TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Gab.Procurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO
Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Tribunal de Contas da União
Com fundamento no artigo 81, I, da Lei nº 8.443/1992, e nos artigos 237, inciso VII, e 276,
caput, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, o Ministério Público junto ao TCU oferece
REPRESENTAÇÃO,
COM REQUERIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR,
visando a que seja determinado à Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL que se
abstenha de conceder novas outorgas relativas à concessão dos serviços de TV a cabo, nos moldes do que
está sendo definido pela Agência no âmbito do novo planejamento para o setor, conforme as medidas já
anunciadas nos processos administrativos abaixo indicados, até que o Tribunal de Contas União julgue o
mérito do TC 019.469/2010-1.
- II A presente representação ampara-se em documentação encaminhada pelo Sindicato Nacional
das Empresas Operadoras de Sistemas de Televisão por Assinatura – SETA, por meio da qual dá notícia
de que a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, ao apreciar os processos administrativos
n.os 53500.000834/2004, 53500.028086/2006 e 53500.008251/2010, especificados à fl. 2 do expediente,
teria adotado deliberações que vão redundar em substanciais alterações nos procedimentos de outorga do
Serviço de TV a Cabo no país, sem haver prévia alteração da legislação federal de regência e em suposta
contrariedade às decisões do Tribunal de Contas União em que a matéria foi discutida (cita a Decisão n.º
230/2001, alterada pelo Acórdão n.º 231/2003, e o Acórdão n.º 868/2003).
As novas medidas preconizadas pela Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel que
representariam flagrante violação à ordem jurídica e desrespeito às deliberações do TCU podem ser assim
sintetizadas:
a) inexigibilidade de licitação para exploração dos Serviços de TV a Cabo, já que não se deve
mais considerar qualquer limitação ao número de prestadores em cada área;
b) eliminação do limite ao número de prestadores por área de concessão, à míngua de estudo
técnico específico e sem as alterações normativas que seriam exigidas; e
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c) cobrança apenas do valor de R$ 9.000,00 referente ao custo administrativo pela expedição
do serviço, ao contrário do que teria ocorrido anos atrás nas licitações para outorga das concessões de TV
a cabo, quando o Estado arrecadara o expressivo montante R$ 391.015.779,82.
É de se referir, inicialmente, que a matéria em análise está sendo apurada nos autos do TC n.º
TC 019.469/2010-1, tendo a Sefid promovido diligência junto à Anatel, a fim de que sejam apresentados
esclarecimentos especificamente sobre as questões acima transcritas. Ocorre, todavia, que o Ministério
Público entende que as questões trazidas ao nosso conhecimento reclamam a pronta atuação do Tribunal,
com vistas a assegurar a observância da legislação em vigor, da autoridade das decisões do TCU sobre o
assunto e do princípio da segurança jurídica do setor regulado, razão por que solicito a presente cautelar.
- III Em relação aos precedentes do TCU nos quais a matéria foi examinada, merece destaque a
deliberação do Plenário consubstanciada no Acórdão n.º 231/2003, mediante o qual o Tribunal apreciou
Pedido de Reexame interposto contra a Decisão n.º 230/2001 TCU, que julgou aprovados, com ressalvas,
o Primeiro, o Segundo e o Terceiro Estágios de que trata a IN/TCU nº 27/98 relativamente ao processo de
outorga de concessão para exploração do Serviço de TV a Cabo.
Naquela assentada, manifestei meu entendimento sobre as regras aplicáveis ao serviço de TV
a cabo. Em síntese, ressaltei que embora a Lei Geral das Telecomunicações (Lei nº 9.472, de 16.07.1997)
trouxesse significativas mudanças para o disciplinamento do serviço de TV a cabo, ela não se sobrepunha
à Lei nº 8.977/1995 (que traz regras específicas). Pelo contrário, o art. 212 da Lei Geral nada mais fizera
do que ratificar a vigência desta última norma como lei especial disciplinadora do serviço de TV a cabo
no país, nos seguintes termos:
“Art. 212. O serviço de TV a Cabo, inclusive quanto aos atos, condições e procedimentos de
outorga, continuará regido pela Lei nº 8.977, de 6 de janeiro de 1995, ficando transferidas à Agência as
competências atribuídas pela referida Lei ao Poder Executivo”.
Assim, reafirmo minha convicção no sentido de que:
“As Leis nos 9.472/1997 e 8.977/1995 passaram a disciplinar conjuntamente o serviço de TV
a cabo. A primeira, como lei geral. A segunda, como lei especial. Daí, forçoso é concluir que as questões
atinentes ao serviço de TV a cabo devem sempre ser examinadas sob a luz dessas duas normas, mediante
interpretação sistêmica, que harmonize as regras nelas dispostas. Despiciendo lembrar, ainda, que, em
quaisquer casos atinentes ao serviço de TV a cabo, deverá prevalecer o normativo especial sobre o geral
sempre que esses se apresentarem conflitantes, desde que, obviamente, essa solução não viole a
Constituição Federal”.
A aplicação subsidiária da LGT na regência dos serviços de TV a Cabo foi reconhecia pelo
Relator do Voto que conduziu ao Acórdão n.º 231/2003-Plenário, Ministro Augusto Sherman Cavalcanti,
acolhendo os fundamentos do parecer do Ministério Público.
Isto posto, ficou claro para mim que dúvidas não poderia haver em relação à incidência, nos
procedimentos de outorga de concessão dos serviços de TV a cabo, do que dispõem os artigos 11 a 15 da
Lei nº 8.977/19951, a Lei Geral de Telecomunicações e as normas inferiores de elaboração da Anatel.
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“Art. 11. O início do processo de outorga de concessão para o serviço de TV a Cabo dar-se-á por iniciativa do Poder
Executivo ou a requerimento do interessado.
Art. 12. Reconhecida a conveniência e a oportunidade de implantação do serviço de TV a Cabo pretendido, será publicado
edital convidando os interessados a apresentar suas propostas, na forma determinada em regulamento.
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É evidente, porém, que as regras publicísticas estatuídas na Lei n. 8.977/1995 não permitem
classificar o regime de prestação dos serviços de TV a cabo como puramente público. Como já destaquei
no referido parecer, “(...) esse tipo de serviço carece da essencialidade característica dos serviços que
reclamam ações efetivas no sentido de garantir, até mesmo mediante a intervenção do Estado, sua
existência, universalização e continuidade”.
A propósito, o Ministro Augusto Sherman, no Voto em comento, externou posicionamento no
sentido de que:
“Como se vê, o regime da Lei 8.977/95 está muito mais próximo do regime privado previsto
na LGT, que, por atuação subsidiária, seria também aplicável aos serviços de TV a cabo. Verifica-se que
a intenção do legislador é de atenuar e muito o regime de direito público aplicável aos serviços de TV a
cabo, aproximando-os muito mais da atividade econômica estrito senso submetida a regime misto quase
privado”.
É de ver, no entanto, que a aceitação de um regime jurídico misto quase privado não significa
a possibilidade de utilização de um sistema essencialmente privado, tal como o novo modelo concebido
pela Anatel, em que as outorgas dos serviços do STVC passam a ser tratadas como simples autorizações,
reguladas inteiramente pela LGT, dispensando as exigências da lei específica (Lei n. 8.977/95).
Nesse contexto, considero que as medidas que integram o novo planejamento da Anatel para
as outorgas de concessão dos serviços de TV a cabo, ante o seu caráter eminentemente privatístico, vão de
encontro à orientação firmada pelo TCU sobre o assunto, bem como às normas que disciplinam a entrega
desse serviço a particulares, especificamente aos artigos 11 a 15 da Lei n. 8.977/95 e ao artigo 6º deste
diploma legal que afirma de maneira taxativa que a outorga do serviço de TV a cabo deve-se realizar por
meio de concessão.
Outra importante questão decidida pelo Tribunal, e ao que parece foi ignorada pela Agência,
diz respeito à aprovação do preço da outorga com base no custo administrativo de expedição do ato (R$
9.000,00). Quanto a esse particular, no acompanhamento dos estágios envolvendo a outorga do direito de
concessão para a exploração do serviço de TV a cabo, realizado pelo TCU e sob a coordenação de Sefid,
sempre se atentou para o valor fixado na alienação das outorgas, no sentido de que o preço adotado fosse
compatível com o de mercado. Não foi por outra razão que o Tribunal, mediante a Decisão n. 230/2001Plenário, entendeu por bem determinar à Anatel:
“8.2 (...) com base no art. 43, inciso I, da Lei nº 8.443/92, combinado com o art. 194, inciso
II, do Regimento Interno, que nas próximas licitações de serviço de TV a Cabo que vier a realizar:
a) somente inicie o processo licitatório após ter sido elaborada nova metodologia de cálculo
do preço mínimo, que:
a.1) comprovadamente possa avaliar o real valor de mercado da outorga licitada;
a.2) obedeça exatamente aos termos estabelecidos pela Decisão n.º 319/2000-Plenário;
Art. 13. O processo de decisão sobre outorgas para o serviço de TV a Cabo será definido em norma do Poder Executivo, que
incluirá:
I - definição de documentos e prazos que permitam a avaliação técnica das propostas apresentadas pelos interessados;
II - critérios que permitam a seleção entre várias propostas apresentadas;
III - critérios para avaliar a adequação da amplitude da área de prestação do serviço, considerando a viabilidade econômica
do empreendimento e a compatibilidade com o interesse público;
IV - um roteiro técnico para implementação de audiência dos interessados de forma a permitir comparação eqüitativa e isenta
das propostas.
Art. 14. As concessões para exploração do serviço de TV a Cabo não terão caráter de exclusividade em nenhuma área de
prestação do serviço.
Art. 15. As concessionárias de telecomunicações somente serão autorizadas a operar serviço de TV a Cabo na hipótese de
desinteresse manifesto de empresas privadas, caracterizado pela ausência de resposta a edital relativo a uma determinada
área de prestação de serviço”.
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a.3) inclua também a projeção do investimento necessário à instalação do serviço, bem como
as receitas alternativas, complementares, acessórias e as provenientes de projetos associados, previstas
no art. 18, inciso VI, da Lei n.º 8.987/95, e no art. 7o, inciso I, alínea a, da IN-TCU n.º 27/98; (a trecho
em negrito foi suprimido pelo Acórdão 231/2003)”
Como bem observou o Ministro Augusto Shemam Cavalcanti, no Voto que fundamentou o
Acórdão n.º 231/2003, a fixação de um preço mínimo é fundamental para o Poder Público determinar o
valor „justo‟ pelo negócio que está concedendo. Para tanto, é imprescindível que o valor mínimo a ser
apurado pelo direito de exploração do serviço esteja o mais próximo do real valor de mercado, evitando,
com isso, potenciais perdas de receita para o Erário.
O critério agora definido pela Anatel, no entanto, determinando que o preço a ser adotado seja
o equivalente ao custo administrativo de expedição da outorga, parece não refletir a exigência do TCU, no
sentido de se adotar metodologia de cálculo fundada em estudo de viabilidade econômica, abrangendo
aspectos como projeção de lucros, taxas de risco e atratividade, entre outros fatores.
Por fim, é importante ressaltar que a nova sistemática levada a efeito pela Anatel no tocante à
cobrança do valor simbólico de R$ 9.000,00 pela concessão poderá gerar grande instabilidade jurídica ao
setor, tendo em vista que não ficou esclarecido como será a convivência entre as novas outorgas e as que
foram concedidas sob o sistema anterior. A entrada de novas prestadoras a custos ínfimos se comparados
aos incorridos por aqueles que desembolsaram consideráveis somas de capital nas licitações anteriores
realizadas para os serviços de TV a cabo poderá gerar contentas judiciais indesejáveis. Assim, enquanto
não definido o tratamento a ser conferido às outorgas em vigor, seria de todo temerária a concretização
das providências anunciadas pela Anatel.
- IV Pois bem. A violação às normas que disciplinam a outorga da concessão dos serviços de TV a
Cabo, o desatendimento das deliberações do TCU sobre o tema e a ofensa à segurança jurídica são mais
do que suficiente para caracterizar o “fumus boni iuris”. Já o perigo de demora fica evidente quando se
cogita dos efeitos que a implementação das medidas contempladas no novo modelo da Anatel poderão
gerar no ambiente do setor regulado, sob o ponto de vista da segurança jurídica.
Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da
União, com fulcro no que dispõe o artigo 81, I, da Lei nº 8.443/92, e no que dispõem os artigos 237,
inciso VII, e 276, caput, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, requer seja determinado,
cautelarmente, à Anatel que se abstenha de conceder novas outorgas relativas à concessão dos serviços de
TV a cabo, nos moldes do que está sendo definido pela Agência no âmbito do novo planejamento para o
setor, conforme as medidas já mencionadas nos processos administrativos acima apontados, até que o
Tribunal de Contas União julgue o mérito do TC 019.469/2010-1.
Observar-se, por fim, que seria conveniente que a presente representação fosse apensada aos
autos do TC 019.469/2010-1, conforme prevê o art. 2º, inciso XV, da Resolução TCU Nº 191, DE 21 DE
JUNHO DE 2006.
Ministério Público, em 3 de março de 2011.
Lucas Rocha Furtado
Procurador-Geral
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