito Botelho Martins, Diretor Executivo de Assuntos Corporativos e Energia da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) Dr. Lysias Augusto Magalhães Dantas Iltapicuru, Presidente, Lysias Itapicurú 17 Dr. Carlos Eduardo Lins da Silva, Diretor, Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas Dr. Darc Antonio da Luz Costa, Presidente da DLC Desenvolvimento, Logística e Cenários Dra. Alida Maria Fleury Bellandi, Vice-Presidente, Guarany Dr. Ricardo Sennes, Sócio-Diretor, Prospectiva Dr. Adriano José Pires Rodrigues, Diretor, Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE) Dra. Alejandrina Silvia Dominguez, Relações Internacionais, Petrobras Dr. Renato Amorim, Diretor de Relações Internacionais, Vale Dr. Tomás Málaga, Economista-Chefe, Banco Itaú Dra. Ana Carla Ferraz, Gerente de Exportação, Vertical Br Dra. Camila Ferreira Mation, Assessora de Relacões com Investidores e Planejamento Estratégico, Eternit S.A. Dra. Patrícia de Oliveira e Silva, Assessora, Rexam Beverage Can Americas Dra. Renata Bley, Assessora de Relações Governamentais, Rodhia Brasil Dr. Carlos Eduardo Cruz de Souza Lemos, Gerente de Relações Governamentais, DaimlerChrysler do Brasil Acadêmicos e Jornalistas Acadêmicos Professor Hélio Jaguaribe de Mattos, Decano do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (IEPES) Embaixador Sérgio Silva Amaral, Diretor do Instituto de Estudos Internacionais e do Centro de Estudos Americanos da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) Professora Maria Regina Soares de Lima, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) 18 Professor Marcelo Abreu, Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Professor José Augusto Guilhon de Albuquerque, Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (NUPRE-USP) Professora Mônica Hirst, Universidad Torcuato di Tella Professor Oliveiros Ferreira, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e Programa de Estudos Pós-Graduados da FFLCH da Universidade de São Paulo. Professora Letícia de Abreu Pinheiro, Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI-PUCRJ) Professor Paulo Roberto de Almeida, Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) Dr. Paulo Sotero, Diretor, Brazil Institute, Woodrow Wilson International Center for Scholars Professora Maria Hemínia Tavares de Almeida, Universidade de São Paulo (USP) Professor Eliezer Rizzo de Oliveira, Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Professor Edmar Lisboa Bacha, Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças (IEPE/CdG) Professor Antônio Jorge Ramalho, Diretor, Centre d'Etudes Brésiliennes, Haïti, e Professor, Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Professora Amália Inês Garaiges de Lemos, Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM/USP) Professor Cesar Guimarães, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) Professor Benício Vieira Schmidt, Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre a América Latina (CEPPAC) da Universidade de Brasília (UNB) Professor Jorge Zaverucha, Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da Universidade Federal de Pernambuco 19 Professor Marcus Faro de Castro, Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UNB) Professor João Bosco Mesquita Machado, Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Professor Octávio Amorim Neto, Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGVRJ) Professor Henrique Carlos de Oliveira Castro, Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas (CEPPAC) da Universidade de Brasíila (UNB) Professor Cláudio Couto, Departamento de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Professor Bernardo Sorj, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais Professor Paulo-Edgar Almeida Rezende, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e membro titular do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais Professor Salvador Razza, Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e Segurança (CETRIS) Professor Wanderley Messias da Costa, Universidade de São Paulo Professor Renato Galvão Flôres Jr., Fundação Getúlio Vargas Jornalistas Jornalista Antônio Carlos Pereira, O Estado de São Paulo Jornalista Cristiano Romero, Valor Econômico Jornalista Eliane Cantanhede, Folha de São Paulo Jornalista Merval Pereira, O Globo Jornalista Heródoto Barbeiro, Rádio CBN Jornalista José Roberto Burnier, TV Globo Jornalista Hélio Schwartzman, Folha de São Paulo Jornalista Sérgio Leo, Valor Econômico Jornalista Kennedy Alencar, Folha de São Paulo Jornalista Ariosto Teixeira, Valor Econômico 20 Jornalista Valdo Cruz, Folha de São Paulo Jornalista Humberto Saccomandi, Valor Econômico Jornaista Soraia Aggege, O Globo Jornalista Uirá Machado, Folha de São Paulo Conselheiros e Consultores do Centro Brasileiro de Relações Internacionais Embaixador José Botafogo Gonçalves, Ex-Ministro de Indústria e Comércio e Presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) Embaixador Luiz Felipe Lampreia, Ex-Ministro das Relações Exteriores e VicePresidente Nato do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) Almirante Mário Cesar Flores, Ex-Ministro da Marinha e Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) Embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, Ex-Embaixador do Brasil na França e Vice-Presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) Embaixador Roberto Pinto Ferreira Mameri Abdenur, Ex-Embaixador do Brasil nos Estados Unidos e Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) Embaixador João Clemente Baena Soares, Ex-Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) e Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Esse estudo beneficiou-se do extraordinário ambiente de debates e intercâmbio de idéias propiciado pelo CEBRI. Seu presidente, Embaixador José Botafogo Gonçalves, e sua Diretora Executiva, Denise Gregory, foram uma permanente fonte de apoio e incentivo. Destaque-se também o generoso patrocínio da Swiss Agency for Development and Cooperation (SDC), sem o qual esse estudo não poderia ter sido feito. Agradeço também aos membros da Força Tarefa Independente O Brasil na América do Sul, coordenada por Maria Regina Soares de Lima, Pedro da Motta Veiga e Sandra Polônia Rios, pela oportunidade de colocar à prova muitas das idéias aqui 21 externadas2. Essas idéias foram também debatidas na Conferência sobre o Brasil, promovida em setembro de 2007 pelo Woodrow Wilson Center for International Scholars e The Brookings Institution, em Washington. Ana Villela coordenou as atividades de pesquisa e Bruno Magalhães cuidou do levantamento e resenha da bibliografia. Adriana de Queiroz, Mariana Luz, Christiane Sauerbronn e Elizabeth Jobe não mediram esforços para o bom andamento dos trabalhos. O autor consigna a todos os seus agradecimentos mas assume a exclusiva responsabilidade pelas opiniões aqui externadas. O AUTOR Amaury de Souza é Doutor em Ciência Política pelo Massachusetts Institute of Technology e foi bolsista do Woodrow Wilson International Center for Scholars. É sócio-diretor da Techne e da MCM Consultores Associados. Suas publicações recentes incluem Brazil and China: An Uneasy Partnership (Miami: University of Miami, Center for Hemispheric Policy, 2008); Political Reform in Brazil: Promises and Pitfalls (Washington, D.C.: Center of International and Strategic Studies, 2004); “Brazil in a Globalizing World” no livro The European Union, Mercosul and the New World Order, organizado por Helio Jaguaribe e Álvaro de Vasconcellos (London: Frank Cass, 2003); e o capítulo sobre “Brazil” no livro Guidance for Governance, organizado por R. Kent Weaver e Paul B. Stares (Tokio: Japan Center for Internacional Exchange, 2001). Entre 2000 e 2001, coordenou a pesquisa sobre A Agenda Internacional do Brasil: Um Estudo sobre a Comunidade Brasileira de Política Externa, realizada pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). 22 O relatório da Força Tarefa, intitulado O Brasil na América do Sul, encontra-se em http://www.cebri.org.br/pdf/427_PDF.pdf. 22 INTRODUÇÃO As percepções dos atores direta ou indiretamente influentes constituem um ângulo privilegiado para a compreensão da política pública em determinada área. Foi a partir desta premissa que o CEBRI realizou dois surveys junto à comunidade brasileira de política externa, o primeiro em 2001 e o segundo em 2008. O desenho dos dois levantamentos objetivou assegurar um alto grau de comparabilidade temporal no que se refere a um núcleo de questões básicas, mas também uma importante complementaridade temática, como a seguir se expõe. 3 Do ponto de vista temático, o primeiro projeto foi mais abrangente, objetivando mapear o pensamento da comunidade brasileira de política externa em relação a praticamente todas as áreas consideradas relevantes para o Brasil, ao passo que o segundo, de 2008, focalizou mais especificamente as opções brasileiras no âmbito da América Latina.4 O cenário mundial sofreu mudanças portentosas ao longo da última década. Numerosos países, o Brasil inclusive, precisaram se ajustar a novas realidades. Essas novas realidades visivelmente condicionaram as agendas dos dois presidentes brasileiros do período, ambos aliás notavelmente atuantes na esfera internacional. O presidente Fernando Henrique Cardoso norteou a política externa do país durante dez anos, primeiro como chanceler (1992–1993) e depois como presidente da República (1995–2002), imprimindo um forte sentido liberalizante aos esforços do Brasil tanto no plano doméstico como no internacional. Seu sucessor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem priorizado a reforma das instituições de governança global, alianças com potências regionais em todo o mundo e a projeção do Brasil na América do Sul. 3 A metodologia do estudo está descrita nos Apêndices. 4 Completada entre maio e agosto de 2001 e intitulada A Agenda Internacional do Brasil: Um Estudo sobre a Comunidade Brasileira de Política Externa, a pesquisa está disponível no site do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (http://www.cebri.org.br/pdf/101_PDF.pdf). 23 Nesse contexto, a comparação intertemporal dos resultados das pesquisas reveste-se de considerável importância em termos não só acadêmicos, mas também práticos. Avaliar em que medida as iniciativas de política externa implementadas durante esses anos refletem dissensos profundos a respeito das opções estratégicas do país ou, ao contrário, conformam com o curso de sua tradição diplomática é o objetivo mais geral deste estudo. Desafios e oportunidades globais O Cebri acabara de concluir a primeira pesquisa (agosto de 2001) quando sobrevieram os ataques às torres do World Trade Center e ao Pentágono, pondo por terra a nova ordem internacional que começava a se delinear como sucedâneo da Guerra Fria. Como que a materializar as inquietantes premonições que aquela ação terrorista disseminara por toda parte, a economia argentina entrou em colapso, comprometendo seriamente o projeto de um mercado comum no Cone Sul. Do ponto de vista brasileiro, tais acontecimentos significavam, nem mais nem menos, que dois dos países centrais em nosso mapa estratégico haviam sido atingidos por duros golpes em um curto espaço de tempo. Por outro lado, o 11 de setembro facilitou a deflagração de novos impulsos à globalização. A reunião ministerial dos países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada em Doha, no Emirado do Catar, em novembro de 2001, consagrou a idéia de que o combate ao terrorismo não podia ser concebido como uma operação apenas militar , e sim como uma esforço coordenado e de longo prazo com vistas a remover suas causas: a pobreza e a instabilidade crônica das economias menos desenvolvidas. O resultado foi o deslanche de uma nova rodada de negociações com o objetivo de reduzir tarifas e eliminar subsídios à produção e entraves à exportação de bens agrícolas para os mercados dos países desenvolvidos. Com o benefício do retrospecto, sabemos que a Rodada Doha, embora iniciada em circunstâncias propícias – uma forte expansão do comércio global -, enveredou por uma sucessão de impasses que a haveriam de paralisar, sete anos mais tarde. O fiasco de Doha espalhou uma densa nuvem de pessimismo, se bem 24 que a suspensão das negociações dificilmente comprometerá o dinamismo do comércio mundial. O 11 de setembro foi uma demonstração dramática de uma crença amplamente difundida, a de que as fronteiras geográficas vêm perdendo relevância como fator de contenção, inexistindo segurança total, mesmo nos Estados nacionais mais poderosos, contra ameaças que poucas décadas atrás podiam ser vistas como remotas. A decisão dos Estados Unidos de manter a supremacia militar a qualquer custo acarretou alterações profundas no xadrez geopolítico mundial. A prioridade conferida à guerra ao terrorismo passou a condicionar em grau elevado as opções estratégicas de países centrais e potências regionais de todo o mundo. Até onde a vista alcança, os Estados Unidos não se resignarão a perder a primazia militar. Ao contrário, cuidarão de reforçá-la , não obstante os dissensos e impasses que as intervenções militares no Iraque e no Afeganistão lhes valeram. Escusado dizer que esse movimento de expansão poderá acirrar, com óbvios riscos, a disputa entre as grandes potências por esferas de influência, tendência ao que parece já ilustrada pelo ataque da Rússia à Geórgia pelo controle da Ossétia do Sul. A emergência dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) parece ter aumentado e não reduzido as incertezas que pairam sobre a economia global. Em 2004, quando a Goldman Sachs começou a designar como Brics os quatro países que, ao ver dela, formariam a vanguarda econômica e demográfica da segunda metade deste século, a revelação de que eles já congregavam quase metade da população e um terço da riqueza global deixou entrever um potencial estratégico que eles próprios pareciam desconhecer. Dotados de imensos territórios e populações, os BRICs revalorizaram a visão de um papel indutor da globalização no desenvolvimento de todos os países por meio da expansão dos fluxos de comércio e de investimentos e, de quebra, puseram em questão a hipótese de uma relação unívoca entre desigualdade e globalização. A China e a Índia são os personagens mais exuberantes desse roteiro, mas, à parte a África, imensas parcelas da população vêm sendo incorporadas ao mercado consumidor em todo o mundo . 25 A outra face desse processo é o impacto arrasador da concorrência chinesa sobre a indústria em práticamente todo o mundo, Europa e Estados Unidos inclusive. Se o crescimento chinês tem sido altamente benéfico para os países exportadores de produtos básicos, sobretudo os da América do Sul, a voracidade com que ele consome matérias-primas elevou a níveis estratosféricos os preços das principais commodities energéticas, agrícolas e metálicas e trouxe para o primeiro plano uma série de questões prementes em relação à segurança alimentar, poluição ambiental e à emissão de gases associados ao efeito estufa e à mudança climática. Os países emergentes também demandam maior e mais decisiva participação nas decisões de alcance global. Um dos argumentos mais instigantes é o de que a alocação de poder nas instituições multilaterais erguidas na esteira da II Grande Guerra já não corresponde à sua distribuição no mundo atual. Eis o dilema com que se defronta atualmente o sistema internacional. Para prosperar, ele depende do sucesso da globalização econômica, mas este pode gerar forças empenhadas na destruição do status quo. A resistência a reformas tem sido tenaz, alimentada pela percepção dos países desenvolvidos de que já não lideram o dinamismo global. A resolução desse impasse consistirá em incorporar os países emergentes sem alienar o ânimo dos países que detém posições na estrutura global de poder. A legitimidade e porventura a própria continuidade da atual ordem multilateral dependem do sucesso dessa iniciativa. Desafios e Oportunidades Regionais O recente colapso das negociações da Rodada Doha atingiu o Brasil com especial contundência. Sem avanços no plano multilateral, o país enfrentará terreno mais áspero na busca de acordos bilaterais ou regionais de comércio, com o agravante de não ter concluído nenhum acordo comercial importante nesta década. Desde 2001, soçobraram as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia. Em conseqüência, fragilizou-se a ambiciosa estratégia do Itamaraty de negociar uma extensa agenda em vários tabuleiros, recorrendo ao jogo multilateral para demandar regras mais equânimes em áreas nas quais seu poder de barganha era limitado, 26 como o comércio agrícola e disciplinas globais, e ao plano regional para negociar o acesso a mercados. A importância de Doha não pode ser subestimada. Foi a primeira negociação multilateral de comércio na qual as economias emergentes exerceram influência decisiva. Deveu-se isso à iniciativa do Brasil de liderar a criação do Grupo dos 20 (G-20), que alistou a China, Índia e África do Sul na resistência às imposições dos Estados Unidos e União Européia nas negociações do comércio agrícola. Por irônica coincidência, coube ao G-20 precipitar o malogro da Rodada na medida em que a Índia e a China preferiram proteger sua agricultura a enfrentar a concorrência de produtores agrícolas mais eficientes, entre os quais o Brasil. A decisão brasileira de apoiar a proposta da direção-geral da OMC para fechar o acordo da Rodada Doha, que previa cortes de tarifas e subsídios agrícolas nos países desenvolvidos em troca da redução de tarifas industriais nos países em desenvolvimento, colocou em xeque a estratégia de alinhamento sul-sul preconizada pelo Itamaraty e expôs o crescente distanciamento entre os objetivos globais e regionais do Brasil. Com a rápida expansão das exportações a partir de 2002, o Brasil abriu uma substancial vantagem no âmbito global. A nova situação de competitividade gerou pressões internas por uma posição mais agressiva nas negociações agrícolas e mais receptiva a propostas de redução de tarifas industriais. Ao tomar rumo oposto ao da Argentina, que se recusou a aumentar a abertura de seu mercado para importações industriais, o Itamaray sinalizou um ponto de inflexão que levanta graves questionamentos sobre o Mercosul. A trajetória do bloco tem-se caracterizado por movimentos desconexos ora em direção ao aprofundamento, buscando consolidar-se como união aduaneira, ora em direção ao alargamento, atraindo novos sócios. Sem entendimento sobre as condições internas de comércio e avessos a compartilhar posições de política exterior, o Brasil e a Argentina limitam a capacidade do Mercosul de negociar em bloco ou de traçar uma estratégia consistente para a integração regional. Dois acontecimentos recentes aumentaram os riscos inerentes ao mencionado movimento pendular do Mercosul. De um lado, o fracasso da ALCA abriu caminho para que os Estados Unidos negociasse acordos bilaterais com 27 diversos países sul-americanos, como o Chile, Peru e Colômbia, ampliando o alcance dos acordos de livre comércio da América do Norte (NAFTA) e da América Central (CAFTA). De outro, uma nova safra de governantes da Bolívia, Equador e Nicarágua, de inclinação estatizante e antinorte-americana, coligou-se à Venezuela a fim de formar a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) e atuar como contrapeso à influência dos Estados Unidos. Equilibrando-se entre considerações de natureza geopolítica e a proliferação de acordos bilaterais com os Estados Unidos, o Brasil ensaiou uma fuite en avant: subtraiu os temas comerciais de seu interesse da agenda de integração regional, substituindo-os por um extenso rol de iniciativas de colaboração em áreas tão diversas quanto energia, infra-estrutura de transportes, meio ambiente, combate a pobreza, financiamento para o desenvolvimento, educação e cultura, redução de assimetrias entre países, segurança, integração de cadeias produtivas e ciência e tecnologia. O resultado tomou a forma de uma improvável União de Nações Sulamericanas (UNASUL), que supostamente orbitaria em torno do Mercosul mas que, na prática, não ultrapassou o plano das formalidades protocolares. Não menos complicada poderá ser a eventual admissão da Venezuela ao Mercosul como membro pleno e com um prazo dilatado para se adaptar às regras da união aduaneira. A se consumar, a admissão da Venezuela poderá dificultar seriamente a capacidade do Brasil de negociar em nome do Mercosul, sobretudo se o interlocutor for os Estados Unidos. As divergências de orientação entre o Mercosul e a ALBA não se resumem à pauta comercial e econômica. Após o 11 de setembro, o deslocamento da área de influência militar norte-americana até a fronteira do Panamá afetou as configurações do preparo militar nos países andinos, com aumento do poderio bélico da Venezuela, Colômbia e Peru. Nessas circunstâncias, a incursão militar da Colômbia em território do Equador para destruir um acampamento das FARC deixou esses dois países à beira da guerra, situação agravada pelo deslocamento de forças venezuelanas para a fronteira. De fato, nos moldes atuais, a ALBA é também uma aliança militar e de defesa mútua entre os países-membros. Sua consolidação segundo esse modelo poderá esvaziar no nascedouro a proposta brasileira de um Conselho SulAmericano de Defesa no bojo da UNASUL. Concebido pelo Brasil como órgão de articulação de políticas de defesa, esta proposta não suscitou interesse entre os 28 países inclinados a criar uma força militar regional, entre os quais a Venezuela e o Equador, ou entre os que relutam em aderir a um orgão de defesa do qual os Estados Unidos estariam automaticamente excluídos, caso da Colômbia. Esse conjunto de fatores debilitantes torna problemática a proposta de uma integração regional profunda por parte da diplomacia brasileira. Num quadro como o que se vem delineando - uma competição acirrada entre projetos incongruentes entre si –, ao Brasil talvez convenha comprometer-se com um projeto mais rente à realidade, sem entretanto abandonar seu discurso sobre a importância simbólica da integração regional. 29 Capítulo 2 O BRASIL E O SISTEMA INTERNACIONAL Envolver-se mais e participar ativamente das questões internacionais é o que aspira para o país a comunidade brasileira de política externa. Pelos dados da pesquisa, 97% dos entrevistados é a favor de uma atuação internacional mais ativa, resposta que confirma o patamar encontrado em 2001 (99%). Hoje, como no passado, apenas 1% dos respondentes acredita que o país deve “manter-se à distância dos problemas mundiais”, como mostra o gráfico a seguir. A suposição de que o Brasil é considerado importante apenas no exterior mas não em seu próprio solo, onde prevaleceria uma visão negativa de si próprio e das chances de se projetar internacionalmente, não encontra respaldo nos dados. Na verdade, as respostas evidenciam o inverso. Uma das questões da pesquisa indaga quão mais importante é o papel internacional que o Brasil desempenha hoje 30 em comparação com o que desempenhava dez anos atrás. Oito em cada dez entrevistados (85%) apontam uma posição de maior destaque hoje. Constata-se a mesma tendência em relação aos próximos dez anos. Nove em cada dez entrevistados (91%) acreditam que o Brasil terá uma presença internacional ainda mais importante no futuro. Os resultados encontram-se no gráfico abaixo. Imbuídas de um novo sentimento de confiança no potencial do país, acentuou-se ao longo da década a aspiração das elites brasileiras de tornar o Brasil um ator na política mundial. Entretanto, uma presença mais afirmativa no cenário internacional encerra pelo menos dois riscos. O primeiro consiste em buscar avançar os interesses nacionais sem entender as mutações por que passa o mundo. Nas duas últimas décadas, o eixo das preocupações internacionais se deslocou no sentido Leste-Oeste para Norte-Sul à medida em que o desfazimento da antiga ordem bipolar colocou em primeiro plano a redução das graves desigualdades que separam as economias desenvolvidas da maioria dos países do mundo. Essa nova agenda ganhou consistência com a 31 ascensão na ordem internacional de países até recentemente confinados à categoria de Terceiro Mundo, como a China e a Índia. Ter uma avaliação realista dos recursos de que dispõe para fazer sua projeção internacional é o segundo risco com que se defronta o país. Uma pesada agenda internacional tem obrigado o Brasil a se desdobrar em inúmeras frentes, da negociação multilateral de comércio da Rodada Doha à recente criação da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), buscando participar simultaneamente dos vários tabuleiros onde se delibera sobre seus interesses. Outra frente com a qual o país se comprometeu é a participação na governança do sistema mundial. Menos do que um exercício de múltiplas competências, há quem veja nesta agenda um elemento de auto-engano. Um embaixador com longa folha de serviços ao país resume a questão nos seguintes termos: “A prioridade da política externa é combinar ambição com realismo. Por exemplo, queremos e temos o direito de ser membros do Conselho de Segurança da ONU. Mas temos cacife para isso? Se não temos meios e queremos bancar tudo, acabamos nos dispersando e cavalgando em todas as direções, sem maiores conseqüências. Política externa é relação de poder. Joaquim Nabuco já dizia: “O homem não fica mais alto dando pulos”. Se o Brasil quer ter presença, que cresça e apareça”. O fato do Brasil disputar influência e poder no contexto de uma ordem globalizada em transformação empresta especial relevância à visão que se tem o sistema internacional no futuro. A Futura Geometria de Poder De uma lista de oito países, solicitou-se aos entrevistados indicar o grau de importância do papel internacional que desempenharão dentro de dez anos. Os BRICs - China (97%), Índia (94%), Brasil (91%) e Rússia (63%), seguidos pela África do Sul (57%) - são as potências emergentes da nova ordem internacional, segundo a opinião majoritária da comunidade brasileira de política externa. 32 No outro extremo, a maioria dos entrevistados também acredita que os países que constituem o núcleo dominante da política internacional - Alemanha (82%), Estados Unidos (76%) e Japão (75%) - continuarão a desempenhar no futuro papel tão importante ou até de maior importância do que desempenham hoje. Por outras palavras, a nova ordem internacional tenderá para a multipolaridade mas conviverá com a concentração de poder nos Estados Unidos, União Européia e Japão, como mostram os dados no gráfico abaixo. Além do poder econômico, também não se percebe um declínio do poder unipolar dos Estados Unidos no âmbito estratégico-militar, para o qual dispõe de orçamento que praticamente supera a soma dos gastos militares do resto do mundo. 33 Não era essa a percepção que prevalecia no início da década. A China e o Brasil mantiveram a posição de destaque no futuro antevista pelos entrevistados em 2001. Aguçou-se porém a avaliação da importância futura da Rússia (que subiu de 49% para 63% das respostas), da Índia (73% para 94%) e da África do Sul (39% para 57%). E ocorreu o inverso no tocante à importância futura da Alemanha (que 34 caiu de 64% para 28%), Estados Unidos (49% para 15%) e Japão (29% para 16%), como mostra o gráfico a seguir. Os BRICs, cujo crescente peso na cena internacional do futuro é vaticinado pela maioria dos entrevistados, eram conhecidos no passado como “paísesmonstros” ou “países-baleia” em virtude de seus imensos territórios e populações e 35 de sua dificuldade em mudar de curso, integrando-se à economia global ao invés de se aferrarem à introspecção e à tendência de crescimento endógeno. Pôr nome a esse grupo de países também revelou sua posição relativamente secundária nos diretórios mundiais de poder. Como legado da Guerra Fria, a Rússia e a China, ao lado dos Estados Unidos, França e Inglaterra, mantém assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas ao passo que Brasil e Índia pelejam para serem admitidos. E apenas a Rússia participa do G-8, fórum que reúne os países mais ricos do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá). Não é algo que impaciente um experimentado embaixador, para quem a inclusão se acha próxima: “Daqui a pouco tempo, existirá um G8 ampliado, com China, Índia, Brasil, África do Sul, México e algum país islâmico como Turquia, Egito ou Paquistão. A reforma do Conselho de Segurança não avançará mas ampliar o G8 é factível. Como Rússia já está no G8, com cinco ou seis acréscimos será criado um fórum formidável, com 80% ou 90% do PIB mundial. O Brasil está chegando lá”. É concebível que a tendência atual aponte para um mundo multipolar no futuro, no qual o poder se torne progressivamente menos concentrado, sobretudo na esfera econômica, fortalecendo as potências emergentes. Não obstante a isso, os BRICs ainda estão longe de exercer influência como um bloco coeso. A recente reunião entre os ministros do Exterior dos quatro países em Yekaterinburgo, na Rússia, pressagia porém uma participação conjunta na defesa dos seus interesses, os quais coincidem com os interesses de praticamente a metade da população do planeta. Estratégias de inserção internacional Em 2001, os depoimentos coligidos junto à comunidade brasileira de política externa delineavam duas grandes estratégias para a inserção mundial do Brasil. A primeira estratégia consiste em ajustar as prioridades do Brasil às transformações mundiais, adotando uma postura de coerência e confiabilidade, promovendo a concorrência e fortalecendo as regras de mercado na economia doméstica, fortalecendo as instituições e normas multilaterais que possam refrear condutas unilaterais no cenário mundial. A autonomia, nesta visão do sistema 36 internacional, deriva da capacidade de cooperar para o fortalecimento de normas e instituições que nivelem o campo de jogo e imponham limites à imposição de interesses entre países desiguais em poder e influência. Na percepção de um empresário experiente em questões de comércio exterior: “Nosso futuro está na consolidação de uma aliança com os Estados Unidos. Mas essa é uma visão que desperta profunda resistência no nosso establishment. Não houve determinação ou visão estratégica para superar os obstáculos na negociação da ALCA, não houve vontade política para arriscar esse salto. Os Estados Unidos puderam se dar ao luxo de dar baixa prioridade à ALCA, mas nós não. Eles são uma prioridade para o Brasil muito maior do que somos uma prioridade para eles”. A segunda estratégia sustenta que a inserção mundial do Brasil exige a capacidade de articular um projeto nacional autônomo baseado em políticas ativas de desenvolvimento, o qual não coincide necessariamente com a agenda externa de liberalização comercial; a mudança das regras internacionais vigentes, tidas como enviesadas em favor dos interesses dominantes; a criação de alianças horizontais com países que têm interesses similares e se disponham a resistir às imposições das potências dominantes, diluindo a unipolaridade do sistema internacional e consolidando uma ordem internacional multipolar. Autonomia, segundo esta vertente, consiste em mudar a ordem internacional, alterando a atual correlação de forças existente no cenário mundial. Opina um deputado que comanda o respeito de seus pares em matéria das relações internacionais do país: “Avalio positivamente nossa política externa para a América do Sul bem como as idéias de uma relação Sul-Sul, a busca da integração e cooperação baseados no multilateralismo, na paz, no repúdio ao terrorismo e ao fundamentalismo. Nossa debilidade é a falta de recursos para viabilizar projetos. A política está bem desenhada, mas não temos investimentos. Por isso, essa relação deve ser vista como um processo para não criar expectativas ou pessimismo sobre os propósitos do Brasil”. 37 Como projeção do futuro político, priorizar a integração com a América do Sul e formar alianças com potências emergentes, como a China, a Índia e a Rússia, que possam servir de contrapeso ao poder das potências hegemônicas constitui o fulcro desta segunda perspectiva e o principal ponto de divergência com a primeira, que dá prioridade ao acesso aos mercados dos países ricos. Perguntou-se aos entrevistados qual seria a melhor estratégia para a inserção do Brasil no mercado mundial. Priorizar negociações comerciais com os países desenvolvidos do Norte (União Européia, Estados Unidos e Japão) teve o apoio de quase um terço dos entrevistados (26%). Outro terço (31%) optou por priorizar negociações comerciais com os países da América do Sul e outros grandes países em desenvolvimento fora da região, como a Índia, China e África do Sul. Os resultados encontram-se no gráfico a seguir: Embora a questão polarize as respostas de mais da metade dos entrevistados, o dado mais interessante a registrar é que um significativo número prefere perseguir ambas as estratégias (41%). Na avaliação de um empresário: 38 “Não vejo como polarizadas as opções entre negociar com países desenvolvidos ou com países em desenvolvimento. Vejo como prioritária a integração do espaço econômico regional, mas não de forma excludente com outras estratégias multilaterais e bilaterais”. Para outro empresário o relacionamento com países ricos e com países do eixo Sul-Sul reforça a busca pelo Brasil da diversificação geográfica do comércio e o aprofundamento de suas relações bilaterais em todo o mundo. Na sua opinião: “O ideal seria uma combinação das duas opções: fazer acordos com países desenvolvidos e ingressar na OCDE e integrar-se com os grandes países em desenvolvimento e com a América do Sul, se necessário revendo ou até abolindo o Mercosul”. É opinião compartilhada por um líder de organização não-governamental, cuja ênfase todavia é a necessidade de fortalecer o multilateralismo: “Deve-se priorizar uma conclusão ambiciosa e equilibrada da Rodada Doha. No entanto, deve-se trabalhar também numa agenda de acordos com os países desenvolvidos que representam os grandes mercados.” A divisão Norte-Sul afigura-se incompreensível para influente líder empresarial pois a opção preferencial pela comércio com potências regionais emergentes, como a China, a Rússia ou a Índia, ignora a realidade da sólida inserção do Brasil na economia do hemisfério. Nas suas palavras: “A prioridade da política comercial deve ser as três Américas, onde é maior o conjunto das exportações. Nossas commodities vão para o comércio global mas os manufaturados vão para os mercados regionais”. Alusões à idéia de um alinhamento Sul-Sul muitas vezes indicam mais o interesse em promover a aproximação entre o Brasil e os países vizinhos do que a formação de alianças horizontais com mercados emergentes fora da região. “A América do Sul é nossa âncora, resumiu experimentado embaixador. “Ela mostra que a geografia é mais importante do que a história. Países mudam a história, mas nenhum mudou a geografia.” Além desse fator de avizinhação, as economias sulamericanas estão hoje interligadas por fluxos de comércio de importância crescente. “A priorização de política externa tem correspondido ao crescimento de 39 relações comerciais do Brasil na América do Sul”, explica um empresário. “Não se imaginava que isso pudesse acontecer, colocando a América do Sul no mesmo patamar que a Europa em termos de saldos comerciais fortes e crescentes com os países da região”. Integrar o continente, nesta concepção, representaria etapa incontornável para a plena inserção do Brasil na economia internacional. Pode-se concluir que parcela importante da comunidade brasileira de política externa segue polarizada por duas visões sobre a inserção internacional do Brasil. Apenas pressentida no início desta década, essa divisão acentuou-se e ganhou maior dimensão no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o comando da política externa foi confiado a expoentes da tendência contrária à agenda liberalizante até então vigente. É todavia discutível se esta clivagem mantém hoje a mesma nitidez que tinha no passado. Em várias outras dimensões de política externa, observa-se um grau de convergência muito maior do que se poderia supor, indicando significativa continuidade com as orientações do passado. 40 Capítulo 3 PRIORIDADES DA AGENDA INTERNACIONAL DO BRASIL As aspirações do Brasil na cena mundial têm como referência fundamental, em primeiro lugar, a identificação dos países nos quais tem um interesse vital. Essas prioridades geopolíticas constituem a base de alianças estratégicas visando fortalecer a presença do país no cenário internacional. Em segundo lugar, encontram-se as ameaças externas aos seus interesse, as quais incluem desde as assimetrias econômicas e os enfrentamentos bélicos clássicos até novas ameaças de natureza mais difusa e de alcance transnacional, como o aquecimento global, a pobreza, os direitos humanos, a proliferação de armas de destruição em massa, as epidemias globais e o tráfico internacional de drogas. Por fim, às percepções de interesses e de ameaças soma-se a atribuição de importância aos diversos os objetivos de política externa, dentre os quais sobressaem a projeção de sua liderança na região e a participação nos foros internacionais onde se delibera sobre normas e regras internacionais. Prioridades Geopolíticas A Argentina (95%), os Estados Unidos (94%) e a China (92%) são unanimente reconhecidos como países nos quais o Brasil tem um interesse vital, ainda que o tenha por diferentes razões econômicas, políticas ou de segurança externa e a despeito de estarem situados em cantos opostos do mundo. Não se trata de percepções atreladas à evolução recente das relações bilaterais. Atribuia-se a estes países a mesma prioridade no início da década, exceção a China, que saltou de 82% para 92% do total de respostas. Convém ter em conta as diferenças entre eles. Unidos por fortes laços, o interesse vital do Brasil na Argentina funda-se em fatores geopolíticos e econômicos. “A aliança Brasil-Argentina já não é mais uma alternativa, mas um imperativo”, resume um diplomata. Superou-se uma conflituosa tradição de vizinhança, alimentada durante décadas pela desconfiança mútua, e a formação do Mercosul simboliza essa nova união. Não obstante a isso, persistem os conflitos dentro do bloco. Na percepção de experiente embaixador: 41 “O eixo básico é a relação Brasil-Argentina, uma relação complicada desde Menem até Kirchner. A questão geopolitica entre nós foi resolvida. Mas como equacionar a questão do Mercosul? O Mercosul original dos quatro sócios é o fulcro da integração econômica da América do Sul”. Pelo menos desde 1999, quando o Brasil desvalorizou sua moeda, os argentinos clamam pela reparação de perdas no comércio bilateral, exigindo salvaguardas. Esse clamor por maior proteção, que encontrou eco no governo do presidente Nestor Kirchner, coincidiu com a compra pela Venezuela de títulos da dívida pública argentina. É o que leva muitos observadores a temer que a relação privilegiada entre o Brasil e a Argentina possa estar se esgarçando. É esta a opinião de um pesquisador especializado em relações internacionais na região: “Nosso problema mais sério se chama Argentina. Há um processo inflacionário, a economia não está recuperada, há um gargalo de investimentos externos. As pessoas ainda apostam na parceria com o Brasil mas vai surgindo o projeto de uma Argentina independente do Brasil. O futuro do país depende cada vez mais da Venezuela. Uma Argentina desestabilizada, com o apoio do Chávez, é um problema”. Decerto, as relações com a Argentina estão longe de uma ruptura. O fluxo de comércio continua forte, embalado pela perspectiva de fechamento das transações nas respectivas moedas, e o Brasil é uma das três maiores fontes de investimento no país. Mas persiste o temor de que a Argentina possa aferrar-se ao protecionismo, subtraindo graus de liberdade ao Mercosul e conseqüentemente ao Brasil, para negociar com terceiros países ou blocos. Quadro contrastante é oferecido pelos Estados Unidos, país com o qual nossas relações encontram-se numa quadra auspiciosa. Desde meados desta década, a corrente de comércio segue trajetória ascendente, com significativo aumento da participação das exportações brasileiras nas importações norteamericanas. Além disso, a proposta de colaboração na área de biocombustíveis tem animado a relação bilateral. Não se pode esperar, obviamente, que essa relação ignore as imensas diferenças econômicas e estratégicas que separam os dois países. No dizer de um deputado com sólida atuação na área de relações exteriores: 42 “Face aos Estados Unidos, nossas relações devem buscar um equilíbrio entre cooperação e disputa, ao preço ou da capitulação dos interesses do Brasil ou do confronto, com o qual não temos nada a ganhar. É preciso ter um ambiente de franqueza e cooperação até para podermos colocar na mesa os contenciosos. Tem sido assim desde sempre”. Um respeitado embaixador, por sua vez, assinala que a relação entre o Brasil e os Estados Unidos apresenta inquietante estreiteza de visão, movendo-se muitas vezes sob pressão de fatores conjunturais e sem referência a um cenário internacional mais abrangente. Na sua avaliação, menos do que o acerto das iniciativas diplomáticas, o que mantém os dois países afinados é a multiplicidade de conexões entre as respectivas economias e sociedades: 43 44 “Nem nós nem os Estados Unidos temos uma visão de relacionamento de longo prazo. Nossas relações são casuísticas, temos iniciativas tópicas. O que faremos no comércio exterior? A ALCA está morta ou não? Por sorte, continuamos numa relação que tem alguns pecados veniais mas nenhum pecado capital. Até porque essas relações estão hoje mais nas mãos da sociedade do que da diplomacia tradicional. Existem forças da sociedade que jamais permitirão uma ruptura entre o Brasil e os Estados Unidos”. A China mantém a terceira posição no rol das relações internacionais do Brasil (92%), hoje muito mais próxima dos pólos tradicionais representados pela Argentina e pelos Estados Unidos. Justamente por isso, vem a calhar a recomendação de um empresário de que devemos tomar ciência da intensa competição entre a China e os Estados Unidos e mantermo-nos eqüidistantes de ambos. Em suas palavras: “Os Estados Unidos tornou-se uma potência hegemônica no final da 2ª Grande Guerra. De lá para cá, vem perdendo poder e a China vai se tornando o principal ponto de acumulação de capital. Hegemonia é a produção de bens físicos. Por isso, a China contestará os Estados Unidos nos próximos 15 ou 20 anos. Nossa postura frente a este grande conflito deve ser de neutralidade, tornando-nos terceiros interessados”. A Índia (71%) e, em menor escala, a África do Sul (54%) e a Rússia (46%) também são percebidos como países nos quais o Brasil tem interesses vitais, uma avaliação que adquiriu contornos mais definidos desde 2001. Nada se compara, no entanto, à mudança das percepções relativas a dois outros grupos de países. O primeiro grupo é formado pelos países do entorno imediato do Brasil. A Bolívia é citada por 81% dos entrevistados contra 57% em 2001 - um aumento de 24 pontos percentuais. A Colômbia também subiu de 62% para 69% e a Venezuela – acrescentada à lista de países somente neste ano – obteve 78% das respostas. Importa lembrar aqui que a prioridade atribuída aos países vizinhos pode refletir diferentes facetas de relacionamentos cada vez mais próximos. O interesse pela Bolívia, por exemplo, diz respeito à questão da segurança energética, circunstância que não está presente no caso da Colômbia ou 45 da Venezuela, onde têm precedência preocupações relativas à segurança nacional ou à liderança regional do Brasil. Em perspectiva mais larga, tais mudanças retratam a emergência da América do Sul como ator relevante no sistema internacional. Em parte, isso foi decorrência do processo de integração da América do Norte. “A entrada do México no Nafta rompeu a idéia de América Latina e valorizou a idéia de América do Sul, sobrepondo a geografia à idéia da latinidade”, argumenta um embaixador. Os dados corroboram essa interpretação pois o México perdeu relevância (passando de 59% para 50%) e Cuba manteve-se à margem dos interesses internacionais do Brasil (registrando pequeno incremento de 14% para 22% das menções). Capitalizado pela diplomacia, o efeito combinado das transformações em curso traduziu-se na criação de uma nova identidade coletiva, politizando o processo de integração regional. Nas palavras de um gestor de alto escalão do Ministério das Relações Exteriores: “O conceito de América do Sul foi totalmente incorporado, estando até na origem da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Isso é uma mudança importante, que não pode desconhecida, e é, em grande parte, devida à política externa do governo Lula. A mudança começou antes mas hoje há um reconhecimento muito mais forte da região”. No contraponto a esta tendência, é também patente a progressiva redução da importância atribuida a países tradicionalmente identificados como Primeiro Mundo. Em comparação com o início da década, é bem menor o número de entrevistados que afirma que o Brasil tem um interesse vital na Alemanha (a proporção caiu de 76% para 59%); Japão (de 62% para 54%); França (de 67% para 50%); Espanha (de 63% para 46%); Inglaterra (de 59% para 41%) ou Canadá (de 39% para 25%). Um quarto grupo, que obtém percentuais entre 10% e 20% das respostas, engloba países que têm escassa relevância para a política externa brasileira. Incluise neste grupo a Coréia do Sul, a já mencionada Cuba, Irã, Indonésia e Israel, indicando o distanciamento do Brasil das linhas de tensão que dividem o Oriente Médio e o Sudeste da Ásia. A exceção são os países lusófonos. Portugal registrou um modesto ganho de relevância (de 44% para 50%) mas Angola despontou como 46 valioso ponto de entrada no continente africano (passou de 26% para 62% das menções). Em suma, as prioridades geopolíticas do Brasil são, em primeiro lugar, os Estados Unidos e os países da América do Sul. Em seguida, estão os grandes mercados emergentes (a China, a Índia e, em menor escala, a Rússia, o México e a África do Sul) e tradicionais parceiros .europeus (destacando-se a Alemanha, França, Portugal, Espanha e Inglaterra). Ameaças aos Interesses Vitais do Brasil Como se pode depreender do gráfico abaixo, as mais graves ameaças aos interesses vitais do Brasil são o aquecimento global (66%) e o tráfico internacional de drogas (64%), seguidas a certa distância pelo protecionismo do mundo rico (50%). O aquecimento do planeta e as mudanças climáticas resultantes podem acarretar conseqüências catastróficas para países do Hemisfério Sul, alerta um diplomata de alto escalão. Controlar as emissões de gases de efeito estufa tornouse um imperativo diante do risco de mudanças que podem afetar a economia e a qualidade de vida da população brasileira. Na sua avaliação: “Os grandes desafios desse século são o aquecimento global e a mudança do clima. Como nossa matriz energética é limpa, a maior parte das nossas emissões vem do desmatamento, que lança milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera. O Brasil deve propor suas próprias metas de redução do desmatamento”. Nem todos os entrevistados compartilham a mesma percepção das mudanças globais e suas conseqüências. Para um alto titular de função pública, o Brasil não deve aceitar nenhuma limitação às suas emissões, posto que o aumento da temperatura global é em larga medida decorrência das emissões dos países industrializados que se foram acumulando na atmosfera ao longo de séculos. Na sua opinião: “A questão do aquecimento não tem uma causa cientificamente comprovada. Existem argumentos igualmente fortes a favor da hipótese de que é resultado da ação humana ou de que se trata de um ciclo natural da Terra. O aquecimento global pode se um excelente argumento para a manutenção do status quo. Duvido que algum país do Norte se disponha a cortar emissões 47 de gases. Para nós, o custo de fazê-lo será muito alto e não vejo os benefícios”. A criminalidade transnacional também está no topo das preocupações da comunidade brasileira de política externa. O tráfico internacional de drogas e o contrabando de armas pequenas e armamentos leves, considerado ameaça crítica 48 por 46% dos entrevistados, encontram campo propício na extensão e porosidade das fronteiras nacionais. Um militar de alta patente destaca todavia que “o problema de tráfico de armas e drogas é preocupante mas não pelas fronteiras terrestres”. Na sua opinião, “as fronteiras marítimas e aéreas são mais importantes”. Neste sentido, manter a segurança dentro do próprio território nacional exige ativa colaboração entre os países da região. De todo modo, a distinção entre segurança pública e segurança coletiva tornou-se imprecisa à medida em que novas ameaças, como a criminalidade transnacional e o terrorismo, vieram somar-se aos enfrentamentos clássicos entre países. Mencionado por 35% dos entrevistados, aumentou desde 2001 a percepção do terrorismo como ameaça global embora muitos ainda duvidem de sua efetiva materialização no plano regional. “Na América do Sul, não temos ameaças terroristas como no Oriente Médio”, afirma um experiente embaixador. “Nem na Tríplice Fronteira há evidência de uma ameaça terrorista na região”. É preciso ter em conta, no entanto, que o conflito entre a guerrilha e o governo da Colômbia pode representar séria ameaça ao país, como assinala 29% das respostas. Não é esta a percepção de um oficial graduado das Forças Armadas. “A atuação das FARCs na Amazônia não é importante, exceto pela possibilidade remota de transbordamento do conflito para nossas fronteiras”, observa. “A ação da guerrilha ainda não é um problema militar, embora precisemos aumentar a vigilância e inteligência na região”. Não se deve depreender daí ser desprezível a probabilidade de conflitos entre países na região. O recente confronto entre a Colômbia, Equador e Venezuela demonstrou que, embora remota, não se pode excluir a hipótese de guerra convencional na nosso entorno. “Os conflitos territoriais na América do Sul estão hoje em baixa temperatura, mas existem”, adverte um deputado com marcante atuação nas relações exteriores do país. “Esses conflitos reservam ao Brasil um importante papel de mediação”, acrescenta. De fato, mais de um terço dos entrevistados expressa preocupação com uma corrida armamentista na América do Sul (40%) e com o aumento de países com armas nucleares no mundo (39%). “A compra de armamentos pela Venezuela agrada às Forças Armadas mas Chávez erra ao partidarizá-las”, observa um alto funcionário da administração pública. “Chávez teme algum conflito externo de baixa intensidade com a Colômbia, por exemplo. É um pouco o que fez Cuba se tornar 49 uma potência militar - ter um elemento de dissuasão”. Não se trata de avaliação compartilhada por todos. As circunstâncias aconselham cautela, adverte um militar de alta patente: “Os equipamentos militares têm limite de vida útil e precisam ser substituídos. Na América do Sul, todos os países têm equipamentos obsoletos e fazem sua substituição, como a Venezuela”. As barreiras ao comércio exterior do Brasil e sua efetiva inserção na economia internacional compõem o terceiro conjunto de ameaças aos interesses nacionais. No perfil das respostas a ênfase está posta, em primeiro lugar, no protecionismo comercial e a conseqüente redução do acesso do país aos mercados dos países ricos. Ocorre que os Estados Unidos e União Européia só se dispõem a reduzir seus subsídios agropecuários em troca de concessões das nações em desenvolvimento na importação de bens industriais e liberalização de serviços. O comentário de um influente deputado deixa entrever um rastro de irritação com a proposta: “A contrapartida exigida pelos países desenvolvidos para a abertura de seus mercados é uma falácia. O Brasil não tem subsídios à produção, escancarou suas portas para a entrada de empresas estrangeiras em áreas básicas, mas o mesmo não aconteceu com nossos produtos nos mercados deles.” Outra ameaça de natureza econômica é a desigualdade econômica e tecnológica entre as nações do Norte e do Sul (38%). Ainda que haja sólidas razões para salientar a relação virtuosa entre ciência e tecnologia e desenvolvimento econômico, a fronteira entre países desenvolvidos e em desenvolvimento vem sendo demarcada, de modo cada vez mais intenso, pela divisão entre produtores e consumidores de conhecimento. Reconhecer a importância deste fator não deve conduzir, na opinião de um empresário, a excessivas concessões no âmbito de nossas negociações comerciais. “Não creio que propriedade intelectual, serviços e investimentos sejam temas de troca para o acesso a mercados”, é o seu comentário. “Não vejo esse trade-off.” Ainda neste mesmo terreno, o poder econômico dos Estados Unidos divide as opiniões da comunidade brasileira de política externa. Classificado como ameaça por 55% dos entrevistados, outros 43% o vêem mais como uma oportunidade para o Brasil. Tampouco é o caso da China, cujo crescente poder econômico é temido por 50 apenas 24% dos entrevistados. No visão de importante empresário, “a China não é um competidor importante neste momento. Mas pode representar um elemento de aproximação estratégica”. No plano político, as duas ameaças principais são o surgimento de governos ditatoriais na América do Sul (48%) e a internacionalização da Amazônia (46%). Governos autoritários não são novidade na região mas um respeitado diplomata identifica padrões recorrentes: “Apesar de grandes disparidades, a América do Sul se move em ondas. Nos anos 80, foi a redemocratização. A democracia e as reformas econômicas tiveram sucesso mas a pobreza e a desigualdade continuam. Hoje, vemos a emergência dos movimentos sociais. Onde a democracia estava mais enraizada, essa demanda foi canalizada por partidos. Em outros países, isso foi feito por líderes populistas, como na Venezuela e Bolívia”. Talvez a Venezuela seja o caso mais emblemático. A ascensão ao poder do presidente Hugo Chávez e a estridência de sua pregação bolivarianista propagou um clima de insegurança na região. Mas não destoou da tendência histórica de seu país, segundo a percepção de importante pesquisador acadêmico: “Não se pode discutir a Venezuela sem recorrer à história. A elite venezuelana sempre foi a pior de todas. Isso explica Chávez, que tem o apoio da metade da população para quem faz políticas sociais. O projeto de Chávez sinaliza uma mudança para a ditadura. Mas a Venezuela hoje não é pior do que era”. O temor de que a Amazônia possa vir a ser internacionalizada, despojando o Brasil de soberania efetiva sobre parte substancial de seu território, nutre-se do abandono e escassa presença do poder público na região, agravados pela exploração predatória de recursos naturais e de sua rica biodiversidade. “A maior ameaça na Amazônia é a ausência do Estado”, confirma um oficial militar com extensa folha de serviços prestados na região. “Só temos as Forças Armadas na fronteira; os chamados “pavilhões de terceiros” para outros órgãos governamentais estão vazios até hoje. Se tirarmos as Forças Armadas de lá, desaparecerá o Estado na região”. 51 Tida como inconcebível, a outra possibilidade é o retalhamento e secessão de porções do território da bacia amazônica. Outra alta patente militar resume esses temores: “Entre as questões preocupantes estão as milhares de ONGs que atuam na Amazônia sem nenhum controle do governo e a criação de reservas indígenas. Muitas dessas reservas estão em áreas de fronteira, com grandes recursos minerais. As reservas ianomami, por exemplo, atravessam do Brasil para a Venezuela, configurando uma nação. E isso com vizinhos que querem desestabilizar a região”. É mais do que razoável argüir que esta constelação de ameaças tende a mudar de acordo com os fluxos e refluxos dos acontecimentos na região e no mundo. Comprova-o a desarticulação das preocupações quanto à inserção do Brasil na economia internacional que ocupavam o topo da agenda no início da década. Como se vê no gráfico abaixo, que compara os resultados de 2001 e 2008, desabou a percepção de ameaça representada pelo protecionismo comercial dos países ricos (de 75% para 50% das respostas), pela desigualdade econômica e tecnológica entre o Norte e o Sul (de 64% para 38%) e pelo poder econômico dos Estados Unidos (de 39% para 15%). 52 Se esmaeceram as ameaças associadas à globalização econômica, novas ameaças ocuparam a cena. Tornou-se mais aguda a percepção da ameaça do aquecimento global (passou de 44% para 65% das respostas), refletindo o reconhecimento da gravidade da questão ambiental. Aumentou a percepção da ameaça do tráfico internacional de drogas (de 52% para 64%), do contrabando de armas (de 42% para 46%), do terrorismo internacional (de 21% para 35%) e do 53 conflito entre a guerrilha e o governo da Colômbia (de 27% para 29%), permanecendo estável a preocupação com o aumento de países com armas nucleares (que caiu de 41% para 39%) e a internacionalização da Amazônia (de 49% para 46%). Aumentaram, por fim, os temores quanto ao surgimento de governos ditatoriais na América do Sul (de 45% para 48%) e a expansão de movimentos religiosos fundamentalistas (de 9% para 19. Em suma, a percepção de ameaças deslocou-se da esfera da economia internacional para a do meio ambiente, da segurança nacional e da política. Objetivos da Política Externa do Brasil Dezoito grandes temas da política externa do Brasil foram submetidos ao escrutínio dos entrevistados para que fossem classificados por ordem de importância, variando de “extrema importância” a “pouca ou nenhuma importância”. Os resultados são apresentados no gráfico abaixo. Oito dos dezoito objetivos de política externa foram considerados como de “extrema importância” pela maioria dos entrevistados. Desses, cinco dizem respeito à atuação do Brasil na região, a saber: garantir a democracia na América do Sul (74%); integrar a infraestrutura de transportes, energia e telecomunicações (70%); fortalecer a liderança regional do Brasil (65%); atuar em conjunto com países vizinhos para a defesa e proteção da Amazônia (57%) e fortalecer o Mercosul (54%). Os dados corroboram a valorização da região como peça central da política externa. “A América do Sul é condição sine qua non para o Brasil ter uma presença internacional”, resume conhecido embaixador. “O país precisa ter apoio na sua região”. Três outros objetivos considerados de extrema importância são a defesa do meio ambiente (62%), o combate ao tráfico internacional de drogas (61%) e a ampliação de acordos de cooperação em ciência e tecnologia (57%). Não chega a ser uma surpresa que a importância atribuída aos objetivos de política externa guarde estreita correspondência com a percepção de ameaças. Impressiona, no entanto, o grau de correspondência entre ameaça e resposta no que diz respeito à mudança ambiental e criminalidade transnacional. O mesmo é verdade quando se põe lado a lado a ameaça de ditaduras e a necessidade de assegurar a democracia na região. 54 As questões mais controversas, por outro lado, são a reivindicação de assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (considerado “muito ou extremamente importante” por 58% dos entrevistados contra a opinião de 42%) e o controle e redução da imigração ilegal para o país (54% contra 46%). 55 A polêmica sobre o Conselho de Segurança requer análise mais detida. Na ONU, o Brasil tem sido ativo na reforma do Conselho de Segurança, propondo que o poder de veto das grandes potências seja contrabalançado pela admissão de países com atuação importante em diferentes regiões de mundo de sorte a transformá-lo em efetiva organização de segurança coletiva, voltada para a prevenção do conflito e a manutenção da paz em escala global. Ao contrário do que se poderia depreender do perfil de respostas acima aludido, não se contesta a validade do objetivo mas sim o grau de importância que se lhe deve conferir. Mais adiante se verá que a maioria da comunidade brasileira de política externa apóia essa meta, embora com muito menos convicção do que no passado. “É um projeto de longo prazo”, explica um embaixador. “Não existem, no momento, condições para ampliar o número de membros permanentes do Conselho”. O mesmo ocorre com o tema da imigração ilegal. Conforme se vê no gráfico seguinte, a percepção de urgência saltou de 4% em 2001 para 13% hoje. “A imigração regional é um tema de crescente importância, que deve ser visto sob a ótica da integração”, reconhece um diplomata de alto escalão do Ministério das Relações Exteriores. “Tentamos fazer acordos de residência, já temos a isenção de passaportes com praticamente toda a região e muitos acordos de fronteira”. Outro resultado inesperado é o “consenso negativo” sobre o fortalecimento da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, objetivo ao qual mais da metade dos entrevistados atribui pouca ou nenhuma importância (57%). Na realidade, a questão vem se impondo desde o início da década, mas a partir de uma base muito pequena (saltou de 2% para 12%). Recentemente, o Brasil patrocinou o 7º Encontro da Comunidade, no qual reafirmou o compromisso com os países lusófonos. Salta aos olhos, no entanto, a baixa prioridade dedicada ao comércio exterior. Era previsível a queda de importância da negociação de acordos de livre comércio com a União Européia e os Estados Unidos, pois essas possibilidades foram virtualmente excluídas do tabuleiro da política externa com o fiasco da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). “O acordo Mercosul-União Européia precisa do acordo da ALCA para andar, são reféns um do outro”, pondera outro embaixador. “No momento, não há tendência de avanço nem para um nem para o outro. Esses acordos não estão na agenda nem dos Estados Unidos, nem da União Européia”. 56 Na verdade, essa irrelevância é apenas aparente. Em 2001, duas questões sobre o comércio exterior foram pontuadas como sendo de “extrema importância”. Uma foi a promoção do comércio exterior e a redução do déficit comercial do país (73%), objetivo alcançado desde então com sucesso. A outra foi o apoio a uma nova rodada de negociações mundiais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (55%), consubstanciado no lançamento da Rodada Doha em novembro do mesmo ano. Embora essas perguntas tenham sido excluídas da presente pesquisa, nada indica ter esmorecido o empenho da comunidade brasileira de política externa em prol da liberalização comercial como, alías, fica evidenciado pela urgência de se promover nova rodada de liberalização do comércio exterior do país, tal como preconizada por quase metade dos entrevistados (42%). De fato, a esta altura praticamente já não subsistem restrições a uma postura negociadora mais ofensiva, considerando-se admissível uma liberalização de serviços e importações industriais pelo Brasil em troca da abertura dos mercados agrícolas, como ocorreu recentemente na negociação da OMC, em Genebra. Nem está liminarmente descartada uma abertura unilateral. “Dentro da globalização, a abertura do comércio internacional para produtos industriais e serviços é inevitável”, defende um empresário com intensa atividade exportadora. Completando esse conjunto de questões, o incentivo à produção e consumo de biocombustíveis, apoiado pela metade dos entrevistados (50%), sinaliza o potencial de cooperação entre os Estados Unidos e o Brasil em áreas específicas e de interesse mútuo. 57 No âmbito do comércio exterior, o que de fato soa fora do eixo é a relativa perda de importância do Mercosul. Fortalecê-lo era meta apoiada por 64% dos entrevistados em 2001, o número hoje reduzido a 54%. Não é um resultado isolado. 58 Como se verá adiante, várias outras manifestações da comunidade brasileira de política externa ratificam e dão contornos mais sólidos à tendência vislumbrada no gráfico. Os que criticam o Mercosul pautam-se na necessidade de reformar o bloco, dando-lhe maior institucionalidade, como opina um experiente embaixador: “O Mercosul está num plano inclinado. Houve um grande avanço comercial mas isso ocorreu graças ao crescimento mundial e a despeito dos governos. O Mercosul vive uma crise institucional, pois as regras não são cumpridas e os órgãos não funcionam. Há, na verdade, um retrocesso, com perfurações da TEC, etc. Ao invés de aprofundar o Mercosul, fazendo cumprir o tratado e suas regras, o governo quer trazer para dentro a Venezuela e a Bolívia. O que fazer com um Mercosul estraçalhado daqui a quatro anos?” Observa-se movimento idêntico porém em sentido contrário quando o foco é assestado na América do Sul. Como mencionado anteriormente, a maioria dos objetivos de máxima importância dizem respeito à região, e praticamente todos eles ganharam importância adicional desde 2001. Garantir a democracia permanece no topo da agenda, acima até da integração da infra-estrutura regional de transportes, energia e telecomunicações. Segundo o diagnóstico de um alto titular da administração pública, a dificuldade prática para implementar essa meta reside nas profundas assimetrias que polarizam a região: “Existem dois grupos de países na América do Sul. O primeiro é formado pelo Chile, Argentina, Uruguai e Brasil. A Colômbia é um caso à parte. A tendência atual aponta para um movimento pós-liberal, mas a democracia está consolidada e são países previsíveis. É outra a tendência da Venezuela, Equador, Bolívia, Paraguai e Peru. São exportadores de produtos primários e vivem uma profunda crise política. O que marca esses países é a absoluta imprevisibilidade”. Sob essa ótica, ganha relêvo a nova topografia política que começa a se descortinar na América do Sul, com governos que mesclam autoritarismo e apelo popular. Não seria plausível imaginar que houvesse concordância sobre qual o rumo a seguir para assegurar a democracia na região. E de fato não há. A “cláusula democrática” determina o isolamento de país cujo governo tenha sido derrubado pela força e ameaças de golpes, como ocorreram no Paraguai, Perú e, em 2002, na Venezuela, têm sido desencorajadas pelo Brasil em atuação conjunta com outros países. Preservar a democracia e fortalecer a liderança regional do Brasil, contudo, 59 podem não ser metas mutuamente excludentes, como sugere um influente embaixador: “A política externa do primeiro governo Lula foi um contrapeso à política conservadora de Bush. No segundo mandato, esse fator simbólico não é mais necessário. O problema agora é que os antigos aliados na região estão criando problemas e complicando a agenda. Estamos fazendo uma discreta transição para outro papel: a intervenção moderadora. Foi o que o presidente Lula disse à Bolívia e à Venezuela: ‘Temos limites’.“ A integração da infra-estrutura regional de energia e transportes é o segundo objetivo mais importante de política externa. As linhas mestras de uma estratégia para integrar as infra-estruturas nacionais foram traçadas pela iniciativa de Integração das Infra-estruturas Regionais Sul-Americanas (IIRSA). No entanto, sua prioridade é articular o Mercosul e a Comunidade Andina (CAN) e não a América do Sul. “Por mais que tenha crescido, nosso comércio na região é ridículo. Temos um grande vazio no meio da América do Sul, sem conexões rodoviárias ou ferroviárias”, lamenta um atuante líder empresarial. “Nosso comércio está concentrado no Cone Sul e a maior parte é feito por via marítima, inclusive com o resto da América do Sul”. A liderança regional do Brasil é talvez o item mais sensível da agenda, embora a meta de fortalecê-la conte com sólida maioria de quase dois terços (63% e 65%, respectivamente) desde o início da década. “O problema da liderança do Brasil na América do Sul é complexo pois os países da região o vêem como um país imperialista, embora dele queiram se aproximar”, registra outro líder empresarial. “É uma relação de medo e amor”. Decorre daí a cautela com que a questão é abordada por respeitado parlamentar: “O Brasil não deve fazer movimentos bruscos, mas sim movimentos cuidadosos de cooperação. Não podemos aceitar a posição de potência regional nem de propulsor da região. Como dizem os chineses sobre os Estados Unidos: “Acendemos as velas de dia porque de noite o clarão é muito forte”. 60 Em política externa, jactar-se raramente guarda correspondência com um excedente de poder, sendo preferível a discrição para fundamentar a liderança, ressalta um renomado pesquisador acadêmico. Na sua opinião: “Quando se fala de América do Sul, alguns dizem que o Brasil não assume a posição de líder, não sabe o que quer e que, consequentemente, a integração regional não é viável. Na verdade, o Brasil tem sido muito discreto e pouco agressivo. O governo Lula mostrou que o Brasil tinha espaço para ser mais ousado. O Brasil sabe o que quer, nossa política na América do Sul tem rumo e não é ruim”. Em geral, acentuou-se a percepção de urgência de praticamente todos os objetivos arrolados. Três deles, no entanto, tiveram evolução marcante: a defesa do meio ambiente (que saltou de 39% para 62% das respostas), o fortalecimento das Forças Armadas e da política de segurança e defesa nacional (de 13% para 42%), a ampliação de acordos de cooperação em ciência e tecnologia (de 36% para 57%) e a atuação conjunta para a defesa e proteção da Amazônia (de 40% para 57%). Embora assemelhadas, as questões sobre o meio ambiente e Amazônia despertam reações, por vezes, opostas.. É preciso ter em conta, como observa um diplomata de primeiro escalão, que ações na área ambiental quase sempre envolvem iniciativas de cooperação regional. Em suas próprias palavras: “Na questão da mudança climática e meio ambiente, o Brasil terá uma posição cada vez mais forte. No Mercosul, tentamos harmonizar as políticas ambientais. Um problema que temos na região é que o Brasil tem normas e legislações mais avançadas”. Já no caso da Amazônia, a cooperação internacional tem papel coadjutório e é com certa frequência percebida como intrusão ou até mesmo como violação de soberania. Um embaixador com larga experiência em fóros multilaterais aponta caminhos para contornar pressões indevidas: “O Tratado de Cooperação Amazônica é o melhor instrumento que o Brasil tem para contrabalançar a crítica internacional. Para evitar a universalização da Amazônia, é preciso regionalizá-la. Precisamos também acabar com a idéia da Amazônia legal. O mundo está preocupado é com a floresta 61 amazônica, não com o cerrado. Hoje, qualquer queimada perto de Corumbá é considerada desflorestamento do Amazonas”. Na mesma linha de raciocínio, a prioridade mais alta atribuída hoje ao fortalecimento das Forças Armadas e à politica de segurança e defesa nacional tangencia a preocupação em ampliar acordos de cooperação em ciência e tecnologia. Para destacar o ponto que interessa à presente análise, a capacidade de desenvolver e incorporar tecnologias avançadas dão ao Brasil uma vantagem comparativa com repercussão dissuasória. A questão é resumida por um oficial militar de primeiro escalão como segue: “Nenhum dos nossos vizinhos tem capacidade para tentar algo contra o território brasileiro. A relação de disparidade é muito grande pois sabemos fabricar aviões, tanques, mísseis, etc. Atacar o Brasil seria como atacar Pearl Harbor. O Japão teve uma vitória no primeiro momento mas foi arrasado em seguida”. Em suma: os resultados mostram grande convergência nas ameaças aos interesses vitais do país e sua tradução em diretrizes de política externa. Os Estados Unidos, Argentina e China são os países percebidos como prioritários para os interesses nacionais. A América do Sul consolida-se como um espaço singular para as iniciativas brasileiras de política externa, destacando-se, além da Argentina, a Bolívia, Venezuela, Colômbia e os países que integram o Mercosul. Fora do hemisfério, nossas prioridades geopolíticas são as seguintes: na União Européia, a Alemanha e a França e, em escala menor, a Espanha, Portugal e Inglaterra, a despeito da menor importância que lhes é hoje atribuída; na Ásia, a China, a Índia e o Japão; na África, Angola e África do Sul. Países que mal chegam a contar no mapeamento das prioridades do Brasil incluem Coréia do Sul e Indonésia, na Ásia; Cuba, na América Latina; e Irã e Israel, no Oriente Médio. Embora o comércio exterior e as negociações internacionais de comércio continuem a ser uma prioridade central da política externa, outros temas relativos ao meio ambiente, como o aquecimento global e as mudanças climáticas, e à segurança, como o tráfico de drogas e o surgimento de ditaduras em países de nosso entorno geográfico, ganharam alta visibilidade. Há também uma importante mudança no tocante à liberalização do comércio, com significativo apoio a uma nova 62 iniciativa liberalizante no Brasil visando aumentar sua participação nos fluxos mundiais de comércio. No sentido oposto, deve-se registrar a queda da importância do Mercosul, a qual contrasta flagrantemente com a prioridade atribuída à integração da infra-estrutura física e, de modo geral, à integração econômica da América do Sul. 63 Capítulo 4 ECONOMIA INTERNACIONAL Na defesa de seus interesses, o Brasil tem recorrido a acordos multilaterais, regionais e bilaterais. Embora as opções não sejam excludentes entre si, definir qual delas é prioritária em dado momento é condição para evitar o risco de não se avançar em qualquer direção. O apoio ao multilateralismo tem sido uma constante da política externa do Brasil e continua a ser o principal objetivo a nortear sua nas negociações de comércio. Justifica-se essa prioridade pelo fato de que o país dificilmente obteria concessões importantes no plano bilateral, como a redução de barreiras nãotarifárias e de subsídios agrícolas que impedem o acesso aos mercados dos Estados Unidos, União Européia e Japão. Outra razão relevante é ser o Brasil um global trader, com um comércio geograficamente diversificado. Por fim, as negociações multilaterais estabelecem as bases mínimas para futuros acordos bilaterais ou regionais. O fracasso da Rodada Doha tem especial relevância para o Brasil. Convicto de que as divergências inevitáveis em negociações regionais e bilaterais só poderiam ser superadas em negociações multilaterais, o Itamaraty concentrou suas energias na OMC, negligenciando a negociação de acordos que lhe poderiam proporcionar acesso a mercados importantes. Quase três centenas de tais acordos estão hoje em vigor ou em vias de serem completados, deixando pouco espaço para o Brasil. Fracassou também a negociação de um acordo hemisférico de livre comércio (ALCA). Embora o acordo já não seja uma alternativa viável no seu formato original, os Estados Unidos vem celebrando diversos acordos bilaterais com países sulamericanos, como o Chile, Peru e Colômbia. Essas iniciativas também dificultam propostas brasileiras em favor de uma integração da América do Sul sob sua liderança. Para muitos, o fiasco da ALCA foi o melhor desfecho para as negociações com os Estados Unidos. Para outros, representou a perda de uma oportunidade de acesso privilegiado ao maior mercado consumidor do mundo. Igualmente importante é que o abandono das negociações da ALCA afetou também o andamento das negociações entre o Mercosul e a União Européia, cuja dinâmica decorria em 64 significativa medida do interesse da União Européia de não perder vantagens comerciais que poderiam advir da adesão do Mercosul à ALCA. Abertura da economia A inserção da economia brasileira ao comércio mundial tem sido objeto de intensa controvérsia. Tem posição central nesse debate a abertura da economia à competição internacional, a qual é vista ora como fator indutor do crescimento e da competitividade, ora como fator de desestruturação e desnacionalização da produção doméstica. A questão da competitividade é fundamental para aqueles que defendem a abertura. Para esses, expor a economia brasileira à concorrência internacional melhora a alocação de recursos e estimula a elevação da produtividade geral da economia. Portanto, a abertura econômica iniciada na administração Collor e aprofundada nos governos seguintes teria sido bastante positiva para o Brasil, a despeito de ter gerado algumas baixas à indústria nacional. Essa é uma posição fortemente suportada pela moderna literatura econômica, que além de fornecer subsídios sólidos à hipótese de que a abertura econômica é benéfica considera que o aumento da produtividade é o principal fator dinâmico para o crescimento econômico. Com o intuito de avaliar essa questão, perguntou-se aos entrevistados se, de uma maneira geral, a abertura da economia foi benéfica ou prejudicial ao país. As respostas estão resumidas no quadro abaixo. 65 No início da década, eram polarizadas as opiniões sobre a abertura da economia, considerada benéfica por 67% e prejudicial por 23% dos entrevistados. Hoje, as proporções são 88% contra apenas 4%. A opinião majoritária é que a abertura da economia teve conseqüências positivas para o país. Reforçando a opinião favorável à abertura há diversas evidências factuais. Não houve a temida desindustrialização da economia brasileira, nem a derrocada da indústria nacional, embora tenha aumentado o grau de internacionalização das empresas instaladas no país. Setores tradicionais que temiam a abertura, como a indústria têxtil, passaram por reformulações profundas, tornando-se mais competitivas e criando novos pólos industriais dinâmicos. Seguem nessa linha as declarações de um empresário: “A abertura criou incentivos para que as empresas brasileiras se modernizassem e se tornassem mais competitivas. O consequente aumento de produtividade contribuiu para elevar o potencial de crescimento do país”. Assim, para muitos, o problema da abertura comercial é que ela não foi mais profunda. De fato, pouco ocorreu desde o governo do presidente Fernando 66 Henrique Cardoso. Para um empresário, o Brasil continua sendo um dos países mais fechados do mundo: “A abertura não só é boa, mas essencial pois o Brasil permanece um dos países mais fechados e menos globalizados do mundo.” Como indica o gráfico abaixo, poucos ainda sustentam a tese de que a abertura foi prejudicial ao país. Mas ainda subsistem objeções ao processo. Um líder sindical considera que a abertura da economia atraiu capitais especulativos e favoreceu o crescimento de importações em detrimento da produção doméstica: “A abertura é boa no que se refere aos avanços dos nossos setores industriais e agroindustriais nos mercados internacionais. Ruim no que se refere aos capitais especulativos e ao crescimento vertiginoso das importações de bens de consumo.” Por outro lado, a afirmação de um líder empresarial abaixo reproduzida serve para exemplificar a reação de entrevistados que não são contra a abertura mas criticam o pouco esforço que o governo faz para melhorar as condições internas de competição: “Não temos política de produção e exportação, nossa infraestrutura é dantesca, 95% do volume transportado sai por mar e os portos estão sucateados. Não temos logística. Estamos há anos discutindo multimodalismo e a burocracia não deixa sair. Temos uma política tributária que pune o exportador. Não podemos fazer remessas temporárias para fins de exportação pois a Receita cobra imposto sobre elas. É uma burocracia kafkaniana que só produz corrupção”. Multilateralismo e Regionalismo Qual das negociações comerciais em que o Brasil está envolvido é percebida como primordial? Apoiar a liberalização multilateral do comércio no quadro da OMC (1), buscar negociar melhores condições de comércio integrando-se em um bloco regional (2) ou privilegiar acordos bilaterais muito específicos e limitados (3), foram as opções oferecidas aos entrevistados, com a recomendação de que deveriam escolher somente uma delas. O resultado encontra-se no quadro abaixo. 67 Percebe-se, em primeiro lugar, que nenhuma das opções se sobrepõe marcantemente às demais. A alternativa preferida – a negociação multilateral no âmbito da OMC – foi escolhida por apenas 28% dos entrevistados. E houve uma pequena redução no apoio ao multilateralismo, que caiu de 31% para 28%. A opção pelo multilateralismo não deixa de ser criticada no que diz respeito à forma como o Brasil encaminhou a defesa dos seus interesses na OMC, conforme evidencia a declaração de um deputado: “O Brasil conseguiu criar o G-20 mas não dar sustentabilidade a ele. Sem ter uma linha política coerente na OMC, fica na indefinição de seu papel relativo. O charme de ter um presidente de esquerda, terceiro-mundista, e a expectativa mundial que isso gerou foi muito mal aproveitado por essas oscilações da política externa. Estamos sem estratégia ou prioridades, estamos indefinidos quanto à nossa inserção internacional e vamos pagar um preço por isso”. 68 Caiu de forma mais acentuada o apoio ao Mercosul, de 21% para 9%, e à ALCA, de 16% para 4%. A redução do apoio ao Mercosul, que era a segunda opção preferida em 2001, é fruto dos impasses que cercam atualmente o bloco, marcado por incertezas quanto ao seu futuro. As desconfianças em relação ao Mercosul estão expressas na declaração de um oficial militar: “Outro desafio é a integração dos mercados. Como a América do Sul vai enfrentar essa questão? Vão individualmente se compor com mercados fortes ou se unir para atuar em conjunto? O Mercosul está dividido, com parte dos países culpando o Brasil, nos vendo como os ricos que lhes devem vantagens econômicas”. No sentido inverso, aumentou o apoio à negociação de acordos bilaterais, que passou de 4% para 13%. O que era uma alternativa praticamente descartada começa a ganhar força. Caso se confirme a inviabilidade da Rodada Doha, a opção por acordos bilaterais ganhará maior evidência. É essa a tendência vislumbrada por um deputado, que também defende o aprofundamento do Mercosul: “No Mercosul, devemos aprofundar o que existe, acabando com a peneira da TEC. Se houver crescimento, devemos também crescer horizontalmente. Mas a prioridade é aprofundar o Mercosul e também buscar o caminho do bilateralismo, com o fracasso da OMC.” É interessante notar que o percentual a favor dos acordos bilaterais tornou-se praticamente igual à integração num bloco regional formado pela América do Sul, que recebeu 15% dos votos. É evidência de que os entrevistados desconfiam da viabilidade da integração regional, como observa um embaixador: “A idéia de uma Comunidade Sul-Americana de Nações foi uma reação ao NAFTA e ao temor do que a ALCA poderia representar em sua descida para o Sul. Tratava-se de criar uma contraforça. O problema é que não temos nem cacife nem o excedente de poder para influenciar os vizinhos e nem nos dispomos a fazer gestos de agrado a eles”. Segundo algumas pessoas ouvidas, essa discussão sobre a melhor maneira de o País se inserir no cenário econômico mundial é estéril. De acordo com eles, no fundo, as opções não são excludentes. É o que defende, por exemplo, um senador: 69 “Acredito que a diplomacia brasileira deve englobar todas as possibilidades de acordo para abertura de novos mercados para os nossos produtos. Devemos investir tanto nas negociações multilaterais, como nas regional e sub-regional e em acordos específicos com alguns países estratégicos.” Suas palavras são praticamente repetidas por um embaixador: “As opções não são excludentes. O Brasil deve perseguir todas ou quase todas as opções, aproveitando as circunstâncias para priorizar ora uma, ora outra”. A Negociação da ALCA Em 2001, a ALCA era um tema candente, capaz de gerar reações extremadas. Quem era favorável à criação de uma área hemisférica de livre comércio argumentava que a economia brasileira passaria a ter acesso privilegiado ao maior mercado consumidor do mundo. Para quem se opunha à proposta, o Brasil não estava preparado para integrar-se com os países do NAFTA, sob risco de expor a estrutura produtiva doméstica a uma avassaladora competição internacional. Também não faltou quem visse na adesão à ALCA um gesto de submissão dos interesses nacionais ao imperialismo norte-americano. Ao contrário do que fazia crer a elevada temperatura do debate público, inexistia em 2001 uma polarização de opiniões sobre a ALCA. A maioria dos entrevistados (61%) considerava o acordo potencialmente benéfico ao Brasil, desde que fossem reduzidas as barreiras não-tarifárias e subsídios agrícolas que limitavam o acesso dos produtos nacionais ao mercado dos Estados Unidos. Consoante se esperava, parte dos entrevistados acredita que o Brasil perdeu uma grande oportunidade (40%) e outra que ele livrou-se de uma grande ameaça (35%). 70 A polarização aparece também nas declarações coletadas. Para um líder sindical: “O Brasil e a Argentina aliaram-se e implementaram uma estratégia bem sucedida que visou implodir a proposta da ALCA. É evidente que naquele formato e circunstâncias, o arranjo continental favorecia muito mais os Estados Unidos. Acertamos em cheio”. Um embaixador, por sua vez, lamenta que as negociações não tenham evoluído de maneira produtiva: “A ALCA não era necessariamente nem uma grande oportunidade nem uma grande ameaça. Tudo dependeria dos termos negociados. O Brasil conduziu o assunto à sombra de preconceitos ideológicos contra algo que o ligasse formalmente aos Estados Unidos, exagerando na avaliação do acordo”. Nas palavras de um deputado, o problema é que nossa resistência em negociar a ALCA nos deixou com menos opções e enfraqueceu nosso posição até mesmo junto aos nossos vizinhos da América do Sul: 71 “Nossa recusa à ALCA não foi acompanhada de uma proposta alternativa, o que nos distanciou dos Estados Unidos e fragilizou nossa posição no Mercosul, com o Uruguai, Paraguai e Argentina tomando distância de nós. A entrada da Venezuela, com conotação política e não comercial, aumentou.o distanciamento”. Já para um líder empresarial, o fracasso da ALCA era previsível: “A ALCA era inviável como negociação, com 32 países demandando acesso aos mercados dos Estados Unidos sem permitir acesso aos seus. Existia uma inviabilidade prática”. Uma alternativa à ALCA, cultivada à época pela diplomacia brasileira, seria um acordo de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul. Apesar dos fortes pontos de contato entre os países do Cone Sul e da Europa, o acordo não seria essencialmente diferente da ALCA e dependeria de concessões em subsídios e barreiras não-tarifárias. Além disso, ao fracassar a ALCA, reduziu-se muito o interesse europeu por uma negociação desse tipo. Negociação do Comércio Agrícola A agricultura é um dos pontos mais críticos das negociações comerciais. O assunto mais controvertido nas negociações da OMC são as subvenções agrícolas e as medidas protecionistas contra a importação de produtos agrícolas. Na Rodada Doha, o Brasil se dispôs a defender um corte linear nas tarifas de importação de produtos industriais em troca de concessões no comércio de produtos agrícolas visando destravar as negociações. A oposição veio da Argentina, que considera inaceitável a abertura do mercado industrial do Mercosul, colocando o Brasil frente ao trágico dilema de aceitar as limitações impostas à sua liberdade de ação pela união aduaneira e ver escorrer-lhe por entre os dedos uma negociação multilateral na qual apostou pesadamente. 72 Os resultados comprovam que não há consenso sobre qual seria a melhor alternativa para o Brasil. Na busca da liberalização do comércio agrícola, há uma preferência um pouco mais acentuada pela preservação de mecanismos de proteção à indústria nacional e ao setor de serviços (47%). Mais realista talvez é a opção a favor de que o Brasil aceite abrir seu mercado em troca de concessões na política agrícola dos países desenvolvidos. Para um embaixador, é possível conciliar as duas opções: “Buscar a eliminação de barreiras ao nosso comércio agrícola não implica necessariamente uma renúncia - ou seja, uma desistência absoluta - de algum grau de proteção industrial e de liberdade para a aplicação de políticas industriais. Tudo isso é compatível com maior abertura”. Já um líder empresarial minimiza a importância da redução das barreiras às exportações agrícolas brasileiras: “Embora seja importante o Brasil seguir abrindo espaços para seus produtos agrícolas, o fator fundamental para o desenvolvimento é a diversificação da 73 produção e a agregação de valor a partir da criação de um sistema mais robusto de inovação.” Para outro empresário, antes de resolver que concessões estamos dispostos a oferecer, é necessário definir as políticas agrícola e industrial do país: “Negociar a eliminação das barreiras é fundamental, sempre e quando tenhamos definidas as políticas agrícola e industrial do país, para escolher devidamente a moeda de negociação”. 74 Capítulo 5 INTEGRAÇÃO REGIONAL A criação da União Européia abriu caminho para diferentes experiências de integração regional, nem todas fadadas ao sucesso ou necessariamente congruentes entre sí. No caso europeu, a linha evolutiva partiu da intensificação do comércio e cooperação econômica para a formação de uma união aduaneira e daí para o mercado comum. No caso do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), a idéia de se criar uma comunidade supranacional, com políticas externa e comercial comuns, soa fora de eixo. Independentemente do grau de ambição dessas experiências, o que caracteriza as iniciativas exitosas é o foco em interesses econômicos tangíveis e não a busca de identidade ou de convergência política. O Mercosul não constitui exceção a essa regra. Ao contrário da matriz que o inspirou, no entanto, o bloco desviou-se do rumo traçado no início da década atual e vem prosseguindo de forma errática, em percurso marcado por indefinições e incertezas. Embora aspirasse a metamorfosear-se em mercado comum, nem ao menos conseguiu consolidar uma união aduaneira efetiva. O Mercosul atuou de maneira coesa enquanto existiu uma ambiciosa agenda de negociações externas com os Estados Unidos e a União Européia. Paralisadas as negociações, multiplicaram-se as divergências no interior do bloco. Foram aceitas inúmeras exceções na Tarifa Externa Comum (TEC); perpetuou-se a dupla cobrança da tarifa comum incidente sobre produtos importados de terceiros países que cruzam as fronteiras entre sócios do bloco; adiou-se a adoção de um código aduaneiro comum e criou-se um sistema de salvaguardas para proteger produtores nacionais pouco competitivos. A esses contenciosos, somou-se a insatisfação dos sócios menores, que se consideram excluídos dos ganhos da expansão do comércio intra-bloco. As tentativas de superar os impasses que paralisam o Mercosul têm levado ora a iniciativas tendentes a aprofundá-lo, consolidando a união aduaneira, ora a alargá-lo, ampliando o número de sócios, seja como membros plenos ou associados. Ao lado dos parcos resultados obtidos pelos acordos firmados com terceiros países ou blocos, o Mercosul tem-se aventurado em projetos temerários, 75 como a admissão da Venezuela, sobre cujo governo paira a suspeita de violar o princípio democrático exigido pelo bloco, ou a formação da União das Nações SulAmericanas (UNASUL), um esquema de integração com ambiciosa agenda de cooperação em temas alheios ao comércio regional. No plano das iniciativas práticas, há necessidade de definição de projetos factíveis para a integração energética e da infra-estrutura de transportes da região. Outra iniciativa premente, esta no âmbito estrito do Mercosul, é a redução das assimetrias de comércio e de desenvolvimento econômico que distanciam o Paraguai e Uruguai dos sócios maiores. Impacto do Mercosul sobre o Brasil A transformação do Mercosul em união aduaneira em 1994 coincidiu com a estabilização da economia no Brasil e na Argentina. O resultado foi um aumento dramático dos fluxos de comércio intra-bloco, quintuplicando as exportações entre os países-membros. Esse quadro alvissareiro foi revertido em janeiro de 1999, quando o Brasil abandonou o regime de câmbio controlado, deixando a taxa de câmbio flutuar livremente. Quase dois anos mais tarde, a Argentina viu-se também obrigada a abandonar o sistema de currency board, com paridade fixa entre o peso e o dólar, e a decretar uma moratória. A crise, que custou ao país a renúncia do presidente Fernando de la Rúa e uma contração de cerca de 15% do PIB nacional, estancou o avanço do Mercosul. A subsequente reversão do saldo da balança comercial em favor do Brasil despertou o protecionismo da Argentina, que passou a reivindicar salvaguardas para evitar “assimetrias” nas relações comerciais entre os dois países. Não surpreende que os atritos e disputas que pontilharam o percurso do Mercosul nesta década tenham reduzido, ao menos em parte, a percepção de sua relevância para o Brasil. Como mostra o gráfico abaixo, a grande maioria dos entrevistados (78%) ainda considera o Mercosul benéfico para o Brasil. Mas essa resposta empalidece em comparação com o clima que prevalecia sete anos atrás, quando era praticamente unânime a avaliação positiva do Mercosul (91%). 76 A constatação de que o Mercosul encontra-se num impasse, observa um experiente embaixador, sem que se vislumbre um rumo convincente para o bloco avançar, leva a uma excessiva valorização dos ganhos comerciais. Suas preocupações são as seguintes: “O Mercosul é hoje o principal problema da política externa brasileira. Se os sócios não têm uma visão compartilhada, como definir os caminhos a seguir? Temos políticas muito divergentes, como o protecionismo argentino, e por isso não podemos confundir resultados comerciais com avanços efetivos. Quando a base da integração está em cheque, ganhos de comércio não são bons indicadores. Para melhorá-los, deveríamos integrar as cadeias produtivas. Não o fizemos e achamos que podemos resolver o problema fazendo concessões”. Na fracassada tentativa de concluir a Rodada Doha, a Argentina esquivou-se de apoiar a decisão brasileira de liberar serviços e importações industriais em troca de concessões no comércio agrícola, suscitando a possibilidade de que o Mercosul venha a se tornar um entrave à atuação do Brasil. As limitações que a união 77 aduaneira impõe à liberdade dos sócios de buscar acordos comerciais com terceiros países, observa um líder empresarial, nem sempre compensam os ganhos no comércio intra-bloco. “O Mercosul tem sido benéfico no sentido de uma maior integração comercial e aumento de investimentos, porém impeditivo para a negociação de acordos bilaterais com outros países.” O Mercosul e o Poder de Barganha do Brasil Até poucos anos atrás, prevalecia a opinião de que Mercosul dava ao Brasil uma projeção internacional superior aos seus recursos de poder e à módica parcela que sempre deteve no comércio mundial. Não é essa a opinião dominante hoje. Como se vê no gráfico abaixo, a proporção que concorda que o Brasil precisa do Mercosul para negociar acordos internacionais sofreu notável redução (72% em 2001; 38% hoje). Ao mesmo tempo, dobrou a proporção que acredita que o Brasil está habilitado a negociar por conta própria (de 7% para 17%). Refletindo sobre a flexibilidade conquistada pelo Brasil nas negociações da Rodada Doha, um embaixador manifesta sua concordância com essa avaliação: “Hoje, o Brasil não precisa mais usar o microônibus do Mercosul para ir a uma negociação internacional, pode chegar no próprio carro. Devemos defender os interesses nacionais na região sem truculência mas cultivar relações próprias com os Estados Unidos, a União Européia e o resto do mundo” Ressalta um líder empresarial que a diplomacia brasileira tem sabido aproveitar as oportunidades que se abrem ao Brasil no cenário mundial bem como sua condição estratégica na América do Sul para valorizar a presença nos foros multilaterais: “A despeito de ser um pequeno comerciante global, o ‘PIB diplomático’ do Brasil é muito superior ao seu PIB efetivo e até às suas correntes de comércio, o que lhe tem permitido participar de negociações de formato variado com os mais diferentes parceiros.” 78 Formato Preferido para o Mercosul Seis anos atrás, a possibilidade de o Mercosul retroceder para uma área de livre comércio não figurava entre as opções viáveis da comunidade brasileira de política externa, atraindo o apoio de exígua minoria (4%). O gráfico a seguir mostra que, hoje, a alternativa tem o apoio de 21% dos entrevistados, proporção praticamente igual à que defende o fortalecimento do Mercosul como união aduaneira. 79 Transformar o Mercosul em área de livre comércio, sem as disciplinas inerentes a uma união aduaneira, é a opção preconizada por um empresário com operações em vários países da região. Na sua opinião: “O Mercosul deve ser uma área de livre comércio, ponto. Uma área de livre comércio não é nada simples e é muito mais do que o Mercosul jamais foi”. Retroceder da união aduaneira para simples área de livre comércio, entretanto, pode não ser a melhor opção para o Brasil. Nas palavras de um diplomata de alto escalão: “O Mercosul como entidade não está ameaçado. Ele corresponde à realidade dos fatos econômicos e tem um forte apoio político e de opinião pública. Mas, nessa crise, vale a pena retroceder ou avançar? O problema de transformá-lo em área de livre comércio é que ficarão de fora os setores automobilístico, de informática e de bens de capital. Isso não será mudado com a revogação da 80 TEC. Para o Mercosul virar uma área de livre comércio só se o Brasil for impedido pelos sócios de entabular negociações comerciais com terceiros”. Surpreende, por outro lado, que a opção de transformar o Mercosul num mercado comum, com instituições supranacionais e livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas, congregue tanto apoio hoje quanto no início da década. Esse ideal, que aparentemente ainda comanda as aspirações de pelo menos metade dos entrevistados, desperta o ceticismo de um empresário para quem o fiasco da união aduaneira não autoriza vôos mais altos. A seu ver: “Na América do Sul, todos os esforços de integração, inclusive o Mercosul, são ‘building blocks’ de algo que não se sabe o que vai ser. Ainda temos a visão da integração econômica da América do Sul como uma União Européia. Mas as atitudes dos nossos sócios e as perfurações da TEC mostram que isso não caminha a contento”. Opções de Integração do Mercosul Entre ampliar e aprofundar o Mercosul, a opinião majoritária tende para a primeira (54%) contra mais de um terço (37%) que prefere a segunda opção. Na opinião de um diplomata de alto escalão, a integração é uma aspiração histórica da América do Sul: “Talvez haja um ponto em que surjam obstáculos a uma integração maior, mas ele está muito distante. Classificações de países na América do Sul escondem o fato de que eles podem se distanciar uns dos outros na retórica, mas não na prática. O importante é convencer a região de que integrar-se não é homogeneizar-se”. 81 Na realidade, argumenta o mesmo diplomata, não há incompatibilidade entre aprofundar ou ampliar o Mercosul: “Não existe uma divisão entre ampliação e aprofundamento. Hoje, quase todos os países da América do Sul têm acordos de livre comércio com o Mercosul. Nem todos são membros plenos pois os que têm tratados de livre comércio com potências externas à região enfrentam certa limitação. Mas o fato é que também somos uma união aduaneira e tratamos com muita seriedade o aprofundamento do Mercosul”. Complementando, observa que o “Mercosul deve ser visto como um ‘núcleo duro’ de uma integração profunda, com coordenação de macropolíticas”. A possibilidade de materializar esse projeto está evidente, a seu ver, na exitosa evolução do bloco. “Em quinze anos, multiplicamos cinco vezes o comércio regional.” 82 Contrariando essa avaliação, um militar de alta patente aponta as dificuldades para o alargamento do bloco sem sua prévia consolidação como união aduaneira. Nas suas próprias palavras: “Na América do Sul, a primeira prioridade do Brasil é o Mercosul. Ao expandir-se na região, ele se projetará internacionalmente não apenas no campo da economia, mas também no da defesa. Mas a prioridade é a Argentina, Paraguai e Uruguai. Se o Mercosul original não se consolidar, sua periferia será comprometida. Hoje, ao alargá-lo, o que fazemos é agregar mais instabilidade. O Chile é um caso à parte mas a Bolívia deveria ser a última a aderir e a Venezuela nem sequer faz parte da complementaridade estratégica do Brasil”. Seja qual for o sentido da evolução do Mercosul, opina um conceituado líder empresarial, projetos de integração calcados em afinidades ideológicas e não no adensamento das relações comerciais, estão fadados ao fracasso: “As relações entre os países são políticas, com base numa suposta irmandade; mas quase nada acontece na área comercial e de negócios. Até o Mercosul é uma área de integração comercial incompleta. Na Ásia, ocorre o inverso: os países são politicamente adversários mas as relações comerciais são intensas”. A Admissão da Venezuela ao Mercosul Desde que empalmou o poder na Venezuela em 1999, decidido a unificar a América do Sul sob o ideário “bolivariano”, o presidente Hugo Chávez enfrenta questionamentos quanto à legitimidade democrática de seu governo. Por essa razão, causou surpresa a decisão do Mercosul de admitir a Venezuela como membro pleno, sem prévia adaptação às regras da união aduaneira e sem exame mais detido de sua aderência à cláusula democrática. Embora essa decisão dependa de autorização parlamentar pelo Brasil e pelo Paraguai, os vultosos saldos comerciais acumulados pelo Brasil e a perspectiva de acesso aos recursos energéticos da Venezuela militam a favor de sua admissão. Outra motivo defendido por um deputado é a necessidade de se evitar o isolamento da Venezuela, o que poderia provocar uma radicalização do regime. Na sua opinião: “Existem na América Latina alguns países que se consideram perdedores na globalização e que se voltam para os modelos populistas que se julgava 83 superados. A questão é como tratar com eles. Dado nosso temperamento conciliador, devemos impedir que os vínculos entre esses países e a globalização se deteriorem, fazendo a ponte entre os dois”. Para outros entrevistados, a assinatura do Protocolo de Adesão pelo governo brasileiro é um fato consumado. Deixando entrever a contrariedade com a condução do processo, um deputado não obstante se opõe a vetar a admissão da Venezuela: “Não pensamos de forma fundamentada ao propor a adesão da Venezuela. Mas agora temos que tocar adiante pois qualquer recuo provocará instabilidade nas nossas relações com o país. Vamos aprovar a adesão formal e depois trabalhar a relação. Chávez vai sempre tentar impor uma matriz ideológico-política, mas o Brasil deve implementar a visão de uma política de Estado”. Esse perfil de respostas não deixa dúvidas de que o Congresso está frente a espinhoso dilema. Uma minoria dos entrevistados (15%) quer que a admissão seja negada; pouco mais de um terço (37%) que seja aprovada imediatamente e uma parcela maior (41%) que a decisão seja postergada. “Devemos postergar a entrada da Venezuela”, justifica um empresário, “porque a melhor opção, que seria negar, é politicamente inviável.” Entre os que se opõem à ratificação do Protocolo, reina o pessimismo quanto ao futuro do bloco. Uma opinião representativa vem de respeitado embaixador: “A entrada da Venezuela pode representar um beijo da morte no Mercosul, pois o ideário e a prática de Chávez estão em aberta contradição com os fundamentos da instituição: economia de mercado, livre-comércio, regionalismo aberto e democracia representativa.” 84 Os defensores da não são menos eloquentes, argumentando ser necessário separar uma política de governo de uma política de Estado. No dizer de um pesquisador acadêmico: “Venezuela é Venezuela, Chávez é Chávez. A Venezuela é estratégica para o Brasil por causa da Amazônia, da energia e do fluxo de comércio a nosso favor”. Outra objeção à admissão da Venezuela é o risco de que seja alterada a correlação de forças no Mercosul, deixando o Brasil à mercê das pressões argentinas. Na observação de um influente empresário: “Se a Venezuela entrar no Mercosul, mudará a lógica do bloco que é a relação Brasil-Argentina. O eixo passará para Buenos Aires-Caracas. A visão do governo Lula é de completa tolerância com o que a Argentina quer. Ninguém investe lá, exceto as empresas privadas brasileiras. Mas, sempre que pode, a Argentina age sem se preocupar com o Brasil.” A Agenda de Integração com a América do Sul 85 Quando o Mercosul foi criado, estava ainda viva a memória dos erros e tropeços de projetos anteriores de integração regional, como a Associação LatinoAmericana de Livre Comércio (ALALC) e a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), cujo malogro deveu-se à excessiva ambição de seu alcance, buscando unir o México à Patagônia, ou dos compromissos assumidos, que visavam criar um mercado comum latino-americano. A retomada atual de projetos igualmente ambiciosos, com compromissos sobre diversas iniciativas de cooperação, renova a importância do debate sobre os benefícios de uma integração mais profunda ou mais superficial na América do Sul. Na observação de um pesquisador acadêmico, o que está em causa não é a meta integracionista mas seu alcance. A seu ver: “Existe unanimidade sobre a importância da América do Sul e quase todos apóiam a integração. Mas, no Brasil, existem duas linhas. Um grupo quer uma integração política para formar um bloco não-alinhado nas relações internacionais. Mas existe outro grupo, inclusive no governo, que apóia basicamente a integração comercial da região”. Para aferir tendências, perguntou-se aos entrevistados qual deveria ser o alcance do processo de integração na América do Sul, propondo-se duas alternativas: uma agenda seletiva de integração, concentrada apenas no comércio, investimentos e infra-estrutura de transportes e comunicações; ou uma agenda profunda, que estimule o desenvolvimento e reduza assimetrias entre os países da região e promova a cooperação política, social, ambiental, tecnológica e cultural. A representação gráfica das respostas não deixa dúvidas sobre a preferência majoritária dos entrevistados por um processo profundo de integração (65%). Somente um terço (33%) inclina-se por uma modalidade mais superficial, centrada básicamente em relações de comércio e a implementação de projetos que as intensifiquem. Em favor da última opção, um deputado argumenta que a real métrica do sucesso de um projeto de integração regional deve ser a densidade dos fluxos de comércio e investimento. Em suas próprias palavras: “Para a região, o patamar inicial precisa basear-se em uma proposta ousada de negociações comerciais, com abertura de mercados, tarifas baixas, 86 abertura ao fluxo de capitais entre os países e aprofundamento dos planos de integração, principalmente a integração energética”. A preferência pela integração profunda, por sua vez, revela a atração exercida pelo mais bem sucedido esquema de integração regional, a União Européia. Nas palavras de um deputado, a integração plena é garantia de estabilidade e antídoto contra possíveis conflitos regionais: “Só teremos uma integração efetiva se tivermos avanços econômicos, geopolíticos, de infra-estrutura física, etc. Temos que superar o nacionalismo, sem nos confrontarmos com ele mas promovendo uma cultura de integração. Preocupa que o mundo esteja caminhando para conflitos regionais; daí a importância de promover uma integração plena”. Um destacado titular de função pública aconselha cautela com projetos muito ambiciosos de integração regional, ressaltando que o Brasil nem sequer conseguiu superar os obstáculos encontrados no âmbito do Mercosul. Na sua opinião, faltam mecanismos institucionais que garantam o sucesso dessas iniciativas: 87 “Temos um déficit institucional no processo de integração. Na Europa, tudo partiu de um pequeno grupo de países homogêneos. Aqui, convidou-se todos os países para integrar a UNASUL. O fato é que os presidentes são mais integracionistas do que as chancelarias. É preciso superar essa grande resistência à supranacionalidade para evitar renegociar cada novo tratado”. Por fim, sugere um empresário, a integração da América do Sul não pode ser vista como um fim em sí mesmo, mas como etapa necessária para aproximar o Brasil dos Estados Unidos. Ele próprio resume os passos evolutivos a serem seguidos: “Integrar comercialmente o continente é a primeira prioridade. Em seguida, é crucial integrar a infraestrutura física de telecomunicações e transporte. A terceira prioridade é a integração hemisférica”. A Exigência de Disciplinas em Acordos de Livre Comércio Constatado amplo apoio a uma integração profunda, surpreende a opinião da maioria dos entrevistados (73%) a favor da inclusão nos acordos de comércio na América do Sul de disciplinas similares às que foram rejeitadas pelo Brasil nas negociações da ALCA, tais como a proteção aos investimentos, propriedade intelectual e a liberalização de serviços e compras governamentais. Um embaixador justifica a contradição entre impor disciplinas na região e rejeitá-las em negociações externas como conseqüência inevitável da crescente presença econômica do Brasil na América do Sul. “Ironicamente, aquilo que nos é cobrado por parceiros como os Estados Unidos e mesmo a União Européia é hoje algo que passa a nos interessar na relação com os vizinhos, dado o fato noveleiro de termos grandes investimentos em muitos deles”. 88 Para um influente empresário, a demanda por acordos que incluam disciplinas mais restritivas em temas como investimentos resulta da expansão das empresas multinacionais brasileiras na região. Segundo seu depoimento: “As empresas brasileiras têm atuado na região de forma agressiva e preponderante graças à estabilização monetária, mas precisamos de mercados regulados, com garantias mútuas para investimentos e respeito aos contratos”. Integração Energética Contabilizado o potencial de energia hidrelétrica, petróleo, gás e biocombustíveis, a América do Sul encontra-se em situação invejável. No entanto, todos os países da região enfrentam, em maior e menor grau, escassez de energia, o que compromete sua capacidade de desenvolvimento. O principal desafio a ser enfrentado é a formação de um mercado regional de energia que articule a produção e transporte de insumos energéticos em patamares de custos e volumes compatíveis com as matrizes energéticas nacionais. Por exigir 89 vultosos investimentos, longos prazos de maturação e marcos regulatórios estáveis, é um mercado para o qual os acordos regionais de integração têm especial relevância. Entretanto, o uso político da energia, exemplificado pela expropriação das refinarias da Petrobras na Bolívia ou ameaça de renegociação de contratos de fornecimento de gás e eletricidade pela Bolívia e Paraguai, aumenta a preocupação com a segurança energética e gera apoio para políticas defensivas de controle e de aproveitamento de recursos próprios para a geração de energia. No caso brasileiro, a exitosa produção de biocombustíveis e a descoberta de vastas jazidas de petróleo e gás na plataforma continental aguçou a percepção do risco de se desenvolver uma matriz energética dependente de acordos frágeis com países de seu entorno. Essa complexa problemática foi resumida em uma pergunta: o Brasil deve fomentar a integração energética da América do Sul ou buscar a auto-suficiência? O gráfico abaixo mostra que formar um mercado integrado de energia na região, com marcos regulatórios estáveis e infra-estrutura adequada para o transporte de energia, é a opção de metade dos entrevistados (51%) contra mais de um terço (37%) que quer comercializar recursos de energia com os vizinhos, sem porém abandonar a busca de auto-suficiência. Um pequeno grupo (12%), por fim, tenta conciliar as duas abordagens. Um importante quadro do Itamaraty pondera que a integração energética com os países de nosso entorno dificilmente pode ser descartada face à necessidade de complementação dos recursos energéticos do Brasil. Na sua opinião: “A importância da América do Sul para o Brasil é função da nossa capacidade de transformá-la em um asset. A região tem grande potencial energético, o que nos interessa pois somos o maior consumidor regional de energia”. 90 Por outro lado, lembra um empresário, é irrealista tentar equacionar a questão energética na região sem incluir a Venezuela. A seu ver: “A energia é a única área onde a oferta gera sua própria demanda. Precisamos reestruturar a matriz energética do Cone Sul, que é baseada no gás. Medidas paliativas não resolverão. Nossa intervenção deve se guiar por investimentos hidroelétricos na bacia do Prata e pelo equacionamento da questão do gás, que a Bolívia é incapaz de resolver mesmo com aumento de investimentos pois os campos identificados representam só 0,3% das reservas mundiais. O único país que tem gás abundante na América do Sul é a Venezuela”. No entanto, argumenta um experiente embaixador, é precisamente a perspectiva de tornar o processo de integração energética dependente das vastas reservas de gás de Venezuela que torna essa opção inviável na prática: “A integração energética ficou comprometida. A idéia morreu com a atitude da Bolívia, que vai se propagando pela região, com a Argentina suspendendo 91 o suprimento do Chile, etc. A Bolívia tem pouco gás para exportar e a Venezuela pede grandes concessões em troca do seu. O Brasil deve buscar outros fornecedores fora da região”. Assimetrias entre Países Mais e Menos Desenvolvidos A questão das assimetrias dentro do Mercosul tornou-se um grave problema. Entre paraguaios e uruguaios prospera a avaliação de que o bloco lhes rendeu parcos benefícios, exigindo iniciativas concretas para promover suas exportações e estimular o desenvolvimento econômico. A eleição do novo presidente do Paraguai e a admissão da Venezuela ao Mercosul podem tornar essas pressões incontornáveis. Muitos dos efeitos prejudiciais aos sócios menores se devem à integração incompleta do Mercosul. As principais queixas incluem os obstáculos à livre circulação de mercadorias, a dupla cobrança tarifária sobre produtos e as restrições à busca de acordos comerciais com terceiros países. Outras insatisfações decorrem de projetos bilaterais de complementação energética, envolvendo contenciosos como o preço do gás natural da Bolívia e a compra da energia produzida pela usina de Itaipu. De forma geral, como assinala um diplomata, é de interesse estratégico do Brasil reduzir essas assimetrias, buscando compartilhar nossos ganhos com os países menos desenvolvidos da região. Em suas palavras: “Não existe maior altruísmo do que o egoismo esclarecido. Somos um país enorme, cercado de vizinhos que têm língua e cultura que não são exatamente as nossas, mas que são amigos. Precisamos associá-los cada vez mais ao nosso processo de desenvolvimento, mantendo um ambiente externo de paz e cooperação, potencializando nossos esforços e desarmando os espíritos no nosso entorno”. Perguntou-se aos entrevistados quais são os instrumentos mais indicados para reduzir essas assimetrias. A primeira alternativa - aumentar a competitividade dos países menores ou menos desenvolvidos via financiamento de infra-estrutura, apoio a pequenas e médias empresas, etc., segundo as diretrizes do recém-criado Fundo para a Convergência Estrutural (FOCEM) – é preferida por 35% dos entrevistados. Outros 26% optam por criar incentivos para as empresas dos países 92 mais desenvolvidos investirem nos países menores ou menos desenvolvidos. Um terceiro grupo (20%) prefere eliminar entraves às exportações dos países mais pobres para os grandes mercados da região. Os resultados estão resumidos no gráfico abaixo. Na opinião de um influente diplomata, incentivar importações dos países mais pobres é a melhor estratégia para reduzir disparidades econômicas na região: “É difícil para o Brasil liderar a integração econômica na região mantendo elevados superávits comerciais com os vizinhos. Quanto maior a economia, maior a generosidade com que deve tratar os vizinhos mais fracos. Se podemos importar da Bolívia, por que importar de outro país? Mas a generosidade precisa ser realista. O que não podemos fazer é oferecer e nada receber em troca. Na hora de realizar seu comércio, os vizinhos não podem procurar nossos concorrentes mais fortes.” Remover os obstáculos ao comércio entre os países do Mercosul, como a dupla cobrança da TEC e a inexistência de um código aduaneiro comum, é iniciativa que conta com o apoio de experiente deputado. O risco, como ele bem assinala, é 93 que problemas de cunho tarifário e alfandegário acabem por inviabilizar o esquema de integração sub-regional. “Numa união aduaneira, é preciso haver uma redistribuição da renda das aduanas. A dupla cobrança da TEC tem prazo para acabar, mas isso exige um Código Aduaneiro atualizado e um sistema de renúncia fiscal pelos países grandes para redistribuição ao Uruguai e Paraguai. Temos equívocos e exageros nas alfândegas, onde encontramos e impomos barreiras nãotarifárias. A integração pode ser comprometida pelos guardas de fronteira”. Essas opções não são mutuamente excludentes, observa um embaixador, mas tampouco é realista esperar que as assimetrias sejam eliminadas. Na sua visão: “As três linhas de ação são complementares, e não excludentes. Cabe persegui-las todas mas também ter consciência de que as assimetrias poderão ser reduzidas mas jamais eliminadas. É mais importante eliminar as frustrações do que as assimetrias propriamente ditas”. 94 Capítulo 6 SEGURANÇA E POLÍTICA INTERNACIONAL O atentado de 11 de setembro deu nova dimensão à política de defesa dos Estados Unidos, configurando uma agenda mundial de segurança centrada na guerra contra o terrorismo. A reação norte-americana, guiada por uma estratégia de supremacia, resultou em duas guerras, no Afeganistão e Iraque, com repercussões em todo o mundo. Mesmo distantes da região mais conflagrada, aguçou-se a percepção de que nem o Brasil nem a América do Sul permanecerão indefinidamente à margem das linhas de tensão que dividem o cenário mundial. O crescente entrelaçamento entre fatores externos e internos deu origem, no entanto, a movimentos díspares. Por um lado, observa-se um aprofundamento da colaboração intra-regional, com a implementação de medidas de confiança recíproca entre os países do Cone Sul, a qual tem sido fortalecida pela atuação conjunta do Brasil, Argentina e Chile na operação de paz das Nações Unidas no Haiti. Por outro, vem se disseminando um clima de contestação e confronto entre os países andinos. Mesmo quando se descartam percepções mais fantasiosas sobre as ambições internacionais da Venezuela, a iniciativa do presidente Hugo Chávez no sentido de criar uma aliança militar entre os países que apóiam a ALBA e sua destemperada intervenção nos recentes atritos entre a Colômbia e o Equador são uma fonte de instabilidade e inquietação. A necessidade de revisão da agenda de defesa e segurança deve-se não apenas à possibilidade, conquanto remota, de enfrentamentos militares clássicos, mas decorre também da forte expansão da criminalidade transnacional, com o narcotráfico e o contrabando de armas níveis inauditos de violência criminal nos países da região. Observa-se também um sensível aumento do poder militar sob a forma de vultosos investimentos para o reequipamento e modernização das Forças Armadas, os quais têm suscitado temores de uma nova corrida armamentista. No Brasil, ganhou corpo o debate sobre o papel das Forças Armadas e já se busca formular um novo plano estratégico de defesa. A aspiração do Brasil dar projeção estratégica à liderança que exerce na América do Sul esbarra na relativa 95 fragilidade de sua atuação em questões internas e regionais de segurança e defesa. No plano interno, destaca-se a polêmica sobre o uso da força militar no combate à criminalidade e na garantia da segurança pública. São também tópicos sensíveis a reestruturação e reequipamento das Forças Armadas e o estímulo ao desenvolvimento de uma indústria bélica nacional. No plano regional, iniciativas de cooperação, como a recente proposta de criação do Conselho de Segurança SulAmericano, sinalizam uma reavaliação de orientações passadas. Há também uma nova agenda de temas multilaterias, abrangendo principalmente a questão ambiental e a preservação da Amazônia, que por vezes se confunde com as preocupações relativas à soberania e integridade territorial do país. Por fim, a despeito do Brasil aspirar a ser membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e dispor-se a participar de operações internacionais de paz, sua agenda de segurança e defesa continua a ser essencialmente regional. Segurança Externa e Defesa Nacional Contribuir para a manutenção da paz e da segurança coletiva são objetivos tradicionais do Brasil. Sem embargo da bem sucedida missão de paz no Haiti, o apoio à participação brasileira em operações dessa natureza caiu de 88% em 2001 para 74% em 2008. Caiu também (de 76% para 54%) o apoio à demanda de assento permanente no Conselho de Segurança das ONU . Embora a opinião continue majoritariamente favorável às duas iniciativas, o envio de forças a um país com o qual o Brasil não tem laços culturais ou econômicos, com o Haiti, moldaram em certa medida a percepção dos entrevistados. É o que argumenta um líder de organização não-governamental, para quem “o Brasil deve enviar tropas seletivamente. Só quando for para países que tenham importância estratégica, econômica ou cultural para o Brasil.” A adesão à operação de paz no Haiti não teve a ver nem com a necessidade de treinar militares em táticas de combate, nem com a preparação da tropa militar para uma eventual atuação na área de segurança pública no Brasil. É o que explica um destacado embaixador: A participação em missões de paz não tem por objetivo principal aperfeiçoar nossas tropas, mas sim expressar concretamente nosso compromisso com 96 os objetivos maiores das Nações Unidas no que tange à segurança, à paz e ao desenvolvimento. A reforma do Conselho de Segurança e a conquista de assento permanente para o Brasil é outro objetivo estratégico da política externa desde o governo Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula, o Itamaraty formou aliança com países que têm igual aspiração, como o Japão, Alemanha e a Índia (o G-4). Foi uma estratégia acertada, avalia um embaixador: “A candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança com o G-4 foi uma estratégia acertada. O Conselho é um diferenciador do status dos países e tem hoje um papel importante contra o terrorismo. Há a percepção de que os Estados Unidos podem pautar a agenda do mundo, mas também que o Brasil pode influenciar”. Não é o que opinam outros entrevistados. Embora a reforma do Conselho de Segurança seja desejável, ajustando a estrutura das Nações Unidas ao processo de redistribuição do poder mundial, na prática ela se defronta com grandes obstáculos, a começar da indisposição dos atuais membros de dividir o poder e perder o poder 97 de veto. Sobram também razões para se crer que o Brasil carece de condições mínimas para atuar em âmbito global. É essa a crítica que um líder empresarial faz à prioridade que a diplomacia brasileira atribui a esse objetivo: “O pleito por um assento no Conselho de Segurança sem reforma prévia das políticas externa e de defesa e, sobretudo, sem a capacidade de uma atuação internacional mais efetiva, não passa de uma infantilidade nacionalista. Há outras demandas muito mais importantes.” No outro extremo, um militar de alta patente argumenta que o próprio fato do Brasil ter decidido perseguir um objetivo tão ambicioso o coloca sob foco positivo no cenário internacional. Na sua avaliação: “Pleitear é mais importante do que conseguir. Pleitear é colocar uma carta na mesa, ajudando a conformar a decisão do Conselho e a impedir outros protagonismos.” A Agenda Regional de Segurança Embora no comércio o Brasil tenha interesses globais, em questões relativas à segurança e defesa sua atuação é circunscrita à a América do Sul, a região que delimita sua órbita de influência. Desde o século passado, a América do Sul tem sido uma região pouco propícia a enfrentamentos bélicos, embora não seja imune a virulentos contenciosos territoriais entre alguns países. O que mudou foi a percepção de que existem novos desafios de segurança, como o tráfico de drogas e armas e novas formas de criminalidade transnacional, que exigem a cooperação bilateral, regional ou até hemisférica para seu enfrentamento. Conforme a opinião de um influente deputado: “Tirando o caso da Colômbia, não temos conflitos armados, movimentos separatistas ou fundamentalismos na América do Sul. Mas a questão da segurança e criminalidade está virando um problema de Estado, o que exige uma política de Estado: repressão inteligente, fortalecimento do controle das fronteiras e cooperação internacional em regiões críticas”. Há também preocupação com o desfecho do combate à guerrilha na Colômbia, principalmente em vista dos avanços recentes do governo. Acuados, os guerrilheiros podem tentar escapar da perseguição das forças armadas colombianas 98 cruzando as fronteiras dos países vizinhos. É uma situação vislumbrada por um deputado: “O problema é que a guerrilha na Colômbia tem um efeito desestabilizador. Devemos reforçar o efetivo militar de fronteira, com força dissuasória, sem intervir. Mas os países que fazem fronteira com a Colômbia devem fazer um cinturão de defesa contra as FARC”. O surgimento de governos com uma agressiva agenda de influência na região é também parte do novo cenário regional, representando uma ameaça potencial para o Brasil. A Venezuela, em particular, é considerada uma força desestabilizadora na América do Sul, como destaca um oficial militar: “O cenário na América Latina vem mudando com a ascensão do neopopulismo, inclusive o fenômeno Chávez – um elemento com recursos abundantes e comportamento imprevisível. Popular na América do Sul, ele não representa ameaça direta ao Brasil, mas disputa a liderança. Mas, no segundo tempo, quando tiver 24 jatos Sukhoi, 10 submarinos e uma fábrica de fuzis Kalashnikov, ele poderá tentar resolver pendências com a Guiana, a Colômbia ou intervir na Bolívia” Em perspectiva mais ampla, avanços da agenda regional de segurança não podem prescindir da definição de um novo sentido de missão pelas Forças Armadas, opina um deputado: “O que vem afetando as Forças Armadas da Venezuela e do Chile e, daqui a pouco afetará a Argentina é que seus referenciais estratégicos sumiram: a Guerra Fria e o inimigo interno. As Forças Armadas precisam redefinir seu papel, assumindo papel dissuasório”. Reestruturação das Forças Armadas Como se vê no gráfico abaixo, há acentuada convergência de opiniões em torno de três pontos relacionados à reestruturação das Forças Armadas: a integração das estratégias das três forças sob comando do Ministério da Defesa (considerada de “extrema importância” por 66% dos entrevistados); investimento na capacitação intelectual da força militar (62%) e investir no reaparelhamento e modernização tecnológica das Forças Armadas (55%). 99 Uma leitura mesmo superficial dos dados mostra que a importância atribuída ao investimento em recursos humanos é maior que ao investimento na modernização dos equipamentos militares. A explicação é dada por um oficial militar de alta patente: “O fundamental no estamento militar é a dimensão humana. A dimensão tecnológica pode ser ajustada num curto espaço de tempo, mas não a preparação de oficiais e soldados. A Venezuela, por exemplo, não tem capacidade para dar eficácia aos sistemas militares que está adquirindo. Suas intenções com o armamentismo podem ser o controle coletivo, o expansionismo ou até a hipótese de conflito com a Colômbia. Mas não acredito que tenha eficácia para fazer nada disso”. A importância atribuída à modernização das Forças Armadas não está desvinculada da decisão de vários países vizinhos de reequiparem suas forças militares. Como observa um deputado, esse fato acentuou a percepção de uma relativa defasagem que é incompatível com aspiração do Brasil de exercer um papel de liderança no continente. Na sua opinião: “O Brasil precisa ter Forças Armadas compatíveis com seu papel não só na América do Sul mas no mundo. Precisamos de Forças Armadas técnica e materialmente preparadas e compatíveis com o tamanho de nosso território, população, mar territorial, espaço aéreo, etc. Têm também um papel dissuasório na América do Sul, com a mediação de conflitos entre os vizinhos. Se as Forças Armadas ficarem abaixo das nossas expectativas, aí sim se transformarão em fator de instabilidade”. 100 Talvez mais importante, aumentou o apoio às três medidas de reestruturação das Forças Armadas desde o início dessa década, como mostra o gráfico a seguir. A integração das Forças Singulares sob o comando do Ministério da Defesa passou de 43% para 66% das respostas; o adestramento e capacitação intelectual da força militar, de 43% para 62%, e o reaparelhamento e modernização tecnológica, de 27% para 55%. “Defendo a integração das três Forças brasileiras, com comando unificado”, resume um deputado. A tese também vem recebendo crescente apoio nos próprios meios militares, segundo a opinião de destacado oficial militar: 101 “Em 2002, foi feita a primeira operação conjunta das três Forças na Amazônia. Nos Estados Unidos, os militares tentam “to think jointly” há vinte anos. Atuam em conjunto mas pensam diferente. Aqui, a resistência é bem menor. A coordenação no Ministério da Defesa é uma construção lenta mas chegaremos a um ‘pensamento combinado’”. 102 Entretanto, existem ressalvas ao processo de integração das Forças Armadas. Nas palavras de um oficial militar: “O Ministério da Defesa deve ser o grande coordenador, mas cada força tem sua especificidade. Fizemos operações conjuntas e aumentou a integração. Mas é preciso resistir à tentação de centralizar tudo. A padronização será um caminho natural”. Os resultados também mostram existir pouco consenso no que diz respeito dois outros temas. Menos de um terço dos entrevistados atribui “extrema importância” à realocação de tropas da regiões Sul e Sudeste para o Amazonas e do desenvolvimento de tropas de pronto-emprego, opinião que não mudou substancialmente desde o início da atual década. Do ponto de vista das Forças Armadas, sugere um oficial militar, o ideal seria conciliar as duas alternativas - expandir o efetivo e desenvolver tropas de prontoemprego. A seu ver: “Sem prejuízo das tropas de pronto-emprego, precisamos na verdade expandir o efetivo. Não houve expansão militar no Brasil de 1950 para cá. Só para efeito de comparação, deve-se observar que o exército colombiano tem cem mil homens a mais do que nós”. Por sua vez, a resistência à realocação de forças militares para a Amazônia, segundo um oficial militar, é que não está localizado aí o centro político e militar do país. Em suas própria palavras: “A defesa da Amazônia não se faz na Amazônia mas depende de todo o poder nacional. Deslocar tropas para a Amazônia, debilitando a defesa de regiões como São Paulo ou Rio de Janeiro, não faz sentido. Não há possibilidade da Amazônia ser ocupada militarmente. Mas se não tivermos a capacidade de defender nosso sistema produtivo e fontes de energia, não fará sentido defender a Amazônia. Precisamos ter instrumentos de defesa da Amazônia no meio ambiente, no combate ao crime, nos transbordos dos conflitos colombiano e venezuelano, mas não podemos descuidar da proteção dos centros do nosso poder político e militar.” Por outro lado, não se pode subestimar a pressão para a presença efetiva das Forças Armadas na região amazônica. Como observa um deputado: 103 “Devemos remanejar parte das Forças Armadas para a região Norte. Defesa é como seguro: é bom não usar mas é preciso ter. Outro problema grave são áreas contínuas que ultrapassam a fronteira, como reservas indígenas.” As medidas mais controversas são a substituição do serviço militar obrigatório pelo voluntariado (considerada de “muita ou extrema importância” por 43% e de “pouca ou nenhuma importância” por 54%), a capacitação das Forças Armadas para garantir a lei e a ordem (53% contra 46%), a preparação de pessoal para missões de paz (55% contra 45%), a integração militar da América do Sul (62% contra 37%) e o desenvolvimento da indústria bélica nacional (65% contra 35%). A substituição do serviço obrigatório pelo voluntário é enfáticamente rechaçada por um militar de alta patente. A seu ver: “Não vejo como acabar com o alistamento. Ele flexibiliza nossa restrição orçamentária e sua extinção poderá nos afastar do contato com a sociedade, revivendo o espírito pretoriano. Se o serviço obrigatório acabar, o sistema de saúde do Exército entrará em colapso”. Quanto à preparação de pessoal para missões de paz no exterior, existe a avaliação de que as tropas brasileiras estão suficientemente capacitadas para exercer essa função. “Já temos excelente preparação de forças de paz”, resume um oficial militar. É grande, entretanto, a resistência ao emprego de forças militares para a garantia da lei e da ordem. Além da oposição que a hipótese desperta em larga parcela dos entrevistados, inexistem regras jurídicas que dêem respaldo a esse tipo de ação. A despeito disso, um deputado expressa opinião favorável ao envolvimento das Forças Armadas no que muitos consideram ser função típica de polícia. Na sua opinião: “A segurança pública é parte da segurança nacional. Essa última envolve também a segurança de nossos segredos industriais e tecnológicos e do nosso patrimônio natural e cultural. As Forças Armadas têm um papel na segurança pública. A globalização financeira e industrial promove a globalização do crime”. Outro ponto controverso é a proposta brasileira de criação do Conselho SulAmericano de Defesa, um órgão consultivo e de discussão, com responsabilidade 104 pela implementação de medidas de confiança entre as Forças Armadas dos países membros, incluindo a realização exercícios conjuntos. Para um militar de alta patente, trata-se de um objetivo factível visto que “as Forças Armadas sulamericanas se entendem muito melhor do que os governos. Manter o clima de confiança entre nossas Forças Armadas, que até hoje não foi afetado, é uma das prioridades do Brasil na região”. Entretanto, o Conselho de Defesa não deve ser visto como embrião de uma força militar conjunta tal como proposto pela Venezuela. Segundo um experiente embaixador, “uma força militar conjunta é um non-starter” para as negociações que visam estreitar a cooperação militar sul-americana. Concorda um deputado: “O Brasil tem condições de ser um mediador dessa integração militar. Entretanto, sou contra a criação de uma força militar conjunta na América do Sul, o que pode criar um contencioso com os Estados Unidos. O Brasil não deve formar com a América do Sul um bloco político-militar”. A preocupação com a integridade territorial da região amazônica aflora na manifestação de outro deputado, uma questão central nos processos de colaboração entre forças militares regionais. Em suas próprias palavras: “Temos dois pontos críticos para uma colaboração entre as forças armadas da região: a Amazônia e a Tríplice Fronteira. Para o Brasil e América do Sul, a Amazônia é uma questão de vulnerabilidade. Nas fronteiras secas e longas, temos armas e drogas. Ainda não regulamentamos a área de fronteira que garante uma faixa de 150 quilometros à União. Outro elemento é o espaço aéreo. Precisamos de uma articulação entre o SIVAM e as forças terrestres”. Nova Agenda Multilateral Entre os temas da agenda multilateral nenhum ganhou tanta relevância quanto a mudança climática. Painél de cientistas coordenado pela ONU divulgou em 2007 relatório prevendo conseqüências catastróficas caso a emissão de gases poluentes não fosse controlada no futuro próximo. Nesse novo contexto, ficaram defasadas as metas definidas pelo Protocolo de Kyoto. A questão atual são os novos compromissos globais de proteção ao meio ambiente e prevenção da mudança climática. 105 O Brasil não tem estado alheio às pressões crescentes despertadas pelo problema do aquecimento global. Porém, ao contrário de sua atuação na defesa do Protocolo de Kyoto, o país adotou postura defensiva em relação ao tema, alinhandose à tese, também defendida pela China e pela Índia, de que cabe às nações desenvolvidas a responsabilidade pelo aquecimento global, pois historicamente contribuíram com a maior parcela de emissão de gases poluentes. O Brasil tem uma matriz energética relativamente limpa em comparação com a China e a Índia, países que lideram hoje em níveis de poluição. O que fragiliza sua posição nos fóros internacionais é a devastação de áreas de floresta pelo fogo, com emissões de gases que o colocam entre os grandes poluidores, além da colocar em risco a própria existência da floresta amazônica, tida como central para o equilíbrio climático do planeta. Não obstante a isso, a maioria dos entrevistados consideera que o Brasil deve aceitar regras definidas em acordos internacionais e atuar em cooperação com todos os países. Opor-se a isso em nome da soberania nacional, declara um líder sindical, é um argumento insustentável: “No caso do meio ambiente, o apelo à soberania nacional é indevido, desde que seja realizada uma efetiva coordenação internacional de modo multilateral, sem nenhum tipo de intervencionismo.” O apoio à coordenação internacional não mudou desde o início da atual década, como evidencia o gráfico abaixo. 106 Alguns entrevistados expressaram opiniões alinhadas com a posição oficial brasileira da responsabilidade dos países desenvolvidos pelas emissões históricas. Um líder sindical, por exemplo, afirma que “os custos de limitar as emissões devem ser proporcionais às emissões históricas (ou seja, os paises desenvolvidos devem pagar mais).” É mesma posição é defendida por um líder de organização nãogovernamental, para quem “todos devem limitar as emissões, embora obviamente a maior responsabilidade, em termos absolutos e relativos, caiba aos países industrializados”. A questão ambiental é também vista como um possível ponto de atrito entre países da América do Sul. Um deputado assinala que os problemas ambientais têm provocado, ou servido de pretexto, para choques entre a Argentina e o Uruguai. Na sua opinião: “O problema central da integração econômica é a necessidade de integrar as leis ambientais da região. Mas quisemos uniformizar a legislação por cima, adotando a nossa como modelo. Agora temos aí as questões da papeleira entre o Uruguai e Argentina e a do Rio Madeira entre Brasil e Bolívia”. 107 Com relação aos acordos internacionais, há ainda alguma resistência à idéia de que eles devem impor a seus participantes a obediência a cláusulas de proteção ao meio ambiente e de cumprimento de direitos trabalhistas. Um deputado, por exemplo, se diz favorável a tais exigências, mas ressalva que “nos moldes atuais acredito que mascarem o protecionismo dos países desenvolvidos.” Um membro do Poder Executivo lhe faz coro: “Acordos de livre comércio de bens e de serviços devem estar em conformidade apenas com os artigos relevantes do GATT e dos acordos resultantes da Rodada Uruguai. Cada país deve estar livre para aceitar compromissos em matéria de proteção ambiental e direitos trabalhistas.” Um líder empresarial discorda da imposição de exigências ambientais ou trabalhistas em acordos comerciais: “Os mercados e a opinião pública se encarregarão de forçar o cumprimento de padrões mínimos para a comercialização de bens e serviços. Tratados comerciais devem se limitar a abrir comércio, não a impor barreiras indevidas, que atuam contra vantagens comparativas.” 108 Os resultados, contudo, não deixam margem a dúvidas quanto à notável mudança de opinião relativamente a esse tópico. Em 2001, 58% rejeitava a tese de que os acordos de comércio deveriam conter cláusulas ambientais e trabalhistas. Em 2008, 66% concorda com essa possibilidade. Pode-se supor que a preeminência conquistada pelas preocupações sobre o meio ambiente e a mudança climática tenha contribuído para tamanha mudança. Não se ignora que tais exigências podem encobrir práticas desleais de comércio. Mas existem também razões ponderáveis em prol das cláusulas trabalhistas e ambientais, como resume um líder de organização não- governamental: “Ainda que tais exigências possam mascarar propósitos protecionistas, elas não podem ser invocadas para descumprir determinados padrões éticos e o princípio das justas salvaguardas (reserva de recursos para as gerações futuras).” 109 Capítulo 7 POLÍTICA EXTERNA E REPRESENTAÇÃO DE INTERESSES Nos últimos dez anos, estreitaram-se as relações entre a política externa e a política interna como reflexo da crescente inserção internacional do país. Temas centrais da agenda doméstica são cada vez mais afetados por decisões tomadas em fóros internacionais. Consequentemente, a par do surgimento de novas e complexas responsabilidades, que têm exigido maior sofisticação e competência do corpo diplomático, aumentou também a demanda por mecanismos de participação e consulta que permitam a representação dos interesses de grupos organizados ou das grandes tendências da opinião nacional. Mudanças empreendidas no governo Lula afetaram a formação da política externa, bem como as relações entre o governo e a sociedade civil. De um lado, o centro decisório de relações internacionais passou a ser partilhado pelo Itamaraty e a assessoria internacional da Presidência da República. De outro, novos atores e interesses foram instados a participar mais ativamente no processo de formação da política externa, mesmo que essa participação se limitasse por vezes a legitimar posições assumidas pelo governo. Dar expressão a interesses domésticos na agenda internacional não significa que se estabeleça necessariamente um consenso entre autoridades governamentais e setores organizados da sociedade quanto à prioridade ou ao conteúdo dos temas de política externa. Feita esta ressalva, é preciso reconhecer que aumentaram as divergências entre o governo e setores organizados da sociedade, bem como dentro de cada um desses setores desde o início da década. Ilustra-o o confronto nas negociações de liberalização do comércio agrícola da Rodada Doha entre as posições ofensivas do agronegócio, escudada em seus canais de interlocução com o Ministério da Agricultura, e as posições defensivas da agricultura familiar representadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. A diplomacia presidencial, intensificada pelo governo Lula, manteve o Brasil na órbita internacional, projetando visão positiva de suas possibilidades. Em sentido contrário, algumas iniciativas de política externa tiveram repercussão negativa na opinião pública. A política de cooperação aprofundada com a América do Sul foi 110 abertamente contestada quando o presidente Evo Morales nacionalizou duas refinarias da Petrobras na Bolívia e discordâncias quanto ao alcance da integração regional também afloraram em relação à admissão da Venezuela ao Mercosul, cuja ratificação ora tramita no Congresso Nacional. Nos dois casos, avolumaram-se acusações de descaso pelo interesse nacional motivado por simpatias ideológicas ou gestos benevolentes destinados a contornar atritos com países de nosso entorno imediato, projetando na política externa as polarizações da política doméstica. A Política Externa do Brasil Não são poucos os pontos de convergência entre a política externa dos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso. Além de linhas de continuidade no tocante a objetivos e estratégias, em ambos os casos a diplomacia presidencial ocupa o centro da cena diplomática, valendo-se da cobertura da mídia para reforçar na opinião pública doméstica as escolhas da chancelaria. Essa abordagem tem sido particularmente relevante para o governo Lula, permitindo-lhe recorrer a posições mais extremadas na política externa para contrabalançar a execução de medidas mais ortodoxas no plano interno. Não surpreende, portanto, a avaliação predominantemente favorável que os entrevistados têm da política externa de ambos os governos. Como mostra o gráfico abaixo, 46% julga ser “ótima” ou “boa” a política externa do governo Lula contra 21% que a considera “ruim” ou “péssima”. Suas diretrizes também não suscitam os extremos de opinião (13% a julgam “ótima” versus 5% que a julgam “péssima”). 111 O que deve ser ressaltado é que, em escala comparativa, a avaliação da política externa do governo Fernando Henrique Cardoso é, em geral, mais favorável do que a do governo Lula (62% de respostas positivas contra 46%). Não faltam razões para tanto. No início da década, a política externa tinha menos destaque no debate público e era mais restrito o número de atores e interesses que se faziam representar no processo de sua formação. Nesse sentido, a atual visibilidade da política externa e a ampliação da base de participantes concorrem para dar maior repercussão aos reveses do que aos sucessos. Em adição a isso, as propostas iniciais de política externa do governo Lula foram excessivamente ambiciosas e os inevitáveis insucessos foram interpretados como evidência da inaptidão do Itamaraty ou de escolhas equivocadas. É o que conclui influente empresário, avaliando que os desafios de Chávez e Evo Morales e os percalços do Mercosul como evidência de que o Brasil errou ao ampliar o alcance da integração regional. Em sua avaliação: “Os ideólogos do Itamaraty tentaram confinar a integração à América do Sul. Mas essa política não deu em nada: o Mercosul não se aprofundou, a Bolívia 112 bateu de frente conosco, a Venezuela investiu na desestabilização regional. É o que se chama dar ‘something for nothing’ ”. A Representação de Interesses Qual a relação entre opinião pública e política externa? A hipótese mais tradicional é que o público tem baixos níveis de interesse e de informação sobre questões internacionais e tende a reagir de maneira emocional às oscilações da política externa. Uma concepção mais atual enfatiza a interação entre líderes e o público na formação da política externa, especialmente o recurso a questões externas para angariar apoio no cenário doméstico. Nesse sentido, a crescente proximidade entre as agendas externa e interna, como a segurança no fornecimento transnacional de gás ou ações contra empresas brasileiras em países vizinhos, deveriam aumentar o interesse do público pelas relações internacionais do país. Não é o que pensa a comunidade brasileira de relações internacionais. Na sua percepção, a opinião pública continua a ter pouco interesse pelo assunto. (76% hoje; 78% em 2001). Poucos acreditam que ela tenha muito interesse pela política externa (11%) e outro tanto afirma que ela não tem nenhum interesse (18%). 113 Embora exista concordância quanto ao alheamento da sociedade face a questões internacionais, poucos questionam a importância de se ter uma opinião pública atenta e interessada ou, na ausência desta, uma multiplicidade de grupos interessados em temas de política externa, como empresários ou organizações nãogovernamentais. O que surpreende é a percepção generalizada de que o Itamaraty também dá escassa atenção às opiniões e propostas de terceiros, inclusive outros ministérios do governo federal. De oito grupos submetidos à avaliação, apenas quatro foram citados por pelo menos um terço dos entrevistados como sendo objeto de “muita atenção” pelo Itamaraty: associações empresariais (39%), outros ministérios do governo federal (36%), meios de comunicação e o Congresso Nacional (ambos com 30%). No outro extremo, encontram-se os sindicatos de trabalhadores (11%), as organizações nãogovernamentais e universidades e centros de estudo (18% cada). Os resultados tornam-se mais acabrunhantes quando se observa que o Itamaraty presta hoje menos atenção a todos os grupos do que fazia no início da década, com a possível exceção do Congresso Nacional (30% nas duas pesquisas). Universidades e centros de estudo (de 14% para 18%) e sindicatos de trabalhadores (de 6% para 11%). A pouca atenção dada pelo Itamaraty às opiniões de cidadãos e parlamentares não decorre apenas do seu insulamento e zêlo pelo poder, mas também da inépcia ou desinteresse dos grupos organizados em pressionar a diplomacia. Não fazê-lo é colocar-se à mercê dos acontecimentos, como assevera um destacado embaixador: “O Itamaraty ocupa um espaço imenso por faute de combattants. Poucos políticos ou empresários se importam com a política externa”. Dos grupos avaliados, a opinião do empresariado é percebida como a mais relevante para o Itamaraty. Mesmo assim, um empresário ressente-se da situação: “A forma de agir do Itamaraty é hoje pouco profissional. Há preconceito no relacionamento com as empresas. Nossas empresas estão se globalizando, se projetando no mundo, mas essa geração no Itamaraty acredita que a ação do Estado resolverá tudo. Os investimentos brasileiros ficam fragilizados pela ausência de uma postura pró-negócios.” 114 A rigor, não se evidencia consenso nem mesmo em relação aos demais ministérios do governo federal. O perfil de respostas indica que o Itamaraty trabalhava de forma mais coordenada com outros ministérios no passado (36% hoje; 57% em 2001). Esse resultado sugere a possibilidade de que a agenda internacional do Brasil esteja mais consolidada como projeto diplomático do que como projeto de governo. Sobre essa questão, observa um embaixador: 115 A visão integracionista do Itamaraty não é inteiramente compartilhada pelos outros ministérios, cada um dos quais tem sua agenda própria. Transladar interesses domésticos para a agenda internacional não é tarefa trivial. No que diz respeito aos grupos percebidos como menos relevantes pelo Itamaraty, destaque-se que as negociações comerciais ainda constituem tema de importância secundária na agenda política da CUT e demais confederações sindicais. Quanto às organizações não-governamentais, é recente sua participação grupos temáticos destinados à formulação das posições de negociação na OMC. O Congresso Nacional e a Política Externa O papel do Congresso na formação da política externa tem-se limitado a pouco mais do que referendar atos internacionais celebrados pelo Poder Executivo. Na opinião da maioria dos entrevistados, esse é de fato o papel que lhe deve caber: 54% concorda que as decisões de política externa devem ser tomadas pelo Executivo e ratificadas pelo Congresso, contra 38% que prefere que elas sejam previamente negociadas com o Legislativo. Trata-se de uma inversão da opinião que prevalecia no início da década. Há sete anos, a maioria (54%) contemplava a idéia de ampliar as prerrogativas do Congresso no campo das relações internacionais. A mudança pode refletir o crescente domínio da agenda legislativa pelo Executivo, que dispõe do poder de editar medidas provisórias e de formar maiorias parlamentares pela manipulação de cargos e verbas. Pode dever-se também a estar hoje no poder a antiga oposição parlamentar, posto que os temas internacionais eram defendidos pelos partidos de esquerda. Em parte, sugere um líder de organização não-governamental, é justificável que o Executivo detenha a iniciativa para firmar tratados e acordos internacionais. O que é fundamental, na sua opinião, é que a formulação da política externa tenha amplo apoio no país: “O Executivo deve ter a prerrogativa de avançar em alguns setores – por exemplo, negociações comerciais – para posterior ratificação pelo Congresso. No entanto, a política externa deve ser de Estado e não de governo, como é atualmente. Deve, portanto, ser negociada previamente com toda a sociedade.” 116 Embora os parlamentares aspirem a exercer papel mais relevante em relação à política externa, como atestam numerosos projetos em tramitação no Congresso visando ampliar as funções do Legislativo nessa área, há uma percepção limitada do que podem efetivamente fazer. Independentemente de alterações constitucionais que ampliem os poderes do Congresso, observa um deputado com ampla experiência internacional, é factível aumentar de imediato a atuação parlamentar. Na sua avaliação: “O Congresso não tem consciência do papel que pode desempenhar na política externa. É preciso estimulá-lo a perceber a importância disso, mesmo que não tenha repercussão eleitoral. Deveríamos criar uma Comissão de Comércio Exterior ao lado da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional”. Um teste ácido da disposição do Congresso de atuar com alguma autonomia na esfera da política externa será a ratificação da admissão da Venezuela ao Mercosul. Tradicionalmente, os parlamentares buscam encaminhar matérias desta natureza por meio de acordos consensuais e suprapartidários. No entanto, as diatribes do presidente Hugo Chávez contra o Congresso brasileiro têm dificultado a tramitação do Protocolo de Adesão. Seja qual for o 117 desfecho desta questão, a adesão da Venezuela transformou a politica externa em matéria de controvérsia da política doméstica. A Formação da Política Externa A representação de interesses é apenas uma das faces da formação da política externa. O segundo tema abrange tanto o processo de articulação de interesses e definição de prioridades pelo governo, quanto os recursos de que ele dispõe para implementar as decisões de política externa. Obter um consenso mínimo sobre a política externa que dê legitimidade às suas decisões, fortalecendo o poder de negociação, a credibilidade dos compromissos e a capacidade de defesa de interesses, constitui nesse sentido um recurso fundamental. Sem consenso, o governo será instado continuamente a explicar ao Congresso, aos grupos de interesse e à opinião pública como suas opções de política externa atendem aos interesses do país. Entre as novidades diplomáticas instituídas pelo governo Lula, a criação de uma assessoria internacional na Presidência da República com funções paralelas às do Ministério das Relações Exteriores introduziu um elemento de instabilidade na diplomacia tradicional. Desde o início do governo, a assessoria especial da Presidência da República assumiu importantes missões diplomáticas, chegando a representar o governo brasileiro numa tentativa frustrada de libertar reféns sequestrados pelas FARC. A argumentação de um embaixador é taxativa. Para ele, o duplo comando da política externa na região limita a eficácia da diplomacia: “As decisões de política externa do Brasil são hoje de natureza ideológica. A política externa tem um canal oficial e outro oficioso, conduzido pela Presidência da República. E a agenda oficial acabou submetida à oficiosa”. Um segundo fator de instabilidade apontado nas entrevistas é o uso ideológico da política externa, quer para gerar ganhos partidários domésticos quer para estabelecer um canal extra-diplomático de interlocução com países vizinhos. O presidente Lula assumiu o poder em 2003 em meio a uma onda de governos de esquerda e de tendências nacionalistas que se formou na eleição de Hugo Chávez, em 1998, espraiando-se até a eleição de Fernando Lugo, no Paraguai, em 2008. Sem embargo de possíveis convergências políticas, a adoção de modelos díspares de desenvolvimento, alguns com extremada intervenção estatal, e de propostas 118 diversas de integração regional levaram a uma revisão pragmática da política externa brasileira para a América do Sul. Na observação de um deputado: “A suposição de afinidades ideológicas do Itamaraty provou-se ilusória. Precisamos ter uma face generosa, mas afinidades ideológicas contam menos nas relações internacionais do que interesses concretos”. A perplexidade com os resultados deste enfoque não se limita aos críticos da política externa. Como reconhece destacado titular do Poder Executivo, a convergência ideológica não logrou reduzir os pontos de tensão e conflito na América do Sul. Essa percepção é resumida como segue: “Estamos vivendo uma situação nova e paradoxal. Na América do Sul, temos oito governos de esquerda ou de centro-esquerda. São governos constituídos democraticamente, têm uma agenda comum de desenvolvimento e de redução de desigualdades, têm forte presença social e defendem a integração regional. Qual é o paradoxo? Apesar de reunirmos todas essas condições favoráveis, temos uma série de conflitos que não são graves mas são múltiplos, ameaçando a integração. A esquerda nunca esteve tão bem e nunca enfrentou tantos impasses”. Na Bolívia, observa um diplomata, assistiu-se ao fim da ilusão de que uma empresa pública de um governo de esquerda teria tratamento diferente daquele dispensado às empresas de “países imperialistas”. A expropriação das refinarias da Petrobras e a ameaça de aumento do preço do gás em flagrante violação de contratos revelou o erro de cálculo da diplomacia brasileira. Em suas próprias palavras: “O ambiente na América do Sul é algo hostil ao Brasil devido a uma certa ideologização da nossa agenda externa e uma certa cultura de bravata de nossa diplomacia. A Bolívia foi um exemplo de má gestão de uma crise externa, com o governo deixando-se tornar refém do governo Morales”. O terceiro ponto de controvérsia é o virtual divórcio entre a política externa e a política de segurança e defesa nacional. Não é essa a avaliação de um diplomata de alto escalão do Itamaraty, para quem a estreita colaboração entre a força militar e a diplomacia na operação de paz no Haiti evidencia a existência de apoios mútuos. Na sua avaliação: 119 “O Itamaraty tem atuado em colaboração com o Ministério da Defesa, como no caso do Haiti, que é também um exemplo de coordenação militar na América do Sul”. Ao contrário, confirma um respeitado embaixador, a regra tem sido o insulamento dos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores. A supremacia da agenda do desenvolvimento sobre a de segurança e defesa levou o país a negligenciar a força militar como instrumento capaz de respaldar a política externa. Uma reorganização institucional realista e eficaz colocaria a ênfase no reequipamento das Forças Armadas e na utilização do poder militar nas relações internacionais. Na sua visão: “Nossa diplomacia sempre atuou divorciada das Forças Armadas, com a possível exceção de Itaipu. O Brasil não tem razão de temer um conflito com os vizinhos. Mas, por uma questão de dissuasão, necessitamos definir uma política de segurança, equipar adequadamente as Forças Armadas, e o Ministério da Defesa e o Itamaraty precisam aprender a atuar juntos. O problema é que o mundo pós-Guerra Fria é completamente diferente do mundo onde os nossos dirigentes diplomáticos e militares foram formados. Ainda prevalece entre eles uma visão de confronto Norte-Sul que já não existe. O narcotráfico e o desbordamento das FARCs para o Amazonas são os desafios inquietantes de hoje”. O último ponto a ser destacado são as mudanças internas no Itamaraty. A intensa participação do Brasil em foros multilaterais; o extraordinário aumento do número e complexidade de novas regulamentações emitidas por instâncias internacionais e inter-governamentais e a multiplicação de contenciosos comerciais têm acrescentado novas e pesadas responsabilidades aos afazeres da diplomacia brasileira. Para desincumbir-se dessa diversidade de missões, observa um embaixador, é necessário adaptar a estrutura interna da instituição: “Hoje, o Itamaraty tem o dobro de departamentos que tinha há seis anos mas isso não se tem traduzido em ações práticas. É preciso que ele se modernize administrativamente”. Na atual gestão do Itamaraty, houveram também mudanças nas regras da carreira diplomática, acelerando a promoção de diplomatas mais jovens, e foram 120 criadas novas representações diplomáticas, principalmente em países da África e da Ásia. Não são mudanças que contam com a anuência de todos, como exemplificam as críticas formuladas por um embaixador: “O Itamaraty tem uma parte política e institucional. Na área institucional, o aumento de diplomatas e novas representações deixarão graves cicatrizes. Na parte política, nada do que está sendo feito hoje é novo. O que está dando certo é a continuidade, o que está dando errado são as ênfases. Até o G-20, uma grande conquista, está hoje esfacelado. Era uma aliança agrícola que não resistiu aos novos temas de Doha. Todas as outras iniciativas (Oriente Médio, África, Conselho de Segurança, etc) fracassaram”. Na mesma linha, um deputado considera mal sucedida a tentativa de estreitar laços entre Brasil e África multiplicando as representações diplomáticas. O contraponto, segundo ele, é a bem sucedida política da China na região: “O Brasil tem tido um desenvolvimento errático na política externa. A ampliação de embaixadas e de pessoal diplomático vem se dando na África, com zero de resultados. Ao contrário da China, cuja aproximação com a África resultou numa aliança estratégica que lhe assegurará acesso a importantes recursos naturais e mercados, o grande número de viagens do presidente Lula à África não resultou em iniciativas concretas”. As mudanças na área administrativa da chancelaria brasileira geraram críticas dentro da comunidade diplomática, às quais se somaram divergências sobre os rumos da política externa. Estas questões estão na origem da inusitada divisão da diplomacia brasileira que veio à luz recentemente, configurando nova fonte doméstica de influência sobre a política externa. É a ela que faz referência o depoimento de um embaixador: “Hoje, existe um grupo de diplomatas experientes liderando um debate interno. Isso é muito importante, pois a projeção do Brasil no mundo vem aumentando. Não podemos mais fazer opções erradas”. 121 APÊNDICE 1 O Projeto de Pesquisa O objetivo deste estudo é o de identificar as tendências prevalecentes sobre os temas prioritários da agenda do Brasil na América do Sul segundo as percepções de titulares de função pública e lideranças de diversos segmentos sociais que integram a comunidade brasileira de política externa. Mapear as tendências identificadas e difundir os resultados constituem objetivos complementares. Como em 2001, as atividades de pesquisa envolveram duas etapas. A primeira, de caráter qualitativo, utilizou entrevistas semi-estruturadas para mapear as questões relevantes para a agenda do Brasil no mundo e na região. Na etapa seguinte, as conclusões das entrevistas qualitativas foram validadas pela aplicação de um questionário estruturado e a análise quantitativa de seus resultados. A Seleção dos Entrevistados Para selecionar as personalidades a serem entrevistadas, foi atualizada e expandida a lista de membros da comunidade brasileira de política externa que serviu de base para a realização de estudo anterior do CEBRI. Fez-se contato inicial por carta, detalhando os objetivos do estudo e solicitando uma entrevista, seguido de chamada telefônica para confirmação. Na etapa qualitativa, aceitaram o convite 30 pessoas, que foram entrevistadas entre abril e agosto de 2008. Daí até março de 2008, elaborou-se o questionário que foi aplicado a 150 pessoas. Buscou-se assegurar na lista a representação dos diversos segmentos que formam essa comunidade, como autoridades governamentais, congressistas, líderes associativos, empresários, acadêmicos e jornalistas. Não se buscou, entretanto, um critério de proporcionalidade. Em estudos de elites, é virtualmente impossível adotar uma lógica de amostragem, pois existe forte elemento de subjetividade na delimitação do universo. Elites, por definição, não são identificadas apenas pelas posições formais de poder político ou econômico que ocupam, mas também pela reputação de influência de que desfrutam. Atribuiu-se, inicialmente, maior peso à posição formal ocupada pelos integrantes da lista, acrescentando-se, a seguir, indicações de influência, 122 como participação no debate público, em fóruns especializados e publicações e o julgamento de observadores abalizados. Os respondentes distribuem-se pelos diversos segmentos, como segue: 1. Poder Executivo: Ministros de Estado e membros do primeiro escalão dos Ministérios das Relações Exteriores, Defesa, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Banco Central. 2. Congresso Nacional: Presidentes e membros das Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara de Deputados e do Senado; da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul e do Parlamento Latino-Americano. 3. Líderes Empresariais, Sindicais e de Organizações Não-Governamentais: Presidentes e primeiro escalão de associações empresariais da indústria, serviços e agricultura; associações de trabalhadores e outras organizações não-governamentais. 4. Empresários: Presidentes, vice-presidentes, diretores executivos e assessores de grandes empresas industriais, financeiras e de energia com atuação no comércio exterior. 5. Acadêmicos e Jornalistas: Editorialistas, colunistas e jornalistas da imprensa escrita e televisiva de São Paulo e do Rio de Janeiro e professores e pesquisadores acadêmicos nas áreas de relações internacionais e defesa. 6. Conselheiros e Consultores do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. As Entrevistas Todas as entrevistas foram feitas pessoalmente e duraram, em média, uma hora. Na parte inicial, as entrevistas foram pouco estruturadas, dando a oportunidade aos entrevistados de discorrer sobre suas escolhas. Na parte final, foram feitas perguntas sobre questões específicas relativas à integração regional, segurança e defesa, relações econômicas e comerciais e temas como direitos humanos, proteção ambiental, terrorismo e narcotráfico. Com frequência, várias 123 dessas questões eram levantadas pelos próprios entrevistados. Observe-se, entretanto, que nem todos os entrevistados responderam a todas as questões. Pode-se objetar que o foco nas prioridades atuais do país distorce os resultados do estudo pois permite que eventos contemporâneos exerçam pressão sobre as percepções dos entrevistados. Esse poderia ter sido o caso das declarações do Presidente Hugo Chávez sobre a lentidão do Congresso Nacional em aprovar a admissão da Venezuela ao Mercosul. Neste sentido, é útil fazer distinção entre dois tipos de agenda. Existe uma agenda pública na qual questões internacionais de alta visibilidade e impacto podem despertar o interesse e influenciar o sentimento da opinião pública, como exemplificado pelo embargo canadense e as reações de indignação que provocou. Mas essa agenda não coincide necessariamente com a agenda formal, isto é, o conjunto de questões que são objeto de séria consideração por formadores de opinião e decisores da política pública. Tais agendas são moldadas com base em conhecimentos compartilhados e pressões de interesses organizados e a maior parte das questões que as compõem demandam tempo e energia para seu encaminhamento e resolução. Quando ganham proeminência na agenda formal, essas questões ganham também certa força inercial que lhes assegura atenção continuada, mesmo que à custa da exclusão de questões emergentes. Análise Categorizar entrevistas semi-estruturadas apresenta certo grau de dificuldade, embora as respostas tenham sido enunciadas com clareza e concisão pelos entrevistados. Ocorre que foram respostas elaboradas, desdobrando-se na exploração de temas subsidiários. O esquema utilizado teve mais a ambição de fixar as grandes áreas de consenso e dissenso do que propriamente explorar até o limite a riqueza das informações coligidas. Para transmitir a tendência geral das entrevistas, o conteúdo das respostas foi mapeado com base na incidência de palavras-chave. Não se depreenda daí, porém, que essa distribuição de frequências seja uma estimativa numérica acurada das prioridades e percepções da comunidade brasileira de política externa como um todo. Os entrevistados não foram selecionados com base em métodos 124 probabilísticos e nem todos responderam a todas as questões. As proporções que aparecem no gráfico destinam-se a ilustrar a distribuição de opiniões e a mapear os temas de interesse dos entrevistados, e não a prover uma representação estatística das prioridades da comunidade a que eles pertencem. Os resultados da análise do conteúdo das entrevistas qualitativas, que serviram de base para a formulação do questionário usado na etapa quantitativa da pesquisa, encontram-se no Apêndice 2, a seguir. A Aplicação dos Questionários Com base em lista organizada para a seleção das personalidades que participaram da etapa qualitativa da pesquisa, foram selecionadas 150 pessoas representativas dos segmentos que compõem a comunidade brasileira de política externa. Elaborou-se também uma lista de substituições. Como na primeira etapa, enviou-se previamente uma carta às pessoas selecionadas, descrevendo os objetivos do estudo, convidando-as a participar e solicitando permissão para incluir seus nomes na lista de agradecimentos. Os temas e prioridades identificados na etapa qualitativa e estruturados em forma de questionário incluem o papel do Brasil no sistema internacional; a economia internacional, com foco no comércio multilateral e a integração regional; áreas de interesse vital para o país e ameaças externas; prioridades da política externa; segurança e defesa nacional; a atuação do Itamaraty e a representação de interesses da sociedade civil. Face à dispersão geográfica dos respondentes, inclusive os residentes no exterior, adotou-se métodos variados para a aplicação dos questionários. Parte foi feita por telefone, por entrevistadores especialmente treinados; parte foi respondida online pelos próprios entrevistados e alguns foram preenchidos em entrevistas cara a cara. 125 APÊNDICE 2 Prioridades da Agenda do Brasil para a Região e o Mundo Quais são hoje as prioridades da agenda do Brasil no mundo e na América do Sul? A importância atribuída pelos entrevistados aos diversos temas das relacões exteriores do país pode ser aferida pela freqüência de palavras-chave nas transcrições das entrevistas. Os resultados, agrupados em grandes àreas temáticas, estão resumidos no gráfico abaixo.5 No tocante às áreas de interesse vital para o Brasil, surpreende que o número de citações da Venezuela e dos países do Cone Sul (Argentina, Uruguai e Paraguai) seja essencialmente o mesmo. Em 2001, a Venezuela mal aparecia no quadro das preocupações da comunidade brasileira de política externa. São pelo menos três os pontos de controvérsia sobre o país. O primeiro é sua adesão ao Mercosul. Muitos entrevistados manifestam o temor de que o governo do presidente Hugo Chávez prejudique negociações futuras do bloco, especialmente com a União 126 Européia e os Estados Unidos. O segundo ponto diz respeito à conformidade da Venezuela com a “cláusula democrática” do Mercosul. Seus gastos militares, que ameaçam deflagrar uma corrida armamentista na região, vêm em terceiro lugar. No plano das relações bilaterais, destacam-se na América do Sul a Bolívia, Chile e Colômbia. A expropriação de refinarias da Petrobras e o risco potencial para a segurança energética do Brasil representado pela redução e/ou suspensão do fornecimento de gás natural colocam a Bolívia no centro das preocupações estratégicas do Brasil. Já a importância atribuída à Colômbia deriva de seu infindável confronto com a guerrilha das FARCs. Há um número significativo de menções aos Estados Unidos, cuja relação especial com o Brasil tem experimentado altos e baixos ao longo da história. Por outro lado, são relativamente escassas as referências a países da Ásia, Europa e Oriente Médio, não obstante o aumento recente dos fluxos de comércio para esses mercados. Dentre os países citados, sobressai a China. As entrevistas revelam uma preocupação preponderante com a economia internacional, destacando-se os fluxos de comércio e de investimento com os países vizinhos, o desenvolvimento econômico da região e a participação do Brasil no processo de integração regional. São também enfatizados os temas da integração energética e infra-estrutura física. Não se percebe consenso quanto à forma e escôpo da integração regional. Alguns defendem um modelo de integração profunda, que possa eventualmente evoluir para um mercado comum ao estilo europeu, acompanhado por políticas tendentes a reduzir as assimetrias existentes entre os países da região. Outros preferem uma forma de integração menos ambiciosa e mais seletiva, centrada em grande medida nos fluxos de comércio e na integração energética e da infraestrutura de transporte e comunicações. O que os preocupa é a possibilidade de que os acordos bilaterais entre os Estados Unidos e alguns países sul-americanos possa desviar o comércio dos países que integram o Mercosul. As menções ao Mercosul revelam extensa gama de preocupações. Persiste a divisão entre os que postulam sua ampliação, incorporando novos sócios como a Venezuela, ou o seu aprofundamento, com a criação de instâncias supranacionais e 5 Os temas encontram-se detalhados no Apêndice 3 127 a transformação da união aduaneira em mercado comum. Há também quem defenda sua transformação em simples área de livre comércio em vista dos impasses atuais. No que diz respeito aos acordos regionais, são raras as menções à União das Nações Sul-Americanas (UNASUR). As negociações comerciais fora da região tampouco entusiasmam. Vários respondentes manifestaram ceticismo quanto ao futuro das relações entre o Mercosul, os Estados Unidos e a União Européia, bem como às negociações multilaterais da Rodada Doha, no âmbito da OMC. Os temas de segurança e defesa nacional vêm a seguir, com ênfase na modernização das Forças Armadas. Deve-se notar que as menções a ameaças convencionais à segurança, como a defesa das fronteiras, superam as menções a ameaças não-convencionais, como o terrorismo. São preocupações que têm a ver com o aumento da compra de armamentos por países da região, particularmente a Venezuela, Peru e Chile. De fato, o reequipamento militar é o tema mais citado ao passo que a proposta de integração militar da região foi praticamente ignorada. Há preocupação específica com a Amazônia, vista pelos entrevistados como importante questão estratégica. No plano da liderança presidencial, destacam-se os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil. Alguns entrevistados apontaram a existência de um substrato ideológico na orientações de política externa para a região. Foram poucas as menções a organizações multilaterais e sua influência na região. Da mesma forma, são relativamente escassas as referências a temas da “nova agenda” multilateral, exceto democracia, tráfico de armas e drogas e meio ambiente, que comparecem com baixa frequência. 128 APÊNDICE 3 8.2. Ocorrência de Palavras-Chave nas Entrevistas (Detalhamento dos Temas) Temas da agenda do Brasil na América do Sul (Palavras-chave) Áreas de Interesse Vital América do Sul (exceto Cone Sul) Venezuela Bolívia Chile Colombia Amazônia Equador Perú América do Norte, Caribe e México Estados Unidos México Haiti Cone Sul Argentina Uruguai Paraguai Europa Ásia China Índia Oriente Médio Irã Rússia Economia Internacional Desenvolvimento econômico Setor financeiro Investimentos Financiamento multilaterial (BID, BNDES) Assimetrias sociais e econômicas Negociações de comércio Acordos de livre comércio ALCA União Européia CAFTA Comércio multilateral Comércio externo e política comercial Barreiras tarifárias e não-tarifárias Integração regional Mercosul Número de citações 500 263 101 55 29 26 25 15 12 97 84 9 4 101 66 19 16 13 16 12 2 6 1 6 337 164 36 33 13 13 119 38 18 13 2 54 51 3 286 136 129 União tarifária Orgãos supranacionais (Parlamento, Tribunal) Área de livre comércio Mercado comum Modalidades Integração energética Integração da infra-estrutura Acordos de cooperação Integração financeira (Banco do Sul) Integração econômica América do Sul CASA UNASUR Grupo Andino Segurança e Defesa Nacional 191 Política de segurança e defesa Modernização e reequipamento das Forças Armadas Integração militar regional Ameaças convencionais Defesa das fronteiras Guerras e conflitos transnacionais Ameaças não-convencionais Guerrilhas Terrorismo Política Externa e Liderança Regional 190 Liderança regional Hugo Chávez Lula Nestor Kirchner Evo Morales George Bush Política externa Política Internacional 75 Organizações multilaterais Organização Mundial do Comércio Organização das Nações Unidas/Conselho de Segurança Organização para Cooperação e Desenvolvimento Nova agenda multilateral Democracia e cláusula democrática Tráfico de drogas Direitos humanos Tráfico de armas Meio ambiente e recursos naturais Imigração Total de citações: 8 7 3 2 131 50 42 16 13 10 19 7 2 2 97 34 3 70 42 28 24 14 10 161 120 22 4 3 1 29 30 12 13 5 45 16 9 2 8 6 4 (1.579) 130