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1 - TÍTULO
APLICAÇÃO DE UM PERCURSO DE APRENDIZAGEM DE
JOGOS E AS RESSIGNIFICAÇÕES SUGERIDAS PELOS
ALUNOS ¹
2 - AUTOR
RENATO DE SÁ DIAS ²
3 - MODALIDADE
Relato de Experiência.
4 - TEXTO
Resumo
O presente trabalho apresenta uma aplicação de um percurso de aprendizagem de
jogos e algumas ressignificações sugeridas pelos alunos. Foi realizado com alunos do 1º
ano do ensino fundamental, em uma escola estadual, localizada no município de São
Paulo. Durante a elaboração do trabalho, registrei os principais acontecimentos em um
Diário de Campo e filmei para posteriormente redigir e analisar os acontecimentos, os
comentários e sugestões dos alunos sobre os jogos. Alguns alunos apresentaram
sugestões que transformaram o jogo, o que configurou num processo criativo.
Palavras-chave: Se - Movimentar; Jogos; Ressignificar.
¹ Esse relato representa uma parte do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Pós-Graduação da
Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas para obtenção de certificação em
curso de pós-graduação lato sensu em Educação Física Escolar.
² Professor de Educação Física das redes públicas Estadual e Municipal de ensino. Pós-graduado em
Sócio-Psicologia pela Fundação escola de Sociologia e Política de São Paulo, Educação Física Escolar
pela Universidade estadual de Campinas e Mestrando em Educação pela Universidade Nove de Julho.
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Problema
Quais são as possibilidades de ensino e aprendizagens que um percurso de
aprendizagem poderá oferecer aos alunos do ensino fundamental durante as aulas de
Educação Física? A aplicação do percurso de aprendizagem poderá gerar alternativas
para uma ação reflexiva do docente sobre a prática desenvolvida? Poderá apresentar
uma análise criteriosa dos fatos ocorridos nas aulas, das atitudes dos alunos, das
dificuldades encontradas, das condições da estrutura física escolar e as possíveis
adaptações que precisam ser realizadas para o acontecimento do trabalho nas condições
existentes?
Objetivo
O objetivo deste trabalho foi desenvolver um percurso de aprendizagem contendo
os jogos como conteúdo da Educação Física Escolar, e sua aplicação aos alunos do 1°
ano, com as devidas intervenções didáticas e as possíveis transformações das regras
dos jogos sugeridas pelos educandos.
Competências e habilidades:
- Criar estratégias para ludibriar o pegador;
- Resolver as situações-problemas decorrentes das vivências dos jogos.
- Reconhecer a importância das regras, bem como a necessidade em segui-las
para a continuidade do jogo e também para o convívio social.
- Compreender a importância do colega para a realização e continuidade do jogo.
- Experimentar as diferentes formas de Se - Movimentar durante a realização dos
jogos.
Metodologia
PERCURSO DE APRENDIZAGEM
Tempo previsto
05 aulas
Conteúdos
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Jogo – Carimbador/ ”queimou, está pego”. Regras do jogo; estratégias do jogo;
Jogo – Derrubando os cones. Regras do jogo; desenvolvimento da cooperação;
Etapas
ETAPA 1
Jogo: Carimbador/Queimou está pego.
Tempo previsto: 02 aulas com 50 minutos em cada aula.
1ª aula:
- Roda de conversa. Perguntar aos alunos se já conhecem esse jogo. Em caso
afirmativo, solicitar que relatem como é jogado.
- Explicar as regras do jogo, como funciona e qual espaço será utilizado.
- Explicar quais serão os critérios de divisão de funções do jogo, como por
exemplo, pegador.
- Divisão dos alunos – seguindo os critérios estabelecidos: os alunos se agruparão
em trios e realizarão o Joquei-Pô (pedra, papel e tesoura). Os vencedores formarão
novos trios e assim sucessivamente até que reste um aluno, que será denominado
pegador. Durante o jogo, os pegadores serão aqueles carimbados/queimados.
- Início do jogo: Primeiramente será definido o pegador, de acordo com as regras
estabelecidas para a divisão de alunos. As crianças deverão estar espalhadas
aleatoriamente pela quadra de aula, enquanto um aluno que será o pegador segurará a
bola com as mãos. O jogo consiste que o pegador acerte a bola de borracha com as
mãos em um dos colegas espalhados pela quadra. Para isso, ele precisará correr em
direção aos demais participantes que deverão correr para fugir do carimbador. Se algum
aluno for acertado/carimbado, ocupará o lugar do pegador e o antigo pegador passará a
ser colaborador desse novo carimbador, dificultando a fuga dos demais. A bola poderá
ser arremessada de mão em mão entre as crianças pegas, porém somente o carimbador
atual (o último a ser pego) que poderá carimbar. O jogo termina quando todos os colegas
forem carimbados.
- Intervenções necessárias para a continuidade ou possíveis alterações do jogo.
Entendo como intervenções necessárias, orientações orais durante o jogo ou pausas
para a mediação de conflitos existentes durante o jogo, em relação às regras, exclusões
de alunos, entre outros conflitos que podem surgir durante o decorrer do jogo.
- Roda de conversa sobre as impressões dos alunos em relação ao jogo
vivenciado, formulando algumas questões tais como:
* O que sentiram ao vivenciarem o jogo?
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* Se não houvesse regras, haveria jogo?
* Os pegadores utilizaram algumas estratégias para pegar? E os fugitivos
utilizaram estratégias? Quais foram as estratégias utilizadas por ambos?
* Vocês mudariam algo no jogo? O que? Por quê?
* O professor registrará os relatos dos alunos para serem retomados
posteriormente.
2ª aula:
- Roda de conversa para explicar a proposta do dia: Vivenciar os jogos com as
modificações sugeridas pelos alunos. Retomada de uma parte dos relatos dos alunos da
aula anterior;
- Realizar o jogo de acordo com as mudanças sugeridas pelas crianças.
-Intervenções para questionamentos, conflitos existentes e possíveis modificações,
caso seja necessário.
- Roda de conversa. Comparar as duas formas de jogarem, aquela proposta pelo
professor e a outra pensada e ressignificada pelos alunos. Formular perguntas, como:
* Qual foi o melhor? Por quê?
* O que foi trabalhado no jogo proposto pelo professor e aquele sugerido por vocês
(alunos)?
ETAPA 2:
Jogo: Derrubando os cones.
Tempo previsto: 02 aulas com 50 minutos em cada aula.
- Roda de conversa. Perguntar aos alunos se já conhecem esse jogo. Em caso
afirmativo, solicitar que relatem como é jogado.
- Explicar as regras do jogo, como funciona e qual espaço será utilizado.
- Explicar quais serão os critérios de divisão de funções do jogo, como por
exemplo, o derrubador de cones.
- Divisão dos alunos – seguindo os critérios estabelecidos: O primeiro aluno a gritar
o nome será escolhido aleatoriamente.
- Início do jogo. Terão 10 cones espalhados pela quadra. Todos os alunos ficarão
espalhados pela quadra. Um dos participantes fica com a bola e deverá permanecer de
costas para os demais, e, terá que gritar o nome de um dos alunos e lançar a bola
simultaneamente ao grito. A criança que foi chamada deverá correr imediatamente com o
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intuito de derrubar os cones, enquanto que as demais crianças deverão pegar a bola e
passar uns para os outros até estar próximo do aluno que está derrubando os cones e
arremessar a bola nele, a fim de impedir que derrube mais cones. Caso acertem a bola
no derrubador de cones, este deverá assumir o papel da criança que grita o nome do
próximo derrubador de cones. Se derrubar todos os cones, o derrubador de cones poderá
repetir a atividade, porém, com as mãos dadas com outro aluno escolhido por ele. O
derrubador não poderá ir mais que uma vez, a não ser que derrube todos os cones,
conforme citado anteriormente. O jogo acaba quando todos os participantes tenham
vivenciado os diferentes papéis.
- Intervenções necessárias para a continuidade ou possíveis alterações do jogo:
Idem ao jogo anterior. - Roda de conversa sobre as impressões dos alunos em relação ao
jogo vivenciado, formulando algumas questões tais como:
* O que sentiram ao vivenciarem o jogo?
* Se não houvesse regras, haveria jogo?
* Os pegadores utilizaram algumas estratégias para pegar? E os fugitivos
utilizaram estratégias? Quais foram as estratégias utilizadas por ambos?
* Vocês mudariam algo no jogo? O que? Por quê?
* O professor registra os relatos dos alunos para serem retomados posteriormente.
4ª aula:
- Roda de conversa para explicar a proposta do dia: Vivenciar os jogos com as
modificações sugeridas pelos alunos. Retomada de uma parte dos relatos dos alunos da
aula anterior;
- Realizar o jogo de acordo com as mudanças sugeridas pelas crianças.
-
Intervenções
para
questionamentos,
conflitos
existentes
e
possíveis
modificações, caso seja necessário.
- Roda de conversa. Comparar as duas formas de jogarem, aquela proposta pelo
professor e a outra pensada e ressignificada pelos alunos. Formular perguntas, como:
* Qual foi o melhor? Por quê?
* O que foi trabalhado no jogo proposto pelo professor e aquele sugerido por
vocês (alunos)?
5ª aula:
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Exibição dos trechos de vídeos filmados durante as aulas práticas para análises
com o grupo;
Produção de desenhos sobre os conhecimentos adquiridos, facilidades e
dificuldades encontradas por eles em relação às vivências dos jogos.
Esboço de fundamentação teórica
O jogo é um conteúdo da Educação Física Escolar e deve ser desenvolvido
durante as aulas. Para Daolio (2012), o jogo é praticado há muito tempo e se chegou nos
dias atuais é porque apresenta diversos aspectos a serem explorados. O autor ressalta
que o jogo pode ser um meio para o ensino de outros conteúdos da Educação Física
Escolar e também precisa ser valorizado como um fim em si mesmo, o que defendo neste
trabalho em que apresentei um relato de experiência que configurou na aplicação de
jogos como um fim em si mesmo e que resultaram na reestruturação das regras.
O autor afirma que a Educação Física passou por um período em que o esporte
era o único conteúdo abordado durante as aulas e que a grande parte das práticas
desenvolvidas nas unidades didáticas por meio de jogos era introdutória para o ensino do
Esporte. Por isso, o jogo deve ser trabalhado como um conteúdo da Educação Física
Escolar que agrega outros conhecimentos, como a ressignificação de determinada prática
de um jogo, em que as regras e formas de praticá-lo possam ser transformadas e
reinventadas a fim de garantir a participação de todos os alunos com aulas mais
inclusivas e cooperativas.
Daolio (2012) não defende uma concepção instrumental de jogo, mas lembra que
não se deve achar que o jogo é uma atividade neutra de intenções e sentidos, apenas
com fins recreativos. Por isso, a Educação Física Escolar precisa desenvolver diferentes
jogos que possam ser importantes facilitadores de aprendizagens, inclusivos,
transformados de preferência pelos alunos para que tenham a participação ativa nas
modificações de regras dos jogos, que explorem a criticidade e que permitam a
exploração de valores mais cooperativos.
Para desenvolver o conteúdo jogo nas aulas de Educação Física Escolar e na
escola de modo geral, é preciso promover adaptações que possam convergir com a
cultura de movimento da comunidade do entorno escolar e com alguns critérios
enfatizados por Daolio (2012), sendo o jogo como fim e como meio o primeiro critério a
ser explorado, seguido pelo segundo critério que diz respeito aos valores cooperativos, a
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valorização da criatividade, inclusão e respeito às diferenças e por último a valorização do
processo.
O jogo como conteúdo da Educação Física pode possibilitar em alternativas de
aprendizagens, como por exemplo, os valores cooperativos, em que os alunos possam
conviver em conjunto e compreender que na presença e ajuda do outro é possível
construir novos conhecimentos. Na valorização da criatividade, o professor pode sugerir
aos alunos que reflitam sobre as vivências realizadas nos jogos e reinventem suas
práticas ou criem novos jogos. A inclusão e o respeito às diferenças ocorre quando o
professor permite a participação de todos os alunos e assim eles aprendem a viver em
conjunto com as diversidades. O processo precisa ser valorizado, em que as regras
sejam explicadas novamente quando necessário, ou quando os comentários, críticas dos
alunos são encaradas como meio de aprendizagem.
Com esses critérios, os alunos poderão usufruir de uma prática de jogo de maneira
diferente daquela conhecida ou inventada Após a realização das vivências como o
percurso de aprendizagem exposto neste trabalho, os alunos poderão criar, recriar,
praticar os jogos com respeito às individualidades, criticar o jogo praticado na escola ou
em outros locais sociais, inclusive nos momentos de lazer.
Os jogos sugeridos neste trabalho a serem vivenciados pelos alunos durante o
percurso de aprendizagem apresentam uma adaptação para que os alunos possam
vivenciá-los e desenvolver as habilidades e competências esperadas. Essa forma de
adaptar os jogos foi pensada por Daolio (2012), quando afirmou que os alunos estão
dispostos em anos de escolarização, com níveis de compreensão diferentes. E para
completar, o autor entende que um jogo pode ser trabalhado em todas as séries, mas não
será praticado da mesma forma, devido às características dos alunos.
Brougère (2002), citado por Daolio (2012), considera que a existência do social de
significações a serem compartilhadas, de interpretações e de cultura são necessárias
para a realização dos jogos. Por conhecer os alunos, considero esse percurso de
aprendizagem apropriado.
O percurso de aprendizagem proposto valoriza o Se – Movimentar dos alunos
através de situações concretas em que as ações de movimento são próprias, em que os
alunos são autores da ação do movimento, em que os movimentos possuem sentidos
singulares e específicos do autor.
O “Se – Movimentar” resulta em características subjetivas dos sujeitos durante a
execução dos diversos movimentos corporais. Betti (2011a) afirma que PPC-EF aborda o
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sentido/significado do movimento como tema central, baseada nos referenciais teóricos
da proposição crítico-emancipatória, buscando contextualizar as intenções do movimento
e os significados expressados pelos sujeitos nas produções e reproduções da cultura de
movimento, na interação social.
Segundo Betti (2011b), a concepção do “Se - movimentar” humano apresenta
quatro aspectos considerados inseparáveis e sempre presentes nos movimentos, sendo
o primeiro o ator/autor da ação do movimento, em que a ação do movimento acontece na
interação do sujeito com o mundo. O segundo aspecto é a forma ou modalidade do
movimento que está relacionada com o tempo e o espaço utilizado pelo sujeito, que
apresenta uma ação estruturada, intencionada e objetiva. O terceiro aspecto é a situação
concreta que oferece a ação do movimento num ambiente físico e num contexto
sociocultural. O quarto e último aspecto, diz respeito ao sentido/significado do movimento,
que busca uma dimensão subjetiva do autor na ação do movimento. Esses aspectos são
específicos de cada sujeito e precisam ser analisados de formas singulares, pois o “Se Movimentar” valoriza a criação na elaboração e execução das diferentes formas de
movimentação, como nos jogos, por exemplo.
Para conceituar o que é jogo, Huizinga (2001, apud Daolio, 2012, p. 4), esclarece:
(...) o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados
limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente
obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de
alegria e de uma consciência de ser diferente da 'vida cotidiana’.
O autor complementa a definição, afirmando que o jogo apresenta as seguintes
características: é livre, é uma evasão da vida real, é desinteressado, é limitado em
relação ao tempo e ao espaço, é regrado e misterioso.
Por outro lado, Caillois, define o jogo como uma atividade livre, delimitada, incerta,
improdutiva, regulamentada e fictícia (CAILLOIS, 1990, apud Daolio, 2012).
Como conteúdo da Educação Física Escolar, o jogo poderá se configurar como um
importante instrumento pedagógico que pode garantir a aprendizagem dos alunos.
Durante a realização de jogos, os sujeitos pensam em estratégias e possibilidades de
ação, aprendem regras, extravazam suas expressões corporais, sentimentos e emoções
que podem ter sido reprimidos no cotidiano social. Neste sentido, o jogo pode oferecer ao
sujeito um amplo meio de aprendizado a partir das suas experiências da cultura de
movimento e as singularidades exploradas no “Se - Movimentar”.
Brougère, (2002) citado por Daolio (2012, p. 8), afirma que “acima de seu substrato
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natural, biológico, o jogo, como qualquer atividade humana, só se desenvolve e tem
sentido no contexto das interações simbólicas, da cultura”, ou seja, o jogo só poderá
apresentar sentido nas interações socioculturais e obter outros importantes significados.
Na relação com o meio e com o outro que o sujeito poderá apresentar maiores
chances de adquirir conhecimentos e o jogo configura-se como um importante meio de
novas aprendizagens. Para isso, é essencial que os educandos possam desenvolver
habilidades e competências durante o percurso de aprendizagem. Para esclarecer o que
são habilidades e competências, Macedo (2005) apud Betti (2011c, p. 4), conceitua:
Habilidade pode ser entendida como ‘uma competência de ordem particular’, enquanto ompetência
seria ‘uma habilidade de ordem geral’, uma habilidade para resolução de uma situação. Assim,
competência estaria atrelada à capacidade de resolução de problemas e, por isso, tem caráter geral
e mais amplo. Já habilidade é a capacidade específica/particular adquirida que, somada a outras,
conduz ao alcance da competência necessária para solucionar um problema.
Resultados obtidos
No primeiro dia de aplicação do Percurso de Aprendizagem precisei realizar uma
adaptação importantíssima, no que diz respeito ao espaço físico da aula. A área física
existente na escola é ótima, porém o estado real desses espaços encontra-se em
situações precárias. Para as aulas de Educação Física, utilizo as salas de aulas, a quadra
de aula, o pátio escolar, a sala de vídeo e um espaço vago localizado no fundo da
quadra. Neste primeiro dia, a quadra foi ocupada por outra docente com suas respectivas
turmas e por isso, realizei a aula no espaço vago localizado no fundo da quadra. Esse
espaço vago possui uma estrutura irregular com um piso cimentado rusticamente que
facilitam as quedas dos alunos, uma tela enferrujada que separa a quadra deste espaço e
uma parede que limita a escola.
Na roda de conversa inicial, apontei os perigos existentes no local e os cuidados a
serem tomados na atividade, solicitei que tirassem dúvidas, apontassem sugestões para
modificarem o jogo e comentassem sobre suas experiências. Durante a explicação do
jogo “carimbador ou queimou, está pego”, um aluno fez associação com o jogo tradicional
de queimada, devido às semelhanças encontradas. Essa associação pode ser encarada
como uma antecipação dos conhecimentos prévios que o aluno possui em relação ao
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jogo, ou seja, a cultura de movimento que ele adquiriu. Segundo Proposta Pedagógica
Curricular de Educação Física, a cultura de movimento é definida como:
[...] conjunto de significados/sentidos, símbolos e códigos que se produzem e reproduzem
dinamicamente nos jogos, esportes, danças e atividades rítmicas, lutas, ginásticas etc., os quais
influenciam, delimitam, dinamizam e/ou constrangem o Se-Movimentar dos sujeitos, base de nosso
diálogo expressivo com o mundo e com os outros. (SÃO PAULO, 2008, p.43)
Após alguns minutos de vivência do jogo, senti necessidade de interrompê-lo e
perguntar aos alunos se compreenderam realmente o jogo. Expliquei novamente as
regras, principalmente porque uma aluna me questionou e gostaria de melhores
esclarecimentos das regras e procedimentos do jogo. Após essa intervenção pedagógica,
retomamos a parte prática do jogo. Intervenções como esta, foram previamente
planejadas no percurso de aprendizagem.
Geralmente permito que os alunos saiam do espaço em que a aula acontece para
satisfazer suas necessidades na medida em que suas vontades aparecem. Mas nesse
dia, interrompi o desenvolvimento do jogo e solicitei que fossem beber água em suas
garrafinhas ou no bebedouro do pátio porque o calor estava intenso e percebo que alguns
se empolgam com o jogo e não querem parar para satisfazer suas necessidades.
Grande parte das situações vivenciadas pelos alunos durante o jogo carimbador já
eram esperadas, como o fato de queimar o colega que possui mais vínculo. Esse
acontecimento foi resolvido após as conversas realizadas e sugestões dos alunos, como
a apresentada pelo aluno T³ que disse: “quando o carimbador estiver com a bola,
ninguém poderá chamar (o carimbador), porque senão só vai queimar aquele que chamálo e vai virar uma gritaria”, ou seja, ele apresentou uma sugestão simples que auxiliou na
continuidade do jogo de maneira mais participativa porque os alunos que possuem mais
vínculos de amizades, quando estão com a bola sentem-se obrigados a queimar o colega
por meio de chamados.
Um problema levantado por algumas meninas era que os meninos só passavam a
bola para os meninos (entre os carimbados), excluindo as meninas da participação ativa
do jogo. Esse tipo de prática faz lembrar Altmann (2012), quando a autora afirma que “o
conceito de gênero contribui para a compreensão de que as diferenças entre homens e
mulheres não são naturais, mas construídas social e historicamente, sendo, portanto,
passíveis de mudanças”, ou seja, os meninos passavam a bola apenas para os meninos
porque acreditam apresentar mais capacidades para atingirem o objetivo do jogo.
³ Para manter o sigilo em relação à identidade dos estudantes, serão utilizadas letras para a
identificação de falas dos alunos.
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Essa análise foi possível porque um aluno produziu um pensamento baseando-se
na superioridade física dos meninos em relação às meninas, pois expressou-se da
seguinte maneira: “professor, os meninos são mais rápidos e jogam a bola mais longe
que as meninas”. Para contornar a situação, conversei com os alunos que as diferenças
físicas existem, mas todos podem participar igualmente do jogo e devem ter seus limites
respeitados. Depois a situação foi reorganizada e as meninas tiveram uma participação
maior.
Quanto à modificação das regras do jogo, notei que os alunos apresentaram
dificuldades em elaborarem ou transformarem novas formas de jogar, pois logo após
perguntar se eles haviam pensado em modificar o jogo com novas regras, fui respondido
imediatamente que o jogo estava bom e achava que não deveria mudar as regras. Essa
habilidade em criar, transformar e ampliar regras nos jogos precisam ser mais
estimuladas nas escolas e oportunizar momentos que possam contribuir com a formação
de cidadãos ativamente participativos na sociedade. Para que isso aconteça, implica
modificar alguns comportamentos tipicamente comuns no interior da escola, como o
constante uso da lousa, utilizada apenas para uma manifestação passiva, em que o
professor escreve e os alunos apenas copiam e reproduzem o que está escrito.
Geralmente essa prática de copiar o que está escrito, pode ser associada a não
verbalização dos alunos, ou seja, uma forma de garantir o silêncio e um ambiente passivo
em sala de aula.
Essa sugestão de modificação de regras deveria ser para ampliar o conhecimento
dos alunos e que ressignificassem o jogo. Os alunos precisam criar e transformar
constantemente e para isso precisam ser estimulados com participações ativas nos jogos.
Daolio (2012, p. 3) faz a seguinte citação:
(...) Quando jogamos, estamos atualizando significados, manipulando significados públicos, lidando
com manifestações simbólicas, enfim, produzindo cultura. Ora, se o Jogo deve estar presente nas
aulas de Educação Física - de várias formas e em todos os anos escolares - devemos estar atentos
aos significados que manipulamos quando jogamos.
Diante dessa citação, é possível perceber que os inúmeros conhecimentos podem
estar expressos nos jogos e por isso o professor precisa explorar os diversos aspectos
que poderão resultar em aprendizagens.
O aluno T apresentou uma modificação que configurou numa nova divisão do
espaço da quadra (utilizada no segundo dia do percurso de aprendizagem). Ele propôs
uma divisão orientada pelas linhas existentes na quadra, em que os alunos carimbadores
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permanecessem em seus espaços pré-estabelecidos e os novos carimbadores fossem
para outros espaços criados pelos alunos posteriormente. Essa divisão proporcionou uma
maior participação dos alunos.
Outra aluna sugeriu que a bola passasse de mão em mão, mas que somente o
último carimbado, deveria ser o carimbador – aquele que arremessa a bola no colega.
Essa era uma regra inicial do jogo, mas que não foi seguida pelos alunos. A partir desse
momento, notei que os alunos compreenderam tal regra, o que proporcionou um jogo
mais participativo e cooperativo. Considero esse resgate da regra inicial muito proveitosa
e inteligente, pois a aluna se apropriou de algo que não estava acontecendo e que
deveria acontecer.
A medida em os alunos foram queimados/carimbados, os espaços da quadra que
foram divididos pelas linhas existentes foram preenchidos até que acabaram os espaços
vagos. Então, uma aluna disse que os novos carimbadores poderiam juntar-se aos
carimbadores já existentes, ocupando assim o mesmo espaço do colega. Essa atitude é
muito positiva por apresentar uma solução mais cooperativa e participativa no jogo, pois
os alunos carimbadores tiveram essa postura acolhedora aos colegas que eram
carimbados. Essa ação cooperativa foi sugerida por Daolio (2012), ao ressaltar a
importância
da
presença
dos
valores
cooperativos
nos
jogos,
colocando
a
competitividade exacerbada em discussão. O autor complementa:
Jogar contra implica necessariamente jogar com, e, sem o outro - visto como parceiro e não
como adversário a ser vencido -, não há jogo. Numa época em que os valores competitivos
e individualistas são colocados acima dos interesses coletivos, fazendo com que os fins
justifiquem os meios, os chamados Jogos Cooperativos podem auxiliar com atividades que
valorizam a cooperação, a inclusão, o fazer junto, a aceitação das diferenças. (DAOLIO,
2012, p. 6)
Os alunos apresentaram propostas mais participativas, aprovaram as sugestões
propostas pelos colegas, respeitaram os limites encontrados nos seus pares e assim,
pode-se afirmar que a cooperação esteve presente nas crianças, mas elas precisam ter
maiores oportunidades de vivências em conjunto. Para isso, a escola precisa repensar
sua prática educativa e buscar alternativas que possam garantir aspectos mais
cooperativos.
Na explicação do jogo “Derrubando os cones”, aplicado na 3ª aula prevista no
percurso de aprendizagem, notei que os alunos tiveram algumas dificuldades na
compreensão do jogo. O fato pode ser esclarecido porque acontecia uma aula de
Educação Física na quadra e na hora da explicação os alunos preferiram observar o
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andamento da atividade ao lado. O jogo foi entendido pelos alunos quando expliquei
detalhadamente e cumpri a função de “derrubador dos cones” no andamento do jogo.
Essa explicação que contou com a minha participação foi positiva, pois os alunos
conseguiram compreender as regras e as diferentes funções a serem exercidas durante o
jogo.
Um ponto a ser destacado neste jogo, foi permitir ao “derrubador de cones”, após
cumprir sua função de derrubar todos os cones, escolher um colega que ainda não
participou como “derrubador de cones” para derrubar os cones de mãos dadas a ele.
Outro ponto foi apresentar a regra que o derrubador de cones deveria ser um aluno que
ainda não passou por essa experiência. Essas ações permitiram maior participação dos
alunos no jogo.
Durante uma pausa do jogo, realizei uma intervenção para conversar com os
alunos sobre uma situação típica de aula, em que um aluno pegou a bola das mãos do
outro para impedir a ação do derrubador de cones. Essa situação é comum porque os
alunos estavam empolgados com o jogo e alguns apresentam maior ansiedade para agir
que outros. Mesmo assim, intervi e solicitei ao aluno que não retirasse a bola das mãos
do colega e aguardasse o passe no momento certo.
Durante a roda de conversa, alguns alunos se distraíram pegando pedras retiradas
do próprio local em que a aula acontecia e atiravam em outro espaço. Pareciam disputar
lançamentos. O local não é apropriado para a realização da aula, mas não havia outro
lugar porque a quadra era ocupada e o pátio possui bancos de concretos que restringe
ainda mais o espaço para atividades com maior movimentação corporal.
Neste jogo não foi possível realizar a segunda etapa prevista do percurso de
aprendizagem que caracterizava como uma ampliação do conhecimento dos alunos por
meio de ideias sugestivas que resultassem na modificação ou ampliação de regras e que
pudessem transformar o jogo com novas possibilidades de jogar. Os alunos não
apresentaram novas propostas de regras, diferente do processo realizado no jogo
anterior, e afirmaram que o jogo deveria continuar da mesma forma como estava.
Tive que alterar as duas últimas aulas previstas no percurso de aprendizagem,
devido à presença de alguns fatores imprevisíveis. Conversei com a gestão e as
professoras das turmas que leciono para alterar o horário das aulas e concluir o percurso
de aprendizagem com duas aulas consecutivas de uma quarta-feira. A proposta foi aceita
e então, finalizei a aplicação do trabalho.
Durante a aplicação dos jogos, registrei alguns acontecimentos da aula através de
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filmagens. Essas filmagens foram editadas e transmitidas aos alunos nestas últimas
aulas, que assistiram aos vídeos com grande atenção e produziam comentários sobre
algumas imagens. Percebi que os alunos estavam contentes em assistir aos trechos dos
vídeos.
Solicitei aos alunos que elaborassem uma produção avaliativa sobre os jogos
vivenciados, por meio de desenhos que aparecessem fatos ocorridos durante o percurso
de aprendizagem. Durante a elaboração da atividade, uma aluna sugeriu uma produção
escrita, ao invés de um desenho. Aceitei a proposta e considerei a iniciativa muito
inteligente porque ela propôs outra possibilidade que transgrediu a sugestão exposta no
percurso de aprendizagem. É importante compreender que os alunos estão no 1° ano do
ensino fundamental e estão iniciando o contato com a língua escrita e por isso a
produção apresenta uma parte de seu entendimento sobre o que foi concretizado.
Ao término da aula, os alunos entregaram a produção avaliativa, saímos da sala de vídeo
e conduzi-os a sala de aula.
Em algumas produções dos alunos, foi possível perceber a melhor forma de
realizar um jogo de acordo com cada aluno, como no caso de uma aluna que escolheu o
jogo sugerido por ela como a melhor alternativa vivenciada. Ela disse “Eu escolho do meu
jeito” e complementa: “O jeito eu fiz é assim: quem já foi não vai mais”. Além de optar
pela forma sugerida de jogar, a aluna explicou de maneira simples uma regra do jogo que
consiste em permitir a participação de todos pela ação de carimbador, em que o último
carimbador deixará essa ação para outro colega que ainda não vivenciou.
Em uma das avaliações realizadas, o aluno representa em sua produção alguns
personagens envolvidos durante o jogo e ilustra a presença de dois objetos (cone e bola)
principais para a realização da atividade.
Conclusão
Este trabalho possibilitou uma análise e uma reflexão sobre o processo das
aprendizagens dos alunos durante o percurso desenvolvido. Foi possível interagir mais
com os alunos e intervir mais ativamente durante as situações problemas, como por
exemplo, conflitos em relação à aplicação das regras. Também proporcionou uma
observação mais direcionada ao perceber as dificuldades dos alunos, tanto em relação à
compreensão/aplicação das regras, quanto em relação à interação com o outro e, ainda,
quanto às suas próprias limitações.
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Foi possível analisar e antecipar sobre algumas intervenções, tais como aquelas
advindas sobre esclarecimentos referentes as regras, conflitos resultantes das práticas,
questões de gênero, como o apontado no relato, em que uma aluna reclamou que os
meninos só passavam a bola para os meninos. Com isso, acredito que houve uma
intervenção significativa em relação a essa questão, por discutir e ressaltar que todos
possuem oportunidades de jogar, independentemente do sexo.
Outra questão importante trabalhada foi em relação ao lançar a bola apenas para
quem o chamava ou para o amigo. Para resolver essa questão, teve a sugestão de um
aluno que resultava em jogar para quem não chamar. Além disso, os alunos puderam ser
protagonistas dos jogos, visto que tiveram seus comentários ouvidos durante o percurso
de aprendizagem, sejam nas propostas de modificação das regras dos jogos, quanto na
resolução de conflitos oriundos do desenvolvimento das práticas.
Apresentar uma prática empírica através do percurso de aprendizagem elaborado
trouxe uma análise criteriosa dos fatos ocorridos, das atitudes dos alunos, das
dificuldades encontradas como as atuais condições de estruturas físicas escolares e as
possíveis adaptações a serem realizadas para o acontecimento do trabalho.
Foi
possível
perceber
a
dificuldade
encontrada
pelos
alunos
em
modificar/transformar as regras dos jogos. Assim, percebe-se a importância de se
trabalhar diversas vezes com os alunos de modo que possam explorar mais suas
criatividades e poderem participar ativamente nas invenções e transformações dos jogos.
Outro ponto a ser destacado no trabalho foi às realizações das rodas de
conversas, que apresentaram extrema importância para o desenvolvimento do percurso
de aprendizagem, tanto antes, quanto durante e após as vivências dos jogos. Com as
rodas de conversas, as hipóteses criadas pelos alunos em relação às regras dos jogos
tiveram oportunidades de serem sugeridas e esclarecidas.
A escola precisa explorar mais a criatividade dos alunos para que eles possam
analisar as diferentes situações do cotidiano e pensar em possibilidades de mudança.
Acredito que os objetivos propostos na intervenção pedagógica tenham sido atingidos,
porém a sequência de aplicação das aulas precisou ser alterada, devido a alguns fatores
externos, como a falta de espaço físico adequado para o desenvolvimento dos jogos e a
alteração das datas pensadas no percurso de aprendizagem, mas não prejudicaram o
trabalho. Sugiro readequações nas estruturas físicas escolares para obter melhores
condições de trabalho aos profissionais da educação e melhores espaços de
aprendizagens aos educandos.
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A aplicação destes jogos compostos no percurso de aprendizagem proporcionou
uma visão mais detalhada das situações vivenciadas durante as aulas, a fim de pensar
em outras estratégias que possam ressignificar a prática pedagógica. Enquanto aluno,
pensava apenas em realizar os jogos das maneiras que eram e agora como docente
posso pensar na importância da criação e transformação dos jogos através das
experiências e das ideias sugeridas pelos alunos.
Por ser uma turma de ano inicial, acredito que seja necessário promover outras
aplicações de percursos de aprendizagens que tenham os jogos como conteúdos da
Educação Física e que possam explorar a capacidade criativa e inovadora dos alunos, a
fim de garantir novos aprendizados.
Referencias bibliográficas
ALTMANN, Helena. Tema 3: Gênero e Educação Física na escola. In: Eixos
Temáticos para o Ensino Médio: Corpo, Saúde e Beleza; Contemporaneidade. Curso de
Pós-Graduação. SÃO PAULO (Estado): RedeFor; Campinas: Unicamp, 2012. Tópico 2.
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Educação Física na Proposta Curricular. Curso de Pós-Graduação. SÃO PAULO
(Estado): RedeFor; Campinas: Unicamp, 2011b.
BETTI, Mauro. Tema 3: O que são competências e habilidades. In. Disciplina:
Concepção da Disciplina Educação Física na Proposta Curricular. Curso de PósGraduação. SÃO PAULO (Estado): RedeFor; Campinas: Unicamp, 2011c.
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de Pós-Graduação. SÃO PAULO (Estado): RedeFor; Campinas: Unicamp, 2012.
SÃO PAULO (Estado), Secretaria da Educação. Proposta Curricular do Estado de
São Paulo: Educação Física. São Paulo: SEE, 2008.
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