O Brasil na Região e no Mundo:
Percepções da Comunidade Brasileira de Política Externa
Amaury de Souza
Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)
2008
ÍNDICE
Sumário Executivo
Agradecimentos
1.
Introdução
2.
O Brasil e o Sistema Internacional
3.
Prioridades da Agenda Internacional
4.
Economia Internacional
5.
Integração Regional
6.
Segurança e Política Internacional
7.
Política Externa e Representação de Interesses
8.
Apêndices
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SUMÁRIO
Em duas oportunidades, 2001 e 2008, o CEBRI realizou amplas pesquisas
sobre as relações internacionais do Brasil. Em ambos os casos, o objetivo foi
conhecer as avaliações e preferências da comunidade de política externa quanto
aos principais temas da agenda brasileira. O que diferenciou os dois trabalhos foi a
maior abrangência temática do primeiro, preocupado em apreender de maneira
compreensiva o pensamento internacional brasileiro, ao passo que o segundo tratou
especificamente de aspectos estratégicos da inserção brasileira na América do Sul.
A metodologia utilizada foi a mesma nos dois projetos: aplicação de um
questionário a integrantes destacados da comunidade de política externa
e
entrevistas mais extensas com alguns deles. A expressão “comunidade brasileira de
política externa” designa o universo constituído por pessoas que participam do
processo decisório ou contribuem de forma relevante para a formação da opinião no
tocante às relações internacionais do país. Compreende portanto não só integrantes
do Executivo e do Legislativo, mas também representantes de grupos de interesse,
líderes de organizações não-governamentais, acadêmicos, jornalistas e empresários
com atuação na esfera internacional.
O Brasil e o Sistema Internacional
A política externa brasileira ganhou contornos mais definidos e afirmativos na
virada do século 20 para o 21. A quase totalidade dos entrevistados (97%) concorda
que o país deve aumentar o seu envolvimento e ter presença mais ativa no que toca
a questões internacionais. Consolidou-se também a percepção de que a nossa
presença
internacional cresceu em importância nos últimos dez anos (85%) e
deverá crescer ainda mais nos próximos dez (91%).
Os entrevistados prevêem que os outros três BRICs - China (97%), Índia
(94%) e Rússia (63%) , assim como a África do Sul (57%), aumentarão também a
sua projeção na ordem mundial, compartilhando o poder que os Estados Unidos
(61%), o Japão (59%) e a Alemanha (54%) detêm atualmente.
As tendências acima indicadas foram antevistas pela comunidade de política
externa em 2001, mas não de forma tão pronunciada. Nos seis anos decorridos
desde a primeira pesquisa, a percepção da importância futura da China manteve-se
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elevadíssima (96% e 97%, respectivamente, mas a da Índia subiu de 73% para
94%, a do Brasil de 88% para 91% , a da Rússia de 49% para 63%, e a África do
Sul de 39% para 57%. Por outro lado, os entrevistados avaliaram que as atuais
grandes potências dificilmente terão mais poder daqui a 10 anos do que têm hoje ;
consideram mais provável que elas preservem a posição atual. A expectativa de que
a Alemanha terá mais poder caiu de 64% para 28% , os Estados Unidos, de 49%
para 15%, e o Japão, de 29% para 16%.
Nos últimos seis anos, a formação de alianças no sentido Sul-Sul tornou-se
um dos eixos prioritários da estratégia externa do Brasil1 . Todavia, não existe
consenso quanto ao alinhamento Sul-Sul no que diz respeito à inserção do país na
economia internacional. Um terço dos entrevistados (31%) prefere priorizar
negociações comerciais com os países da América do Sul e economias em
desenvolvimento fora da região, como a China, Índia e África do Sul; quase outro
terço (26%) prefere aproximar-se dos países desenvolvidos do Norte, como a União
Européia, os Estados Unidos e o Japão. Cumpre ressaltar que a maioria (41%)
prefere trabalhar nessas duas linhas ao mesmo tempo.
Prioridades da Agenda Internacional
No topo da hierarquia dos países considerados vitais para os interesses do
Brasil, permanecem a Argentina e os Estados Unidos (com ligeira queda de 96%
para 95% e de 99% para 94%, respectivamente) e a China (que subiu de 82% para
92%).
Caiu, no entanto, a percepção da importância de aliados tradicionais: a
Inglaterra (de 59% para 41%), Alemanha (76% para 59%), França (67% para 50%),
Espanha (63% para 46%) e Japão (62% para 54%). No sentido contrário, aumentou
sensivelmente a percepção de interesses vitais nos países vizinhos, com destaque
para Bolívia (de 57% para 81%), Colômbia (62% para 69%) e Venezuela (não
mencionada na primeira sondagem, recebeu 78% das menções na segunda). Entre
os países de menor relevância para o Brasil destacam-se Cuba, Coréia do Sul,
Indonésia, Irã e Israel.
Passaram também à condição de eixos prioritários a ampliação do Mercosul, uma
atuação intensa na Organização Mundial do Comércio (OMC) com foco na
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Entre possíveis ameaças, três são atualmente consideradas críticas pela
maioria dos entrevistados: o aquecimento global (65%), o tráfico internacional de
drogas (64%) e o protecionismo comercial dos países ricos (50%). Outras ameaças,
consideradas críticas por um grande número mas não pela maioria dos
entrevistados, incluem o surgimento de governos ditatoriais na América do Sul
(48%), o contrabando de armas pequenas e armamentos leves (46%), a
internacionalização da Amazônia (46%), a corrida armamentista na América do Sul
(40%) e o aumento de países com armas nucleares (39%).
Cumpre igualmente salientar um forte aumento na percepção de que o Brasil
é capaz de defender os seus interesses no contexto da globalização econômica. O
ineditismo e as proporções dessa mudança podem ser aferidos pela diferença de
percepções quanto à ameaça representada pelo protecionismo comercial dos
países ricos (que caiu de 75% para 50%), pela desigualdade econômica e
tecnológica entre o Norte e o Sul (de 64% para 38%) e pelo poder econômico dos
Estados Unidos (de 39% para 15%).
Em relação à inserção brasileira na economia internacional, as duas
pesquisas permitem traçar um quadro de substancial continuidade. A maioria dos
entrevistados continua a atribuir importância às negociações multilaterais de
comércio e a ver de maneira positiva uma crescente inserção brasileira na economia
internacional. Em 2001, o cerne de nossa agenda internacional tinha a ver com a
economia mundial; na de 2008, o aumento de nossa participação nos mercados
mundiais continua prioritário, haja vista o apoio de 42% à promoção de nova rodada
de liberalização do comércio exterior do Brasil. Para bem apreciar a significação
desta última cifra, é mister lembrar que dois dos objetivos classificados como
prioritários pelos entrevistados em 2001 foram atingidos. São eles: “promover o
comércio exterior e reduzir o déficit comercial do país”, apontado por 73% dos
entrevistados, e “apoiar nova rodada de negociações na Organização Mundial do
Comércio”, por 55%.
De uma lista de dezoito objetivos de política externa, nove foram
considerados como de “extrema importância” pela maioria dos entrevistados na
pesquisa deste ano. Desses nove, cinco se referem à atuação do Brasil na América
conclusão da Rodada Doha e a reforma do Conselho de Segurança da ONU a fim
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do Sul: garantir a democracia na região (74%), integrar a infraestrutura de
transportes, energia e telecomunicações (70%), fortalecer a liderança regional do
Brasil (65%), atuar em conjunto com países vizinhos na defesa e na proteção da
Amazônia (57%) e fortalecer o Mercosul (54%). No balanço geral, os objetivos
contextualizados na América Latina foram colocados num patamar de importância
mais alto em 2008 que em 2001. A única e preocupante exceção é o fortalecimento
do Mercosul (que caiu de 64% para 54% das respostas).
Três outros objetivos considerados de extrema importância são a defesa do
meio ambiente (62%), o combate ao tráfico internacional de drogas (61%) e a
ampliação de acordos de cooperação em ciência e tecnologia (57%). A distribuição
das respostas mostra que dois outros são altamente controversos: a reivindicação
de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (considerado “muito ou
extremamente importante” por 58%, contra a opinião de 42%) e o controle e
redução da imigração ilegal para o país (54% contra 46%).
Economia Internacional
No início da década, eram ainda muito contrastadas as opiniões sobre a
abertura da economia: 67% tinham-na como benéfica, contra 23% que a viam como
prejudicial. Na pesquisa de 2008, as proporções respectivas são 88% e 4%,
sugerindo que a avaliação positiva da competição internacional tornou-se
virtualmente unânime num curto período de seis anos.
Em 2001, instados a escolher apenas uma opção no tocante ao comércio
exterior, 31% dos entrevistados manifestaram preferência por negociações
multilaterais, 59% por diferentes esquemas de regionalismo econômico e 4% por
acordos bilaterais. Entre os que optaram por esquemas de regionalismo econômico,
21% preferiam o Mercosul, 17% a América do Sul, 16% a ALCA e 5% o acordo
Mercosul-União Européia. Em 2008, 28% mantiveram-se favoráveis ao multilateralismo. Entre os esquemas regionais, ficou em 15% a preferência pela
integração sul-americana e em 6% a parcela simpática ao acordo Mercosul-União
Européia; ALCA e Mercosul murcharam para 4% e 9%, respectivamente. Na
preferência pelo bilateralismo houve um sensível aumento de 4 para 13% .
de conquistar um assento permanente.
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Em relação à ALCA, no início da década a maioria (61%) dos entrevistados
considerou factível um acordo, com a condição de serem eliminados os subsídios e
barreiras não-tarifárias que limitam o acesso brasileiro ao mercado norte-americano.
Consoante se esperava, uma parte dos entrevistados acredita hoje que o Brasil
perdeu uma grande oportunidade (40%) e outra parte que ele se livrou de uma
grande risco (35%).
O sucesso das exportações brasileiras de commodities agrícolas colocou a
abertura da economia sob nova luz. Atualmente, 41% declaram aceitar a abertura
do mercado doméstico para serviços e importações industriais e adotar uma posição
mais flexível no que concerne a investimentos e propriedade intelectual, por
exemplo, em troca de benefícios no comércio agrícola. Mas 47% preferem continuar
a exigir a eliminação de barreiras ao comércio agrícola sem renunciar aos
mecanismos de proteção da produção nacional ou à possibilidade de implementar
políticas industriais autônomas.
Integração Regional
A comparação entre os dois levantamentos evidencia o forte desgaste do
projeto Mercosul. Em 2001, a quase totalidade (91%) dos entrevistados via
benefícios no acordo, posição hoje sustentada por uma maioria menos expressiva
(78%). Acreditava-se também que o Mercosul era necessário para aumentar o
poder de barganha do Brasil em negociações internacionais (72%). Em 2008,
praticamente a metade (49%) afirma que o Brasil tem peso próprio para negociar,
sendo de apenas 38% a parcela que valoriza o apoio do Mercosul.
Variações dignas de nota podem também ser percebidas no que tange ao
formato do Mercosul. A maioria (52% em 2001, 51% hoje) continua a apoiar a
transformação do Mercosul em mercado comum, ao estilo da União Européia. No
entanto, somente um em cada quatro concordam em mantê-lo como união
aduaneira (a proporção caiu de 43% para 25%). Na outra ponta, aumentou cinco
vezes (de 4% para 21%) o número dos que preferem reduzí-lo a uma área de livre
comércio.
Ampliar o Mercosul com base na adesão dos países da América do Sul
continua a ser uma opção ainda majoritária (52% em 2001; 54% hoje). Aumentou,
por outro lado, o apoio ao aprofundamento (de 28% para 37%) e encolheu de 17%
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para 7% o grupo dos que julgam possível aprofundá-lo e ampliá-lo ao mesmo
tempo. Neste aspecto, um ponto particularmente espinhoso é a eventual admissão
da Venezuela. Indagados quanto à posição que o Congresso Nacional deve tomar
em relação ao Protocolo de Adesão, 37% sugeriram a aprovação, 15% a rejeição e
41% a protelação sine die de tal voto.
Quanto ao alcance da integração da América do Sul, há apoio de dois terços
(65%) para uma “integração profunda”, com vistas à promoção do desenvolvimento
e à redução de assimetrias econômicas e da cooperação política nos campos
político, social, ambiental, tecnológico e cultural, e de um terço (33%) para uma
integração seletiva, concentrada no comércio, investimentos e infra-estrutura de
transportes e comunicações. Em qualquer caso, uma maioria robusta (73%)
condiciona eventuais acordos do Brasil com países sul-americanos à inclusão de
disciplinas sobre propriedade intelectual, proteção aos investimentos, liberalização
de serviços e compras governamentais.
Duas outras questões de alta importância na agenda regional são a
integração energética e as assimetrias econômicas entre países. Construir um
mercado integrado de energia na região, com marcos regulatórios estáveis e infraestrutura adequada para o transporte é a opção apoiada pela maioria (51%).
Contudo, preocupados com a segurança energética, um terço (37%) prefere que o
Brasil comercialize recursos de energia internacionalmente, mas sem abandonar a
busca da auto-suficiência.
No que concerne à superação das assimetrias econômicas existentes - ponto
nevrálgico na agenda de integração regional -, as respostas distribuem-se entre
aumentar a competitividade dos países menores ou mais pobres (35%), incentivar
empresas dos países mais desenvolvidos da região a investirem nos mais pobres
(26%), eliminar entraves às exportações dos países mais pobres dentro da região
(20%) ou implementar simultaneamente todas essas opções (17%).
Segurança e Política Internacional
Contribuir para a manutenção da paz e da segurança coletiva são objetivos
tradicionais do Brasil. Sem embargo da bem sucedida missão de paz no Haiti, o
apoio à participação brasileira em operações dessa natureza caiu de 88% em 2001
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para 74% em 2008. Caiu também (de 76% para 54%) o apoio à demanda de
assento permanente no Conselho de Segurança das ONU .
Com vistas á reorganização das Forças Armadas, a maioria dos
entrevistados considera de “extrema importância” a integração das estratégias das
Forças Singulares sob o comando do Ministério da Defesa (66%), a destinação de
maiores recursos ao adestramento e à capacitação intelectual (62%), assim como
ao reaparelhamento e à modernização tecnológica (55%). Nessa área, as medidas
mais controversas são a substituição do serviço militar obrigatório pelo voluntariado
(considerada de “muita ou extrema importância” por 43% e de “pouca ou nenhuma
importância” por 54%), a capacitação das Forças Armadas para garantir a lei e a
ordem (53% contra 46%), a preparação de pessoal para missões de paz (55%
contra 45%), a integração militar da América do Sul (62% contra 37%) e o
desenvolvimento da indústria bélica nacional (65% contra 35%).
Na agenda multilateral, destacam-se entre os novos temas o meio ambiente
e a mudança climática. A coordenação internacional das ações de proteção
ambiental contava com o apoio de 74% dos entrevistados em 2001, cifra diminuída
para 66% na pesquisa deste ano. Uma nítida maioria (81% em 2001; 90% hoje)
entende ser de todos os países, não só dos mais industrializados, a
responsabilidade de reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa. Como
decorrência direta ou indireta dessas preocupações, o apoio a cláusulas de
proteção de direitos trabalhistas e meio ambiente em acordos de livre comércio mais
que dobrou entre a primeira e a segunda pesquisas (31% em 2001, 66% em 2008).
Política Externa e Representação de Interesses
Durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a política
externa do governo abriu numerosas frentes de atuação, sem condições de dedicar
a atenção necessária a todas elas, do que advieram negativas da parte dos
formadores de opinião e mesmo de titulares de funções públicas. Embora sejam em
geral positivas, as opiniões sobre a política externa do atual governo apresentam-se
mais polarizadas que as registradas em 2001 a respeito da política do presidente
Fernando Henrique Cardoso. Em 2001, 62% avaliavam a política externa como
“ótima ou boa”, contra 12% que a consideravam “ruim ou péssima”. No governo
Lula, os percentuais são 46% e 21%, respectivamente.
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No tocante à representação de interesses, o quadro que emerge das
pesquisas sugere uma queda no nível de atenção dado pelo Itamaraty a opiniões e
propostas de interlocutores – isto tanto no caso de interlocutores situados em outros
setores do próprio governo ou no de interlocutores externos. No caso de “outros
ministérios do governo federal”, a percepção de que o Itamaraty dá a eles “muita
atenção” caiu de 57% em 2001 para 36% hoje. A mesma tendência declinante pode
ser observada em relação aos meios de comunicação (46% para 30%), associações
empresariais (49% para 39%), opinião pública (28% para 21%) e organizações nãogovernamentais (18% para 14%). A atenção concedida ao Congresso Nacional foi
percebida como estável no nível de 30%, e ascendente em relação aos sindicatos
de trabalhadores (6% para 11%) e a universidades e centros de estudo (14% para
18%).
Tradicionalmente, a política externa tem sido atribuição exclusiva do Poder
Executivo, cabendo ao Congresso Nacional apenas ratificar as decisões tomadas.
Em 2001, 54% dos entrevistados recomendavam negociação prévia com o
Congresso, a fim de limitar a margem de arbítrio do Executivo, contra 46%
favoráveis à manutenção da existente divisão de papéis e prerrogativas. A pesquisa
de 2008 registra uma inversão: a maioria (54%) defendendo as prerrogativas do
Executivo contra um terço (38%) preconizando uma maior participação do
Congresso Nacional.
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AGRADECIMENTOS
O presente estudo, tal como o que foi realizado pelo CEBRI em 2001, deve
sua existência às pessoas que acederam a ser entrevistadas e se dispuseram a
compartilhar suas idéias. A todas reiteramos os nossos agradecimentos.
Poder Executivo
Embaixador Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores
Ministro Nelson Jobim, Ministro da Defesa
General-de-Exército Enzo Martins Peri, Comandante do Exército
Tenente-Brigadeiro do Ar Cleonilson Nicácio Silva, Chefe do Estado Maior de
Defesa do Ministério da Defesa
Professor Marco Aurélio Garcia, Assessor-Chefe da Presidência da República e
Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)
Dr. Ivan João Guimarães Ramalho, Secretário Executivo do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
Dr. Paulo Vieira da Cunha, Diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do
Brasil
Dr. Welber Barral, Secretário de Comércio Exterior, Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior
Dra. Lytha Battiston Spíndola, Secretária Executiva da Câmara de Comércio
Exterior, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
Dra. Miriam Barroca, Diretora de Defesa Comercial, Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior
Dr. Antônio Sérgio Martins Veloso, Superintendente da Zona Franca de Manaus
Embaixador Sérgio Serra, Embaixador Especial para Mudanças Climáticas
Embaixador Luis Augusto Castro Neves, Embaixador do Brasil na República
Popular da China
Embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa, Embaixador do Brasil na Alemanha
Embaixador Gelson Fonseca, Cônsul-Geral do Brasil em Madri
11
Embaixador José Alfredo Graça Lima, Cônsul-Geral do Brasil em New York
General Rômulo Bini, Secretário de Estudos e de Cooperação do Ministério da
Defesa
General Maynard Marques Santa Rosa, Secretário de Política, Estratégia e
Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa
General Sérgio W. Etchegoyen, Comandante da Escola de Comando e Estado
Maior do Exército (ECEME)
Embaixador Afonso José Sena Cardoso, Diretor do Departamento de Integração do
Ministério das Relações Exteriores
Embaixador Jorge d´Escragnolle Taunay Filho, Subsecretário-Geral da América do
Sul do Ministério das Relações Exteriores
Ministro Clemente Baena Soares, Diretor do Departamento da América do Sul do
Ministério das Relações Exteriores
Ministro Evandro Didonet, Diretor do Departamento de Negociações Internacionais
do Ministério das Relações Exteriores
Ministro Ademar Seabra da Cruz, Chefe do Setor de Cooperação Acadêmica,
Científica e Tecnológica da Embaixada do Brasil em Montevidéu
Conselheiro José Luis Machado e Costa, Assessor Especial do Ministério da Defesa
Dr. Jorge Calvário dos Santos, Professor, Escola Superior de Guerra
Dra. Laura Maria Correa de Sá Ferreira, Professor, Escola Superior de Guerra
Dr. Claudio Marin Rodrigues, Instrutor, Escola de Guerra Naval
Dr. Claudio Rodrigues Corrêa, Instrutor, Escola de Guerra Naval
Congresso Nacional
Senado
Senador Heráclito Fortes (DEM-PI) Presidente da Comissão de Relações Exteriores
e de Defesa Nacional do Senado Federal
Senador Jarbas Vasconcelos, (PMDB-PE), Comissão de Relações Exteriores e
Defesa Nacional
12
Senador Eduardo Suplicy, (PT-SP), Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional
Senador Flávio Arns, (PT-PR), Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional
Senador João Evangelista da Costa Tenório, (PSDB-AL), Comissão de Relações
Exteriores e Defesa Nacional
Senador Neuto de Conto (PMDB-SC), Representação Brasileira no Parlamento do
Mercosul
Senador Virgínio de Carvalho, (PSC-SE), Comissão de Relações Exteriores e
Defesa Nacional
Senador Jefferson Perez, (PDT-AM), Representação Brasileira no Parlamento do
Mercosul
Senador João Raimundo Colombo, (DEM-SC), Comissão de Assuntos Econômicos
Câmara dos Deputados
Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Ex-Presidente da Câmara dos Deputados,
Membro Titular da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional
da Câmara de Deputados e Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações
Internacionais (CEBRI)
Deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), Membro Titular da Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara de Deputados
Deputado José Genoino (PT-SP), Ex-Membro Titular da Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara de Deputados
Deputado Antônio Carlos Pannunzio, (PSDB - SP), Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional
Deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional da Câmara de Deputados
Deputado Carlito Mess, (PT-SC), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional
Deputado Luis Carlos Hauly, (PSDB-PR), Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional
13
Deputado Raul Jugman, (PPS-PE), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional
Deputado Flávio Bezerra, (PMDB-CE), Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional
Deputado José Francisco Paes Landim, (PMDB-PI), Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional
Deputado Eduardo Benedito Lopes, (PSB-RJ), Comissão de Relações Exteriores e
de Defesa Nacional
Deputado Décio Nery de Lima, (PT-SC), Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional
Deputado Florisvaldo Fier, (Dr. Rosinha, PT - PR), Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional
Deputado George Hilton dos Santos Cecílio, (PP–MG), Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional
Deputado Matteo Rota Chiara, (DEM-RS), Representação Brasileira no Parlamento
do Mercosul
Deputado Pedro Novais Lima, (PMDB-MA), Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional
Líderes Empresariais, Sindicais e de Organizações Não-Governamentais
Líderes Empresariais
Dr. Paulo Antônio Scaf, Presidente, Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP)
Dr. Paulo Roberto de Godoy Pereira, Presidente, Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB)
Dr. Edmundo Klotz, Presidente, Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação
(ABIA)
Dr. Ciro Mortella, Presidente, Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica
(FEBRAFARMA)
14
Dr. Benedicto Fonseca Moreira, Presidente da Associação de Comércio Exterior do
Brasil (AEB)
Dr. José Augusto Coelho, Diretor Executivo da Confederação Nacional da Indústria
(CNI)
Francisco Sérgio de Assis, Presidente, Conselho das Associações de Cafeicultores
do Cerrado (CACCER)
Dr. Marcos Sawaya Jank, Presidente da União da Agroindústria Canavieira de São
Paulo (UNICA)
Dr. Synésio Batista da Costa, Presidente, Associação Brasileira dos Fabricantes de
Brinquedos (ABRINQ)
Dr. Luis Cesário Amaro da Silveira, Presidente, Associação Brasileira da Indústria
Ferroviária (ABIFER)
Dr. Paulo Manuel Potassi, Presidente, Associação Brasileira de Empresas Trading
(ABECE)
Dr. Alberto Pfeifer, Diretor Executivo, Conselho de Empresários da América Latina
(CEAL
Embaixador Rubens Antônio Barbosa, Presidente do Conselho Superior de
Comércio Exterior da FIESP e da Rubens Barbosa & Associados
Dr. Frederico Arana Meira, Coordenador de Negociações Internacionais, Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP)
Dr. Rodrigo Tavares Maciel, Secretário Executivo, Conselho Empresarial BrasilChina (CEBC)
Dr. José da Rocha Pinto, Presidente, Sindicato da Indústria de Material Plástico do
Estado do Rio de Janeiro (SIMPERJ)
Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal, Assessor para Assuntos Internacionais,
Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (SYNDARMA)
Dr. Reinaldo Antônio Gonçalves, Consultor Econômico, Associação Nacional dos
Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (ELETROS)
Líderes Sindicais
15
Sr. João Felício, Secretário de Relações Internacionais, Central Única dos
Trabalhadores (CUT)
Sr. Sérgio Luiz Leite, Primeiro Secretário, Força Sindical
Sr. Kjeld Aargaard Jacobsen, Presidente, Instituto Observatório Social
Líderes de Organizações Não-Governamentais
Sr. João Pedro Stedile, Diretor Nacional, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) e Via Campesina
Dr. Pedro Claudio Cunca Bocayuva, Diretor, Federação de Órgãos para a
Assistência Social e Educacional (FASE)
Dra. Maria Helena Tachinardi, Diretora de Comunicação, Instituto de Estudos do
Comércio e Negociações Internacionais (ICONE)
Dr. Haroldo Mattos de Lemos, Presidente, Comissão Nacional Independente sobre
os Oceanos e Comitê Brasileiro do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (Instituto Brasil PNUMA)
Dra. Jacqueline Pitanguy, Diretora, Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação
(CEPIA)
Dr. Roberto Iglesias, Diretor, Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento
(CINDES) e Consultor da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior
(FUNCEX)
Dr. Renato Bauman, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe no
Brasil (CEPAL)
Dr. Roberto Fendt, Vice-Presidente, Instituto Liberal
Luiz Fernando Antônio, Presidente, ICEX - Instituto de Estudos das Operações de
Comércio Exterior
Dr. Pedro da Mota Veiga, Diretor, Centro de Estudos de Integração e
Desenvolvimento (CINDES)
Dr. Edgard Pereira, Economista-Chefe, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (IEDI)
16
Dra. Sandra Polônia Rios, Diretora, Centro de Estudos de Integração e
Desenvolvimento (CINDES)
Dr. Antônio Gomes da Costa, Presidente, Real Gabinete Português de Leitura
Empresários
Dr. Raymundo Magliano Filho, Presidente, Bolsa de Valores de São Paulo
Dr. Oziris Silva, Presidente do Conselho de Administração, Heltter Business Solution
Dr. Carlos Mariani Bittencourt, Presidente, BBM - Petroquímica da Bahia
Dom Eudes de Orleans e Bragança, Presidente, Vulcan Material Plástico
Dr. Gilberto Prado, Presidente, Renor Refinaria do Nordeste
Dr. Antônio Tadeu Coelho Nardocci, Presidente, Novelis do Brasil
Dr. Joseph M. Tutundjian, Presidente, Winner Comércio Internacional
Dr. Maílson da Nóbrega, Sócio-Diretor, Tendências Consultoria
Dr. Raul Anselmo Randon, Presidente, Fras-Le S.A.
Ministro Marcílio Marques Moreira, Sócio-Diretor, Conjuntura e Contexto
Dr. Otacílio José Coser, Presidente do Conselho de Administração, Coimex
Internacional
Dr. Guido Orlando Greipel, Presidente, Famossul Indústria e Comércio de Móveis
Dr. Roberto Luiz Fernandes Celano, Diretor Presidente, Tradewell do Brasil
Dr. Joel Korn, Presidente, WIK Brasil Serviços
Hélio
Graciosa,
Presidente,
Centro
de
Pesquisa
e
Desenvolvimento
em
Telecomunicações (CPqD)
Ingo Plöger, Presidente, IP Desenvolvimento Empresarial e Institucional
Dr. José Rubens Spada, Diretor Presidente, Unnafibras
Dr. Henrique Rzezinski, Vice-Presidente de Relações Externas, Embraer
Dr. Tito Botelho Martins, Diretor Executivo de Assuntos Corporativos e Energia da
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)
Dr. Lysias Augusto Magalhães Dantas Iltapicuru, Presidente, Lysias Itapicurú
17
Dr. Carlos Eduardo Lins da Silva, Diretor, Patri Relações Governamentais &
Políticas Públicas
Dr. Darc Antonio da Luz Costa, Presidente da DLC Desenvolvimento, Logística e
Cenários
Dra. Alida Maria Fleury Bellandi, Vice-Presidente, Guarany
Dr. Ricardo Sennes, Sócio-Diretor, Prospectiva
Dr. Adriano José Pires Rodrigues, Diretor, Centro Brasileiro de Infra-Estrutura
(CBIE)
Dra. Alejandrina Silvia Dominguez, Relações Internacionais, Petrobras
Dr. Renato Amorim, Diretor de Relações Internacionais, Vale
Dr. Tomás Málaga, Economista-Chefe, Banco Itaú
Dra. Ana Carla Ferraz, Gerente de Exportação, Vertical Br
Dra. Camila Ferreira Mation, Assessora de Relacões com Investidores e
Planejamento Estratégico, Eternit S.A.
Dra. Patrícia de Oliveira e Silva, Assessora, Rexam Beverage Can Americas
Dra. Renata Bley, Assessora de Relações Governamentais, Rodhia Brasil
Dr. Carlos Eduardo Cruz de Souza Lemos, Gerente de Relações Governamentais,
DaimlerChrysler do Brasil
Acadêmicos e Jornalistas
Acadêmicos
Professor Hélio Jaguaribe de Mattos, Decano do Instituto de Estudos Políticos e
Sociais (IEPES)
Embaixador Sérgio Silva Amaral, Diretor do Instituto de Estudos Internacionais e do
Centro de Estudos Americanos da Fundação Armando Álvares Penteado
(FAAP)
Professora Maria Regina Soares de Lima, Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro (IUPERJ)
18
Professor Marcelo Abreu, Departamento de Economia da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)
Professor José Augusto Guilhon de Albuquerque, Núcleo de Pesquisa em Relações
Internacionais da Universidade de São Paulo (NUPRE-USP)
Professora Mônica Hirst, Universidad Torcuato di Tella
Professor Oliveiros Ferreira, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e Programa de Estudos Pós-Graduados da FFLCH da Universidade de
São Paulo.
Professora Letícia de Abreu Pinheiro, Instituto de Relações Internacionais da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI-PUCRJ)
Professor Paulo Roberto de Almeida, Centro Universitário de Brasília (UNICEUB)
Dr. Paulo Sotero, Diretor, Brazil Institute, Woodrow Wilson International Center for
Scholars
Professora Maria Hemínia Tavares de Almeida, Universidade de São Paulo (USP)
Professor Eliezer Rizzo de Oliveira, Núcleo de Estudos Estratégicos da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Professor Edmar Lisboa Bacha, Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa
das Garças (IEPE/CdG)
Professor Antônio Jorge Ramalho, Diretor, Centre d'Etudes Brésiliennes, Haïti, e
Professor, Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília
Professora Amália Inês Garaiges de Lemos, Programa de Pós-Graduação em
Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM/USP)
Professor Cesar Guimarães, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(IUPERJ)
Professor Benício Vieira Schmidt, Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre a
América Latina (CEPPAC) da Universidade de Brasília (UNB)
Professor Jorge Zaverucha, Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da
Universidade Federal de Pernambuco
19
Professor Marcus Faro de Castro, Departamento de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UNB)
Professor João Bosco Mesquita Machado, Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Professor Octávio Amorim Neto, Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGVRJ)
Professor Henrique Carlos de Oliveira Castro, Centro de Pesquisa e Pós-graduação
sobre as Américas (CEPPAC) da Universidade de Brasíila (UNB)
Professor Cláudio Couto, Departamento de Ciência Política da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Professor Bernardo Sorj, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais
Professor Paulo-Edgar Almeida Rezende, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo e membro titular do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais
Professor Salvador Razza, Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e
Segurança (CETRIS)
Professor Wanderley Messias da Costa, Universidade de São Paulo
Professor Renato Galvão Flôres Jr., Fundação Getúlio Vargas
Jornalistas
Jornalista Antônio Carlos Pereira, O Estado de São Paulo
Jornalista Cristiano Romero, Valor Econômico
Jornalista Eliane Cantanhede, Folha de São Paulo
Jornalista Merval Pereira, O Globo
Jornalista Heródoto Barbeiro, Rádio CBN
Jornalista José Roberto Burnier, TV Globo
Jornalista Hélio Schwartzman, Folha de São Paulo
Jornalista Sérgio Leo, Valor Econômico
Jornalista Kennedy Alencar, Folha de São Paulo
Jornalista Ariosto Teixeira, Valor Econômico
20
Jornalista Valdo Cruz, Folha de São Paulo
Jornalista Humberto Saccomandi, Valor Econômico
Jornaista Soraia Aggege, O Globo
Jornalista Uirá Machado, Folha de São Paulo
Conselheiros
e
Consultores
do
Centro
Brasileiro
de
Relações
Internacionais
Embaixador José Botafogo Gonçalves, Ex-Ministro de Indústria e Comércio e
Presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)
Embaixador Luiz Felipe Lampreia, Ex-Ministro das Relações Exteriores e VicePresidente Nato do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)
Almirante Mário Cesar Flores, Ex-Ministro da Marinha e Conselheiro do Centro
Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)
Embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, Ex-Embaixador do Brasil na França e
Vice-Presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)
Embaixador Roberto Pinto Ferreira Mameri Abdenur, Ex-Embaixador do Brasil nos
Estados Unidos e Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais
(CEBRI)
Embaixador João Clemente Baena Soares, Ex-Secretário Geral da Organização dos
Estados Americanos (OEA) e Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações
Internacionais (CEBRI)
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Esse estudo beneficiou-se do extraordinário ambiente de debates e intercâmbio de
idéias propiciado pelo CEBRI. Seu presidente, Embaixador José Botafogo
Gonçalves, e sua Diretora Executiva, Denise Gregory, foram uma permanente fonte
de apoio e incentivo. Destaque-se também o generoso patrocínio da Swiss Agency
for Development and Cooperation (SDC), sem o qual esse estudo não poderia ter
sido feito.
Agradeço também aos membros da Força Tarefa Independente O Brasil na América
do Sul, coordenada por Maria Regina Soares de Lima, Pedro da Motta Veiga e
Sandra Polônia Rios, pela oportunidade de colocar à prova muitas das idéias aqui
21
externadas2. Essas idéias foram também debatidas na Conferência sobre o Brasil,
promovida em setembro de 2007 pelo Woodrow Wilson Center for International
Scholars e The Brookings Institution, em Washington.
Ana Villela coordenou as atividades de pesquisa e Bruno Magalhães cuidou do
levantamento e resenha da bibliografia. Adriana de Queiroz, Mariana Luz, Christiane
Sauerbronn e Elizabeth Jobe não mediram esforços para o bom andamento dos
trabalhos. O autor consigna a todos os seus agradecimentos mas assume a
exclusiva responsabilidade pelas opiniões aqui externadas.
O AUTOR
Amaury de Souza é Doutor em Ciência Política pelo Massachusetts Institute of
Technology e foi bolsista do Woodrow Wilson International Center for Scholars. É
sócio-diretor da Techne e da MCM Consultores Associados. Suas publicações
recentes incluem Brazil and China: An Uneasy Partnership (Miami: University of
Miami, Center for Hemispheric Policy, 2008); Political Reform in Brazil: Promises and
Pitfalls (Washington, D.C.: Center of International and Strategic Studies, 2004);
“Brazil in a Globalizing World” no livro The European Union, Mercosul and the New
World Order, organizado por Helio Jaguaribe e Álvaro de Vasconcellos (London:
Frank Cass, 2003); e o capítulo sobre “Brazil” no livro Guidance for Governance,
organizado por R. Kent Weaver e Paul B. Stares (Tokio: Japan Center for
Internacional Exchange, 2001).
Entre 2000 e 2001, coordenou a pesquisa sobre A Agenda Internacional do Brasil:
Um Estudo sobre a Comunidade Brasileira de Política Externa, realizada pelo
Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).
22
O relatório da Força Tarefa, intitulado O Brasil na América do Sul, encontra-se em
http://www.cebri.org.br/pdf/427_PDF.pdf.
22
INTRODUÇÃO
As percepções dos atores direta ou indiretamente influentes constituem um
ângulo privilegiado para a compreensão da política pública em determinada área.
Foi a partir desta premissa que o CEBRI realizou dois surveys junto à comunidade
brasileira de política externa, o primeiro em 2001 e o segundo em 2008. O desenho
dos dois levantamentos objetivou assegurar um alto grau de comparabilidade
temporal no que se refere a um núcleo de questões básicas, mas também uma
importante complementaridade temática, como a seguir se expõe. 3
Do ponto de vista temático, o primeiro projeto foi mais abrangente,
objetivando mapear o pensamento da comunidade brasileira de política externa em
relação a praticamente todas as áreas consideradas relevantes para o Brasil, ao passo
que o segundo, de 2008, focalizou mais especificamente as opções brasileiras no
âmbito da América Latina.4
O cenário mundial sofreu mudanças portentosas ao longo da última década.
Numerosos países, o Brasil inclusive, precisaram se ajustar a novas realidades. Essas
novas realidades visivelmente condicionaram as agendas dos dois presidentes
brasileiros do período, ambos aliás notavelmente atuantes na esfera internacional. O
presidente Fernando Henrique Cardoso norteou a política externa do país durante
dez anos, primeiro como chanceler (1992–1993) e depois como presidente da
República (1995–2002), imprimindo um forte sentido liberalizante aos esforços do
Brasil tanto no plano doméstico como no internacional. Seu sucessor, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva tem priorizado a reforma das instituições de governança
global, alianças com potências regionais em todo o mundo e a projeção do Brasil na
América do Sul.
3
A metodologia do estudo está descrita nos Apêndices.
4
Completada entre maio e agosto de 2001 e intitulada A Agenda Internacional do
Brasil: Um Estudo sobre a Comunidade Brasileira de Política Externa, a
pesquisa está disponível no site do Centro Brasileiro de Relações Internacionais
(http://www.cebri.org.br/pdf/101_PDF.pdf).
23
Nesse contexto, a comparação intertemporal dos resultados das pesquisas
reveste-se de considerável importância em termos não só acadêmicos, mas também
práticos. Avaliar em que medida as iniciativas de política externa implementadas
durante esses anos refletem dissensos profundos a respeito das opções estratégicas
do país ou, ao contrário, conformam com o curso de sua tradição diplomática é o
objetivo mais geral deste estudo.
Desafios e oportunidades globais
O Cebri acabara de concluir a primeira pesquisa (agosto de 2001) quando
sobrevieram os ataques às torres do World Trade Center e ao Pentágono, pondo por
terra a nova ordem internacional que começava a se delinear como sucedâneo da
Guerra Fria. Como que a materializar as inquietantes premonições que aquela ação
terrorista disseminara por toda parte, a economia argentina entrou em colapso,
comprometendo seriamente o projeto de um mercado comum no Cone Sul. Do
ponto de vista brasileiro, tais acontecimentos significavam, nem mais nem menos,
que dois dos países centrais em nosso mapa estratégico haviam sido atingidos por
duros golpes em um curto espaço de tempo.
Por outro lado, o 11 de setembro facilitou a deflagração de novos impulsos à
globalização. A reunião ministerial dos países-membros da Organização Mundial do
Comércio (OMC), realizada em Doha, no Emirado do Catar, em novembro de 2001,
consagrou a idéia de que o combate ao terrorismo não podia ser concebido como
uma operação apenas militar , e sim como uma esforço coordenado e de longo prazo
com vistas a remover suas causas: a pobreza e a instabilidade crônica das economias
menos desenvolvidas. O resultado foi o deslanche de uma nova rodada de
negociações com o objetivo de reduzir tarifas e eliminar subsídios à produção e
entraves à exportação de bens agrícolas para os mercados dos países desenvolvidos.
Com o benefício do retrospecto, sabemos que a Rodada Doha, embora
iniciada em circunstâncias propícias – uma forte expansão do comércio global -,
enveredou por uma sucessão de impasses que a haveriam de paralisar, sete anos
mais tarde. O fiasco de Doha espalhou uma densa nuvem de pessimismo, se bem
24
que a suspensão das negociações dificilmente comprometerá o dinamismo do
comércio mundial.
O 11 de setembro foi uma demonstração dramática de uma crença
amplamente difundida, a de que as fronteiras geográficas vêm perdendo relevância
como fator de contenção, inexistindo segurança total, mesmo nos Estados nacionais
mais poderosos, contra ameaças que poucas décadas atrás podiam ser vistas como
remotas. A decisão dos Estados Unidos de manter a supremacia militar a qualquer
custo acarretou alterações profundas no xadrez geopolítico mundial. A prioridade
conferida à guerra ao terrorismo passou a condicionar em grau elevado as opções
estratégicas de países centrais e potências regionais de todo o mundo. Até onde a
vista alcança, os Estados Unidos não se resignarão a perder a primazia militar. Ao
contrário, cuidarão de reforçá-la , não obstante os dissensos e impasses que as
intervenções militares no Iraque e no Afeganistão lhes valeram. Escusado dizer que
esse movimento de expansão poderá acirrar, com óbvios riscos, a disputa entre as
grandes potências por esferas de influência, tendência ao que parece já ilustrada pelo
ataque da Rússia à Geórgia pelo controle da Ossétia do Sul.
A emergência dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) parece ter aumentado
e não reduzido as incertezas que pairam sobre a economia global. Em 2004, quando
a Goldman Sachs começou a designar como Brics os quatro países que, ao ver dela,
formariam a vanguarda econômica e demográfica da segunda metade deste século, a
revelação de que eles já congregavam quase metade da população e um terço da
riqueza global deixou entrever um potencial estratégico que eles próprios pareciam
desconhecer. Dotados de imensos territórios e populações, os BRICs revalorizaram a
visão de um papel indutor da globalização no desenvolvimento de todos os países
por meio da expansão dos fluxos de comércio e de investimentos e, de quebra,
puseram em questão a hipótese de uma relação unívoca entre desigualdade e
globalização. A China e a Índia são os personagens mais exuberantes desse roteiro,
mas, à parte a África, imensas parcelas da população vêm sendo incorporadas ao
mercado consumidor em todo o mundo .
25
A outra face desse processo é o impacto arrasador da concorrência chinesa
sobre a indústria em práticamente todo o mundo, Europa e Estados Unidos
inclusive. Se o crescimento chinês tem sido altamente benéfico para os países
exportadores de produtos básicos, sobretudo os da América do Sul, a voracidade
com que ele consome matérias-primas elevou a níveis estratosféricos os preços das
principais commodities energéticas, agrícolas e metálicas e trouxe para o primeiro
plano uma série de questões prementes em relação à segurança alimentar, poluição
ambiental e à emissão de gases associados ao efeito estufa e à mudança climática.
Os países emergentes também demandam maior e mais decisiva participação
nas decisões de alcance global. Um dos argumentos mais instigantes é o de que a
alocação de poder nas instituições multilaterais erguidas na esteira da II Grande
Guerra já não corresponde à sua distribuição no mundo atual. Eis o dilema com que
se defronta atualmente o sistema internacional. Para prosperar, ele depende do
sucesso da globalização econômica, mas este pode gerar forças empenhadas na
destruição do status quo. A resistência a reformas tem sido tenaz, alimentada pela
percepção dos países desenvolvidos de que já não lideram o dinamismo global. A
resolução desse impasse consistirá em incorporar os países emergentes sem alienar o
ânimo dos países que detém posições na estrutura global de poder. A legitimidade e
porventura a própria continuidade da atual ordem multilateral dependem do
sucesso dessa iniciativa.
Desafios e Oportunidades Regionais
O recente colapso das negociações da Rodada Doha atingiu o Brasil com
especial contundência. Sem avanços no plano multilateral, o país enfrentará terreno
mais áspero na busca de acordos bilaterais ou regionais de comércio, com o
agravante de não ter concluído nenhum acordo comercial importante nesta década.
Desde 2001, soçobraram as negociações da Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA) e do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia. Em
conseqüência, fragilizou-se a ambiciosa estratégia do Itamaraty de negociar uma
extensa agenda em vários tabuleiros, recorrendo ao jogo multilateral para demandar
regras mais equânimes em áreas nas quais seu poder de barganha era limitado,
26
como o comércio agrícola e disciplinas globais, e ao plano regional para negociar o
acesso a mercados.
A importância de Doha não pode ser subestimada. Foi a primeira negociação
multilateral de comércio na qual as economias emergentes exerceram influência
decisiva. Deveu-se isso à iniciativa do Brasil de liderar a criação do Grupo dos 20
(G-20), que alistou a China, Índia e África do Sul na resistência às imposições dos
Estados Unidos e União Européia nas negociações do comércio agrícola. Por
irônica coincidência, coube ao G-20 precipitar o malogro da Rodada na medida em
que a Índia e
a China preferiram
proteger sua agricultura a enfrentar a
concorrência de produtores agrícolas mais eficientes, entre os quais o Brasil.
A decisão brasileira de apoiar a proposta da direção-geral da OMC para
fechar o acordo da Rodada Doha, que previa cortes de tarifas e subsídios agrícolas
nos países desenvolvidos em troca da redução de tarifas industriais nos países em
desenvolvimento, colocou em xeque a estratégia de alinhamento sul-sul
preconizada pelo Itamaraty e expôs o crescente distanciamento entre os objetivos
globais e regionais do Brasil. Com a rápida expansão das exportações a partir de
2002, o Brasil abriu uma substancial vantagem no âmbito global. A nova situação de
competitividade gerou pressões internas por uma posição mais agressiva nas
negociações agrícolas e mais receptiva a propostas de redução de tarifas
industriais.
Ao tomar rumo oposto ao da Argentina, que se recusou a aumentar a
abertura de seu mercado para importações industriais, o Itamaray sinalizou um
ponto de inflexão que levanta graves questionamentos sobre o Mercosul. A trajetória
do bloco tem-se caracterizado por movimentos desconexos ora em direção ao
aprofundamento, buscando consolidar-se como união aduaneira, ora em direção ao
alargamento, atraindo novos sócios. Sem entendimento sobre as condições internas
de comércio e avessos a compartilhar posições de política exterior, o Brasil e a
Argentina limitam a capacidade do Mercosul de negociar em bloco ou de traçar uma
estratégia consistente para a integração regional.
Dois
acontecimentos
recentes
aumentaram
os
riscos
inerentes
ao
mencionado movimento pendular do Mercosul. De um lado, o fracasso da ALCA
abriu caminho para que os Estados Unidos negociasse acordos bilaterais com
27
diversos países sul-americanos, como o Chile, Peru e Colômbia, ampliando o
alcance dos acordos de livre comércio da América do Norte (NAFTA) e da América
Central (CAFTA). De outro, uma nova safra de governantes da Bolívia, Equador e
Nicarágua, de inclinação estatizante e antinorte-americana, coligou-se à Venezuela
a fim de formar a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) e atuar como
contrapeso à influência dos Estados Unidos.
Equilibrando-se entre considerações de natureza geopolítica e a proliferação
de acordos bilaterais com os Estados Unidos, o Brasil ensaiou uma fuite en avant:
subtraiu os temas comerciais de seu interesse da agenda de integração regional,
substituindo-os
por um extenso rol de iniciativas de colaboração em áreas tão
diversas quanto energia, infra-estrutura de transportes, meio ambiente, combate a
pobreza, financiamento para o desenvolvimento, educação e cultura, redução de
assimetrias entre países, segurança, integração de cadeias produtivas e ciência e
tecnologia. O resultado tomou a forma de uma improvável União de Nações Sulamericanas (UNASUL), que supostamente orbitaria em torno do Mercosul mas que,
na prática, não ultrapassou o plano das formalidades protocolares.
Não menos complicada poderá ser a eventual admissão da Venezuela ao
Mercosul como membro pleno e com um prazo dilatado para se adaptar às regras
da união aduaneira. A se consumar, a admissão da Venezuela poderá dificultar
seriamente a capacidade do Brasil de negociar em nome do Mercosul, sobretudo se
o interlocutor for os Estados Unidos. As divergências de orientação entre o Mercosul
e a ALBA não se resumem à pauta comercial e econômica. Após o 11 de setembro,
o deslocamento da área de influência militar norte-americana até a fronteira do
Panamá afetou as configurações do preparo militar nos países andinos, com
aumento do poderio bélico da Venezuela, Colômbia e Peru. Nessas circunstâncias,
a incursão militar da Colômbia em território do Equador para destruir um
acampamento das FARC deixou esses dois países à beira da guerra, situação
agravada pelo deslocamento de forças venezuelanas para a fronteira.
De fato, nos moldes atuais, a ALBA é também uma aliança militar e de
defesa mútua entre os países-membros. Sua consolidação segundo esse modelo
poderá esvaziar no nascedouro a proposta brasileira de um Conselho SulAmericano de Defesa no bojo da UNASUL. Concebido pelo Brasil como órgão de
articulação de políticas de defesa, esta proposta não suscitou interesse entre os
28
países inclinados a criar uma força militar regional, entre os quais a Venezuela e o
Equador, ou entre os que relutam em aderir a um orgão de defesa do qual os
Estados Unidos estariam automaticamente excluídos, caso da Colômbia.
Esse conjunto de fatores debilitantes torna problemática a proposta de uma
integração regional profunda por parte da diplomacia brasileira. Num quadro como o
que se vem delineando - uma competição acirrada entre projetos incongruentes
entre si –, ao Brasil talvez convenha comprometer-se com um projeto mais rente à
realidade, sem entretanto abandonar seu discurso sobre a importância simbólica da
integração regional.
29
Capítulo 2
O BRASIL E O SISTEMA INTERNACIONAL
Envolver-se mais e participar ativamente das questões internacionais é o que
aspira para o país a comunidade brasileira de política externa. Pelos dados da
pesquisa, 97% dos entrevistados é a favor de uma atuação internacional mais ativa,
resposta que confirma o patamar encontrado em 2001 (99%). Hoje, como no
passado, apenas 1% dos respondentes acredita que o país deve “manter-se à
distância dos problemas mundiais”, como mostra o gráfico a seguir.
A suposição de que o Brasil é considerado importante apenas no exterior
mas não em seu próprio solo, onde prevaleceria uma visão negativa de si próprio e
das chances de se projetar internacionalmente, não encontra respaldo nos dados.
Na verdade, as respostas evidenciam o inverso. Uma das questões da pesquisa
indaga quão mais importante é o papel internacional que o Brasil desempenha hoje
30
em comparação com o que desempenhava dez anos atrás. Oito em cada dez
entrevistados (85%) apontam uma posição de maior destaque hoje.
Constata-se a mesma tendência em relação aos próximos dez anos. Nove
em cada dez entrevistados (91%) acreditam que o Brasil terá uma presença
internacional ainda mais importante no futuro. Os resultados encontram-se no
gráfico abaixo.
Imbuídas de um novo sentimento de confiança no potencial do país,
acentuou-se ao longo da década a aspiração das elites brasileiras de tornar o Brasil
um ator na política mundial. Entretanto, uma presença mais afirmativa no cenário
internacional encerra pelo menos dois riscos.
O primeiro consiste em buscar avançar os interesses nacionais sem entender
as mutações por que passa o mundo. Nas duas últimas décadas, o eixo das
preocupações internacionais se deslocou no sentido Leste-Oeste para Norte-Sul à
medida em que o desfazimento da antiga ordem bipolar colocou em primeiro plano a
redução das graves desigualdades que separam as economias desenvolvidas da
maioria dos países do mundo. Essa nova agenda ganhou consistência com a
31
ascensão na ordem internacional de países até recentemente confinados à
categoria de Terceiro Mundo, como a China e a Índia.
Ter uma avaliação realista dos recursos de que dispõe para fazer sua
projeção internacional é o segundo risco com que se defronta o país. Uma pesada
agenda internacional tem obrigado o Brasil a se desdobrar em inúmeras frentes, da
negociação multilateral de comércio da Rodada Doha à recente criação da União
das Nações Sul-Americanas (UNASUL), buscando participar simultaneamente dos
vários tabuleiros onde se delibera sobre seus interesses. Outra frente com a qual o
país se comprometeu é a participação na governança do sistema mundial. Menos
do que um exercício de múltiplas competências, há quem veja nesta agenda um
elemento de auto-engano. Um embaixador com longa folha de serviços ao país
resume a questão nos seguintes termos:
“A prioridade da política externa é combinar ambição com realismo. Por
exemplo, queremos e temos o direito de ser membros do Conselho de
Segurança da ONU. Mas temos cacife para isso? Se não temos meios e
queremos bancar tudo, acabamos nos dispersando e cavalgando em todas
as direções, sem maiores conseqüências. Política externa é relação de
poder. Joaquim Nabuco já dizia: “O homem não fica mais alto dando pulos”.
Se o Brasil quer ter presença, que cresça e apareça”.
O fato do Brasil disputar influência e poder no contexto de uma ordem
globalizada em transformação empresta especial relevância à visão que se tem o
sistema internacional no futuro.
A Futura Geometria de Poder
De uma lista de oito países, solicitou-se aos entrevistados indicar o grau de
importância do papel internacional que desempenharão dentro de dez anos.
Os BRICs - China (97%), Índia (94%), Brasil (91%) e Rússia (63%), seguidos
pela África do Sul (57%) - são as potências emergentes da nova ordem
internacional, segundo a opinião majoritária da comunidade brasileira de política
externa.
32
No outro extremo, a maioria dos entrevistados também acredita que os
países que constituem o núcleo dominante da política internacional - Alemanha
(82%), Estados Unidos (76%) e Japão (75%) - continuarão a desempenhar no
futuro papel tão importante ou até de maior importância do que desempenham hoje.
Por outras palavras, a nova ordem internacional tenderá para a multipolaridade mas
conviverá com a concentração de poder nos Estados Unidos, União Européia e
Japão, como mostram os dados no gráfico abaixo. Além do poder econômico,
também não se percebe um declínio do poder unipolar dos Estados Unidos no
âmbito estratégico-militar, para o qual dispõe de orçamento que praticamente
supera a soma dos gastos militares do resto do mundo.
33
Não era essa a percepção que prevalecia no início da década. A China e o
Brasil mantiveram a posição de destaque no futuro antevista pelos entrevistados em
2001. Aguçou-se porém a avaliação da importância futura da Rússia (que subiu de
49% para 63% das respostas), da Índia (73% para 94%) e da África do Sul (39%
para 57%). E ocorreu o inverso no tocante à importância futura da Alemanha (que
34
caiu de 64% para 28%), Estados Unidos (49% para 15%) e Japão (29% para 16%),
como mostra o gráfico a seguir.
Os BRICs, cujo crescente peso na cena internacional do futuro é vaticinado
pela maioria dos entrevistados, eram conhecidos no passado como “paísesmonstros” ou “países-baleia” em virtude de seus imensos territórios e populações e
35
de sua dificuldade em mudar de curso, integrando-se à economia global ao invés de
se aferrarem à introspecção e à tendência de crescimento endógeno.
Pôr nome a esse grupo de países também revelou sua posição relativamente
secundária nos diretórios mundiais de poder. Como legado da Guerra Fria, a Rússia
e a China, ao lado dos Estados Unidos, França e Inglaterra, mantém assento
permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas ao passo que Brasil e
Índia pelejam para serem admitidos. E apenas a Rússia participa do G-8, fórum que
reúne os países mais ricos do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França,
Inglaterra, Itália e Canadá). Não é algo que impaciente um experimentado
embaixador, para quem a inclusão se acha próxima:
“Daqui a pouco tempo, existirá um G8 ampliado, com China, Índia,
Brasil, África do Sul, México e algum país islâmico como Turquia,
Egito ou Paquistão. A reforma do Conselho de Segurança não
avançará mas ampliar o G8 é factível. Como Rússia já está no G8,
com cinco ou seis acréscimos será criado um fórum formidável, com
80% ou 90% do PIB mundial. O Brasil está chegando lá”.
É concebível que a tendência atual aponte para um mundo multipolar no
futuro, no qual o poder se torne progressivamente menos concentrado, sobretudo
na esfera econômica, fortalecendo as potências emergentes. Não obstante a isso,
os BRICs ainda estão longe de exercer influência como um bloco coeso. A recente
reunião entre os ministros do Exterior dos quatro países em Yekaterinburgo, na
Rússia, pressagia porém uma participação conjunta na defesa dos seus interesses,
os quais coincidem com os interesses de praticamente a metade da população do
planeta.
Estratégias de inserção internacional
Em 2001, os depoimentos coligidos junto à comunidade brasileira de política
externa delineavam duas grandes estratégias para a inserção mundial do Brasil.
A primeira estratégia consiste em ajustar as prioridades do Brasil às
transformações mundiais, adotando uma postura de coerência e confiabilidade,
promovendo a concorrência e fortalecendo as regras de mercado na economia
doméstica, fortalecendo as instituições e normas multilaterais que possam refrear
condutas unilaterais no cenário mundial. A autonomia, nesta visão do sistema
36
internacional, deriva da capacidade de cooperar para o fortalecimento de normas e
instituições que nivelem o campo de jogo e imponham limites à imposição de
interesses entre países desiguais em poder e influência.
Na percepção de um empresário experiente em questões de comércio
exterior:
“Nosso futuro está na consolidação de uma aliança com os Estados Unidos.
Mas essa é uma visão que desperta profunda resistência no nosso
establishment. Não houve determinação ou visão estratégica para superar os
obstáculos na negociação da ALCA, não houve vontade política para arriscar
esse salto. Os Estados Unidos puderam se dar ao luxo de dar baixa
prioridade à ALCA, mas nós não. Eles são uma prioridade para o Brasil muito
maior do que somos uma prioridade para eles”.
A segunda estratégia sustenta que a inserção mundial do Brasil exige a
capacidade de articular um projeto nacional autônomo baseado em políticas ativas
de desenvolvimento, o qual não coincide necessariamente com a agenda externa de
liberalização comercial; a mudança das regras internacionais vigentes, tidas como
enviesadas em favor dos interesses dominantes; a criação de alianças horizontais
com países que têm interesses similares e se disponham a resistir às imposições
das potências dominantes, diluindo a unipolaridade do sistema internacional e
consolidando uma ordem internacional multipolar. Autonomia, segundo esta
vertente, consiste em mudar a ordem internacional, alterando a atual correlação de
forças existente no cenário mundial.
Opina um deputado que comanda o respeito de seus pares em matéria das
relações internacionais do país:
“Avalio positivamente nossa política externa para a América do Sul bem
como as idéias de uma relação Sul-Sul, a busca da integração e cooperação
baseados no multilateralismo, na paz, no repúdio ao terrorismo e ao
fundamentalismo. Nossa debilidade é a falta de recursos para viabilizar
projetos. A política está bem desenhada, mas não temos investimentos. Por
isso, essa relação deve ser vista como um processo para não criar
expectativas ou pessimismo sobre os propósitos do Brasil”.
37
Como projeção do futuro político, priorizar a integração com a América do Sul
e formar alianças com potências emergentes, como a China, a Índia e a Rússia, que
possam servir de contrapeso ao poder das potências hegemônicas constitui o fulcro
desta segunda perspectiva e o principal ponto de divergência com a primeira, que
dá prioridade ao acesso aos mercados dos países ricos.
Perguntou-se aos entrevistados qual seria a melhor estratégia para a
inserção do Brasil no mercado mundial. Priorizar negociações comerciais com os
países desenvolvidos do Norte (União Européia, Estados Unidos e Japão) teve o
apoio de quase um terço dos entrevistados (26%). Outro terço (31%) optou por
priorizar negociações comerciais com os países da América do Sul e outros grandes
países em desenvolvimento fora da região, como a Índia, China e África do Sul. Os
resultados encontram-se no gráfico a seguir:
Embora a questão polarize as respostas de mais da metade dos
entrevistados, o dado mais interessante a registrar é que um significativo número
prefere perseguir ambas as estratégias (41%). Na avaliação de um empresário:
38
“Não vejo como polarizadas as opções entre negociar com países
desenvolvidos ou com países em desenvolvimento. Vejo como prioritária a
integração do espaço econômico regional, mas não de forma excludente com
outras estratégias multilaterais e bilaterais”.
Para outro empresário o relacionamento com países ricos e com países do
eixo Sul-Sul reforça a busca pelo Brasil da diversificação geográfica do comércio e o
aprofundamento de suas relações bilaterais em todo o mundo. Na sua opinião:
“O ideal seria uma combinação das duas opções: fazer acordos com países
desenvolvidos e ingressar na OCDE e integrar-se com os grandes países em
desenvolvimento e com a América do Sul, se necessário revendo ou até
abolindo o Mercosul”.
É opinião compartilhada por um líder de organização não-governamental,
cuja ênfase todavia é a necessidade de fortalecer o multilateralismo:
“Deve-se priorizar uma conclusão ambiciosa e equilibrada da Rodada Doha.
No entanto, deve-se trabalhar também numa agenda de acordos com os
países desenvolvidos que representam os grandes mercados.”
A
divisão
Norte-Sul
afigura-se
incompreensível
para
influente
líder
empresarial pois a opção preferencial pela comércio com potências regionais
emergentes, como a China, a Rússia ou a Índia, ignora a realidade da sólida
inserção do Brasil na economia do hemisfério. Nas suas palavras:
“A prioridade da política comercial deve ser as três Américas, onde é maior o
conjunto das exportações. Nossas commodities vão para o comércio global
mas os manufaturados vão para os mercados regionais”.
Alusões à idéia de um alinhamento Sul-Sul muitas vezes indicam mais o
interesse em promover a aproximação entre o Brasil e os países vizinhos do que a
formação de alianças horizontais com mercados emergentes fora da região. “A
América do Sul é nossa âncora, resumiu experimentado embaixador. “Ela mostra
que a geografia é mais importante do que a história. Países mudam a história, mas
nenhum mudou a geografia.” Além desse fator de avizinhação, as economias sulamericanas estão hoje interligadas por fluxos de comércio de importância
crescente. “A priorização de política externa tem correspondido ao crescimento de
39
relações comerciais do Brasil na América do Sul”, explica um empresário. “Não se
imaginava que isso pudesse acontecer, colocando a América do Sul no mesmo
patamar que a Europa em termos de saldos comerciais fortes e crescentes com os
países da região”. Integrar o continente, nesta concepção, representaria etapa
incontornável para a plena inserção do Brasil na economia internacional.
Pode-se concluir que parcela importante da comunidade brasileira de política
externa segue polarizada por duas visões sobre a inserção internacional do Brasil.
Apenas pressentida no início desta década, essa divisão acentuou-se e ganhou
maior dimensão no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o
comando da política externa foi confiado a expoentes da tendência contrária à
agenda liberalizante até então vigente.
É todavia discutível se esta clivagem mantém hoje a mesma nitidez que tinha
no passado. Em várias outras dimensões de política externa, observa-se um grau
de convergência muito maior do que se poderia supor, indicando significativa
continuidade com as orientações do passado.
40
Capítulo 3
PRIORIDADES DA AGENDA INTERNACIONAL DO BRASIL
As aspirações do Brasil na cena mundial têm como referência fundamental,
em primeiro lugar, a identificação dos países nos quais tem um interesse vital.
Essas prioridades geopolíticas constituem a base de alianças estratégicas visando
fortalecer a presença do país no cenário internacional. Em segundo lugar,
encontram-se as ameaças externas aos seus interesse, as quais incluem desde as
assimetrias econômicas e os enfrentamentos bélicos clássicos até novas ameaças
de natureza mais difusa e de alcance transnacional, como o aquecimento global, a
pobreza, os direitos humanos, a proliferação de armas de destruição em massa, as
epidemias globais e o tráfico internacional de drogas. Por fim, às percepções de
interesses e de ameaças soma-se a atribuição de importância aos diversos os
objetivos de política externa, dentre os quais sobressaem a projeção de sua
liderança na região e a participação nos foros internacionais onde se delibera sobre
normas e regras internacionais.
Prioridades Geopolíticas
A Argentina (95%), os Estados Unidos (94%) e a China (92%) são
unanimente reconhecidos como países nos quais o Brasil tem um interesse vital,
ainda que o tenha por diferentes razões econômicas, políticas ou de segurança
externa e a despeito de estarem situados em cantos opostos do mundo. Não se
trata de percepções atreladas à evolução recente das relações bilaterais. Atribuia-se
a estes países a mesma prioridade no início da década, exceção a China, que
saltou de 82% para 92% do total de respostas.
Convém ter em conta as diferenças entre eles. Unidos por fortes laços, o
interesse vital do Brasil na Argentina funda-se em fatores geopolíticos e
econômicos. “A aliança Brasil-Argentina já não é mais uma alternativa, mas um
imperativo”, resume um diplomata. Superou-se uma conflituosa tradição de
vizinhança, alimentada durante décadas pela desconfiança mútua, e a formação do
Mercosul simboliza essa nova união. Não obstante a isso, persistem os conflitos
dentro do bloco. Na percepção de experiente embaixador:
41
“O eixo básico é a relação Brasil-Argentina, uma relação complicada desde
Menem até Kirchner. A questão geopolitica entre nós foi resolvida. Mas como
equacionar a questão do Mercosul? O Mercosul original dos quatro sócios é o
fulcro da integração econômica da América do Sul”.
Pelo menos desde 1999, quando o Brasil desvalorizou sua moeda, os
argentinos clamam pela reparação de perdas no comércio bilateral, exigindo
salvaguardas. Esse clamor por maior proteção, que encontrou eco no governo do
presidente Nestor Kirchner, coincidiu com a compra pela Venezuela de títulos da
dívida pública argentina. É o que leva muitos observadores a temer que a relação
privilegiada entre o Brasil e a Argentina possa estar se esgarçando. É esta a opinião
de um pesquisador especializado em relações internacionais na região:
“Nosso problema mais sério se chama Argentina. Há um processo
inflacionário, a economia não está recuperada, há um gargalo de
investimentos externos. As pessoas ainda apostam na parceria com o Brasil
mas vai surgindo o projeto de uma Argentina independente do Brasil. O futuro
do
país
depende
cada
vez
mais
da
Venezuela.
Uma
Argentina
desestabilizada, com o apoio do Chávez, é um problema”.
Decerto, as relações com a Argentina estão longe de uma ruptura. O fluxo de
comércio continua forte, embalado pela perspectiva de fechamento das transações
nas respectivas moedas, e o Brasil é uma das três maiores fontes de investimento
no país. Mas persiste o temor de que a Argentina possa aferrar-se ao
protecionismo, subtraindo graus de liberdade ao Mercosul e conseqüentemente ao
Brasil, para negociar com terceiros países ou blocos.
Quadro contrastante é oferecido pelos Estados Unidos, país com o qual
nossas relações encontram-se numa quadra auspiciosa. Desde meados desta
década, a corrente de comércio segue trajetória ascendente, com significativo
aumento da participação das exportações brasileiras nas importações norteamericanas. Além disso, a proposta de colaboração na área de biocombustíveis tem
animado a relação bilateral. Não se pode esperar, obviamente, que essa relação
ignore as imensas diferenças econômicas e estratégicas que separam os dois
países. No dizer de um deputado com sólida atuação na área de relações
exteriores:
42
“Face aos Estados Unidos, nossas relações devem buscar um equilíbrio
entre cooperação e disputa, ao preço ou da capitulação dos interesses do
Brasil ou do confronto, com o qual não temos nada a ganhar. É preciso ter
um ambiente de franqueza e cooperação até para podermos colocar na mesa
os contenciosos. Tem sido assim desde sempre”.
Um respeitado embaixador, por sua vez, assinala que a relação entre o Brasil
e os Estados Unidos apresenta inquietante estreiteza de visão, movendo-se muitas
vezes sob pressão de fatores conjunturais e sem referência a um cenário
internacional mais abrangente. Na sua avaliação, menos do que o acerto das
iniciativas diplomáticas, o que mantém os dois países afinados é a multiplicidade de
conexões entre as respectivas economias e sociedades:
43
44
“Nem nós nem os Estados Unidos temos uma visão de relacionamento de
longo prazo. Nossas relações são casuísticas, temos iniciativas tópicas. O
que faremos no comércio exterior? A ALCA está morta ou não? Por sorte,
continuamos numa relação que tem alguns pecados veniais mas nenhum
pecado capital. Até porque essas relações estão hoje mais nas mãos da
sociedade do que da diplomacia tradicional. Existem forças da sociedade que
jamais permitirão uma ruptura entre o Brasil e os Estados Unidos”.
A China mantém a terceira posição no rol das relações internacionais do
Brasil (92%), hoje muito mais próxima dos pólos tradicionais representados pela
Argentina e pelos Estados Unidos. Justamente por isso, vem a calhar a
recomendação de um empresário de que devemos tomar ciência da intensa
competição entre a China e os Estados Unidos e mantermo-nos eqüidistantes de
ambos. Em suas palavras:
“Os Estados Unidos tornou-se uma potência hegemônica no final da 2ª
Grande Guerra. De lá para cá, vem perdendo poder e a China vai se
tornando o principal ponto de acumulação de capital. Hegemonia é a
produção de bens físicos. Por isso, a China contestará os Estados Unidos
nos próximos 15 ou 20 anos. Nossa postura frente a este grande conflito
deve ser de neutralidade, tornando-nos terceiros interessados”.
A Índia (71%) e, em menor escala, a África do Sul (54%) e a Rússia (46%)
também são percebidos como países nos quais o Brasil tem interesses vitais, uma
avaliação que adquiriu contornos mais definidos desde 2001.
Nada se compara, no entanto, à mudança das percepções relativas a dois
outros grupos de países. O primeiro grupo é formado pelos países do entorno
imediato do Brasil. A Bolívia é citada por 81% dos entrevistados contra 57% em
2001 - um aumento de 24 pontos percentuais. A Colômbia também subiu de 62%
para 69% e a Venezuela – acrescentada à lista de países somente neste ano –
obteve 78% das respostas. Importa lembrar aqui que a prioridade atribuída aos
países vizinhos pode refletir diferentes facetas de relacionamentos cada vez mais
próximos. O interesse pela Bolívia, por exemplo, diz respeito à questão da
segurança energética, circunstância que não está presente no caso da Colômbia ou
45
da Venezuela, onde têm precedência preocupações relativas à segurança nacional
ou à liderança regional do Brasil.
Em perspectiva mais larga, tais mudanças retratam a emergência da América
do Sul como ator relevante no sistema internacional. Em parte, isso foi decorrência
do processo de integração da América do Norte. “A entrada do México no Nafta
rompeu a idéia de América Latina e valorizou a idéia de América do Sul, sobrepondo
a geografia à idéia da latinidade”, argumenta um embaixador. Os dados corroboram
essa interpretação pois o México perdeu relevância (passando de 59% para 50%) e
Cuba manteve-se à margem dos interesses internacionais do Brasil (registrando
pequeno incremento de 14% para 22% das menções). Capitalizado pela diplomacia,
o efeito combinado das transformações em curso traduziu-se na criação de uma
nova identidade coletiva, politizando o processo de integração regional. Nas
palavras de um gestor de alto escalão do Ministério das Relações Exteriores:
“O conceito de América do Sul foi totalmente incorporado, estando até na
origem da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Isso é uma
mudança importante, que não pode desconhecida, e é, em grande parte,
devida à política externa do governo Lula. A mudança começou antes mas
hoje há um reconhecimento muito mais forte da região”.
No contraponto a esta tendência, é também patente a progressiva redução
da importância atribuida a países tradicionalmente identificados como Primeiro
Mundo. Em comparação com o início da década, é bem menor o número de
entrevistados que afirma que o Brasil tem um interesse vital na Alemanha (a
proporção caiu de 76% para 59%); Japão (de 62% para 54%); França (de 67% para
50%); Espanha (de 63% para 46%); Inglaterra (de 59% para 41%) ou Canadá (de
39% para 25%).
Um quarto grupo, que obtém percentuais entre 10% e 20% das respostas,
engloba países que têm escassa relevância para a política externa brasileira. Incluise neste grupo a Coréia do Sul, a já mencionada Cuba, Irã, Indonésia e Israel,
indicando o distanciamento do Brasil das linhas de tensão que dividem o Oriente
Médio e o Sudeste da Ásia. A exceção são os países lusófonos. Portugal registrou
um modesto ganho de relevância (de 44% para 50%) mas Angola despontou como
46
valioso ponto de entrada no continente africano (passou de 26% para 62% das
menções).
Em suma, as prioridades geopolíticas do Brasil são, em primeiro lugar, os
Estados Unidos e os países da América do Sul. Em seguida, estão os grandes
mercados emergentes (a China, a Índia e, em menor escala, a Rússia, o México e a
África do Sul) e tradicionais parceiros .europeus (destacando-se a Alemanha,
França, Portugal, Espanha e Inglaterra).
Ameaças aos Interesses Vitais do Brasil
Como se pode depreender do gráfico abaixo, as mais graves ameaças aos
interesses vitais do Brasil são o aquecimento global (66%) e o tráfico internacional
de drogas (64%), seguidas a certa distância pelo protecionismo do mundo rico
(50%).
O aquecimento do planeta e as mudanças climáticas resultantes podem
acarretar conseqüências catastróficas para países do Hemisfério Sul, alerta um
diplomata de alto escalão. Controlar as emissões de gases de efeito estufa tornouse um imperativo diante do risco de mudanças que podem afetar a economia e a
qualidade de vida da população brasileira. Na sua avaliação:
“Os grandes desafios desse século são o aquecimento global e a mudança
do clima. Como nossa matriz energética é limpa, a maior parte das nossas
emissões vem do desmatamento, que lança milhões de toneladas de gás
carbônico na atmosfera. O Brasil deve propor suas próprias metas de
redução do desmatamento”.
Nem todos os entrevistados compartilham a mesma percepção das
mudanças globais e suas conseqüências. Para um alto titular de função pública, o
Brasil não deve aceitar nenhuma limitação às suas emissões, posto que o aumento
da temperatura global é em larga medida decorrência das emissões dos países
industrializados que se foram acumulando na atmosfera ao longo de séculos. Na
sua opinião:
“A questão do aquecimento não tem uma causa cientificamente comprovada.
Existem argumentos igualmente fortes a favor da hipótese de que é resultado
da ação humana ou de que se trata de um ciclo natural da Terra. O
aquecimento global pode se um excelente argumento para a manutenção do
status quo. Duvido que algum país do Norte se disponha a cortar emissões
47
de gases. Para nós, o custo de fazê-lo será muito alto e não vejo os
benefícios”.
A criminalidade transnacional também está no topo das preocupações da
comunidade brasileira de política externa. O tráfico internacional de drogas e o
contrabando de armas pequenas e armamentos leves, considerado ameaça crítica
48
por 46% dos entrevistados, encontram campo propício na extensão e porosidade
das fronteiras nacionais. Um militar de alta patente destaca todavia que “o problema
de tráfico de armas e drogas é preocupante mas não pelas fronteiras terrestres”. Na
sua opinião, “as fronteiras marítimas e aéreas são mais importantes”. Neste sentido,
manter a segurança dentro do próprio território nacional exige ativa colaboração
entre os países da região.
De todo modo, a distinção entre segurança pública e segurança coletiva
tornou-se imprecisa à medida em que novas ameaças, como a criminalidade
transnacional e o terrorismo, vieram somar-se aos enfrentamentos clássicos entre
países. Mencionado por 35% dos entrevistados, aumentou desde 2001 a percepção
do terrorismo como ameaça global embora muitos ainda duvidem de sua efetiva
materialização no plano regional. “Na América do Sul, não temos ameaças
terroristas como no Oriente Médio”, afirma um experiente embaixador. “Nem na
Tríplice Fronteira há evidência de uma ameaça terrorista na região”. É preciso ter
em conta, no entanto, que o conflito entre a guerrilha e o governo da Colômbia pode
representar séria ameaça ao país, como assinala 29% das respostas. Não é esta a
percepção de um oficial graduado das Forças Armadas. “A atuação das FARCs na
Amazônia não é importante, exceto pela possibilidade remota de transbordamento
do conflito para nossas fronteiras”, observa. “A ação da guerrilha ainda não é um
problema militar, embora precisemos aumentar a vigilância e inteligência na região”.
Não se deve depreender daí ser desprezível a probabilidade de conflitos
entre países na região. O recente confronto entre a Colômbia, Equador e Venezuela
demonstrou que, embora remota, não se pode excluir a hipótese de guerra
convencional na nosso entorno. “Os conflitos territoriais na América do Sul estão
hoje em baixa temperatura, mas existem”, adverte um deputado com marcante
atuação nas relações exteriores do país. “Esses conflitos reservam ao Brasil um
importante papel de mediação”, acrescenta.
De fato, mais de um terço dos entrevistados expressa preocupação com uma
corrida armamentista na América do Sul (40%) e com o aumento de países com
armas nucleares no mundo (39%). “A compra de armamentos pela Venezuela
agrada às Forças Armadas mas Chávez erra ao partidarizá-las”, observa um alto
funcionário da administração pública. “Chávez teme algum conflito externo de baixa
intensidade com a Colômbia, por exemplo. É um pouco o que fez Cuba se tornar
49
uma potência militar - ter um elemento de dissuasão”. Não se trata de avaliação
compartilhada por todos. As circunstâncias aconselham cautela, adverte um militar
de alta patente: “Os equipamentos militares têm limite de vida útil e precisam ser
substituídos. Na América do Sul, todos os países têm equipamentos obsoletos e
fazem sua substituição, como a Venezuela”.
As barreiras ao comércio exterior do Brasil e sua efetiva inserção na
economia internacional compõem o terceiro conjunto de ameaças aos interesses
nacionais. No perfil das respostas a ênfase está posta, em primeiro lugar, no
protecionismo comercial e a conseqüente redução do acesso do país aos mercados
dos países ricos. Ocorre que os Estados Unidos e União Européia só se dispõem a
reduzir seus subsídios agropecuários em troca de concessões das nações em
desenvolvimento na importação de bens industriais e liberalização de serviços. O
comentário de um influente deputado deixa entrever um rastro de irritação com a
proposta:
“A contrapartida exigida pelos países desenvolvidos para a abertura de seus
mercados é uma falácia. O Brasil não tem subsídios à produção, escancarou
suas portas para a entrada de empresas estrangeiras em áreas básicas, mas
o mesmo não aconteceu com nossos produtos nos mercados deles.”
Outra ameaça de natureza econômica é a desigualdade econômica e
tecnológica entre as nações do Norte e do Sul (38%). Ainda que haja sólidas razões
para salientar a relação virtuosa entre ciência e tecnologia e desenvolvimento
econômico, a fronteira entre países desenvolvidos e em desenvolvimento vem
sendo demarcada, de modo cada vez mais intenso, pela divisão entre produtores e
consumidores de conhecimento. Reconhecer a importância deste fator não deve
conduzir, na opinião de um empresário, a excessivas concessões no âmbito de
nossas negociações comerciais. “Não creio que propriedade intelectual, serviços e
investimentos sejam temas de troca para o acesso a mercados”, é o seu
comentário. “Não vejo esse trade-off.”
Ainda neste mesmo terreno, o poder econômico dos Estados Unidos divide
as opiniões da comunidade brasileira de política externa. Classificado como ameaça
por 55% dos entrevistados, outros 43% o vêem mais como uma oportunidade para o
Brasil. Tampouco é o caso da China, cujo crescente poder econômico é temido por
50
apenas 24% dos entrevistados. No visão de importante empresário, “a China não é
um competidor importante neste momento. Mas pode representar um elemento de
aproximação estratégica”.
No plano político, as duas ameaças principais são o surgimento de governos
ditatoriais na América do Sul (48%) e a internacionalização da Amazônia (46%).
Governos autoritários não são novidade na região mas um respeitado diplomata
identifica padrões recorrentes:
“Apesar de grandes disparidades, a América do Sul se move em ondas. Nos
anos 80, foi a redemocratização. A democracia e as reformas econômicas
tiveram sucesso mas a pobreza e a desigualdade continuam. Hoje, vemos a
emergência dos movimentos sociais. Onde a democracia estava mais
enraizada, essa demanda foi canalizada por partidos. Em outros países, isso
foi feito por líderes populistas, como na Venezuela e Bolívia”.
Talvez a Venezuela seja o caso mais emblemático. A ascensão ao poder do
presidente Hugo Chávez e a estridência de sua pregação bolivarianista propagou
um clima de insegurança na região. Mas não destoou da tendência histórica de seu
país, segundo a percepção de importante pesquisador acadêmico:
“Não se pode discutir a Venezuela sem recorrer à história. A elite
venezuelana sempre foi a pior de todas. Isso explica Chávez, que tem o
apoio da metade da população para quem faz políticas sociais. O projeto de
Chávez sinaliza uma mudança para a ditadura. Mas a Venezuela hoje não é
pior do que era”.
O temor de que a Amazônia possa vir a ser internacionalizada, despojando o
Brasil de soberania efetiva sobre parte substancial de seu território, nutre-se do
abandono e escassa presença do poder público na região, agravados pela
exploração predatória de recursos naturais e de sua rica biodiversidade. “A maior
ameaça na Amazônia é a ausência do Estado”, confirma um oficial militar com
extensa folha de serviços prestados na região. “Só temos as Forças Armadas na
fronteira; os chamados “pavilhões de terceiros” para outros órgãos governamentais
estão vazios até hoje. Se tirarmos as Forças Armadas de lá, desaparecerá o Estado
na região”.
51
Tida como inconcebível, a outra possibilidade é o retalhamento e secessão
de porções do território da bacia amazônica. Outra alta patente militar resume esses
temores:
“Entre as questões preocupantes estão as milhares de ONGs que atuam na
Amazônia sem nenhum controle do governo e a criação de reservas
indígenas. Muitas dessas reservas estão em áreas de fronteira, com grandes
recursos minerais. As reservas ianomami, por exemplo, atravessam do Brasil
para a Venezuela, configurando uma nação. E isso com vizinhos que querem
desestabilizar a região”.
É mais do que razoável argüir que esta constelação de ameaças tende a
mudar de acordo com os fluxos e refluxos dos acontecimentos na região e no
mundo. Comprova-o a desarticulação das preocupações quanto à inserção do Brasil
na economia internacional que ocupavam o topo da agenda no início da década.
Como se vê no gráfico abaixo, que compara os resultados de 2001 e 2008,
desabou a percepção de ameaça representada pelo protecionismo comercial dos
países ricos (de 75% para 50% das respostas), pela desigualdade econômica e
tecnológica entre o Norte e o Sul (de 64% para 38%) e pelo poder econômico dos
Estados Unidos (de 39% para 15%).
52
Se esmaeceram as ameaças associadas à globalização econômica, novas
ameaças ocuparam a cena. Tornou-se mais aguda a percepção da ameaça do
aquecimento global (passou de 44% para 65% das respostas), refletindo o
reconhecimento da gravidade da questão ambiental. Aumentou a percepção da
ameaça do tráfico internacional de drogas (de 52% para 64%), do contrabando de
armas (de 42% para 46%), do terrorismo internacional (de 21% para 35%) e do
53
conflito entre a guerrilha e o governo da Colômbia (de 27% para 29%),
permanecendo estável a preocupação com o aumento de países com armas
nucleares (que caiu de 41% para 39%) e a internacionalização da Amazônia (de
49% para 46%). Aumentaram, por fim, os temores quanto ao surgimento de
governos ditatoriais na América do Sul (de 45% para 48%) e a expansão de
movimentos religiosos fundamentalistas (de 9% para 19.
Em suma, a percepção de ameaças deslocou-se da esfera da economia
internacional para a do meio ambiente, da segurança nacional e da política.
Objetivos da Política Externa do Brasil
Dezoito grandes temas da política externa do Brasil foram submetidos ao
escrutínio dos entrevistados para que fossem classificados por ordem de
importância, variando de “extrema importância” a “pouca ou nenhuma importância”.
Os resultados são apresentados no gráfico abaixo.
Oito dos dezoito objetivos de política externa foram considerados como de
“extrema importância” pela maioria dos entrevistados. Desses, cinco dizem respeito
à atuação do Brasil na região, a saber: garantir a democracia na América do Sul
(74%); integrar a infraestrutura de transportes, energia e telecomunicações (70%);
fortalecer a liderança regional do Brasil (65%); atuar em conjunto com países
vizinhos para a defesa e proteção da Amazônia (57%) e fortalecer o Mercosul
(54%). Os dados corroboram a valorização da região como peça central da política
externa. “A América do Sul é condição sine qua non para o Brasil ter uma presença
internacional”, resume conhecido embaixador. “O país precisa ter apoio na sua
região”.
Três outros objetivos considerados de extrema importância são a defesa do
meio ambiente (62%), o combate ao tráfico internacional de drogas (61%) e a
ampliação de acordos de cooperação em ciência e tecnologia (57%). Não chega a
ser uma surpresa que a importância atribuída aos objetivos de política externa
guarde estreita correspondência com a percepção de ameaças. Impressiona, no
entanto, o grau de correspondência entre ameaça e resposta no que diz respeito à
mudança ambiental e criminalidade transnacional. O mesmo é verdade quando se
põe lado a lado a ameaça de ditaduras e a necessidade de assegurar a democracia
na região.
54
As questões mais controversas, por outro lado, são a reivindicação de
assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (considerado
“muito ou extremamente importante” por 58% dos entrevistados contra a opinião de
42%) e o controle e redução da imigração ilegal para o país (54% contra 46%).
55
A polêmica sobre o Conselho de Segurança requer análise mais detida. Na
ONU, o Brasil tem sido ativo na reforma do Conselho de Segurança, propondo que
o poder de veto das grandes potências seja contrabalançado pela admissão de
países com atuação importante em diferentes regiões de mundo de sorte a
transformá-lo em efetiva organização de segurança coletiva, voltada para a
prevenção do conflito e a manutenção da paz em escala global. Ao contrário do que
se poderia depreender do perfil de respostas acima aludido, não se contesta a
validade do objetivo mas sim o grau de importância que se lhe deve conferir. Mais
adiante se verá que a maioria da comunidade brasileira de política externa apóia
essa meta, embora com muito menos convicção do que no passado. “É um projeto
de longo prazo”, explica um embaixador. “Não existem, no momento, condições
para ampliar o número de membros permanentes do Conselho”.
O mesmo ocorre com o tema da imigração ilegal. Conforme se vê no gráfico
seguinte, a percepção de urgência saltou de 4% em 2001 para 13% hoje. “A
imigração regional é um tema de crescente importância, que deve ser visto sob a
ótica da integração”, reconhece um diplomata de alto escalão do Ministério das
Relações Exteriores. “Tentamos fazer acordos de residência, já temos a isenção de
passaportes com praticamente toda a região e muitos acordos de fronteira”.
Outro resultado inesperado é o “consenso negativo” sobre o fortalecimento
da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, objetivo ao qual mais da metade
dos entrevistados atribui pouca ou nenhuma importância (57%). Na realidade, a
questão vem se impondo desde o início da década, mas a partir de uma base muito
pequena (saltou de 2% para 12%). Recentemente, o Brasil patrocinou o 7º Encontro
da Comunidade, no qual reafirmou o compromisso com os países lusófonos.
Salta aos olhos, no entanto, a baixa prioridade dedicada ao comércio exterior.
Era previsível a queda de importância da negociação de acordos de livre comércio
com a União Européia e os Estados Unidos, pois essas possibilidades foram
virtualmente excluídas do tabuleiro da política externa com o fiasco da Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA). “O acordo Mercosul-União Européia precisa do
acordo da ALCA para andar, são reféns um do outro”, pondera outro embaixador.
“No momento, não há tendência de avanço nem para um nem para o outro. Esses
acordos não estão na agenda nem dos Estados Unidos, nem da União Européia”.
56
Na verdade, essa irrelevância é apenas aparente. Em 2001, duas questões
sobre o comércio exterior foram pontuadas como sendo de “extrema importância”.
Uma foi a promoção do comércio exterior e a redução do déficit comercial do país
(73%), objetivo alcançado desde então com sucesso. A outra foi o apoio a uma nova
rodada de negociações mundiais no âmbito da Organização Mundial do Comércio
(55%), consubstanciado no lançamento da Rodada Doha em novembro do mesmo
ano. Embora essas perguntas tenham sido excluídas da presente pesquisa, nada
indica ter esmorecido o empenho da comunidade brasileira de política externa em
prol da liberalização comercial como, alías, fica evidenciado pela urgência de se
promover nova rodada de liberalização do comércio exterior do país, tal como
preconizada por quase metade dos entrevistados (42%).
De fato, a esta altura praticamente já não subsistem restrições a uma postura
negociadora mais ofensiva, considerando-se admissível uma liberalização de
serviços e importações industriais pelo Brasil em troca da abertura dos mercados
agrícolas, como ocorreu recentemente na negociação da OMC, em Genebra. Nem
está liminarmente descartada uma abertura unilateral. “Dentro da globalização, a
abertura do comércio internacional para produtos industriais e serviços é inevitável”,
defende um empresário com intensa atividade exportadora. Completando esse
conjunto de questões, o incentivo à produção e consumo de biocombustíveis,
apoiado pela metade dos entrevistados (50%), sinaliza o potencial de cooperação
entre os Estados Unidos e o Brasil em áreas específicas e de interesse mútuo.
57
No âmbito do comércio exterior, o que de fato soa fora do eixo é a relativa
perda de importância do Mercosul. Fortalecê-lo era meta apoiada por 64% dos
entrevistados em 2001, o número hoje reduzido a 54%. Não é um resultado isolado.
58
Como se verá adiante, várias outras manifestações da comunidade brasileira de
política externa ratificam e dão contornos mais sólidos à tendência vislumbrada no
gráfico. Os que criticam o Mercosul pautam-se na necessidade de reformar o bloco,
dando-lhe maior institucionalidade, como opina um experiente embaixador:
“O Mercosul está num plano inclinado. Houve um grande avanço comercial
mas isso ocorreu graças ao crescimento mundial e a despeito dos governos.
O Mercosul vive uma crise institucional, pois as regras não são cumpridas e
os órgãos não funcionam. Há, na verdade, um retrocesso, com perfurações
da TEC, etc. Ao invés de aprofundar o Mercosul, fazendo cumprir o tratado e
suas regras, o governo quer trazer para dentro a Venezuela e a Bolívia. O
que fazer com um Mercosul estraçalhado daqui a quatro anos?”
Observa-se movimento idêntico porém em sentido contrário quando o foco é
assestado na América do Sul. Como mencionado anteriormente, a maioria dos
objetivos de máxima importância dizem respeito à região, e praticamente todos eles
ganharam importância adicional desde 2001. Garantir a democracia permanece no
topo da agenda, acima até da integração da infra-estrutura regional de transportes,
energia e telecomunicações. Segundo o diagnóstico de um alto titular da
administração pública, a dificuldade prática para implementar essa meta reside nas
profundas assimetrias que polarizam a região:
“Existem dois grupos de países na América do Sul. O primeiro é formado pelo
Chile, Argentina, Uruguai e Brasil. A Colômbia é um caso à parte. A
tendência atual aponta para um movimento pós-liberal, mas a democracia
está consolidada e são países previsíveis. É outra a tendência da Venezuela,
Equador, Bolívia, Paraguai e Peru. São exportadores de produtos primários e
vivem uma profunda crise política. O que marca esses países é a absoluta
imprevisibilidade”.
Sob essa ótica, ganha relêvo a nova topografia política que começa a se
descortinar na América do Sul, com governos que mesclam autoritarismo e apelo
popular. Não seria plausível imaginar que houvesse concordância sobre qual o rumo
a seguir para assegurar a democracia na região. E de fato não há. A “cláusula
democrática” determina o isolamento de país cujo governo tenha sido derrubado
pela força e ameaças de golpes, como ocorreram no Paraguai, Perú e, em 2002, na
Venezuela, têm sido desencorajadas pelo Brasil em atuação conjunta com outros
países. Preservar a democracia e fortalecer a liderança regional do Brasil, contudo,
59
podem não ser metas mutuamente excludentes, como sugere um influente
embaixador:
“A política externa do primeiro governo Lula foi um contrapeso à política
conservadora de Bush. No segundo mandato, esse fator simbólico não é
mais necessário. O problema agora é que os antigos aliados na região estão
criando problemas e complicando a agenda. Estamos fazendo uma discreta
transição para outro papel: a intervenção moderadora. Foi o que o presidente
Lula disse à Bolívia e à Venezuela: ‘Temos limites’.“
A integração da infra-estrutura regional de energia e transportes é o segundo
objetivo mais importante de política externa. As linhas mestras de uma estratégia
para integrar as infra-estruturas nacionais foram traçadas pela iniciativa de
Integração das Infra-estruturas Regionais Sul-Americanas (IIRSA). No entanto, sua
prioridade é articular o Mercosul e a Comunidade Andina (CAN) e não a América do
Sul. “Por mais que tenha crescido, nosso comércio na região é ridículo. Temos um
grande vazio no meio da América do Sul, sem conexões rodoviárias ou ferroviárias”,
lamenta um atuante líder empresarial. “Nosso comércio está concentrado no Cone
Sul e a maior parte é feito por via marítima, inclusive com o resto da América do
Sul”.
A liderança regional do Brasil é talvez o item mais sensível da agenda,
embora a meta de fortalecê-la conte com sólida maioria de quase dois terços (63%
e 65%, respectivamente) desde o início da década. “O problema da liderança do
Brasil na América do Sul é complexo pois os países da região o vêem como um país
imperialista, embora dele queiram se aproximar”, registra outro líder empresarial. “É
uma relação de medo e amor”. Decorre daí a cautela com que a questão é
abordada por respeitado parlamentar:
“O Brasil não deve fazer movimentos bruscos, mas sim movimentos
cuidadosos de cooperação. Não podemos aceitar a posição de potência
regional nem de propulsor da região. Como dizem os chineses sobre os
Estados Unidos: “Acendemos as velas de dia porque de noite o clarão é
muito forte”.
60
Em política externa, jactar-se raramente guarda correspondência com um
excedente de poder, sendo preferível a discrição para fundamentar a liderança,
ressalta um renomado pesquisador acadêmico. Na sua opinião:
“Quando se fala de América do Sul, alguns dizem que o Brasil não assume a
posição de líder, não sabe o que quer e que, consequentemente, a
integração regional não é viável. Na verdade, o Brasil tem sido muito discreto
e pouco agressivo. O governo Lula mostrou que o Brasil tinha espaço para
ser mais ousado. O Brasil sabe o que quer, nossa política na América do Sul
tem rumo e não é ruim”.
Em geral, acentuou-se a percepção de urgência de praticamente todos os
objetivos arrolados. Três deles, no entanto, tiveram evolução marcante: a defesa do
meio ambiente (que saltou de 39% para 62% das respostas), o fortalecimento das
Forças Armadas e da política de segurança e defesa nacional (de 13% para 42%), a
ampliação de acordos de cooperação em ciência e tecnologia (de 36% para 57%) e
a atuação conjunta para a defesa e proteção da Amazônia (de 40% para 57%).
Embora assemelhadas, as questões sobre o meio ambiente e Amazônia
despertam reações, por vezes, opostas.. É preciso ter em conta, como observa um
diplomata de primeiro escalão, que ações na área ambiental quase sempre
envolvem iniciativas de cooperação regional. Em suas próprias palavras:
“Na questão da mudança climática e meio ambiente, o Brasil terá uma
posição cada vez mais forte. No Mercosul, tentamos harmonizar as políticas
ambientais. Um problema que temos na região é que o Brasil tem normas e
legislações mais avançadas”.
Já no caso da Amazônia, a cooperação internacional tem papel coadjutório e
é com certa frequência percebida como intrusão ou até mesmo como violação de
soberania. Um embaixador com larga experiência em fóros multilaterais aponta
caminhos para contornar pressões indevidas:
“O Tratado de Cooperação Amazônica é o melhor instrumento que o Brasil
tem para contrabalançar a crítica internacional. Para evitar a universalização
da Amazônia, é preciso regionalizá-la. Precisamos também acabar com a
idéia da Amazônia legal. O mundo está preocupado é com a floresta
61
amazônica, não com o cerrado. Hoje, qualquer queimada perto de Corumbá
é considerada desflorestamento do Amazonas”.
Na mesma linha de raciocínio, a prioridade mais alta atribuída hoje ao
fortalecimento das Forças Armadas e à politica de segurança e defesa nacional
tangencia a preocupação em ampliar acordos de cooperação em ciência e
tecnologia. Para destacar o ponto que interessa à presente análise, a capacidade de
desenvolver e incorporar tecnologias avançadas dão ao Brasil uma vantagem
comparativa com repercussão dissuasória. A questão é resumida por um oficial
militar de primeiro escalão como segue:
“Nenhum dos nossos vizinhos tem capacidade para tentar algo contra o
território brasileiro. A relação de disparidade é muito grande pois sabemos
fabricar aviões, tanques, mísseis, etc. Atacar o Brasil seria como atacar Pearl
Harbor. O Japão teve uma vitória no primeiro momento mas foi arrasado em
seguida”.
Em suma: os resultados mostram grande convergência nas ameaças aos
interesses vitais do país e sua tradução em diretrizes de política externa. Os
Estados Unidos, Argentina e China são os países percebidos como prioritários para
os interesses nacionais. A América do Sul consolida-se como um espaço singular
para as iniciativas brasileiras de política externa, destacando-se, além da Argentina,
a Bolívia, Venezuela, Colômbia e os países que integram o Mercosul. Fora do
hemisfério, nossas prioridades geopolíticas são as seguintes: na União Européia, a
Alemanha e a França e, em escala menor, a Espanha, Portugal e Inglaterra, a
despeito da menor importância que lhes é hoje atribuída; na Ásia, a China, a Índia e
o Japão; na África, Angola e África do Sul. Países que mal chegam a contar no
mapeamento das prioridades do Brasil incluem Coréia do Sul e Indonésia, na Ásia;
Cuba, na América Latina; e Irã e Israel, no Oriente Médio.
Embora o comércio exterior e as negociações internacionais de comércio
continuem a ser uma prioridade central da política externa, outros temas relativos ao
meio ambiente, como o aquecimento global e as mudanças climáticas, e à
segurança, como o tráfico de drogas e o surgimento de ditaduras em países de
nosso entorno geográfico, ganharam alta visibilidade. Há também uma importante
mudança no tocante à liberalização do comércio, com significativo apoio a uma nova
62
iniciativa liberalizante no Brasil visando aumentar sua participação nos fluxos
mundiais de comércio. No sentido oposto, deve-se registrar a queda da importância
do Mercosul, a qual contrasta flagrantemente com a prioridade atribuída à
integração da infra-estrutura física e, de modo geral, à integração econômica da
América do Sul.
63
Capítulo 4
ECONOMIA INTERNACIONAL
Na defesa de seus interesses, o Brasil tem recorrido a acordos multilaterais,
regionais e bilaterais. Embora as opções não sejam excludentes entre si, definir qual
delas é prioritária em dado momento é condição para evitar o risco de não se
avançar em qualquer direção.
O apoio ao multilateralismo tem sido uma constante da política externa do
Brasil e continua a ser o principal objetivo a nortear sua nas negociações de
comércio. Justifica-se essa prioridade pelo fato de que o país dificilmente obteria
concessões importantes no plano bilateral, como a redução de barreiras nãotarifárias e de subsídios agrícolas que impedem o acesso aos mercados dos
Estados Unidos, União Européia e Japão. Outra razão relevante é ser o Brasil um
global trader, com um comércio geograficamente diversificado. Por fim, as
negociações multilaterais estabelecem as bases mínimas para futuros acordos
bilaterais ou regionais.
O fracasso da Rodada Doha tem especial relevância para o Brasil. Convicto
de que as divergências inevitáveis em negociações regionais e bilaterais só
poderiam ser superadas em negociações multilaterais, o Itamaraty concentrou suas
energias na OMC, negligenciando a negociação de acordos que lhe poderiam
proporcionar acesso a mercados importantes. Quase três centenas de tais acordos
estão hoje em vigor ou em vias de serem completados, deixando pouco espaço
para o Brasil.
Fracassou também a negociação de um acordo hemisférico de livre comércio
(ALCA). Embora o acordo já não seja uma alternativa viável no seu formato original,
os Estados Unidos vem celebrando diversos acordos bilaterais com países sulamericanos, como o Chile, Peru e Colômbia. Essas iniciativas também dificultam
propostas brasileiras em favor de uma integração da América do Sul sob sua
liderança. Para muitos, o fiasco da ALCA foi o melhor desfecho para as negociações
com os Estados Unidos. Para outros, representou a perda de uma oportunidade de
acesso privilegiado ao maior mercado consumidor do mundo. Igualmente importante
é que o abandono das negociações da ALCA afetou também o andamento das
negociações entre o Mercosul e a União Européia, cuja dinâmica decorria em
64
significativa medida do interesse da União Européia de não perder vantagens
comerciais que poderiam advir da adesão do Mercosul à ALCA.
Abertura da economia
A inserção da economia brasileira ao comércio mundial tem sido objeto de
intensa controvérsia. Tem posição central nesse debate a abertura da economia à
competição internacional, a qual é vista ora como fator indutor do crescimento e da
competitividade, ora como fator de desestruturação e desnacionalização da
produção doméstica.
A questão da competitividade é fundamental para aqueles que defendem a
abertura. Para esses, expor a economia brasileira à concorrência internacional
melhora a alocação de recursos e estimula a elevação da produtividade geral da
economia. Portanto, a abertura econômica iniciada na administração Collor e
aprofundada nos governos seguintes teria sido bastante positiva para o Brasil, a
despeito de ter gerado algumas baixas à indústria nacional. Essa é uma posição
fortemente suportada pela moderna literatura econômica, que além de fornecer
subsídios sólidos à hipótese de que a abertura econômica é benéfica considera que
o aumento da produtividade é o principal fator dinâmico para o crescimento
econômico.
Com o intuito de avaliar essa questão, perguntou-se aos entrevistados se, de
uma maneira geral, a abertura da economia foi benéfica ou prejudicial ao país. As
respostas estão resumidas no quadro abaixo.
65
No início da década, eram polarizadas as opiniões sobre a abertura da
economia, considerada benéfica por 67% e prejudicial por 23% dos entrevistados.
Hoje, as proporções são 88% contra apenas 4%. A opinião majoritária é que a
abertura da economia teve conseqüências positivas para o país.
Reforçando a opinião favorável à abertura há diversas evidências factuais.
Não houve a temida desindustrialização da economia brasileira, nem a derrocada da
indústria nacional, embora tenha aumentado o grau de internacionalização das
empresas instaladas no país. Setores tradicionais que temiam a abertura, como a
indústria
têxtil,
passaram
por
reformulações
profundas,
tornando-se
mais
competitivas e criando novos pólos industriais dinâmicos. Seguem nessa linha as
declarações de um empresário:
“A abertura criou incentivos para que as empresas brasileiras se
modernizassem e se tornassem mais competitivas. O consequente aumento
de produtividade contribuiu para elevar o potencial de crescimento do país”.
Assim, para muitos, o problema da abertura comercial é que ela não foi mais
profunda. De fato, pouco ocorreu desde o governo do presidente Fernando
66
Henrique Cardoso. Para um empresário, o Brasil continua sendo um dos países
mais fechados do mundo:
“A abertura não só é boa, mas essencial pois o Brasil permanece um dos
países mais fechados e menos globalizados do mundo.”
Como indica o gráfico abaixo, poucos ainda sustentam a tese de que a
abertura foi prejudicial ao país. Mas ainda subsistem objeções ao processo. Um
líder sindical considera que a abertura da economia atraiu capitais especulativos e
favoreceu o crescimento de importações em detrimento da produção doméstica:
“A abertura é boa no que se refere aos avanços dos nossos setores
industriais e agroindustriais nos mercados internacionais. Ruim no que se
refere aos capitais especulativos e ao crescimento vertiginoso das
importações de bens de consumo.”
Por outro lado, a afirmação de um líder empresarial abaixo reproduzida serve
para exemplificar a reação de entrevistados que não são contra a abertura mas
criticam o pouco esforço que o governo faz para melhorar as condições internas de
competição:
“Não temos política de produção e exportação, nossa infraestrutura é
dantesca, 95% do volume transportado sai por mar e os portos estão
sucateados.
Não
temos
logística.
Estamos
há
anos
discutindo
multimodalismo e a burocracia não deixa sair. Temos uma política tributária
que pune o exportador. Não podemos fazer remessas temporárias para fins
de exportação pois a Receita cobra imposto sobre elas. É uma burocracia
kafkaniana que só produz corrupção”.
Multilateralismo e Regionalismo
Qual das negociações comerciais em que o Brasil está envolvido é percebida
como primordial? Apoiar a liberalização multilateral do comércio no quadro da
OMC (1), buscar negociar melhores condições de comércio integrando-se em
um bloco regional (2) ou privilegiar acordos bilaterais muito específicos e
limitados (3), foram as opções oferecidas aos entrevistados, com a
recomendação de que deveriam escolher somente uma delas. O resultado
encontra-se no quadro abaixo.
67
Percebe-se, em primeiro lugar, que nenhuma das opções se sobrepõe
marcantemente às demais. A alternativa preferida – a negociação multilateral
no âmbito da OMC – foi escolhida por apenas 28% dos entrevistados. E
houve uma pequena redução no apoio ao multilateralismo, que caiu de 31%
para 28%.
A opção pelo multilateralismo não deixa de ser criticada no que diz respeito à
forma como o Brasil encaminhou a defesa dos seus interesses na OMC,
conforme evidencia a declaração de um deputado:
“O Brasil conseguiu criar o G-20 mas não dar sustentabilidade a ele. Sem ter
uma linha política coerente na OMC, fica na indefinição de seu papel relativo.
O charme de ter um presidente de esquerda, terceiro-mundista, e a
expectativa mundial que isso gerou foi muito mal aproveitado por essas
oscilações da política externa. Estamos sem estratégia ou prioridades,
estamos indefinidos quanto à nossa inserção internacional e vamos pagar um
preço por isso”.
68
Caiu de forma mais acentuada o apoio ao Mercosul, de 21% para 9%, e à
ALCA, de 16% para 4%. A redução do apoio ao Mercosul, que era a segunda
opção preferida em 2001, é fruto dos impasses que cercam atualmente o
bloco, marcado por incertezas quanto ao seu futuro. As desconfianças em
relação ao Mercosul estão expressas na declaração de um oficial militar:
“Outro desafio é a integração dos mercados. Como a América do Sul vai
enfrentar essa questão? Vão individualmente se compor com mercados fortes
ou se unir para atuar em conjunto? O Mercosul está dividido, com parte dos
países culpando o Brasil, nos vendo como os ricos que lhes devem vantagens
econômicas”.
No sentido inverso, aumentou o apoio à negociação de acordos bilaterais,
que passou de 4% para 13%. O que era uma alternativa praticamente
descartada começa a ganhar força. Caso se confirme a inviabilidade da
Rodada Doha, a opção por acordos bilaterais ganhará maior evidência. É
essa a tendência vislumbrada por um deputado, que também defende o
aprofundamento do Mercosul:
“No Mercosul, devemos aprofundar o que existe, acabando com a peneira da
TEC. Se houver crescimento, devemos também crescer horizontalmente.
Mas a prioridade é aprofundar o Mercosul e também buscar o caminho do
bilateralismo, com o fracasso da OMC.”
É interessante notar que o percentual a favor dos acordos bilaterais tornou-se
praticamente igual à integração num bloco regional formado pela América do Sul,
que recebeu 15% dos votos. É evidência de que os entrevistados desconfiam da
viabilidade da integração regional, como observa um embaixador:
“A idéia de uma Comunidade Sul-Americana de Nações foi uma reação ao
NAFTA e ao temor do que a ALCA poderia representar em sua descida para
o Sul. Tratava-se de criar uma contraforça. O problema é que não temos nem
cacife nem o excedente de poder para influenciar os vizinhos e nem nos
dispomos a fazer gestos de agrado a eles”.
Segundo algumas pessoas ouvidas, essa discussão sobre a melhor maneira
de o País se inserir no cenário econômico mundial é estéril. De acordo com eles, no
fundo, as opções não são excludentes. É o que defende, por exemplo, um senador:
69
“Acredito que a diplomacia brasileira deve englobar todas as possibilidades
de acordo para abertura de novos mercados para os nossos produtos. Devemos
investir tanto nas negociações multilaterais, como nas regional e sub-regional e em
acordos específicos com alguns países estratégicos.”
Suas palavras são praticamente repetidas por um embaixador:
“As opções não são excludentes. O Brasil deve perseguir todas ou quase
todas as opções, aproveitando as circunstâncias para priorizar ora uma, ora
outra”.
A Negociação da ALCA
Em 2001, a ALCA era um tema candente, capaz de gerar reações
extremadas. Quem era favorável à criação de uma área hemisférica de livre
comércio argumentava que a economia brasileira passaria a ter acesso privilegiado
ao maior mercado consumidor do mundo. Para quem se opunha à proposta, o Brasil
não estava preparado para integrar-se com os países do NAFTA, sob risco de expor
a estrutura produtiva doméstica a uma avassaladora competição internacional.
Também não faltou quem visse na adesão à ALCA um gesto de submissão dos
interesses nacionais ao imperialismo norte-americano.
Ao contrário do que fazia crer a elevada temperatura do debate público,
inexistia em 2001 uma polarização de opiniões sobre a ALCA. A maioria dos
entrevistados (61%) considerava o acordo potencialmente benéfico ao Brasil, desde
que fossem reduzidas as barreiras não-tarifárias e subsídios agrícolas que limitavam
o acesso dos produtos nacionais ao mercado dos Estados Unidos. Consoante se
esperava, parte dos entrevistados acredita que o Brasil perdeu uma grande
oportunidade (40%) e outra que ele livrou-se de uma grande ameaça (35%).
70
A polarização aparece também nas declarações coletadas. Para um líder
sindical:
“O Brasil e a Argentina aliaram-se e implementaram uma estratégia bem
sucedida que visou implodir a proposta da ALCA. É evidente que naquele
formato e circunstâncias, o arranjo continental favorecia muito mais os
Estados Unidos. Acertamos em cheio”.
Um embaixador, por sua vez, lamenta que as negociações não tenham
evoluído de maneira produtiva:
“A ALCA não era necessariamente nem uma grande oportunidade nem uma
grande ameaça. Tudo dependeria dos termos negociados. O Brasil conduziu
o assunto à sombra de preconceitos ideológicos contra algo que o ligasse
formalmente aos Estados Unidos, exagerando na avaliação do acordo”.
Nas palavras de um deputado, o problema é que nossa resistência em
negociar a ALCA nos deixou com menos opções e enfraqueceu nosso posição até
mesmo junto aos nossos vizinhos da América do Sul:
71
“Nossa recusa à ALCA não foi acompanhada de uma proposta alternativa, o
que nos distanciou dos Estados Unidos e fragilizou nossa posição no
Mercosul, com o Uruguai, Paraguai e Argentina tomando distância de nós. A
entrada da Venezuela, com conotação política e não comercial, aumentou.o
distanciamento”.
Já para um líder empresarial, o fracasso da ALCA era previsível:
“A ALCA era inviável como negociação, com 32 países demandando acesso
aos mercados dos Estados Unidos sem permitir acesso aos seus. Existia
uma inviabilidade prática”.
Uma alternativa à ALCA, cultivada à época pela diplomacia brasileira, seria
um acordo de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul. Apesar dos fortes
pontos de contato entre os países do Cone Sul e da Europa, o acordo não seria
essencialmente diferente da ALCA e dependeria de concessões em subsídios e
barreiras não-tarifárias. Além disso, ao fracassar a ALCA, reduziu-se muito o
interesse europeu por uma negociação desse tipo.
Negociação do Comércio Agrícola
A agricultura é um dos pontos mais críticos das negociações comerciais. O
assunto mais controvertido nas negociações da OMC são as subvenções
agrícolas e as medidas protecionistas contra a importação de produtos
agrícolas.
Na Rodada Doha, o Brasil se dispôs a defender um corte linear nas tarifas de
importação de produtos industriais em troca de concessões no comércio de
produtos agrícolas visando destravar as negociações. A oposição veio da Argentina,
que considera inaceitável a abertura do mercado industrial do Mercosul, colocando
o Brasil frente ao trágico dilema de aceitar as limitações impostas à sua liberdade de
ação pela união aduaneira e ver escorrer-lhe por entre os dedos uma negociação
multilateral na qual apostou pesadamente.
72
Os resultados comprovam que não há consenso sobre qual seria a melhor
alternativa para o Brasil. Na busca da liberalização do comércio agrícola, há uma
preferência um pouco mais acentuada pela preservação de mecanismos de
proteção à indústria nacional e ao setor de serviços (47%). Mais realista talvez é a
opção a favor de que o Brasil aceite abrir seu mercado em troca de concessões na
política agrícola dos países desenvolvidos.
Para um embaixador, é possível conciliar as duas opções:
“Buscar a eliminação de barreiras ao nosso comércio agrícola não implica
necessariamente uma renúncia - ou seja, uma desistência absoluta - de
algum grau de proteção industrial e de liberdade para a aplicação de políticas
industriais. Tudo isso é compatível com maior abertura”.
Já um líder empresarial minimiza a importância da redução das barreiras às
exportações agrícolas brasileiras:
“Embora seja importante o Brasil seguir abrindo espaços para seus produtos
agrícolas, o fator fundamental para o desenvolvimento é a diversificação da
73
produção e a agregação de valor a partir da criação de um sistema mais
robusto de inovação.”
Para outro empresário, antes de resolver que concessões estamos dispostos
a oferecer, é necessário definir as políticas agrícola e industrial do país:
“Negociar a eliminação das barreiras é fundamental, sempre e quando
tenhamos definidas as políticas agrícola e industrial do país, para escolher
devidamente a moeda de negociação”.
74
Capítulo 5
INTEGRAÇÃO REGIONAL
A criação da União Européia abriu caminho para diferentes experiências de
integração regional, nem todas fadadas ao sucesso ou necessariamente
congruentes entre sí. No caso europeu, a linha evolutiva partiu da intensificação do
comércio e cooperação econômica para a formação de uma união aduaneira e daí
para o mercado comum. No caso do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América
do Norte), a idéia de se criar uma comunidade supranacional, com políticas externa
e comercial comuns, soa fora de eixo. Independentemente do grau de ambição
dessas experiências, o que caracteriza as iniciativas exitosas é o foco em interesses
econômicos tangíveis e não a busca de identidade ou de convergência política.
O Mercosul não constitui exceção a essa regra. Ao contrário da matriz que o
inspirou, no entanto, o bloco desviou-se do rumo traçado no início da década atual e
vem prosseguindo de forma errática, em percurso marcado por indefinições e
incertezas. Embora aspirasse a metamorfosear-se em mercado comum, nem ao
menos conseguiu consolidar uma união aduaneira efetiva.
O Mercosul atuou de maneira coesa enquanto existiu uma ambiciosa agenda
de negociações externas com os Estados Unidos e a União Européia. Paralisadas
as negociações, multiplicaram-se as divergências no interior do bloco. Foram
aceitas inúmeras exceções na Tarifa Externa Comum (TEC); perpetuou-se a dupla
cobrança da tarifa comum incidente sobre produtos importados de terceiros países
que cruzam as fronteiras entre sócios do bloco; adiou-se a adoção de um código
aduaneiro comum e criou-se um sistema de salvaguardas para proteger produtores
nacionais pouco competitivos. A esses contenciosos, somou-se a insatisfação dos
sócios menores, que se consideram excluídos dos ganhos da expansão do
comércio intra-bloco.
As tentativas de superar os impasses que paralisam o Mercosul têm levado
ora a iniciativas tendentes a aprofundá-lo, consolidando a união aduaneira, ora a
alargá-lo, ampliando o número de sócios, seja como membros plenos ou
associados. Ao lado dos parcos resultados obtidos pelos acordos firmados com
terceiros países ou blocos, o Mercosul tem-se aventurado em projetos temerários,
75
como a admissão da Venezuela, sobre cujo governo paira a suspeita de violar o
princípio democrático exigido pelo bloco, ou a formação da União das Nações SulAmericanas (UNASUL), um esquema de integração com ambiciosa agenda de
cooperação em temas alheios ao comércio regional.
No plano das iniciativas práticas, há necessidade de definição de projetos
factíveis para a integração energética e da infra-estrutura de transportes da região.
Outra iniciativa premente, esta no âmbito estrito do Mercosul, é a redução das
assimetrias de comércio e de desenvolvimento econômico que distanciam o
Paraguai e Uruguai dos sócios maiores.
Impacto do Mercosul sobre o Brasil
A transformação do Mercosul em união aduaneira em 1994 coincidiu com a
estabilização da economia no Brasil e na Argentina. O resultado foi um aumento
dramático dos fluxos de comércio intra-bloco, quintuplicando as exportações entre
os países-membros. Esse quadro alvissareiro foi revertido em janeiro de 1999,
quando o Brasil abandonou o regime de câmbio controlado, deixando a taxa de
câmbio flutuar livremente. Quase dois anos mais tarde, a Argentina viu-se também
obrigada a abandonar o sistema de currency board, com paridade fixa entre o peso
e o dólar, e a decretar uma moratória.
A crise, que custou ao país a renúncia do presidente Fernando de la Rúa e
uma contração de cerca de 15% do PIB nacional, estancou o avanço do Mercosul. A
subsequente reversão do saldo da balança comercial em favor do Brasil despertou o
protecionismo da Argentina, que passou a reivindicar salvaguardas para evitar
“assimetrias” nas relações comerciais entre os dois países.
Não surpreende que os atritos e disputas que pontilharam o percurso do
Mercosul nesta década tenham reduzido, ao menos em parte, a percepção de sua
relevância para o Brasil. Como mostra o gráfico abaixo, a grande maioria dos
entrevistados (78%) ainda considera o Mercosul benéfico para o Brasil. Mas essa
resposta empalidece em comparação com o clima que prevalecia sete anos atrás,
quando era praticamente unânime a avaliação positiva do Mercosul (91%).
76
A constatação de que o Mercosul encontra-se num impasse, observa um
experiente embaixador, sem que se vislumbre um rumo convincente para o bloco
avançar, leva a uma excessiva valorização dos ganhos comerciais. Suas
preocupações são as seguintes:
“O Mercosul é hoje o principal problema da política externa brasileira. Se os
sócios não têm uma visão compartilhada, como definir os caminhos a seguir?
Temos políticas muito divergentes, como o protecionismo argentino, e por
isso não podemos confundir resultados comerciais com avanços efetivos.
Quando a base da integração está em cheque, ganhos de comércio não são
bons indicadores. Para melhorá-los, deveríamos integrar as cadeias
produtivas. Não o fizemos e achamos que podemos resolver o problema
fazendo concessões”.
Na fracassada tentativa de concluir a Rodada Doha, a Argentina esquivou-se
de apoiar a decisão brasileira de liberar serviços e importações industriais em troca
de concessões no comércio agrícola, suscitando a possibilidade de que o Mercosul
venha a se tornar um entrave à atuação do Brasil. As limitações que a união
77
aduaneira impõe à liberdade dos sócios de buscar acordos comerciais com terceiros
países, observa um líder empresarial, nem sempre compensam os ganhos no
comércio intra-bloco.
“O Mercosul tem sido benéfico no sentido de uma maior integração comercial
e aumento de investimentos, porém impeditivo para a negociação de acordos
bilaterais com outros países.”
O Mercosul e o Poder de Barganha do Brasil
Até poucos anos atrás, prevalecia a opinião de que Mercosul dava ao Brasil
uma projeção internacional superior aos seus recursos de poder e à módica parcela
que sempre deteve no comércio mundial. Não é essa a opinião dominante hoje.
Como se vê no gráfico abaixo, a proporção que concorda que o Brasil precisa do
Mercosul para negociar acordos internacionais sofreu notável redução (72% em
2001; 38% hoje). Ao mesmo tempo, dobrou a proporção que acredita que o Brasil
está habilitado a negociar por conta própria (de 7% para 17%).
Refletindo sobre a flexibilidade conquistada pelo Brasil nas negociações da
Rodada Doha, um embaixador manifesta sua concordância com essa avaliação:
“Hoje, o Brasil não precisa mais usar o microônibus do Mercosul para ir a
uma negociação internacional, pode chegar no próprio carro. Devemos
defender os interesses nacionais na região sem truculência mas cultivar
relações próprias com os Estados Unidos, a União Européia e o resto do
mundo”
Ressalta um líder empresarial que a diplomacia brasileira tem sabido
aproveitar as oportunidades que se abrem ao Brasil no cenário mundial bem como
sua condição estratégica na América do Sul para valorizar a presença nos foros
multilaterais:
“A despeito de ser um pequeno comerciante global, o ‘PIB diplomático’ do
Brasil é muito superior ao seu PIB efetivo e até às suas correntes de
comércio, o que lhe tem permitido participar de negociações de formato
variado com os mais diferentes parceiros.”
78
Formato Preferido para o Mercosul
Seis anos atrás, a possibilidade de o Mercosul retroceder para uma área de
livre comércio não figurava entre as opções viáveis da comunidade brasileira de
política externa, atraindo o apoio de exígua minoria (4%). O gráfico a seguir mostra
que, hoje, a alternativa tem o apoio de 21% dos entrevistados, proporção
praticamente igual à que defende o fortalecimento do Mercosul como união
aduaneira.
79
Transformar o Mercosul em área de livre comércio, sem as disciplinas
inerentes a uma união aduaneira, é a opção preconizada por um empresário com
operações em vários países da região. Na sua opinião:
“O Mercosul deve ser uma área de livre comércio, ponto. Uma área de livre
comércio não é nada simples e é muito mais do que o Mercosul jamais foi”.
Retroceder da união aduaneira para simples área de livre comércio,
entretanto, pode não ser a melhor opção para o Brasil. Nas palavras de um
diplomata de alto escalão:
“O Mercosul como entidade não está ameaçado. Ele corresponde à realidade
dos fatos econômicos e tem um forte apoio político e de opinião pública. Mas,
nessa crise, vale a pena retroceder ou avançar? O problema de transformá-lo
em área de livre comércio é que ficarão de fora os setores automobilístico, de
informática e de bens de capital. Isso não será mudado com a revogação da
80
TEC. Para o Mercosul virar uma área de livre comércio só se o Brasil for
impedido pelos sócios de entabular negociações comerciais com terceiros”.
Surpreende, por outro lado, que a opção de transformar o Mercosul num
mercado comum, com instituições supranacionais e livre circulação de bens,
serviços, capitais e pessoas, congregue tanto apoio hoje quanto no início da
década. Esse ideal, que aparentemente ainda comanda as aspirações de pelo
menos metade dos entrevistados, desperta o ceticismo de um empresário para
quem o fiasco da união aduaneira não autoriza vôos mais altos. A seu ver:
“Na América do Sul, todos os esforços de integração, inclusive o Mercosul,
são ‘building blocks’ de algo que não se sabe o que vai ser. Ainda temos a
visão da integração econômica da América do Sul como uma União
Européia. Mas as atitudes dos nossos sócios e as perfurações da TEC
mostram que isso não caminha a contento”.
Opções de Integração do Mercosul
Entre ampliar e aprofundar o Mercosul, a opinião majoritária tende para a
primeira (54%) contra mais de um terço (37%) que prefere a segunda opção. Na
opinião de um diplomata de alto escalão, a integração é uma aspiração histórica da
América do Sul:
“Talvez haja um ponto em que surjam obstáculos a uma integração maior,
mas ele está muito distante. Classificações de países na América do Sul
escondem o fato de que eles podem se distanciar uns dos outros na retórica,
mas não na prática. O importante é convencer a região de que integrar-se
não é homogeneizar-se”.
81
Na realidade, argumenta o mesmo diplomata, não há incompatibilidade entre
aprofundar ou ampliar o Mercosul:
“Não existe uma divisão entre ampliação e aprofundamento. Hoje, quase
todos os países da América do Sul têm acordos de livre comércio com o
Mercosul. Nem todos são membros plenos pois os que têm tratados de livre
comércio com potências externas à região enfrentam certa limitação. Mas o
fato é que também somos uma união aduaneira e tratamos com muita
seriedade o aprofundamento do Mercosul”.
Complementando, observa que o “Mercosul deve ser visto como um ‘núcleo
duro’ de uma integração profunda, com coordenação de macropolíticas”. A
possibilidade de materializar esse projeto está evidente, a seu ver, na exitosa
evolução do bloco. “Em quinze anos, multiplicamos cinco vezes o comércio
regional.”
82
Contrariando essa avaliação, um militar de alta patente aponta as
dificuldades para o alargamento do bloco sem sua prévia consolidação como união
aduaneira. Nas suas próprias palavras:
“Na América do Sul, a primeira prioridade do Brasil é o Mercosul. Ao
expandir-se na região, ele se projetará internacionalmente não apenas no
campo da economia, mas também no da defesa. Mas a prioridade é a
Argentina, Paraguai e Uruguai. Se o Mercosul original não se consolidar, sua
periferia será comprometida. Hoje, ao alargá-lo, o que fazemos é agregar
mais instabilidade. O Chile é um caso à parte mas a Bolívia deveria ser a
última a aderir e a Venezuela nem sequer faz parte da complementaridade
estratégica do Brasil”.
Seja qual for o sentido da evolução do Mercosul, opina um conceituado líder
empresarial, projetos de integração calcados em afinidades ideológicas e não no
adensamento das relações comerciais, estão fadados ao fracasso:
“As relações entre os países são políticas, com base numa suposta
irmandade; mas quase nada acontece na área comercial e de negócios. Até
o Mercosul é uma área de integração comercial incompleta. Na Ásia, ocorre o
inverso: os países são politicamente adversários mas as relações comerciais
são intensas”.
A Admissão da Venezuela ao Mercosul
Desde que empalmou o poder na Venezuela em 1999, decidido a unificar a
América do Sul sob o ideário “bolivariano”, o presidente Hugo Chávez enfrenta
questionamentos quanto à legitimidade democrática de seu governo. Por essa
razão, causou surpresa a decisão do Mercosul de admitir a Venezuela como
membro pleno, sem prévia adaptação às regras da união aduaneira e sem exame
mais detido de sua aderência à cláusula democrática.
Embora essa decisão dependa de autorização parlamentar pelo Brasil e pelo
Paraguai, os vultosos saldos comerciais acumulados pelo Brasil e a perspectiva de
acesso aos recursos energéticos da Venezuela militam a favor de sua admissão.
Outra motivo defendido por um deputado é a necessidade de se evitar o isolamento
da Venezuela, o que poderia provocar uma radicalização do regime. Na sua opinião:
“Existem na América Latina alguns países que se consideram perdedores na
globalização e que se voltam para os modelos populistas que se julgava
83
superados. A questão é como tratar com eles. Dado nosso temperamento
conciliador, devemos impedir que os vínculos entre esses países e a
globalização se deteriorem, fazendo a ponte entre os dois”.
Para outros entrevistados, a assinatura do Protocolo de Adesão pelo governo
brasileiro é um fato consumado. Deixando entrever a contrariedade com a condução
do processo, um deputado não obstante se opõe a vetar a admissão da Venezuela:
“Não pensamos de forma fundamentada ao propor a adesão da Venezuela.
Mas agora temos que tocar adiante pois qualquer recuo provocará
instabilidade nas nossas relações com o país. Vamos aprovar a adesão
formal e depois trabalhar a relação. Chávez vai sempre tentar impor uma
matriz ideológico-política, mas o Brasil deve implementar a visão de uma
política de Estado”.
Esse perfil de respostas não deixa dúvidas de que o Congresso está frente a
espinhoso dilema. Uma minoria dos entrevistados (15%) quer que a admissão seja
negada; pouco mais de um terço (37%) que seja aprovada imediatamente e uma
parcela maior (41%) que a decisão seja postergada. “Devemos postergar a entrada
da Venezuela”, justifica um empresário, “porque a melhor opção, que seria negar, é
politicamente inviável.”
Entre os que se opõem à ratificação do Protocolo, reina o pessimismo quanto
ao futuro do bloco. Uma opinião representativa vem de respeitado embaixador:
“A entrada da Venezuela pode representar um beijo da morte no Mercosul,
pois o ideário e a prática de Chávez estão em aberta contradição com os
fundamentos
da
instituição:
economia
de
mercado,
livre-comércio,
regionalismo aberto e democracia representativa.”
84
Os defensores da não são menos eloquentes, argumentando ser necessário
separar uma política de governo de uma política de Estado. No dizer de um
pesquisador acadêmico:
“Venezuela é Venezuela, Chávez é Chávez. A Venezuela é estratégica para
o Brasil por causa da Amazônia, da energia e do fluxo de comércio a nosso
favor”.
Outra objeção à admissão da Venezuela é o risco de que seja alterada a
correlação de forças no Mercosul, deixando o Brasil à mercê das pressões
argentinas. Na observação de um influente empresário:
“Se a Venezuela entrar no Mercosul, mudará a lógica do bloco que é a
relação Brasil-Argentina. O eixo passará para Buenos Aires-Caracas. A visão
do governo Lula é de completa tolerância com o que a Argentina quer.
Ninguém investe lá, exceto as empresas privadas brasileiras. Mas, sempre
que pode, a Argentina age sem se preocupar com o Brasil.”
A Agenda de Integração com a América do Sul
85
Quando o Mercosul foi criado, estava ainda viva a memória dos erros e
tropeços de projetos anteriores de integração regional, como a Associação LatinoAmericana de Livre Comércio (ALALC) e a Associação Latino-Americana de
Integração (ALADI), cujo malogro deveu-se à excessiva ambição de seu alcance,
buscando unir o México à Patagônia, ou dos compromissos assumidos, que
visavam criar um mercado comum latino-americano.
A retomada atual de projetos igualmente ambiciosos, com compromissos
sobre diversas iniciativas de cooperação, renova a importância do debate sobre os
benefícios de uma integração mais profunda ou mais superficial na América do Sul.
Na observação de um pesquisador acadêmico, o que está em causa não é a meta
integracionista mas seu alcance. A seu ver:
“Existe unanimidade sobre a importância da América do Sul e quase todos
apóiam a integração. Mas, no Brasil, existem duas linhas. Um grupo quer
uma integração política para formar um bloco não-alinhado nas relações
internacionais. Mas existe outro grupo, inclusive no governo, que apóia
basicamente a integração comercial da região”.
Para aferir tendências, perguntou-se aos entrevistados qual deveria ser o
alcance do processo de integração na América do Sul, propondo-se duas
alternativas: uma agenda seletiva de integração, concentrada apenas no comércio,
investimentos e infra-estrutura de transportes e comunicações; ou uma agenda
profunda, que estimule o desenvolvimento e reduza assimetrias entre os países da
região e promova a cooperação política, social, ambiental, tecnológica e cultural.
A representação gráfica das respostas não deixa dúvidas sobre a preferência
majoritária dos entrevistados por um processo profundo de integração (65%).
Somente um terço (33%) inclina-se por uma modalidade mais superficial, centrada
básicamente em relações de comércio e a implementação de projetos que as
intensifiquem.
Em favor da última opção, um deputado argumenta que a real métrica do
sucesso de um projeto de integração regional deve ser a densidade dos fluxos de
comércio e investimento. Em suas próprias palavras:
“Para a região, o patamar inicial precisa basear-se em uma proposta ousada
de negociações comerciais, com abertura de mercados, tarifas baixas,
86
abertura ao fluxo de capitais entre os países e aprofundamento dos planos de
integração, principalmente a integração energética”.
A preferência pela integração profunda, por sua vez, revela a atração exercida
pelo mais bem sucedido esquema de integração regional, a União Européia. Nas
palavras de um deputado, a integração plena é garantia de estabilidade e antídoto
contra possíveis conflitos regionais:
“Só teremos uma integração efetiva se tivermos avanços econômicos,
geopolíticos, de infra-estrutura física, etc. Temos que superar o nacionalismo,
sem nos confrontarmos com ele mas promovendo uma cultura de integração.
Preocupa que o mundo esteja caminhando para conflitos regionais; daí a
importância de promover uma integração plena”.
Um destacado titular de função pública aconselha cautela com projetos muito
ambiciosos de integração regional, ressaltando que o Brasil nem sequer conseguiu
superar os obstáculos encontrados no âmbito do Mercosul. Na sua opinião, faltam
mecanismos institucionais que garantam o sucesso dessas iniciativas:
87
“Temos um déficit institucional no processo de integração. Na Europa, tudo
partiu de um pequeno grupo de países homogêneos. Aqui, convidou-se todos
os países para integrar a UNASUL. O fato é que os presidentes são mais
integracionistas do que as chancelarias. É preciso superar essa grande
resistência à supranacionalidade para evitar renegociar cada novo tratado”.
Por fim, sugere um empresário, a integração da América do Sul não pode ser
vista como um fim em sí mesmo, mas como etapa necessária para aproximar o
Brasil dos Estados Unidos. Ele próprio resume os passos evolutivos a serem
seguidos:
“Integrar comercialmente o continente é a primeira prioridade. Em seguida, é
crucial integrar a infraestrutura física de telecomunicações e transporte. A
terceira prioridade é a integração hemisférica”.
A Exigência de Disciplinas em Acordos de Livre Comércio
Constatado amplo apoio a uma integração profunda, surpreende a opinião da
maioria dos entrevistados (73%) a favor da inclusão nos acordos de comércio na
América do Sul de disciplinas similares às que foram rejeitadas pelo Brasil nas
negociações da ALCA, tais como a proteção aos investimentos, propriedade
intelectual e a liberalização de serviços e compras governamentais.
Um embaixador justifica a contradição entre impor disciplinas na região e
rejeitá-las em negociações externas como conseqüência inevitável da crescente
presença econômica do Brasil na América do Sul.
“Ironicamente, aquilo que nos é cobrado por parceiros como os Estados
Unidos e mesmo a União Européia é hoje algo que passa a nos interessar na
relação com os vizinhos, dado o fato noveleiro de termos grandes
investimentos em muitos deles”.
88
Para um influente empresário, a demanda por acordos que incluam
disciplinas mais restritivas em temas como investimentos resulta da expansão das
empresas multinacionais brasileiras na região. Segundo seu depoimento:
“As empresas brasileiras têm atuado na região de forma agressiva e
preponderante graças à estabilização monetária, mas precisamos de
mercados regulados, com garantias mútuas para investimentos e respeito
aos contratos”.
Integração Energética
Contabilizado
o
potencial
de
energia
hidrelétrica,
petróleo,
gás
e
biocombustíveis, a América do Sul encontra-se em situação invejável. No entanto,
todos os países da região enfrentam, em maior e menor grau, escassez de energia,
o que compromete sua capacidade de desenvolvimento.
O principal desafio a ser enfrentado é a formação de um mercado regional de
energia que articule a produção e transporte de insumos energéticos em patamares
de custos e volumes compatíveis com as matrizes energéticas nacionais. Por exigir
89
vultosos investimentos, longos prazos de
maturação e marcos regulatórios
estáveis, é um mercado para o qual os acordos regionais de integração têm
especial relevância.
Entretanto, o uso político da energia, exemplificado pela expropriação das
refinarias da Petrobras na Bolívia ou ameaça de renegociação de contratos de
fornecimento de gás e eletricidade pela Bolívia e Paraguai, aumenta a preocupação
com a segurança energética e gera apoio para políticas defensivas de controle e de
aproveitamento de recursos próprios para a geração de energia. No caso brasileiro,
a exitosa produção de biocombustíveis e a descoberta de vastas jazidas de petróleo
e gás na plataforma continental aguçou a percepção do risco de se desenvolver
uma matriz energética dependente de acordos frágeis com países de seu entorno.
Essa complexa problemática foi resumida em uma pergunta: o Brasil deve
fomentar a integração energética da América do Sul ou buscar a auto-suficiência? O
gráfico abaixo mostra que formar um mercado integrado de energia na região, com
marcos regulatórios estáveis e infra-estrutura adequada para o transporte de
energia, é a opção de metade dos entrevistados (51%) contra mais de um terço
(37%) que quer comercializar recursos de energia com os vizinhos, sem porém
abandonar a busca de auto-suficiência. Um pequeno grupo (12%), por fim, tenta
conciliar as duas abordagens.
Um importante quadro do Itamaraty pondera que a integração energética com
os países de nosso entorno dificilmente pode ser descartada face à necessidade de
complementação dos recursos energéticos do Brasil. Na sua opinião:
“A importância da América do Sul para o Brasil é função da nossa
capacidade de transformá-la em um asset. A região tem grande potencial
energético, o que nos interessa pois somos o maior consumidor regional de
energia”.
90
Por outro lado, lembra um empresário, é irrealista tentar equacionar a
questão energética na região sem incluir a Venezuela. A seu ver:
“A energia é a única área onde a oferta gera sua própria demanda.
Precisamos reestruturar a matriz energética do Cone Sul, que é baseada no
gás. Medidas paliativas não resolverão. Nossa intervenção deve se guiar por
investimentos hidroelétricos na bacia do Prata e pelo equacionamento da
questão do gás, que a Bolívia é incapaz de resolver mesmo com aumento de
investimentos pois os campos identificados representam só 0,3% das
reservas mundiais. O único país que tem gás abundante na América do Sul é
a Venezuela”.
No entanto, argumenta um experiente embaixador, é precisamente a
perspectiva de tornar o processo de integração energética dependente das vastas
reservas de gás de Venezuela que torna essa opção inviável na prática:
“A integração energética ficou comprometida. A idéia morreu com a atitude
da Bolívia, que vai se propagando pela região, com a Argentina suspendendo
91
o suprimento do Chile, etc. A Bolívia tem pouco gás para exportar e a
Venezuela pede grandes concessões em troca do seu. O Brasil deve buscar
outros fornecedores fora da região”.
Assimetrias entre Países Mais e Menos Desenvolvidos
A questão das assimetrias dentro do Mercosul tornou-se um grave problema.
Entre paraguaios e uruguaios prospera a avaliação de que o bloco lhes rendeu
parcos benefícios, exigindo iniciativas concretas para promover suas exportações e
estimular o desenvolvimento econômico. A eleição do novo presidente do Paraguai
e a admissão da Venezuela ao Mercosul podem tornar essas pressões
incontornáveis.
Muitos dos efeitos prejudiciais aos sócios menores se devem à integração
incompleta do Mercosul. As principais queixas incluem os obstáculos à livre
circulação de mercadorias, a dupla cobrança tarifária sobre produtos e as restrições
à busca de acordos comerciais com terceiros países. Outras insatisfações decorrem
de projetos bilaterais de complementação energética, envolvendo contenciosos
como o preço do gás natural da Bolívia e a compra da energia produzida pela usina
de Itaipu.
De forma geral, como assinala um diplomata, é de interesse estratégico do
Brasil reduzir essas assimetrias, buscando compartilhar nossos ganhos com os
países menos desenvolvidos da região. Em suas palavras:
“Não existe maior altruísmo do que o egoismo esclarecido. Somos um país
enorme, cercado de vizinhos que têm língua e cultura que não são
exatamente as nossas, mas que são amigos. Precisamos associá-los cada
vez mais ao nosso processo de desenvolvimento, mantendo um ambiente
externo
de
paz
e
cooperação,
potencializando
nossos
esforços
e
desarmando os espíritos no nosso entorno”.
Perguntou-se aos entrevistados quais são os instrumentos mais indicados
para reduzir essas assimetrias. A primeira alternativa - aumentar a competitividade
dos países menores ou menos desenvolvidos via financiamento de infra-estrutura,
apoio a pequenas e médias empresas, etc., segundo as diretrizes do recém-criado
Fundo para a Convergência Estrutural (FOCEM) – é preferida por 35% dos
entrevistados. Outros 26% optam por criar incentivos para as empresas dos países
92
mais desenvolvidos investirem nos países menores ou menos desenvolvidos. Um
terceiro grupo (20%) prefere eliminar entraves às exportações dos países mais
pobres para os grandes mercados da região. Os resultados estão resumidos no
gráfico abaixo.
Na opinião de um influente diplomata, incentivar importações dos países mais
pobres é a melhor estratégia para reduzir disparidades econômicas na região:
“É difícil para o Brasil liderar a integração econômica na região mantendo
elevados superávits comerciais com os vizinhos. Quanto maior a economia,
maior a generosidade com que deve tratar os vizinhos mais fracos. Se
podemos importar da Bolívia, por que importar de outro país? Mas a
generosidade precisa ser realista. O que não podemos fazer é oferecer e
nada receber em troca. Na hora de realizar seu comércio, os vizinhos não
podem procurar nossos concorrentes mais fortes.”
Remover os obstáculos ao comércio entre os países do Mercosul, como a
dupla cobrança da TEC e a inexistência de um código aduaneiro comum, é iniciativa
que conta com o apoio de experiente deputado. O risco, como ele bem assinala, é
93
que problemas de cunho tarifário e alfandegário acabem por inviabilizar o esquema
de integração sub-regional.
“Numa união aduaneira, é preciso haver uma redistribuição da renda das
aduanas. A dupla cobrança da TEC tem prazo para acabar, mas isso exige
um Código Aduaneiro atualizado e um sistema de renúncia fiscal pelos
países grandes para redistribuição ao Uruguai e Paraguai. Temos equívocos
e exageros nas alfândegas, onde encontramos e impomos barreiras nãotarifárias. A integração pode ser comprometida pelos guardas de fronteira”.
Essas opções não são mutuamente excludentes, observa um embaixador,
mas tampouco é realista esperar que as assimetrias sejam eliminadas. Na sua
visão:
“As três linhas de ação são complementares, e não excludentes. Cabe
persegui-las todas mas também ter consciência de que as assimetrias
poderão ser reduzidas mas jamais eliminadas. É mais importante eliminar as
frustrações do que as assimetrias propriamente ditas”.
94
Capítulo 6
SEGURANÇA E POLÍTICA INTERNACIONAL
O atentado de 11 de setembro deu nova dimensão à política de defesa dos
Estados Unidos, configurando uma agenda mundial de segurança centrada na
guerra contra o terrorismo. A reação norte-americana, guiada por uma estratégia de
supremacia, resultou em duas guerras, no Afeganistão e Iraque, com repercussões
em todo o mundo.
Mesmo distantes da região mais conflagrada, aguçou-se a percepção de que
nem o Brasil nem a América do Sul permanecerão indefinidamente à margem das
linhas de tensão que dividem o cenário mundial. O crescente entrelaçamento entre
fatores externos e internos deu origem, no entanto, a movimentos díspares. Por um
lado, observa-se um aprofundamento da colaboração intra-regional, com a
implementação de medidas de confiança recíproca entre os países do Cone Sul, a
qual tem sido fortalecida pela atuação conjunta do Brasil, Argentina e Chile na
operação de paz das Nações Unidas no Haiti.
Por outro, vem se disseminando um clima de contestação e confronto entre
os países andinos. Mesmo quando se descartam percepções mais fantasiosas
sobre as ambições internacionais da Venezuela, a iniciativa do presidente Hugo
Chávez no sentido de criar uma aliança militar entre os países que apóiam a ALBA
e sua destemperada intervenção nos recentes atritos entre a Colômbia e o Equador
são uma fonte de instabilidade e inquietação.
A necessidade de revisão da agenda de defesa e segurança deve-se não
apenas à possibilidade, conquanto remota, de enfrentamentos militares clássicos,
mas decorre também da forte expansão da criminalidade transnacional, com o
narcotráfico e o contrabando de armas níveis inauditos de violência criminal nos
países da região. Observa-se também um sensível aumento do poder militar sob a
forma de vultosos investimentos para o reequipamento e modernização das Forças
Armadas, os quais têm suscitado temores de uma nova corrida armamentista.
No Brasil, ganhou corpo o debate sobre o papel das Forças Armadas e já se
busca formular um novo plano estratégico de defesa. A aspiração do Brasil dar
projeção estratégica à liderança que exerce na América do Sul esbarra na relativa
95
fragilidade de sua atuação em questões internas e regionais de segurança e defesa.
No plano interno, destaca-se a polêmica sobre o uso da força militar no combate à
criminalidade e na garantia da segurança pública. São também tópicos sensíveis a
reestruturação
e
reequipamento
das
Forças
Armadas
e
o
estímulo
ao
desenvolvimento de uma indústria bélica nacional. No plano regional, iniciativas de
cooperação, como a recente proposta de criação do Conselho de Segurança SulAmericano, sinalizam uma reavaliação de orientações passadas. Há também uma
nova agenda de temas multilaterias, abrangendo principalmente a questão
ambiental e a preservação da Amazônia, que por vezes se confunde com as
preocupações relativas à soberania e integridade territorial do país.
Por fim, a despeito do Brasil aspirar a ser membro permanente do Conselho
de Segurança das Nações Unidas e dispor-se a participar de operações
internacionais de paz, sua agenda de segurança e defesa continua a ser
essencialmente regional.
Segurança Externa e Defesa Nacional
Contribuir para a manutenção da paz e da segurança coletiva são objetivos
tradicionais do Brasil. Sem embargo da bem sucedida missão de paz no Haiti, o
apoio à participação brasileira em operações dessa natureza caiu de 88% em 2001
para 74% em 2008. Caiu também (de 76% para 54%) o apoio à demanda de
assento permanente no Conselho de Segurança das ONU .
Embora a opinião continue majoritariamente favorável às duas iniciativas, o
envio de forças a um país com o qual o Brasil não tem laços culturais ou
econômicos, com o Haiti, moldaram em certa medida a percepção dos
entrevistados. É o que argumenta um líder de organização não-governamental, para
quem “o Brasil deve enviar tropas seletivamente. Só quando for para países que
tenham importância estratégica, econômica ou cultural para o Brasil.”
A adesão à operação de paz no Haiti não teve a ver nem com a necessidade
de treinar militares em táticas de combate, nem com a preparação da tropa militar
para uma eventual atuação na área de segurança pública no Brasil. É o que explica
um destacado embaixador:
A participação em missões de paz não tem por objetivo principal aperfeiçoar
nossas tropas, mas sim expressar concretamente nosso compromisso com
96
os objetivos maiores das Nações Unidas no que tange à segurança, à paz e
ao desenvolvimento.
A reforma do Conselho de Segurança e a conquista de assento permanente
para o Brasil é outro objetivo estratégico da política externa desde o governo
Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula, o Itamaraty formou aliança com
países que têm igual aspiração, como o Japão, Alemanha e a Índia (o G-4). Foi uma
estratégia acertada, avalia um embaixador:
“A candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança com o G-4 foi uma
estratégia acertada. O Conselho é um diferenciador do status dos países e
tem hoje um papel importante contra o terrorismo. Há a percepção de que os
Estados Unidos podem pautar a agenda do mundo, mas também que o Brasil
pode influenciar”.
Não é o que opinam outros entrevistados. Embora a reforma do Conselho de
Segurança seja desejável, ajustando a estrutura das Nações Unidas ao processo de
redistribuição do poder mundial, na prática ela se defronta com grandes obstáculos,
a começar da indisposição dos atuais membros de dividir o poder e perder o poder
97
de veto. Sobram também razões para se crer que o Brasil carece de condições
mínimas para atuar em âmbito global. É essa a crítica que um líder empresarial faz
à prioridade que a diplomacia brasileira atribui a esse objetivo:
“O pleito por um assento no Conselho de Segurança sem reforma prévia das
políticas externa e de defesa e, sobretudo, sem a capacidade de uma
atuação internacional mais efetiva, não passa de uma infantilidade
nacionalista. Há outras demandas muito mais importantes.”
No outro extremo, um militar de alta patente argumenta que o próprio fato do
Brasil ter decidido perseguir um objetivo tão ambicioso o coloca sob foco positivo no
cenário internacional. Na sua avaliação:
“Pleitear é mais importante do que conseguir. Pleitear é colocar uma carta na
mesa, ajudando a conformar a decisão do Conselho e a impedir outros
protagonismos.”
A Agenda Regional de Segurança
Embora no comércio o Brasil tenha interesses globais, em questões relativas
à segurança e defesa sua atuação é circunscrita à a América do Sul, a região que
delimita sua órbita de influência.
Desde o século passado, a América do Sul tem sido uma região pouco
propícia a enfrentamentos bélicos, embora não seja imune a virulentos contenciosos
territoriais entre alguns países. O que mudou foi a percepção de que existem novos
desafios de segurança, como o tráfico de drogas e armas e novas formas de
criminalidade transnacional, que exigem a cooperação bilateral, regional ou até
hemisférica para seu enfrentamento. Conforme a opinião de um influente deputado:
“Tirando o caso da Colômbia, não temos conflitos armados, movimentos
separatistas ou fundamentalismos na América do Sul. Mas a questão da
segurança e criminalidade está virando um problema de Estado, o que exige
uma política de Estado: repressão inteligente, fortalecimento do controle das
fronteiras e cooperação internacional em regiões críticas”.
Há também preocupação com o desfecho do combate à guerrilha na
Colômbia, principalmente em vista dos avanços recentes do governo. Acuados, os
guerrilheiros podem tentar escapar da perseguição das forças armadas colombianas
98
cruzando as fronteiras dos países vizinhos. É uma situação vislumbrada por um
deputado:
“O problema é que a guerrilha na Colômbia tem um efeito desestabilizador.
Devemos reforçar o efetivo militar de fronteira, com força dissuasória, sem
intervir. Mas os países que fazem fronteira com a Colômbia devem fazer um
cinturão de defesa contra as FARC”.
O surgimento de governos com uma agressiva agenda de influência na
região é também parte do novo cenário regional, representando uma ameaça
potencial para o Brasil. A Venezuela, em particular, é considerada uma força
desestabilizadora na América do Sul, como destaca um oficial militar:
“O cenário na América Latina vem mudando com a ascensão do
neopopulismo, inclusive o fenômeno Chávez – um elemento com recursos
abundantes e comportamento imprevisível. Popular na América do Sul, ele
não representa ameaça direta ao Brasil, mas disputa a liderança. Mas, no
segundo tempo, quando tiver 24 jatos Sukhoi, 10 submarinos e uma fábrica
de fuzis Kalashnikov, ele poderá tentar resolver pendências com a Guiana, a
Colômbia ou intervir na Bolívia”
Em perspectiva mais ampla, avanços da agenda regional de segurança não
podem prescindir da definição de um novo sentido de missão pelas Forças
Armadas, opina um deputado:
“O que vem afetando as Forças Armadas da Venezuela e do Chile e, daqui a
pouco afetará a Argentina é que seus referenciais estratégicos sumiram: a
Guerra Fria e o inimigo interno. As Forças Armadas precisam redefinir seu
papel, assumindo papel dissuasório”.
Reestruturação das Forças Armadas
Como se vê no gráfico abaixo, há acentuada convergência de opiniões em
torno de três pontos relacionados à reestruturação das Forças Armadas: a
integração das estratégias das três forças sob comando do Ministério da Defesa
(considerada de “extrema importância” por 66% dos entrevistados); investimento na
capacitação intelectual da força militar (62%) e investir no reaparelhamento e
modernização tecnológica das Forças Armadas (55%).
99
Uma leitura mesmo superficial dos dados mostra que a importância atribuída
ao investimento em recursos humanos é maior que ao investimento na
modernização dos equipamentos militares. A explicação é dada por um oficial militar
de alta patente:
“O fundamental no estamento militar é a dimensão humana. A dimensão
tecnológica pode ser ajustada num curto espaço de tempo, mas não a
preparação de oficiais e soldados. A Venezuela, por exemplo, não tem
capacidade para dar eficácia aos sistemas militares que está adquirindo.
Suas intenções com o armamentismo podem ser o controle coletivo, o
expansionismo ou até a hipótese de conflito com a Colômbia. Mas não
acredito que tenha eficácia para fazer nada disso”.
A importância atribuída à modernização das Forças Armadas não está
desvinculada da decisão de vários países vizinhos de reequiparem suas forças
militares. Como observa um deputado, esse fato acentuou a percepção de uma
relativa defasagem que é incompatível com aspiração do Brasil de exercer um papel
de liderança no continente. Na sua opinião:
“O Brasil precisa ter Forças Armadas compatíveis com seu papel não só na
América do Sul mas no mundo. Precisamos de Forças Armadas técnica e
materialmente preparadas e compatíveis com o tamanho de nosso território,
população, mar territorial, espaço aéreo, etc. Têm também um papel
dissuasório na América do Sul, com a mediação de conflitos entre os
vizinhos. Se as Forças Armadas ficarem abaixo das nossas expectativas, aí
sim se transformarão em fator de instabilidade”.
100
Talvez mais importante, aumentou o apoio às três medidas de reestruturação
das Forças Armadas desde o início dessa década, como mostra o gráfico a seguir.
A integração das Forças Singulares sob o comando do Ministério da Defesa passou
de 43% para 66% das respostas; o adestramento e capacitação intelectual da força
militar, de 43% para 62%, e o reaparelhamento e modernização tecnológica, de
27% para 55%.
“Defendo a integração das três Forças brasileiras, com comando unificado”,
resume um deputado. A tese também vem recebendo crescente apoio nos próprios
meios militares, segundo a opinião de destacado oficial militar:
101
“Em 2002, foi feita a primeira operação conjunta das três Forças na
Amazônia. Nos Estados Unidos, os militares tentam “to think jointly” há vinte
anos. Atuam em conjunto mas pensam diferente. Aqui, a resistência é bem
menor. A coordenação no Ministério da Defesa é uma construção lenta mas
chegaremos a um ‘pensamento combinado’”.
102
Entretanto, existem ressalvas ao processo de integração das Forças
Armadas. Nas palavras de um oficial militar:
“O Ministério da Defesa deve ser o grande coordenador, mas cada força tem
sua especificidade. Fizemos operações conjuntas e aumentou a integração.
Mas é preciso resistir à tentação de centralizar tudo. A padronização será um
caminho natural”.
Os resultados também mostram existir pouco consenso no que diz respeito
dois outros temas. Menos de um terço dos entrevistados atribui “extrema
importância” à realocação de tropas da regiões Sul e Sudeste para o Amazonas e
do desenvolvimento de tropas de pronto-emprego, opinião que não mudou
substancialmente desde o início da atual década.
Do ponto de vista das Forças Armadas, sugere um oficial militar, o ideal seria
conciliar as duas alternativas - expandir o efetivo e desenvolver tropas de prontoemprego. A seu ver:
“Sem prejuízo das tropas de pronto-emprego, precisamos na verdade
expandir o efetivo. Não houve expansão militar no Brasil de 1950 para cá. Só
para efeito de comparação, deve-se observar que o exército colombiano tem
cem mil homens a mais do que nós”.
Por sua vez, a resistência à realocação de forças militares para a Amazônia,
segundo um oficial militar, é que não está localizado aí o centro político e militar do
país. Em suas própria palavras:
“A defesa da Amazônia não se faz na Amazônia mas depende de todo o
poder nacional. Deslocar tropas para a Amazônia, debilitando a defesa de
regiões como São Paulo ou Rio de Janeiro, não faz sentido. Não há
possibilidade da Amazônia ser ocupada militarmente. Mas se não tivermos a
capacidade de defender nosso sistema produtivo e fontes de energia, não
fará sentido defender a Amazônia. Precisamos ter instrumentos de defesa da
Amazônia no meio ambiente, no combate ao crime, nos transbordos dos
conflitos colombiano e venezuelano, mas não podemos descuidar da
proteção dos centros do nosso poder político e militar.”
Por outro lado, não se pode subestimar a pressão para a presença efetiva
das Forças Armadas na região amazônica. Como observa um deputado:
103
“Devemos remanejar parte das Forças Armadas para a região Norte. Defesa
é como seguro: é bom não usar mas é preciso ter. Outro problema grave são
áreas contínuas que ultrapassam a fronteira, como reservas indígenas.”
As medidas mais controversas são a substituição do serviço militar
obrigatório pelo voluntariado (considerada de “muita ou extrema importância” por
43% e de “pouca ou nenhuma importância” por 54%), a capacitação das Forças
Armadas para garantir a lei e a ordem (53% contra 46%), a preparação de pessoal
para missões de paz (55% contra 45%), a integração militar da América do Sul (62%
contra 37%) e o desenvolvimento da indústria bélica nacional (65% contra 35%).
A substituição do serviço obrigatório pelo voluntário é enfáticamente
rechaçada por um militar de alta patente. A seu ver:
“Não vejo como acabar com o alistamento. Ele flexibiliza nossa restrição
orçamentária e sua extinção poderá nos afastar do contato com a sociedade,
revivendo o espírito pretoriano. Se o serviço obrigatório acabar, o sistema de
saúde do Exército entrará em colapso”.
Quanto à preparação de pessoal para missões de paz no exterior, existe a
avaliação de que as tropas brasileiras estão suficientemente capacitadas para
exercer essa função. “Já temos excelente preparação de forças de paz”, resume um
oficial militar.
É grande, entretanto, a resistência ao emprego de forças militares para a
garantia da lei e da ordem. Além da oposição que a hipótese desperta em larga
parcela dos entrevistados, inexistem regras jurídicas que dêem respaldo a esse tipo
de ação. A despeito disso, um deputado expressa opinião favorável ao envolvimento
das Forças Armadas no que muitos consideram ser função típica de polícia. Na sua
opinião:
“A segurança pública é parte da segurança nacional. Essa última envolve
também a segurança de nossos segredos industriais e tecnológicos e do
nosso patrimônio natural e cultural. As Forças Armadas têm um papel na
segurança pública. A globalização financeira e industrial promove a
globalização do crime”.
Outro ponto controverso é a proposta brasileira de criação do Conselho SulAmericano de Defesa, um órgão consultivo e de discussão, com responsabilidade
104
pela implementação de medidas de confiança entre as Forças Armadas dos países
membros, incluindo a realização exercícios conjuntos. Para um militar de alta
patente, trata-se de um objetivo factível visto que “as Forças Armadas sulamericanas se entendem muito melhor do que os governos. Manter o clima de
confiança entre nossas Forças Armadas, que até hoje não foi afetado, é uma das
prioridades do Brasil na região”.
Entretanto, o Conselho de Defesa não deve ser visto como embrião de uma
força militar conjunta tal como proposto pela Venezuela. Segundo um experiente
embaixador, “uma força militar conjunta é um non-starter” para as negociações que
visam estreitar a cooperação militar sul-americana. Concorda um deputado:
“O Brasil tem condições de ser um mediador dessa integração militar.
Entretanto, sou contra a criação de uma força militar conjunta na América do
Sul, o que pode criar um contencioso com os Estados Unidos. O Brasil não
deve formar com a América do Sul um bloco político-militar”.
A preocupação com a integridade territorial da região amazônica aflora na
manifestação de outro deputado, uma questão central nos processos de
colaboração entre forças militares regionais. Em suas próprias palavras:
“Temos dois pontos críticos para uma colaboração entre as forças armadas
da região: a Amazônia e a Tríplice Fronteira. Para o Brasil e América do Sul,
a Amazônia é uma questão de vulnerabilidade. Nas fronteiras secas e longas,
temos armas e drogas. Ainda não regulamentamos a área de fronteira que
garante uma faixa de 150 quilometros à União. Outro elemento é o espaço
aéreo. Precisamos de uma articulação entre o SIVAM e as forças terrestres”.
Nova Agenda Multilateral
Entre os temas da agenda multilateral nenhum ganhou tanta relevância
quanto a mudança climática. Painél de cientistas coordenado pela ONU divulgou em
2007 relatório prevendo conseqüências catastróficas caso a emissão de gases
poluentes não fosse controlada no futuro próximo. Nesse novo contexto, ficaram
defasadas as metas definidas pelo Protocolo de Kyoto. A questão atual são os
novos compromissos globais de proteção ao meio ambiente e prevenção da
mudança climática.
105
O Brasil não tem estado alheio às pressões crescentes despertadas pelo
problema do aquecimento global. Porém, ao contrário de sua atuação na defesa do
Protocolo de Kyoto, o país adotou postura defensiva em relação ao tema, alinhandose à tese, também defendida pela China e pela Índia, de que cabe às nações
desenvolvidas a responsabilidade pelo aquecimento global, pois historicamente
contribuíram com a maior parcela de emissão de gases poluentes.
O Brasil tem uma matriz energética relativamente limpa em comparação com
a China e a Índia, países que lideram hoje em níveis de poluição. O que fragiliza sua
posição nos fóros internacionais é a devastação de áreas de floresta pelo fogo, com
emissões de gases que o colocam entre os grandes poluidores, além da colocar em
risco a própria existência da floresta amazônica, tida como central para o equilíbrio
climático do planeta.
Não obstante a isso, a maioria dos entrevistados consideera que o Brasil
deve aceitar regras definidas em acordos internacionais e atuar em cooperação com
todos os países. Opor-se a isso em nome da soberania nacional, declara um líder
sindical, é um argumento insustentável:
“No caso do meio ambiente, o apelo à soberania nacional é indevido, desde
que seja realizada uma efetiva coordenação internacional de modo
multilateral, sem nenhum tipo de intervencionismo.”
O apoio à coordenação internacional não mudou desde o início da atual
década, como evidencia o gráfico abaixo.
106
Alguns entrevistados expressaram opiniões alinhadas com a posição oficial
brasileira da responsabilidade dos países desenvolvidos pelas emissões históricas.
Um líder sindical, por exemplo, afirma que “os custos de limitar as emissões devem
ser proporcionais às emissões históricas (ou seja, os paises desenvolvidos devem
pagar mais).” É mesma posição é defendida por um líder de organização nãogovernamental, para quem “todos devem limitar as emissões, embora obviamente a
maior responsabilidade, em termos absolutos e relativos, caiba aos países
industrializados”.
A questão ambiental é também vista como um possível ponto de atrito entre
países da América do Sul. Um deputado assinala que os problemas ambientais têm
provocado, ou servido de pretexto, para choques entre a Argentina e o Uruguai. Na
sua opinião:
“O problema central da integração econômica é a necessidade de integrar as
leis ambientais da região. Mas quisemos uniformizar a legislação por cima,
adotando a nossa como modelo. Agora temos aí as questões da papeleira
entre o Uruguai e Argentina e a do Rio Madeira entre Brasil e Bolívia”.
107
Com relação aos acordos internacionais, há ainda alguma resistência à idéia
de que eles devem impor a seus participantes a obediência a cláusulas de proteção
ao meio ambiente e de cumprimento de direitos trabalhistas. Um deputado, por
exemplo, se diz favorável a tais exigências, mas ressalva que “nos moldes atuais
acredito que mascarem o protecionismo dos países desenvolvidos.”
Um membro do Poder Executivo lhe faz coro:
“Acordos de livre comércio de bens e de serviços devem estar em
conformidade apenas com os artigos relevantes do GATT e dos acordos resultantes
da Rodada Uruguai. Cada país deve estar livre para aceitar compromissos em
matéria de proteção ambiental e direitos trabalhistas.”
Um líder empresarial discorda da imposição de exigências ambientais ou
trabalhistas em acordos comerciais:
“Os mercados e a opinião pública se encarregarão de forçar o cumprimento
de padrões mínimos para a comercialização de bens e serviços. Tratados
comerciais devem se limitar a abrir comércio, não a impor barreiras indevidas,
que atuam contra vantagens comparativas.”
108
Os resultados, contudo, não deixam margem a dúvidas quanto à notável
mudança de opinião relativamente a esse tópico. Em 2001, 58% rejeitava a tese de
que os acordos de comércio deveriam conter cláusulas ambientais e trabalhistas.
Em 2008, 66% concorda com essa possibilidade. Pode-se supor que a
preeminência conquistada pelas preocupações sobre o meio ambiente e a mudança
climática tenha contribuído para tamanha mudança.
Não se ignora que tais exigências podem encobrir práticas desleais de
comércio. Mas existem também razões ponderáveis em prol das cláusulas
trabalhistas
e
ambientais,
como
resume
um
líder
de
organização
não-
governamental:
“Ainda que tais exigências possam mascarar propósitos protecionistas, elas
não podem ser invocadas para descumprir determinados padrões éticos e o
princípio das justas salvaguardas (reserva de recursos para as gerações
futuras).”
109
Capítulo 7
POLÍTICA EXTERNA E REPRESENTAÇÃO DE INTERESSES
Nos últimos dez anos, estreitaram-se as relações entre a política externa e a
política interna como reflexo da crescente inserção internacional do país. Temas
centrais da agenda doméstica são cada vez mais afetados por decisões tomadas
em fóros internacionais. Consequentemente, a par do surgimento de novas e
complexas responsabilidades, que têm exigido maior sofisticação e competência do
corpo diplomático, aumentou também a demanda por mecanismos de participação e
consulta que permitam a representação dos interesses de grupos organizados ou
das grandes tendências da opinião nacional.
Mudanças empreendidas no governo Lula afetaram a formação da política
externa, bem como as relações entre o governo e a sociedade civil. De um lado, o
centro decisório de relações internacionais passou a ser partilhado pelo Itamaraty e
a assessoria internacional da Presidência da República. De outro, novos atores e
interesses foram instados a participar mais ativamente no processo de formação da
política externa, mesmo que essa participação se limitasse por vezes a legitimar
posições assumidas pelo governo.
Dar expressão a interesses domésticos na agenda internacional não significa
que
se
estabeleça
necessariamente
um
consenso
entre
autoridades
governamentais e setores organizados da sociedade quanto à prioridade ou ao
conteúdo dos temas de política externa. Feita esta ressalva, é preciso reconhecer
que aumentaram as divergências entre o governo e setores organizados da
sociedade, bem como dentro de cada um desses setores desde o início da década.
Ilustra-o o confronto nas negociações de liberalização do comércio agrícola da
Rodada Doha entre as posições ofensivas do agronegócio, escudada em seus
canais de interlocução com o Ministério da Agricultura, e as posições defensivas da
agricultura familiar representadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
A diplomacia presidencial, intensificada pelo governo Lula, manteve o Brasil
na órbita internacional, projetando visão positiva de suas possibilidades. Em sentido
contrário, algumas iniciativas de política externa tiveram repercussão negativa na
opinião pública. A política de cooperação aprofundada com a América do Sul foi
110
abertamente contestada quando o presidente Evo Morales nacionalizou duas
refinarias da Petrobras na Bolívia e discordâncias quanto ao alcance da integração
regional também afloraram em relação à admissão da Venezuela ao Mercosul, cuja
ratificação ora tramita no Congresso Nacional. Nos dois casos, avolumaram-se
acusações de descaso pelo interesse nacional motivado por simpatias ideológicas
ou gestos benevolentes destinados a contornar atritos com países de nosso entorno
imediato, projetando na política externa as polarizações da política doméstica.
A Política Externa do Brasil
Não são poucos os pontos de convergência entre a política externa dos
governos Lula e Fernando Henrique Cardoso. Além de linhas de continuidade no
tocante a objetivos e estratégias, em ambos os casos a diplomacia presidencial
ocupa o centro da cena diplomática, valendo-se da cobertura da mídia para reforçar
na opinião pública doméstica as escolhas da chancelaria. Essa abordagem tem sido
particularmente relevante para o governo Lula, permitindo-lhe recorrer a posições
mais extremadas na política externa para contrabalançar a execução de medidas
mais ortodoxas no plano interno.
Não surpreende, portanto, a avaliação predominantemente favorável que os
entrevistados têm da política externa de ambos os governos. Como mostra o gráfico
abaixo, 46% julga ser “ótima” ou “boa” a política externa do governo Lula contra
21% que a considera “ruim” ou “péssima”. Suas diretrizes também não suscitam os
extremos de opinião (13% a julgam “ótima” versus 5% que a julgam “péssima”).
111
O que deve ser ressaltado é que, em escala comparativa, a avaliação da
política externa do governo Fernando Henrique Cardoso é, em geral, mais favorável
do que a do governo Lula (62% de respostas positivas contra 46%).
Não faltam razões para tanto. No início da década, a política externa tinha
menos destaque no debate público e era mais restrito o número de atores e
interesses que se faziam representar no processo de sua formação. Nesse sentido,
a atual visibilidade da política externa e a ampliação da base de participantes
concorrem para dar maior repercussão aos reveses do que aos sucessos.
Em adição a isso, as propostas iniciais de política externa do governo Lula
foram excessivamente ambiciosas e os inevitáveis insucessos foram interpretados
como evidência da inaptidão do Itamaraty ou de escolhas equivocadas. É o que
conclui influente empresário, avaliando que os desafios de Chávez e Evo Morales e
os percalços do Mercosul como evidência de que o Brasil errou ao ampliar o
alcance da integração regional. Em sua avaliação:
“Os ideólogos do Itamaraty tentaram confinar a integração à América do Sul.
Mas essa política não deu em nada: o Mercosul não se aprofundou, a Bolívia
112
bateu de frente conosco, a Venezuela investiu na desestabilização regional.
É o que se chama dar ‘something for nothing’ ”.
A Representação de Interesses
Qual a relação entre opinião pública e política externa? A hipótese mais
tradicional é que o público tem baixos níveis de interesse e de informação sobre
questões internacionais e tende a reagir de maneira emocional às oscilações da
política externa. Uma concepção mais atual enfatiza a interação entre líderes e o
público na formação da política externa, especialmente o recurso a questões
externas para angariar apoio no cenário doméstico. Nesse sentido, a crescente
proximidade entre as agendas externa e interna, como a segurança no fornecimento
transnacional de gás ou ações contra empresas brasileiras em países vizinhos,
deveriam aumentar o interesse do público pelas relações internacionais do país.
Não é o que pensa a comunidade brasileira de relações internacionais. Na
sua percepção, a opinião pública continua a ter pouco interesse pelo assunto. (76%
hoje; 78% em 2001). Poucos acreditam que ela tenha muito interesse pela política
externa (11%) e outro tanto afirma que ela não tem nenhum interesse (18%).
113
Embora exista concordância quanto ao alheamento da sociedade face a
questões internacionais, poucos questionam a importância de se ter uma opinião
pública atenta e interessada ou, na ausência desta, uma multiplicidade de grupos
interessados em temas de política externa, como empresários ou organizações nãogovernamentais. O que surpreende é a percepção generalizada de que o Itamaraty
também dá escassa atenção às opiniões e propostas de terceiros, inclusive outros
ministérios do governo federal.
De oito grupos submetidos à avaliação, apenas quatro foram citados por pelo
menos um terço dos entrevistados como sendo objeto de “muita atenção” pelo
Itamaraty: associações empresariais (39%), outros ministérios do governo federal
(36%), meios de comunicação e o Congresso Nacional (ambos com 30%). No outro
extremo, encontram-se os sindicatos de trabalhadores (11%), as organizações nãogovernamentais e universidades e centros de estudo (18% cada).
Os resultados tornam-se mais acabrunhantes quando se observa que o
Itamaraty presta hoje menos atenção a todos os grupos do que fazia no início da
década, com a possível exceção do Congresso Nacional (30% nas duas pesquisas).
Universidades e centros de estudo (de 14% para 18%) e sindicatos de
trabalhadores (de 6% para 11%).
A pouca atenção dada pelo Itamaraty às opiniões de cidadãos e
parlamentares não decorre apenas do seu insulamento e zêlo pelo poder, mas
também da inépcia ou desinteresse dos grupos organizados em pressionar a
diplomacia. Não fazê-lo é colocar-se à mercê dos acontecimentos, como assevera
um destacado embaixador:
“O Itamaraty ocupa um espaço imenso por faute de combattants. Poucos
políticos ou empresários se importam com a política externa”.
Dos grupos avaliados, a opinião do empresariado é percebida como a mais
relevante para o Itamaraty. Mesmo assim, um empresário ressente-se da situação:
“A forma de agir do Itamaraty é hoje pouco profissional. Há preconceito no
relacionamento com as empresas. Nossas empresas estão se globalizando,
se projetando no mundo, mas essa geração no Itamaraty acredita que a ação
do Estado resolverá tudo. Os investimentos brasileiros ficam fragilizados pela
ausência de uma postura pró-negócios.”
114
A rigor, não se evidencia consenso nem mesmo em relação aos demais
ministérios do governo federal. O perfil de respostas indica que o Itamaraty
trabalhava de forma mais coordenada com outros ministérios no passado (36%
hoje; 57% em 2001). Esse resultado sugere a possibilidade de que a agenda
internacional do Brasil esteja mais consolidada como projeto diplomático do que
como projeto de governo. Sobre essa questão, observa um embaixador:
115
A visão integracionista do Itamaraty não é inteiramente compartilhada pelos
outros ministérios, cada um dos quais tem sua agenda própria.
Transladar interesses domésticos para a agenda internacional não é tarefa
trivial. No que diz respeito aos grupos percebidos como menos relevantes pelo
Itamaraty, destaque-se que as negociações comerciais ainda constituem tema de
importância secundária na agenda política da CUT e demais confederações
sindicais. Quanto às organizações não-governamentais, é recente sua participação
grupos temáticos destinados à formulação das posições de negociação na OMC.
O Congresso Nacional e a Política Externa
O papel do Congresso na formação da política externa tem-se limitado a
pouco mais do que referendar atos internacionais celebrados pelo Poder Executivo.
Na opinião da maioria dos entrevistados, esse é de fato o papel que lhe deve caber:
54% concorda que as decisões de política externa devem ser tomadas pelo
Executivo e ratificadas pelo Congresso, contra 38% que prefere que elas sejam
previamente negociadas com o Legislativo.
Trata-se de uma inversão da opinião que prevalecia no início da década. Há
sete anos, a maioria (54%) contemplava a idéia de ampliar as prerrogativas do
Congresso no campo das relações internacionais. A mudança pode refletir o
crescente domínio da agenda legislativa pelo Executivo, que dispõe do poder de
editar medidas provisórias e de formar maiorias parlamentares pela manipulação de
cargos e verbas. Pode dever-se também a estar hoje no poder a antiga oposição
parlamentar, posto que os temas internacionais eram defendidos pelos partidos de
esquerda.
Em parte, sugere um líder de organização não-governamental, é justificável
que o Executivo detenha a iniciativa para firmar tratados e acordos internacionais. O
que é fundamental, na sua opinião, é que a formulação da política externa tenha
amplo apoio no país:
“O Executivo deve ter a prerrogativa de avançar em alguns setores – por
exemplo,
negociações
comerciais
–
para
posterior
ratificação
pelo
Congresso. No entanto, a política externa deve ser de Estado e não de
governo, como é atualmente. Deve, portanto, ser negociada previamente com
toda a sociedade.”
116
Embora os parlamentares aspirem a exercer papel mais relevante em relação
à política externa, como atestam numerosos projetos em tramitação no Congresso
visando ampliar as funções do Legislativo nessa área, há uma percepção limitada
do que podem efetivamente fazer. Independentemente de alterações constitucionais
que ampliem os poderes do Congresso, observa um deputado com ampla
experiência internacional, é factível aumentar de imediato a atuação parlamentar.
Na sua avaliação:
“O Congresso não tem consciência do papel que pode desempenhar na
política externa. É preciso estimulá-lo a perceber a importância disso, mesmo
que não tenha repercussão eleitoral. Deveríamos criar uma Comissão de
Comércio Exterior ao lado da Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional”.
Um teste ácido da disposição do Congresso de atuar com alguma autonomia
na esfera da política externa será a ratificação da admissão da Venezuela ao
Mercosul. Tradicionalmente, os parlamentares buscam encaminhar matérias
desta natureza por meio de acordos consensuais e suprapartidários. No
entanto, as diatribes do presidente Hugo Chávez contra o Congresso
brasileiro têm dificultado a tramitação do Protocolo de Adesão. Seja qual for o
117
desfecho desta questão, a adesão da Venezuela transformou a politica
externa em matéria de controvérsia da política doméstica.
A Formação da Política Externa
A representação de interesses é apenas uma das faces da formação da
política externa. O segundo tema abrange tanto o processo de articulação de
interesses e definição de prioridades pelo governo, quanto os recursos de que ele
dispõe para implementar as decisões de política externa. Obter um consenso
mínimo sobre a política externa que dê legitimidade às suas decisões, fortalecendo
o poder de negociação, a credibilidade dos compromissos e a capacidade de defesa
de interesses, constitui nesse sentido um recurso fundamental. Sem consenso, o
governo será instado continuamente a explicar ao Congresso, aos grupos de
interesse e à opinião pública como suas opções de política externa atendem aos
interesses do país.
Entre as novidades diplomáticas instituídas pelo governo Lula, a criação de
uma assessoria internacional na Presidência da República com funções paralelas às
do Ministério das Relações Exteriores introduziu um elemento de instabilidade na
diplomacia tradicional. Desde o início do governo, a assessoria especial da
Presidência da República assumiu importantes missões diplomáticas, chegando a
representar o governo brasileiro numa tentativa frustrada de libertar reféns
sequestrados pelas FARC. A argumentação de um embaixador é taxativa. Para ele,
o duplo comando da política externa na região limita a eficácia da diplomacia:
“As decisões de política externa do Brasil são hoje de natureza ideológica. A
política externa tem um canal oficial e outro oficioso, conduzido pela
Presidência da República. E a agenda oficial acabou submetida à oficiosa”.
Um segundo fator de instabilidade apontado nas entrevistas é o uso
ideológico da política externa, quer para gerar ganhos partidários domésticos quer
para estabelecer um canal extra-diplomático de interlocução com países vizinhos. O
presidente Lula assumiu o poder em 2003 em meio a uma onda de governos de
esquerda e de tendências nacionalistas que se formou na eleição de Hugo Chávez,
em 1998, espraiando-se até a eleição de Fernando Lugo, no Paraguai, em 2008.
Sem embargo de possíveis convergências políticas, a adoção de modelos díspares
de desenvolvimento, alguns com extremada intervenção estatal, e de propostas
118
diversas de integração regional levaram a uma revisão pragmática da política
externa brasileira para a América do Sul. Na observação de um deputado:
“A suposição de afinidades ideológicas do Itamaraty provou-se ilusória.
Precisamos ter uma face generosa, mas afinidades ideológicas contam
menos nas relações internacionais do que interesses concretos”.
A perplexidade com os resultados deste enfoque não se limita aos críticos da
política externa. Como reconhece destacado titular do Poder Executivo, a
convergência ideológica não logrou reduzir os pontos de tensão e conflito na
América do Sul. Essa percepção é resumida como segue:
“Estamos vivendo uma situação nova e paradoxal. Na América do Sul, temos
oito governos de esquerda ou de centro-esquerda. São governos constituídos
democraticamente, têm uma agenda comum de desenvolvimento e de
redução de desigualdades, têm forte presença social e defendem a
integração regional. Qual é o paradoxo? Apesar de reunirmos todas essas
condições favoráveis, temos uma série de conflitos que não são graves mas
são múltiplos, ameaçando a integração. A esquerda nunca esteve tão bem e
nunca enfrentou tantos impasses”.
Na Bolívia, observa um diplomata, assistiu-se ao fim da ilusão de que uma
empresa pública de um governo de esquerda teria tratamento diferente daquele
dispensado às empresas de “países imperialistas”. A expropriação das refinarias da
Petrobras e a ameaça de aumento do preço do gás em flagrante violação de
contratos revelou o erro de cálculo da diplomacia brasileira. Em suas próprias
palavras:
“O ambiente na América do Sul é algo hostil ao Brasil devido a uma certa
ideologização da nossa agenda externa e uma certa cultura de bravata de
nossa diplomacia. A Bolívia foi um exemplo de má gestão de uma crise
externa, com o governo deixando-se tornar refém do governo Morales”.
O terceiro ponto de controvérsia é o virtual divórcio entre a política externa e
a política de segurança e defesa nacional. Não é essa a avaliação de um diplomata
de alto escalão do Itamaraty, para quem a estreita colaboração entre a força militar
e a diplomacia na operação de paz no Haiti evidencia a existência de apoios
mútuos. Na sua avaliação:
119
“O Itamaraty tem atuado em colaboração com o Ministério da Defesa, como
no caso do Haiti, que é também um exemplo de coordenação militar na
América do Sul”.
Ao contrário, confirma um respeitado embaixador, a regra tem sido o
insulamento dos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores. A supremacia da
agenda do desenvolvimento sobre a de segurança e defesa levou o país a
negligenciar a força militar como instrumento capaz de respaldar a política externa.
Uma reorganização institucional realista e eficaz colocaria a ênfase no
reequipamento das Forças Armadas e na utilização do poder militar nas relações
internacionais. Na sua visão:
“Nossa diplomacia sempre atuou divorciada das Forças Armadas, com a
possível exceção de Itaipu. O Brasil não tem razão de temer um conflito com
os vizinhos. Mas, por uma questão de dissuasão, necessitamos definir uma
política de segurança, equipar adequadamente as Forças Armadas, e o
Ministério da Defesa e o Itamaraty precisam aprender a atuar juntos. O
problema é que o mundo pós-Guerra Fria é completamente diferente do
mundo onde os nossos dirigentes diplomáticos e militares foram formados.
Ainda prevalece entre eles uma visão de confronto Norte-Sul que já não
existe. O narcotráfico e o desbordamento das FARCs para o Amazonas são
os desafios inquietantes de hoje”.
O último ponto a ser destacado são as mudanças internas no Itamaraty. A
intensa participação do Brasil em foros multilaterais; o extraordinário aumento do
número e complexidade de novas regulamentações emitidas por instâncias
internacionais e inter-governamentais e a multiplicação de contenciosos comerciais
têm acrescentado novas e pesadas responsabilidades aos afazeres da diplomacia
brasileira. Para desincumbir-se dessa diversidade de missões, observa um
embaixador, é necessário adaptar a estrutura interna da instituição:
“Hoje, o Itamaraty tem o dobro de departamentos que tinha há seis anos mas
isso não se tem traduzido em ações práticas. É preciso que ele se modernize
administrativamente”.
Na atual gestão do Itamaraty, houveram também mudanças nas regras da
carreira diplomática, acelerando a promoção de diplomatas mais jovens, e foram
120
criadas novas representações diplomáticas, principalmente em países da África e da
Ásia. Não são mudanças que contam com a anuência de todos, como exemplificam
as críticas formuladas por um embaixador:
“O Itamaraty tem uma parte política e institucional. Na área institucional, o
aumento de diplomatas e novas representações deixarão graves cicatrizes.
Na parte política, nada do que está sendo feito hoje é novo. O que está
dando certo é a continuidade, o que está dando errado são as ênfases. Até o
G-20, uma grande conquista, está hoje esfacelado. Era uma aliança agrícola
que não resistiu aos novos temas de Doha. Todas as outras iniciativas
(Oriente Médio, África, Conselho de Segurança, etc) fracassaram”.
Na mesma linha, um deputado considera mal sucedida a tentativa de estreitar
laços entre Brasil e África multiplicando as representações diplomáticas. O
contraponto, segundo ele, é a bem sucedida política da China na região:
“O Brasil tem tido um desenvolvimento errático na política externa. A
ampliação de embaixadas e de pessoal diplomático vem se dando na África,
com zero de resultados. Ao contrário da China, cuja aproximação com a
África resultou numa aliança estratégica que lhe assegurará acesso a
importantes recursos naturais e mercados, o grande número de viagens do
presidente Lula à África não resultou em iniciativas concretas”.
As mudanças na área administrativa da chancelaria brasileira geraram
críticas dentro da comunidade diplomática, às quais se somaram divergências sobre
os rumos da política externa. Estas questões estão na origem da inusitada divisão
da diplomacia brasileira que veio à luz recentemente, configurando nova fonte
doméstica de influência sobre a política externa. É a ela que faz referência o
depoimento de um embaixador:
“Hoje, existe um grupo de diplomatas experientes liderando um debate
interno. Isso é muito importante, pois a projeção do Brasil no mundo vem
aumentando. Não podemos mais fazer opções erradas”.
121
APÊNDICE 1
O Projeto de Pesquisa
O objetivo deste estudo é o de identificar as tendências prevalecentes sobre
os temas prioritários da agenda do Brasil na América do Sul segundo as percepções
de titulares de função pública e lideranças de diversos segmentos sociais que
integram a comunidade brasileira de política externa. Mapear as tendências
identificadas e difundir os resultados constituem objetivos complementares.
Como em 2001, as atividades de pesquisa envolveram duas etapas. A
primeira, de caráter qualitativo, utilizou entrevistas semi-estruturadas para mapear
as questões relevantes para a agenda do Brasil no mundo e na região. Na etapa
seguinte, as conclusões das entrevistas qualitativas foram validadas pela aplicação
de um questionário estruturado e a análise quantitativa de seus resultados.
A Seleção dos Entrevistados
Para selecionar as personalidades a serem entrevistadas, foi atualizada e
expandida a lista de membros da comunidade brasileira de política externa que
serviu de base para a realização de estudo anterior do CEBRI. Fez-se contato inicial
por carta, detalhando os objetivos do estudo e solicitando uma entrevista, seguido
de chamada telefônica para confirmação. Na etapa qualitativa, aceitaram o convite
30 pessoas, que foram entrevistadas entre abril e agosto de 2008. Daí até março de
2008, elaborou-se o questionário que foi aplicado a 150 pessoas.
Buscou-se assegurar na lista a representação dos diversos segmentos que
formam essa comunidade, como autoridades governamentais, congressistas,
líderes associativos, empresários, acadêmicos e jornalistas. Não se buscou,
entretanto, um critério de proporcionalidade. Em estudos de elites, é virtualmente
impossível adotar uma lógica de amostragem, pois existe forte elemento de
subjetividade na delimitação do universo.
Elites, por definição, não são identificadas apenas pelas posições formais de
poder político ou econômico que ocupam, mas também pela reputação de influência
de que desfrutam. Atribuiu-se, inicialmente, maior peso à posição formal ocupada
pelos integrantes da lista, acrescentando-se, a seguir, indicações de influência,
122
como participação no debate público, em fóruns especializados e publicações e o
julgamento de observadores abalizados.
Os respondentes distribuem-se pelos diversos segmentos, como segue:
1. Poder Executivo: Ministros de Estado e membros do primeiro escalão dos
Ministérios das Relações Exteriores, Defesa, Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior e Banco Central.
2. Congresso Nacional: Presidentes e membros das Comissões de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara de Deputados e do Senado;
da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, da Comissão
Parlamentar Conjunta do Mercosul e do Parlamento Latino-Americano.
3. Líderes Empresariais, Sindicais e de Organizações Não-Governamentais:
Presidentes e primeiro escalão de associações empresariais da indústria,
serviços
e
agricultura;
associações
de
trabalhadores
e
outras
organizações não-governamentais.
4. Empresários: Presidentes, vice-presidentes, diretores executivos e
assessores de grandes empresas industriais, financeiras e de energia
com atuação no comércio exterior.
5. Acadêmicos e Jornalistas: Editorialistas, colunistas e jornalistas da
imprensa escrita e televisiva de São Paulo e do Rio de Janeiro e
professores e pesquisadores acadêmicos nas áreas de relações
internacionais e defesa.
6. Conselheiros
e
Consultores
do
Centro
Brasileiro
de
Relações
Internacionais.
As Entrevistas
Todas as entrevistas foram feitas pessoalmente e duraram, em média, uma
hora. Na parte inicial, as entrevistas foram pouco estruturadas, dando a
oportunidade aos entrevistados de discorrer sobre suas escolhas. Na parte final,
foram feitas perguntas sobre questões específicas relativas à integração regional,
segurança e defesa, relações econômicas e comerciais e temas como direitos
humanos, proteção ambiental, terrorismo e narcotráfico. Com frequência, várias
123
dessas questões eram levantadas pelos próprios entrevistados. Observe-se,
entretanto, que nem todos os entrevistados responderam a todas as questões.
Pode-se objetar que o foco nas prioridades atuais do país distorce os
resultados do estudo pois permite que eventos contemporâneos exerçam pressão
sobre as percepções dos entrevistados. Esse poderia ter sido o caso das
declarações do Presidente Hugo Chávez sobre a lentidão do Congresso Nacional
em aprovar a admissão da Venezuela ao Mercosul.
Neste sentido, é útil fazer distinção entre dois tipos de agenda. Existe uma
agenda pública na qual questões internacionais de alta visibilidade e impacto podem
despertar o interesse e influenciar o sentimento da opinião pública, como
exemplificado pelo embargo canadense e as reações de indignação que provocou.
Mas essa agenda não coincide necessariamente com a agenda formal, isto é, o
conjunto de questões que são objeto de séria consideração por formadores de
opinião e decisores da política pública. Tais agendas são moldadas com base em
conhecimentos compartilhados e pressões de interesses organizados e a maior
parte das questões que as compõem demandam tempo e energia para seu
encaminhamento e resolução. Quando ganham proeminência na agenda formal,
essas questões ganham também certa força inercial que lhes assegura atenção
continuada, mesmo que à custa da exclusão de questões emergentes.
Análise
Categorizar
entrevistas
semi-estruturadas
apresenta
certo
grau
de
dificuldade, embora as respostas tenham sido enunciadas com clareza e concisão
pelos entrevistados. Ocorre que foram respostas elaboradas, desdobrando-se na
exploração de temas subsidiários. O esquema utilizado teve mais a ambição de fixar
as grandes áreas de consenso e dissenso do que propriamente explorar até o limite
a riqueza das informações coligidas.
Para transmitir a tendência geral das entrevistas, o conteúdo das respostas
foi mapeado com base na incidência de palavras-chave. Não se depreenda daí,
porém, que essa distribuição de frequências seja uma estimativa numérica acurada
das prioridades e percepções da comunidade brasileira de política externa como um
todo. Os entrevistados não foram selecionados com base em métodos
124
probabilísticos e nem todos responderam a todas as questões. As proporções que
aparecem no gráfico destinam-se a ilustrar a distribuição de opiniões e a mapear os
temas de interesse dos entrevistados, e não a prover uma representação estatística
das prioridades da comunidade a que eles pertencem.
Os resultados da análise do conteúdo das entrevistas qualitativas, que
serviram de base para a formulação do questionário usado na etapa quantitativa da
pesquisa, encontram-se no Apêndice 2, a seguir.
A Aplicação dos Questionários
Com base em lista organizada para a seleção das personalidades que
participaram da etapa qualitativa da pesquisa, foram selecionadas 150 pessoas
representativas dos segmentos que compõem a comunidade brasileira de política
externa. Elaborou-se também uma lista de substituições. Como na primeira etapa,
enviou-se previamente uma carta às pessoas selecionadas, descrevendo os
objetivos do estudo, convidando-as a participar e solicitando permissão para incluir
seus nomes na lista de agradecimentos.
Os temas e prioridades identificados na etapa qualitativa e estruturados em
forma de questionário incluem o papel do Brasil no sistema internacional; a
economia internacional, com foco no comércio multilateral e a integração regional;
áreas de interesse vital para o país e ameaças externas; prioridades da política
externa; segurança e defesa nacional; a atuação do Itamaraty e a representação de
interesses da sociedade civil.
Face à dispersão geográfica dos respondentes, inclusive os residentes no
exterior, adotou-se métodos variados para a aplicação dos questionários. Parte foi
feita por telefone, por entrevistadores especialmente treinados; parte foi respondida
online pelos próprios entrevistados e alguns foram preenchidos em entrevistas cara
a cara.
125
APÊNDICE 2
Prioridades da Agenda do Brasil para a Região e o Mundo
Quais são hoje as prioridades da agenda do Brasil no mundo e na América
do Sul? A importância atribuída pelos entrevistados aos diversos temas das
relacões exteriores do país pode ser aferida pela freqüência de palavras-chave nas
transcrições das entrevistas. Os resultados, agrupados em grandes àreas temáticas,
estão resumidos no gráfico abaixo.5
No tocante às áreas de interesse vital para o Brasil, surpreende que o
número de citações da Venezuela e dos países do Cone Sul (Argentina, Uruguai e
Paraguai) seja essencialmente o mesmo. Em 2001, a Venezuela mal aparecia no
quadro das preocupações da comunidade brasileira de política externa. São pelo
menos três os pontos de controvérsia sobre o país. O primeiro é sua adesão ao
Mercosul. Muitos entrevistados manifestam o temor de que o governo do presidente
Hugo Chávez prejudique negociações futuras do bloco, especialmente com a União
126
Européia e os Estados Unidos. O segundo ponto diz respeito à conformidade da
Venezuela com a “cláusula democrática” do Mercosul. Seus gastos militares, que
ameaçam deflagrar uma corrida armamentista na região, vêm em terceiro lugar.
No plano das relações bilaterais, destacam-se na América do Sul a Bolívia,
Chile e Colômbia. A expropriação de refinarias da Petrobras e o risco potencial para
a segurança energética do Brasil representado pela redução e/ou suspensão do
fornecimento de gás natural colocam a Bolívia no centro das preocupações
estratégicas do Brasil. Já a importância atribuída à Colômbia deriva de seu
infindável confronto com a guerrilha das FARCs.
Há um número significativo de menções aos Estados Unidos, cuja relação
especial com o Brasil tem experimentado altos e baixos ao longo da história. Por
outro lado, são relativamente escassas as referências a países da Ásia, Europa e
Oriente Médio, não obstante o aumento recente dos fluxos de comércio para esses
mercados. Dentre os países citados, sobressai a China.
As entrevistas revelam uma preocupação preponderante com a economia
internacional, destacando-se os fluxos de comércio e de investimento com os países
vizinhos, o desenvolvimento econômico da região e a participação do Brasil no
processo de integração regional. São também enfatizados os temas da integração
energética e infra-estrutura física.
Não se percebe consenso quanto à forma e escôpo da integração regional.
Alguns defendem um modelo de integração profunda, que possa eventualmente
evoluir para um mercado comum ao estilo europeu, acompanhado por políticas
tendentes a reduzir as assimetrias existentes entre os países da região. Outros
preferem uma forma de integração menos ambiciosa e mais seletiva, centrada em
grande medida nos fluxos de comércio e na integração energética e da infraestrutura de transporte e comunicações. O que os preocupa é a possibilidade de
que os acordos bilaterais entre os Estados Unidos e alguns países sul-americanos
possa desviar o comércio dos países que integram o Mercosul.
As menções ao Mercosul revelam extensa gama de preocupações. Persiste a
divisão entre os que postulam sua ampliação, incorporando novos sócios como a
Venezuela, ou o seu aprofundamento, com a criação de instâncias supranacionais e
5
Os temas encontram-se detalhados no Apêndice 3
127
a transformação da união aduaneira em mercado comum. Há também quem
defenda sua transformação em simples área de livre comércio em vista dos
impasses atuais. No que diz respeito aos acordos regionais, são raras as menções
à União das Nações Sul-Americanas (UNASUR). As negociações comerciais fora da
região tampouco entusiasmam. Vários respondentes manifestaram ceticismo quanto
ao futuro das relações entre o Mercosul, os Estados Unidos e a União Européia,
bem como às negociações multilaterais da Rodada Doha, no âmbito da OMC.
Os temas de segurança e defesa nacional vêm a seguir, com ênfase na
modernização das Forças Armadas. Deve-se notar que as menções a ameaças
convencionais à segurança, como a defesa das fronteiras, superam as menções a
ameaças não-convencionais, como o terrorismo. São preocupações que têm a ver
com o aumento da compra de armamentos por países da região, particularmente a
Venezuela, Peru e Chile. De fato, o reequipamento militar é o tema mais citado ao
passo que a proposta de integração militar da região foi praticamente ignorada. Há
preocupação específica com a Amazônia, vista pelos entrevistados como importante
questão estratégica.
No plano da liderança presidencial, destacam-se os presidentes Hugo
Chávez, da Venezuela, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil. Alguns entrevistados
apontaram a existência de um substrato ideológico na orientações de política
externa para a região.
Foram poucas as menções a organizações multilaterais e sua influência na
região. Da mesma forma, são relativamente escassas as referências a temas da
“nova agenda” multilateral, exceto democracia, tráfico de armas e drogas e meio
ambiente, que comparecem com baixa frequência.
128
APÊNDICE 3
8.2. Ocorrência de Palavras-Chave nas Entrevistas
(Detalhamento dos Temas)
Temas da agenda do Brasil na América do Sul
(Palavras-chave)
Áreas de Interesse Vital
América do Sul (exceto Cone Sul)
Venezuela
Bolívia
Chile
Colombia
Amazônia
Equador
Perú
América do Norte, Caribe e México
Estados Unidos
México
Haiti
Cone Sul
Argentina
Uruguai
Paraguai
Europa
Ásia
China
Índia
Oriente Médio
Irã
Rússia
Economia Internacional
Desenvolvimento econômico
Setor financeiro
Investimentos
Financiamento multilaterial (BID, BNDES)
Assimetrias sociais e econômicas
Negociações de comércio
Acordos de livre comércio
ALCA
União Européia
CAFTA
Comércio multilateral
Comércio externo e política comercial
Barreiras tarifárias e não-tarifárias
Integração regional
Mercosul
Número de
citações
500
263
101
55
29
26
25
15
12
97
84
9
4
101
66
19
16
13
16
12
2
6
1
6
337
164
36
33
13
13
119
38
18
13
2
54
51
3
286
136
129
União tarifária
Orgãos supranacionais (Parlamento, Tribunal)
Área de livre comércio
Mercado comum
Modalidades
Integração energética
Integração da infra-estrutura
Acordos de cooperação
Integração financeira (Banco do Sul)
Integração econômica
América do Sul
CASA
UNASUR
Grupo Andino
Segurança e Defesa Nacional
191
Política de segurança e defesa
Modernização e reequipamento das Forças Armadas
Integração militar regional
Ameaças convencionais
Defesa das fronteiras
Guerras e conflitos transnacionais
Ameaças não-convencionais
Guerrilhas
Terrorismo
Política Externa e Liderança Regional
190
Liderança regional
Hugo Chávez
Lula
Nestor Kirchner
Evo Morales
George Bush
Política externa
Política Internacional
75
Organizações multilaterais
Organização Mundial do Comércio
Organização das Nações Unidas/Conselho de Segurança
Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Nova agenda multilateral
Democracia e cláusula democrática
Tráfico de drogas
Direitos humanos
Tráfico de armas
Meio ambiente e recursos naturais
Imigração
Total de citações:
8
7
3
2
131
50
42
16
13
10
19
7
2
2
97
34
3
70
42
28
24
14
10
161
120
22
4
3
1
29
30
12
13
5
45
16
9
2
8
6
4
(1.579)
130
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Percepções da Comunidade Brasileira de Política Externa