Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004
João Vianei Soares
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Capítulo 4 – Umidade atmosférica e precipitação
Introdução a Hidrologia de Florestas
A. Umidade atmosférica
A soma de todo o vapor d’água, névoa e gelo da atmosfera representa (se condensado) 25
mm de água na superfície terrestre, 10 vezes mais que a água de todos os rios do planeta. A
precipitação vem deste suprimento transitório.
A umidade atmosférica absorve ou reflete aproximadamente metade da radiação de ondas
curtas durante o dia e ajuda a reter radiação de ondas longas (dia e noite).
A umidade atmosférica também controla a evaporação permitindo o armazenamento de
água no solo.
1. Na medida que o ar se aquece, sua capacidade de reter umidade aumenta. Por
outro lado, na medida que se resfria, partículas de nuvem podem crescer por
coalescência provocando chuva e neve.
Conteúdo de saturação de vapor é a quantidade máxima de vapor que pode existir a
uma dada temperatura.
Umidade específica é a razão entre a massa de vapor d’água e a massa total de ar
que o contém (g/kg) – não muda com a pressão.
Umidade absoluta é a razão entre a massa de vapor d’água e o volume total de ar
que o contém (g/m3) – muda com a pressão. A densidade do ar seco, ao nível do
mar, é aproximadamente 1,276 g/m3. A umidade absoluta é, em geral, menor que
0,005 g/m3; isto é menos que 0,5 % em vapor.
Pressão de vapor é a pressão parcial exercida pelo vapor d’água (e) em ar úmido. É
expressa em bars (b) ou milibars (mb):
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1 b = 1000 mb = 0,987 atm (pressão atmosférica ao nível do mar)
1 b = 105 N/m2 = 105 Pa = 0,1 MPa
1 mb = 102 N/m2 = 0,1 KPa
Pressão de saturação de vapor (es) é a pressão parcial de vapor d’água na condição
de saturação. É dada por (em função da temperatura):
es = 0,61078 exp
17,269 × t
t + 237,3
[4.1]
Pressão de saturação de vapor,
e s (KPa)
em que es é em KPa e t é em oC.
8
7
6
5
4
3
2
1
0
0
10
20
30
40
50
o
Temperatura ( C)
Figura 4.1 Pressão de saturação de vapor es em função da temperatura.
Umidade relativa do ar é razão entre a pressão de vapor e a pressão de saturação:
UR(%) =
e
× 100
es
[4.2]
Déficit de pressão de vapor é a diferença (es – e) em mb (ou KPa)
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Ponto de orvalho é a temperatura na qual o ar em processo de resfriamento se
satura. Resfriamento adicional resulta em condensação provocando orvalho.
Razão adiabática: refere-se a variação da temperatura com a altitude (acima do nível
do mar) de aproximadamente 6,5oC para cada 1000 m. Se uma parcela de ar de 1 kg
e UR de 30%, contendo 5 g de vapor, sobe na atmosfera a partir do nível do mar,
sem ganhar ou perder calor, sua temperatura cai “adiabaticamente”. Adiabático
significa sem perder ou ganhar energia; a temperatura cai porque a energia da
parcela em ascensão vai para a expansão dos gases que a compõe. A UR aumenta
com a subida. A parcela atinge o ponto de orvalho e as gotas de nuvem se formam.
Quando a umidade relativa do ar atinge 100%, a declividade de queda da
temperatura deixa de ser adiabática seca (Figura 4.2), devido ao calor latente de
condensação (586 cal/g). Desta forma, o processo de formação de chuva usa sua
própria energia de condensação, empurrando a parcela de ar cada vez mais para
cima até que parte da água das nuvens é precipitada.
altitude
UR(
Ra
zã
o
ad
ia b
áti
c
a
se
ca
%)
q (g/kg)
100%
3g/kg
100%
4g/kg
100%
5g/kg
80%
5g/kg
50%
5g/kg
30%
5g/kg
Temperatura do ar
Figura 3.2. Processos adiabáticos de formação de nuvens.
2. Instrumentação de medida de umidade atmosférica.
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Psicrômetro: par de termômetros montados lado a lado, ambos ventilados, um seco (T)
e outro mantido úmido por um algodão em contato com água destilada, de modo que
sua temperatura é mais baixa devido ao resfriamento provocado pela evaporação da
água até atingir o equilíbrio (Tw), de acordo com a equação abaixo:
e = es − γ (T − Tw )
[4.3]
em que γ é a constante psicrométrica (0,66 mb/oC).
Higrômetros: usam peles de animais ou cabelo humano, materiais que se expandem ou
se encolhem quando absorvem vapor, para medir UR. Indicadores mecânicos são
ativados. Termo-higrógrafos são registradores automáticos de UR e temperatura,
comumente usados em estações meteorológicas.
Existem outros tipos de instrumentos baseados nos seguintes processos físicos: 1)
condensação de um filme de vapor; 2) mudança de propriedades químicas ou elétricas
por absorção de vapor e, 3) espectro de absorção de vapor d’água.
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B. Estados de energia da água
A figura 4.3 mostra os estados de energia da água e os processos de troca entre eles.
ção
sublima
orvido
Calor abs
a
sublim
ção
estado líquido
r a do
água
e
Calor lib
o
çã
a
r
o
ap
do
ev
rvi
o
s
ab
lor
a
C
c
Ca ond
lor en
lib saçã
era
o
do
vapor d’água
congelamento
Calor liberado
gelo
fusão
Calor absorvido
estado sólido
Figura 4.3 Estados de energia da água e processos de troca envolvendo liberação e absorção
de calor.
O calor específico da água, cp, é 1 cal/g/oC, isto é: é necessário 1 cal para elevar em 1 oC a
temperatura de 1 g de água.
O calor latente de vaporização e condensação é 586 cal/g a 20oC. É função da temperatura:
L = 597,3 − 0,56 × t ( o c)
O calor latente de fusão e de congelamento é 80 cal/g.
O calor latente de sublimação é 679 cal/g.
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C. Precipitação.
Precipitação ocorre quando grandes massas de ar úmido atingem altitudes elevadas
devido a convecção, a invasão de massas quentes e frias uma sobre a outra ou devido a
forçagem orográfica. O resfriamento noturno devido à perda de radiação provoca
orvalho e geada, mas não esfria massas de ar o suficiente para provocar chuva ou neve.
1. Tipos de chuva. Três mecanismos de classificação
Chuva de convecção são causadas por aquecimento solar diferencial do solo e camadas
de ar mais baixas (principalmente no fim do verão). Células convectivas vão de 25 a 30
km2, mas a intensidade de chuva pode ser elevada pois as nuvens vão até 15 km ou mais
(granizo se forma nestas elevações).
Chuva frontal ou ciclônica são causadas por ar quente invadindo ar frio ou vice-versa.
O ar quente é forçado para cima, provocando precipitações de duração longa e sobre
áreas extensas.
Chuva orográfica é causada por ar úmido sendo forçado para cima por uma barreira
física, como as montanhas de uma linha costeira (serra do mar, p.e.)
2. Formas de precipitação
Chuva é formada quando as gotas condensadas tornam-se muito grandes para
permanecer em suspensão. Gotas em queda crescem por coalescência e condensação até
6 mm e posteriormente são divididas em gotas menores pela própria aceleração
gravitacional.
Neve se forma quando o vapor d’água se resfria ligeiramente abaixo do ponto de
congelamento, em torno de 0oC (altas latitudes e montanhas elevadas).
Garoa chuva com gotículas menores que 0,5 mm características de tempo frio.
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Granizo ocorre quando bolas de gelo são formadas por movimentos ascendentes e
descendentes nas camadas mais altas de chuvas convectivas.
Orvalho e geada formam em pequenas quantidades quando as superfícies são resfriadas
por radiação abaixo do ponto de orvalho.
D. Medida de precipitação
1. Pluviômetros e pluviógrafos: coletores fixos com área de coleta conhecida (padrão nos
EUA é 20,3 cm), que medem a quantidade total de água num dado período de tempo ou
registram (tambor com papel registrador acionado por mecanismo de relojoaria), por
um processo de peso comunicando a um marcador mecânico (caneta) ou a um bico de
jato de tinta em que um evento é registrado cada vez que um pequeno copo é
preenchido e esvaziado num movimento alternado para frente (copo cheio) e para trás
(copo vazio). Neste tipo, usa-se um sifão é usado para esvaziar temporariamente o
reservatório.
2. Dois problemas fundamentais
a) Associado a erro instrumental: como projetar um instrumento para medir
precipitação com precisão em um ponto (problemas de turbulência provocada por
vento, gotas respingando para fora e para dentro)
b) Erro amostral: como locar uma rede de coletores para amostrar uma determinada
área com limite razoável de precisão (erros devido a proximidade de barreiras,
efeitos orográficos, padrões de vento em clareiras)
Medições em clareiras devem ser feitas de tal modo que as árvores se situem abaixo da
linha de visada de 45o em relação ao pluviômetro. Medidas acima da copa das árvores tem
efeito de turbulência devido ao vento e em clareiras muito pequenas surge o efeito do
afunilamento do vento e da coleta de gotas procedentes de árvores próximas aumentando
artificialmente a precipitação.
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E. Intensidade de chuva, duração e velocidade.
1. Intensidade de chuva é o total precipitado por unidade de tempo. A taxa máxima
possível é em torno de 10 mm/min. Duração é o tempo no qual uma chuva ocorre.
2. Duração-quantidade-área é um conceito usado em projeto de reservatórios, no qual se
computa a área máxima de influência de um evento de precipitação de determinada
altura (mm) e duração (horas). Quanto maior a área, menor a altura precipitada. Eventos
de curta duração mostram uma redução maior da precipitação média /área que eventos
mais longos.
3. Velocidade da chuva é importante nos processos de erosão e sedimentação. Chuva
pesada em solo nu provoca uma mistura de partículas finas do solo na água que
reduzem a infiltração no solo, provocando escoamento superficial e erosão.
Tipo
Intensidade
Diâmetro da gota
Velocidade terminal
(mm)
(ms-1)
-1
(mm h )
Garoa
≤ 0,3
≤ 0,5
4,2
Chuva moderada
1,2 – 3,8
1,2 – 1,5
5,0
Chuva pesada
15 – 100
2,5 – 6,5
7,6
F. Análises de freqüência
Análises de freqüência necessitam um certo número de anos de registros.
Com que freqüência um evento de determinada intensidade ocorre? Existem ciclos
previsíveis em eventos extremos ou eles ocorrem aleatoriamente?
1. Séries anuais, parciais e completas. Selecionando, p.ex., o maior evento de
chuva anual de 24 h para vários anos, e arranjando-os em ordem decrescente
temos uma série anual. Se eventos maiores que 10 mm são organizados
(independentemente de quantos ocorreram por ano) temos uma série parcial. Se
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todos os eventos de 24 h são ordenados em ordem decrescente, temos uma série
completa.
2. Período de recorrência é o período de tempo médio esperado entre dois eventos
de determinado impacto. É o recíproco da probabilidade (p):
Tr =
1
p
[4.4]
P.ex., se um evento de 250 mm em 24 h ocorre em 100 anos de uma série de 1000, a
probabilidade p de o mesmo ocorrer em qualquer ano é 100/1000 = 0,1, então Tr =
10 anos. Mas um período qualquer de 10 anos pode conter vários ou nenhum evento
destes.
Tr é em geral estimado a partir de séries anuais pelo uso da seguinte aproximação:
Tr =
n +1
m
[4.5]
em que n é o número de anos do registro e m é o ranking de um dado evento. O
maior evento de chuva num período de 10 anos tem ranking 1, o 2o maior ranking
2,... Seja um evento de 120 mm em 24 h de ranking 2, então Tr = (10+1)/2 = 5,5
anos para eventos de 120 mm ou maiores.
3. Uso de Tr. De quantas maneiras um evento pode ocorrer ou não em dois anos
sucessivos?
Ocorrência
Não ocorrência
Uma vez
OX
XO
Duas vezes
nenhuma
XX
OO
Em 3 das 4 maneiras da tabela acima, pode ocorrer o evento X.
A probabilidade de qualquer das 4 combinações ocorra é:
p2 + q2 = 1
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em que p2 é a probabilidade de ocorrência em 2 anos e q2 é a probabilidade de não
ocorrência em 2 anos. Então,
p2 = 1 − q2
Uma regra básica é que a probabilidade de não ocorrência em várias oportunidades é o
produto das probabilidades de não ocorrência em cada oportunidade. Ou,
p2 = 1 − (q)(q) = 1 − q 2
Ou generalizando,
pn = 1 − q n
[4.6]
sendo pn a probabilidade de ocorrência em n anos e qn a probabilidade de não ocorrência
elevada a n-ésima potência.
Por exemplo: um dique é construído para impedir enchentes causadas por um evento de
período de recorrência de 100 anos. Qual é a chance de falha em 25 anos?
A probabilidade de ocorrência em qualquer ano é p=0,01 e de não ocorrência é
q = 1 – p = 0,99. Assim p25 = 1 − (0,99) 25 = 1 − 0,78 = 0,22 , isto é, uma chance de 22 % de
não reter a enchente em 25 anos.
Suponhamos que um risco de apenas 5 % seja aceitável, isto é, p25 = 0,05. Para que período
de recorrência o dique necessita ser projetado?
0,05 = 1 − q 25
q 25 = 0,95
q = 0,998
p = 1 − q = 0,002
Tr =
1
= 500 anos
p
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G. Espacialização de precipitação.
Medidas pontuais podem ser interpoladas para estimativas por área de três modos: 1) média
aritmética, 2) polígono de Thiessen e 3) método das isoietas.
O método do polígono (é o mais prático) permitindo uma ponderação arbitrária para cada
coletor pela área mais próxima ao mesmo (Figura 4.4 e Tabela). O método das isoietas é
mais usado em pesquisa porque exige mais conhecimento sobre a topografia e estrutura
espacial da precipitação.
2
1
3
4
6
5
Figura 4.4. Método dos Polígonos de Thiessen.
Os coletores são conectados e linhas perpendiculares são traçadas cortando as linhas entre
estações ao meio, formando os polígonos de influência (ponderação) de cada estação. Pela
tabela abaixo, temos que a média aritmética indica 120 mm de precipitação para a bacia
enquanto o método dos polígonos fornece um valor mais preciso de 131 mm
Estação
Precipitação (mm)
Fração em área do Precipitação
polígono
ponderada (mm)
1
160
0,30
48
2
150
0,08
12
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3
140
0,28
39
4
120
0,21
25
5
100
0,01
1
6
50
0,12
6
Totais
720/6 = 120 mm
1.00
131 mm
1. Preenchimento de falhas de registro. Digamos que o registro de um dado mês não
ocorreu na estação X e queremos recuperá-lo para calcular a média ponderada de
precipitação sobre uma dada bacia. Usa-se o método da razão normalizada que consiste
em estimar o valor perdido Px a partir da razão entre a média mensal de precipitação da
_
_
estação X ( Px ) e a média mensal das outras n estações ( Pn ) e realizar a média
aritmética expressa na equação [4.7]:
_
_
_
P
P
1 Px
Px =
P1 + _x P2 ... + _x Pn
_
n
P1
P2
Pn
[4.7]
H. Qualidade da água de chuvas.
Mesmo a mais pura água da chuva tem uma pequena quantidade de CO2 dissolvido,
provocando uma fraca reação ácida. Em unidades de tempo “geológicas”, esta acidez,
ampliada por ácidos húmicos provenientes do solo, tem sido suficientes para “lavar” vários
tipos de rocha, em particular as calcárias. Preocupações mais recentes são relacionadas a
ácidos mais fortes como SO2 e NOx, que têm origem na queima de combustíveis fósseis,
indústrias químicas e vulcões. Entre os efeitos mais severos estão a perda de fertilidade dos
solos, acidificação de lagos e o aumento de doenças nos pulmões.
Alguns elementos e compostos como nitratos, cálcio e elementos-traço são benéficos
(entrada de nutrientes) para a fertilidade do solo e crescimento de plantas.
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