LEITURA E ESCRITA PARA OS PRIVADOS DE LIBERDADE:
POSSIBILIDADES SÓCIOEDUCATIVAS NO MÉTODO APAC EM SÃO JOÃO
DEL–REI/MG
MARIA LUCIA MONTEIRO GUIMARAES (UFSJ).
Resumo
As práticas desse Projeto visam o incentivo à leitura e escrita contextualizadas com
temas de relevância social como recurso de práticas educativas que trabalhem o
desenvolvimento da linguagem em demandas educativas que emergem em
distintos ambientes, como naqueles em que se encontram os privados de liberdade
e propiciam a construção de novas perspectivas pedagógicas que ultrapassam os
muros da escola. Tem como metodologia a realização de oficinas pedagógicas por
meio da utilização de diferentes suportes de leitura e narrativas de histórias
literárias e populares articulados com temas geradores de diálogos que atribuem ao
trabalho de incentivo à leitura e escrita um valor social, buscando proporcionar o
desenvolvimento da oralidade e escrita, da leitura e da análise e sistematização
linguística, e a realização de atividades que procuram oferecer um momento lúdico,
em que as tensões cotidianas se esvaem, proporcionando aos recuperandos a
oportunidade de observar a vida em seus mais diversos ângulos, substancialmente
os positivos. Suas ações se pautam na troca de conhecimentos onde, o educador
desempenha a função articuladora da linguagem enquanto constituinte do homem
que promove a relação consigo mesmo e com o outro. O incentivo à leitura e
escrita articulado com práticas dialógicas oferecem diversos elementos que
constituem percepções de mundo, costumes, práticas sociais e saberes que
perfazem o campo das relações entre professores e alunos envolvidos numa
experiência educativa que tem a formação do senso crítico e a afirmação de
presenças como princípios pedagógicos. O trabalho com a leitura e escrita podem
ser desenvolvidos de maneira a suscitar identificações com a realidade pessoal e
social de atores do cenário educacional e fornecer valiosos elementos geradores de
diálogos, permitindo aos recuperandos conquista de sua auto–estima e valorização,
facilitando sua re–inserção na sociedade.
Palavras-chave:
Leitura e Escrita, Literatura, Linguagem e Cidadania.
LEITURA E ESCRITA PARA OS PRIVADOS DE LIBERDADE: POSSIBILIDADES
SÓCIOEDUCATIVAS NO MÉTODO APAC EM SÃO JOÃO DEL-REI/MG
Gabriela Cardoso (Pedagoga Voluntária)
Profª. Ms. Maria Lúcia Monteiro Guimarães (Orientadora)
Introdução
As demandas educativas que emergem em distintos ambientes, como
naqueles em que se encontram os privados de liberdade, propiciam a construção de
novas perspectivas pedagógicas que ultrapassam os muros da escola. Estas
procuram atentar-se àqueles que em sua trajetória de vida e escolar tropeçaram
nos conceitos social e educacionalmente tidos como corretos, e, acabaram
submetidos ao crivo do julgamento judicial. Num movimento contra a opressão do
réu e a favor da valorização e reabilitação social do ser humano, encontram-se
projetos que procuram resgatar a cidadania dos condenados.
Quando a rotina social é abalada pelo infortúnio de um caso de transgressão
legal, as prisões se evidenciam como solução imediata para o problema. As
rebeliões, motins, fugas, massacres e as más condições de abrigo de um ser
humano ilustram para sociedade o que é uma prisão. Afora esses acontecimentos,
a questão penitenciária brasileira distancia-se da realidade social. Apenas julga-se o
errante e manda-se cumprir a pena designada ao seu delito. Umas das questões
observadas nesse trabalho é a maneira como esse condenado, que em sua
trajetória nem sempre teve a felicidade de usufruir condições adequadas para o
desenvolvimento de uma conduta irrepreensível, pode cumprir sua pena, pois,
conforme Adorno (1991b, p.70)
a despeito de propósitos reformadores e ressocializadores embutidos
nas falas dos governantes e na convicção dos homens aos quais está
incumbida a tarefa de administrar massas carcerárias, a prisão não
consegue dissimular seu avesso: o de ser aparelho exemplarmente
punitivo.
Mesmo
que
tímidas
políticas
públicas
penitenciárias
atentem
para
a
reabilitação desses indivíduos o que vemos, na maioria dos casos, é a utilização de
meios que acabam por evidenciar a reincidência de condenados ao mundo do
crime. Segundo Português (2001), no Estado democrático de direito o que
possibilita o poder discricionário de punir é a finalidade de reabilitação que se
atribui à prisão. Nesse sentido, pode ser observado por Castro et al, 1984, p.117)
que:
A prioridade conferida à ordem e à disciplina, modo pelo qual, em última
instância, acredita-se poder concretizar o ideal de defesa social preconizado
pelo Código Criminal, impõem barreiras intransponíveis. No dilema entre punir
e recuperar vence aquilo que parece ser o termo negativo da equação: a
prisão limita-se a punir.
Fora das chamadas penitenciárias ou prisões, mas ainda no sistema penal,
encontram-se alguns órgãos parceiros da justiça na execução penal. Destacamos
para o estudo em questão a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado -
APAC, que tem como finalidade recuperar o preso, proteger a sociedade, socorrer a
vítima e promover a justiça, desenvolvendo sua filosofia de “Matar o Criminoso e
Salvar o Homem.” Em seu decálogo a APAC propõe o amor como caminho, o
díálogo como entendimento, a disciplina com amor, o trabalho como essencial, a
fraternidade e respeito como meta, responsabilidade para o soerguimento,
humildade e paciência para vencer, conhecimento para ilustrar a razão, a família
organizada como suporte e Deus como fonte de tudo.
A APAC é filiada à Prison Fellowship International - PFI, órgão consultivo da
ONU para assuntos penitenciários, e à Fraternidade Brasileira de Assistência aos
Condenados -FBAC, entidade que congrega, fiscaliza e dá suporte a todas as APAC’s
do país. Há vinte anos em Minas Gerais a APAC tem entre suas parcerias o Projeto
Novos Rumos na Execução Penal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). O
modelo APAC foi criado em 1974, com a proposta de criar um presídio sem
policiais. Com o apoio de voluntários, a Associação propicia a ressocialização do
recuperando, que tem oportunidade de trabalhar dentro do presídio. Uma das
vertentes do trabalho é evitar a ociosidade dos recuperandos, que freqüentam
cursos supletivos e profissionais, e participam de atividades variadas.
Desde julho de 2008 São João del-Rei, a APAC atende aos detentos em
regimes fechado e semi – aberto com cerca de 57 recuperandos, que participam de
diferente atividades educativas, laborais como tarefas de manutenção, conservação
da limpeza do espaço físico da associação, entre outras. Os voluntários trabalham
sob organização de um cronograma de atividades, oferecendo um trabalho que seja
adequado para a demanda existente na rotina apaqueana. Nesse contexto, a
Universidade Federal de São João del-Rei desenvolve um dos seus projetos de
extensão, o denominado “Incentivo à Leitura e Escrita em Escola Públicas e Outros
Espaços Educativos de São João del-Rei” .
No planejamento das atividades do trabalho desenvolvido no projeto busca-se
estabelecer discussões existentes em relação às possibilidades e limites das ações
sócioeducativas no sistema prisional. Dessa forma, o projeto por meio da educação,
almeja formar sujeitos, a ampliar de sua leitura de mundo, o estimular o
desenvolvimento da criatividade, a participar na construção dos conhecimentos,
visando novas perspectivas para suas vidas. O princípio fundamental da educação,
por essência transformador, aponta para a libertação no interior prisional, visto que
o indivíduo ocupa muito mais do que o lugar físico que seu corpo está, ele ocupa o
espaço que seus pensamentos e atitudes alcançam outros indivíduos. Por mais que
a educação deixe de alcançar todos os problemas do sistema penitenciário,
acreditamos que as práticas sócioeducativas promovam a construção de uma
identidade reabilitadora. Segundo Camarosano (2008, p.1-2),
Os estudos sobre educação de adultos presos têm demonstrado a
possibilidade de construção de escolas nas prisões como espaço diferenciado
das prerrogativas carcerárias (...) A proposta educacional traçada para essas
escolas, ao explicitar as concepções sobre o homem, sobre o mundo e sobre a
educação e a produção de conhecimento, enfatiza que a educação, para ser
válida, deve levar em conta tanto a vocação ontológica do homem (vocação
de ser sujeito) quanto as condições nas quais vive (contexto) social.
As ações do projeto promovem o indivíduo, e este deve transformar o mundo
em que está inserido, deixando de ter o papel de se ajustar à sociedade. É preciso,
pois, que ao tomar consciência de sua realidade, o homem reflita sobre ela,
comprometendo-se em transformá-la. Como afirma Freire (1983), não é apenas
necessário saber que é impossível haver neutralidade da educação, mas é preciso
estabelecer a distinção entre os caminhos domesticadores e os humanizadores.
Desenvolvimento
As práticas do projeto se voltaram para o atendimento da demanda em
conformidade com os objetivos do mesmo: incentivo à leitura e escrita, duas vezes
por semana em oficinas com duração média de duas horas. Visando proporcionar o
desenvolvimento da oralidade e escrita, da leitura e da análise e sistematização
lingüística, as atividades procuram oferecer um momento lúdico, em que as tensões
cotidianas se esvaem, proporcionando aos recuperandos a oportunidade de
observar a vida em seus mais diversos ângulos, substancialmente os positivos. A
linguagem ocupa nesse espaço uma função comunicativa em que educadores e
educandos consolidam uma via de mão dupla construindo um ambiente de
aprendizado em que a língua portuguesa está a serviço da demanda social.
Segundo Antunes (2009, p.36)
As línguas estão a serviço das pessoas, de seus propósitos interativos e reais,
os mais diversificados, conforme as configurações contextuais, conforme os
eventos e os estados em que os interlocutores se encontram. Daí, por que o
que existe, na verdade, é a língua em função, a língua concretizada em
atividades, em ações e em atuações comunicativas; isto é, a língua como
modo de ação, como forma de prática social, direcionada para determinado
objetivo. Na verdade existem muitas formas de se exercer a prática social. A
linguagem é a apenas uma delas e se concretiza linguisticamente, por meio
do discurso falado ou escrito.
Inicialmente, o projeto ofereceu suportes literários para leitura nos encontros
e em outros momentos em que os recuperandos estivessem ociosos, buscando na
leitura uma possibilidade de lazer. A escrita nessa fase seria efetivada em um
caderno em que os educandos registrariam aspectos relevantes à sua leitura
respondendo questionamentos que delimitavam os assuntos. Porém, observamos
que a leitura dos livros literários dificilmente se efetivava na rotina dos
apaqueanos. Posterior a essa iniciativa, o oferecimento de cadernos esportivos de
jornais suscitou mais interesse dos leitores em potencial, uma das manifestações
desse interesse pôde ser percebida ao pedirem para levarmos exemplares do jornal
local. A partir deste encaminhamento, pedimos para que anotassem em uma folha
de papel a identificação dos suportes lidos (nome do jornal e seu respectivo
caderno, data, local de impressão) seguida de um comentário acerca da leitura
realizada. Observamos, a partir desse momento que alguns apresentavam
desenvoltura na escrita, porém outros apresentavam dificuldades.
A constatação de que os suportes de leitura e escrita que evidenciavam
aspectos referentes a algo presente em suas rotinas, em suas conversas, em seu
contexto social e instigavam o ato de ler fez com que a reformulássemos nossas
práticas. Passou-se então a planejar atividades que levassem em consideração o
mundo social de cada sujeito envolvido, de maneira que literário, informativo ou
didático, os conteúdos de leitura e escrita conduzissem de maneira significativa
algum subsídio que vinculasse as práticas a um processo de reflexão, de ensino
aprendizagem capazes de revelar compatibilidade com a vida de cada leitor.
No entanto, como poderíamos evidenciar essa compatibilidade existente na
proposta de trabalho e naquela realidade educacional? E como aqueles que
estavam impossibilitados da capacidade de decodificação iriam entender o que
estava escrito? De que maneiras alguns recuperandos poderiam expressar os
assuntos abordados, uma vez que a impossibilidade da decodificação existia até
aquele momento?
Inicialmente as práticas de leitura foram desenvolvidas coletivamente, no
mesmo ambiente, porém com momentos diversificados, procurando atingir metas
mais
específicas
dos
grupos
voltadas
para
diferentes
demandas
de
letramento/alfabetização. Na fase atual do projeto, os alunos em fase inicial de
decodificação da escrita estão estudando com uma professora alfabetizadora
voluntária da APAC e participando de práticas de leiturização no momento das
oficinas de leitura e escrita em uma sala de aula da associação. As aulas se
alternam com as práticas coletivas das oficinas com os demais recuperandos a fim
de promover uma dinâmica sócioeducativa que inclui todos os interessados no
projeto.
Como metodologia de trabalho optou-se pela linguagem em suas diversas
expressões, mais especificamente a narrativa acompanhada de desenhos como
expressão artística visual, pois estes se revelaram, no transcorrer do trabalho,
como importantes aliados ao processo. Dessa forma, a arte ocupa uma função
lúdica, em que todo grupo, mesmo em diferentes etapas, conseguem se expressar,
individualmente ou em pequenos grupos. É notório o empenho dos mesmos para
elaborarem um desenho representativo a partir de uma produção textual
significativa ou vice versa.
Posteriormente, diferentes suportes de textos foram utilizados tanto de
maneira escrita e oral, podemos observar por meio do quadro, a grande incidência
de atividades ilustrativas individuais ou coletivas de acordo com a demanda
existente na situação.
O quadro abaixo demonstra algumas situações de leituras que evidenciam
práticas orais e gráficas presentes no projeto:
1. Quadro demonstrativo de diferentes situações de leitura
Suportes de
Proposta Geral
Atividade oral
Atividade gráfica
leitura/escrita
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
Ler e ilustrar reportagens de
cadernos esportivos de
jornais.
Promover contato com
histórias literárias.
Construção coletiva de um
texto, a partir da leitura do
filme “Escritores da
Liberdade”
Elaboração de livros, que
contassem a história de
sucesso de recuperação
social.
Conhecer Contos
Tradicionais de São João
de-Rei.
Comentários a
cerca das
reportagens.
Ilustração.
Narrativa
(Contador de
histórias) e
reconto a partir
das ilustrações.
Colorir as
ilustrações da
história.
Comentários a
acerca do filme.
Transposição do
enredo para a
realidade.
Escrever e
ilustrar pontos
marcantes da
história.
Revistas, folhas de
cartolina.
Diálogos acerca
do filme
Construção
textual.
Composição com
desenhos e
gravuras de
revistas.
Livro “contam
que...”.
Ilustrações
apresentadas no
momento da
Narrativa
(contador) e
re-narrativa
(recuperandos) do
conto.
Elaborar histórias
em quadrinhos
com os elementos
apresentados na
história.
Jornais, folhas de
papel A4.
Livro Rei Artur e a
Espada Excalibur.
Desenhos para serem
coloridos.
Filme “Escritores da
Liberdade”.
Livro desenhado.
narrativa oral.
Situações de leitura: procedimentos de aquisição e apropriação da escrita
Com relação ao trabalho 1.1 ao percebermos que os recuperandos se
motivavam ao ler informações sobre seu times de futebol favoritos promovemos
oficinas em que a leitura do caderno esportivo contribuiu significativamente para a
motivação para o trabalho. Por meio de anotações e desenhos eles anotavam os
aspectos que consideravam mais relevantes sobre a leitura.
O trabalho 1.2 se desenvolveu a partir de diferentes situações de leitura. Na
primeira etapa foi realizada uma contação resumida da história para o
desenvolvimento de uma dinâmica sócioeducativa que transpunha a realidade de
nossa roda de conversa para a história de um rei e sua távola redonda como
espaço dialógico que promovia a democracia, a fim de promover, entre outras
coisas, a aproximação e o incentivo a participação das conversas. Ao longo do
trabalho a história era sempre referida, até que observamos a rotatividade dos
educandos devido às tarefas e suas condições processuais. Isso revelou a
necessidade de recontos diversificados da história, para evitar a repetição da
mesma e para incluir os outros no discurso da távola redonda. A primeira maneira
utilizada foi a narrativa oral, em que o contador, enquanto mediador entre língua e
sujeito, buscou maneiras para instigar os ouvintes, como a entonação e ritmo dos
fatos no momento da narrativa, bem como a descrição marcante de personagens,
situações e lugares. Após esse contato, os recuperandos assistiram um filme sobre
a história do Rei Arthur. Posteriormente, com um maior contato com o enredo os
alunos, a partir da interlocução do educador, fizeram recortes escritos, orais e
gráficos da história por meio das interpretações dos desenhos do livro e dos pontos
mais significativos, segundo uma leitura compartilhada. Os recortes da história,
conforme ilustração permitiram a confecção de bonecos com os personagens
selecionados coletivamente, e, em seguida o reconto a partir do teatro de bonecos.
Solicitamos aos alunos, em fase inicial do processo de alfabetização, para que
sugerissem legendas para o trabalho e o educador serviu de escriba dos trabalhos a
fim de efetivar a escrita do texto.
A imagem 1.3 ilustra umas das atividades desenvolvidas a partir do filme
“Escritores da Liberdade”, em que os alunos assistiram ao filme e na roda de
conversa construíram textos demonstrando percepção acerca dos fatos
desenvolvidos no enredo do filme. Nessa atividade, pudemos perceber que no
transcorrer dos fatos no filme eles apontavam fatos similares com os da própria
vida.
Na figura 1.4, o que vemos é a transposição dos conceitos trabalhados no
filme por meio da construção de uma “colcha de retalhos” em que os recuperando
falavam e o escriba escrevia numa folha de papel grande fixado no quadro com
quadrados similares aos de uma colcha de retalhos idealizando a necessidade de
vários conceitos para a construção de um bom convívio social. A partir disso, em
grupos de quatro pessoas eles construíram um texto contanto sobre como o
personagem chegou ao sistema penal e como sua trajetória o encaminhou para a
APAC. Percebemos que a utilização de personagens como fantoches onde eles
manipulavam a própria realidade contribuiu para um desempenho mais efetivo na
expressão textual em prosa. Logo após, os educadores dividiram os textos em
quatro partes e distribuídas as folhas de cartolina (cortadas em quatro partes
iguais), eles ilustram o texto com recortes e desenhos criando composições que
formaram um livros com quatro páginas.
Outro evento apresentado por meio de uma narrativa oral pelo contador de
foi um conto advindo da tradição oral de São João del-Rei, consolidado no livro
“Contam que...” distribuído em diferentes edições, uma delas datada de 1922
histórias, denominado A Missa das Almas, o conto foi sendo contado ao mesmo
tempo em que gravuras eram fixadas num quadro. Em seguida, por meio das
gravuras o reconto. A sugestão era que, a partir das diferentes leituras das
gravuras e do reconto oral construírem histórias em quadrinhos, alguns fizeram
com seis e outros com quatro quadrinhos. Pedimos para que escrevessem legendas
para os desenhos, como os relatos de conhecimento sobre a estrutura da história
em quadrinhos.
Segundo Paulo Freire (1988), o educador propicia condições para que seus
alunos possam alcançar uma instância elevada de reconhecimento de mundo.
Quando a pessoa conhece e re-conhece o ambiente onde vive ela torna-se ativa
sobre ele, é, portanto um ser transformador. A leitura de mundo é a percepção das
coisas que nos rodeiam, sobretudo do meio em que vivemos. Ao ler o mundo o
aprendiz deixa de ficar sem respostas sobre seus questionamentos, ele passa a criar
suposições, torna se um ser crítico e passa a fazer novas indagações sobre si e o
mundo que o rodeia. O aluno traz consigo uma bagagem de conhecimento que deve
ser valorizada, pois isso proporcionará ao professor encaminhamentos para a
realização de atividades interativas entre educando e educador numa construção
participativa de novos conhecimentos.
Considerações Finais
No que diz respeito ao trabalho com suportes de linguagem escrita e falada
pudemos observar que as atividades do projeto ofereceram subsídios para o acesso
ao mais variados tipos de meios comunicativos. Além dos constantes diálogos,
vídeos, slides, jornais, revistas, folhas de papel, cd’s, narrações são suportes de
diferentes gêneros de leitura e escrita, trabalhados transversalmente ao diálogo,
como meios de consolidação da proposta.
Consideramos que ao oportunizar momentos de leitura e escrita com
diferentes suportes e diversificados gêneros, estamos proporcionando a construção
de uma identidade lingüística em que educandos são mais do que decodificadores,
mas sim leitores da palavra em seus mais amplos significados e contextos sociais.
Segundo Magda Soares (1999), apropriar-se da escrita não é aprender ler e
escrever, e sim descobrir uma maneira de entender o que se lê e ter propriedade
do que se leu. Letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas
numerosas e variadas práticas sociais de leitura e escrita. Em conformidade com
Soares (1999, p.9)
Socialmente ou culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que era
quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter uma condição social, cultural não se trata propriamente de mudar o nível de se lugar social, o seu modo de
viver na sociedade, sua inserção na cultura - sua relação com os outros, com
o contexto, com os bens culturais torna-se diferente. [1]
Foucambert (1989) afirma que ler e escrever são atividades muito mais
complexas do que a simples interpretação de símbolos gráficos, de códigos.
Demanda do indivíduo a capacidade de interpretar o material lido, comparando-o e
incorporando-o à sua bagagem pessoal, ou seja, requer que o indivíduo mantenha
um comportamento ativo diante do que faz. Deve-se ainda, considerar a variedade
textual independente da condição do educando, pois, é por meio dela que o aluno
passa a perceber as diferenciações existentes na maneira de ler e escrever. Para
aprender a ler o não-leitor se relaciona com os textos que leria se soubesse ler,
para viver o que vive. Na fase de aprendizado, o meio deve proporcionar ao
indivíduo toda a ajuda para utilizar textos verdadeiros.
Para uma intervenção efetiva os educadores ajudam os educandos a
tornarem-se leitores dos textos que circulam no seu contexto social e evitam limitálos à leitura de textos pedagógicos, destinados apenas para ensiná-los a ler, pois
isso dificulta a prática de leitura na vida dos mesmos, em seu contexto social. É
impossível tornar-se leitor sem uma contínua interação com o lugar onde as razões
para ler são intensamente vividas - mas é possível ser alfabetizado sem isso. A
contextualização da leitura com a realidade do aprendiz estimula a relação entre
teoria e prática. O envolvimento do educando com o universo da leitura passa a ter
sentido quando ele associa aquilo que lê à sua vivência.
O incentivo à leitura e escrita articulado com práticas dialógicas oferecem
diversos elementos que constituem percepções de mundo, costumes, práticas
sociais e saberes que perfazem o campo das relações entre professores e alunos
envolvidos numa experiência educativa que tem a formação do senso crítico e a
afirmação de presenças como princípios pedagógicos. Se por um lado as práticas
narrativas orais oferecem elementos que favorecem subsídios para o trabalho com
a leitura e escrita, por outro lado, o trabalho com a leitura e escrita podem ser
desenvolvidos de maneira a suscitar identificações com a realidade pessoal e social
de atores do cenário educacional fornece valiosos elementos geradores de diálogos.
Referências
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www.apacitauna.org.br
[1] Do estudo publicado em Belo Horizonte: CAPE/SMED, nº 1, p. 04-26, jul. 1999.
Texto transcrito da palestra proferida em 28/07/97, no evento CEALE DEBATE
promovido pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de
Educação da UFMG, proferida pela professora Titular Emérita da mesma, fundadora
do CEALE/UFMG.
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