Regime jurídico da concessão para
exploração de petróleo e gás natural
Alexandre de Moraes
Sumário
1. A jazida de petróleo, gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos como bens públicos.
2. A atividade de exploração e produção de
petróleo e gás natural enquanto atividade econômica. A questão do monopólio em face da
alteração do art. 177 da Constituição Federal
pela EC nº 9/95. 3. Natureza jurídica do contrato de concessão de exploração de petróleo, gás
natural e outros hidrocarbonetos fluidos. Concessão de exploração de bem público. 4. Responsabilidade da concessionária perante terceiros e
perante o Poder Público. 5. O papel da ANP na
atividade de exploração e produção de petróleo,
gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos.
1. A jazida de petróleo, gás natural e outros
hidrocarbonetosfluidoscomobenspúblicos
Alexandre de Moraes é Promotor de Justiça
– assessor do Procurador-Geral de Justiça de
São Paulo. Doutor em Direito do Estado pela
Universidade de São Paulo. Professor do Curso
de pós-graduação (mestrado) da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e dos Cursos de Especialização das Escolas Superiores dos Ministérios Públicos de São Paulo e da Bahia.
Brasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000
A Constituição Federal, em seu artigo 20,
IX, estabelece que “são bens da União os
recursos minerais, inclusive os do subsolo”;
em seu artigo 176, que “as jazidas, em lavra
ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem
propriedade distinta da do solo, para efeito
de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a
propriedade do produto da lavra”; e, finalmente, em seu artigo 177, que “constituem
monopólio da União a pesquisa e a lavra
das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos”.
Assim, em relação ao regime jurídico
desses bens, a Constituição Federal estabelece três regras básicas:
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• em relação à propriedade: o art. 20,
IX;
• em relação à exploração de forma
ampla: art. 176 e parágrafos;
• em relação, especialmente, às atividades relativas ao petróleo e gás natural.
Em qualquer dessas hipóteses, porém, o
legislador constituinte estabeleceu a dominialidade da União, no sentido dado por
Marcello Caetano, para quem
“o domínio público corresponderá,
pois, ao conjunto dos direitos reais que
a Administração Pública tem por lei
sobre o território e seus espaços, coisas próprias nele individualizadas ou
bens alheios, conferidos para serem
exercidos no regime peculiar do Direito Público”1.
Esse é o entendimento de Celso Bastos,
para quem “as jazidas petrolíferas compõem
a dominialidade pública. São bens públicos que integram o patrimônio da União”2.
Também Ives Gandra, ao analisar o artigo
20, IX, da Constituição Federal, afirma que
“os recursos minerais são considerados
bens da União”3. No mesmo sentido, Pinto
Ferreira, quando afirma que “os recursos
minerais são bens públicos da União”4.
Em se tratando de jazida de petróleo, gás
natural e outros hidrocarbonetos fluidos de
bens públicos, importante classificá-las.
Como ensina Maria Sylvia Zanella Di
Pietro, os bens públicos podem ser de uso
comum do povo, deusoespecial edominicais,
para concluir que
“o critério dessa classificação é o da
destinação ou afetação dos bens: os
da primeira categoria são destinados,
por natureza ou por lei, ao uso coletivo; os da segunda ao uso da Administração, para consecução de seus
objetivos, como os imóveis onde estão
instalados as repartições públicas, os
bens móveis utilizados na realização
dos serviços públicos (veículos oficiais, materiais de consumo, navios de
guerra), as terras dos silvícolas, os
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mercados municipais, os teatros públicos, os cemitérios públicos; os da
terceira não têm destinação pública
definida, razão pela qual podem ser
aplicados pelo poder público, para
obtenção de renda; é o caso das terras
devolutas, dos terrenos de marinha,
dos imóveis não utilizados pela Administração, dos bens móveis que se
tornem inservíveis”5.
Dentro dessa clássica classificação, parece-nos que as jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos são
bens públicos de uso especial, uma vez que
têm uma destinação pública definida constitucionalmente, qual seja, a exploração e
aproveitamento de seus potenciais; bem
como, sob o seu aspecto jurídico, esses bens
públicos são do domínio público do Estado.
Assim, não se deve perder de vista que,
mesmo a partir da EC n º 9/95, a União permaneceu com a titularidade do domínio sobre os recursos minerais, inclusive em relação ao petróleo e gás natural, conforme já
analisado no artigo 20, IX, da CF; porém, a
nova redação do parágrafo primeiro do artigo 177 passou a permitir à União uma opção, qual seja, a possibilidade de escolher
entre a manutenção do sistema de pesquisa e
lavra atual ou a adoção de um novo sistema,
com a conseqüente contratação de empresas
estatais ou privadas, nos termos da lei.
2.Aatividadedeexploraçãoeproduçãode
petróleoegásnaturalenquantoatividade
econômica.Aquestãodomonopólioemface
daalteraçãodoart.177daConstituição
FederalpelaECnº9/95
Entendemos que a atividade de exploração e produção de petróleo e gás natural
constitui atividade econômica, pois não se
encontra no rol daquelas funções típicas do
Poder Público que se direcionam à satisfação das necessidades básicas da coletividade; mas sim, em virtude de imperativos da
segurança nacional e de relevante interesse
coletivo, a própria Constituição (art. 176) e
RevistadeInformaçãoLegislativa
a legislação infraconstitucional entenderam
por bem prever a intervenção estatal no domínio econômico, de maneira a reservar ao
Estado a pesquisa e a lavra das jazidas de
petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos.
Saliente-se, porém, como feito por Eros
Grau, que o serviço público constitui uma
espécie de atividade econômica, cujo desenvolvimento compete de forma essencial ao
Poder Público. Ensina o citado autor que
“a prestação de serviço público está
voltada à satisfação de necessidades,
o que envolve a utilização de bens e
serviços, recursos escassos. Daí podermos afirmar que o serviço público
é um tipo de atividade econômica. Serviço público – dir-se-á mais – é o tipo
de atividade econômica cujo desenvolvimento compete, preferencialmente, ao setor público. Não exclusivamente, note-se, visto que o setor privado presta serviço público em regime
de concessão ou permissão. Desde aí
poderemos também afirmar que o serviço público está para o setor público
assim como a atividade econômica
está para o setor privado”6.
São tênues as diferenças existentes entre
a prestação de serviço público e a participação na atividade econômica por parte do
Estado, sob monopólio.
Pietro Virga aponta a inexistência de
definição pacífica na doutrina sobre serviço público, apontando, porém, que o mesmo se caracteriza por uma atividade prevalentemente direcionada a fornecer ao cidadão uma utilidade pública7.
Como define Pinto Ferreira, citando
Gross, monopólio estatal é “a deliberada
subtração de certas atividades privadas das
mãos do particular, a fim de colocá-las sob
o controle da nação por motivo de interesse
público”8.
Assim, a diferença básica entre serviço
público e monopólio estatal poderia ser
apontada em relação à natureza da atividade, pois enquanto no primeiro caso a ativiBrasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000
dade é eminentemente pública, no segundo, o Poder Público subtraiu uma atividade
do particular, em face de relevante interesse
público.
Ensina Eros Grau que
“monopólio é a atividade econômica
em sentido estrito. Já a exclusividade
da prestação de serviços públicos não
é expressão senão de uma situação de
privilégio9. Note-se que ainda quando estes sejam prestados, sob concessão ou permissão, por mais de um
concessionário ou permissionário – o
que nos conduziria a supor a instalação de um regime de competição entre
concessionárias ou permissionárias (é
o caso da navegação aérea – art. 21,
XII, c, da Constituição – e dos serviços
de transporte rodoviário – art. 21, XII,
e; 30, V, e 25, §1º, da Constituição), ainda então o prestador do serviço o empreende em clima diverso daquele que
caracteriza a competição, tal como
praticada no campo da atividade econômica em sentido estrito. O que importa salientar é a não intercambialidade das situações nas quais de um
lado o serviço público é prestado, titulares ainda os concessionários ou
permissionários de certo privilégio,
por mais de um deles e o regime de competição que caracteriza o exercício da
atividade econômica em sentido estrito em clima de livre concorrência”10.
Igualmente, como ressaltado por Celso
Bastos, ao analisar os monopólios previstos no artigo 177 da Constituição Federal,
“o monopólio de que se trata aqui não
é aquele de fato, isto é, que surge pela
desnaturação do regime de competição, fazendo emergir um único fornecedor de um dado produto. Este monopólio é reprimível. O que faz a Constituição é autorizar a criação por lei,
em favor do Poder Público, do regime
de monopólio. Não há que se confundir no nosso sistema constitucional o
monopólio com o serviço público. Este
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também leva a um regime monopolístico, mas não se cifra a isso. Há também, neste caso, um regime jurídico especial. No monopólio esta especialidade de regime não é de sua essência”11.
Constatada essa diferenciação e fixada
a premissa de que a atividade estatal de exploração de petróleo e gás natural não constitui prestação de serviço público, mas sim
intervenção estatal no domínio econômico,
devemos analisar se após a EC n º 9/95 essa
intervenção continua a ser exercida em regime de monopólio estatal.
Uma atividade de monopólio pode ser
desenvolvida em virtude de três motivos:
• previsão legal;
• circunstâncias fáticas de mercado
que impossibilitem, parcial ou totalmente, a concorrência;
• ilegalmente com abuso de poder econômico (trust).
A hipótese de exploração de petróleo e
gás canalizado, historicamente, trata-se de
monopólio legal, pois, a partir da Lei n º
2.004/53, instituiu-se o monopólio da União
sobre atividades petrolíferas no país, excetuando-se, somente, a distribuição. Esse
monopólio foi transformado em norma
constitucional pela Constituição de 1967 e
alterações promovidas pela EC n º1/69, que
em seu art. 169 previu “a pesquisa e a lavra
de petróleo em território nacional constituem monopólio da União, nos termos da lei”.
Ocorre, porém, que esse monopólio legal
do petróleo e do gás canalizado sempre se
caracterizou como intervenção estatal no
domínio econômico por absorção, ou seja, a
assunção integral pelo Estado, que age como
sujeito econômico, dos meios de produção
nesse setor da atividade econômica.
Como classificado por Eros, são três hipóteses de intervenção estatal no domínio
econômico: intervenção por absorção ou
participação; intervenção por direção e intervenção por indução. Dessa forma, salienta que,
“no primeiro caso, o Estado intervém
no domínio econômico, isto é, no cam222
po da atividade econômica em sentido estrito. Desenvolve a ação, então,
como agente (sujeito econômico). Intervirá, então, por absorção ou participação. Quando o faz por absorção,
o Estado assume integralmente o controle dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade
econômica em sentido estrito; atua em
regime de monopólio. Quando o faz
por participação, o Estado assume o
controle de parcela dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômica em sentido estrito atua em regime de competição com empresas privadas que permanecem a exercitar suas atividades
nesse mesmo setor”12.
Ora, no momento em que a Constituição
Federal, a partir da EC n º 9/95, mantém
como monopólio da União a pesquisa e a
lavra das jazidas de petróleo e gás natural e
outros hidrocarbonetos fluidos, mas autoriza a contratação de empresas estatais ou
privadas para a realização dessas atividades, desde que observadas as condições estabelecidas em lei, acaba por conceder ao
Poder Público a possibilidade de opção pela
manutenção do sistema atual ou pela adoção de um sistema em que se permita a concorrência nessa atividade.
Trata-se, pois, de uma nova concepção
de monopólio, não mais relacionado à intervenção estatal no domínio econômico
com exclusividade no controle dos meios de
produção (intervenção por absorção), mas
sim relacionado ao monopólio de escolha do
Poder Público, que poderá, conforme as normas constitucionais, optar entre a manutenção da pesquisa e a lavra das jazidas de
petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos por uma só empresa, ou ainda
pela contratação com empresas estatais ou
privadas.
A EC nº 9/95 encerrou o monopólio estatal no exercício da atividade econômica
relacionada a petróleo e gás natural, mantendo, porém, o monopólio da própria ativiRevistadeInformaçãoLegislativa
dade, ou seja, a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos continuam constituindo
monopólio da União, no sentido de que somente o Poder Público é que poderá decidir,
com exclusividade, quem poderá exercer essa
atividade econômica. É o que nos referimos
como monopóliodeescolhadoPoderPúblico.
Nesse sentido, ao tratar da referida EC
nº 9/95, afirma Eros Grau que “aí a perda,
pela Petrobrás, de exclusividade no exercício do monopólio estatal do petróleo”13.
Essa alteração conceitual não passou
desapercebida de Gastão Alves de Toledo,
ao afirmar que,
“na verdade, a Constituição veio permitir que a União se despojasse das
prerrogativas do monopólio, quando
lhe aprouvesse, para tanto propondo
a edição de lei que pudesse regular o
ingresso de novos participantes no
cenário petrolífero. Aliás, vale recordar que o exercício do monopólio, pela
Petrobrás, não subsistiu a partir da
promulgação da Emenda 9, a despeito de não se terem comportado assim
nem a União nem a estatal”,
para a seguir concluir que “toda a arquitetura jurídica em que se funda o conceito de
monopólio, objeto do art. 177 da Carta Federal, está sujeita a uma substancial mudança
interpretativa porque o termo monopólio neste contexto, deixou de ter o alcance que lhe é
peculiar”14.
3.Naturezajurídicadocontratode
concessãodeexploraçãodepetróleo,gás
naturaleoutroshidrocarbonetosfluidos.
Concessãodeexploraçãodebempúblico
Entendemos que a concessão de petróleo não se enquadra como modalidade de
concessão de serviço público.
A partir da definição de Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, que ensina ser concessão
“o contrato administrativo pelo qual
a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço
Brasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000
público ou de obra pública, ou lhe cede
o uso de bem público, para que explore por sua conta e risco, pelo prazo e
nas condições regulamentares e contratuais”15,
podemos afirmar que a concessão de petróleo não corresponde a concessão de serviço
público, uma vez que a Administração Pública não delegou a outrem a execução de
um serviço público, mas, sim, a possibilidade de exploração de um bem que é público,
conforme já analisado no item 1.
Dessa forma, trata-se de concessão de exploração de bem público. Assim, estabeleceuse um novo regime jurídico para concessões,
visando a exploração da atividade econômica no campo petrolífero, cujas normas legais apresentam algum distanciamento das
regras gerais estabelecidas para as concessões de serviço público16.
Conforme prescreve o já citado artigo 177,
§1º, da Constituição Federal, “a União poderá contratar com empresas estatais ou
privadas”, desde que “observadas as condições estabelecidas em lei”.
A lei n º 9.478/97 estabelece, em seu art.
5º, que a pesquisa e a lavra das jazidas de
petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos poderão ser exercidas mediante concessão ouautorização.
Dessa forma, na hipótese de realização
de contrato de concessão para exploração
de bem público, serão, basicamente, as normas de Direito Público que regerão a contratação de empresas estatais ou privadas
para a pesquisa e a lavra de jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, uma vez que se trata de contrato
administrativo.
Como ensina Jean Rivero, os contratos
administrativos por natureza apresentam
alguns elementos. Assim, uma das partes
deve ser pessoa jurídica de direito público.
Além disso, uma de duas possibilidades
deve estar presente. Ou o objeto do contrato
se liga à própria execução do serviço público ou o contrato deve conter cláusula exorbitante do direito comum17.
223
Nas hipóteses de concessão de exploração de bem público, como já analisado, não
se trata de execução de serviço público, mesmo porque a atividade de exploração e produção de petróleo e gás natural constitui
atividade econômica; mas os outros dois elementos necessários estão presentes: presença de uma pessoa jurídica de direito públicoede
cláusulaexorbitantedodireitocomum.
A pessoa jurídica de direito público presente, conforme a Lei nº 9.478/97, é a ANP –
Agência Nacional do Petróleo –, autarquia
especial conforme se verifica em posterior
item.
Em relação acláusula exorbitante do direito comum, ensina Jean Rivero que,
“fora dos casos de participação na
própria execução do serviço, um contrato, mesmo que tenha por objeto um
serviço público, só é administrativo se
as partes tiverem manifestado vontade de se subtraírem ao direito civil,
adotando cláusulas que se afastam
dele. Neste caso é a cláusula exorbitante ou derrogatória do direito comum que constitui pois o critério decisivo do contrato administrativo”18.
Na presente hipótese, a própria Lei n º
9.478/97, em seu artigo 43, estabeleceu cláusulas essenciais aos contratos dessa espécie, que acabam por afastar as normas do
direito comum, bem como diferenciá-los das
tradicionais concessões, adequando-os às
exigências dessa espécie de atividade econômica.
Assim, prescreve o art. 43 da citada lei
que o contrato de concessão deverá refletir
fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais:
• a definição do bloco objeto da concessão;
• o prazo de duração da fase de exploração e as condições para sua prorrogação;
• o programa de trabalho e o volume
de investimentos previsto;
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• as obrigações do concessionário
quanto às participações;
• a indicação das garantias a serem
prestadas pelo concessionário quanto ao cumprimento do contrato inclusive quanto à realização dos investimentos ajustados para cada fase;
• a especificação das regras sobre devolução e desocupação de áreas,
inclusive retirada de equipamentos
e instalações, e reversão de bens;
• os procedimentos para acompanhamento e fiscalização das atividades
de exploração, desenvolvimento e
produção, e para auditoria do contrato;
• a obrigatoriedade de o concessionário fornecer à ANP relatórios, dados
e informações relativos às atividades desenvolvidas;
• os procedimentos relacionados com
a transferência de contrato;
• as regras sobre solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução e conciliação e a
arbitragem internacional;
• os casos de rescisão e extinção do
contrato;
• as penalidades aplicáveis na hipótese de descumprimento pelo concessionário das obrigações contratuais.
Obviamente, não devemos esquecer-nos
da advertência, integralmente aplicável à
hipótese presente, feita por Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, ao recordar que,
“ainda que a concessão se faça por
contrato administrativo, portanto, regido pelo direito público, e ainda que
o Poder Público conserve a plena disponibilidade sobre o serviço, exerça a
fiscalização e fixe a tarifa, a execução
do serviço estará entregue a uma empresa privada, que atuará pelos moldes das empresas privadas, livre de
procedimentos como concursos públicos, licitação, controle pelo Tribunal
de Contas e outros formalismos que
RevistadeInformaçãoLegislativa
emperram hoje a atuação da Administração Pública Direta e Indireta”19.
4.Responsabilidadedaconcessionária
peranteterceiroseperanteoPoderPúblico
O Estado muitas vezes causa danos ou
prejuízos aos indivíduos, gerando a obrigação de reparação patrimonial, decorrente da
responsabilidade civil. Assim, enquanto
sujeito de direito, o Estado submete-se a responsabilidade civil, prevendo a Constituição Federal que
“As pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa” (CF, art. 37, § 6 º).
Essa responsabilidade não se confunde
com a responsabilidade civil contratual do
Estado, que deve ser analisada sob a ótica
dos contratos administrativos.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado passou por constantes alterações e evoluções, em cada período histórico:
• 1ªfase: Irresponsabilidade – “O Rei
nunca erra” – Observe-se, porém,
que mesmo nesses casos não ficavam os indivíduos a descoberto de
qualquer proteção, pois, em atuando os agentes públicos com dolo ou
culpa, estes responderiam, individualmente, por seus atos, mesmo
quando no exercício de cargo público. Isso porque, em violando o direito, não agiam em nome do Estado,
como seu preposto, mas em nome
próprio.
• 2ªfase: Responsabilidade subjetiva –
doutrina civilista: essa teoria dividiase em relação a atos de gestão ou ato
de império do Poder Público. Em
relação aos primeiros, havia responsabilidade civil do Estado desde que
houvesse, no caso concreto, culpa
do agente público.
Brasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000
• 3ªfase: Publicização da culpa – teoria
francesadaculpaadministrativaouda
‘faute du service’ (falta do serviço):
decorre de quatro pontos principais
e não diferencia atos de gestão de
atos de império, mas sim da correta
ou incorreta atuação do serviço público. A falta do serviço público não
depende de falta do agente, mas do
funcionamento defeituoso do serviço, do qual decorre o dano. Assim, a
falta do serviço ocorre quando o serviço público não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Essa é a tríplice modalidade pela qual se apresenta e
nela se traduz um elo entre a responsabilidade tradicional do direito civil e a responsabilidade objetiva. Dessa forma, afaute du serviceera
fundamentada ou na culpa individual do agente causador do dano,
ou na culpa do próprio serviço, culpa anônima, já que não é possível
individualizá-la, cabendo à vítima
comprovar a não-prestação do serviço ou a sua prestação retardada
ou má prestação, a fim de ficar configurada a culpa do serviço, e, conseqüentemente, a responsabilidade do Estado, a quem incumbe
prestá-lo.
• 4ªfase: Responsabilidade objetiva – a
teoria do risco administrativofezsurgir a responsabilidade objetiva do
Estado, segundo a qual o dano sofrido pelo indivíduo deve ser visualizado como conseqüência do funcionamento do serviço público, não
importando se esse funcionamento
foi bom ou mau. Importa, sim, a relação de causalidade entre o dano e
o ato do agente.
• 5ªfase: Responsabilidade objetiva – a
teoria do risco integral:o Estado é responsável por qualquer dano causado ao indivíduo, na gestão de seus
serviços, independentemente da
225
culpa da própria vítima ou de caso
fortuito ou força maior.
A Constituição Federal adotou, em seu
artigo 37, §6º, a teoria objetiva do risco administrativo, ao prever que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicosresponderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Essa responsabilidade engloba todas as
pessoas físicas ou jurídicas que exerçam
funções públicas delegadas, sob a forma de
entidades paraestatais ou de empresas concessionárias ou permissionárias de serviços
públicos.
Assim, as características básicas do preceito constitucional consagrador da responsabilidade civil objetiva do Poder Público
(CF, §6º do art. 37) são:
• as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa;
• a obrigação de reparar danos patrimoniais decorre de responsabilidade civil objetiva. Se o Estado, por
suas pessoas jurídicas de direito
público ou pelas de direito privado
prestadoras de serviços públicos,
causar danos ou prejuízos aos indivíduos, deve reparar esses danos,
indenizando-os, independentemente de ter agido com dolo ou culpa;
• os requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são:
ocorrência do dano; nexo causal
entre o eventus damni e a ação ou
omissão do agente público ou do
prestador de serviço público; a oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado;
226
• no Direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, com
base no risco administrativo, que, ao
contrário do risco integral, admite
abrandamentos. Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de força maior, caso fortuito, ou, ainda, se comprovada a
culpa exclusiva da vítima;
• havendo culpa exclusiva da vítima,
ficará excluída a responsabilidade
do Estado. Entretanto, se a culpa for
concorrente, a responsabilidade civil do Estado deverá ser mitigada,
repartindo-se o quantum da indenização;
• a responsabilidade civil do Estado
não se confunde com as responsabilidades criminal e administrativa
dos agentes públicos, por tratar-se
de instâncias independentes. Asssim, a absolvição do servidor no juízo criminal não afastará a responsabilidade civil do Estado se não ficar comprovada culpa exclusiva da
vítima;
• a indenização do dano deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu, o que despendeu e o que deixou de ganhar em conseqüência direta e imediata do ato lesivo do Poder Público, ou seja, deverá ser indenizada nos danos emergentes e
nos lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária e juros de mora se houver atraso no pagamento. Além disso, nos termos do art. 5 º, V, da Constituição Federal, será possível a indenização por danos morais;
• a Constituição Federal prevê ação
regressiva contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
Ocorre, porém, que a premissa constitucional para aplicação da Teoria da Responsabilização Objetiva do Risco Administrativo refere-se, como já verificado, à existência de uma prestação de serviço público, o
RevistadeInformaçãoLegislativa
que inexiste nas hipóteses de exploração de
petróleo e gás natural, seja por parte do Poder Público, seja por parte, a partir da EC n º
9/95, da pessoa jurídica de direito privado,
concessionário do Poder Público.
Trata-se, na hipótese, conforme analisado no item 2, de atividade econômica e não
de serviço público e, conseqüentemente, conforme verificado no item 5, de concessão de
exploração de bem público e não de concessão de serviço público.
Essa premissa também é salientada por
Di Pietro, que adverte:
“a responsabilidade do concessionário por prejuízos causados a terceiros,
em decorrência da execução de serviço
público, é objetiva, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição vigente, que
estendeu essa norma às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de
serviços públicos”20.
Portanto, parece-nos que o artigo 37, §6º,
da Constituição Federal não se aplica em
relação à responsabilidade da concessionária perante terceiros e perante o Poder Público, devendo ser aplicada a teoria da responsabilização subjetiva, por ausência da
necessária previsão constitucional que consagre a responsabilidade objetiva também
nessa hipótese.
Nesse mesmo sentido, manifestou-se
Gastão Alves de Toledo, ao afirmar que
“toda teoria sobre a responsabilidade
objetiva do Estado se radica na sua
exigibilidade, enquanto o mesmo é
prestador de serviços públicos.... Ao
mesmo tempo em que o Texto Constitucional ampliou os destinatários da
norma, para incluir, não só as pessoas jurídicas de direito público, mas,
igualmente, as de direito privado, também qualificou, restritivamente, a atividade cujo desempenho ficou submetido a esta violenta responsabilidade.
Ora, não pode a lei comum ampliar a
aplicação de um instituto, em si mesmo, excepcional, captado pela Constituição para gravar a atuação do EsBrasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000
tado nesse campo (serviços públicos).
Se ela (Constituição) pretendesse que
outros ramos da atividade estatal fossem abrangidos pela responsabilidade objetiva extracontratual, não teria
se utilizado daquela expressão, excludente dos demais setores onde ele
opera. No que respeita a atuação do
Estado (latu sensu), somente a Constituição pode estabelecer o grau de responsabilidade a que estará sujeito, e
bem assim seus concessionários, pessoas de direito privado”21.
Igualmente concordamos com o citado
autor, quando aponta a inconstitucionalidade do art. 44, V, da Lei nº 9.478/97, que
estipulou a responsabilidade objetiva nessas hipóteses.
5. O papel da ANP na atividade de
exploraçãoeproduçãodepetróleo,gás
naturaleoutroshidrocarbonetosfluidos
A principal finalidade da criação da
ANP – Agência Nacional do Petróleo – foi
garantir a manutenção de várias prerrogativas do Poder Público na alteração de sistemas de exploração do petróleo. Assim, a
passagem de um sistema tradicional de
monopólio para um novo modelo, em que
se permite a concorrência, tornou necessária a criação da ANP, para proteção do Poder Público.
A ANP foi instituída sob a natureza jurídica de autarquia especial, nos termos da Lei
nº 9.478/97.
Dessa forma, enquanto autarquia especial, a ANP sujeita-se a todos os princípios
gerais de direito público.
Assim, prevê o artigo 7 º da citada lei que
“fica instituída a Agência Nacional do Petróleo – ANP, entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, vinculado
ao Ministério de Minas e Energia”.
Igualmente, em seu artigo 8 º, estipula as
competências da ANP, para que possa cum227
prir sua finalidade de promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria
do petróleo.
Para alcançar sua finalidade legal, deverá a ANP:
• implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo e gás natural, contida na política energética nacional, com
ênfase na garantia do suprimento
de derivados de petróleo em todo o
território nacional e na proteção dos
interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos
produtos;
• promover estudos visando à delimitação de blocos, para efeito de concessão das atividades de exploração,
desenvolvimento e produção;
• regular a execução de serviços de
geologia e geofísica aplicados à prospeção petrolífera, visando ao levantamento de dados técnicos, destinados à comercialização, em bases
não-exclusivas;
• elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção,
celebrando os contratos delas decorrentes e fiscalizando a sua execução;
• autorizar a prática das atividades
de refinação, processamento, transporte, importação e exportação, na
forma estabelecida nesta Lei e sua
regulamentação;
• estabelecer critérios para o cálculo
de tarifas de transporte dutoviário e
arbitrar seus valores, nos casos e da
forma previstos nesta lei;
• fiscalizar diretamente, ou mediante
convênios com órgãos dos Estados
e do Distrito Federal, as atividades
integrantes da indústria do petróleo, bem como aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato;
228
• instruir processo com vistas à declaração de utilidade pública, para fins
de desapropriação e instituição de
servidão administrativa, das áreas
necessárias à exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e
gás natural, construção de refinarias, de dutos e de terminais;
• fazer cumprir as boas práticas de
conservação e uso racional do petróleo, dos derivados e do gás natural e de preservação do meio ambiente;
• estimular a pesquisa e a adoção de
novas tecnologias na exploração,
produção, transporte, refino e processamento;
• organizar e manter o acervo das informações e dados técnicos relativos
às atividades da indústria do petróleo;
• consolidar anualmente as informações sobre as reservas nacionais de
petróleo e gás natural transmitidas
pelas empresas, responsabilizandose por sua divulgação;
• fiscalizar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques
de Combustíveis e o cumprimento
do Plano Anual de Estoques estratégicos de Combustíveis de que trata o art. 4º da Lei nº 8.176, de 8-21991;
• articular-se com os outros órgãos reguladores do setor energético sobre
matérias de interesse comum, inclusive para efeito de apoio técnico ao
CNPE;
• regular e autorizar as atividades relacionadas com o abastecimento
nacional de combustíveis, fiscalizando-as diretamente ou mediante
convênios com outros órgãos da
União, Estados, Distrito Federal ou
Municípios.
Percebe-se, claramente, pelo rol de funções da ANP, que a mesma passou a assumir o papel que caberia ao Poder Público,
RevistadeInformaçãoLegislativa
ao planejar, implementar e promover a política nacional de petróleo e gás natural, e ainda celebrar contratos, fiscalizar e aplicar
penalidades.
A ANP, portanto, é uma pessoa jurídica
de direito público – autarquia especial –com
competência para atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica, nos termos do artigo 174 da Constituição Federal, que dispõe que, “como agente
normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as
funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado”.
Assim, a ANP deve atuar comoagente
normativo, nos moldes definidos por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para quem,
“como agente normativo, cabe ao Estado fixar diretrizes para a economia.
Igualmente, realizar aquilo que os economistas denominam de intervenção
conforme. Ou seja, a que orienta os
agentes econômicos e os influencia
por meio de uma política global, financeira, monetária, social, sem lhes eliminar a livre determinação. É a que
atua sobre as grandes linhas da atividade econômica – nível de demanda,
condições de repartição etc”22.
Notas
Caetano, 1996, p. 324.
Bastos, 1990, v. 7, p. 167.
3
Idem, ibidem, v. 3, p. 83.
4
Ferreira, v. 1, 1994, p. 486.
5
Di Pietro, 1999, p. 518.
6
Grau, 1999, p. 131.
7
Virga, Diritto amministrativo, 1994, p.330.
8
Ferreira, v. 6, p. 387.
9
Por isso, ensina Marcello Caetano (1996, p.
240), “o serviço público para ser concedido tem de
estar legalmente subtraído à livre concorrência. A
actividade só pode ser concedida a certa pessoa se
não for livre o seu exercício por qualquer pessoa”.
10
Grau, p. 144.
11
Bastos, v. 7, p. 165.
12
Grau, p. 156.
13
Idem, ibidem, p. 200.
1
2
Brasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000
Toledo, 1999, p. 189.
Di Pietro, Direito Administrativo, p. 266.
16
Note-se que essa espécie de concessão não é
tradicional, como se verifica no clássico estudo de
Jean Rivero, ao analisar os principais contratos administrativos. Nesse tópico se refere tão-somente à
concessão de serviço público e à concessão de obras
públicas (Rivero, 1981, p. 129).
17
Idem, ibidem, p. 133.
18
Idem, ibidem, p. 136.
19
Di Pietro, Parcerias na administração pública,p.
67.
20
Di Pietro, Direito administrativo, p. 272.
21
Toledo, 1999. p. 200.
22
Ferreira Filho, 1995, v. 4, p. 14.
14
15
Bibliografia
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São Paulo : Atlas, 1999.
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à constituição brasileira de 1988. São Paulo : Saraiva, v. 1 e 4, 1995.
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Política. São Paulo : RT, n. 28, 1999.
VIRGA, Pietro. Diritto amministrativo. Milano : Giuffrè, 1994.
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Regime jurídico da concessão para exploração de petróleo e gás