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TRABALHO DE EXPANSÃO ASSOCIADO À PRESENÇA DE CIRCULAÇÕES LOCAIS
UTILIZANDO SIMULAÇÕES NUMÉRICAS
Clênia R. Alcântara 1 e Enio P. Souza 2
RESUMO – O objetivo deste trabalho é o de testar uma teoria termodinâmica, formulada a partir
do princípio da atmosfera como uma máquina térmica, em brisas marítimas e terrestres e de vale e
montanha através de simulações e tendo como domínio uma área na região costeira do Nordeste
Brasileiro (NEB). Anteriormente, essa teoria foi aplicada apenas em dados observacionais sujeitos
a erros de instrumento. Quando se utilizam modelos numéricos, todos esses erros são eliminados e o
conjunto de dados utilizado passa a ser mais confiável. Além disso, simulações desse tipo permitem
um melhor detalhamento dessas circulações. A teoria consegue prever com boa precisão tais
resultados. Embora a contribuição do termo ligado às circulações seja pequena, é a única
contribuição associada à conversão da entropia absorvida da superfície em energia cinética da
circulação.
ABSTRACT – The objective of this article is to test a thermodynamic theory based on the heat
engine principle for the atmosphere. The theory is applied to sea/land and valley/mountain breezes
through a numeric simulation for the Brazilian northeast coast (NEB). Before, this theory was tested
against observational data, subject to instrument errors. The use of numerical models makes the data
more reliable. Moreover, this type of simulation furnishes more details of the circulations. The
theory predicts the results of the simulation with good accuracy. Although the contribution of the
term related with the circulation itself is small, it is the only contribution associated with the
conversion of the absorbed entropy into kinetic energy of the circulation.
Palavras-chaves – Brisa, Trabalho de expansão, BRAMS
INTRODUÇÃO
As brisas são fenômenos de meso escala comuns em várias regiões do planeta, que surgem
como uma reposta da atmosfera aos contrastes de temperatura observados entre duas superfícies
distintas. Os tipos clássicos são as brisas marítimas e terrestres e de vale-montanha (Atkinson,
1981). Porém, outros tipos de alterações, tais como, na cobertura do solo, quanto à umidade e tipos
diferenciados de vegetação, também podem gerar circulações similares às brisas marítimas em
condições ideais (Mahrer e Pielke, 1977; Avissar e Pielke, 1989).
As variações locais induzidas por essas circulações têm conseqüências práticas importantes
nas condições de tempo local e na estrutura da camada limite, o que pode ser significante, por
exemplo, na dispersão de poluentes dos grandes centros urbanos (Mangia et al., 2004).
Souza et al. (2000) formularam uma teoria termodinâmica que permitiu quantificar os efeitos
1
Pós-Graduação em Meteorologia, Bolsista CNPq, Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, Rua Aprígio
Veloso, 882, Bodocongó, Campina Grande – PB, [email protected];
2
Prof. Dr., Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, Rua Aprígio Veloso, 882, Bodocongó, Campina Grande
– PB, (83) 3310-1202, [email protected];
2
combinados do desmatamento com a inclinação do terreno na intensidade das circulações diretas de
meso escala. Essa teoria baseia-se no princípio da convecção como uma máquina térmica (Rennó e
Ingersoll, 1996).
A partir desse estudo, Souza (2004) formulou uma teoria para calcular o trabalho de expansão
e de compressão devido à presença de circulações convectivas. Os dados utilizados nessa aplicação
foram observacionais, coletados em duas áreas distintas do Estado de Rondônia, uma coberta por
floresta e outra por pastagem. Esses sítios observacionais possuíam uma diferença de altitude de
140 m.
Porém, aos dados observacionais estão inerentes erros, tais como, erros do instrumento de
medição, de leitura e de calibração. Quando se utilizam modelos numéricos para este tipo de
aplicação, todos esses erros são eliminados e o conjunto de dados utilizado passa a ser mais
confiável, uma vez que não há interferência direta do observador. Além disso, simulações desse tipo
permitem um maior detalhamento das circulações.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo testar essa teoria em brisas resultantes do
contraste terra/mar e de vale/montanha na costa do nordeste do Brasil através de simulações
tridimensionais, e assim, separar a contribuição de cada termo para o trabalho total.
MATERIAIS E MÉTODOS
Teoria Termodinâmica para Circulações Locais
O trabalho de expansão associado aos ramos de um sistema de circulação induzida por
heterogeneidades à superfície foi derivado dos estudos de Souza et al. (2000) e é mostrado
detalhadamente por Souza (2004). A formulação final dessa teoria é dada pela Equação (1).
W=
γη
(c p ΔTna + L v Δr ) + RΔTna + 1 gΔz
(1 − γη)
k
A
B
C
(1)
D
em que Δr = rA − rB é a variação da razão de mistura, Δz = z A − z B é a diferença de altitude,
ΔTna = TB − TA +
g
gZ
éa
Δz é a diferença de temperatura não-adiabática, k = c p c v e η =
cp
c p Th
eficiência termodinâmica, Th é a temperatura da região próxima a superfície e Z é a profundidade da
camada limite. A eficiência foi obtida das simulações como uma média das eficiências calculadas
em cada ponto de grade ao longo da latitude e entre os pontos A e B.
O termo A da Equação (1) refere-se à quantidade de trabalho extra que é realizada a partir do
calor absorvido próximo à superfície devido ao aquecimento resultante da absorção, e da dissipação
de energia. O termo B mostra a absorção de calor latente quando há condensação ao longo da
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circulação. O termo C é o trabalho isobárico que existe mesmo não havendo circulações
convectivas. Por fim, o termo D representa a expansão devido à diminuição de pressão hidrostática
quando a parcela aumenta de altitude.
Aqui, o termo B será omitido dos cálculos, pois é importante no caso de sistemas precipitantes
saturados, e se considera que na simulação não houve condensação ao longo das circulações.
Quanto à fração de dissipação que ocorre a superfície γ, Souza et al. (2000) utilizaram o valor
γ = 1, o que implica que toda a dissipação ocorre próxima a essa. Porém, esta suposição é pouco
realista. Testes de sensibilidade levaram a escolha de γ = 0,6.
Simulações tridimensionais
As simulações foram realizadas no BRAMS (Brazilian Regional Atmospheric Modeling
System) com inicialização heterogênea e análises do Modelo Global do CPTEC – INPE. Estas
foram integradas com duas grades aninhadas, em que a grade externa foi centrada em (7ºS; 36°W) e
a grade interna foi centrada em (7°S; 35°W). Esta última pode ser vista na Figura 1a.
A grade externa teve resolução de 20 km com 55 x 55 pontos de grade. Já a grade interna teve
resolução de 5 km, com 142 pontos em x e 74 pontos em y. Na vertical, a atmosfera foi dividida em
32 níveis com espessuras diferentes, com 120 m a partir da superfície e aumentando a uma taxa de
1.2 até um máximo de 1000 m. Foram consideradas também, nove camadas para o solo, que foram
2.0 m, 1.75 m, 1.50 m, 1.25 m, 1.00 m, 0.75 m, 0.50 m, 0.25 m, 0.05 m e todas com umidade inicial
de 20%. O nuding para o limite lateral foi de 1800 s, para o centro do domínio foi de 21600 s e para
o topo do domínio foi de 10800 s. As parametrizações utilizadas foram: Chen e Cotton (1983), para
radiação de onda curta e onda longa, LEAF 3 – modelo solo/vegetação e deformação anisotrópica,
para a difusão turbulenta. A microfísica foi ativada no nível 2 e a parametrização de cumulus não
foi ativada.
Foi realizada uma simulação de 28 dias, com início a 00 UTC do dia 01 de novembro de 2003.
As saídas do modelo tiveram resolução temporal de uma hora.
Todos os cálculos e as análises que se seguem foram feitos para a latitude de 8°S. Tomou-se
como ponto de referência sobre o continente, a longitude de 35,25°W (ponto B) e sobre o oceano, a
longitude foi a de 34,75°W (ponto A) (ver Figura 1a). Assim, a diferença de altitude entre os pontos
é de aproximadamente 140 m (Figura 1b).
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(b)
(a)
Figura 1 – (a) Área compreendida pela grade interna utilizada nas simulações e (b) perfil de
topografia ao longo de 8ºS entre os pontos A e B.
RESULTADOS
A Figura 2 mostra o trabalho total de expansão calculado através da Equação (1) (linha preta)
e o observado na simulação (linha vermelha) devido às circulações do tipo brisa que ocorreram ao
longo da latitude de 8ºS. Percebe-se que há uma variação diurna de seus valores atingindo um
máximo em torno de 2500 J/Kg, que ocorre na presença da brisa marítima, e um mínimo de
aproximadamente 500 J/Kg, que ocorre na presença da brisa terrestre. Assim, os maiores valores de
trabalho são encontrados na presença da brisa marítima.
Percebe-se, também, que a teoria conseguiu prever com grande aproximação os valores
encontrados na simulação. O que é confirmado pela Figura 3, na qual se observa a dispersão entre
os valores do trabalho calculado e do trabalho simulado. O coeficiente de correlação nesse caso é de
aproximadamente 1.
(a)
(c)
(b)
Figura 2 – Trabalho de expansão simulado
(linha vermelha) e calculado nas circulações
(linha preta) para a latitude de 8ºS. Cada painel
contém as informações para os períodos (a) da
00 UTC do dia 01 até 23 UTC do dia 09, (b) da
00 UTC do dia 10 até 23 UTC do dia 19 e (c) da
00 UTC do dia 20 até 23 UTC do dia 28.
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Figura 3 – Dispersão entre o trabalho de
expansão observado na simulação e o
calculado através da teoria para a latitude de
8ºS.
Quando se passa a observar, individualmente, os termos da Equação (1), pode-se perceber a
contribuição de cada um deles para os valores do trabalho total (Figura 4). Assim, o termo A, que
representa o trabalho de expansão devido à presença das circulações locais, contribui pouco para o
trabalho total. O máximo dessa contribuição foi em torno de 6%, para eficiências que variaram
entre 1,0% e 3,5%, circulações com a profundidade máxima de aproximadamente 1200 m e
gradiente de temperatura máximo de 4 ºC. Contudo, essa é a única contribuição associada à
conversão da entropia absorvida ao longo da simulação em energia cinética da circulação.
Já o trabalho Isobárico (termo C), contribui significativamente para os valores do trabalho
total. Esse termo corresponde à expansão generalizada que ocorre devido à absorção de calor da
superfície, mas que não gera trabalho para a circulação, pois não altera o gradiente de pressão na
escala da brisa. A maior parte desse trabalho é usada para comprimir a atmosfera à noite, como uma
resposta ao resfriamento radiativo (Souza, 2004).
Quanto ao termo D, que representa a expansão devido à diferença de altitude, tem um valor
constante de 900,9 J/Kg, pois depende apenas da elevação do terreno.
(a)
(b)
Figura 4 – Contribuição dos termos A (linha
azul) e C (linha vermelha) para o trabalho de
expansão total calculado nas circulações (linha
preta) sobre 8ºS. Cada painel contém as
informações para os períodos (a) da 00 UTC do
dia 01 até 23 UTC do dia 09, (b) da 00 UTC do
dia 10 até 23 UTC do dia 19 e (c) da 00 UTC do
dia 20 até 23 UTC do dia 28.
(c)
6
CONCLUSÃO
Foi apresentada nesse trabalho, uma aplicação da teoria que permitiu calcular através de uma
formulação simples, o trabalho de expansão associado ao ramo inferior das circulações locais.
Aplicação esta realizada em uma região na costa do nordeste brasileiro utilizando o BRAMS.
Assim, percebe-se que a teoria consegue prever com boa aproximação os resultados
observados nas simulações.
A contribuição do termo A, que está relacionado às brisas, é pequena. Contudo, essa é a única
contribuição associada à conversão da entropia absorvida ao longo da simulação em energia
cinética da circulação.
O termo que mais contribui para o trabalho de expansão total é o termo C, que é aquele
relacionado à compressão atmosférica como uma resposta ao resfriamento radiativo.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1989.
CHEN, C.; W. R. COTTON, A one-dimensional simulation of the stratocumulus capped mixed
layer. Bound.-Lay. Met., v.25, p. 289-321. 1983
MAHRER, Y.; PIELKE, R. A.; A numerical study of the airflow over irregular terrain. Beitrage
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MANGIA, C.; MARTANO P.; MIGLIETTA, M. M.; MORABITO, A.; TANZARELLA, A.
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RENNÓ, N. O., INGERSOLL, A. P. Natural convection as a heat engine: A theory for CAPE. J.
Atmos. Sci., v.53, p.572-585. 1996.
SOUZA, E. P., RENNÓ, N. O., SILVA DIAS, M. A. F. Convective circulations induced by surface
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Revista Brasileira de Meteorologia, v. 19, n. 2, p. 141-148. 2004.
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