VOLUME 01
NÚMERO 1
2014
2
REVISTA DINÂMICA JURÍDICA
VOLUME 01
NÚMERO 1
2014
3
Editores:
Luís Cinéas de Castro Nogueira
Alexandre Bento Bernardes de Albuquerque
Endereço de correspondência da Editora Dinâmica Jurídica.
Rua Visconde da Parnaíba, 1439, Sala 01.
Horto Florestal
Teresina – Piauí
64.049-570
e-mail: [email protected]
Os artigos dispostos são de responsabilidade dos autores.
Revista Dinâmica Jurídica
V.1 (Setembro. 2014). Teresina: Editora dinâmica jurídica, 2014.
Periodicidade irregular. Coordenadores: Alexandre Bento Bernardes de Albuquerque e Luís Cinéas de Castro
Nogueira.
V. 1 (Setembro. 2014)
1. Direito – Periódico. 2. Direito Público – Periódico. 3. Direito Privado – Periódico.
4
SUMÁRIO
PROCESSO EDITORIAL ...................................................................................................................... 7
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 9
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO EMPREGADOR NOS ACIDENTES DE
TRABALHO ......................................................................................................................................... 11
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE
AUTORIZAÇÃO PARA O TRABALHO DO MENOR DE 16 ANOS: UMA CONCLUSÃO
INAFASTÁVEL. .................................................................................................................................. 25
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E O RECONHECIMENTO DE PERÍODO
URBANO. ............................................................................................................................................. 39
ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO .................................................................... 47
TAMBÉM O DIREITO FLUI............................................................................................................... 59
PRINCÍPIOS TRABALHISTAS .......................................................................................................... 65
ASSÉDIO MORAL NA CATEGORIA BANCÁRIA: As consequências para saúde dos bancários ... 85
O DIREITO AO ESQUECIMENTO FRENTE AOS MECANISMOS DE BUSCA DENTRO DA
INTERNET ......................................................................................................................................... 105
NOVOS DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS ............................................................ 121
A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL: PRESSUPOSTOS E POSSIBILIDADES DA AUDIÊNCIA
PÚBLICA REALIZADA PELO TST ................................................................................................. 125
5
6
PROCESSO EDITORIAL
Para
participar,
basta
enviar
os
escritos
ao
correio
eletrônico
da
Revista [email protected], constando nome completo, endereço, meios
de contato (correio eletrônico, Linkedin, Facebook, Twitter, Pinterest, Tumblr, Google+,
etc.), site ou blog (se houver), breve curriculum vitae, link da plataforma Lattes (se houver)
e fotografia (640 x 480 pixels), juntamente com a carta de autorização (ANEXO 1) e as
informações acima solicitadas
A revista recebe permanentemente materiais para publicação em edições posteriores.
Para mais detalhes das diretrizes de como enviar seus artigos, acessar o link do topo da
página: “Como Publicar seu Artigo?".
Os textos, inéditos ou não, podem ser artigos científicos, petição, resumo, resenha,
entre outros, inclusive em coautoria. Não há limite de caracteres, devendo, contudo, indicar as
palavras chaves e um breve sumário. O importante é que o texto tenha conteúdo atual.
Por isso, convidamos você a participar, enviando um ou mais artigos relacionados
disciplinas jurídicas,teoria jurídica, filosofia, sociologia, etc.
REGRAS PARA PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS
01. Versão eletrônica em arquivo do Word no tamanho do folha A4;
02. Tamanho do texto: mínimo de 15 e máximo de 30 páginas;
03. Margens: esquerda e superior 3 cm e direita e inferior 2 cm;
04. Alinhamento: justificado;
05. Fonte: Times new roman, tamanho 12 (corpo de texto); tamanho 10 para notas de
rodapé, tamanho 13 para título e tamanho 10 para citações;
06. Espaçamento entre linhas: 1,5;
07. Entrada de parágrafo de 1,25 cm
08. As citações textuais pequenas (até três linhas) devem ser inseridas no texto, entre
aspas e sem itálico. As citações textuais longas (mais de três linhas) devem vir em
7
parágrafo independente, recuado da margem esquerda 4 cm, tamanho 10 e com
espaçamento simples, sem aspas;
09. Os artigos deverão estar de acordo com as normas da ABNT.
10.Sistema Autor-data.
8
APRESENTAÇÃO
A Revista Dinâmica Jurídica apresenta-se em formato digital, integrada à
rede mundial de computadores, que possibilitará acesso seguro e veloz às
informações, com ampla divulgação no meio acadêmico e jurídico.
A publicação terá direcionamento automático dos conteúdos para redes
sociais, tais como Google+, Facebook, Twitter e Instragam, o que garante
grande exposição.
A proposta é de uma revista digital que aborde Direito Público, Direito
Privado sua ramificações e om outras áreas afins do conhecimento, em especial,
das ciências sociais aplicadas.
Ou seja, a publicação cobre uma ampla gama de disciplinas e campos do
direito e ciências sociais, incluindo a teoria jurídica, filosofia do direito, história
legal, sociologia jurídica, do direito e direito constitucional e política. Ao
disseminar as contribuições mais relevantes para os temas em estudo, pretende
tornar-se um fórum de divulgação, discussão e debate para fortalecer a
comunidade acadêmica.
O diferencial é atualização rápida e intercâmbio dos temas com estudiosos
de diversos países, a exemplo, os da América Latina, América do Norte e
Europa.
9
10
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO EMPREGADOR NOS
ACIDENTES DE TRABALHO
Lucília Feitosa Silva
Bacharela em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina (CEUT). Especialista em Direito e Processo
do Trabalho pela Luiz Flávio Gomes de Brasília(LFG). Analista Judiciária no Tribunal Superior do Trabalho,
Brasil. e-mail: [email protected] .
RESUMO
O presente artigo tem como tema: A responsabilidade civil objetiva do empregador nos acidentes de trabalho,
numa visão pautada à luz dos princípios fundamentais que visam resguardar a dignidade da pessoa humana. A
defesa da aplicação da responsabilidade desprovida de culpa deve-se a uma visão ampla de valoração dos
direitos fundamentais, bem como de efetividade do princípio da proteção que permeia o Direito do Trabalho.
Palavras-chave: Responsabilidade, objetiva, dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT
This article has as its theme: The objective liability of the employer in accidents at work, a vision guided the
light of fundamental principles aimed at safeguarding the dignity of the human person. The defense of the
application's responsibility devoid of fault is due to a broad overview of valuation of fundamental rights, as well
as the effectiveness of the principle of protection that permeates the Labor Law.
Keywords: Accountability, objective, human dignity.
INTRODUÇÃO
Numa era que a força normativa dos princípios vige no ordenamento brasileiro, onde
violar um princípio significa a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, já
que tal atitude representa insurgência contra todo um sistema e seus valores fundamentais,
nada mais plausível que analisar os institutos jurídicos à luz dos direitos fundamentais.
Sob esse enfoque até mesmo na seara privada os bens e direitos patrimoniais deixam
de constituir fins em si mesmos e passam a ser meios para a realização da pessoa humana.
11
Previsto no artigo 1º, III da Constituição como um dos fundamentos das República
Federativa do Brasil, constituindo legado incontestável das filosofias de São Tomás de
Aquino e de Kant, o princípio da dignidade da pessoa humana constitui a base de um Estado
Democrático de Direito.
Partindo dessa linha de raciocínio e buscando uma interpretação embasada nesses
conceitos é que se faz possível a defesa da aplicação da responsabilidade objetiva do
empregador nos acidentes de trabalho.
Não significa com tal procedimento que haverá desatenção ao princípio da
razoabilidade, mas antes de tudo comprometimento com a realidade e com os princípios que
regem a seara laboral.
A defesa da responsabilidade sem culpa encontra respaldo nos direitos fundamentais,
na ponderação de valores, na eficácia horizontal dos direitos fundamentais, bem como numa
interpretação sistemática do ordenamento.
Entender que há responsabilidade objetiva nos casos de danos ao meio ambiente, ao
consumidor, dentre outros e negá-lo ao tratar da saúde do trabalhador é reverter todo o
movimento atual de plena efetividade dos direitos.
Seja pela dificuldade em apresentar provas que comprovem o dano,seja pelo receio de
uma despedida imotivada, muitas vezes o empregado vítima de um acidente de trabalho fica a
mercê de qualquer reparação por não possuir meios de comprovar o acidente ou a doença
ocupacional a que fora submetido. Sendo o empregador o maior beneficiário da atividade de
risco a ser realizada pelo empregado, bem como ser o destinatário final de seus principais
lucros nada mais condizente com os princípios fundamentais ser o responsável por eventuais
prejuízos independe de culpa.
E assim procedendo se estará ao fim e ao cabo sendo justo a própria realidade que
norteia os centros empresariais, propiciando aos empregadores todos os meios de evitar
qualquer prejuízo, obrigando-o a adotar medidas preventivas efetivas de segurança do
trabalhador, que transcende o simples pagamento de adminículos.
Ao permitir a aplicação da responsabilidade objetiva o ordenamento jurídico brasileiro
além de cumprir efetivamente preceitos constitucionais à luz da dignidade da pessoa humana,
propiciará que empregadores tenham consciência de necessidade de proteger o trabalhador
que acima de tudo é um ser humano e como tal deve ser tratado e resguardado, ainda que para
tal ato sejam necessárias atos que num primeiro momento possam falsa impressão de ser
desprovidos do princípio da razoabilidade.
12
RESPONSABILIDADE CIVIL- NOÇÕES GERAIS
Responsabilidade etimologicamente significa idéia de ressarcimento, sendo necessário
para que surja o fato gerador da obrigação de reparar que exista algo incólume antes da
ocorrência de um algum evento que altere a sua essência.
O instituto da responsabilidade civil é de suma importância não apenas para o Direito
Civil, mas para qualquer ramo do Direito, pois visa proteger aqueles que sofrem os efeitos dos
fatos danosos, sendo instrumento de manutenção da ordem pública.
Para Maria Helena Diniz(2002,p.34):
a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a
reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de atos por ela
mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela
pertencente ou de simples imposição legal.
Sob esse enfoque, a responsabilidade civil é invocada para fundamentar a pretensão de
ressarcimento por aquele que sofreu as consequências do infortúnio, sendo um instrumento de
manutenção da harmonia social, na medida em que se utiliza do patrimônio do causador do
dano para restaurar o equilíbrio rompido.
A responsabilidade civil tem como inicial o Direito Romano, no qual era consagrada a
ideia básica de vingança privada não havendo diferenciação entre a responsabilidade civil e
penal.
A Lei das XII Tábuas constituiu avanço em relação a fase anterior, na medida em que
fixou a noção de reparação tarifada, tendo o Poder Público intervindo para legalizar o direito
de vingança privada.
Destaque nessa evolução histórica adveio da Lex Aquilia de origem no Século II A.C,
a qual derrogou a Lei das XII Tábuas e onde se consagrou a estrutura jurídica da
responsabilidade extracontratual, trazendo o conceito geral de reparação caracterizado em
face de atribuir ao proprietário da coisa lesada o direito de destruir a coisa alheia em virtude
de haver sido por ela atingido.
Em outros termos, a maior evolução do instituto ocorreu com a Lex Aquilia, que deu
origem a responsabilidade civil delitual ou extracontratual, sendo aos poucos substituída pelo
Código Civil de Napoleão, o qual exerceu grande influência no CC de 1916(artigo 159) e
13
finalmente no CC de 2002, onde foi consagrada a responsabilidade civil objetiva e a reparação
do dano exclusivamente moral(artigos 186, 187, 927 do CC-2002).
Ainda sobre o instituto convém ressaltar que a responsabilidade civil pode ser
contratual, qual seja a que decorre de violação de obrigação disposta em negócio jurídico ou
extracontratual decorrente de lei.
De forma ontológica não existe distinção de responsabilidade civil contratual e
extracontratual, como consagrada na doutrina, lei e jurisprudência, no entanto tal
diferenciação subsiste para fins de ônus da prova da culpa, bem como da extensão de seus
efeitos.
Como meio de punir o desvio de conduta, amparar a vítima, bem como desestimular o
violador potencial a responsabilidade civil pode ainda ser subjetiva, objetiva.
A responsabilidade subjetiva se baseia na culpa do agente, a qual deve ser comprovada
para gerar a obrigação de indenizar, tendo como elementos a ação ou omissão, a culpa, o dano
e o nexo causal.
A ação ou omissão como elemento do instituto exige uma conduta positiva ou
negativa pelo próprio agente causador do dano, por terceiros (artigo 932,I e II do CC),
empregados(932, III do CC), dentre outros.
Em outras palavras, a responsabilidade civil requer a ação ou omissão do humano
livre, já que o homem tem a faculdade de agir em conformidade ou contra o ordenamento
jurídico sendo que agindo da última forma terá de arcar com as consequências do ato ilícito
por meio de seu patrimônio.
Outro elemento dessa espécie de responsabilidade é a culpa, a qual é formada por 2
elementos um objetivo, o qual representa a violação de um dever ou obrigação preexistente e
uma subjetiva que diz respeito ao aspecto psicológico do agente, podendo ainda ser apreciada
em graus e em sua gravidade até mesmo para a mensuração do dano.
O dano como elemento essencial da responsabilidade tanto contratual como
extracontratual consiste no dever de reparação face a existência de prejuízo material ou
extrapatrimonial a que tenha sido submetida a vítima.
Pela teoria da diferenciação o dano constitui a diferença da situação do bem antes e
depois da lesão, sendo que pela teoria do interesse o dano á concebido como lesão a um
interesse juridicamente protegido.
14
Ademais, para que exista o dever de indenizar é imprescindível a ligação entre a
conduta do agente e o dano sofrido pela vítima, sob pena de inexistência de obrigação de
indenizar.
Para fins de estabelecer nexo de causalidade há 03 teorias, quais sejam a da
equivalência de condições, que aduz que toda e qualquer circunstância que haja concorrido
para produzir o dano é considerada uma causa; a da causalidade adequada que considera
como causadora do dano a condição por si só apta a produzi-lo e dos danos diretos e
imediatos, a qual vincula as causas mesmo remotas que tenham sido necessárias para a
existência do dano, sendo essa última a adotada no artigo 403 do Código Civil.
Em contrapartida a teoria da responsabilidade com culpa, o CC no seu parágrafo único
do art.927 consagrou a teoria da responsabilidade objetiva, a qual independe de culpa para
que surja a obrigação de repara o dano.
Nessa espécie de responsabilidade ainda de controvertida aplicação, basta haver o
dano e o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade civil do agente.
Na seara laboral a responsabilidade civil encontra-se voltada especialmente para o
tema das indenizações decorrentes de acidente de trabalho e das doenças ocupacionais,
estando consagrada no art. 7º, XXVIII da Constituição.
Tal instituto passa a ser de primordial importância no Direito do Trabalho no
concernente aos acidentes de trabalho já que esses atualmente não decorrem do acaso, como
ocorriam no século XIX, mas da ausência de medidas preventivas, de cuidados mínimos de
segurança do trabalhador que visem propiciar ao empregado um meio ambiente apto a ensejar
a garantia de direitos fundamentais da pessoa humana.
TEORIA DO RISCO
Risco significa perigo ou possibilidade de perigo; situação em que há probabilidade
mais ou menos previsíveis de perda ou dano.
O art.927 do CC em seu parágrafo único estabelece que quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza riscos para o direito
de outrem haverá a responsabilidade objetiva, embasada na teoria do risco.
Um dos movimentos que deram origem de forma primordial a responsabilidade
objetiva e a teoria do risco ocorreram no campo do acidente do trabalho, no qual a noção de
culpa como fundamento da responsabilidade aos poucos se mostrou insuficiente.
15
Nesse sentido a Lei de Acidentes de Trabalho de 1934 imputava ao empregador a
responsabilidade objetiva pelo experimentado por seu operário e derivado de lesões corporais
que lhe resultasse morte ou ferimento só podendo ser afastado em caso de dolo comprovado
do empregado.
Em outros termos face ao grande número de vítimas de acidente de trabalho, muitas
vezes desamparadas diante da impossibilidade de prova de reparação do dano, a exigência de
culpa foi mitigada em decorrência da teoria do risco.
A necessidade de aplicação dessa teoria tem sua gênese na eclosão da revolução
industrial, na qual se primava pela produção, inexistindo à época normas legais de segurança,
higiene ou medicina do trabalho.
Posteriormente mesmo com a Revolução Francesa a qual consagrou os princípios da
liberdade, igualdade e fraternidade, quando o infortúnio laboral se concretizava a culpa era do
empregado, seja em virtude de resguardar interesses ocultos dos empresários, seja pelo fato de
que qualquer responsabilidade por parte da empresa ensejaria enfraquecimento da atividade
industrial.
Diante da Injustiça Social, o Estado não só teve que intervir, como adaptar o
ordenamento jurídico a realidade econômica, admitindo a responsabilidade civil sem culpa,
surgindo a teoria do risco como efeito nefasto do acidente de trabalho.
A responsabilidade civil objetiva no que se refere aos acidentes de trabalho foi
explicada por várias teorias a seguir delineadas:
Teoria do Risco proveito- Segundo essa teoria a responsabilidade incorre sobre aquele
que adquire algum proveito do ato danoso, devendo a vítima provar a obtenção do proveito,
do lucro ou da vantagem pelo autor do dano.
A principal crítica a essa teoria reside no fato de que haveria dificuldade em definir o
que seria proveito, pois se relacionado ao fator lucro ou vantagem econômica, haveria
exclusão de responsabilidade de todos que não fossem industriais e se coubesse a vítima o
ônus de comprovar o proveito haveria um retorno ao sistema subjetivo, com todas as
dificuldades inerentes a comprovação do dano.
Teoria do Risco Profissional- Sustenta que o dever de indenizar decorre do risco
pertinente a atividade laboral decorrente do vínculo empregatício entre empregado e
empregador, ocorrendo nos casos de acidente de trabalho.
16
Segundo essa teoria aquele que se beneficia de alguma forma da atividade perigosa,
criando pela própria atividade riscos ao empregado deve indenizá-lo, independe de culpa até
mesmo pela dificuldade do hipossuficiente em demonstrá-la.
Quando o trabalhador e o empregador firmam contrato de trabalho, aderem as
cláusulas implícitas como a da boa-fé subjetiva e objetiva, da lealdade, bem como da
segurança material que deve ser concedida ao empregado, já que a segurança, saúde do
trabalhador são essenciais a noção de um meio- ambiente do trabalho como direito
fundamental.
Pois bem, na evolução da teoria da responsabilidade do empregador, surgiu
inicialmente a teoria da responsabilidade contratual, em que havia a presunção de culpa do
empregador; posteriormente a responsabilidade legal segundo a qual quem deveria suportar os
danos era o dono do maquinário e por último a teoria do risco profissional pela qual o
empregador deveria assumir os riscos da atividade.
Outra teoria que ainda não adentrou na responsabilidade objetiva, mas já dava passos a
alcançá-la referia-se a teoria do contrato, segundo a qual todo contrato de trabalho continha
cláusula que obrigava o empregador a proteger o empregado contra todo acidente de trabalho,
havendo presunção júris tantum de culpa do empregador.
A crítica a essa teoria resida no fato de que permitia ao empregador provar que teria
tomado todas as diligências para evitar o infortúnio provando ainda que o acidente teria
ocorrido por motivo de força maior ou de ato próprio do empregado.
Da influência francesa advém a teoria da responsabilidade pelo fato da coisa segundo
a qual o guardião da coisa no contexto o titular dos elementos de empresa deve responder de
pleno direito pelos danos dela decorrentes.
Pois bem, a teoria do risco estaria inserida nos próprios fundamentos da relação de
emprego, já que pelo artigo 2º da CLT se o empregador é responsável pelos riscos do
empreendimento, tendo responsabilidade com o empregado até mesmo no caso de força maior
cabe aquele responder independe de culpa pelos acidentes de trabalho a que fora submetido
seus empregados, até por que foi ao fim e ao cabo o principal beneficiário dessa atividade,
auferindo todos os lucros da atividade empresarial.
Saliente-se ainda que exigir da sociedade suportar os ônus decorrentes dos acidentes
de trabalho, quais sejam as indenizações devidas, seria onerar demasiadamente uma sociedade
por si só sujeita a encargos tributários excessivos e muitas vezes até abusivos.
Nesse sentido Evaristo de Moraes(1998,p.42-43):
17
o direito novo, em linguagem técnica, chama-se teoria do risco profissional, uma
conquista do Direito operário, porque anteriormente o caso fortuito e a imprudência
mínima do operário deixavam-no desamparado. Mas o direito novo, consagrado na
legislação de fins do século XIX, mudou a situação do operário, dando ao risco o
caráter de profissional. Segundo a nova doutrina, consagrada em leis bem mais
minuciosas, especialmente na França, na Alemanha, na Dinamarca e na Espanha já
não havia motivo para procurar a causa ou o responsável pelos acidentes, pois no
contrato do empregador com o empregado fica incluída a obrigação de reparar o
acidente, que constitui, afinal, uma das despesas da produção industrial. Assim
como o empregador deve ao empregado o pagamento do salário, como
contraprestação do trabalho, de igual modo deve-lhe ou aos seus herdeiros a
indenização, em caso de lesão corporal ou de morte motivada por acidente, ocorrido
no exercício do trabalho.
Em síntese, o acidente de trabalho ensejou a responsabilidade civil e nada mais justo
do que responsabilizar aquele que detinha todos os meios de manter a segurança efetiva nas
condições de trabalho, qual seja o empregador.
Teoria do risco excepcional- Seria aquele que escapa a atividade rotineira da vítima,
sendo aquele relacionado ao exercício de certas atividades como os atinentes a energia
elétrica, manipulação de materiais radioativos, dentre outros.
Teoria do risco integral- Modalidade extremada da doutrina do risco dispensando até
mesmo o nexo causal, subsistindo nos casos de culpa exclusiva da vítima, força maior, caso
fortuito, fato de terceiro.
Teoria do risco criado- Segundo essa teoria aquele que em razão de sua atividade cria
um perigo estará sujeito a reparação do dano que causar independe de culpa, residindo a
diferenciação da teoria do risco proveito, pelo fato de que diferentemente desta para fins de
ocorrência do dano não o interliga a proveito ou vantagem do agente.
Independente da teoria adotada, o certo é que aquele que causar o dano deve ressarcilo, sendo que embora no âmbito do acidente de trabalho ainda não haja uma tendência
consolidada, já existem jurisprudências que adotam a responsabilidade do empregador pelo
simples risco criado pela atividade empresarial, com respaldo na responsabilidade civil
objetiva.
Nessa esteira, no aspecto trabalhista o empregador deve ressarcir a vítima se pelo
exercício de sua atividade expôs a saúde do trabalhador, afinal a empresa é a principal
beneficiária desse risco e das vantagens dela advindas.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO EMPREGADOR NOS ACIDENTES DE
TRABALHO
18
Acidente do trabalho no século XIX tinha como definição todo e qualquer
acontecimento fortuito que atingia o trabalhador quando no exercício normal de suas
atividades profissionais.
Tal acontecimento era encarado como obra do acaso, do casual, do imprevisto, sendo
que essa definição foi devidamente alterada nos dias atuais, haja vista que os acidentes do
trabalho passaram a decorrer da inobservância de medidas coletivas e individuais relacionadas
ao meio ambiente do trabalho.
A
evolução
desse
instituto
influenciou
diretamente
na
consolidação
da
responsabilidade civil objetiva no ordenamento brasileiro, a qual encontra respaldo no artigo
927, parágrafo único do Código Civil, ainda de controvertida aplicação no particular em
relação aos acidentes de trabalho, os quais paradoxalmente constituíram sua gênese.
Pois bem, acidente de trabalho segundo o artigo 19 da Lei 8213- 91 é o que ocorre
pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou pertubação
funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária da capacidade
para o trabalho.
Ocorrendo o infortúnio várias responsabilidades decorrem do ato. A primeira delas
refere-se a concessão de benefícios pela Previdência Social, a qual independe de culpa, sendo
necessária apenas a prova do dano e o nexo causal entre estes.
Numa outra seara encontra-se a responsabilidade civil do empregador a qual encontra
respaldo no artigo 7º, XXVII da Constituição o qual versa sobre a responsabilidade civil
embasada na existência de culpa ou dolo.
Uma das maiores controvérsias acerca do assunto consiste na possibilidade de
aplicação da responsabilidade civil objetiva nos casos de acidente do trabalho.
Para uma primeira corrente a responsabilidade civil nesses casos encontraria
disposição expressa na Constituição(responsabilidade subjetiva),não podendo ser derrogada
por norma infraconstitucional face a observância no ordenamento jurídico brasileiro do
sistema de hierarquia de normas proposto por Hans Kelsen.
Nesse
sentido,
Pablo
Stolze
Gagliano
e
Rodolfo
Pamplona
Filho,
in
verbis(2003,p.273):
Poder-se-ia defender que, a partir do momento em que a Carta Constitucional exigiu,
expressamente, a comprovação de culpa ou dolo do empregador para impor-lhe a
obrigação de indenizar, optou por um núcleo necessário, fundado na
19
responsabilidade subjetiva do qual o legislador infraconstitucional não se poderia
afastar.
Ademais uma lei ordinária não poderia simplesmente desconsiderar requisitos
previamente delineados em norma constitucional, a qual além de se situar em grau
superior, serve como o seu próprio fundamento de validade.
Segundo esse entendimento não seria possível a aplicação da responsabilidade
objetiva, haja vista que o sistema da culpabilidade subjetiva seria mais coerente para fins de
reparação de danos, seja pelo critério da razoabilidade seja pelo fato de já existir pelo âmbito
previdenciário
uma responsabilização objetiva, seja pelo fato de que tal espécie de
responsabilidade(objetiva) ajudaria a aumentar o índice de desemprego a que assola o país.
Outra corrente assevera que a norma do dispositivo constitucional em discussão deve
ser interpretada como um todo sistemático, embasado na força normativa dos princípios, bem
como na ponderação de direitos fundamentais, razão pela qual seria aplicável no ordenamento
brasileiro a responsabilidade objetiva.
Isso porque direitos fundamentais principalmente na esteira dos direitos que versam
sobre a saúde dos trabalhadores devendo ser analisados pelo prisma da dignidade da pessoa
humana, do valor social do trabalho, da proteção, da cidadania, da valorização do trabalho
humano, dentre outros.
Nessa esteira, a responsabilidade do artigo 7º, XXVIII da Constituição deve ser
interpretada pela força normativa dos princípios à luz do caput do mencionado dispositivo, o
qual aduz que os direitos enumerados nos seus incisos podem ser ampliados ou melhorados
desde que visem a melhoria da condição social do trabalhador, estabelecendo dessa forma o
princípio da compatibilidade vertical.
Nesse particular frise-se que o próprio STF ao julgar a ADI sobre a pretensa
inconstitucionalidade do artigo 118 da Lei nº 8213-91, bem como sobre a constitucionalidade
da Convenção 158 da OIT emitiu o entendimento de que os direitos dos trabalhadores
constantes no artigo 7º da Constituição são exemplificativos podendo ser ampliados ou
melhorados.
À luz do entendimento do STF não há incompatibilidade entre a Constituição e a
possibilidade de inserção de outros direitos aos trabalhadores em diplomas normativos de
hierarquia inferior como é o caso por exemplo da possibilidade da responsabilidade civil
objetiva nos acidentes de trabalho, prevista no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.
Nesse sentido, cite-se Carlos Alberto Gomes Chiarelli(1989,p.12) para quem:
20
[...] o alentado número de direitos constantes, sob o comando do caput do artigo 7º,
não esgota a proteção geral em termos sociais oferecida pela Constituição ao
trabalhador, até mesmo porque o referido artigo 7º é essencialmente trabalhista e
previdenciário, enquanto os direitos sociais anunciados e prometidos pelo art.6º vão
muito além da relação de emprego, que é espécie, e da própria relação de trabalho,
que é gênero; os direitos sociais desembocam também em outros campos da relação
humana coletiva, como na educação, na saúde, etc.
Saliente-se ainda que o aparente conflito constitucional entre o caput do artigo 7º e
seu inciso XXVIII não merece prosperar. Isso porque a questão deve ser resolvida à
luz da eficácia horizontal dos direitos fundamentais aplicável também nas relações
privadas, que ao invés de analisar a questão pelo prisma da violação de normas,
pondera valores sacrificando-os em face de outros visando ao fim e ao cabo a
efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana.
Nessa atividade deve ser utilizado o princípio da proporcionalidade em sentido
estrito, o qual também pode ser denominado máxima do sopesamento, princípio da
adequação, o princípio da exigibilidade, bem como mandamento do meio mais
suave.
Segundo esse princípio com suas diversas denominações deve haver uma
correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio
empregado que seja juridicamente o melhor possível, de forma que não se fira o
núcleo central do direito fundamental,nem despeito ao princípio da dignidade da
pessoa humana, mas ao contrário que mesmo advindo desvantagens para interesses
individuais ou coletivos, as vantagens trazidas por interesses de outra ordem as
superem.
Nesse sentido o Enunciado nº 377 da IV Jornada de Direito Civil promovida em
Brasília pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:
O art.7º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a
aplicação do disposto no art.927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar
de atividade de risco.
Dessa forma, a norma prevista no artigo 7º, XXVIII ao ser interpretada à luz do caput
do mencionado dispositivo longe de tornar-se inconstitucional, visa garantir a máxima
efetividade a direitos fundamentais especificamente intrincados a dignidade da pessoa
humana, a valorização do trabalho, a um meio ambiente laboral efetivamente apto a evitar
acidentes de trabalho que culminem até mesmo com a morte de trabalhadores.
Outro argumento favorável a aplicação da responsabilidade objetiva refere-se ao
princípio da proteção que antes de ser um método de interpretação versa sobre um princípio
geral que inspira todas as normas de Direito do Trabalho, devendo ser levado em conta na sua
apreciação, bem como na análise de todos os seus institutos.
Diante da subordinação jurídica, da dependência econômica, da inferioridadeconstrangimento, da inferioridade-ignorância, da inferioridade- vulnerabilidade, nada mais
exigível que utilizar tal princípio na proteção do trabalhador, daquilo que lhe é mais precioso,
qual seja a saúde, razão pela qual nada mais compatível com tal exigência que a aplicação da
responsabilidade objetiva nos acidentes de trabalho, dado que inúmeras vezes o trabalhador
encontra-se a mercê de qualquer reparação face a ausência de provas de culpa ou dolo por
parte de seu empregador.
21
Ainda acerca da possibilidade de aplicação da responsabilidade sem culpa no
ordenamento brasileiro frise-se a existência de aparente conflito entre a norma do artigo 225,
§3º da Constituição, que versa sobre a responsabilidade objetiva nos casos de dano ao meio
ambiente e o artigo 7º, XXVIII do mesmo diploma legal que exige dolo ou culpa nos casos de
acidente de trabalho.
Na seara ambiental existem os princípios efetivos de garantia de reparação do dano
tais como o princípio da precaução, do poluidor- pagador, dentre outros, não permitindo
flexibilização como tem ocorrido no Direito do Trabalho.
Em outros termos, tem-se percebido maior receptividade na sociedade e nos meios
jurídicos do direito ambiental do que propriamente à saúde do trabalhador, sendo objeto de
maior proteção da sociedade, a qual busca efetivá-lo e protegê-lo para garantir a norma
constitucional de efetiva busca de um meio ambiente equilibrado.
Não se está aqui reduzindo o âmbito de tal importante disciplina, mas apenas
comparando a proteção que se dá ao meio ambiente inclusive o do trabalho a tratar a
responsabilidade dos danos a ele advindos independentes de qualquer comprovação e ao tratar
da saúde do ser humano exigir culpa ou dolo para sua comprovação.
Nesse sentido, cite-se Júlio César de Sá da Rocha (1997, p.67):
A Constituição estabelece que, em caso de acidente de trabalho, o empregador pode
ser responsabilizado civilmente, em caso de dolo ou culpa. O dispositivo
fundamenta-se no acidente de trabalho tipo individual. Contudo, ocorrendo doença
ocupacional decorrente da poluição no ambiente de trabalho, a regra deve ser da
responsabilidade objetiva, condizente com a sistemática ambiental, na medida em
que se configura a hipótese do artigo 225, §3º, que não exige qualquer conduta na
responsabilização do dano ambiental. Em caso de degradação ambiental no ambiente
do trabalho, configura-se violação ao direito “ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado”, direito eminentemente metaindividual. Como se trata de poluição no
meio ambiente do trabalho que afeta a sadia qualidade de vida dos trabalhadores, a
compreensão dos dispositivos mencionados não pode ser outra senão a de que a
responsabilidade em caso de dano ambiental é objetiva; e quando a Magna Carta
estabelece a responsabilidade civil subjetiva, somente se refere ao acidente de
trabalho, acidente- tipo individual, diferente da poluição no ambiente do trabalho,
desequilíbrio ecológico no habitat de labor, que ocasiona as doenças ocupacionais.
Diante dessa realidade em que para fins de comprovação de dano a vida humana
requer uma maior dificuldade na busca da reparação de prejuízos do que em face de um dano
ambiental, por exemplo, nadas mais justo que proceder a interpretação sistemática do
Constituição, a aplicação dos princípios normas a fim de permitir por analogia a
responsabilidade prevista no artigo 225 da Constituição as responsabilidades decorrentes dos
acidentes de trabalho.
22
Tal conduta segundo Bobbio visa aplicar uma norma e desaplicar outra, vindo a
solução fundada na hermenêutica segundo a qual deve haver a prevalência dos princípios
constitucionais originários, da unidade da Constituição e da análise sistemática do
ordenamento.
Tendo em conta todos os argumentos expostos, bem como o fato de que a
responsabilidade do empregador é objetiva em relação a todas as suas obrigações trabalhistas
(terceirização, indenização decorrente da não reintegração da empregada grávida, garantia do
emprego nos casos do artigo 118 da lei 8213-91, pagamento de verbas rescisórias no caso de
força maior), nada mais plausível que aplicar a responsabilidade objetiva nos casos de
violação ao bem maior a pessoa do trabalhador, mediante o método sistemático de
interpretação.
CONCLUSÃO
O tema responsabilidade civil de extrema importância no ordenamento jurídico
brasileiro, encontra seu ápice no âmbito trabalhista nos acidentes de trabalho.
A regra no caso de ocorrência do infortúnio é a responsabilidade civil subjetiva tal
qual exposta no artigo 7º da Constituição, exigindo para a responsabilidade do empregador a
comprovação de dolo ou culpa por parte da empresa.
Com a dificuldade de comprovação do dano, bem como pela atual conjuntura jurídica
que se perfaz na força normativa dos princípios e na efetividade dos direitos fundamentais
faz-se necessário interpretar o ordenamento jurídico visando a aplicar nesses casos a teoria da
responsabilidade sem culpa.
Seja pelo fato de já existir essa espécie de responsabilidade nas relações de consumo,
seja nos danos ambientais, nada mais congruente com o princípio da dignidade da pessoa
humana, o qual constitui a base do Estado Democrático de Direito que aplicá-las nas questões
que versam sobre a saúde do trabalhador.
Interpretando a Constituição à luz dos direitos fundamentais, dos princípios
constitucionais (valor social do trabalho, dignidade da pessoa humana, dentre outros), dos
próprios princípios que norteiam o direito do trabalho a aplicação da responsabilidade
objetiva.
Isso porque se a Carta Maior prevê no artigo 7º a responsabilidade civil nos casos de
acidente do trabalho, com igual previsão e com superior força valorativa prevê princípios e
23
bases para a implantação da responsabilidade objetiva, conforme se depreende da parte final
do caput do artigo 7º da Constituição.
Nessa esteira, pela ponderação de princípios, pela máxima do sopesamento, pela força
normativa do valores expressos em crenças que fundamentam ações, quais sejam princípios e
pela própria busca da efetividade da dignidade da pessoa humana deve-se aplicar a
responsabilidade objetiva nos casos de acidente de trabalho, protegendo acima de tudo a vida
humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brandão, Cláudio.Acidente do Trabalho e responsabilidade civil do empregador, São Paulo:
LTR, 2006.
Carelli, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e intermediação de mão-de-obra: ruptura do
sistema trabalhista, precarização do trabalho e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
Caio Júnior, José. O Acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador, 2ed.São
Paulo: LTR, 2004.
Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 16ª Ed. v.7. São Paulo: Saraiva, 2002.
Gagliano, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, São Paulo: Saraiva, 2009.
Moraes, Evaristo de. Apontamentos de Direito Operário, 4ª Ed. São Paulo: LTR, 1998.
Oliveira, Sebastião de. Indenização por acidente de trabalho ou Doença Ocupacional, 3ª Ed.
ver.ampl. e atual- São Paulo: LTR, 2007.
Pereira, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª Ed. 8ª t. Rio de Janeiro: Forense,
2002.
Rocha, Júlio César de Sá da. Direito Ambiental e meio ambiente do Trabalho: dano,
prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTR, 1997.
Silva, José Antônio Ribeiro de Oliveira, Acidente do Trabalho: Responsabilidade Objetiva do
empregador, São Paulo: LTR, 2008.
24
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA EXPEDIÇÃO DE
ALVARÁ DE AUTORIZAÇÃO PARA O TRABALHO DO MENOR DE 16
ANOS: UMA CONCLUSÃO INAFASTÁVEL.
Roberto Wanderley Braga1
Raphael Miziarra2
INTRODUÇÃO
As relações sociais se modificam vertiginosamente, atraindo a atenção dos órgãos
estatais para o recebimento das demandas endereçadas na busca de uma melhor convivência
entre os indivíduos, posto que os seus interesses, em regra, nem sempre se acomodam de
forma harmoniosa.
Os órgãos do Poder Judiciário têm sido chamados ao debate em temas antes mesmo de
eles se tornarem litigiosos, atuando de maneira difusa, com uma abordagem preventiva desses
conflitos. É uma mudança de postura; a magistratura deixa de se pronunciar apenas nos autos
e interage com os atores sociais, envolvendo-se em políticas públicas, ladeando ações com os
outros Poderes da República, Legislativo e Executivo, na medida em que participa de
audiências públicas em projetos de lei que afetam assuntos sujeitos ou que possam vir a serem
submetidos à sua jurisdição, bem como em desenvolvimento de convênios de ferramentas
necessárias a uma melhor prestação de informações pelos órgãos do Executivo, a exemplo do
BacenJud e toda a “Família Jud” (InfoJud, RenaJud...)
Nesse contexto, a Justiça do Trabalho se envolveu e participa ativamente em
campanhas sobre temas que afligem toda a sociedade, como a luta contra o trabalho em
1
Juiz do Trabalho do TRT da 22ª Região, atualmente como Auxiliar da Presidência. Mestrando em Direito pela
Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), especialidade Ciências Jurídico-Processuais. Graduado em Direito
(UNICAP) e Ciências Econômica (UFPE). Professor da Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina
(FAETE), graduação e pós-graduação. Vice-Presidente do Instituto Piauiense de Direito Processual – IPDP.
2
Professor da Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina (FAETE). Advogado. Mestrando em Bioética
e Aspectos Jurídicos da Saúde. Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Presidente do
Instituto Piauiense de Direito Processual – IPDP. Membro do CONPEDI.
25
situações degradantes ou análogas a de escravo, de prevenção contra acidentes de trabalho e,
mais recentemente, em prol da erradicação do trabalho infantil.
É com foco nesse último que o presente trabalho terá o seu desenrolar,
especificamente no âmbito da competência para autorizar o trabalho do menor de 16 anos,
ainda que a Constituição Brasileira vede a prestação de serviços antes dessa idade, sem
ressalvas, em seu art. 7º, XXXIII:
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito
e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a
partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Entretanto, as relações sociais têm demandado a participação de crianças em algumas
atividades, sem o prejuízo ao seu desenvolvimento moral ou psíquico.
NATUREZA DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
A doutrina, em sua maioria, conclui que o Poder Judiciário exerce a jurisdição tanto
contenciosa, quanto voluntária ou graciosa (art. 1º, do CPC). A primeira na solução de
contenda surgida nas massas de matérias enfrentadas pela sociedade, distribuída a cada ramo
da Justiça (Justiça Estadual, Justiça Trabalhista, Justiça Eleitoral, Justiça Militar ou Justiça
Federal). A segunda se destina à chancela de interesses privados, cuja atuação se faz
necessária para formalizar a validade de um negócio jurídico, definidas essas situações pelo
legislador, de acordo com a importância valorada no processo legislativo.3
In casu, a expedição de alvará de autorização para o trabalho de menor de 16 anos se
revela como hipótese de jurisdição voluntária, a exemplo do que prevê o art. 1.112, III, do
CPC; art. 149, da Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).
A respeito do tema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já sedimentou
entendimento de não se encontrar sob sua tutela as decisões de magistrados nesse assunto:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – MENOR APRENDIZ –
AUTORIZAÇÃO – ATIVIDADE JURISDICIONAL – COMPETÊNCIA DO CNJ
3
CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito processual do trabalho. 6ª ed, rev., amp., atual., Salvador: JusPodivm,
2013, p. 102-103.
26
1. O trabalho do menor aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos de idade tem
previsão constitucional e as autorizações para referido trabalho consistem em ato
jurisdicional.
2. Não cabe ao CNJ se imiscuir na atividade jurisdicional.
3. Diante de casos concretos de evidente negligência do magistrado no cumprimento
de seus deveres, compete a este Conselho exercer seu poder disciplinar, podendo o
Ministério Público provocar a atuação do Órgão em tais situações.
4. Recurso Administrativo desprovido com recomendação
(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro
- 0005958-45.2010.2.00.0000 - Rel. JORGE HÉLIO CHAVES DE OLIVEIRA 123ª Sessão - j. 29.03.2011).
Com efeito, não são vislumbrados motivos para se afastar desse entendimento do
Conselho.
CENÁRIO SOCIAL E POSTURA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
O Judiciário Trabalhista instituiu pelo Ato Conjunto nº 21/TST.CSJT.GP, de
19.07.2012, a Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil e de Proteção ao Trabalho
Decente do Adolescente, na gestão do Ministro João Oreste Dalazen, composta por 7
membros, coordenada pelo Ministro Lélio Bentes. Por intermédio do Ato Conjunto nº
30/TST.CSJT.GP, de 24.10.2012, sofreu alteração para a inclusão de um Desembargador, o
Doutor Ricardo Tadeu da Fonseca; pelo Ato Conjunto nº 14/TST.CSJT.GP, de 25.04.2013,
foram incluídos a Ministra Kátia Magalhães Arruda e o Juiz Auxiliar Saulo Tarcísio de
Carvalho Fontes; e pelo Ato nº 419/CSJT, de 11.11.2013, houve uma “elevação de status” da
participação da Justiça do Trabalho de Comissão para Programa de Combate ao Trabalho
Infantil no âmbito da Justiça do Trabalho, na gestão do Ministro Carlos Alberto Reis de
Paula. Atualmente, a Comissão ainda remanesce como Gestora do Programa, atualmente
constituída na forma do Ato Conjunto TST.CSJT.GP Nº 6/2014, de 10.03.2014, com inclusão
dos Juízes Auxiliares do CSJT e TST, Renan Ravel e Adriana Pimenta, na gestão do atual
Presidente, Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, nos seguintes moldes:
I. Ministro Lélio Bentes Corrêa, do Tribunal Superior do Trabalho, que a
coordenará;
II. Ministra Kátia Magalhães Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho;
III. Desembargador Ricardo Marques Tadeu da Fonseca, do Tribunal Regional do
Trabalho da 9ª Região;
IV. Juiz Marcos Neves Fava, vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região;
V. Juíza Andréa Saint Pastous Nocchi, vinculada ao Tribunal Regional do Trabalho
da 4ª Região;
VI. Juíza Maria Zuíla Lima Dutra, vinculada ao Tribunal Regional do Trabalho da 8ª
Região;
27
VII. Juiz José Roberto Dantas Oliva, vinculado do Tribunal Regional do Trabalho da
15ª Região;
VIII. Juiz Platon Teixeira de Azevedo Neto, vinculado ao Tribunal Regional do
Trabalho da 18ª Região;
IX. Juiz Zéu Palmeira Sobrinho, vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 21ª
Região;
X. Juiz Renan Ravel Rodrigues Fagundes, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª
Região, como Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho; e
XI. Juíza Adriana Campos de Souza Freire Pimenta, do Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região, como Juíza Auxiliar da Presidência do Tribunal Superior do
Trabalho.
Desse modo, percebe-se que o Judiciário Trabalhista permanece fiel ao compromisso
constitucional firmado, passando de mero espectador para coadjuvante na solução dos
problemas sociais mais graves, em harmonia com os fundamentos da República (cidadania,
dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho – art. 1º, II, III e IV), com os seus
objetivos fundamentais (construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I a IV), além de observância dos
princípios que regem o Estado Brasileiro nas relações internacionais de prevalência dos
direitos humanos e de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, II e
IX, mais especificamente).
MUDANÇA NO CENÁRIO COMPETENCIAL
Historicamente, as questões envolvendo o trabalho do menor foram dirigidas à Justiça
Comum Estadual, em especial ao Juiz de Menores, atualmente Juiz da Infância e Juventude
(ou semelhante, de acordo com a Organização Judiciária local).
Todavia, algumas decisões da Justiça do Trabalho começaram a “ultrapassar” a
tradicional solução de lides apenas nas hipóteses estritas da relação de emprego para
contendas periféricas (em especial para o nosso tema) envolvendo trabalho infantil, como
proibição de ingresso e trabalho de menores em aterros sanitários e lixões, mais enfaticamente
depois da Emenda à Constituição n. 45/2004.
À colação, transcrevemos a ementa abaixo, da lavra do Egrégio Tribunal Regional do
Trabalho da 22ª Região (PI):
PROCESSO: 0098000-22.2005.5.22.0002
RECURSO ORDINÁRIO
28
REMESSA EX-OFFICIO E
EMENTA:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Decorre dos art.
127 e 129 da Constituição da República e do art. 83, V, da Lei Complementar nº
75/1993 a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para propor ação civil
pública em defesa de interesses difusos e coletivos, tais como o direito à dignidade
humana de crianças e adolescentes que exercem atividade laborativa junto ao aterro
sanitário municipal, em condições insalubres e degradantes. TRABALHO
INFANTIL. ERRADICAÇÃO. ATERRO SANITÁRIO DE TERESINA.
PROPRIEDADE DO MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE QUANTO AO
ACESSO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. OBRIGAÇÃO DE FAZER.
MULTA PELO DESCUMPRIMENTO. FITO PEDAGÓGICO. PERTINÊNCIA. É
certo que a erradicação do trabalho do menor envolve diversos fatores, dentre
eles a conscientização social, cujo alcance exige um processo longo e demorado.
Contudo, na hipótese dos autos, o que se está exigindo do Município de
Teresina é a erradicação do trabalho de menores apenas no aterro sanitário,
cuja propriedade lhe pertence, sendo, portanto, de sua responsabilidade
impedir o acesso de menores àquele local. Bastaria que o Município de Teresina
dotasse o aterro sanitário de muros altos e intransponíveis, além de vigilantes
permanentes e em número suficiente para evitar o acesso das crianças e adolescentes
àquele local, que, dadas as condições insalubres, acarreta danos à saúde daqueles
menores, além de ofender a própria dignidade humana, direito fundamental do ser
humano e objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º).
DECISÃO:
Por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e da remessa oficial e, por maioria,
rejeitar as preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho e, por unanimidade,
rejeitar a preliminar de ilegitimidade ativa do MPT e, no mérito, dar-lhes parcial
provimento para reduzir a indenização por dano coletivo de R$ 1.000.000,00 (um
milhão de reais) para R$ 100.000,00 (cem mil reais), e excluir da condenação a
multa relativa à segunda obrigação de fazer imposta ao Município de Teresina.
Vencido, parcialmente, o exmo. Sr. Juiz Convocado Giorgi Alan Machado Araújo
(Revisor) que acolhia a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho.
JUIZ RELATOR:
FAUSTO LUSTOSA NETO
JUIZ REVISOR:
GIORGI ALAN MACHADO ARAÚJO
PUBLIC. NO DEJT:
12/06/2007, Página 26 (negritou-se)
A decisão foi objeto de recurso de revista cuja denegação de seguimento sofreu ataque
por agravo de instrumento com a resposta confirmatória da competência da Justiça do
Trabalho para solucionar o litígio, conforme abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. TRABALHO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. ATIVIDADE
INSALUBRE. COLETA DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM ATERRO SANITÁRIO.
MUNICÍPIO. Na hipótese dos autos, constatou-se pelos órgãos de fiscalização do
trabalho a presença de crianças e adolescentes em aterro sanitário de propriedade do
município, onde realizavam atividade que consistia na coleta de resíduos sólidos
com valoração econômica, sem intervenção ostensiva por parte da municipalidade.
Se se constata, como nos autos, a ocorrência de labor de crianças e adolescentes em
aterro sanitário, pode-se concluir que seu labor dirige-se, ainda que reflexamente, ao
ente estatal responsável pela gestão e controle das atividades econômicas de
tratamento dos resíduos sólidos da municipalidade. A ausência de retorno financeiro
dessa atividade, por opção do município, não pode descaracterizar a nítida relação
existente entre os indivíduos envolvidos e o tomador de seus serviços. É dizer, a
opção de não desenvolver a atividade em um grau ótimo de aproveitamento
econômico não retira a condição de tomador de serviços, bem como de garante das
condições mínimas de medicina e segurança do trabalho do meio ambiente laboral.
29
Ademais, é da própria lógica desta ação civil pública e do caráter difuso dos
interesses aqui protegidos a abstração quanto aos aspectos fáticos relacionados a
cada trabalhador, sendo impossível a identificação precisa das distintas formas de
trabalho que, porventura, possam ocorrer no meio ambiente laboral administrado
pelo município. Nos dizeres do art. 114 da Constituição, não se limita a
competência desta Justiça do Trabalho às causas entre empregadores e
empregados, tampouco entre tomadores de serviços e trabalhadores lato sensu,
uma vez que é do espectro de sua competência a análise de todas as causas que
tenham como origem a relação laboral. A responsabilidade do ente municipal
pela guarda das condições do aterro sanitário, sobretudo a vedação de acesso a
crianças e adolescentes ao local de trabalhão insalubre, é questão que tem como
origem relações laborais, seja porque presente no próprio município a figura de
tomador de trabalho, seja porque possível, no âmbito de abstração dos
interesses difusos aqui defendidos, a configuração de distintas formas de
relação de trabalho e mesmo de emprego dentre os indivíduos que adentram
aquele espaço, restando nítida a competência desta Justiça do Trabalho. A
vocação desta Justiça do Trabalho se reforça como no caso dos autos, detectando-se
a presença do labor humano a um ente tomador de seus serviços, e, assim,
justificando-se a especialização deste ramo do Judiciário, mais afeto à temática que
ora apresenta o autor desta ação civil pública. Agravo de instrumento não provido.
(AIRR - 98040-04.2005.5.22.0002, Relator Ministro: Augusto César Leite de
Carvalho, Data de Julgamento: 27/06/2012, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT
06/07/2012) (negritou-se)
Todavia, antes desse, no TRT da 22ª Região, já encontramos uma das primeiras
sentenças sobre trabalho em condições análoga a de escravo, bem como de pedido de não
contratação de trabalhadores menores de 14 anos, em ação civil pública ajuizada em 1994
(ACP 249/94, da então 2ª JCJ de Teresina), o que mutatis mutandi, se mostra como uma das
hipóteses em que incumbe ao Judiciário proceder a uma guinada de entendimento. Confira-se
a ementa a seguir:
EMENTA
RECURSO ORDINÁRIO DA RÉ
INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO – PROVA HÁBIL – Depreende-se do disposto no
art. 6º, inc. LVI, da CF combinado com o art. 332 do CPC, que nosso ordenamento
jurídico positivo veda apenas a prova ilegal e/ou ilícita. À vista disso, o ICP é meio
hábil de prova, pois está disciplinado na CF, art. 129, III; LC nº 75/93, arts. 6º, VII,
84, II; Lei 7.347/85, art. 8º, § 1º. Nega-se provimento ao recurso.
RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR
Dá-se parcial provimento para acrescer à condenação: fornecimento de EPI para os
empregados que dele precisem, prestação de primeiro socorros nos dias trabalhados,
não efetuar descontos de equipamentos e abster-se de contratar trabalhador
menor de 14 anos.
(RORO – 2018/97, Tribunal Pleno, Relator: Elmar Gomes Araújo, Data de
Julgamento: 04/12/1997, DJPI: 16/01/1998, n. 3.738, fl. 18) (negritou-se)
Quanto ao tema específico de autorização para liberação de menores para o labor
abaixo de 16 anos de idade, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, tradicionalmente, não
reconhece a competência da Justiça Trabalhista para a jurisdição voluntária em apreço,
conforme ementas a seguir:
30
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E DO
TRABALHO. ALVARÁ JUDICIAL. AUTORIZAÇÃO PARA TRABALHO DE
MENOR DE IDADE.
1. O pedido de alvará para autorização de trabalho a menor de idade é de conteúdo
nitidamente civil e se enquadra no procedimento de jurisdição voluntária,
inexistindo debate sobre qualquer controvérsia decorrente de relação de trabalho, até
porque a relação de trabalho somente será instaurada após a autorização judicial
pretendida.
2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito, suscitado.
(CC 98.033/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
12/11/2008, DJe 24/11/2008)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E DO TRABALHO.
PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE ALVARÁ JUDICIAL. AUTORIZAÇÃO DE
MENOR PARA TRABALHAR NA CONDIÇÃO DE APRENDIZ. CAUSA DE
PEDIR DE NATUREZA CIVIL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. DIREITOS
ASSEGURADOS AO ADOLESCENTE. AUSÊNCIA DE QUALQUER DAS
HIPÓTESES PREVISTAS NOS INCISOS DO ART. 114 DA CF, COM A NOVA
REDAÇÃO QUE LHE DEU A EC 45/2004. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE
DIREITO, ORA SUSCITADO.
Discussão acerca da competência para a liberação de alvará judicial autorizando um
menor a trabalhar, na condição de aprendiz, em uma empresa de calçados.
Pedido de jurisdição voluntária, que visa resguardar os direitos do requerente à
manutenção de seus estudos, bem como assegurar-lhe um ambiente de trabalho
compatível com a sua condição de adolescente (art. 2º do ECA).
Não há debate nos autos sobre qualquer controvérsia decorrente de relação de
trabalho.
Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito, ora suscitado.
(CC 53.279/MG, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 26/10/2005, DJ 02/03/2006, p. 137).
Contudo, mesmo com o entendimento civilista aflorado nas decisões acima,
encontramos (com surpresa, não podemos negar!) na jurisprudência julgados em sentido
contrário, no Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA:
CONSTITUCIONAL.
PROCESSUAL
CIVIL.
AUTORIZAÇÃO PARA TRABALHO DE MENOR. JUSTIÇA DO TRABALHO.
COMPETÊNCIA RECURSAL. - Após a Emenda Constitucional nº 45, fica
evidente a competência da Justiça do Trabalho para dirimir conflito relativo à
fiscalização do trabalho de menores. - Competência declinada à Justiça do Trabalho.
(TRF4, AC 2005.04.01.033601-0, Terceira Turma, Relator José Paulo Baltazar
Junior, DJ 03/05/2006).
Mais recentemente, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), pelo
Ato GP Nº 19/2013, do TRT da 2ª Região, de 16.09.2013, instituiu o Juízo Auxiliar da
Infância e Juventude, complementado pelo Provimento GP/CR Nº 12/2013, do TRT da 2ª
Região, de 26.12.2013.
Depois da edição normativa disciplinadora, aquela Corte Regional enfrentou o tema
jurisdicionalmente, quando negada a competência pelo 1º Grau, com o desfecho reformado
para acolher o atributo competencial da Justiça Trabalhista:
31
EMENTA:
COMPETÊNCIA PARA APRECIAÇÃO DO PLEITO DE AUTORIZAÇÃO
JUDICIAL PARA TRABALHO INFANTIL – É da Justiça do Trabalho a
competência para apreciar pedido de autorização para ocorrência de trabalho por
menores, que não guardam a condição de aprendizes nem tampouco possuem a
idade mínima de dezesseis anos. Entendimento que emana da nova redação do artigo
114, inciso I, da Lex Fundamentalis.
Acórdão TRT/SP PROC. 00017544-49.2013.5.02.0063, 3ª T, RO, Disp. DOE/TRT2
07.01.2014; Pub. 10.01.2014.
Também encontramos notícias sobre a celebração de acordo, em sede de ação civil
pública, com cláusula de submissão de solicitação de autorização para trabalho de menores
abaixo de 16 anos, conforme transcrição abaixo do sítio da internet do Egrégio Tribunal
Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP):
(...) Foi homologado na 15ª Vara do Trabalho de Belém (VTB), pela Juíza Titular
Paula Maria Pereira Soares, mais um acordo em que o reclamado reconhece a
competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar pedido de autorização
para o trabalho infantil artístico. No processo 0001030-27.2013.5.08.0015, que tem
como requerente o Ministério Público do Trabalho (MPT) e como requerida a
Produtora Digital. Na reclamação, o MPT, por sua Procuradora do Trabalho Cindi
Ellou Lopes da Silveira, pede providências quanto à contratação de crianças e
adolescentes para participação em ações publicitárias sem a devida autorização
judicial.
Na audiência realizada a 16 de setembro de 2013, a Titular da 15ª VTB homologou a
proposta de conciliação nas seguintes bases: a empresa se compromete a obedecer
todas as obrigações de fazer ou não fazer dos itens “A” até “H” da petição inicial,
mediante concessão de alvará judicial expedido pela autoridade judicial trabalhista,
sob pena de multa, no valor de R$ 2.500,00 por obrigação descumprida e por criança
ou adolescente prejudicados, reversível ao Fundo Estadual da Criança e do
Adolescente.
Na literatura jurídica, o Juiz José Roberto Dantas Oliva, do Egrégio TRT da 15ª
Região (Campinas/SP), também integrante da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil,
acima referenciada, articulou sobre o tema, esclarecendo que foi objeto de sua dissertação de
mestrado, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nos idos de 2005.4
Em seu artigo, José Roberto Oliva sustenta com veemência a competência da Justiça
do Trabalho para essa modalidade de autorização judicial, ao qual remetemos o leitor.
Igualmente encontramos manifestação do Conselho Nacional do Ministério Público
concludente sobre a competência da Justiça Obreira, no Manual de Atuação do Ministério
4
OLIVA, José Roberto Dantas. Competência para (des)autorizar o trabalho infantil. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2012-out-16/jose-roberto-oliva-competencia desautorizartrabalho-infantil>. Acesso em maio 2014.
32
Público na Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, elaborado pelos Procuradores Xisto
Tiago Medeiros Neto e Rafael Dias Marques, transcrito no trecho abaixo5:
Ressalte-se, também, estarem revogados, inequivocamente, por força da
Constituição Federal em vigor, os artigos 405, § 2º, § 4º, e 406, da Consolidação das
Leis do Trabalho, que, à época, na realidade da década de 40, e sob a égide do
vetusto Código de Menores de 1927, previam a possibilidade de autorização judicial
para o trabalho de crianças e adolescentes, nas seguintes situações, por meio de
alvará fornecido pelo Juiz de Menores13:
Verifica-se, assim, uma sintonia entre o Ministério Público (pelo seu Conselho) e a
Justiça do Trabalho (personificada pelo TST/CSJT).
PRINCIPAIS ARGUMENTOS LEGISLATIVOS E JURÍDICOS CONTRÁRIOS
Por essa breve exposição da jurisprudência, aliado a outras pesquisas que podem ser
realizadas na doutrina física e eletrônica, podemos narrar os principais tópicos para o
posicionamento contrário à competência da Justiça do Trabalho, entre eles:
a) Legislativos: a combinação da interpretação literal entre os artigos 406, da CLT
com o 146, do ECA:
Art. 406 - O Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o trabalho a que se referem
as letras "a" e "b" do § 3º do art. 405: (CLT)
Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude,
ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local.
(ECA)
b) Jurídicos: referências a princípios, conhecimentos técnicos, especialidade de
conteúdo não afeto à relação de emprego, topicamente resumidos a seguir:
- Violação do princípio da unidade de convicção, repartindo a competência do Juízo
da Infância e Juventude.
- Ausência de conhecimentos técnicos do Juiz do Trabalho, como direito de família;
- O que se busca é tutelar o interesse do menor, com vistas a não prejudicar a sua
formação educativa e moral, bem como prover o seu sustento;
- Inexistência de debate sobre qualquer relação de trabalho, mas apenas autorização
o seu início que será posteriormente ao ato;
- Existência apenas de conteúdo de natureza civil e de jurisdição voluntária;
- Violação do princípio da proteção integral e prioridade absoluta contido no art. 4º,
do ECA;
5
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago; MARQUES, Rafael Dias. Manual de Atuação do Ministério Público na
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil/ Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília: CNMP,
2013, p. 46.
33
Essas assertivas não têm o condão de afastar a competência da Justiça do Trabalho,
como veremos adiante.
ARGUMENTAÇÃO FAVORÁVEL À COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO
Levando em conta as afirmações elencadas acima, passamos a rechacá-las a seguir:
- Não recepção dos artigos 405 da CLT e 149 do ECA pela nova Ordem
Constitucional, em face do que dispõe a redação do art. 114, I, da Carta Política, na medida
em que estabelece a Justiça Obreira para processar e julgar as ações oriundas da relação de
trabalho.
Na lição de José Roberto Dantas Oliva, antes de ingressar na análise constitucional do
tema, sustenta que a Lei Complementar nº 75/1993, em seu art. 83, III e V, devido à sua
hierarquia sobre a CLT e sobre o ECA, levam à conclusão de revogação tácita das disposições
contrárias, na medida em que tantos os interesses/direitos individuais ou metaindividuais de
questões relacionadas ao trabalho são da competência da Justiça do Trabalho, uma vez que
tais discussões devem ser submetidas à apreciação da Justiça Obreira. Ainda que não se
comungue do entendimento de haver hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, não se
pode perder de vista a especialidade na atribuição do Ministério Público do Trabalho em
promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, quando desrespeitados
direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem como as ações necessárias à defesa dos
direitos e interesses dos menores, o que atrai a proteção à vedação do trabalho aos menores de
16 anos de idade (art. 7º, XXIII, da CRFB/88):
Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes
atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de
interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente
garantidos;
V - propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores,
incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho;
- O fato de a relação de trabalho não ter sido “efetivada” não afasta a competência da
Justiça Trabalhista, na medida em que as questões pré-contratuais devem ser solucionadas
pelo Juízo Especializado, haja vista a sua pertinência temática e correlação imediata com os
elementos formadores do contrato;
34
- Na tendência dos entendimentos recentes, sob o prisma do estudo das lacunas do
Direito, segundo lição de Maria Helena Diniz, citada por Carlos Henrique Bezerra Leite 6, o
caso se apresenta, conforme a linha de pensamento, como uma hipótese de lacuna ontológica
(a lei existe, mas ela sofre um claro envelhecimento em relação aos valores que permeavam
os fatos sociais, políticos e econômicos que a inspiraram no passado) ou de lacuna axiológica
(ausência de norma justa, isto é, existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, a solução
do caso será manifestamente injusta). No caso, o art. 406, da CLT e o art. 149, do ECA não
atendem mais os anseios sociais ou não atendem o critério de eficiência ou de unidade de
convicção;
- O princípio da unidade de convicção se mostra preservado, posto que será da Justiça
do Trabalho as demandas envolvendo as relações de trabalho, antes, durante e depois do
término do contrato de trabalho, seja pela leitura extensiva do art. 114, da Carta Magna, seja
porque o Código Civil dispor que:
Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos
termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.
Art. 429. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos
essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.
Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.
(negritou-se).
As circunstâncias dos fatos não são suficientes para negar a existência de proposta,
nem os usos se revelam obstativos a essa conclusão. Desse modo, as propostas de trabalho
infantil são partes integrantes dos contratos de trabalhos, ou seja, são elementos da relação de
trabalho, cujo núcleo gravitacional atrai a competência da Justiça do Trabalho.
- Aliado aos argumentos acima, sustentamos que haveria incongruência em o Juiz de
Direito “obrigar” o menor a “abandonar” o serviço; ou, quando a empresa não tomar as
medidas recomendadas, configurar a rescisão indireta, na forma do art. 483, da CLT, quando
já existente uma relação de trabalho/emprego, o que afrontaria o art. 114, I, da Carta Política;
- Ainda sobre a unidade de convicção, as penalidades administrativas aplicadas pelos
auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, no desempenho das atividades desses
menores, serão discutidos os autos de infração e as sanções respectivas na Justiça Trabalhista,
por força do que estabelece o art. 114, VII, da CRFB/88;
6
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 11ª ed, São Paulo: LTr, 2013, p. 104.
35
- A existência de conhecimento de normas de direito civil, em especial sobre criança e
adolescente não pode ser óbice, posto que o Juiz do Trabalho pode conhecer de outras
matérias de forma incidental, a exemplo do que já acontece nas retenções do imposto de renda
sobre créditos trabalhistas (direito tributário), nas retenções de contribuições previdenciárias
(fato tributário imponível/fato gerador), nas demandas envolvendo sucessão trabalhista
(direito empresarial), as demandas envolvendo justa causa por apropriação indébita e
improbidade (direito penal), entre outros temas periféricos à relação de emprego;
- O princípio da prioridade absoluta não é óbice à competência da Justiça do Trabalho,
mas, muito pelo contrário, afeto ao Órgão Especializado:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
- Com efeito, profissionalização envolve trabalho e relação de trabalho é tema
pertinente à Justiça Trabalhista;
- Renata Vilas-Bôas7 sustenta que o Sistema Jurídico pode ser analisado em duas
fases: a situação irregular, no qual a criança e adolescente só eram percebidos quando estavam
em situação irregular, ou seja, não estavam inseridos dentro de uma família, ou teriam
atentado contra o ordenamento jurídico; Já a segunda fase denominada de Doutrina da
proteção integral, teve como marco definitivo a Constituição Federal de 1988, onde
encontramos, no art. 227, o entendimento da absoluta prioridade:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
O art. 405, da CLT, foi editado sob a fase da situação irregular.
7
VILAS-BÔAS, Renata Malta. A doutrina da proteção integral e os Princípios Norteadores do Direito da Infância
e Juventude. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10588&revista_caderno=12>. Acesso em maio
2014.
36
- O Juiz do Trabalho possui conhecimentos técnicos, aptidões e habilidades para
enfrentar os temas envolvendo a autorização para o trabalho do menor de 16 anos, na medida
em que a Resolução nº 75/2009, do CNJ, que disciplina o concurso público de ingresso na
Magistratura, no Anexo II, contempla na “relação mínima” as seguintes disciplinas para
provimento de cargo de Juiz do Trabalho Substituto: Direito Individual e Coletivo do
Trabalho; Direito Administrativo; Direito Penal; Direito Processual do Trabalho; Direito
Constitucional; Direito Civil; Direito Processual Civil; Direito Internacional e Comunitário;
Direito Previdenciário; Direito Empresarial; Direito da Criança e do Adolescente; no Bloco
Dois, o Direito da Criança e do Adolescente está agrupado com Direito Processual do
Trabalho, Direito Constitucional e Direito Civil. De modo contrário, o Direito do Trabalho
não consta sequer da relação mínima de disciplinas para provimento do cargo de Juiz de
Direito Substituto da Justiça Estadual, do Distrito Federal e dos Territórios, do Anexo IV, da
mencionada Resolução: Direito Civil; Direito Processual Civil; Direito Eleitoral; Direito
Ambiental; Direito do Consumidor; Direito da Criança e do Adolescente; Direito Penal;
Direito Processual Penal; Direito Constitucional; Direito Empresarial; Direito Tributário;
Direito Administrativo. Com efeito, do que se depreende, a exigência e conjugação das
disciplinas de Direito do Trabalho com Direito da Criança e do Adolescente, aliado ao Direito
Civil, ao Juiz do Trabalho, traduz muito mais coesão sistemática para enfrentar e dar solução
aos requerimentos autorizativos da realização de trabalho por menores de 16 anos que ao Juiz
de Direito.
A MUDANÇA LEGISLATIVA EM ANDAMENTO
Mesmo diante desses argumentos, conquanto não fosse necessário, haja vista que ao
intérprete incumbir a adequação das normas já existentes, combinando-as no Ordenamento
para uma manifestação de vontade ou intelectiva, existe em tramitação na Câmara dos
Deputados projeto de lei sob nº 3.974, de 2012, de autoria do Deputado Manoel Júnior, e
apensados a eles os de n. 4.253 e 4.968, de 2012 e 2013, dos Deputados Dr. Grilo e Jean
Wyllys, respectivamente, para alteração do art. 406, da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), com parecer favorável da Relatora, Deputada Benedita da Silva, na Comissão de
Seguridade Social e Família, de 29.04.2014, pela aprovação do principal (3.974, de 2012) e
rejeição dos apensados (4.253, de 2012 e 4.968, de 2013), conforme andamento do processo
legislativo consultado no sítio da internet daquele órgão. Pela norma regimental daquela Casa,
ainda falta a tramitação meritória conclusiva também perante a Comissão de Trabalho, de
37
Administração e Serviço e, quanto aos aspectos técnicos previstos no art. 54, do Regimento
Interno, perante a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
A modificação legislativa expressa, a nosso sentir, apenas sacia a ansiedade e
necessidade dogmática para a conclusão que já pode ser extraída, repita-se, pelo próprio
conjunto normativo existente.
De toda sorte, pelas manifestações expostas neste texto, o cenário se revela inclinado a
um novo desafio para o Judiciário Trabalhista.
CONCLUSÃO
Em arremate ao que foi aqui tratado, os elementos favoráveis à atribuição da
competência para examinar as autorizações para o trabalho dos menores de 16 anos de idade
pendem a conclusão para a Justiça do Trabalho: seja pelo aspecto legislativo diante da nova
Ordem Constitucional (art. 114, I, da CRFB/88); seja pelo critério da especialidade das
atribuições do Ministério Público do Trabalho e seu campo de atuação das ações pertinentes, a
defesa dos direitos e interesses dos menores em matéria trabalhista deve ser levada a efeito
perante a Justiça Obreira; seja pela interpretação sistemática em face da própria orientação do
Código Civil diante dos elementos que encerram ou desembocam no contrato de trabalho, os
quais vinculam as situações aos Magistrados do Trabalho e, com isso, de sua competência;
seja pelo critério da unidade de convicção com pertinência temática dos aspectos envolvidos
nas relações de trabalho, ainda que digam respeito a matérias circundantes do liame jurídico,
atraindo a atuação da Magistratura Trabalhista; seja pela aptidão ou conhecimentos técnicos
com disciplinas mínimas exigidas para o ingresso na Magistratura do Trabalho, a competência
da Justiça Trabalhista é medida conveniência e eficiência judicial.
38
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E O
RECONHECIMENTO DE PERÍODO URBANO.
Malcon Robert Lima Gomes 8
Nossa proposta para essa primeira publicação é fomentar algumas reflexões sobre
situações que diariamente “batem às portas” do Poder Judiciário Federal, seja da Justiça
Obreira, seja da própria Justiça Federal.
Na segunda, que, com a permissão Divina, em alguns meses sobrevirá, traremos mais
subsídios para fundamentar o que pensamos, embora não nos poupemos de apontar de logo
alguns pontos de vista.
Contudo, aguardamos a sua efetiva participação, trazendo, antes da segunda edição,
suas respostas, combinado?
Pois bem, o Direito Previdenciário sempre teve uma estreita relação com o Direito do
Trabalho, proximidade esta que persiste até os dias atuais, inclusive identificando-se como um
dos principais indícios caracterizadores do vínculo com a Previdência Social, qual seja o
exercício de atividade remunerada lícita – o trabalho pago, portanto - a identificar a figura do
segurado obrigatório do Regime Geral, seja ele, por exemplo, um segurado empregado ou um
profissional liberal (esse último, uma espécie do gênero contribuinte individual).
Inclusive, o segurado empregado – termo, aliás, existente somente no Direito
Previdenciário – que é “praticamente” o mesmo empregado do direito trabalhista, e um dos
seus principais representantes, goza de algumas prerrogativas perante, pelo menos, a
legislação previdenciária, especialmente as que lhe garante o direito de computar o tempo de
serviço comprovado sob tal status para fins de recebimento de benefícios previdenciários,
ainda que o seu empregador – ou melhor, tomador de serviços, ante a existência de espécies
de segurados empregados que não apresentam empregadores, caso, por exemplo, dos
detentores de mandato eletivo – não tenha providenciado regularmente o recolhimento e/ou
repasse das correspondentes contribuições previdenciárias.
8
Professor Especialista em Direito Previdenciário, de graduação e pós das seguintes faculdades: CEUT,
CESVALE, e NOVAFAPI, todas de Teresina, bem como da Escola Superior de Advocacia do Piauí - ESA-PI,
do Instituto de Formação Continuada - INFOC/SP, do Instituto Nacional de Ensino Jurídico Avançado INEJA/PR e do Instituto de Estudos Empresariais – IEMP/PI. Professor da Universidade Corporativa - UniCorp
do Tribunal Regional Federal TRF da 1ª Região, de onde é servidor. Autor de vários artigos publicados em obras
especializadas em Direito Previdenciário.
39
A ressalva quanto ao “pelo menos” diz respeito ao fato, indiscutível, de que nem
sempre a Previdência Social, por meio do seu órgão gestor, o Instituto Nacional do Seguro
Social - INSS observa tal premissa, não raro indeferindo benefícios previdenciários caso
inexistente a regularidade quanto aos pagamentos, embora sabedora do comando legal que
retira do segurado empregado tal responsabilidade.
Isso, principalmente, é verificado em face dos vínculos empregatícios reconhecidos
somente na seara trabalhista, fruto de ações judiciais com tal propósito.
Mais interessante, ainda, é observar que nenhuma rejeição faz aos valores decorrentes
de tal acordo ou mesmo condenação, sempre muito bem-vindos, pouco importando se quem
lhes oportunizou terá algum “retorno”. E esse é um dos tópicos que iremos tratar no presente
artigo.
Outro que nos tem chamado a atenção diz respeito à esquiva, mais uma vez, da
responsabilidade, que é do INSS, no tocante ao pagamento do benefício salário-maternidade
nas situações em que o empregador dispensa sem justa causa sua empregada grávida ou no
período de estabilidade, em que ainda estaria recebendo – ou deveria – o benefício em
comentário.
Pois bem, como dito, a Legislação Previdenciária em diferentes pontos traz um
tratamento distinto para o segurado empregado – o qual nos focaremos em face da ideia de
associar ao Direito do Trabalho na figura do segurado mais próximo entre ambos os ramos -;
vejamos que no artigo 27,I, da Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS (8.213/91) – a
legislação ora em destaque está disponível no final do texto - aponta-se a data de início de
suas atividades como sendo o marco inicial de suas correspondentes contribuições
previdenciárias, nada exigindo quanto à pontualidade, ou mesmo existências, das mesmas.
Por sua vez, os artigos 30, I, a c/c 33, §5º da Lei de Custeio da Previdência Social –
LCPS (8.212/91) – a legislação ora em destaque está disponível no final do texto -, de certa
forma complementada pela legislação retromencionada, atribuem de forma única e exclusiva
a responsabilidade quanto às contribuições para o respectivo empregador – ou tomador de
serviços -, sequer cogitando de responsabilidade solidária.
Não bastante fossem tais previsões legais, ainda existe um enunciado normativo do
Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS consentâneo (súmula de n. 18 –
disponível no final do texto); não obstante, ainda assim, verificamos lides diariamente
travadas no seio do Poder Judiciário envolvendo tal temática, a exemplo do julgado abaixo,
que dada a sua atualidade bem demonstram o que ora se pretende, qual seja, comprovar que a
40
legislação há mais de 20 (vinte) anos vem sendo rotineiramente descumprida por aquele que a
ela deveria cega obediência, entenda-se a Administração Pública Previdenciária.
Se o INSS insiste em não aceitar a indicação de anotação dos vínculos oriundos de
uma decisão trabalhista, mormente quando “fruto de prova exclusivamente testemunhal” –
embora tenha até previsão legal para o amparar (art. 55, §3º da LBPS – redação
correspondente no final do texto) -, porque se admitir que ele se aproprie das contribuições
previdenciárias correspondentes?
Por que ele se escusa em participar da ação de conhecimento?
Isso não seria enriquecimento ilícito?
Observamos também ao longo dos anos alguns erros crassos na interpretação de
normas protetoras dos trabalhadores brasileiros; referimo-nos agora à ideia velada e selada
que se tem no tocante à inviabilidade de recebimento do benefício auxílio-doença enquanto
em gozo de seguro-desemprego, porquanto, bem observadas as regras, há permissão (nesse
sentido, ver art. 7º, II, da Lei 7.998/90 – exposto ao final), não para acumular ambos os
benefícios, mas para que o segundo – o seguro-desemprego - tivesse seu pagamento suspenso
enquanto incapacitado estivesse o seu titular e esse passasse a receber o benefício auxíliodoença pelo tempo necessário para recuperar sua aptidão laboratícia, afinal de contas, um dos
principais propósitos de tal prestação é permitir que o trabalhador, mormente na atualidade –
com novas legislações -, venha a ser capacitado com ofertas de novos cursos para, enfim,
poder buscar alguma ocupação no mercado de trabalho, nos termos do art. 2º, II, da Lei
7.998/90 (disponível no final da publicação); e assim fica a pergunta: como alguém
doente/incapacitado poderá adquirir novos conhecimentos ou buscar emprego se não se
encontra fisicamente e/ou mentalmente apto para tanto?
Guardadas as proporções, essa mesma linha de entendimento aplica-se ao caso da
segurada que se encontra em gozo de salário-maternidade e se vê na impossibilidade de
receber o benefício auxílio-doença caso venha a adoecer neste interregno; ora, se o propósito
é aproximar a mãe de seu rebento, certamente – se não em todos, pelo menos em boa parte
dos casos – tal configuração estará impedida em face da enfermidade apresentada pela
genitora que lhe exigirá o afastamento de seu filho, de sorte que nada mais razoável
seguíssemos a mesma sugestão acima: que se suspendesse o salário-maternidade e se
permitisse o pagamento do auxílio-doença enquanto tal quadro permanecesse, pois só assim,
entre outros, o princípio da dignidade da pessoa humana efetivamente prevalecerá.
41
E por falar em salário-maternidade, afinal é ou não ele um benefício previdenciário?
Se o é, a responsabilidade não seria do INSS?
Existe na lei previsão para que o empregador assuma tal ônus nos casos de despedida
arbitrária da empregada gestante ou no período estabilitário correspondente?
A segurada – para ficar com a situação mais comum – pode ser compelida a litigar
mesmo contra sua vontade para fazer jus a uma prestação para a qual pagou para receber?
O recebimento de verba indenizatória pelo período da estabilidade, por si só, atende
aos direitos da empregada demitida injustamente? O que dizer dos direitos previdenciários
quanto a tal contexto?
A propósito, as duas últimas perguntas também são oportunas para os casos que
envolvem o benefício auxílio-doença acidentário, que também autoriza um período de
estabilidade, esse de, pelo menos, 12 meses após o retorno ao trabalho, nos termos do artigo
118 da LBPS. O que têm a nos dizer??!!
Em alguns tópicos, como puderam perceber, manifestamos nosso ponto de vista, que
logicamente pode não coincidir com o seu, assim, aguardamos – ansiosamente – os vossos
modos de pensar envolvendo as situações trazidas a debate, certo?
Até a próxima!
Decisão Analisada
RECURSO ESPECIAL Nº 1.150.899 - RS (2009/0144635-6)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR : MILTON DRUMOND CARVALHO E OUTRO(S)
RECORRIDO : CLAIR DE FÁTIMA ANTUNES
ADVOGADO : MÁRCIA MARIA PIEROZAN BRUXEL E OUTRO(S)
DECISÃO
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE PERÍODO URBANO. INFORMAÇÕES ACERCA DO
VÍNCULO NO CNIS E NA CTPS.
IMPLEMENTAÇÃO
DE
JUDICIAL. CARÁTER
BENEFÍCIO.
COMPROVAÇÃO. SÚMULA Nº 7/STJ.
CUMPRIMENTO
MANDAMENTAL.
IMEDIATO.
DECISÃO
ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA
DOS
VALORES PAGOS EM ATRASO. EDIÇÃO DA LEI Nº 11.430/2006. APLICAÇÃO DO
INPC.
42
(...)
No mérito, aponta violação do artigo 29-A, da Lei nº 8.213/1991, c/c art. 19 do Dec.
Nº 3.048/1999, afirmando que "no presente caso, a autarquia arguiu de forma expressa, a
dúvida sobre a procedência do vínculo, uma vez que inexistem informações no CNIS" (fl.
215).
Ainda sobre esse ponto, pondera que "somente as informações constantes do
CNIS (e não a CTPS) possuem presunção juris tantum perante a Previdência Social,
desde que inseridas contemporaneamente ao vínculo discutido" (fl. 213).
Reforça, que "consoante de depreende pela documentação anexa, autora sequer é
cadastrada no CNIS. Nessas condições, a legislação atual que rege a matéria determina que o
INSS exija (não é faculdade, mas imposição) a apresentação da documentação que embasou o
vínculo" (fl. 213).
(...)
No que tange à alegada ofensa ao art. 29-A da Lei n.º 8.213/1991 e ao art. 19 do
Decreto n.º 3.048/1999, o acórdão recorrido, na parte que interessa, ostenta a seguinte
fundamentação (fl. 155): Para comprovar o alegado vínculo empregatício no interregno de
1/6/2005 a 27/10/2005 (data da DER), a parte autora trouxe aos autos cópia da CTPS, onde
consta, em ordem cronológica, a anotação do labor prestado a Melita Oliveira Trentini, a
partir de 1/9/2003 (fl. 48).
Acerca da CTPS já se pronunciou o TST no Enunciado nº 12; as anotações
apostas pelo empregado na carteira profissional do empregado não geram presunção
juris et de jure, mas apenas júris tantum (...). A consulta ao cadastro CNIS confirma o
vínculo, não sendo demais lembrar que eventual inadimplemento dos recolhimentos
previdenciários respectivos é de responsabilidade do empregador.
Outrossim, a autarquia sequer alegou a falsidade da relação empregatícia, muito
menos logrou comprovar qualquer irregularidade que a comprometia, devendo-se
concluir pela procedência do pedido.
(...).
Diante da documentação apresentada, vê-se que a parte autora apresentou prova
plena do tempo de serviço de 1/6/2005 a 27/10/2005, o qual deve ser considerado para
fins de aposentação da requerente.
A partir da leitura das razões de decidir acima colacionadas, verifica-se que o
Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa, com base
43
na apreciação do conjunto probatório dos autos, concluiu que a consulta ao CNIS
confirma a procedência do vínculo relativo às anotações da Carteira de Trabalho e
Previdência Social - CTPS da ora Recorrida.
No entanto, como dito, a autarquia previdenciária, nas razões do apelo especial, afirma
a inexistência de informações no CNIS. Nessas condições, a pretendida inversão do julgado
implicaria, necessariamente, o reexame das provas carreadas aos autos, o que não se coaduna
com a via eleita, consoante o enunciado da Súmula n.º 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Nessa linha, confira-se o seguinte julgado:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
SERVIÇO. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA
SURGIDA
NO
RECURSO
ESPECIAL.
VALIDADE
DE
DOCUMENTO
EXTEMPORÂNEO PARA UTILIZAÇÃO COMO INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL.
MATÉRIA NÃO VENTILADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DAS SÚMULAS Nºs 282 E
356/STF. AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ACEITA PELO TRIBUNAL DE
ORIGEM. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
Nº 7/STJ. NÃO-COMPROVAÇÃO DO DISSÍDIO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. Restringe-se a controvérsia dos autos à possibilidade de se aceitar, como início de
prova material, a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS do autor,
advinda por força de decisão proferida na Justiça do Trabalho, com trânsito em julgado, onde
foi reconhecido o tempo de serviço prestado, sem que o recorrente tenha integrado a lide.
2. Não obstante o INSS tenha sustentado, nas razões de apelação, a impossibilidade de
comprovação do tempo de serviço mediante prova exclusivamente testemunhal, a alegação de
violação ao art. 400 do Código de Processo Civil surgiu somente no recurso especial. [...]
4. Ainda que superado esse óbice processual, sem razão o recorrente, pois
verifica-se que, in casu, o Tribunal de origem reconheceu o tempo de serviço
fundamentado em decisão judicial proferida em processo trabalhista, onde, por ocasião
da audiência, foi firmado um termo de conciliação entre as partes.
5. A inversão do julgado, como pretende a autarquia recorrente, não está adstrita à
interpretação da legislação federal, mas, sim, ao exame de matéria fático-probatória, cuja
análise é afeta às instâncias ordinárias. Incidência, a espécie, da Súmula nº 7/STJ.
[...]
7. Recurso especial a que se nega provimento.
44
(REsp nº 328.010/RN, relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura DJ de
11/6/2007)
(...)
À vista do exposto, com fundamento no § 1º-A do art. 557 do Código de Processo
Civil, dou parcial provimento ao recurso especial, apenas para estabelecer que, no período
posterior à edição da Lei nº 11.430/2006, o INPC é o índice aplicável para a correção dos
benefícios previdenciários em atraso, consoante a nova redação do art. 41-A da Lei nº
8.213/1991.
(Superior Tribunal de Justiça – STJ, Decisão monocrática proferida pelo Ministro
MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe de 06/11/2013). (destacamos). (disponível em
https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/frame.asp?url=/websecstj/cgi/revista/R
EJ.cgi/MON?seq=32223495&formato=PDF).
45
46
ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO
Nestor Alcebíades Mendes Ximenes9
RESUMO
O presente artigo analisa as hipóteses de incidência da norma penal nas condutas tipificadas como assédio
sexual. Sua estreita relação com o Direito do Trabalho trazem consequências também nas esferas cível e
administrativa aos agentes que praticam tais condutas. O Direito Penal complementa o ordenamento jurídico
para proteger não só a liberdade individual e sexual, bem como garantir a todo trabalhador um ambiente de
trabalho livre e saudável, como garantia fundamental da pessoa, independente do emprego, cargo ou função que
ocupe no ambiente público ou privado.
Palavras-chave: assédio sexual; relação de emprego; relação de trabalho; criminalização.
ABSTRACT
This article analyzes the hypotheses of incidence of the criminal standard typed behaviors such as sexual
harassment. His close relationship with the Labour Law also bring consequences in civil and administrative
spheres agents who practice such behavior. The Criminal Law complements the legal system to protect not only
the individual and sexual freedom, as well as ensuring every worker an environment of free and healthy
workplace as a fundamental guarantee of the person, regardless of employment, job or position he holds in the
public or environment private.
Keywords: sexual harassment; employment relationship; employment relationship; criminalization.
RESUMEN
En este artículo se analizan las hipótesis de incidencia de la norma penal tecleó comportamientos como el acoso
sexual. Su estrecha relación con la Ley del Trabajo también traen consecuencias en los agentes de las esferas
civiles y administrativas que practican este tipo de comportamiento. El Derecho Penal complementa el sistema
legal para proteger no sólo el individuo y la libertad sexual, así como para asegurar a todos los trabajadores un
ambiente de trabajo saludable y libre como una garantía fundamental de la persona, independientemente de su
empleo, cargo o posición que ocupa en el público o el medio ambiente privado.
Palabras clave: el acoso sexual; relación de trabajo; relación de trabajo; criminalización.
1 INTRODUÇÃO
O assédio sexual foi introduzido no ordenamento jurídico pela lei nº 10.224, de
15.05.2001. Assim, há mais de 12 anos o crime de assédio sexual encontra previsão em nosso
9
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito Processual pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor de Direito Penal e Processo Penal na Universidade
Federal do Piauí - UFPI e no Centro de Ensino Universitário de Teresina - CEUT. Advogado.
47
Código Penal. No entanto, poucos são os processos criminais dessa natureza. Então, quais os
fatores para a necessidade de criminalizar tal comportamento no âmbito penal? Quais as
dificuldades encontradas pelas vítimas em representar contra os autores desses delitos?
Trata-se de tipo penal previsto no art. 216-A do Código Penal, cuja conduta é:
“constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendose o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função”. A pena prevista para o crime em comento é de detenção de 01 a
02 anos, mas pode ser aumentada em até um terço ser a vítima é menor de 18 anos.
O motivo inicial da criminalização da referida conduta é proteger a liberdade nas
relações de trabalho e, via reflexa, mas não menos importante, a liberdade sexual, como bem
jurídico penalmente tutelado. De início verifica-se que o crime encontra-se elencado dentre as
infrações contra a dignidade sexual (Título VI) e não nos crimes contra a organização do
trabalho.
Mesmo com a frequência de casos relatados sobre assédio sexual no ambiente de
trabalho, raríssimas são as condenações por essa infração penal. Vários autores defendem que
as condutas dessa natureza, embora covardes e repugnantes, merecem rígida punição, mas não
no âmbito do Direito Penal. Entrementes, o Direito do Trabalho, o Direito Civil e o Direito
Administrativo trazem um leque de opções para punir o infrator do assédio sexual, sem a
necessidade da intervenção do punitivismo penal, em razão do caráter fragmentário e
subsidiário do Direito Penal (ultima ratio).
No início dos anos 70 as feministas americanas da universidade de Cornell designaram
sob o nome de assédio sexual as práticas discriminatórias advindas do quadro das relações de
trabalho. A partir de 1975 este conceito disseminou-se nos países anglo-saxões.
2 DESENVOLVIMENTO
É preciso proteger o trabalhador, mas é preciso punir o infrator com sérias e fundadas
provas dessa prática, a fim de evitar as frequentes vitimizações espúrias, com o escopo de
alcançar alguma vantagem, patrimonial ou não, visando apenas prejudicar um desafeto.
Nesse sentido merece destaque as palavras de Guilherme Nucci (NUCCI, 2010):
48
Se para a condenação de estupradores, por exemplo, já se encontra imensa
dificuldade, por vezes sendo o juiz levado a acreditar, unicamente, na palavra da
vítima, o que dizer do assédio sexual? Poderia alguém, demitido injustamente,
vingar-se do seu superior, denunciando-o à autoridade pela prática de assédio
sexual, possibilitando o indiciamento a até o processo-crime, fundado na palavra da
parte ofendida. Ainda que haja absolvição por insuficiência de provas, lastreada a
decisão no princípio da prevalência do interesse do réu (in dubio pro reo), o prejuízo
é evidente e o constrangimento gerado, também.
O núcleo do tipo é “constranger”, resultando um uma modalidade específica de
constrangimento ilegal, sem violência ou grave ameaça à pessoa, senão incorreria o agente em
crime de estupro. Portanto, a conduta consiste em molestar, perturbar, intimidar a pessoa,
afetando sua intimidade e seu bem-estar, com o propósito de alcançar vantagem ou
favorecimento sexual. Assim, a norma exige um elemento subjetivo específico.
Cezar Bitencourt assevera que: “Assediar sexualmente, ou melhor, constranger,
implica importunação séria, grave, ofensiva, chantagista ou ameaçadora a alguém
subordinado(...) simples gracejo ou paqueras não tem idoneidade para caracterizar a ação de
constranger”.
O agente deve utilizar-se de sua ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo
ou função, constrangendo o subalterno a realizar seus desejos sexuais, desde que decorrentes
dos poderes que lhe são conferidos pela relação de trabalho. Essas condutas geralmente são
acompanhadas de ameaças ao impedimento de uma promoção, ou simplesmente resultar em
remoção desnecessária e infundada, caso o desejo sexual do agente não seja atendido na
forma proposta, o que poderá até acarretar uma demissão do empregado ou colaborador.
A definição de assédio sexual para a Organização Internacional do Trabalho (OIT)
pode ser compreendida como: atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites
impertinentes, desde que apresentem uma dessas características: a) ser uma condição clara
para manter o emprego; b) influir nas promoções de carreira do assediado; c) prejudicar o
rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima.
Os Estados Unidos, onde uma pesquisa da Langer Research Associates mostrou que
24% das profissionais já tinham sofrido assédio sexual, possuem as leis mais rígidas em
relação a essa prática. França e Nova Zelândia tratam do assédio sexual em suas legislações
trabalhistas. Assim como no Brasil, Espanha, Itália e Portugal abordam o tema no Código
Penal.
49
Não se pretende punir simples gracejos ou flertes, que são naturais das relações
humanas, principalmente nos dias atuais, onde as pessoas passam a maior parte do tempo no
ambiente de trabalho, o que proporciona naturalmente uma maior aproximação entre elas. O
que se protege é a intimidação séria, insistente, acompanhada de ameaças ao bom
desempenho das relações de trabalho.
Válido destacar que o assédio sexual é praticado a partir de uma relação de
subordinação, decorrente do exercício de emprego, cargo ou função entre o superior e o
empregado ou funcionário, haja vista que o crime pode ocorrer no âmbito da Administração
Pública ou nas relações de direito privado.
Para Rogério Greco, a expressão superior hierárquico indica uma relação de Direito
Público, vale dizer, de Direito Administrativo, não se incluindo nela as relações de Direito
Privado (GRECO; 2011. p. 518). No entanto, a lei utiliza a expressão ascendência, inerente ao
exercício de emprego, cargo ou função. No primeiro, obviamente, se aplica às relações
regidas pelo Direito do Trabalho, ou seja, decorrente da relação de emprego, havendo
prestação de serviço não eventual, mediante remuneração e sob subordinação.
Trata-se de crime próprio ou especial, já que somente pode ser praticado por quem se
encontre na posição de superior hierárquico ou ascendência em relação à vitima. Assim, não
podemos falar em assédio sexual quando o sujeito ativo estiver no mesmo plano hierárquico
ou em posição inferior em relação ao sujeito passivo. Mirabete leciona que o crime é
bipróprio, ou seja, exige uma situação especial tanto do sujeito ativo como do sujeito passivo
(2013. p. 421).
Não importa o sexo ou a opção sexual dos envolvidos, podendo abranger as relações
heterossexuais ou homossexuais. O tipo admite a participação de terceiros no ato, aos quais se
comunicará a elementar de cunho pessoal referente à condição de sujeito ativo (art. 30, CP).
Analisando a possibilidade da conduta ser praticada comissiva ou omissivamente, via
omissão imprópria, ou seja, na qualidade de garantidor para evitar a prática do delito (art.
13,§2º, CP), quando o empregador dolosamente se omite. Portanto, válido citar o magistério
de Valdir Sznick (2002. p. 47), que assim preleciona:
Quando o agente ativo é empregado, independentemente de sua função ou cargo, o
assédio no trabalho passa à responsabilidade do empregador. Nesse caso, é
responsável tanto o assediador com o empregador; este só se livrará da
responsabilidade caso prove que o ambiente de trabalho na empresa não pactua com
50
atitudes como assédio sexual e que a empresa adotou as providências cabíveis para
coibir tal procedimento.
2.1 RELAÇÃO ENTRE PROFESSOR(A) E ALUNO(A)
Uma divergência doutrinária e jurisprudencial surgiu no que tange à relação professor
e aluno. Há uma nítida relação de superioridade entre professor e aluno, mas longe de
caracterizar a hipótese da prática do crime de assédio sexual entre essas pessoas, pois não se
verifica uma relação derivada do exercício de emprego, cargo ou função no que tange aos
discentes, que não são funcionários do estabelecimento de ensino, público ou privado
(MASSON; 2013. p. 48). Assim, não haveria como o aluno ser prejudicado em sua relação de
trabalho, eis que essa é inexistente.
Corroborando esse entendimento Rogério Greco (2011. p. 525) assinala que:
Da mesma forma, não se considera como subsumível ao comportamento tipificado
no art. 216-A do Código Penal a conduta do(a) professor(a) que assedia seu(sua)
aluno(a), fazendo-lhe propostas sexuais, sob o argumento de que poderá, por
exemplo, prejudica-la(lo) em suas notas.
O fato, da mesma forma que no caso anterior dos líderes espirituais, poderá se
amoldar a outra figura típica, a exemplo do constrangimento ilegal, estupro etc., pois
não existe entre eles a relação exigida pelo delito de assédio sexual.
Havendo o emprego de violência ou grave ameaça por parte do professor, que
constrange o(a) aluno(a) à prática de ato libidinoso, poderá o docente incorrer na hipótese
bem mais grave, que é o crime de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal.
Guilheme Nucci (2010. p. 924) adota mesmo posicionamento, assinalando que:
Não configura delito. O tipo penal foi bem claro ao estabelecer que o
constrangimento necessita envolver superioridade hierárquica ou ascendência
inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Ora, o aluno não exerce
emprego, cargo ou função na escola que frequenta, de modo que na relação entre
professor e aluno, embora possa ser considerada de ascendência do primeiro no
tocante ao segundo, não se trata de vínculo de trabalho.
Em sentido contrário, André Estefam defende que, se o professor condiciona a
aprovação do aluno no curso ou a boa avaliação à prática de contatos sexuais, é possível a
subsunção do ato à figura típica, haja vista que o professor, em razão do emprego, cargo ou
função que ocupa, detém ascendência sobre o corpo discente (ESTEFAM; 2011. p. 163).
51
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconheceu a hipótese mantendo a
condenação de um professor da Universidade Federal de Roraima por crime de assédio sexual
em relação a várias alunas, cujo aresto tem a seguinte ementa:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÕES FINAIS. DILIGÊNCIAS.
REABERTURA DE PRAZO. ASSÉDIO SEXUAL. 1. A reabertura de prazo para
apresentação de alegações finais, após cumprimento de diligência, não as tornam
extemporâneas ou eivadas de nulidade, posto que não evidenciado qualquer prejuízo
ao direito de defesa dos acusados. 2. Suficientemente demonstrados nos autos o
cometimento do crime previsto no artigo 216-A, do Código Penal, posto que o
réu, valendo da relação de ascendência inerente ao exercício do cargo de
professor da Universidade Federal de Roraima, constrangeu alunas propondolhes tratamento diferenciado, com a intenção de obter favorecimento sexual. 3.
Recurso de apelação improvido.
(TRF-1
ACR:
1458
RR
0001458-58.2004.4.01.4200,
Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Data de Julgamento:
28/02/2011, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.429 de 04/03/2011).
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que decretou a perda do cargo de um professor da rede
pública de ensino por ato de improbidade. Ele foi acusado de assediar sexualmente diversas
de suas alunas, em troca de boas notas na disciplina de matemática. Assim, segundo o STJ o
professor teria violado o disposto no art. 11 da lei nº 8.429/92. Nesse caso, houve apenas
reconhecimento de ato de improbidade administrativa, que estabelece sanções de natureza
política e administrativa.
Não parece que o legislador tenha optado por reconhecer em tal relação a hipótese de
subsunção ao tipo penal, tendo em vista que o texto original do parágrafo único do art. 216-A
do CP, com redação dada pela lei nº 10.224/2001, foi vetado. A redação do parágrafo único
vetado tinha o seguinte teor:
Incorra na mesma pena quem cometer o crime: I – prevalecendo-se de relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; II – com abuso ou violação de dever
inerente a ofício ou ministério.
Depreende-se que a mens legis restringe a aplicação do mencionado preceptivo,
apenas às relações decorrentes de emprego, cargo ou função. Circunstâncias outras estão fora
da abrangência da norma penal, consoante determina o princípio da legalidade estrita, previsto
no art. 5º, XXXIX, da Constituição da República, combinado com o art. 1º do Código Penal e
art. 9º do Pacto de São José da Costa Rica (Decreto nº 678/1992).
52
Com maestria Cezar Bitencourt (2010; p. 82) leciona que a norma não alcança a
relação docente-discente. In verbis:
Nessa linha, acreditamos que tampouco o eventual assédio sexual entre professores e
alunos encontra-se recepcionado no art. 216-A, na medida em que a relação docentediscente não implica relação de superioridade ou ascendência inerentes ao exercício
de emprego, cargo ou função, nem mesmo em se tratando de instituições de ensino
público. Com efeito, ainda que o professor de instituição pública exerça cargo ou
função, sua relação com o aluno é inerente à docência, não prevista no limitado tipo
penal em exame. Nesse particular, a previsão do art. 184 do Código Penal Espanhol
não sofreria essa restrição, pois contém expressamente em seu texto legal que o
abuso deve ocorrer em uma “situação de superioridade laboral, docente ou
hierárquica”. Por essas razões, equivocam-se aqueles que admitem que eventual
assédio sexual entre alunos e professores esteja recepcionado pelo art. 216-A do CP.
Pensar diferente seria dar interpretação extensiva à norma penal incriminadora,
inadmissível na seara penal, por violar a função taxativa da tipicidade penal.
Contudo, o(a) professor(a) também pode ser sujeito do crime de assédio sexual,
ativo, no caso de praticá-lo contra sua(seu) secretária(o) ou assessor(a), ou passivo,
quando sofrê-lo por parte de seu superior ou empregador.
2.2 RELAÇÃO ENTRE LIDER ESPIRITUAL E FIEL
Igualmente não se aplica a redação do tipo à relação entre líderes religiosos (padres,
bispos, pastores etc) e seus seguidores, ainda que se manifeste a subserviência em decorrência
da fé. Obviamente não há qualquer relação de emprego, cargo ou função. Caso haja
constrangimento de líder religioso em relação ao fiel, com o intuito de obter vantagem de
natureza sexual, não há que se falar em assédio sexual. Na hipótese da conduta ser realizada
mediante violência ou grave ameaça, poderia subsumir-se ao delito de estupro (art. 213, CP).
2.3 A PROSTITUTA COMO VÍTIMA DE ASSÉDIO SEXUAL
A prostituta pode ser vítima do crime de assédio sexual, mas não em relação à sua
atividade sexual. Na hipótese da uma mulher, funcionária de uma empresa, que paralelamente
realiza programas sexuais remunerados. Pode ela ser chantageada a submeter-se às propostas
sexuais do seu superior hierárquico, caso ele tenha descoberto a atividade paralela da
funcionária, ameaçando contar seu segredo ao presidente da empresa. Assim, estaria
caracterizado o assédio sexual.
2.4 A EMPREGADA DOMÉSTICA E O ASSÉDIO SEXUAL
No que tange às empregadas domésticas (ou empregados domésticos), Greco (2011; p.
525) leciona que, havendo uma relação de emprego, poderá ocorrer o delito de assédio sexual,
ainda que a relação não seja diária. Assim, na opinião do citado autor, as diaristas podem ser
53
assediadas sexualmente, uma vez que existe entre o tomador e o prestador do serviço uma
relação de trabalho, na qual há ascendência funcional. Caso a diarista não concorde com os
propósitos libidinosos do “patrão”, deixará de trabalhar naquele local.
Cézar Bitencourt (2010; p. 82) igualmente leciona que: “a própria diarista também
pode ser vítima desse crime, uma vez que, ainda que passageiramente, encontra-se
inferiorizada na relação laboral”
Em sentido contrário, Damásio de Jesus (2010; p. 54) defende que “a diarista não pode
ser sujeito passivo do crime em comento, uma vez que não realiza atividade inerente a
emprego”.
Pelos motivos delineados no veto, acredita-se que o tipo pode ocorrer na relação de
emprego, protegendo o(a) empregado(a) doméstico(a), mas nunca na relação de trabalho. Não
se pretende diminuir a importância da relação de trabalho eventual, mas para o Direito Penal a
interpretação não pode ser extensiva, haja vista que o vetado parágrafo único previa sanção
àquele que, prevalecendo-se das relações domésticas, bem como do abuso ou violação de
dever inerente ao ofício ou ministério. Diante da ausência de tipicidade estrita, entende-se que
o tipo penal incriminador não contempla tal hipótese.
3 CONCLUSÕES
O assédio sexual pode ocorrer em qualquer lugar, embora sua incidência mais
frequente seja no próprio ambiente de trabalho. Caso as investidas ocorram em ambiente
diverso do local de trabalho e sem qualquer relação com a atividade laboral, poderá surgir
uma contravenção penal, definida como importunação ofensiva ao pudor, prevista no art. 61
da Lei de Contravenções Penais.
Não havendo conotação sexual, a depender do tipo de constrangimento, poderá o
agente incorrer na hipótese delitiva do constrangimento ilegal, com previsão no art. 146 do
CP, desde que haja o emprego de violência, grave ameaça, ou que venha a reduzir a
capacidade de resistência da vítima.
O delito é formal, consuma-se com o simples constrangimento da vítima, destinado à
obtenção de favores sexuais. A efetiva realização da conduta esperada pelo agente configurará
mero exaurimento, influenciando na dosagem da pena, quando da apreciação das
circunstâncias judiciais genéricas previstas no art. 59 do Código Penal.
54
Admite-se a tentativa se a conduta do agente se der por meio escrito, hipótese em que
poderá ser interceptada e não chegar ao conhecimento do destinatário.
A lei nº 12.015, de 07.08.2009, acrescentou o §2º ao art. 216-A do Código Penal,
prevendo uma causa especial de aumento de pena. Assim, o dispositivo prescreve que: “A
pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos”.
É sabido que a legislação trabalhista admite o trabalho do menor de 18 anos, com as
limitações impostas pelo art. 7º, XXXIII, da Constituição da República. Portanto, para que
seja aplicada a causa de aumento de pena acima mencionada, é necessário que o agente
conheça a idade da vítima, caso contrário, poderá alegar erro de tipo (art. 20, CP).
A ação penal para o crime em comento é pública condicionada à representação da
vítima, salvo quando a vítima for menor de 18 anos ou considerada vulnerável, hipótese em
que será pública incondicionada, consoante preconiza o art. 225 do Código Penal.
A competência para o processo e julgamento do crime de assédio sexual será do
Juizado Especial Criminal, admitindo medidas despenalizadoras, como a transação penal ou a
suspensão condicional do processo, havendo incidência da majorante do §2º. Importante
ressaltar que o processo corre em segredo de justiça, conforme dispõe o art. 234-B do Código
Penal.
Segundo o site Uol Economia, não há levantamentos sobre quais profissões são mais
afetadas, mas especialistas são unânimes em dizer que o ambiente mais propício ao assédio
sexual é o da secretária. Diante da suspeita, o Sindicato das Secretárias do Estado de São
Paulo realizou pesquisa na categoria e o resultado foi 25% responderam que já foram
assediadas sexualmente pelos chefes.
O primeiro país a criminalizar o assédio sexual foi a Espanha, em 1995, denominandoo de “acoso sexual”, cominando-lhe apenas uma pena de limitação de fim de semana. Em
2003, com a reforma penal espanhola, o tipo passou a ter pena de prisão de três a seis meses
ou multa. No entanto, não se verificou a diminuição de casos de assédio sexual naquele país,
como era de se esperar.
A França só veio a criminalizar tal conduta a partir da lei nº 98-468, de 1998
(Bitencourt: 2010. p. 73). A lei francesa diz em seu Art. 222-33:
55
Le fait de haceler autruir (L.n. 98-468 du 17 juin 1998) “en donnant des ordres,
profèrent des menaces, imposant des contraintes ou exerçant des pressions graves”
dans le but d’obtenir des faveurs de nature sexualle, par une personne abusant de
l’autorité que lui confèrent ses fonctions, est puni d’un na d’emprisonnement et de
100.000 F d’ amende10.
Nos últimos anos o problema do assédio tem sido reconhecido pela grande
maioria dos países, fato que se traduziu pela elaboração e adoção de textos legislativos na
Bélgica, França, Alemanha, Itália, Irlanda, Países Baixos, Áustria e Espanha, bem como por
convenções coletivas em certos setores da Espanha, Reino Unido, Países Baixos e Dinamarca.
A Alemanha e a Áustria possuem uma acepção ampla do que vem a ser assédio sexual,
incluindo todas as alusões sexistas, enquanto que outros países como a França possuem uma
visão mais restritiva, exigindo a superioridade hierárquica como elemento caracterizador
essencial.
No Japão, o assédio é conceituado como “qualquer ato ou palavra que possa ferir a
intimidade e dignidade da pessoa, prejudicando o ambiente de trabalho”, podendo ser
caracterizado de duas formas: pela compensação, quando o chefe ou algum superior se
aproveita de seu cargo para promover alguém em troca de favores sexuais e, o que se
denomina assédio ambiental, quando não há prejuízo econômico, mas que com sua repetição,
atrapalha o trabalho.
Comparada às demais legislações alienígenas, a lei brasileira parece muito tímida,
tendo em vista que taxativamente prevê o crime de assédio sexual apenas as relações de
trabalho. Não aceitando sequer os casos nos quais as causas tenham sido decorrentes de
ocasiões geradas por conta das relações de trabalho.
Não raras vezes as investidas que ocasionam situação de assédio são objeto de ações
de indenização por dano moral no âmbito da Justiça do Trabalho, independentemente de
apuração na esfera criminal, haja vista a autonomia e independência das lides penal e
trabalhista.
Assim, concluímos que a legislação brasileira, embora tímida no que tange a
abrangência do tipo penal, deve prever mecanismos mais eficazes de fiscalização e amparo às
vítimas de assédio sexual, principalmente em relação às mulheres, que são consideravelmente
10
Assediar (n º 98-468, de 17 de Junho de 1998) ", dando ordens, fazendo ameaças, a imposição de restrições ou
carregando uma forte pressão", a fim de obter favores de natureza sexual, por uma pessoa abusando a autoridade
conferida por suas funções, é punido com pena de prisão e 100.000 F em multas.
56
mais vitimadas por tais infrações penais, ficando à mercê da manutenção no emprego, diante
da escassa oferta de vagas no mercado de trabalho.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Disponível em: http://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2013/03/08/52-dasmulheres-ja-sofreram-assedio-no-trabalho-falta-de-provas-dificulta-condenacoes.htm. Acesso em 05/05/2014.
BITENCOURT, Cezar. Tratado de direito penal. Vol. 4. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2010.
ESTEFAM, André. Direito Penal. Vol.3. São Paulo: Saraiva.2011.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. volume III. 8 ed. Niterói, RJ: Impetus. 2011.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Vol. 3. 19 ed. São Paulo: Saraiva. 2010.
MASSON, Cleber. Direito Penal. Vol. 3. São Paulo: Método. 2013.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. 2. 30 ed. São Paulo: Atlas. 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: RT. 2010.
SZNICK, Valdir. Assédio sexual e crimes sexuais violentos. São Paulo: Ícone. 2002.
57
58
TAMBÉM O DIREITO FLUI
Helbert Maciel
Heráclito, de Éfeso, filósofo pré-socrático, nos dizia que “tudo flui” (panta rei),
conquanto resultado da tensão contínua dos opostos em luta (polemos).
Tudo flui, nada permanece perene. Somente o movimento não muda. De modo que
impossível se atravessar o mesmo rio duas vezes, mesmo que milésimos de segundo
intermedeiem as duas passagens. A água que se foi, se foi, não mais tornará.
Aparente a contradição entre harmonia e luta de opostos: este o logos, a lei universal
da natureza.
Estamos todos razoavelmente habituados ao estudo da história e à Teoria da Evolução.
A humanidade, assim como os seres vivos em geral, obedece a ciclos evolucionários.
Os seres vivos nascem, se desenvolvem, experimentam um apogeu, entram em
declínio e, invariavelmente, morrem.
O mesmo se pode dizer dos diversos modos de produção econômica experimentados
pela humanidade (comunidade primitiva, escravismo e feudalismo), já extintos.
Interessante que também os termos, as palavras. Por vezes línguas inteiras são
extintas, mas nas línguas vivas há termos que caem em desuso. Recordo-me, à guisa de
exemplo, de “calefon” (salvo engano era assim que se escrevia). Hoje as mulheres usam sutiã.
A rudeza do substantivo mouro sucumbiu ante a delicadeza do francês.
Bem assim as profissões. Ascensorista somente sobrevive, a que eu saiba, nos prédios
do Congresso Nacional. Quando éramos um País de analfabetos, o ascensorista se justificava.
Afinal, qual a tecla a apertar se nosso destino era o terceiro andar? De igual modo,
Datilógrafo e Taquígrafo são profissões em extinção.
Par-i-passu outras surgem. Mas nunca sem deixar de extrair do passado ensinamentos
decisivos. Assim é com os seres vivos, assim tem sido no caminhar da humanidade, assim
ocorre com as palavras, com a tecnologia, com as profissões. Tudo flui.
Assim também com o Direito.
Nossa primeira Constituição, datada de 1824, foi promulgada em um período
internacionalmente conturbado. A Independência Americana e a Revolução Francesa estavam
vívidas. Se processava, então, a Revolução Industrial. Mesmo assim, nossa Carta Magna
59
ainda se apegava às carunchosas ordenações reinóis, em especial as Manuelinas e Afonsinas.
Para se ter uma ideia, o art. 179, inciso 25, vedava expressamente a possibilidade de
organização dos trabalhadores em corporações ou sindicatos.
164 anos após, a CF/88, por seu art. 8°, declara livre a associação sindical. E veda ao
Estado a intervenção nas organizações dos trabalhadores.
Por que tanta diferença?
Se caminharmos ao longo da história havemos de verificar que o Direito, reflexo
dinâmico das atividades humanas, compreende, da antiguidade aos nossos dias, uma série de
etapas marcadas por transformações radicais, qualitativas, conformes, no seu conjunto, às
alterações operadas nas estruturas sociais.
Na época primitiva, quando a humanidade mal se destacara ainda da natureza, o
direito ainda não existia. Isto porque na comunidade primitiva as forças produtivas eram
quase inexistentes – a sociedade inteira era uma grande família, em que, espontaneamente,
vão se formando os ritos e os costumes para o acasalamento, a filiação, as práticas religiosas,
a repartição dos produtos coletados à natureza, da caça e da pesca. Visto que o grupo social
aceitava naturalmente os conselhos dos anciãos, inexistia, em rigor, um poder dirigente,
coação alguma era necessária para se fazer respeitar os costumes. As contradições internas
não dissimulavam ou enfraqueciam a unidade do ser social ainda nômade.
As forças produtivas começaram a se desenvolver a partir do momento em que a
coleta dos frutos da natureza é sucedida pela caça e esta pela agricultura, que sobreveio à
descoberta do fogo e a fixação da comunidade em dado território, o que implicava no
emprego de determinados instrumentos de trabalho. Uma primeira diferenciação se estabelece
então entre as atividades do homem e as da mulher, seguida de nova diferenciação, ainda mais
acentuada, entre o trabalho da terra e o trabalho artesanal, notadamente na manufatura dos
instrumentos necessários à produção agrícola. Aquele que se estabelecia em melhores terras,
detinha maior produção. Aqui já necessárias as normas coercitivas de regulação do ser social.
Regras de conduta a estabelecer a apropriação individual da produção coletiva. O casamento
monogâmico como garante da linhagem e, enfim, da sucessão hereditária.
Portanto, o direito se conformava ao próprio modo de produção econômica vigente,
notadamente no que tangia à apropriação do produto do trabalho coletivo.
E assim caminhou a humanidade: com a derrocada do mundo antigo e o aparecimento
do mundo feudal, formam-se as correspondentes instituições jurídicas, e o mesmo vem a
suceder quando o capitalismo faz a sua entrada na história.
60
Enfim, em cada etapa histórica assistimos ao aparecimento de novos ordenamentos
que vem regular as novas relações sociais, e que, no essencial, se diferem dos que os
precederam.
O direito, em sua inteireza, desenvolve-se, assim, através de sucessivos processos
renovados, ora lentos, ora acelerados. Suas ramificações emergem incessantemente da base
social e vão substituir as que as tinham precedido e que se atrofiaram por influencia de
circunstâncias que se lhes tornaram desfavoráveis.
Mas o direito, forma específica da atividade dos homens em sociedade, exprime,
através de normas de conduta que são, com muito mais frequência, imposições do que
recomendações. Isto é, exprime a necessidade de conservar e desenvolver o organismo social
assegurando uma certa ordem entre os seus elementos. As regras impostas supõem, tendo por
garante o Estado, a atuação de várias formas de coação, de modo a tentar manter intacto o
statu quo vigente. São as regras de direito que instituem e estruturam a coação, a qual garante
o respeito ao direito, de quem é, de certo modo, o tutor.
Segundo o filósofo alemão Engels, “para que os antagonistas, as classes sociais com
interesses econômicos opostos, não se aniquilem entre si e à sociedade em uma luta estéril,
impõe-se a necessidade de um poder que, posto aparentemente acima da sociedade, deva
amenizar o conflito, mantê-lo dentro dos limites da ‘ordem’”.
Este rápido apanhado histórico nos é útil para fixar que é o ordenamento jurídico que
restringe ou amplia o poder e os deveres do povo e das autoridades estatais, o tipo, o modelo e
forma do Estado e a maneira de acesso, do exercício e do controle do poder, além dos
objetivos e finalidades do Estado. Eis que o ordenamento jurídico é estabelecido por quem
tem o poder político para estabelecê-lo!
Não é o povo, a sociedade, um conjunto homogêneo de pessoas. Existem contradições
e diferenças econômicas, políticas, ideológicas, culturais, religiosas, de nível de informação e
de formação.
O grupo organizado que estiver no exercício das funções do Estado vai impor suas
vontades na formação da lei e na interpretação definitiva do ordenamento jurídico com o fito
de aplicar as sanções jurídicas, conforme a ótica estabelecida pela hegemonia deste grupo.
Para Ihering o direito é absolutamente paradoxal. É, ao mesmo tempo, luta e paz. Luta
enquanto instrumento de obtenção da paz. Paz enquanto fim precípuo. Embora momentânea
posto que se cinge a um período de acumulação de forças para novas lutas. A luta, portanto,
integra a natureza do direito. Como o homem, o Direito nasce em parto doloroso e difícil. E se
61
não defendido, não sobrevive. Nesta luta verte o homem suor e sangue, “cujo odor envolve a
gênese de qualquer direito”.
Tenho, pois, por certo, que a LEI não é propriamente inserção da vontade divina ou
fruto das mentes criativas de legisladores benfazejos.
Georges Sarrotte, antigo magistrado francês, dizia que a lei, conquanto eminentemente
política, traduz a correlação de forças no seio da sociedade. Mas ao mesmo tempo, deve
dispor de uma certa estabilidade, diria dialética, para possibilitar a resolução dos conflitos, a
segurança jurídica. Afinal, a história não se conta em dias, talvez nem mesmo em décadas.
A LEI é uma medida política. A lei é política, nos diria Lenin. Fruto que é de uma
certa correlação de forças no seio da sociedade. De modo que quem tem força leva!
Quando estudante, em especial nos debates proporcionados pelos encontros nacionais
de estudantes de Direito (todos militávamos contra a Ditadura Militar), guardava acirrada
crítica – hoje as reconheço exacerbadas, às proposições de escolas como a do Direito
Alternativo, ou do Direito Achado na Rua, ao considerá-las por demais jusnaturalistas: a lei
estava posta e imutável, restava aos operadores emprestar-lhe uma interpretação mais próxima
aos anseios populares. Bastava substituir os gerentes, os administradores das funções do
Estado, para que a lei fosse melhor ministrada.
Enquanto positivista, não propriamente naquele sentido Camtiniano puro, defendia,
como defendo, a Lei posta, positivada, mas sempre ressaltando que mudanças essenciais
deveriam, e devem, ocorrer, a depender exclusivamente das forças acumuladas pelos
movimentos sociais.
Maurício de Lacerda, maçom, socialista-cristão, Deputado Federal das décadas de
1910 e 1920, nos legara profícua obra, publicada em segunda edição pela Nova Fronteira,
Rio, no ano de 1980, na qual relata a evolução legislativa do direito social brasileiro, dos
primórdios da República até a gestação da CLT que conhecemos hoje. No livro relata que
“após a abolição, nos derradeiros dias do Segundo Reinado, tomou incremento o trabalho do
braço livre através da imigração, que se avolumara nos começos da Primeira República;
implantada esta, logo no Governo Provisório intentou-se legislar sobre este tipo de trabalho,
na intenção doutrinária, então predominante, do Positivismo de Comte, sem contudo englobar
numa decretação viva e aplicável esses projetos”.
É que vivíamos numa época em que a produção rural preponderava no País. A
Aristocracia Rural, que acabara de substituir – por títulos, grilagem, usurpação assassina ou
dinheiro – aos antigos sesmeiros, não poderia admitir proposições de leis que, segundo eles,
62
“ferissem a liberdade de atividade”, pois que “o trabalho humano foge sempre à
regulamentação”, a qual “afugenta o trabalhador, que procura sem cessar exercê-lo
livremente”. Exatamente este o teor do veto ao projeto de lei de 1885, que buscava estabelecer
a locação de serviços, proferido pelo Presidente em exercício da República, Vice-Presidente
Manuel Victorino (o Presidente Prudente de Morais achava-se licenciado por motivos de
saúde, embora não se tenha dúvidas quanto a seu crivo ao veto).
A locação de serviços proposta, somente referendada com o advento do Código Civil
de 1916, clamavam os aristocratas rurais, era contrária aos costumes e à chamada Lei da
Roça. Essa Lei da Roça preconizava, vejam vocês, sanções penais para o contrato civil
quando descumprido, como, por exemplo, penas econômicas e corporais, de prisão e de multa
correspondente aos dias faltosos, sonegados ao trabalho ajustado, e a prestação forçada do
trabalho por todo o período ajustado. Para se ter uma ideia das penas aplicáveis, aos
imigrantes (os chamados “chins”, ou amarelos), a pena de açoite e de prisão por
descumprimento do trabalho ajustado se limitava a dois anos. Para os escravos libertos não
havia limitação temporal.
No esclarecedor apanhado histórico, Maurício de Lacerda nos leva, forçosamente, a
concluir, que a lei é fruto de renhida luta social. E de tal forma que, consolidada a obra
jurídica por força do movimento social, dizia ele, “nenhuma das mudanças operadas, fossem
de regime, fossem de governo, ousou mais cancelar, tanto ela se integrou na vida nacional,
diante dos direitos dos trabalhadores e dos problemas do trabalho na existência econômica do
Brasil.”
Como nos diz o Poeta Gonçalves Dias, na parte I de sua Canção do Tamoio
(Natalícia):
“Não chores, meu filho/ Não chores, que a vida/ É luta renhida:
Viver é lutar./ A vida é combate,/ Que os fracos abate,/
Que os fortes, os bravos,/ Só pode exaltar!”
63
64
PRINCÍPIOS TRABALHISTAS
Luís Cinéas de Castro Nogueira
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Advogado militante especializado em causas
trabalhistas e empresariais. Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal do Estado do Piauí (UFPI).
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Professor
Universitário nas disciplinas de Direito, Processo e Prática Trabalhista em cursos de graduação de bacharelado
em direito e em cursos de pós-graduação. E-mail: [email protected]
Alice Neta Alves da Costa Raposo
Bacharela em Direito pelo Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho (ICF). Especialista
em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina (CEUT). Técnica Judiciária no
Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, Brasil. E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho analisa princípios do direito individual do trabalho, demonstrando suas peculiaridades e
aplicação como alicerces do direito positivado, atuando nas lacunas da lei, regulando grande quantidade de
situações práticas e sua força normativa por no ordenamento jurídico por meio da atividade jurisdicional.
Palavras – chave: Direito Individual do Trabalho. Princípios. Força Normativa. Aplicacação.
ABSTRACT
Este trabajo analiza los principios del derecho laboral individual, mostrando sus peculiaridades y aplicaciones
como bases de positivado ley lagunas de actuación en la ley que regula gran cantidad de situaciones prácticas y
su fuerza normativa de la ley a través de la actividad judicial.
Palabras - clave Derecho Individual del Trabajo .Principios. Fuerza normativa. Aplicabilidad.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO. 2. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO. 3. PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL. 4.
PRINCÍPIO DA IMPERATIVIDADE DAS NORMAS TRABALHISTAS. 5. PRINCÍPIO DA
INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS. 6. PRINCÍPIO DA CONDIÇÃO MAIS
BENÉFICA. 7. PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE CONTRATUAL LESIVA. 8. PRINCÍPIO DA
INTANGIBILIDADE SALARIAL E DA IRREDUTIBILIDADE SALARIAL. 9. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA
DA REALIDADE SOBRE A FORMA. 10. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE
EMPREGO. 11. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS
65
1 INTRODUÇÃO
No Direito do Trabalho busca-se assegurar ao trabalhador, teoricamente a parte
hipossuficiente da relação de trabalho, o mínimo necessário de direitos almejando-se a
dignidade humana e a justiça social.
Os princípios trabalhistas são o alicerce do direito positivado, podem ter força
normativa, atuando nas lacunas nas quais a lei não regula ou quando considerados de grande
importância são legislados. Normalmente são inseridos no ordenamento jurídico através da
atividade jurisdicional.
2 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO
O princípio da proteção influi em todos os segmentos do Direito Individual do
Trabalho, pois é usado como critério fundamental para orientá-lo. É considerado por Bezerra
Leite(1) como a gênese do Direito do Trabalho , pois estabelece uma igualdade jurídica entre
empregado e empregador, em virtude da superioridade econômica deste diante daquele.
Este princípio tem como peculiaridade, ao invés de inspirar-se num propósito de
igualdade, se estruturar com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, com o
objetivo de proteger o hipossuficiente na relação empregatícia: o trabalhador.
Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras
essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesses obreiros; seus princípios
são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em
vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social
prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a ideia protetivo-retificadora, o Direito
Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente (2).
A definição do princípio de proteção dada por Silva (3) é “... aquele em virtude do
qual o Direito do Trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação
jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridade econômica, hierárquica e
intelectual dos trabalhadores”.
66
O fundamento deste princípio é a própria razão de ser do Direito do Trabalho. O artigo
5º da Carta Magna assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza. No entanto, historicamente o legislador não pode mais manter a ficção de igualdade
existente entre as partes do contrato de trabalho. Assim, o Direito do Trabalho surgiu como
uma consequência da desigualdade existente entre as partes, que é proveniente da liberdade de
contrato e capacidade econômica desiguais que acarretava diferentes formas de exploração.
Portanto, o objetivo do Direito do Trabalho é nivelar as desigualdades que provém do contrato
de trabalho.
O Direito do Trabalho se utiliza de meios para alcançar os objetivos deste princípio.
Silva (4) denomina de “técnicas de proteção”, as quais são usadas com o objetivo de corrigir a
situação de inferioridade do trabalhador. São três espécies:
1ª_ A intervenção do Estado nas relações de trabalho, que se concretiza na edição de
normas e na adoção de outras providências tendentes ao amparo do trabalhador.
2ª_ A negociação coletiva, que consiste em procedimentos destinados à celebração
da convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho, e o dissídio
coletivo.
3ª_ A autotutela, que é a defesa dos interesses do grupo ou do indivíduo mediante o
apelo à ação direta.
Para o jurista Américo Plá Rodriguez (5) o princípio protetivo se expressa sob três
formas distintas:
a)
a regra in dúbio, pro operário. Critério que deve utilizar o juiz ou intérprete
para escolher, entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais
favorável ao trabalhador.
b)
a regra da norma mais favorável determina que, no caso de haver mais de
uma norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que
não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas; e
c)
a regra da condição mais benéfica. Critério pelo qual a aplicação de uma
nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais
favoráveis em que se encontrava um trabalhador.
Para Delgado (6) o princípio tutelar não se desdobra apenas nestas três formas
determinadas por Plá Rodriguez, pois, para o autor este princípio seria inspirador de todo o
complexo de regras, princípios e institutos que compõem esse ramo especializado. Assim, a
tutela obreira e de retificação jurídica desta histórica desigualdade socioeconômica e de poder
entre os sujeitos da relação de emprego se desdobra também em outros princípios especiais do
Direito Individual do Trabalho como, por exemplo, o princípio da imperatividade das normas
67
trabalhistas, o princípio da inalterabilidade contratual lesiva, o princípio da irretroação das
nulidades dentre outros. Todos esses princípios e outros mais também criam, no âmbito de sua
abrangência, uma proteção especial aos interesses contratuais obreiros.
3 PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL
O presente princípio determina que o operador do direito deve optar pela norma mais
favorável ao obreiro. Assim, caso haja mais de uma norma que possa ser aplicada a um
mesmo trabalhador, deve-se optar pela que lhe for mais favorável sem se considerar à
hierarquia das normas. Para Bezerra Leite (7) o direito do trabalho adota a teoria dinâmica da
hierarquia entre as normas trabalhistas, pois no topo da pirâmide normativa não está a
Constituição e sim, a norma mais favorável. Ressalta-se que o art. 7º, caput, da CF
recepcionou o presente princípio: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social...”
Como exemplo, temos o art. 7º, XVI, da Constituição Federal o qual estabelece que a
remuneração do serviço extraordinário será superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do
normal. No entanto, se uma Convenção Coletiva de Trabalho fixar tal adicional num
percentual maior, será esta a norma trabalhista aplicável ao presente caso.
Para Delgado (8) utiliza-se este princípio em três situações: no instante de elaboração
da regra, no contexto de confronto entre as regras concorrentes ou no contexto de
interpretação das regras jurídicas. Possuindo uma visão mais ampla quando se entende que ele
atua, em tríplice dimensão no Direito do Trabalho que é a informadora, a interpretativa ou
normativa e a hierarquizante.
O princípio da norma mais favorável seleciona entre várias normas, independente da
posição, a que contenha disposições mais favoráveis para o trabalhador. Para Silva (9) a
aplicação deste princípio esta condicionada a que se conjuguem os seguintes pressupostos:
a)
68
pluralidade de normas jurídicas;
b)
validade das normas em confronto, que não devem padecer de vícios de
inconstitucionalidade ou ilegalidade (abstraída naturalmente a questão da
conformidade da norma com a hierarquicamente superior);
c)
aplicabilidade das normas concorrentes ao caso concreto;
d)
colisão entre aquelas normas;
e)
maior favorabilidade, para o trabalhador, de uma das normas em cotejo.
Para Silva (10) este princípio encontra fundamento na CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho/Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943) nos arts. 444 e 620.
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação
das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção
ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das
autoridades competentes.
Já o art. 620 da CLT determina que as condições estabelecidas em Convenção quando
mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo.
Bezerra Leite (11) ressalta que este princípio só não será aplicável diante de norma
proibitiva, de ordem pública, imposta pelo Estado. Exemplos: é a hipótese da vedação da
vinculação do salário mínimo para qualquer fim (CF, art. 7º, IV) e a determinação do art. 623,
da CLT, que considera nula a cláusula de convenção ou acordo coletivo que contrarie
proibição ou norma disciplinadora de política econômica-financeira do Governo ou
concernente à política salarial vigente. O C. TST já editou a Súmula 375, segundo a qual, os
“reajustes salariais previstos em norma coletiva de trabalho não prevalecem frente à
legislação superveniente de política salarial”.
O autor segue afirmando que este princípio encontra algumas dificuldades práticas em
relação a incidência das cláusulas previstas em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Nesse sentido, três teorias justificam o critério de aplicação do princípio na hipótese de
conflito entre as normas jurídicas previstas em instrumentos coletivos de autocomposição: a
teoria da acumulação, a teoria do conglobamento e a teoria da incindibilidade dos institutos.
4 PRINCÍPIO DA IMPERATIVIDADE DAS NORMAS TRABALHISTAS
Para Delgado (12) prevalece no segmento juslaborativo o domínio de regras jurídicas
obrigatórias, em detrimento das regras dispositivas. Portanto, as regras justrabalhistas são em
sua maioria imperativas, isto é, não podem de maneira geral ter sua regência contratual
69
afastada pela simples manifestação de vontade das partes. Exemplos de regras dispositivas no
texto da CLT são raros, prevalecendo quase em sua totalidade os preceitos imperativos. Como
exemplo de regra dispositiva temos o art. 472, § 2 da CLT.
Art. 472 - O afastamento do empregado em virtude das exigências do serviço
militar, ou de outro encargo público, não constituirá motivo para alteração ou
rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador.
[...]
§ 2º - Nos contratos por prazo determinado, o tempo de afastamento, se assim
acordarem as partes interessadas, não será computado na contagem do prazo para a
respectiva terminação.
Para Delgado (13) este princípio prevalece a restrição à autonomia de vontade para o
contrato trabalhista, em contraposição ao contrato civil que é regido pela soberania das partes
no ajuste das condições contratuais. Trata-se, portanto, de um instrumento assecuratório
eficaz de garantias fundamentais ao trabalhador, em face do desequilíbrio de poderes inerente
ao contrato de emprego.
A distinção de entre normas imperativas e dispositivas advém do Direito Romano
entre jus congens e jus dispositivum. O jus congens é composto por normas que devem ser
cumpridas independente da vontade das partes, já o jus dispositivum é constituído pelas
normas que se deve cumprir só quando as partes não estabelecerem outra coisa. Para Plá
Rodriguez (14) todas as normas são imperativas, não são simples convites, conselhos ou
recomendações.
5 PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS
O art. 9 da CLT, dispõe que serão nulos de pleno direito os atos praticados com o
objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação
das Leis do Trabalho.
Este princípio impossibilita ao empregado de despojar-se dos direitos, vantagens e
proteções da legislação trabalhista que lhe são concedidos pela ordem jurídica e o contrato.
Para Delgado (15), essa indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se o
principal veículo utilizado pelo Direito Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a
assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego.
70
Cassar (16), afirma que como regra geral não pode o empregado, antes da admissão,
no curso do contrato ou após o término, renunciar ou transacionar seus direitos trabalhistas,
independente de ser de forma expressa ou tácita. Continua a autora afirmando que:
O impedimento tem como fundamento a natureza das normas trabalhistas, que são
de ordem pública, cogentes, imperativas, logo, irrenunciáveis e intransacionáveis
pelo empregado. O art. 9ª da CLT declara como nulo todo ato que vise desvirtuar,
impedir ou fraudar a aplicação dos direitos trabalhistas previstos na lei. Da mesma
forma, o art. 468 da CLT, que considerou nula toda alteração contratual que cause
prejuízo ao trabalhador. Reforçando o entendimento, o art. 444 da CLT autoriza a
criação de outros direitos pela vontade das partes, desde que não contrariem aqueles
previstos na lei e nas normas coletivas.
Alguns doutrinadores utilizam a expressão irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas
para enunciar este princípio. Para Delgado (17), esta expressão não é adequada, pois, não
revela a amplitude do princípio enfocado, posto que renúncia é um ato unilateral e o princípio
examinado vai além de um simples ato unilateral interferindo, também, nos atos bilaterais de
disposição de direitos.
Assim, para a ordem trabalhista, não serão válidas quer a renuncia (CLT, art. 468, 477,
§1, 500 etc), quer a transação que importe objetivamente em prejuízo ao trabalhador. Bezerra
Leite (18) ressalta que a corrente doutrinária dominante não admite a renúncia antes ou
durante o curso do contrato de trabalho, sendo mais aceita a renúncia posterior à extinção do
mesmo. Segue o autor afirmando que não se deve confundir renuncia e transação. A renuncia
diz respeito a direito já reconhecido, inquestionável, restando absolutamente claro que o
renunciante está abrindo mão de algo que lhe pertence em troca de nada. Já a transação,
presume a controvérsia, a dúvida, a incerteza do direito, cabendo cada parte abrir mão de algo
que supõe lhe pertencer.
Cassar (19) resume as seis correntes que tratam sobre renúncia e transação dos direitos
trabalhistas:
a) A primeira defende que não poderá haver renúncia e transação quanto aos direitos
previstos em lei, salvo quando a própria lei autorizar, mas não haverá óbice àqueles de caráter
privado, seja de forma individual ou coletiva.
71
b) O segundo entendimento não admite haver renúncia e transação aos direitos
previstos em lei, salvo quando a própria lei autorizar, e quanto àqueles previstos em norma de
ordem privada a alteração só poderá ocorrer se não causar prejuízo ao trabalhador, salvo
disposição legal. Cassar defende essa posição.
c) A terceira posição é no sentido de classificar os direitos trabalhistas em direitos de
indisponibilidade absoluta ou de indisponibilidade relativa. O problema desta corrente é que
cada autor conceitua de forma diferente quais são os direitos de indisponibilidade absoluta e
aqueles de indisponibilidade relativa. De qualquer forma, os de indisponibilidade absoluta não
podem ser transacionados (ou renunciados), enquanto os de indisponibilidade relativa, sim.
d) A quarta vertente é no sentido de que tudo é possível através de norma coletiva, em
face da flexibilização autorizada pela Carta/88. Quem a defende afirma que, se a Constituição
permitiu o mais, que é a redução salarial pela via negocial, o menos está automaticamente
autorizado.
e) A quinta tese, minoritária, sustenta que se o trabalhador pode renunciar seus direitos
em juízo, ou seja, perante um juiz do trabalho, qualquer renúncia é válida. Todavia, os
defensores desta posição não estabelecem se até mesmo os direitos indisponíveis (previstos na
Carta e nas leis trabalhistas) podem ser objeto de renúncia.
f) A sexta e última corrente relaciona-se aos conflitos entre acordo e convenção
coletiva. Alguns advogam que o acordo coletivo sempre prevalece sobre a convenção, seja
porque efetuado entre empresa e o sindicato dos empregados (critério da especialização), pois,
vislumbra os problemas enfrentados individualmente por aquela empresa; seja porque o
acordo, quando cronologicamente posterior à convenção, demonstra que a empresa
empregadora não tem condições de garantir as vantagens previstas na convenção,
flexibilizando esses direitos (critério cronológico). Para quem defende esta tese, o acordo
pode até prevalecer sobre a lei ou sentença normativa, mesmo que o sindicato que representa
o empregador tenha sido parte dissidente.
6 PRINCÍPIO DA CONDIÇÃO MAIS BENÉFICA
72
Este princípio vem preservar e garantir ao trabalhador que uma utilidade ou tratamento
que lhe seja incorporado ao contrato de trabalho como cláusula contratual se perpetue como
direito adquirido.
Assim, toda situação mais vantajosa em que o empregado se encontre habitualmente
prevalece sobre a situação anterior, seja oriunda de lei, do contrato, regimento interno ou
norma coletiva. Portanto, todo tratamento favorável ao trabalhador, seja concedido
tacitamente ou de modo habitual, deve prevalecer e incorporar-se ao patrimônio do
trabalhador como cláusula tacitamente ajustada (20).
O art.468 da CLT aborda o tema:
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita à alteração das
respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não
resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da
cláusula infringente desta garantia.
Delgado (21) afirma que este princípio informa que as cláusulas contratuais benéficas
somente poderão ser retiradas se cláusulas posteriores mais favoráveis forem aplicadas ao
contrato do trabalhador, remete ao art. 468 da CLT e as Súmulas 51, I e 288 do TST.
Para Cassar (22) estas utilidades ou tratamento só serão considerados mais benéficos
ao trabalhador se não ferirem as regras gerais do Direito do Trabalho, seus princípios e bons
costumes, de forma que não cause prejuízos diretos ou indiretos ao empregado. Ressalva que
nem sempre é fácil distinguir o que é bom ao trabalhador, pois a análise do caso concreto
pode perpassar por fundamentos diversos, ou seja, se a condição é realmente benéfica para o
trabalhador ou não. O interprete deve levar em conta o bem estar do empregado de acordo
com as normas de direito e não suas preferências pessoais, isto é, o bem estar do empregado é
tudo que proteja a saúde mental, física, biológica e social. Assim, cigarros e bebidas
alcoólicas jamais se incorporarão ao contrato de trabalho.
Plá Rodriguez (23) traz as consequências da aplicação prática desta regra da condição
mais benéfica segundo Alonso Garcia:
73
1)
quando se estabelecer uma regulamentação ou disposição de caráter geral,
aplicável a todo um conjunto de situações trabalhistas, estas ficarão alteradas em
suas condições anteriores, desde que não sejam mais benéficas ao trabalhador do
que as recentemente estabelecidas; e
2)
salvo disposição expressa em contrário, a nova regulamentação deverá
respeitar, como situações concretas reconhecidas em favor do trabalhador, ou
trabalhadores interessados, as condições que lhes resultem mais benéficas do que as
estabelecidas para a matéria ou matérias tratadas – ou em seu conjunto – pela nova
regulamentação.
Plá Rodriguez (24) ressalta outro ponto relevante mencionado por outro autor
espanhol – De La Lama Rivera - o de que quais as condições mais benéficas que devem ser
respeitadas. Pontua que só devem ser consideradas condições mais benéficas àquelas que
tiverem sido estabelecidas com tal caráter, de forma definitiva. Portanto, o que tiver caráter
provisório não pode ser invocado, pois, assim se estaria respeitando melhor a intenção das
partes, caso contrário seria ocasionado dois tipos de inconvenientes: um econômico,
provocando um encargo muito pesado para a empresa, que pode não estar em condição de
suportar o peso do encargo; outro é psicológico, ocasionando fator de retração para a outorga
de outras vantagens ou benefícios o fato de que qualquer vantagem que se outorgue, mesmo
transitória, deve converter-se em inalterável.
Assim, existiriam duas espécies de condições favoráveis: uma é aquelas que produzem
efeitos legais, sendo juridicamente exigível seu cumprimento, por se tratarem de fontes de
direitos subjetivos; a outra são as de cumprimento inexigível por estarem baseadas na
liberalidade do empresário, não criando direito subjetivo, por não ser esta a vontade do
mesmo.
Portanto, se pelos fatos fica demonstrado que se tratava de um beneficio transitório,
uma vez que finalizou a situação que lhe deu origem pode ser tornado sem efeito. No entanto,
se o benefício se prolongou além da situação originária, ou se não estiver ligado a nenhuma
situação transitória especial, se conclui que se trata de uma condição mais benéfica devendo
ser respeitada. Percebe-se que não se trata de nomes, denominações nem intenções, mas de
uma interpretação racional da realidade.
7 PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE CONTRATUAL LESIVA
74
Para Delgado (25) o princípio da inalterabilidade contratual lesiva é especial do
Direito do Trabalho. No entanto, a sua origem é inspirada no princípio geral do Direito Civil
da inalterabilidade dos contratos. A partir de seu ingresso no Direito do Trabalho, sofreu
modificações substantivas tornando-se hoje, após tais mudanças, mais correto enfatizar-se a
especificidade trabalhista do que a própria matriz primitiva do princípio.
Delgado continua pontuando que um dos mais importantes princípios gerais do direito
que foi importado pelo ramo justrabalhista é o da inalterabilidade dos contratos, que se
expressa, no estuário civilista originário, pelo conhecido aforisma pacta sunt servanda ("os
pactos devem ser cumpridos"). Informa tal princípio, em sua matriz civilista, que as
convenções firmadas pelas partes não podem ser unilateralmente modificadas no curso do
prazo de sua vigência, impondo-se seu fiel cumprimento de suas regras pelos pactuantes.
Afirma que esse princípio jurídico geral (pacta sunt servanda) já sofreu claras
atenuações no próprio âmbito do Direito Civil, através da fórmula rebus sic stantibus. Por
essa fórmula atenuadora, a inalterabilidade unilateral deixou de ser absoluta, podendo ser
suplantada por uma compatível retificação das cláusulas do contrato ao longo de seu
andamento.
Também no Direito do Trabalho o contrato faz lei entre as partes. Entretanto, a livre
manifestação de vontade é mitigada, pois a autonomia das partes, ao ajustarem as
cláusulas contratuais, está vinculada aos limites da lei. Conclui-se, pois, que as
partes podem pactuar cláusulas iguais ou melhores (para o empregado) que a lei,
mas nunca contra a lei ou as normas coletivas vigentes (art. 444 da CLT).
Como consequência lógica do princípio da proteção, a CLT veda a alteração, mesmo
que bilateral, quando prejudicial ao empregado (art. 468 da CLT). É válida, pois,
qualquer alteração unilateral ou bilateral, que não cause prejuízo ao trabalhador,
como aumento salarial ou redução da jornada, por exemplo.(26)
Este princípio sofreu forte e complexa adequação ao ingressar no Direito do Trabalho,
tanto que passou a se melhor enunciar, aqui, através de uma diretriz específica, a da
inalterabilidade contratual lesiva.
Em primeiro lugar, a noção genérica de inalterabilidade perde-se no ramo
justrabalhista. É que o Direito do Trabalho não contingencia - ao contrário, incentiva
- as alterações contratuais favoráveis ao empregado; estas tendem a ser naturalmente
permitidas (art. 468, CLT).
75
Em segundo lugar, a noção de inalterabilidade torna-se sumamente rigorosa caso
contraposta a alterações desfavoráveis ao trabalhador - que tendem a ser vedadas
pela normatividade justrabalhista (arts. 444 e 468, CLT).
Em terceiro lugar, a atenuação civilista da fórmula rebus sic stantibus (atenuação
muito importante no Direito Civil) tende a ser genericamente rejeitada pelo Direito
do Trabalho. (27)
Delgado (28) explica que este ramo jurídico especializado coloca sob ônus do
empregador os riscos do empreendimento (art. 2º, caput, CLT), independentemente do
sucesso ou insucesso que possa se abater sobre este. As obrigações trabalhistas empresariais
preservam-se intocadas ainda que a atividade econômica tenha obtido revezes em virtude de
fatos externos à atuação do empregador. Ressalta-se que os fatores relevantes como a crise
econômica geral ou a crise específica de certo segmento, mudanças drásticas na política
industrial do Estado ou em sua política cambial que afetam a atividade da empresa não são
acolhidos como excludentes ou atenuantes da responsabilidade trabalhista do empregador.
Delgado ainda pontua que, não obstante o critério geral do art. 2º da CLT e a
interpretação jurisprudencial referida em relação ao favor da assunção empresarial dos riscos
econômicos, é inquestionável que a legislação trabalhista tendeu, em certo momento histórico,
a incorporar certos aspectos da fórmula rebus sic stantibus, reduzindo, assim, os riscos
trabalhistas do empregador, como exemplo, o artigo 503 da CLT que autorizava a "redução
geral dos salários dos empregados da empresa" em casos de "prejuízos devidamente
comprovados".
A Lei 4.923, de 1965, também veio permitir a redução salarial obreira em situações
objetivas adversas do mercado para o empregador, deferindo, a este, meios judiciais para
alcance de sua pretensão reducionista. Dispõe, também, a Constituição de 1988 ao fixar a
regra geral da irredutibilidade do salário, uma ressalva, “salvo o disposto em convenção ou
acordo coletivo" (art. 7º, VI, CF/88). Com essa, derrogou-se tais normas permissivas
condicionando quaisquer condutas de redução salarial à negociação coletiva sindical (arts. 7º,
VI, e 8º, VI, CF/88).
Assim, pode-se falar na existência de um princípio especial trabalhista, o da
inalterabilidade contratual lesiva, apesar de não ser absoluta a vedação às alterações lesivas do
contrato de trabalho, posto que, afora as situações inerentes ao chamado jus variandi ordinário
empresarial que englobariam mudanças de menor importância, não chegando a atingir
76
efetivas cláusulas do pacto entre as partes, haveria certas modificações lesivas autorizadas
implícita ou explicitamente por lei, como exemplo o parágrafo único do art. 468 da CLT ou
franqueadas pela ordem jurídica à própria norma coletiva negociada (art. 7º, VI, CF/88).
É salutar tecer comentários à intangibilidade contratual objetiva, visto que acentuaria
que o conteúdo do contrato empregatício não poderia ser modificado (como já ressaltado pelo
princípio da inalterabilidade contratual lesiva) mesmo que ocorresse efetiva mudança no
plano do sujeito empresarial. Assim, a mudança subjetiva perpetrada quanto ao sujeitoempregador não seria apta a produzir mudança no corpo do contrato, isto é, em seus direitos e
obrigações, inclusive passados. Aqui a sucessão trabalhista (art. 10 e art 448, CLT), também
conhecida como alteração subjetiva do contrato de trabalho, desde que a mudança envolvesse
apenas o sujeito-empregador, o contrato de trabalho seria intangível, do ponto de vista
objetivo, embora mutável do ponto de vista subjetivo.
8 PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE SALARIAL E DA IRREDUTIBILIDADE
SALARIAL
Este princípio é apresentado no art. 7º, VI, da Constituição Federal de 1988 e no art.
468 da CLT. Cassar (29), conceitua como sendo o princípio da intangibilidade a proteção dos
salários contra descontos não previstos em lei. Este princípio veio proteger o salário dos
trabalhadores contra seus credores, configurando como exceção o pagamento de pensão
alimentícia, a dedução de imposto de renda, contribuição previdenciária, contribuição
sindical, empréstimos bancários, utilidades e outros.
Delgado (30) esclarece que o princípio da intangibilidade dos salários define que esta
parcela justrabalhista merece garantias diversificadas da ordem jurídica, de modo a assegurar
seu valor, montante e disponibilidade em benefício do empregado, pelo fato de considerar-se
ter o salário caráter alimentar, atendendo as necessidades essenciais do ser humano.
A noção de natureza alimentar é simbólica, é claro. Ela parte do suposto socialmente correto, em regra - de que a pessoa física que vive fundamentalmente de
seu trabalho empregatício proverá suas necessidades básicas de indivíduo e de
membro de uma comunidade familiar (alimentação, moradia, educação, saúde,
77
transporte, etc.) com o ganho advindo desse trabalho: seu salário. A essencialidade
dos bens a que se destinam o salário do empregado, por suposto, é que induz à
criação de garantias fortes e diversificadas em torno da figura econômico-jurídica.
A força desse princípio não está, contudo, somente estribada no Direito do
Trabalho, porém nas relações que mantém com o plano externo (e mais alto) do
universo jurídico. De fato, o presente princípio laborativo especial ata-se até mesmo
a um princípio jurídico geral de grande relevo, com sede na Constituição: o princípio
da dignidade da pessoa humana. (31)
Delgado (32) afirmar que considera este princípio jurídico o maior e mais abrangente e
que o trabalho é o mais importante meio de realização e afirmação do ser humano, sendo o
salário a contrapartida econômica dessa afirmação e realização. Frise-se que o
reconhecimento social pelo trabalho não se resume ao salário, já que envolve outras
dimensões como à ética, à cultura, às múltiplas faces do poder, ao prestígio comunitário, etc.
Assim, garantir juridicamente o salário em contextos de contraposição de outros interesses e
valores é estar harmonizado com o próprio princípio da dignidade do ser humano.
Ressalta-se que a contraprestação recebida pelo trabalhador pode ser paga em pecúnia
ou in natura, não podendo ser reduzida, salvo em caso de acordo coletivo ou convenção
coletiva, isto se deve que o trabalhador tem que manter sua estabilidade econômica, não
podendo ficar sujeito às oscilações salariais. Sublinhe-se que a irredutibilidade salarial se
aplica apenas ao valor real e nominal do salário, não se incluindo aí as reduções salariais
advindas de inflação, aplicação de índices oficiais de correção monetária, planos econômicos,
entre outros. (33)
O atual princípio justrabalhista projeta-se em distintas direções: garantia do valor do
salário; garantias contra mudanças contratuais e normativas que provoquem a
redução do salário (aqui o princípio especial examinado se identifica pela expressão
princípio da irredutibilidade salarial, englobando-se também, de certo modo, no
princípio da inalterabilidade contratual lesiva); garantias contra práticas que
prejudiquem seu efetivo montante - trata-se dos problemas jurídicos envolventes aos
descontos no salário do empregado (o princípio aqui também tende a se
particularizar em uma denominação diferente: princípio da integralidade salarial);
finalmente, garantias contra interesses contrapostos de credores diversos, sejam do
empregador, sejam do próprio empregado. (34)
Portanto, boa parte do conteúdo do presente princípio já se encontra normatizado, isto
é, já se concretizou em distintas regras legais integrantes do Direito do Trabalho do país
passando a ser, praticamente, um estudo de dogmática jurídica.
78
9 PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE SOBRE A FORMA
Para o princípio da primazia da realidade prevalecem os fatos reais sobre as formas, o
que importa é o que realmente aconteceu. Este princípio, também chamado de contrato
realidade, amplia a noção de que o jurista, no examinar os fatos, atenha-se mais a intenção
dos agentes do que no envoltório formal que transpareceu a vontade. Para Plá Rodriguez (35)
significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de
documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno
dos fatos.
Cassar (36) alerta que este princípio tem por objetivo proteger o trabalhador, já que
seu empregador poderia, com certa facilidade, obrigá-lo a assinar documentos contrários aos
fatos e aos seus interesses. Posto que, ante o estado de sujeição que o empregado se encontra
submetido durante o contrato de trabalho, por vezes acontece de submeter-se às ordens do
empregador, mesmo que contra sua vontade.
Plá Rodriguez (37) determina que há diversas causas do desajuste entre a realidade e
os documentos, entre eles:
1)
resultar de uma intenção deliberada de fingir ou simular uma situação jurídica
distinta da real. É o que se costuma chamar de simulação. É muito difícil conceber
casos de simulação absoluta na qual se pretenda apresentar um contrato de trabalho,
quando na realidade não exista nada. Ao contrário, o mais frequente é o caso das
simulações relativas, nas quais se dissimula o contrato real, substituindo-o
ficticiamente por um contrato diverso. As diferenças entre o contrato simulado e o
efetivo podem versar sobre todos os aspectos: as partes, as tarefas, os horários, as
retribuições, etc. Nesta categoria se pode fazer outra grande distinção entre as
simulações acordadas bilateralmente e as impostas ou dispostas unilateralmente por
uma parte, com toda a variadíssima gama de matizes intermediários;
2)
provir de um erro. Esse erro geralmente recai na qualificação do trabalhador e
pode estar mais ou menos contaminado de elementos intencionais derivados da falta
de consulta adequada ou oportuna. Também essa situação equívoca se pode atribuir
a erro imputável a ambas as partes ou a uma só delas;
3)
derivar de uma falta de atualização dos dados. O contrato de trabalho é um
contrato dinâmico no qual vão constantemente mudando as condições da prestação
dos serviços. Para que os documentos reflitam fielmente todas as modificações
produzidas, devem ser permanentemente atualizadas. Qualquer omissão ou atraso
determina um desajuste entre o que surge dos elementos formais e o que resulta da
realidade; e
79
4)
originar-se da falta de cumprimento de requisitos formais. Algumas vezes,
para ingressar ou ter acesso a um estabelecimento, requer-se a formalidade da
nomeação por parte de determinado órgão da empresa ou o cumprimento de
qualquer outro requisito que haja omitido. Em tais casos, também o que ocorre na
prática importa mais do que a formalidade.
Nas quatro hipóteses apresentadas os fatos primam sobre as formas.
Para Delgado (38), a prática habitual altera o contrato pactuado, gerando direitos e
obrigações novos às partes contratantes.
Afirma que o conteúdo do contrato não se
circunscreve ao transposto no documento escrito, incorporando amplamente todos os matizes
lançados pelo cotidiano da prestação de serviços. Exemplifica ser possível uma
descaracterização de uma pactuação civil de prestação de serviços, desde que no cumprimento
do contrato despontem, claramente e concretamente, todos os elementos fático-jurídicos da
relação de emprego: trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade,
onerosidade e sob subordinação.
Cassar (39) apresenta duas controvérsias ao presente princípio. A primeira diz respeito
a como o intérprete deve se posicionar quando o princípio violar lei. Afirma que a solução
esta na ponderação entre o interesse do trabalhador e o interesse da sociedade, devendo ser
valorado o interesse que se coadune com a função social do direito. Portanto, não se coaduna
com a visão do Judiciário permitir que o direito seja aplicado quando constituir crime, violar
ética, a moralidade e os bons costumes, como exemplo não deve ser permitido o exercício
ilegal da profissão. A segunda controvérsia surge quando o princípio é utilizado de forma
contrária ao trabalhador. Cassar afirma que há doutrinadores que entendem que este princípio
deve prevalecer em qualquer situação prevista em lei, mesmo que esteja de encontro aos
interesses do empregado. Já outros defendem que por este princípio ser espécie do gênero
princípio da proteção do trabalhador, não poderá ser aplicado em detrimento do empregado.
10 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO
A natureza humana impulsiona o homem na busca do equilíbrio e da estabilidade de
suas relações dentro da sociedade, por isso que a relação de emprego tende a ser duradoura. O
empregado quando aceita um emprego pretende nele permanecer por tempo indeterminado.
Assim, a exceção é o contrato a termo, devendo ser expresso (art. 29 da CLT) e não havendo
prova do ajuste de vigência do pacto, a presunção é de que o contrato de trabalho seja
80
indeterminado. De acordo com a súmula 212 do TST o ônus de provar a data e o motivo da
extinção do pacto trabalhista é do empregador. (40)
Para Silva (41), “o princípio da continuidade é aquele em virtude do qual o contrato de
trabalho perdura até que sobrevenham circunstâncias previstas pelas partes ou em lei como
idôneas para fazê-lo cessar.” Estas circunstancias podem ser um pedido de demissão, uma
despedida ou um termo.
Plá Rodriguez (42) afirma que este princípio esta estabelecido em favor do trabalhador
e em razão disso pode não ser invocado nem exercido por este caso assim deseje. Como
também o empregador não pode invocar este princípio para se opor a renuncia ou ao
abandono do emprego pelo trabalhador salvo no caso dos contratos de prazo determinado e na
medida em que a solvência econômica do trabalhador empreste algum significado prático à
responsabilidade em que possa vir a incorrer, em todos os demais casos o trabalhador está
livre para denunciar o contrato e deixar de trabalhar.
Embora tudo isso seja certo, é indubitável que, mesmo estabelecido em benefício
exclusivo do trabalhador, o maior prolongamento da permanência deste na empresa
redunda também em beneficio do empregador. Não somente pela condição psíquica
do trabalhador, mas também pela maior experiência e conhecimentos que se
adquirem com o transcurso dos anos e que, definitivamente, beneficiam os
empregadores. Há que se acrescentar ainda a vantagem que significa o fato de não
estar experimentando e ensinando novos trabalhadores, com a sequela inevitável de
erros, fracassos, prejuízos e perda de tempo. (43)
Por isso assevera o Plá Rodriguez (44) que se premie a antiguidade, posto que
representa um valor e uma utilidade para a própria empresa.
Pondera Delgado (45) que este princípio perdeu parte significativa de sua força com a
introdução do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) no Brasil, em 1967(Lei n.
5.107/66), desprestigiando o sistema estabilitário e indenizatório que vigorava na CLT. A
nova lei passou a permitir, no momento da admissão, uma opção pelo sistema do Fundo, que
se tornou na prática uma tendência dominante e tempos depois é eliminada a opção e o FGTS
é incorporado aos direitos trabalhistas. Aduz que o sistema do FGTS transformou a dispensa
sem justa causa em verdadeiro ato potestativo do empregador, frustrando o incentivo à
permanência do pacto.
Pontua que a Constituição de 1988 inclinou-se a reinserir o princípio da continuidade
da relação empregatícia
em patamar de relevância jurídica. Assim, afastou a anterior
incompatibilidade do instituto do FGTS com qualquer eventual sistema de garantias jurídicas
de permanência do trabalhador no emprego: afastamento implementado ao estender o Fundo a
81
todo e qualquer empregado (art. 7º, III, CF/88, exceto o doméstico); fixou a regra da relação
de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei
complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos (art.7º,I, CF/88)
e a ideia de aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, nos termos da lei (art. 7º, XXI,
CF/88).
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desta reflexão fica evidente a importância do aprofundamento do estudo dos
princípios trabalhistas. Os princípios inspiram a criação das normas, são o alicerce do direito,
embasam as decisões jurisdicionais e buscam a correta compreensão e interpretação da
ciência do direito em prol da Justiça Social. No Direito do Trabalho busca-se assegurar ao
trabalhador, teoricamente a parte hipossuficiente da relação de trabalho, o mínimo necessário
de direitos almejando-se a dignidade humana e a justiça social. Os princípios, encarados como
alicerce do direito positivado tem força normativa atuando principalmente, nas lacunas legais
sendo inseridos no ordenamento jurídico através da atividade jurisdicional. Observa-se que
princípio da proteção influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, pois
utilizado como fundamento de orientação na tentativa de estabelecer igualdade jurídica entre
empregado e empregador inspirando não apenas propósito de igualdade mas uma estrutura de
regras, institutos e presunções próprias com o objetivo de proteger o hipossuficiente na
relação assimétrica de poder.
NOTAS
(1) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho.4 ed. Curitiba: Juruá, 2013, p.79.
(2) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 196.
(3) SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Princípiologia do Direito do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 29.
(4) SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Princípiologia do Direito do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 30.
(5) PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 107
(6) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 197.
(7) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho.4 ed. Curitiba: Juruá, 2013, p. 80.
(8) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 197.
(9) SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Princípiologia do Direito do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1999, p.6667.
(10) SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Princípiologia do Direito do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1999, p.
66-67.
(11) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho.4 ed. Curitiba: Juruá, 2013, p. 80.
(12) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 199.
(13) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 199.
(14) PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 148
(15) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 199/200.
(16) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 210.
(17) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 200.
(18) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho.4 ed. Curitiba: Juruá, 2013, p. 86.
82
(19) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 217/218.
(20) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 176.
(21) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 200/201.
(22) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 177.
(23) PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 137.
(24) PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 138-139.
(25) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 201.
(26) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 207.
(27) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 202.
(28) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 202.
(29) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 195.
(30) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 204.
(31) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 204.
(32) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 204.
(33) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 195.
(34) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 205.
(35) PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 339.
(36) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 192.
(37) PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 351-353
(38) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 206.
(39) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 193.
(40) CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 196.
(41) SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Princípiologia do Direito do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1999, p.
144-145.
(42) PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 244.
(43) PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 245.
(44) PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 245.
(45) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 207.
REFERÊNCIAS
CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13 ed. São Paulo: LTr, 2014.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho.4 ed. Curitiba: Juruá, 2013.
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000.
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Princípiologia do Direito do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1999.
83
84
ASSÉDIO MORAL NA CATEGORIA BANCÁRIA: As consequências para
saúde dos bancários
Nayara Figueiredo de Negreiros
RESUMO
A Constituição Federal garante a proteção da dignidade da pessoa humana em todos os setores da vida privada,
inclusive o direito ao trabalho livre e a condições mínimas de um ambiente saudável. O assédio moral no
trabalho é a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, de forma reiterada. Tem-se
observado o aumento dessa prática nociva nos ambientes de trabalho, inclusive nas agências bancárias, foco
dessa pesquisa. Essa exposição acarreta danos à saúde mental e fisiológica das vítimas, tornando inegável o nexo
de causalidade entre essas situações degradantes e o crescente número de afastamento por licença-saúde das
atividades laborais. Esse trabalho analisou as conseqüências do assédio moral dentro da categoria bancária para a
vida e saúde dos bancários, demonstrando a importância do combate a essa prática e a urgência em se reverter
esse quadro, sugerindo medidas preventivas de combate a esse mal e ressaltando o alto custo dessa conduta, não
só para o governo, a iniciativa privada, mas principalmente para a vida do funcionário.
PALAVRAS-CHAVE: Assédio. Saúde. Banco.
ABSTRAT
La Constitución brasileña garantiza la protección de la dignidad humana en todos los sectores de la vida privada ,
incluido el derecho al trabajo libre y las condiciones mínimas para un medio ambiente sano . Acoso moral en el
trabajo es la exposición de los trabajadores a situaciones humillantes y vergonzosas en varias ocasiones. Se ha
observado que el aumento de la práctica nociva en el lugar de trabajo, incluyendo los bancos , el enfoque de esta
investigación. Esta exposición resulta en daños a la salud mental y fisiológica de las víctimas , por lo que la
relación causal innegable entre estas situaciones degradantes y el creciente número de remoción por la licencia
por enfermedad de las actividades laborales . Este estudio examinó las consecuencias del maltrato entre iguales
en la categoría de banca para la vida y la salud de la banca , lo que demuestra la importancia de la lucha contra
esta práctica y urgente necesidad de revertir esta situación , lo que sugiere medidas preventivas para luchar
contra este mal, destacando el alto costo de tales realizar , no sólo para el gobierno, el sector privado , pero sobre
todo por la vida del empleado.
PALABRAS CLAVE: Acoso. Salud. Banco
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 3 ASSÉDIO MORAL. 3.1
ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO. 3.2 STRAINING. 4 AS CONSEQUÊNCIAS DO
ASSÉDIO MORAL PARA A SAÚDE DOS BANCÁRIOS. 4.1 ASPECTOS GERAIS. 4.2 O ASSÉDIO
MORAL NA CATEGORIA BANCÁRIA E AS CONSEQÜÊNCIAS PARA A SAÚDE DOS BANCÁRIOS. 5
CONCLUSÃO
1 INTRODUÇÃO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, os direitos e garantias fundamentais
passaram a ter mais destaque e respaldo perante a sociedade brasileira, como a vida, a
dignidade, a imagem, a igualdade no tratamento e, inclusive, o direito ao trabalho.

Advogada, com formação pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina – CEUT, pós-graduanda em Direito
Previdenciário.
85
Do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Magna Carta brasileira,
extrai-se de seu bojo a proteção contra abusos e excessos do poder do Estado, fixando as
condições mínimas de vida e de desenvolvimento da personalidade humana.
Esse princípio esbarra na realidade vivenciada por muitas pessoas, vítimas de assédio
moral, muito embora o assédio moral possa ocorrer em qualquer ambiente onde se
estabeleçam relações interpessoais – família, escola, clube, associação entre outros – a
abordagem deste trabalho ficará adstrita ao assédio moral vertical nas relações de trabalho,
onde há subordinação aos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Essa violência velada constitui-se na reiteração de práticas constrangedoras ou
vexatórias, quando, geralmente pessoas que exercem função de liderança, abusam da
autoridade que recebem e interferem negativamente na vida profissional dos seus
subordinados. São atitudes contínuas, que atingem a auto-estima e reduzem a capacidade de
reagir, fazendo o indivíduo assediado duvidar de si e de sua competência. Não é uma doença,
mas propicia o surgimento de conseqüências nefastas à saúde do trabalhador, dentre elas as
psicopatologias, responsáveis pela maioria dos afastamentos no trabalho.
A prática do assédio moral vem, durante séculos, mantendo-se silenciosa, mascarada,
quase invisível; todavia, não há mais como ignorar o seu potencial de destruição, pois, mesmo
sem qualquer gesto brutal, aniquila as suas vítimas, de forma gradativa e imperceptível,
levando-as ao desajuste e à desarmonia. Por isso tem ocupado, com muita ênfase, as pautas
sindicais e é uma preocupação constante dos trabalhadores de todas as categorias
profissionais, inclusive dos bancários.
Dentro deste contexto, destaca-se o relevante crescimento de denúncias sobre assédio
moral nas instituições bancárias. Essas instituições estão, cada vez mais, investindo no
crescimento econômico e esquecendo-se do desenvolvimento e bem-estar dos funcionários. O
lucro nunca foi tão visado. As metas estão mais ousadas e difíceis de serem atingidas.
O objetivo do presente trabalho é analisar o tema Assédio Moral na categoria bancária,
bem como suas nuances, destacando-se o straining, e as conseqüências para a saúde física e
mental dos bancários, demonstrando o quão nocivo essa prática pode ser para a vida familiar,
social e profissional dos colaboradores. Ressalta, ainda, a urgente necessidade de se coibir
essa conduta, prevenindo-se os danos.
O trabalho está divido em cinco tópicos que aborda desde a proteção da dignidade da
pessoa humana pelo ordenamento jurídico, tratando posteriormente do conceito e tipos de
assédio moral, destacando-se o ambiente de trabalho bancário e ressaltando as conseqüências
86
para a saúde dos funcionários. Restando demonstrada a importância do tema, finaliza-se
trazendo o enfoque jurídico do problema, sugerindo medidas preventivas e meios de combater
essa prática.
Essa pesquisa foi desenvolvida através do método dedutivo e de um estudo teóricoempírico, embasando-se em dados secundários, pesquisas bibliográficas, resenhas, resumos de
livros, revistas e artigos sobre o assunto, e ações judiciais decorrentes de assédio moral, bem
como o posicionamento dos tribunais brasileiros sobre casos concretos, a opinião de
psicólogos e profissionais da área sobre as conseqüências da prática do assédio moral dentro
do trabalho para vida profissional e pessoal dos funcionários molestados, destacando-se o
olhar clínico-jurídico da importância do tema para a sociedade.
2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O direito ampara o ser humano desde o momento em que é concebido e enquanto
nascituro. Protege a liberdade, a integridade física e moral. Prevê e disciplina as
conseqüências patrimoniais e penais da violação de seus direitos. Define sua atividade
profissional. Encontra-se a origem do direito na própria natureza do homem, havido como ser
social. E é para proteger a personalidade deste ser e disciplinar-lhe sua atividade, dentro do
todo social de que faz parte, que o direito procura estabelecer, entre os homens, uma
proporção tendente a criar e a manter a harmonia da sociedade, conforme leciona Raó (1999).
O direito equaciona a vida social, atribuindo aos seres humanos, que a constitui, uma
reciprocidade de poderes, ou faculdades, e de deveres ou obrigações. Por esse modo, o limite
do direito de cada um é o direito dos outros e todos esses direitos são respeitados, por força
dos deveres, que lhes correspondem, diz Raó (1999).
Hodiernamente, o Estado Democrático de Direito brasileiro, após seu histórico
constitucional, promulgou em 1988 a Constituição Federal, Carta Maior do ordenamento
jurídico, dando ampla proteção aos princípios que norteiam o homem, bem como a garantia a
direitos fundamentais, destacando-se de seu bojo o princípio da dignidade da pessoa humana,
norte maior para a vida em sociedade.
O Princípio da dignidade da pessoa humana é composto por valores morais e
espirituais intrínsecos à pessoa do ser humano. Abrange um pluralismo de valores
considerados no meio social, adequando a realidade e a modernização da sociedade com a
evolução e as tendências modernas das necessidades do ser humano. Desta forma, preceitua
Sarlet (2007, p.62) ao conceituar a dignidade da pessoa humana:
87
[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de
cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte
do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos.
Lembrando o filósofo Immanuel Kant, “o homem é um fim em si mesmo”, e por isso
tem valor absoluto, não podendo ser utilizado como meio, como instrumento, tendo, portanto,
dignidade. A moralidade significa a libertação do homem e o constitui como ser livre.
Com o fim da primeira Guerra Mundial, criou-se a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), órgão de grande contribuição para o Direito do Trabalho, em sua Declaração
da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seus seguimentos, defende:
[...] com o objetivo de manter o vínculo entre progresso social e crescimento
econômico, a garantia dos princípios e direitos fundamentais no trabalho reveste
uma importância e um significado especiais ao assegurar aos próprios interessados a
possibilidade de reivindicar livremente e em igualdade de oportunidades, uma
participação justa nas riquezas a cuja criação têm contribuído, assim como a de
desenvolver plenamente seu potencial humano [...] (OIT, 1998, p.01)
Desta forma, observa-se a importância de se assegurar ao homem o direito ao trabalho
digno e livre, pois este o enaltece, como o próprio Cristianismo pregava, muito embora Cristo
priorizasse os bens espirituais, deixava claro que o homem precisava conquistar seu alimento
através de suas próprias mãos, com esforço e honestidade. No entanto, a evolução da
economia mundial trouxe consigo o pensamento capitalista baseado no lucro e produção em
massa.
O princípio da dignidade da pessoa humana tem vasta aplicação na seara trabalhista,
focando-se na valorização do homem, na condição de cidadão brasileiro, enquanto
trabalhador. Assim, nos processos de elaboração, aplicação e integração do ordenamento
jurídico, este deve ser fonte inesgotável à qual deve recorrer todo legislador e operador
jurídico.
Por sua vez, tal princípio possui inquestionável força normativa, configurando-se,
verdadeiro comando deôntico de conduta, a regular todas as relações intersubjetivas
disciplinadas pelo Direito, inclusive na seara trabalhista. No Direito do Trabalho, como
corolário desta norma-princípio fundamental, as relações jurídico-trabalhistas devem sempre
preservar e resguardar a dignidade da pessoa humana do trabalhador.
88
3 ASSÉDIO MORAL
O assédio moral também é chamado de bossing, mobbing, bullying, harcèlement,
manipulação perversa, terrorismo psicológico e psicoterrorismo, correspondendo a exposição
do indivíduo a situações humilhantes e constrangedoras reiteradas, quer seja por seu superior
hierárquico, por colegas de trabalho, quer seja na vida íntima e familiar.
Para a psiquiatra Hirigoyen (2007, p.19), a perversidade está inserida no cotidiano das
pessoas:
Pequenos atos perversos são tão corriqueiros que parecem normais. Começam com
uma simples falta de respeito, uma mentira ou uma manipulação. Não achamos isso
insuportável, a menos que sejamos diretamente atingidos. Se o grupo social em que
tais condutas aparecem não se manifesta, elas se transformam progressivamente em
condutas perversas ostensivas, que têm conseqüências graves sobre a saúde
psicológica das vítimas. Não tendo certeza de serem compreendidas, estas se calam
e sofrem em silêncio.
O assédio nasce como algo inofensivo e propaga-se insidiosamente, segundo
Hirigoyen (2007,p.66):
Em um primeiro momento, as pessoas envolvidas não querem mostrar-se ofendidas
e levam na brincadeira desavenças e maus-tratos. Em seguida, esses ataques vão se
multiplicando e a vítima é seguidamente acuada, posta em situação de inferioridade,
submetida a manobras hostis e degradantes durante um período maior.
É normal um comentário ferino em um momento de irritação ou mau humor quando
vem acompanhado de um pedido de desculpas. Entretanto, a repetição de vexames,
humilhações que não têm qualquer esforço no sentido de abrandá-las é o que torna o
fenômeno destruidor.
Conforme o que preceitua Silva (2005, p.1):
[...] No mundo contemporâneo, em especial nos grandes centros urbanos,
com o fenômeno da degradação dos valores éticos e morais, as pessoas
passaram a sofrer diferentes tipos de violência. A história nos ensina que a
violência sempre esteve presente na sociedade, a ponto de Durkheim afirmar
que o crime é um fenômeno social normal e necessário ao próprio
desenvolvimento da sociedade.
Para Hirigoyen (2007, p. 67), trata-se de um fenômeno circular, de nada servindo
procurar qual a origem, pois até as razões são esquecidas. Inicia-se com uma seqüência de
atos deliberados por parte do agressor, ocasionando ansiedade na vítima, o que gera uma
atitude defensiva, desencadeando novas agressões:
Depois de certo tempo de evolução do conflito, surgem fenômenos de fobia
recíproca: ao ver a pessoa que ele detesta, surgem no perseguidor uma raiva fria, e
desencadeia-se na vítima uma reação de medo. É um reflexo condicionado agressivo
ou defensivo. O medo provoca na vítima comportamentos patológicos, que servirão
de álibis para justificar retroativamente a agressão. Ela reage de maneira veemente e
confusa. Qualquer iniciativa que tome, qualquer coisa que faça, é voltada conta ela
pelo perseguidor.
89
O objetivo de tal manobra, segundo Hirigoyen (2007), é transtornar a vítima, levá-la a
uma total confusão, induzindo-a em erros, o que demonstra a total perversidade dos
assediadores.
Não há falar em assédio moral sem falar em dano moral, que corresponde a todo
sofrimento humano que não resulta de uma perda pecuniária. Nesse sentido, o dano moral
atinge os direitos da personalidade, sem valor econômico, tal como a dor mental psíquica ou
física. Para a jurisconsulta Cassar (2010, p.395):
Dano moral é o resultado de uma ação, omissão ou decorrente de uma atividade de
risco que causa lesão ou magoa bens ou direitos da pessoa ligados à esfera jurídica
do sujeito de direito [...]. É o que atinge o patrimônio ideal da pessoa ou do sujeito
de direito.
3.1 Assédio Moral no ambiente de trabalho
Com o advento da revolução tecnológica aliada à globalização, muitas mudanças
substanciais nas relações trabalhistas surgiram, impondo aos trabalhadores a necessidade de
uma atualização constante e uma competitividade exacerbada.
Apesar dessa realidade trazer alguns pontos positivos, como o estímulo ao
desenvolvimento profissional, tem gerado, principalmente, importantes impactos negativos na
vida dos trabalhadores. O cenário atual está marcado pela falta de alinhamento das
necessidades das empresas com o respeito e identificação do potencial de cada funcionário.
Isto porque a competitividade desenfreada provoca condutas inadequadas, inserindo-se
nesse contexto o assédio moral.
Para Hirigoyen (2007,p.65):
Por assédio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta
abusiva manifestando-se, sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos,
escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física
ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de
trabalho.
O empregado assediado coloca em dúvida sua auto-estima, a confiança em seu
trabalho e sobre sua competência. Passa a acreditar que é o causador dos problemas, que
executa um péssimo trabalho, sem serventia a qualquer um. Algumas vezes, sente-se
perseguido e isolado. É comum o funcionário pedir demissão, aposentar-se mais cedo, afastarse para tratamento dos problemas psicológicos ou lançar-se nos vícios e drogas.
Para Cassar (2005, p.395):
O maior patrimônio ideal do trabalhador é a sua capacidade laborativa, que deriva
da reputação conquistada no mercado de trabalho, do profissionalismo, da
dedicação, da produção, da assiduidade e capacidade.
90
Excede o patrão que pratica os seguintes atos: (...) diminuir a capacidade laborativa
do empregado através de comentários maliciosos, divulgações, notas, publicações,
etc. Em suma, é abusivo o empregador laçar dúvidas sobre o empregado da pecha
ou descrédito sobre honestidade, moralidade, competência, diligencia e
responsabilidade no exercício das atribuições profissionais.
Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento
psicológico ou físico à pessoa. O assedio moral é caracterizado pelas condutas
abusivas praticadas pelo empregador direta ou indiretamente, sob o plano vertical
ou horizontal, ao empregado, que afetem seu estado psicológico. Normalmente,
refere-se a um costume ou prática reiterada do empregador.
Para Hirigoyen (2007), contrariando o que os agressores tentam provar, as vitimas não
são pessoas portadoras de necessidades, patologias ou frágeis. Ao contrário, o assédio se
inicia quando uma vítima reage o autoritarismo de um chefe ou se recusa a deixar-se subjugar.
Traçando-se o perfil das vitimas, Hirigoyen (2007, p.68) acentua:
O assédio torna-se possível porque vem precedido de uma desvalorização da vítima
pelo perverso, que é aceita e até caucionada posteriormente pelo grupo. Essa
depreciação dá uma justificativa a posteriori à crueldade exercida contra ela e leva a
pensar que ela realmente merece o que lhe está acontecendo. No entanto, as vítimas
não são franco-atiradoras. Pelo contrário, encontramos entre elas inúmeras pessoas
escrupulosas, que apresentam um presentísmo patológico: são empregados
perfeccionistas, muito dedicados a seu trabalho, e que almejam ser impecáveis.
Ficam até tarde no escritório, não hesitam em trabalhar nos fins de semana e vão
trabalhar mesmo quando estão doentes.
Quando o processo de assédio se estabelece, a vítima é estigmatizada: mesmo tendo
sido funcionária exemplar, passam a dizer que é uma pessoa de difícil convivência, que tem
mau caráter, ou até mesmo, que é louca. Sentindo-se pressionada, a vítima acaba por se tornar
aquilo que querem fazer dela: devido à pressão, não consegue manter seu potencial e fica fácil
afastá-la por incompetência profissional ou erros.
Apenas o desemprego não basta para explicar a submissão das vítimas de assédio. Para
manter o poder e controlar o outro, utilizam-se manobras aparentemente sem importância, que
vão se tornando cada vez mais violentas se o empregado resistir, afirma Hirigoyen (2007).
Busca-se retirar dele todo e qualquer senso crítico, até que ele não saiba mais quem
está errado e quem tem razão. Ele é estressado, crivado de críticas e censuras, vigiado,
cronometrado, para que se sinta seguidamente sem saber de que modo agir, finaliza Hirigoyen
(2007).
Dentro do ambiente bancário não se observa diferente, conforme demonstrado na ação
de assédio moral promovida por funcionário contra o banco Santander S/A pelas práticas
vexatórias e degradantes ao qual fora exposto, na cidade Teresina-Piauí, abaixo:
SENTENÇA REFERENTE À RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. PROCESSO Nº
0000448-41.2011.5.22.0004 - RITO ORDINÁRIO. AUTOR: RAIMUNDO JOSÉ
MOUSINHO MOTA CARVALHO DE ALMEIDA. ADVOGADA: MARCOS
91
DANILO SANCHO MARTINS. RÉU: BANCO SANTANDER S/A.
ADVOGADO(A): CARLOS YURY ARAUJO DE MORAES. [...] Do Assédio
Moral: Relata o autor que sofreu assédio moral dentro do banco reclamado,
mormente quando descoberta remessa de numerário sem constar o valor
correspondente. A reclamada nega, afirmando que o autor nunca foi acusado de
nenhum desvio. Passo a decidir. A Constituição Federal elegeu como direito
fundamental à proteção à violação da honra e imagem, assegurando ao ofendido o
direito à indenização por danos morais e materiais, como preceitua o art. 5º, X, CF.
No mesmo sentido o Código Civil de 2002 preceitua no art. 186 que aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que moral, comete ato ilícito, estando sujeito ao pagamento de
indenização para reparação do dano (art. 927, CC). Esse diploma prevê, ainda, a
responsabilidade do empregador por danos cometidos por empregados, nos termos
do art. 932, III, CC. Prevê, ainda, que aquele que abuso do direito comete ato ilícito
(art. 187), passível de indenização (art. 927). No caso em tela afirma o autor que o
banco lhe atribuiu uma conduta e que em razão disso sofreu abalo, sendo humilhado
e assediado, pelo que entende ser devida indenização. Não se pode negar que a
reclamada, dentro do jus variandi que lhe é permitido, pode reverter empregados
para funções distintas, deste que não aja de forma abusiva. No caso vertente, vê-se
claramente que o episódio com o numerário colocou o reclamante como suspeito
principal, chegando a reclamada a obrigar que o mesmo fizesse carta de próprio
punho. E a consideração da culpa é vista quando o autor passou a ser rebaixado,
passando a arquivar documentos e elaborar serviços que, anteriormente, não lhe
eram solicitados. Ao contrário, como restou decidido no tópico do desvio de função
o reclamante foi chamado continuamente a exercer funções de maior confiança
como, inclusive, repassar numerário. De outra banda, encontra o jus variandi
barreira legal na boa fé e na proibição do abuso de direito, claramente demonstrado
no caso vertente, eis que o reclamante foi obrigado a trabalhar em funções que não
exigem nenhum conhecimento, muitas vezes exercidas por estagiários contratados
por instituições financeiras que buscam experiência. Sem qualquer demérito à
função, comprovam que o banco abusou ao impor tais funções. Tais atos da
reclamada macularam a honra e a dignidade do empregado, que recebeu como pena
o rebaixamento e a posterior demissão, sendo considerado aos olhos dos colegas
culpado em face da demora no desdobramento da apuração, muita embora, como
afirmou a segunda testemunha da reclamada, vários atos de apuração tenham sido
feitos. Configurando, pois, o ato ilícito, resta procedente o pedido de indenização.
Nesse sentido, julgo procedente, em parte, o pedido, condenando o reclamado no
pagamento de indenização por danos morais, por abusar do direito, na forma do art.
187 c/c o art. 927 do Código Civil.
Outrossim, essa situação humilhante se repete em todos os estados da federação, não
sendo um problema local, como se pode observar em outra ação movida por funcionário em
Santa Cruz do Sul – Rio Grande do Sul, contra o mesmo banco no qual trabalhava e pelo qual
experimentou o sabor amargo do assédio moral no ambiente de trabalho, conforme abaixo:
Processo: 0000131-31.2010.5.04.0731 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO
TRABALHO TRT 4a Região TST: RO-00131-2010-731-04-00-0 - 9a. Turma CNJ:
RO-0000131-31.2010.5.04.0731 – 9a. Turma. [...] O reclamante relata que ao
retornar para o trabalho, após o segundo afastamento por auxílio-doença, foi
designado para trabalhar em uma sala localizada nos fundos da agência; foi proibido
pelo gerente Jonas Montagna de utilizar sua senha, o que praticamente lhe impedia
de trabalhar; foi ainda obrigado a utilizar crachá com a inscrição “EM
TREINAMENTO”. Os constrangimentos e humilhações duraram vários meses,
acarretando abalo a sua imagem e diminuição de seu conceito moral junto aos
colegas de trabalho e os clientes da agência. A prova oral confirma as alegações do
reclamante. Em seu depoimento pessoal o reclamante afirma que trabalhou 10 anos
na mesma agência e era bem conhecido dos clientes.A testemunha Adriano afirma
que: [...] depois do afastamento por doença o reclamante ficou trabalhando 'lá atrás',
92
em uma sala afastada da área destinada ao atendimento ao público; [...] o reclamante
usava um crachá com a inscrição treinamento; várias pessoas perguntavam para o
depoente, em tom de brincadeira, 'onde está o estagiário velho'; o reclamante era
bem conhecido na agência; após retornar do afastamento por doença, na opinião do
depoente, o tratamento dado ao reclamante pela reclamada passou a ser diferente em
razão deste ficar afastado da área de atendimento ao público e de seus antigos
clientes, bem como não participar das reuniões; [...] os colegas também tratavam o
reclamante de forma um pouco diferenciada, pelo fato deste ficar afastado das
atividades do banco; o público também passou a ter uma contenção (sic) diferente
do reclamante, alguns achando até mesmo que este não queria atender; após o
retorno o reclamante não tinha muito contato com o público. Nesse contexto
considero comprovado o assédio moral e reconheço o direito de indenização por
danos morais, arbitrada em R$ 90.000,00, o qual considero adequada para reparar o
dano causado.
3.2 Straining
A tradução de straining para o português significa esforço, tensão, esforço excessivo,
deformação. Apesar de ser um termo novo para o direito brasileiro, o straining é a forma mais
comum de assédio moral dentro das empresas, em especial, dentro das agências bancárias.
A Dra. Romano (2011, p.01) preleciona que straining, assédio moral organizacional
ou gestão por estresse é uma “técnica gerencial” que leva os empregados ao limite de sua
produtividade, através de ameaças, humilhações, ridicularizações em público e até demissão
como forma de ameaçar os outros funcionários. E continua:
O Estresse nem sempre é ruim, sendo até mesmo, na dose certa, essencial para a
sobrevivência humana. Ele nos faz ir além do que poderíamos em uma situação
comum. Porém, a situação de estresse deve ser excepcional, vivida apenas nas
situações que fogem à normalidade de nossa vida. Nestes termos, o estresse nos é
útil, pois suga de nosso corpo, de nossa mente aquilo que não poderíamos dar numa
situação comum quando estamos em perigo. [...] O straining é um assédio mais
grave do que o assédio moral interpessoal, pois se trata de prática institucionalizada
pela empresa no sentido de incrementar seus lucros às custas da dignidade humana
dos trabalhadores.
Observa-se, atualmente, o crescente aumento de reclamações de funcionários dentro
dos sindicatos em relação às condições subumanas de trabalho, a pressão absurda por
cumprimento de metas abusivas, venda de produtos bancários, como seguros, títulos de
capitalização, empréstimos - os quais nem sempre têm poder competitivo, devido a taxas e a
burocracia - impostas, muitas vezes, sem qualquer estudo prévio da região em que se localiza
o posto de trabalho, uma vez que as sedes das instituições, muitas vezes, se localizam no
sudeste, ocorrendo uma discrepância em relação às outras regiões brasileiras, como o
nordeste.
Ainda, os funcionários da área operacional, contratados para lidar com sistema de
informação bancária e documentos, são obrigados a vender tais produtos, desviando
totalmente a função que consta em seu contrato de trabalho.
93
A Juíza do Trabalho e Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Roma
Tor Vergata e integrante da Associação de Juízes para Democracia, Marcia Novaes Guedes,
aduz (2007, p.03):
[...] Derivado do termo inglês strain, que significa tensionar, peneirar, coar, puxar,
esticar, straining é a tensão decorrente do estresse forçado pelo excesso de trabalho.
Diferentemente do assédio moral, cuja vítima é individualizada, isolada do convívio
dos demais colegas, e forçada à inatividade moralmente demolidora, no straining a
vítima é um grupo de trabalhadores de um determinado setor ou repartição, que é
obrigado a trabalhar exaustivamente, produzir e obter resultados, sob grave pressão
psicológica e ameaça de sofrer castigos humilhantes, e ser despedido do emprego.
Diante do assédio moral e do straining, a já vulnerável situação dos trabalhadores
brasileiros é agravada ante a aplicação de uma legislação que permite ao empregador
dispensar, sem pagar, e discutir o caso na justiça. O straining, do qual padecem os
bancários, é também o móvel do fabuloso lucro dos bancos. Os políticos, porém,
tentam capitanear o sucesso dos bancos: o Ministro das Relações Institucionais,
Mares Guia, comemorou o crescimento recorde nos lucros dos bancos, alegando que
isso reflete “o bom momento da economia brasileira”. Já o Presidente LULA
afirmou que assim não precisava criar um novo PROER e atribuiu tudo ao crédito
popular. Não temos dúvidas que os elementos convergem positivamente para uma
mudança: a taxa do crescimento da indústria atingiu 4.8% no último mês, as
previsões são de fechar o ano com crescimento do PIB em torno de 5%, os índices
de popularidade do Presidente se mantém estáveis, mesmo com a grave crise do
setor aéreo. O Governo, portanto, tem poder e popularidade suficientes para usar de
sua denodada experiência sindical, e diferente do que fez seu antecessor, criar um
PROSOL, Programa de Solidariedade Social, que permita aos trabalhadores
erguerem uma barreira contra a devastadora banalização do mal no trabalho.
Em outro momento, preleciona Guedes (2008, p.04):
[...] A preocupação é somente com os números e não com o ser humano. O processo
de globalização é visto, não apenas por mim como vários outros estudiosos, como
ruptura, no mesmo sentido que aconteceu no processo nazista. [...] O ser humano
desaparece, deixa de ser o valor central. E quando você degrada o ambiente de
trabalho para permitir a modernização, você pode adotar as práticas totalitárias e
banalizar o mal. Daí vem o medo de perder o emprego e de ser excluído, uma vez
que desemprego significa exclusão social. Não é uma coisa circunstancial e sim
estrutural. Recentemente o ministro Delfim Neto escreveu um texto, mostrando
como o sistema capitalista, sobretudo, os grandes executivos, comemoravam
justamente não o aumento do emprego, mas o contrário, o desemprego. [...] No
mundo do trabalho, os empregados, na grande maioria, trabalham com eficiência,
com dedicação, com seriedade, se empenham para que o sistema funcione, dê certo.
Agora, de um lado as empresas banalizam o mal, praticam o sofrimento, aí um pisa
no outro, porque estão pisando nele, dando início a um ciclo vicioso. Essa é a arma.
Só está funcionando porque os trabalhadores estão colaborando. [...]
Guedes (2008, p.05) critica a posição dos sindicatos ao longo da história, por se
fazerem ausentes e não acompanharem o desenvolvimento das empresas, justificando o
aumento da má gestão:
[...] A grande questão é que os sindicatos passaram batido no processo de
modernização, de globalização. As entidades sindicais sempre foram formadas por
grandes dirigentes de esquerda e a esquerda nunca levou em consideração o
sofrimento pessoal e individual, porque havia o medo de que isto se transformasse
numa questão, digamos, burguesa. E o grande desafio dos sindicatos sempre foram
as questões coletivas e, nesse processo de apenas ver o coletivo, os sindicatos não
94
viram basicamente o sofrimento no trabalho, provocado pelo processo de exploração
do próprio trabalho, que é terrível. Os sindicatos têm uma dificuldade muito grande
de lidar, por exemplo, com a questão da doença no trabalho. A coisa sempre cai para
o assistencialismo, mas não se trabalha isso politicamente e essa que é a grande
questão, a saída para as organizações sindicais. Os dirigentes sindicais se queixam
que as grandes multinacionais fazem práticas abertas contra o trabalho sindical,
denigre a imagem do dirigente sindical. Tudo isso, porém, sempre houve. E houve
de forma muito pior. [...] No caso do assédio moral, os trabalhadores e os sindicatos
não souberam trabalhar com a subjetividade, com o sofrimento. E foi isso
justamente que as empresas souberam trabalhar de forma extraordinária. Hoje, um
gerente dentro de uma empresa é uma pessoa extremamente preparada em relação ao
que pensa cada trabalhador, seus anseios e desejos mais pessoais. Do contrário, não
conseguiriam fazer o assédio moral e o straining. As empresas investiram nisso,
começaram a se transformar no ideal de vida do empregado, mesmo sendo uma
empresa que pratica o mal. Adotam uma administração que envolve
emocionalmente e psicologicamente um conjunto grande de trabalhadores [...].
Países como Noruega, Suécia, Austrália e França já possuem legislação própria contra
o assédio moral. No Brasil, existem articulações no Congresso Nacional visando punir o
agressor ou tipificar a conduta criminosa. Há vários projetos de lei tramitando no Congresso
Nacional, alguns no sentido de tipificar como crime, sendo um deles de autoria do deputado
federal Mário Passos, já se encontra em fase avançada de votação. Neste sentido, Guedes
(2008, p.06) diz ser um sonho:
[...] Eu sonho que para o assédio moral haja uma legislação específica da natureza da
Lei Maria da Penha, no sentido de como foi elaborada. Foi um processo amplo de
mais de quatro anos de discussões entre os movimentos de mulheres, de
homossexuais, e veio à luz um documento jurídico que é um monumento. Quando a
Lei Maria da Penha descreve as várias formas de violência, define inclusive o
assédio moral doméstico, a violência psicológica. Nessa definição, aquela legislação
é brilhante, extraordinária. Qualquer projeto de lei que efetivamente vise coibir e
prevenir o assédio moral e as outras formas de violência no trabalho
necessariamente tem de passar por um processo amplo de discussão entre as
entidades sindicais e os diversos movimentos dos trabalhadores organizados. Só
desta forma a gente vai poder ter um instrumento eficaz e uma lei que efetivamente
pegue. Que é outro problema grave no Brasil, as leis que não pegam, que ficam
apenas no papel.
O quadro atual brasileiro grita por medidas protetivas e punitivas urgentes, vez que
todos os dias, milhares de bancários sofrem as conseqüências do massacre e da perversidade
dentro de seu próprio ambiente de trabalho.
4 AS CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL PARA A SAÚDE DOS BANCÁRIOS
4.1 Aspectos Gerais
Nos primórdios da evolução humana, para sobreviver era preciso enfrentar feras. Hoje
grande parte dos embates ocorre nos meios profissionais. O trabalho possibilita,
inquestionavelmente, crescimento, transformações, reconhecimento e independência pessoal e
95
financeira. No entanto, não existe trabalho sem sofrimento, especialmente porque os valores
de saúde e doença são construídos pelas empresas, sob o foco da produtividade.
Até poucos anos atrás, as projeções para o século XXI eram repletas de facilidades
tecnológicas que poupariam o excesso de trabalho e proporcionariam mais conforto,
felicidade e tranqüilidade. Hoje a realidade mostra-se bem diferente, em que as pessoas tocam
suas vidas sem compreender muito bem o porquê de tanta “correria”.
O trabalho consome energia e abre as portas para doenças orgânicas e transtornos de
ansiedade, como pânico ou fobias, e distúrbios afetivos, como a depressão, acentuados pelas
condições degradantes aos quais muitos funcionários são expostos, ante o assédio moral
dentro do ambiente de trabalho.
O assédio moral, destacando-se de seu bojo as humilhações, enredamentos,
isolamentos e pressões por produção, constitui um risco invisível, porém concreto nas
relações de trabalho e saúde dos trabalhadores.
As emoções são constitutivas do ser humano, independente do sexo. Entretanto, a
manifestação dos sentimentos e emoções nas situações vexatórias, demonstra a
prejudicialidade a saúde. Se a situação de tensão é constante, o organismo sofre com o
excesso – e surgem as doenças. Os especialistas sabem que o estresse prolongado pode levar à
morte, mas as maneiras como podem se dar esse processo – e principalmente as formas de
evitá-lo – ainda os intrigam.
Para a psiquiatra Hirigoyen (2007, p.169), o indivíduo, vítima de assédio moral, passa
por várias fases: a renúncia, a confusão, a dúvida, o estresse, o medo e o isolamento.
A renúncia, no qual, em um ilusório movimento altruísta, a vítima resigna-se,
submetendo-se aos abusos do agressor, idealizando-o por suas poucas qualidades; a
confusão, no qual a vítima se sente anestesiada, com dificuldade de pensar,
aniquiladas suas faculdades, mesmo conscientes das injustiças que lhes são postas,
não conseguem reagir; a dúvida, em que mesmo a violência surgindo abertamente, a
vítima tende a atribuir ao agressor sentimentos de culpa, tristeza, remorso,
procurando explicações para tal conduta; o estresse, no qual a vítima aceita a
situação criando grande tensão interior, esforçando-se para não reagir; o medo,
traduzido no objetivo real dos perversos, no qual as vítimas se põem em estado
permanente de alerta, escondendo-se ou reagindo com amor e benevolência, na
tentativa de dissolver o ódio; e o isolamento, no qual as vítimas se sentem só por
enfrentar tudo isso, pois mesmo os amigos sabendo, estes apenas demonstram
perplexos, mas mantêm distância.
Os distúrbios são em geral, de longa duração. Mesmo quando a situação é resolvida, a
vítima continua a sofrer, pois não esquece o desprezo a que foi submetida e isto a impede de
viver de modo pleno. Em geral, a vítima, isolada e fragilizada, se culpa e por isso se defende
mal.
96
Tem-se analisado a influência das alterações hormonais nos estados de humor, o papel
das estruturas do sistema límbico, bem como genes ligados ao metabolismo cerebral que
influenciam a ação de neurotransmissores como serotonina e dopamina.
De acordo com Silva (2010), durante muito tempo se atribuiu à adrenalina o papel de
principal responsável pela resposta de “luta ou fuga”, apresentada pelo organismo diante de
situações que oferecem risco à vida. Hoje sabe-se, porém, que ela atua predominantemente no
âmbito periférico. Produzida pela medula das glândulas suprarrenais, essa substancia cai na
circulação e provoca taquicardia e constrição dos vasos sanguíneos periféricos. Mas para que
seus efeitos atinjam o cérebro e desencadeiem as reações de medo e de ansiedade, a
adrenalina precisa estimular uma pequena região do tronco cerebral chamada lócus ceruleus a
produzir noradrenalina – espécie de versão central da adrenalina.
A noradrenalina, por vias indiretas, ativa diversas áreas do sistema límbico, entre elas
o hipocampo e a amígdala. Assim, o corpo físico e o cérebro emocional são coativados ao
mesmo tempo para fugir ou lutar: o primeiro pela adrenalina e o segundo pela noradrenalina.
O medo e o estresse têm a função de alertar para um perigo iminente e manter o
indivíduo atento. Porém, quando excessivos, esses elementos ligados às más condições de
trabalho, têm como sintomas tipos variados de paralisações, como a recusa de sair de casa, ou
de hiperexcitação orgânica, como ansiedade, sudorese excessiva, palpitações, tremores,
compulsões, insônia, etc.
Na seara das patologias do estresse e do medo são muitos os tipos psiquiátricos que
explicam os diversos quadros de ansiedade. Entre eles estão a síndrome do esgotamento
profissional, ou síndrome de Burnout, que está ligada à dedicação exagerada ao trabalho e a
busca por altos graus de desempenho; o transtorno ou síndrome do pânico, os diversos tipos
de fobia e os transtornos obsessivo-compulsivos, no qual a pessoa tenta neutralizar a angústia
ou culpa através de rituais repetitivos.
O estresse ocupacional é uma epidemia contemporânea. Enquanto a medula das
suprerrenais libera adrenalina, o córtex dessas mesmas glândulas secreta cortisol, também
conhecido como hormônio do estresse. A International Stress Management Association –
ISMA Brasil revelou que 80% dos brasileiros economicamente ativos sofrem com a
sobrecarga profissional, 62% se dizem insatisfeitos com o excesso de tempo dedicado ao
trabalho.
O hipocampo e a amígdala estão repletos de receptores de cortisol e fazem parte da
alça de retroalimentação que regula o estresse e a ansiedade causados pelo medo. Considerada
97
a “via rápida” do sistema límbico, a amígdala faz com que se reaja de forma institiva, sem
pensar. O hipocampo, embora também seja uma região antiga do ponto de vista filogenético, é
um pouco mais sofisticado e pode ser considerada a “via lenta” do sistema límbico, já que é
responsável por associar contextos e recuperar memórias. Enquanto a amígdala estimula a
liberação de cortisol, o hipocampo a inibe.
Segundo o neurofisiologista americano McEwen (apud Silva, 2010), da Universidade
Rockefeller, em Nova York em pesquisa divulgada na revista Mente e Cérebro, a amígdala é
uma estrutura relativamente forte e não parece sofrer lesão decorrente do acúmulo de cortisol
em condições de estresse crônico. Já o hipocampo é mais sensível e vulnerável. McEwen
(apud Silva, 2010) mostrou que o estresse prolongado faz com que os neurônios dessa região
percam dendritos e acabem encolhendo. Tais lesões foram confirmadas no cérebro humano
por meio de ressonância magnética funcional.
Tudo pode ser herança do desemprego: o desemprego é a segunda maior fonte de
estresse para os brasileiros. A primeira é a violência, segundo dados da ISMA-Brasil em
2007. A incerteza em relação ao próprio sustento, a baixa escolaridade transforma o Brasil no
país dos “bicos”, no qual as pessoas aceitam o vier pela frente. Essa instabilidade desencadeia
um circulo vicioso do qual fazem parte depressão, desequilíbrio emocional, ansiedade e
deterioração da saúde física.
O problema não se resolve completamente quando a pessoa encontra um novo
emprego. O desemprego deixa marcas psíquicas por no mínimo dois anos e interfere na
disposição e na forma como o indivíduo lida com as demandas da nova ocupação, conforme
estudo coordenado por Price (apud Silva, 2010), pesquisador da Universidade de Michigam,
publicado no Journal of Occupational Health Psychology, com participantes com 36 anos,
sendo a maioria mulheres (59%), branca (75%) e casada (52%).
A explicação clínica para essa “pressão” se transformar em doença grave se dá quando
o sistema cerebral de resposta ao estresse é ativado em situações de perigo e, em muitos
casos, são interpretadas como ameaça pelo organismo. O sistema imunológico detecta
automaticamente agentes patogênicos e moléculas desconhecidas com o objetivo de garantir o
equilíbrio dinâmico do meio interno, denominado homeostase.
Quando esse equilíbrio é ameaçado, várias respostas imunológicas e comportamentais
são acionadas para neutralizar as forças perturbadoras e restabelecer a homeostase. Enquanto
isso, as reações adaptativas podem se transformar em fatores estressantes, ocorrendo
alterações fisiológicas e psíquicas em situações de ameaça.
98
O cérebro e o sistema imunológico enviam sinais um ao outro continuamente, em
geral pelos mesmos “caminhos”, podendo explicar, assim, como o estado mental influencia a
saúde. Essa comunicação afeta o comportamento e as respostas ao estresse. Interrupções nessa
rede exacerbam as possibilidades de se desenvolverem distúrbios dos quais esse sistema
imunológico protege: infecções, inflamações e doenças autoimunes associadas a transtornos
de humos e a fatores ambientais (como sobrecarga constante de trabalho).
De acordo com Leal (2010) em pesquisa realizada pela Universidade de Londres em
2006, através dos pesquisadores Andrew Stepto e Lena Brydon, os quais acompanharam 199
homens e mulheres saudáveis de meia-idade para verificar até que ponto o estresse causa o
aumento da taxa de colesterol e prejudica a capacidade de o organismo combater marcadores
inflamatórios.
Como acontece com qualquer epidemia, o estresse não influencia apenas os indivíduos
– também tem conseqüências culturais, sociais e econômicas. Estima-se que o prejuízo anual
decorrente de faltas ao trabalho, baixa produtividade, acidentes e doenças decorrentes do
problema tenha chegado a US$ 300 bilhões nos Estados Unidos e a US$ 265 bilhões na
Europa em 2006.
No Brasil estima-se que as organizações poderiam ter uma economia de até 34% se
diminuíssem os índices de estresse ocupacional, incentivassem a autonomia e a criatividade e
oferecessem rotinas mais flexíveis aos funcionários, acredita a psicóloga Rossi (apud Leal
2010, p.10), presidente da ISMA-Brasil.
Segundo ela, para diminuir os prejuízos é fundamental que tanto empresas quanto
trabalhadores tenham mais informações sobre a doença e participem de programas eficazes
para gerenciá-la. Menos de 10% das empresas brasileiras desenvolvem projetos nesse sentido.
Tirar férias apenas a cada 11 meses pode ser muito mais prejudicial, pois nesse
intervalo o nível de estresse acumulado atinge patamares muito altos. O ideal e recomendável
são períodos menores de descanso, de 10 ou 15 dias, divididos ao longo do ano, podem ser
mais benéficos à saúde e evitar que, em situações estremas, a pessoa sofra da síndrome do
esgotamento profissional, também chamada Burnout.
4.2 O assédio moral na categoria bancária e as conseqüências para a saúde dos
bancários
Face ao exposto, a realidade dos bancários não é diferente: é preciso cumprir prazos
99
restritos, metas altíssimas e complexas, acompanhar as mudanças tecnológicas, fazer
avaliação de rendimento e ainda manter um relacionamento razoável com clientes, chefes e
colegas. Sem falar na preocupação em se manter empregado, caso dos funcionários de bancos
privados, tida como um dos maiores fatores de estresse, diante do crescente número de
demissões involuntárias.
Campanhas nacionais contra o assédio moral são lançadas anualmente pelo sindicato
dos bancários, como em 2009, a campanha “Assédio moral – Saia do isolamento” e a de 2010,
“Menos Metas, Mais Saúde”, demonstrando a preocupação da categoria bancária com o tema,
revelando o crescente aumento de casos de funcionários assediados. Porém, esse problema
esbarra na falta de provas para que as denúncias prossigam e sejam efetivamente combatidas.
Estudos e pesquisas demonstram que transtornos mentais e de comportamento ocupam
o 3º lugar entre as causas de afastamento do trabalho, reconhecendo que o crescimento desses
índices nos últimos anos coincide com a implantação de profundas transformações nos
contextos de trabalho.
Para Barreto (2000, p. 191), em pesquisa realizada com 870 pessoas vítimas de
opressão no ambiente profissional, revela que cada sexo reage de uma forma diferente:
Crises de choro (100% em mulheres, 0% em homens), dores generalizadas (80% em
mulheres e homens), palpitações e tremores (80% em mulheres e 40% em homens),
sentimento de inutilidade (72% em mulheres e 40% em homens), insônia ou
sonolência excessiva (69,6% em mulheres e 63,6% em homens), depressão (60% em
mulheres e 70% em homens), diminuição da libido (60% em mulheres e 15% em
homens), sede vingança (50% em mulheres e 100% em homens), aumento da
pressão arterial (40% em mulheres e 51,6% em homens), dores de cabeça (40% em
mulheres e 33,2% em homens), distúrbios digestivos (40% em mulheres e 15% em
homens), tonturas (22,3% em mulheres e 3,2% em homens), idéia de suicídio
(16,2% em mulheres e 100% em homens), falta de apetite (13,6% em mulheres e
2,1% em homens), falta de ar (10% em mulheres e 30% em homens), alcoolismo
(5% em mulheres e 63% em homens) e tentativa de suicídio (0% em mulheres e
18,3% em homens).
Dentro desse cenário, a ex-bancária Marlene de Sousa Oliveira (2011), 36 anos, revela
que durante os dois anos em que trabalhou no Banco “S” S/A foi vítima de todo tipo de
coação moral por parte de seu superior hierárquico, sendo pressionada para atingir as metas,
chegando a adoecer severamente até o ponto de pedir demissão, por optar cuidar de sua saúde
e vida.
Ela conta que as metas eram altas e que por precisar do emprego, aceitava as
condições precárias em que trabalhava, mesmo tendo que cumpri-las a qualquer custo. Ela
revela ainda que, a cada mês, se sentia mais pressionada, pois as metas aumentavam também.
Ela afirma que “quando as metas eram colocadas não havia uma divisão justa entre
todos”. Tanto ela como outros funcionários “recebiam metas maiores e não havia diálogo”
100
entre eles e a chefia, que pudesse equiparar essas metas, “nossas reclamações não eram
atendidas”, afirma.
Ainda, ela revela que em certa ocasião, seu chefe rasgou na frente de todos um
cadastro que ela havia feito por desconfiança das informações, sendo que seu chefe chegou a
ligar para o cliente para confirmar se a ela havia realmente colhido tais informações.
Inclusive, ela conta que a própria cliente em questão, após essa atitude do gerente, não se
sentiu mais confortável para continuar operando no banco e encerrou suas atividades neste.
A senhora Marlene (2011) afirma que se sentia muito constrangida perante seus
colegas de trabalho, possuindo ainda um sentimento de inutilidade, muitas vezes chegava a
chorar muito e a partir daí, começaram a aparecer os problemas de saúde.
“Chegava em casa muito cansada, não tinha vida social e vários problemas de saúde
começaram a aparecer. Perdi dez quilos em poucos meses, por isso não pude gozar minhas
férias como deveria, por causa de tratamento médico e várias internações, por fim problemas
de saúde crônicos”, confessa a ex-bancária.
Ela chegou a desenvolver problemas gástricos sérios como Duodenite, gastrite
enantematosa, além de nódulo hepático, hemangiomas hepáticos, e rinite crônica com
hipertrofia dos cornetos. Por tudo isso, resolveu tomar uma medida drástica: pediu demissão
devido seus problemas de saúde estarem se agravando e já perdurava por muito tempo na
mesma situação, sem diálogo positivo sobre sua situação.
Mas ela revela que hoje acredita que não fez a escolha certa, pois deveria ter
procurado apoio sindical e buscado seus direitos amparados na legislação trabalhista. E deixa
um recado para as vítimas: “não se calar ou desistir, mas admitir a situação e ir atrás de
amparo da lei para esses casos”.
Da mesma forma, o funcionário J.M.B.R (2011), 29 anos, trabalha no Banco “S” S/A
desde 2008, afirma que as metas impostas “fogem da realidade”, no qual ele tem que captar
90 clientes por mês e liberar um valor em torno de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para
clientes que nem sempre possuem potencial para ser aprovado o empréstimo. Ele conta que se
sente pressionado e “se sente muito pessimista” para atingir essas metas. Quando não
consegue entregar o resultado, conta que a pressão psicológica aumenta e que, várias vezes,
seu superior hierárquico proferiu as seguintes palavras: “quem não quiser, peça para sair” e
que “cabeças iriam rolar” caso o resultado não fosse positivo. O funcionário acredita que seu
superior hierárquico tratava como assunto pessoal o cumprimento das metas do banco, o que
tornava a convivência insuportável.
101
Ele conta que um dia seu chefe rasgou seu material de trabalho na frente de todo
mundo, por causa de um erro simples que poderia ter sido corrigido. Outra vez, seu gerente
“gritou e bateu forte na mesa, na frente de todos em uma reunião, porque não concordava com
sua opinião”. Diante dessas situações, o funcionário conta que tentou revidar algumas vezes,
pois tinha consciência da ilicitude de tais condutas, no entanto preferiu quedar-se em silêncio,
por que precisa do emprego.
Ele confessa que por vezes se sentiu mal ante as humilhações sofridas, permanecendo
vários dias tristes, desejando muitas vezes largar tudo ou passar dias sem aparecer,
demonstrando o estado depressivo no qual se encontrava e revelando o quão prejudicial para a
saúde mental o assédio moral pode ser.
Percebe-se de plano que, a constante prática de assédio moral dentro das agências
bancárias é um dos grandes motivos de afastamento de funcionários, demissões (in)
voluntárias e adoecimento dos mesmos.
5 CONCLUSÃO
O assédio moral tem um custo muito alto para a vítima e para a sociedade. Na
categoria bancária, observa-se o relevante grau de adoecimento das vitimas, gerando
afastamento no trabalho, licença-saúde pagas pelo governo e sérios prejuízos para a vida dos
bancários. Por tal razão, esse mal tem ocupado posição de destaque nas relações trabalhistas,
ante o crescente aumento de vítimas todos os anos.
Não há dúvida de que o ambiente de trabalho deve permitir o saudável
desenvolvimento da pessoa do trabalhador, não havendo espaço para práticas discriminatórias
ou humilhantes. No Brasil, em que pese não haver legislação específica para coibir e prevenir
o fenômeno do assédio moral, não faltam fundamentos para que, em sendo acionado, o
Judiciário possa efetivar a sua prestação jurisdicional. Porém, quem procura o judiciário sente
o peso da falta de provas que impossibilitam a continuação da demanda, uma vez que as
testemunhas, muitas vezes, são colegas de trabalho que hesitam em falar, por medo do
desemprego.
Enquanto as instituições bancárias não enxergarem a triste realidade da saúde de seus
funcionários, os bancários continuarão a padecer, sugados pelo trabalho, destruindo suas vidas
particulares e afastando-se cada vez mais de suas atividades laborativas.
Os bancos devem ir além de canais de denúncia, no qual, na maioria das vezes, são
ineficazes, pois a vítima tem medo de denunciar e sofrer retaliações. Devem-se usar medidas
102
preventivas como campanhas pelo bem-estar no trabalho, programas mais efetivos pela saúde
dos funcionários, mais fiscalização e diálogos entre os chefes e subordinados, além da
diminuição da pressão pelo cumprimento de metas.
Aconselha-se às vítimas resistirem, anotarem com detalhes, todas as humilhações
sofridas, inclusive quando ocorreram, quem estava presente e o conteúdo da conversa. Darem
visibilidade ao problema, procurando ajuda de colegas, inclusive daqueles que estavam
presentes e testemunharam o fato. Evitarem conversar com o agressor sem ter testemunhas
por perto. Quando possível, exigirem do agressor, por escrito, explicações do ato, enviando
para o RH e mantendo cópia da carta consigo. Procurarem o sindicato para relatar o
acontecido, relatar também para médicos, advogados e procurar ajuda e o seio familiar.
REFERÊNCIAS
AGUI, Adriana. Assédio moral: bancos firmam acordo com a categoria bancária. Informativo do Sindicato dos
Bancários e Financiários do Piauí, ano XI, nº 91, p. 9. fev.2011.
BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho 22ª Região. 4ª Vara Trabalhista. Reclamação Trabalhista. Processo nº
000048-41.2011.5.22-0004. Reclamante Raimundo José Mousinho. Reclamado Banco Santander S/A. Juiz
Federal do Trabalho Adriano Carvalho Neves. 30 de Junho de 2011. Disponível em:
<http://portal.trt22.jus.br/site/site.do?categoria=Processos1Instancia>. Acesso em: 05 nov. 2011.
BRASIL, Organização Internacional do Trabalho. Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais
no
trabalho.
Brasília,
DF,
1998.
Disponível
em:
<http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/oit/doc/declaracao_oit_547.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2011.
BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho 4º Região. Recurso Ordinário. Indenização. Assédio Moral. A
obrigaçãode indenizar pressupõe a demonstração de nexo de causalidade entre o dano e o bem jurídico tutelado.
Recurso Admitido. Relator Desembargador Cláudio Antonio Cassou Barbosa.Processo nº 000013131.2010.5.04.0731. Recorrente: Banco Santander S/A. Recorrido: Helio Antonio Acco. 07 de julho de 2011.
Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas>. Acesso em: 05 nov. 2011.
BRUNO, Walcir Privatele. Assédio moral e metas abusivas: risco para a saúde dos trabalhadores bancários.
São Paulo, 2010. Disponível em: < http://www.adital.com.br >. Acesso em: 25 fev. 2011.
BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde e trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo:
EDUC, 2003.
CASSAR, Volia Bonfim. Direito do trabalho. 4 ed. Niterói-RJ: Impetus, 2010.
CARVALHO; Nordson Gonlçalves de. Assédio moral na relação de trabalho. São Paulo: Rideel, 2009.
FIGUEROA, Jocyane Karise. Assédio moral no ambiente de trabalho. Núcleo Trabalhista Calvet, São Paulo,
2010. Disponível em: <http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos.php>. Acesso em: 11 mar. 2011.
GUEDES, Marcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
_________. O bancos lucram mas os bancários padecem “straining”. Disponível em:
<http://jusvi.com/artigos/28013>. Acesso em: 10 out. 2011.
_________. Assédio Moral no Trabalho. Disponível em: <HTTP://www.carosamigos.com.br>. Acesso em: 21
out. 2011.
HIRIGOYEN; Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 9 ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2007.
103
LAZARI, Gerardo. Bancos travam avanços no combate ao assédio moral e às metas abusivas. Blog dos
Bancários do Ceará. Disponível em: <http://www.dialogospoliticos.wordpress.com>. Acesso em: 25 fev. 2011.
LEAL, Glaucia. Epidemia silenciosa. Revista Mente e Cérebro, p. 06-11, 2010. Edição Especial Doenças do
Cérebro.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
OLIVEIRA, Marlene de Sousa. Assédio moral na categoria bancária. Sindicato dos Bancários, Teresina, 09
nov. 2011. Entrevista concedida a Nayara Figueiredo de Negreiros.
QUADROS, Carnem Silvia Siqueira de. GIANNASI, Fernanda. FREITAS, Jeferson Benedito Pires de.
HELOANI, José Roberto. BARRETO, Margarida. ALENCAR, Maria Benigna Arraes de. Assédio Moral, site
especializado no fenômeno do assédio moral. Disponível em: <http://www.assediomoral.org>. Acesso em: 01
nov. 2011.
SANTOS, Daniele Fabiana. SANTOS, Jacqueline Maria Dias. OLIVEIRA, José Cleverton de. As causas e
conseqüências do assédio moral nas organizações. Disponível em: <http://www.administradores.com.br>.
Acesso em: 20 fev. 2011.
SARLET, Ingo Wolfgang.Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de
1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
SILVA; Jorge Luiz de Oliveira da. Assédio moral no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: EJ, 2005.
SILVA, Ana Beatriz B. Estado de alerta. Revista Mente e Cérebro, p.26-29, 2010. Edição Especial Doenças do
Cérebro 6.
ROMANO, Lara Cristina Vani. Assédio moral organizacional: straining ou gestão por estresse. Disponível em:
< http://www.advocaciaariboni.com.br>. Acesso em: 11 jul. 2011.
RAMOS, José Maciel Brito. Assédio moral na categoria bancária. Sindicato dos Bancários, Teresina, 08 nov.
2011. Entrevista concedida a Nayara Figueiredo de Negreiros.
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. anotada e atual. por Ovídio Rocha Barros Sandoval. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
TEIXEIRA, Sueli. A depressão no meio ambiente do trabalho e sua caracterização como doença do trabalho.
Núcleo
Trabalhista
Calvet,
São
Paulo,
2010.
Disponível:
em
<
http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos.php>. Acesso em: 11 mar. 2011.
104
O DIREITO AO ESQUECIMENTO FRENTE AOS MECANISMOS DE BUSCA
DENTRO DA INTERNET
Guilherme Tomizawa 11
RESUMO
O presente artigo científico tem a intenção de evidenciar o problema dos motores de busca dentro da Internet,
vinculados ao direito de esquecimento do cidadão. Analisaremos brevemente sobre a origem da Internet, e o
conflito de princípios constitucionais do direito à privacidade e o direito à liberdade do acesso à informação,
exemplificando-os com alguns casos emblemáticos. Trataremos de um capítulo em especial, no que tange o
conceito de direito do esquecimento e um outro dedicado aos mecanismos de busca dentro da Internet. Pretendese ainda indagar essa zona limítrofe de até quando uma informação poderá ser disponibilizada na rede das redes
no Estado Brasileiro e como a legislação local regula hodiernamente tal instituto.
Palavras-chave: Colisão de princípios constitucionais, direito ao esquecimento, direito à privacidade, direito à
informação, motores de busca.
ABSTRACT
This research paper intends to highlight the problem of search engines within the Internet, linked to the citizens
right to oblivion. We will briefly on the origin of the Internet, and the conflict with constitutional principles of
privacy rights and the right to freedom of access to information, illustrating them with some emblematic cases.
We discuss one chapter in particular, regarding the concept of law of forgetting and another dedicated to the
search engines within the Internet. Another objective is to investigate the area adjoining to when information
may be available on the net as in the Brazilian state and local laws governing such institute in our times.
Key-words: Collision of constitutional principles, the right to oblivion, right to privacy, right to information,
search engines.
Sumário 1. Introdução. 2. Conceituações paradoxais do direito à privacidade e o direito ao livre acesso à
informação na era globalizada. 3. O direito ao esquecimento ou ao apagamento. 4. Mecanismos de busca na
Internet. 5. Limites dos motores de busca dentro da Internet. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas
1. Introdução
Entramos para a era da informação, ou era da tecnologia como já profetizava Alvin
Toffler (1972, p.5)12:"O choque do futuro é um fenômeno relacionado com o tempo, um
produto do ritmo grandemente acelerado das transformações que ocorrem na sociedade". Em
meados de 1990 com o advento da globalização somados a mundialização da Internet no
Brasil, iniciou-se um processo revolucionário sem volta. Desde a invenção dos meios de
11
Guilherme Tomizawa é bacharel em direito e administração pela UTP – PR. É advogado e especialista em
direito de família pela PUC – PR. Mestre em direito pela UGF. Aluno regular do curso de doutorado em direito
civil pela UBA. Professor adjunto da disciplina de direito eletrônico da OPET-PR. Professor da pós-graduação
em direito eletrônico (Universidade Positivo, IPOG e Verbo Jurídico). É membro e vice-presidente do IBDE
(Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico). Publicou artigos no Brasil, Argentina, Colômbia e Europa.
12
TOFFLER, Alvin. O Choque do Futuro. 4ª ed. Tradução: Marcos Aurélio de Moura Matos. Editora Arte
Nova, 1972. p. 5.
105
comunicação tais como o telégrafo, o telefone, o rádio, e a televisão, nenhum teve um alcance
tão revolucionário como a Internet13, esse processo de internacionalização e disseminação do
conhecimento é o atual estágio inexorável do ser humano. Superada as revoluções no âmbito
rural, industrial acabou-se por culminar num verdadeiro ciclo tecnológico de bits e bytes.
A sociedade da informação é hoje definida como uma nova forma de organização
social, político e econômica que recorre ao uso intensivo uso da informação para coleta,
produção, processamento, transmissão e armazenamento de informações 14. Todavia a par das
vantagens tais como a inexistência de barreiras de distância, tempo, ou volume de
informações nesse novo meio que se desponta, algumas desvantagens também proliferam
nesse meio, tal qual, a perda parcial ou total da privacidade ou de sua intimidade.
Analisaremos a seguir esse confronto de direitos.
2. Conceituações paradoxais do direito à privacidade e o direito ao livre acesso à
informação na era globalizada
George Orwell15, Jeremy Bentham16, e Alvin Toffler17 demais escritores visionários e
futuristas vislumbraram a sociedade totalitarista monitorada por aparatos tecnológicos ou
dispositivos de vigilância, e que a informação seria o maior bem ou produto existente na
virada do terceiro milênio 18.
13
A internet resultou de um projeto de comunicação global encomendado pelos EUA à Ran Corporation
denominado ARPANET durante o período da guerra fria (EUA X Ex-Rússia), quando uma das principais
metrópoles sofresse algum ataque nuclear as comunicações não cessariam. Com a interveniência da academia
(MIT) e de estudos científicos acabou chegando no que a Internet é hoje in CASTELLS, Manuel. La Galáxia
Internet. 1. ed. Barcelona: Areté, 2001, p. 31 e CREMARES, Javier, (coord.), FERNANDÉZ-ORDOÑEZ,
Miguel Ángel y ILLESCAS, Rafael. Historia de Internet, VV.AA., Régimen Jurídico de Interent. Madrid: La
Ley, 2001, p.88.
14
MARQUES, Garcia, Martins, Lourenço. Direito da Informática. Coimbra: Almedina, 2000, p.43.
15
ORWELL, George. 1984. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1978, 11ª Edição.
16
BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. (Organização e tradução de Tomaz
Tadeu da Silva).
17
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 16. ed. Rio de Janeiro: Record, 1980.
18
“Na Primeira Onda, ou sociedades agrárias, a principal forma de capital era a terra. Se eu cultivasse a minha
terra, você não podia cultivar a sua plantação na mesma terra ao mesmo tempo. Era ou você ou eu, nunca ambos.
O mesmo era - e ainda é - verdade para o capital nas economias industriais da Segunda Onda. Você e eu não
podemos usar a mesma linha de montagem ao mesmo tempo. Tudo isso se inverte nas economias da Terceira
Onda, nas quais o conhecimento é a principal forma de capital. Você e eu podemos usar o mesmo conhecimento
ao mesmo tempo e, se o usarmos com criatividade, podemos até mesmo gerar mais conhecimento”. In:
TOFFLER, Alvin. A terceira onda, 16 ed. Rio de Janeiro: Record, 1980.
106
Outrossim, em se tratando desse paradoxo enunciado nesse capítulo, Alexandre de
Moraes19 uniu os dois conceitos de liberdade de informação e vida privada, de maneira
indissociável quando tratarmos desses mesmos direitos e garantias conjuntamente, sob pena
de conseqüências jurídicas advindas de atos irresponsáveis:
A manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a informação e a livre
divulgação dos fatos, consagradas constitucionalmente pelo inciso XIV do art. 5º da
Constituição Federal, devem ser interpretadas em conjunto com a inviolabilidade à
honra e à vida privada (CF, art 5º, X), bem como a proteção à imagem (CF, art. 5º,
XXVII, a), sob pena de responsabilização do agente divulgador por danos materiais
e morais (CF, art. 5º, V e X).
Seguindo essa esteira de pensamento, no que tange à colisão de princípios
constitucionais, tais como a privacidade e a intimidade (art. 5º incisos X e XII, da CF/88) e o
acesso à informação e a liberdade de expressão (art. 5º, incisos IV, IX, XIV, XXXIII, e art.
220 da CF/88), vislumbramos que ambos possuem a mesma hierarquia normativa e não
podem ser facilmente solucionados pele conflito de normas aparente bem retratado por Maria
Helena Diniz20 já que se tratam de leis de mesma categoria, já consagrados pela doutrina
mundial e definidos por Robert Alexy com a qual anuímos. Devemos nesses casos como
tratado em trabalho anterior21 recorrermos ao princípio dos princípios seguindo a corrente
doutrinária da especialista no tema, dra. Suzana de Toledo Barros22, e como bem ressaltou
Willis Santiago Guerra Filho23 em seu trabalho acadêmico:
(...) O princípio da proporcionalidade, que determina a busca de uma “solução de
compromisso”, na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios
em conflito, procurando desrespeitar o mínimo ao(s) outro(s), e jamais lhe(s)
faltando minimamente com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu “núcleo essencial”, em
que encontra entronizado o valor da dignidade humana. Esse princípio, embora não
se esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é
uma exigência inafastável da própria fórmula política adotada por nosso
constituinte, a do “Estado Democrático de Direito”, pois sem a sua utilização não se
concebe com bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito
simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.
19
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ª. Edição. Atualizada até a EC nº 47/05. São Paulo.
Editora Atlas S.A. 2005. p. 739.
20
DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 1987.
21
Verificar o capítulo 2.9 que trata da colisão de Direitos Fundamentais, p. 78-83. In: TOMIZAWA, Guilherme.
A Invasão de Privacidade Através da Internet. JM Livraria Jurídica, Curitiba, 2008.
22
BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis
restritivas de direitos fundamentais. Editora Brasília Jurídica, 3ª. Edição, 2003.
23
FILHO GUERRA, Willis Santiago. Direito das obrigações e direitos fundamentais: sobre a projeção do
princípio da proporcionalidade no direito privado. Del Rey, Belo Horizonte, 2003. p. 535.
107
Alexy, Perelman e Dworkin já trataram nessa mesma linha de raciocínio quando nos
referimos à colisão de direitos fundamentais, sendo assim, a ponderação ao caso concreto
deve ser utilizada como uma ferramenta ao intérprete, principalmente se tratando de hard
cases. No estudo em comento, estaremos tratando do direito à vida privada e à intimidade e a
liberdade de expressão e acesso à informação, mais especificamente na Internet. Sabemos que
quando uma mídia sensacionalista publica uma reportagem, temporariamente aquela imagem
ou o conteúdo que foi ao ar pode trazer danos de diversos tipos a vítima. Logicamente que
nenhum direito pode ser levado aos extremos. O abuso do direito é repudiado pela doutrina
brasileira, não podemos também ser demais policialescos (censura) nem libertinos (anarquia)
ao extremo. Devemos impor limites e barreiras contra os excessos praticados na imprensa ou
na mídia em geral.
Pinto Ferreira24 define os limites entre a censura prévia e abusos perpetrados por
veículos midiáticos que podem responder por publicações injuriosas na imprensa, tendo o
dever de controlar e vigiar o conteúdo que divulga, senão vejamos:
O Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade,
que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da
opinião, como sob o aspecto negativo, referente à proibição de censura.
Com relação à liberdade de expressão e de manifestação de pensamento o
constitucionalista Alexandre de Moraes25 propôs o seguinte:
O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prévia. Essa
previsão, porém, não significa que a liberdade de imprensa é absoluta, não
encontrando restrições nos demais direitos fundamentais, pois a responsabilização
posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas
sempre será cabível, em relação a eventuais danos materiais e morais.
Aqui se ratifica o pensamento que no catálogo de direitos fundamentais, não existem
direitos absolutos, e sim relativizados de per si. O prof. dr. Gustavo E. L. Garibaldi 26 também
acentua essa preocupação:
24
25
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 68
MORAES, op. cit. p. 46.
108
La tutela de la libertad de prensa (arts. 14 y 32, C.N.) por un lado de la vida privada
de los posibles afectados por aquélla (arts. 19 y 33, C. N.; 11, CADH y 17, PIDCP),
plantea um delicado problema. Cualquier propuesta que quiebre um equilíbrio
razonable entre uno y outro derecho puede acarretar daños y evidenciar que los
limites diseñados son inconvenientes. Se há entendido que la confrontación entre
libertad de prensa y derechos de la personalidad se debe llevar a cabo trás tener em
cuenta la posición prevaleciente de aquélla, com motivo de su doble carácter de
libertad individual y garantia constitucional, em atención especialmente a si existe
um interes público general, sin dejar vacíos de contenido a los derechos
fundamentales de los afectados em su honor, imagen, intimidad o sentimiento
religiosos. Las noticias tienen trascedencia em razón de la persona de que se trata,
por el lugar em que se encuentra o por el hecho que involucra. La cuestión no es
sencilla de se resolver frente a conflictos concretos que permiten valoraciones
diversas con fundamentos em todo caso respetables.
É mister trazer à lume jurisprudência abaixo que toca bem nesse ponto antagônico,
onde direitos fundamentais de mesmo valor se colidem, senão vejamos, em negrito e
sublinhadas pelo autor, que é relevante ao presente estudo:
CONSTITUCIONAL E CIVIL – LIBERDADES DE IMPRENSA VERSUS
DIREITO À HONRA E À IMAGEM DAS PESSOAS – INDENIZAÇÃO POR
DANO MORAL – NOTÍCIA DIFAMATÓRIA E INJURIOSA – DEVER DE
INDENIZAR
1. Sé é certo que a carta de outubro proclama, reconhece e protege o direito à
liberdade de imprensa, menos verdade não é que este direito não é ilimitado e
por isto deve ser exercido com responsabilidade e em harmonia com outros
direitos, especialmente com o direito que todos temos à honra e à boa imagem, não
se prestando, portanto, a informação jornalística como instrumento para denegrir ou
macular
a
honra
das
pessoas.
2. Doutrina. José Afonso da Silva. O texto constitucional repele frontalmente a
possibilidade de censura prévia. Essa previsão, porém, não significa que a
liberdade de imprensa é absoluta, não encontrando restrições nos demais direitos
fundamentais, pois a responsabilização posterior do autor e/ou responsável pelas
notícias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre será cabível, em relação eventuais
danos materiais e morais. Como salienta Miguel Angel Ekmekdjian, a proibição à
censura prévia, como garantia a liberdade de imprensa, implica forte limitação ao
controle estatal preventivo, mas não impede a responsabilização posterior em
virtude
do
abuso
no
exercício
desse
direito.
O autor, inclusive, cita julgado da corte suprema de justiça argentina no qual se
afirmou: apesar de no regime democrático a liberdade de expressão ter um lugar
eminente que obriga particular cautela enquanto se trata de decidir responsabilidades
por seu desenvolvimento, pode-se afirmar sem vacilação que ela não se traduz no
propósito de assegurar a impunidade da imprensa. A liberdade de imprensa em
todos os aspectos, inclusive mediante a vedação de censura prévia, deve ser
26
GARIBALDI, Gustavo E. L. Las Modernas tecnologias de control y de investigación del delito – Su
incidência em el derecho penal y los princípios constitucionales. Editorial Ad-hoc. 1ª. Edição. Buenos Aires,
2010. p. 284-285.
109
exercida com a necessária responsabilidade que se exige em um estado
democrático de direito, de modo que o desvirtuamento da mesma para o
cometimento de fatos ilícitos, civil ou penalmente, possibilitará aos
prejudicados plena e integral indenização por danos materiais e morais, além
do efetivo direito de resposta.
2.1. Alexandre de Moraes. O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade
de censura prévia. Essa previsão, porém, não significa que a liberdade de imprensa é
absoluta, não encontrando restrições nos demais direitos fundamentais, pois a
responsabilização posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas,
difamantes, mentirosas sempre será cabível, em relação a eventuais danos materiais
e
morais.
3. Ao publicar ou noticiar qualquer fato deverá o veículo de comunicação social
proceder a um juízo acerca do conteúdo da matéria, não se esquecendo que a
liberdade que lhe é conferida pela carta magna tem limites e que outros
direitos, de igual envergadura, ali também se encontram tutelados.
4. Nesta ordem de idéias, a vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem
cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que, em certos casos,
pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio deve receber
uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz,
atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a
situação pessoal do ofendido. 2.1. Nem tão grande que se converta em fonte de
enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. 3. Sentença modificada
para julgar-se parcialmente procedente o pedido. (TJ/DF – 3ª T. Cív., Ap. Cív. nº
20020150078482, Rel. Des. João Egmont Leôncio Lopes, DJ 27.05.2004, p. 40)
Tal julgado serve de referência ao artigo em comento, pois trata de direitos
fundamentais, de mesmo valor hierárquico, devendo-se sopesar em cada caso concreto quais
direitos devem prevalecer em detrimento de outros. Mas não descartando o outro princípio ou
direito de plano, assim como bem doutrinado por Alexy 27:
Cuando dos princípios entran en colisión (...) un de los dos princípios tiene que
ceder ante el otro pero, esto no significa declarar inválido al principio desplazado ni
que en el principio desplazado haya que introducir una cláusula de excepción. Más
bien lo que sucede es que, bajo ciertas circunstancias, la cuestión de la precedencia
puede ser solucionada de manera inversa. Esto es lo que se quiere decir cuando se
afirma que en los casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el
principio con mayor peso
O professor Antonio Enrique Perez Lunõ28 também segue a mesma linha de
entendimento:
27
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y
Constitucionales, 1993, p.89.
28
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los Derechos Fundamentales. Madrid: Tecnos, 1995. p. 134-135.
110
(...) De igual modo, el proprio processo hermeneutico actúa como um cauce abierto
a las distintas exigências y alternativas prácticas, es decir, como uma instancia
crítica capaz de ‘ponderar los bienes’, afin de resolver y canalizar los conflictos que
puedan darse entre los diversos valores e intereses tutelados por la normativa
constitucional
Deve-se dar, sempre, nesse entendimento, primazia ao princípio de maior peso no
referido caso concreto. Passaremos agora a tratar do direito ao esquecimento antes de
adentrarmos no núcleo em discussão.
3. O Direito ao esquecimento ou ao apagamento
O ilustre professor René Ariel Dotti29, um dos pioneiros no Brasil em matéria de
direito de privacidade com sua expertise no tema, conceituou o “direito ao esquecimento” da
seguinte forma:
(...) consiste na faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do passado
que não tenham legítimo interesse público. Trata-se do reconhecimento jurídico à
proteção da vida pretérita, proibindo-se a revelação do nome, da imagem e de outros
dados referentes à personalidade.
Ainda lapidando e aprofundando o conceito do direito ao esquecimento ou “ao
apagamento” a estudiosa em direito à privacidade, Dr. Tatiana Malta Vieira endossou o
seguinte com relação ao lapso temporal e destino final das informações onde:
estabelece que os dados devem ser apagados assim que se atingirem os objetivos
para os quais foram colhidos. Assim, dados coletados para celebração de um
contrato devem ser imediatamente apagados após a prescrição das obrigações
estipuladas. Proíbe-se, desta forma, o armazenamento de dados pessoais além do
tempo necessário ao cumprimento da finalidade para a qual foram coletados.
Mais a frente completa seu raciocínio anunciando o “princípio da caducidade”, com
supedâneo no pensamento da dra. Catarina Sarmento Castro30:
29
DOTTI, René Ariel. O Direito ao esquecimento e a proteção do hábeas data. In: Wambier, Teresa Arruda
Alvim (org.). Habeas Data. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 300.
111
Decorre, portanto, do princípio da caducidade o chamado direito ao apagamento ou
direito ao esquecimento. O referido direito faculta ao indivíduo exigir o apagamento
de seus dados pessoais, após o período necessário ao cumprimento das finalidades
determinantes da coleta, especialmente diante dos novos recursos da tecnologia da
informação “que não esquecem” e que não possuem “limites físicos” ao
armazenamento de tais informações.
Jean François Revel31, completa esse raciocínio lógico entre a livre manifestação de
pensamento e o direito de ser informado, apontando que a primeira deve ser conhecida
inclusive aos mentirosos e loucos, enquanto o segundo, diferentemente, deve ser objetivo,
proporcionando informação exata e séria. O pensamento do autor retrocitado é importante
para estabelecer freios e contra-pesos enaltecendo a garantia fundamental do direito ao
esquecimento a fim de indicar que a informação deve ser divulgada de forma atual, imparcial
e pública, e não inoportunamente, inexoravelmente, ad eternum, sem quaisquer tipos de
limitações.
Na ausência de um dispositivo constitucional, literis, acerca do direito ao
esquecimento coadunamos com a diretiva estabelecida (art. 6º, alínea “e”, 94/46/CE) pela
Comunidade Européia a fim de aclarar o princípio da caducidade encampado por diversos
doutrinadores renomados32, a seguir:
os dados pessoais serão conservados de forma a permitir a identificação das pessoas
em causa apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades
para que foram recolhidos ou para que foram tratados posteriormente.
E a Diretiva nº 2002/58/CE, item 23, no seu preâmbulo que disponibiliza: “(...) a
comunicação registrada deve ser eliminada o mais rapidamente possível e, em todo o caso, o
mais tardar até ao termo do período em que a transacção pode ser legalmente impugnada”.
O Direito ao esquecimento se encontra indiretamente em quatro momentos na nossa
lei brasileira: primeiramente na Carta Magna de 1988 em seu artigo 5º, inciso XXXIV, alínea
“b” c/c com a Lei 9.507/97 (Habeas-Data). Num segundo momento, dentro do direito penal
30
CASTRO, Catarina Sarmento. Direito da Informática, privacidade e dados pessoais. Coimbra: Almedina,
2005, p. 239-240.
31
REVEL, Jean François. El conocimiento inútil. Barcelona: Planeta, 1989, p. 207.
32
Nesta esteira de entendimento o professor René Ariel Dotti e a dra. Tatiana Malta Vieira no Brasil e a dra.
Catarina Sarmento Castro em Portugal.
112
inserido no artigo 748 do CPP33, e na esfera civil em seu artigo art. 43 § 1°do CDC34, que
retrata sobre informações negativas sobre consumidores. Por fim, existe, também o decreto
3.505/2000 que trata da Política de Segurança da Informação nos órgãos e entidades da
Administração Pública Federal.
É interessante trazer nesse estudo interessante julgado do Sistema SPC que vem
aclarar essa questão do direito ao esquecimento:
(...) Em primeiro lugar, é preciso admitir que tal registro só pode ser feito com o
conhecimento do interessado, a fim de habilitá-lo a tomar as medidas cabíveis,
fundadas na defesa que tiver, inclusive da inexistência do débito. Depois, impende
que tal registro não seja perpétuo. O nosso sistema jurídico não autoriza a indefinida
permanência dos registros negativos nem para as sentenças criminais condenatórias,
cujos efeitos desaparecem pelo simples efeito do tempo (...) No caso dos autos, o
cancelamento dos registros feitos há mais de cinco anos, como ficou reconhecido no
acórdão, está de acordo com a regra do art. 43, § 1º do CDC.
E os casos específicos no Brasil, como ficam? Quantas Cicarellis35 ou políticos,
esportistas e profissionais que atuam na mídia terão sua privacidade preservada? Passaremos a
tratar dos motores de busca, uma questão mais técnica que vai elucidar pontos importantes
para o desfecho do direito ao esquecimento dentro da Internet.
4. Mecanismos de busca dentro da internet
Existem atualmente diversos sites de busca ou procura, tais como google 36, yahoo37,
altavista38, cadê39, e mais recentemente o ask40 ou o bing41 a fim de rastrear e localizar os
endereços e sítios dos mais diversos interesses e gostos.
33
Art. 748 do CPP: “A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes
do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal.“
34
Art. 43 § 1° do CDC: ”Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em
linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a
cinco anos.”
35
Ver link contendo caso notório e considerado um marco referencial dentro da Internet em matéria de direito do
esquecimento no Brasil. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2006-set28/justica_confirma_veto_video_cicarelli_internet Acessado em 15 abr. 2011.
36
GOOGLE. Disponível em: https://encrypted.google.com/ Acessado em: 15 abr. 2011.
37
38
39
YAHOO. Disponível em: http://br.yahoo.com/ Acessado em: 15 abr. 2011.
ALTAVISTA. Disponível em: http://br.altavista.com/ Acessado em: 15 abr. 2011
CADE. Disponível em: http://cade.search.yahoo.com/ Acessado em: 15 abr. 2011.
113
O grande problema desses motores de busca, e, involuntariamente dentro da Internet,
ocorre quando os mesmos não esquecem do que publicam dentro da rede das redes. Todo
conteúdo que é fornecido ou toda informação que circula ou é disponibilizada pode ser
passível de ser lida, acessada ou absorvida por um olhar mais curioso ou por algum interesse
específico, coincidente ou louvável.
Os motores de busca, motores de pesquisa ou máquinas de busca podem ser definidos
pelo Wikipedia (2011) como: “um sistema de software projetado para encontrar informações
armazenadas em um sistema computacional a partir de palavras-chave indicadas pelo
utilizador, reduzindo o tempo necessário para encontrar informações”42. Funcionam por grau
de relevância e números de acesso buscado. Quanto mais o usuário ou internauta acessar a
internet naquele site em específico, mais aumenta a sua relevância e conseqüentemente o seu
ranking dentro dos mecanismos de busca. Os mecanismos de busca podem ser classificados
como naturais ou patrocinados. Os naturais são realizados sem o conhecimento técnico de
algum expert ou perito em informática. Já os motores pagos ou patrocinados facilitam e
incrementam o seu ranking dentro da internet, de acordo com as palavras-chaves que o
interessado insere como relevantes e de quanto é o valor do lance de cada palavra.
Dependendo de quanto o usuário “investe” nos termos de seu interesse ou sugeridos pelo
próprio mecanismo de busca, tais como uma empresa ou uma loja virtual que gostaria de
40
ASK. Disponível em: http://www.ask.com/ Acessado em: 15 abr. 2011.
BING. Disponível em: http://www.bing.com/?cc=br Acessado em: 15 abr. 2011
42
Segundo o mesmo site, podemos ainda definir um motor de busca como: ”um programa feito para auxiliar a
procura de informações armazenadas na rede mundial (WWW), dentro de uma rede corporativa ou de um
computador pessoal. Ele permite que uma pessoa solicite conteúdo de acordo com um critério específico
(tipicamente contendo uma dada palavra ou frase) e responde com uma lista de referências que combinam com
tal critério, ou seja é uma espécie de catálogo mágico. Mas, diferentemente dos livros de referências comuns, nos
quais está acessível a informação que alguém organizou e registrou, o catálogo do motor de busca está em
branco, como um livro vazio. Ao se realizar uma consulta, a lista de ocorrências de assuntos é criada em poucos
segundos por meio de um conjunto de softwares de computadores, conhecidos como spiders, que vasculham
toda a Web em busca de ocorrências de um determinado assunto em uma página. Ao encontrar uma página com
muitos links, os spiders embrenham-se por eles, conseguindo, inclusive, vasculhar os diretórios internos aqueles que tenham permissão de leitura para usuários - dos sites nos quais estão trabalhando. Os motores de
busca usam regularmente índices actualizados para funcionar de forma rápida e eficiente. Sem maior
especificação, ele normalmente refere-se ao serviço de busca Web, que procura informações na rede pública da
Internet. Outros tipos incluem motores de busca para empresas (Intranets), motores de busca pessoais e motores
de busca móveis. De qualquer forma, enquanto diferente seleção e relevância podem aplicar-se em diferentes
ambientes, o utilizador provavelmente perceberá uma pequena diferença entre as operações neles. Alguns
motores também extraem dados disponíveis em grupos de notícias, grandes bancos de dados ou diretórios
abertos como a DMOZ.org. Ao contrário dos diretórios Web, que são mantidos por editores humanos, os
serviços de busca funcionam algoritmicamente. A maioria dos sites que chamam os motores de busca são, na
verdade, uma "interface" (front end) para os sistemas de busca de outras empresas”. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Motores_de_busca. Acessado em: 15 abr. 2011.
41
114
aumentar o seu número de buscas e relevância a fim de expandi-las e melhorar o seu
marketing internético. A indagação é: existem limites para tanto?
5. Limites dos motores de busca dentro da Internet
Antes de adentrar no cerne da questão, de onde se origina todo o imbróglio desse
estudo, recorro novamente as sábias palavras da Dra. Tatiana Vieira:
O poder que a tecnologia atualmente atingiu eleva-se a patamares tais que se
recomenda seja estipulado um limite temporal ao armazenamento de informações
pessoais, sob pena de permanecerem registradas indefinidamente; o que afetaria não
só a privacidade informacional, mas especialmente o poder de autodeterminação do
titular de dados.
Como poderíamos resolver o limite temporal para que algo disponibilizado na Internet
seja publicado e conhecido por todos? Até quando seria um prazo razoável, 5 anos como reza
a lei consumerista? Até que o réu cumpra a sua pena e pague pelos seus crimes, devendo a
partir daí ser excluído de qualquer motor de busca existente? Será que a saída teria que ser
sempre pela via processual, através de uma ação de obrigação de fazer ou uma tutela inibitória
aos provedores? Existem diversos julgados processuais penais43 que podem servir de
referência no nosso país, onde o direito ao esquecimento foi privilegiado em prol de outros
interesses escusos. Houveram também decisões emblemáticas tais como o assassinato dos
soldados de Le Bach44 que evidenciaram e reforçaram que o tempo e a informação podem
43
EMENTA. RECURSO ORDINÁRIO. PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. ARQUIVAMENTO. EXCLUSÃO
DE DADOS DOS TERMINAIS DO INSTITUTO DE IDENTIFICAÇÃO. SIGILO DAS INFORMAÇÕES. Por
analogia ao art. 748 do CPP – que assegura ao reabilitado o sigilo das condenações criminais anteriores na sua
folha de antecedentes -, esta Corte Superior tem entendido que devem ser excluídos dos terminais dos Institutos
de Identificação Criminal os dados relativos, de modo a preservar a intimidade do indivíduo.” Precedentes.
Recurso conhecido e provido.
44
“Já as colisões de direitos fundamentais em sentido amplo ocorrem entre direitos fundamentais individuais e
interesses fundamentais coletivos, sendo que não há uma relação de precedência incondicionada. Como
exemplo, o famoso caso LeBach julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão, onde quatro soldados do grupo
de guarda de um depósito do Exército haviam sido assassinados, e armas haviam sido subtraídas, na cidade de
LeBach, e, após vários anos cumprindo pena, um dos condenados pelo crime estava para sair da prisão quando o
Programa de Televisão alemão (ZDF) anunciou a projeção de um documento intitulado “o assassinato dos
soldados de LeBach”. O preso pretendeu uma ordem proibitória de exibição do documentário, argüindo que seu
direito individual à personalidade seria ferido, prejudicando sua ressocialização. O Tribunal Constitucional
115
servir como aliados ou inversamente como violadores de direitos fundamentais. Vamos nos
ater aos momentos decisivos da Corte Constitucional Alemã (BVerfGE 35, 203) no referido
caso:
(...) A divulgação posterior de notícias sobre o fato é, em todo caso, ilegítima, se se
mostrar apta a provocar danos graves ou adicionais ao autor, especialmente se
dificultar a sua reintegração na sociedade. É de se presumir que um programa, que
identifica o autor do fato delituoso pouco antes da concessão do seu livramento
condicional ou mesmo após a sua soltura, ameaça seriamente o seu processo de
reintegração social.
O referido caso demonstra claramente que não devemos “pagar” eternamente pelos
nossos erros, o direito é imposto por limites, e esses mesmos limites devem regulamentar
situações imprevisíveis ao homem mediano. Na Internet os efeitos dessa falha ou ofensa
podem ter proporções gigantescas e preocupantes.
Só para argumentar, se uma pessoa física, em tese, tem o seu nome e imagens
denegridos em um blog ou um site de um desafeto, e os números de acesso começam a ser
relevantes a ponto de os motores de busca localizarem com mais rapidez e mais vezes em
links dentro da rede das redes, seria um prejuízo moral ou material ao mesmo? Quanto tempo
poderia ficar exposto tal ofensa? Há regras ou normas para tal afronta constitucional ou abuso
de direito na legislação hodierna? O que poderia ocorrer com uma empresa de reputação e
renome que tendo seu nome comercial exposto e achincalhado por interesses escusos,
supostos concorrentes ou internautas de má-fé? Poderia macular ou denegrir a reputação
desses sócios? E muito pior, se uma pessoa física é indiciada ou acusada injustamente, ou
ainda sem provas suficientes para sua autoria, e descobre-se ao final que ela era inocente,
como reagiriam os mecanismos de busca perante a falha humana? Infortunamente o estrago já
foi feito. A inteligência artificial ou a máquina em seu estado bruto conseguem detectar essas
lacunas? Ou ainda seriam capazes de absorver a perversidade do homem ou de um ser
humano racional?
decidiu que, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas, o principio da proteção da personalidade, de índole
individual, obteve melhor ponderação do que o principio da liberdade de informação, de índole coletiva”. In:
JÚDICE, Mônica Pimenta. Conflitos no Direito - Robert Alexy e a sua teoria sobre os princípios e regras..
Disponível
em:
http://www.conjur.com.br/2007-mar02/robert_alexy_teoria_principios_regras?pagina=3#autores. Acessado em: 15 abr. 2011. (nosso grifo)
116
Até o presente momento não dispomos de um projeto de lei que regule o direito ao
esquecimento ou ao apagamento pontualmente em nosso ordenamento jurídico pátrio, a não
ser a legislação retrocitada anteriormente45, mas haveria necessidade para tanto?
Para o desfecho desse capítulo, prezo pelas palavras do prof. Alexandre de Moraes46
que essencialmente refletem esse antagonismo de princípios, da liberdade de expressão e da
privacidade, mais especificamente o esquecimento:
A proteção constitucional às informações verdadeiras também engloba aquelas
eventualmente errôneas ou não comprovadas em juízo, desde que não tenha havido
comprovada negligência ou má-fé por parte do informador. A Constituição Federal
não protege as informações levianamente não verificadas ou astuciosas e
propositadamente errôneas, transmitidas com total desrespeito à verdade, pois as
liberdades públicas não podem prestar-se à tutela de condutas ilícitas. A proteção
constitucional à informação é relativa, havendo a necessidade de distinguir as
informações de interesse público, da vulneração de condutas íntimas e pessoais,
protegidas pela inviolabilidade à vida privada, e que não podem ser devassadas de
forma vexatória ou humilhante.
6. Conclusão
Num verdadeiro Estado Democrático de Direito, todas as pessoas e cidadãos que
compõe essa mesma sociedade de direito têm direito à informação, ao acesso à Internet como
conceito esse já bem trabalhado em duas oportunidades pelo prof. Ivar Alberto Martins
Hartmann47. Deve-se ter em mente que a internet não esquece, as pessoas com o auxílio da
internet podem se relembrar ou armazenar dados (esses classificados como informações de
texto, imagem, voz, vídeo). Até quando o ser humano num viés pejorativo deve ser
perpetuado entre os demais?
O tempo, como já dito, é inexorável, ele não perdoa, ele avança, e em alguns casos
retrocede, podendo ser momentâneo, como perpétuo. As pessoas esquecem, mas os sistemas e
softwares informáticos não, e enquanto não houver uma legislação ou uma nova forma
arquitetônica de se difundir os mecanismos de busca no mundo, a humanidade ainda
45
Artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “b”, da CF/88 c/c com a Lei 9.507/97; artigo 748 do CPP; art. 43 § 1°do CDC
e Decreto 3.505/2000.
46
MORAES, op. cit. p. 739.
47
HARTMANN, Ivar Alberto Martins. O acesso à Internet como direito fundamental. Revista de Derecho
Informático, n. 118, maio 2008. Disponível em: http://www.alfa-redi.org/rdi-articulo.shtml?x= 10359. Acessado
em: 15 abr. 2011. e HARTMANN, Ivar Alberto Martins. Ecodemoracia – a proteção do meio ambiente no
ciberespaço, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.
117
continuará a ser objeto de monitoração como já abordado em outro estudo48, e “o direito ao
esquecimento” será um produto raro, quase que escasso ao homem, pois sempre existirá uma
forma de armazenar (HD físico ou virtual, Cd, DVD, e-mails, etc.) ou divulgar tal informação
dentro da Rede das redes ou fora dela.
O jurista argentino prof. Gustavo E. L. Garibaldi49, elucida com muita propriedade no
assunto que lhe é peculiar, sobre a perda da intimidade com o uso de computadores:
Los avances tecnológicos em matéria de comunicaciones son particularmente aptos
para afectar la intimidad de las personas y generar toda clase de conflitctos. El riesgo
de exposición abarca, nada menos, la suerte de toda exteriorización del pensamiento
destinada a outro que, a partir de la evolución tecnológica em cuanto a medios de
transmisión y captación, pone em riesgo de no deseada divulgación la mayor parte
de las cosas que se dicen o se dijeron, que se escriben o se escribieron.
O Professor Doutor Marcelo Cardoso Pereira50, especialista em informática e
privacidade ressalta a importância dessas informações pessoais, a fim de concluirmos o
presente estudo:
Esse tipo de informação (pessoal) sempre foi objeto de armazenamento para os mais
variados fins, não sendo uma atividade fruto do surgimento da Internet. No presente
momento, o problema atual reside no fato de que essas bases de dados estão
deixando o âmbito das empresas e organizações (governamentais ou não), passando
a estar disponíveis na Rede das redes. Já dissemos, anteriormente, que da navegação
pela Internet ficam “rastros” (informações e dados acerca do internauta e de seu
sistema informático). Partindo dessa premissa, não é difícil concluir que, quanto
mais ativo (participativo) for o indivíduo na Rede, mais “rastros” deixará. A
problemática centra-se em que tipo de informações o usuário deixou na Rede das
redes, bem como onde estão e quais as condições de armazenamento delas.
7. Referências Bibliográficas
48
TOMIZAWA, Guilherme. O Direito à privacidade e a intromissão estatal através dos sistemas de inteligência
e ferramentas de espionagem dentro da Internet. ANIMA V – Revista de Direito Eletrônico do Curso de Direito
da OPET. ISSN 2175-7119, Volume 5, série 5, págs. 302-316. Disponível em: site http://www.animaopet.com.br/anima_5.html. Acessado em: 15 abr. 2011.
49
GARIBALDI, op. cit. p. 183-184.
50
PEREIRA, Marcelo Cardoso. Direito à Intimidade na Internet. Curitiba: Juruá Editora, 2004. p. 240-241.
118
Livros e Periódicos:
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y
Constitucionales, 2001.
BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis
restritivas de direitos fundamentais. Editora Brasília Jurídica, 3ª. Edição, 2003.
BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. (Organização e tradução de Tomaz Tadeu
da Silva).
CASTELLS, Manuel. La Galáxia Internet. 1 ed. Barcelona: Arete, 2001.
CASTRO, Catarina Sarmento. Direito da Informática, privacidade e dados pessoais. Coimbra: Almedina, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 1987.
DOTTI, René Ariel. O Direito ao esquecimento e a proteção do habeas data. In: Wambier, Teresa Arruda
Alvim (org.). Habeas Data. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1993.
FILHO GUERRA, Willis Santiago. Direito das obrigações e direitos fundamentais: sobre a projeção do
princípio da proporcionalidade no direito privado. Del Rey, Belo Horizonte, 2003.
GARIBALDI, Gustavo E. L. Las Modernas tecnologias de control y de investigación del delito – Su incidência
em el derecho penal y los princípios constitucionales. Editorial Ad-hoc. 1ª. Edição. Buenos Aires, 2010.
HARTMANN, Ivar Alberto Martins. Ecodemoracia – a proteção do meio ambiente no ciberespaço, Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.
MARQUES, Garcia, Martins, Lourenço. Direito da Informática. Coimbra: Almedina, 2000.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos
Editor, 1998.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ª. Edição. Atualizada até a EC nº 47/05. São Paulo. Editora
Atlas S.A. 2005.
ORWELL, George. 1984. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1978, 11ª Edição.
PEREIRA, Marcelo Cardoso. Direito à Intimidade na Internet. Curitiba: Juruá Editora, 2004.
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los Derechos Fundamentales. Madrid: Tecnos, 1995.
REVEL, Jean François. El conocimiento inútil. Barcelona: Planeta, 1989.
TOFFLER, Alvin. O Choque do Futuro. 4ª ed. Tradução: Marcos Aurélio de Moura Matos. Editora Arte Nova,
1972.
_________. A terceira onda. 16. ed. Rio de Janeiro: Record, 1980.
TOMIZAWA, Guilherme. A Invasão de Privacidade Através da Internet. JM Livraria Jurídica, Curitiba, 2008.
VIEIRA, Tatiana Malta. O Direito à Privacidade na Sociedade de Informação. Efetividade desse direito
fundamental diante dos avanços da informação. Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editora, 2007.
Sites:
ALTAVISTA. Disponível em: http://br.altavista.com/ Acessado em: 15 abr. 2011.
ASK. Disponível em: http://www.ask.com/ Acessado em: 15 abr. 2011.
BING. Disponível em: http://www.bing.com/?cc=br Acessado em: 15 abr. 2011.
CADE. Disponível em: http://cade.search.yahoo.com/ Acessado em: 15 abr. 2011.
GOOGLE. Disponível em: https://encrypted.google.com/ Acessado em: 15 abr. 2011.
HARTMANN, Ivar Alberto Martins. O acesso à Internet como direito fundamental. Revista de Derecho
Informático, n. 118, maio 2008. Disponível em: http://www.alfa-redi.org/rdi-articulo.shtml?x= 10359. Acessado
em: 15 abr. 2011.
JÚDICE, Mônica Pimenta. Conflitos no Direito - Robert Alexy e a sua teoria sobre os princípios e regras.
Disponível
em:
http://www.conjur.com.br/2007-mar02/robert_alexy_teoria_principios_regras?pagina=3#autores. Acessado em: 15 abr. 2011.
TOMIZAWA, Guilherme. O Direito à privacidade e a intromissão estatal através dos sistemas de inteligência e
ferramentas de espionagem dentro da Internet. ANIMA V – Revista de Direito Eletrônico do Curso de Direito
da OPET. ISSN 2175-7119, Volume 5, série 5, págs. 302-316. Disponível em: site http://www.animaopet.com.br/anima_5.html. Acessado em: 15 abr. 2011.
YAHOO. Disponível em: http://br.yahoo.com/ Acessado em: 15 abr. 2011.
WIKIPEDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Motores_de_busca. Acessado em: 15 abr. 2011.
119
120
NOVOS DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS
Luciano dos Santos Nunes51
O Brasil é um país muito jovem de apenas 514 anos de existência e a mão de obra
escrava esteve presente em 388 anos de 1.500 a 1.888. Os empregados domésticos ficaram
sem nenhuma lei de proteção por 472 anos, uma vergonha mundial e que não serve de modelo
de mão de obra para nenhum povo. Somente em 1972 o empregado doméstico brasileiro
conseguiu alguns direitos e ainda de forma discriminativa em relação aos demais empregados
brasileiros.
Com o advento da lei nº 5.859/72, os domésticos conquistaram os primeiros direitos
que, mesmo de forma resumida em relação aos demais empregados brasileiros, não deixou de
ser um grande avanço. A lei trouxe direito as férias (apenas de 20 dias úteis), direito à
gratificação natalina (13º salário), direito ao registro na CTPS – Carteira de Trabalho e
Previdência Social entre outros. Mesmo com este avanço, os domésticos ainda não ficaram
nivelados aos demais empregados do setor produtivo em relação aos direitos. Em 2006, com a
Lei nº 11.324/06, os direitos foram ampliados, mas mesmo assim não chegaram aos mesmos
direitos dos empregados urbanos regidos pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
desde 1.943.
Com todos os avanços de direitos os domésticos ainda não conquistaram os mesmos
direitos dos demais empregados tais como: jornada de trabalho, benefício por acidente de
trabalho, salário-família, abono do PIS/PASEP, adicional noturno, indenização por tempo de
serviço, FGTS de forma obrigatória e outros.
É justo que os trabalhadores empregados domésticos tenham os mesmos direitos dos
empregados do setor produtivo e lucrativo. O que se questiona não é o empregado ter ou não
ter os mesmos direitos dos demais trabalhadores brasileiros, mas o custo para o empregador,
pois a última decisão do Congresso Nacional sobre o assunto nivelou o empregador
doméstico, que não tem fins lucrativos, às grandes empresas nacionais e multinacionais, que
auferem bilhões de lucros todos os anos. É justo o empregado, na condição de empregador
51
Contador e Professor Universitário
121
doméstico (empregado-patrão), pagar ao seu empregado o mesmo custo de uma multinacional
que, além de auferir grandes lucros, ainda goza de benefícios fiscais do governo?
A decisão do Congresso Nacional nivelou o que na prática são dois extremos, ou seja:
o grande empresário de muitos lucros com um trabalhador na condição de empregador.
Muitos empregadores domésticos são, também, empregados, os chamados empregadospatrões, que não conseguem sequer a reposição de suas perdas salariais nas negociações com
seus próprios patrões como é o caso dos servidores públicos do próprio governo que tem
interesse em nivelar os direitos dos domésticos aos demais empregados brasileiros com fins
apenas eleitoreiros, ou seja, mostrar que o governo é bonzinho com o dinheiro e o sacrifício
dos outros.
Esta decisão do Congresso Nacional Brasileiro é mesmo um paradoxo, pois enquanto
aumenta o custo da mão de obra para o empregador doméstico, cria a desoneração da folha de
pagamento para 42 atividades econômicas lucrativas que já gozam de benefícios fiscais
reduzindo de forma significativa o custo da mão de obra para o setor que já vem usufruindo
de grandes lucros à custa da miséria do povo brasileiro. É mesmo de lascar, como diz o
caboclo.
Aqui cabe ressaltar que, por um lado o Congresso Nacional Brasileiro fez uma justa
reparação aos trabalhadores domésticos com a ampliação destes direitos. Mesmo de forma
atrasada, a iniciativa é louvável, mas por outro lado tais direitos poderão ter reflexos
negativos pelo fato de aumentar os custos para o empregador doméstico enquanto que o
mesmo governo promove a desoneração da folha de pagamento para os grandes empresários
do setor que mais lucra neste país e ainda lhes concede benefícios fiscais.
Podemos ter desemprego em massa de empregados domésticos, aumento de ações na
Justiça do Trabalho, aumento do trabalho informal e ainda um aumento significativo de
diaristas no Brasil como acontece nos países da Europa, pois com a contratação de diarista o
tomador de serviço deixa de pagar horas extras, descanso semanal remunerado sobre horas
extras, adicional noturno, descanso semanal remunerado sobre adicional noturno, férias, 1/3
de férias, 13º salário, INSS patronal, FGTS, Vale Transporte, auxílio creche, além de não ter a
obrigação de registrar o contrato em Carteira de Trabalho e Previdência Social. A solução
seria o governo bancar os custos adicionais que virão com as novas regras, como já faz com o
122
setor produtivo e lucrativo provendo incentivos fiscais e desoneração da folha de pagamento,
também para o empregador doméstico, como medida de equidade e justiça.
123
124
A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL: PRESSUPOSTOS E POSSIBILIDADES DA
AUDIÊNCIA PÚBLICA REALIZADA PELO TST
Sérgio Coutinho52
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. Pressupostos normativos no Direito do Trabalho brasileiro. 3. Como atuam as audiências
públicas: O Poder Judiciário ouvindo a sociedade civil. 4. A audiência pública no TST. 4.1 Aspectos gerais e
pressupostos sobre Terceirização na Audiência Pública. 4.2 Aspectos jurídicos dos debates na Audiência
Pública. 5. Conclusão. 6. Referências.
“Não demasiado antigas há muitas profissões que
desapareceram, hoje ninguém sabe para que serviam aquelas
pessoas, que utilidade tinham...”
(José Saramago, A Caverna)
1.
Introdução
A insuficiência das leis para resolver os problemas de nosso cotidiano é flagrante no
Direito contemporâneo. Todo o debate entre Monismo e Pluralismo tornou-se um
anacronismo de meados do século XX diante dos desafios do século XXI. Para uma sociedade
crescentemente diversificada nos hábitos de seus cidadãos, é preciso ter ferramentas jurídicas
para controle social que sejam igualmente variadas.
Têm ocorrido, nos últimos anos, diversas audiências públicas perante os tribunais
superiores brasileiros, principalmente a máxima corte nacional. Desafiado para resolver
dilemas contemporâneos sem precedentes normativos locais claros, o tribunal chamou para
consulta não apenas especialistas de diversas áreas. As pessoas que seriam atingidas pelos
novos entendimentos jurídicos também puderam se pronunciar. A suposta distância entre
magistrados e cidadãos diminuiu significativamente.
Para os fins desta investigação, será estudado o caso da audiência pública sobre
terceirizações no Brasil. A facilidade com que o trabalho terceirizado tem se disseminado no
52
Mestre em Sociologia e Bacharel em Direito pela UFAL. Aluno dos cursos para o Doctorado en Derecho da
Universidad de Buenos Aires. Professor universitário em Maceió. Coordenador da Escola Superior de Advocacia
da OAB-AL. Orientador do Programa Agentes Locais de Inovação do Sebrae-AL. Contato:
[email protected].
125
país tem preocupado há algumas décadas. Contudo, no ano passado atingiu o Tribunal
Superior do Trabalho, instância máxima do Direito do Trabalho entre os tribunais brasileiros.
A princípio, será explicado como tem se organizado, em linhas gerais, a reestruturação
produtiva das últimas décadas. Este fenômeno socioeconômico será mostrado como gênese
dos contratos de terceirização.
Em seguida, será explicada a legislação brasileira sobre terceirizações, bem como as
principais controvérsias que têm surgido na jurisprudência nacional. Assim, será possível
compreender o que levou o TST a ouvir especialistas de diversas áreas antes de julgar, o que
deve ocorrer em 2012.
Posteriormente, será analisado como funcionam as audiências públicas. Como
sequência lógica, serão apresentados os principais argumentos apresentados para reflexão
diante do tribunal, uma vez que a audiência pública tenha sido completamente gravada em
vídeo e retransmitida pelo Tribunal Superior do Trabalho. Foi retransmitida em tempo real
por meio do canal TV Justiça e, hoje, pode ser acessada por meio do canal do tribunal no sítio
eletrônico Youtube.com. Esta será minha referência de pesquisa aos termos da audiência
pública. Do mesmo modo, diversos documentos produzidos pelo Tribunal Superior do
Trabalho e posições apresentadas por meio da imprensa eletrônica foram investigados, devido
ao caráter tão recente do objeto de análise inviabilizar a variedade de obras impressas de
consulta53.
Durante a exposição das principais reflexões (não seria adequado analisar uma por
uma pois são comuns repetições de argumentos entre dezenas de expositores em dias de
audiência pública) serão feitos contrapontos com pesquisadores tanto da Sociologia do
Trabalho quanto do Direito do Trabalho. Isto será feito tanto em aspectos nacionais quanto,
quando for necessário, no contexto do Direito Comparado das relações de trabalho.
2. Pressupostos normativos do Direito do Trabalho brasileiro
A terceirização do trabalho não tem um marco regulatório claro, como será analisado
durante as exposições sobre projetos de lei na Audiência Pública. Contudo, mesmo assim, há
53
A documentação completa, tanto em textos quanto em vídeo, apresentações em PPT ou arquivos de áudio
pode ser encontrada em http://www3.tst.jus.br/ASCS/audiencia_publica/index3.html.
126
diretrizes normativas genéricas que têm sido adotadas no Brasil, por meio da Consolidação
das Leis do Trabalho e da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.
Na Consolidação das Leis do Trabalho, que abaixo da Constituição Federal é a
principal lei trabalhista brasileira, há apenas um artigo sobre terceirização. Ainda assim, este
artigo, o art. 455, não é direto sobre a questão.
Art. 455 - Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas
obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos
empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo
inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
Parágrafo único - Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil,
ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas,
para a garantia das obrigações previstas neste artigo.
Art. 456. A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações
constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e suprida por todos os
meios permitidos em direito.
Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito,
entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com
a sua condição pessoal.
Não há distinção clara, no caso, entre subempreitada, locação de mão-de-obra e
terceirização do trabalho. Lembremos que a CLT data de 1943, com sucessivas atualizações
legais ao longo das décadas que tornaram-na uma colcha de retalhos legais. Não é à toa que o
mencionado artigo encontre-se logo após menções legais a contratos temporários de trabalho,
em capítulo correspondente a prazos determinados nos contratos, o que também não se
confunde com a terceirização. Todas tais modalidades assim ocorrem porque na primeira
metade do século XX não era comum subcontratar nas relações de trabalho. Porém, o que
antes era exceção hoje, em determinados setores, como bem será discutido durante a
Audiência Pública, converte-se em regra.
Segundo Valentin Carrion, o Tribunal Superior do Trabalho visou dirimir tal omissão
por meio de súmulas de jurisprudência (CARRION, 2009, p. 305). Consolidando seu
entendimento, a corte maior trabalhista poderia facilitar a aplicabilidade do artigo às
condições de trabalho contemporâneas. Contudo, como bem observa Carrion, enquanto a
súmula n. 256 visou frear a terceirização a súmula 331 foi um estímulo (Idem, p. 306).
Assim se encontra o texto da súmula n. 33154:
54
Assim antes se pronunciava a súmula n. 256, hoje cancelada pela súmula n. 331: “Salvo os casos de trabalho
temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e 7.102, de 20 de
127
TST Enunciado nº 331 - Revisão da Súmula nº 256 - Res. 23/1993, DJ 21,
28.12.1993 e 04.01.1994 - Alterada (Inciso IV) - Res. 96/2000, DJ 18, 19 e
20.09.2000 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o
vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho
temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera
vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou
fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de
vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de
serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a
pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador,
implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas
obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das
fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista,
desde que hajam participado da relação processual e constem também do título
executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res.
96/2000, DJ 18.09.2000)
Como fica claro pelo inciso III da súmula supra mencionada, não há limites explícitos
sobre o que caracterizaria a pessoalidade e a subordinação direta neste caso. Do mesmo modo,
falta ao Direito brasileiro um conceito do que seja atividade-meio, tendo sido esta pautada
pela jurisprudência categoria por categoria profissional e nos contínuos esforços doutrinários
por sistematização dos termos.
Entre estes esforços doutrinários, alguns destaques têm sido Voliá Bomfim Cassar e
Mauricio Godinho Delgado. Segundo Delgado, a prática profissional tem associado a
terceirização à colocação de mão de obra, à sua intermediação na contratação, devido ao
sentido restritivo terminológico da palavra, derivada de terceiros na relação de trabalho
(DELGADO, 2004).
Apesar disso, Voliá Bomfim Cassar assinala que em grande parte das ocasiões há a
utilização de outras figuras contratuais, como cooperativas, associações, para contrtar
empresas prestadoras de serviços fazendo parecer que não são empregados de ninguém.
Assim, a terceirização inviabiliza os princípios da proteção ao empregado, da norma mais
favorável, da condição mais benéfica e do tratamento isonômico (CASSAR, 2010).
junho de 1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo
empregatício diretamente com o tomador dos serviços”.
128
Para dirimir dúvidas quanto à fragmentação das normas sobre terceirizações, torna-se
preciso vê-las de modo sistemático. Para isto, é preciso considerar as normas dos arts. 455 e
442 da CLT, das Leis n. 6.019, de 1974, 7.102, de 1983 e da Lei n. 8.987, de 1995. Todas elas
estão resumidas na descrição da súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
Contudo, enquanto há descrições genéricas nas normas e na jurisprudência, os
diversos setores da economia enfrentam distintos panoramas de terceirização. O que pode
parecer ilícito pode ser visto como regra em certos setores sem prejuízos para quaisquer das
partes, conforme será descrito nas exposições da Audiência Pública.
Devido à dificuldade dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho para
compreender uma questão tão multifacetada e polêmica, foi realizada uma Audiência Pública,
visando ouvir as partes envolvidas antes de julgar com repercussão geral a aceitação da
terceirização de atividade-fim e a regulamentação por jurisprudência da terceirização no setor
elétrico, de telefonia e de tecnologia da informação no Brasil.
3. Como atuam as audiências públicas: O Poder Judiciário ouvindo a sociedade civil
A Constituição Federal brasileira abre espaço para democracia participativa.
Audiências públicas se inserem nisso. A Lei n. 9882, de 1999, regulamenta no Brasil as
Audiências Públicas perante o Supremo Tribunal Federal. Em seus arts. 1o. e 6o, estão os
fundamentos para esse procedimento:
Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta
perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a
preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
(...)
Art. 6o. § 1o.: Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos
que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou
comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para
declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na
matéria.
O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal regulamenta para julgamento de
ações diretas de inconstitucionalidade, art. 21, XVII. Há diversos tratamentos para a figura do
Amicus curiae, especialistas e interessados que colaboram com as questões julgadas.
Têm sido sempre deixadas para temas de grande repercussão, nunca como algo
rotineiro. Ocorrera com reserva de terras indígenas e com células-tronco antes.
129
No regimento do TST, consta que é uma das atribuições de competência do Presidente
do Tribunal, segundo o inciso XXXVI do art. 35:
(...) convocar audiência pública, de ofício ou a requerimento de cada uma das Seções
Especializadas ou de suas Subseções, pela maioria de seus integrantes, para ouvir o
depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria,
sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de
fato, subjacentes a dissídio de grande repercussão social ou econômica, pendente de
julgamento no âmbito do Tribunal.
Estes termos são recentes. O regimento interno do tribunal recebeu esta alteração por
meio do Ato Regimental n. 01, de 2011, publicado oficialmente em 27 de maio de 2011. No
mesmo documento ainda constam, como acréscimos que resultaram no artigo 189-A do
regimento que haverá ampla divulgação do despacho que convoca a audiência pública, sendo
garantida a diversidade de opiniões. A transmissão pela internet, por rádio e por televisão
encontra-se assegurada por meio do inciso V do mesmo artigo.
Contudo, é importante observar que nem no regimento do STF nem no do TST há
qualquer previsão sobre algum caráter vinculante das opiniões proferidas em audiências
públicas. São argumentos de fundo consultivo, que não obrigam em nada os ministros dos
tribunais a seguir as posições predominantes.
4. A audiência pública no TST
Ao contrário do Supremo Tribunal Federal, que tem realizado audiências públicas
desde 2007, o Tribunal Superior do Trabalho realizou a sua primeira apenas em outubro de
2011. Até então, o TST tem aceito a terceirização de trabalho apenas quando forem atividademeio, não permitindo de atividade-fim.
A corte coletou 200 ações que têm mesma discussão para servirem de paradigma para
a sua reflexão. Como lembra o jornal Estado de São Paulo, a Associação Brasileira de
Distribuidores de Energia Elétrica contratou um escritório de consultoria e encomendou dois
pareceres jurídicos (de Carlos Mário Velloso, ex-presidente do STF, e de Arnaldo Lopes
Sussekind, ex-ministro do Trabalho e da Previdência e único dos autores do texto das
Consolidação das Leis do Trabalho que ainda sobrevive), tamanho é seu interesse em
flexibilizar atividades-fins (ESTADO DE SÃO PAULO, 05 de agosto de 2011).
130
A audiência pública ocorreu nos dias 04 e 05 de outubro. No primeiro dia, após a
abertura dos trabalhos pelos ministros do TST, os temas foram organizados em blocos. Foram
examinados a terceirização em geral, o marco regulatório da terceirização e o setor bancário e
financeiro. No segundo dia, os temas foram telecomunicações, indústria, serviços, setor
elétrico e tecnologia da informação. Foram 211 inscrições de especialistas, que resultaram em
50 exposições autorizadas pelo TST.
4.1 Aspectos gerais e pressupostos sobre Terceirização na Audiência Pública
Os debates tiveram início com a exposição de José Pastore, economista e professor da
USP, pesquisador sobre relações de trabalho no Brasil. Segundo Pastore, sem terceirização,
inúmeros negócios passariam a ser inviáveis. Usa como seu primeiro exemplo que uma
construtora, para fazer terraplanagem de um terreno para um prédio, atrasaria em mais de um
ano se precisasse obter todo o maquinário para o que corresponde a apenas uma etapa da obra.
É inevitável constatar que há casos de precarização das relações de trabalho, mas esta ocorre
tanto no trabalho terceirizado quanto não terceirizado, no que o pesquisador lembra-se de
médicos que possuem três empregos para que possam manter suas contas em dia. Pastore
lembra que 50% dos trabalhadores estão fora do mercado formal de trabalho, portanto
igualmente precarizados.
Há contratos que entregam produtos, outros que entregam serviços e aqueles que
entregam produtos e serviços. Há atividades que são realizadas no local do contratante, outras
no local da contratada e aquelas que se realizam nos dois locais. A variedade de condições de
trabalho e de contratação é imensa.
A legislação brasileira já prevê, lembra Pastore55, uma grande variedade de
possibilidades de contratação, entre temporários, a prazo determinado, consultores, entre
outros. Uma lei geral, uma regra única, não poderia dar conta da diversidade de situações
envolvidas na terceirização. Lembra que a Toyota do Japão tem 500 fornecedores fixos que
subcontratam 3.000 empresas que por sua vez subcontratam 20.000 pequenas empresas,
compondo uma rede complexa de empresas responsável esta rede pelo lucro e pela
produtividade de todas. Não seria possível pensar em termos de empresas individualmente.
55
As observações de José Pastore já poderiam ser encontradas em palestras e artigos publicados na imprensa
brasileira durante o mesmo ano, conforme referências no final do trabalho.
131
Para a proteção dos trabalhadores, Pastore deixa uma sugestão. Ele considera que seja
necessário dividir a proteção em básicas, que seriam aquelas legais, e as complementares, que
seriam vinculadas à negociação. Ele defende que o Brasil deveria criar um Conselho Nacional
para Regulamentação da Terceirização que proporia a promulgação de novas normas sobre
terceirizações para cada setor de trabalho. Seria necessário combinar leis e negociações para
articular proteções setoriais, mas para tal modelo seria preciso aprovar com urgência um dos
projetos de lei pendentes no Congresso Nacional.
Ricardo Antunes, professor de Sociologia do Trabalho e pesquisador sobre as
transformações do mercado de trabalho na UNICAMP, foi o expositor seguinte. A sua
exposição foi, segundo ele mesmo, desvinculada de questões jurídicas, mas questionando por
quem e para quem é feita a terceirização. Ele lembra que, desde meados de 1970, o modelo
tayloriano-fordista de trabalho tem sido rapidamente transformado para modelos de economia
flexível. As lutas operárias já havia resultado em conquistas normativas no período anterior à
reestruturação produtiva. A mudança das últimas décadas, com uma produtividade tão célere
que passa a ver o trabalho plenamente como custo, passa a exigir a flexibilização dos direitos
do trabalhador a partir das experiências da Terceira Itália, do Vale do Silício nos Estados
Unidos e no modelo toyotista no Japão. Na China, hoje, trabalhadores assinam um documento
em que se comprometem a não se suicidar no trabalho, sendo a China referência internacional
de produtividade, limite do que pode ocorrer com a plena flexibilidade do trabalho. A
tolerância ao estágio substituindo o trabalho, a falta de fiscalização a fraudes em cooperativas,
a exigência do trabalho voluntário são sintomas do que vem ocorrendo na realidade brasileira.
A rotatividade intensa de trabalhadores terceirizados, afirma Antunes, assegura as
novas modalidades produtivas na empresa de hoje. As empresas substituem e eliminam
trabalho vivo, com bolsões de desemprego abertos à economia do crime, uma vez que de
tempos em tempos não serão contratados os terceirizados, sendo eles para atividades restritas,
especializadas e sem vínculos com quem comanda a produtividade. A terceirização é,
portanto, plenamente negativa aos trabalhadores como integrantes de um modelo de
sociedade. Pergunta ele se queremos uma sociedade onde exista isonomia, de direitos
semelhantes entre as pessoas, ou continuar fragmentando-as em diferentes formas de
contratação que as isola e, com isto, as desumaniza. Por isto agora se debate que terceirização
chegue a atividades fins, pois muitas empresas visam não mais distinguir atividade meio e
atividade fim. A porta da terceirização leva à informalidade, à precarização de trabalho, como
132
fenômenos semelhantes e complementares entre si. A ampliação da terceirização aumenta a
precarização não de contratos mas estrutural das relações de trabalho no Brasil.
Por que as empresas não flexibilizam sua propriedade, mas apenas os trabalhadores
devem flexibilizar sua capacidade produtiva? Neste caso, não há, como afirma Antunes,
respeito ao que se pode esperar do futuro da realidade que trabalha.
Sobre os aspectos apresentados nesta primeira etapa de debates por Antunes e Pastore,
é relevante pela extensa e intensa bibliografia produzida por cada um delinear pressupostos
teóricos que fundamentam a questão.
Ricardo Antunes afirma, em artigo, que a luta pela transformação do trabalho
converte-se, na verdade, em uma luta contra o trabalho abstrato. Ele parte de uma distinção
clássica do trabalho, vinda da Economia Política Inglesa do século XVIII, entre trabalho
concreto (visto como atividade imediata produtora de alguém em contato com a realidade) e
trabalho abstrato (a venda da capacidade potencial de realizar esta atividade em troca de
meios de troca, não segundo necessidades concretas daquele que trabalha). A expansão da
terceirização leva cada trabalhador a não mais ter qualquer vínculo com aqueles com quem
trabalha nem com seu contratante. Sua força de trabalho lhe pertence, assim, cada vez menos
(ANTUNES, 1997).
A capacidade dos trabalhadores de se integrar para reivindicar, necessária nos séculos
XIX e XX para enfrentar excessos nas relações de trabalho, teria assim um meio eficiente
para ser combatida. Como bem alerta Giovanni Arrighi, a reestruturação produtiva não apenas
afeta a consciência do trabalhador sobre seu papel na empresa, mas precariza também as
forças que poderiam defendê-lo. Quanto mais fragmentada, diversificada e temporária for a
força de trabalho, mais dificilmente partidos trabalhistas, sindicatos e associações poderão
ouvir a coletividade dos empregados de uma empresa e agir para defendê-los (ARRIGHI,
1996).
A crise do poder social do trabalho faz com que as principais conquistas de
trabalhadores contra abusos, nominalmente contra o trabalho infantil, o trabalho escravo e
pela redução de acidentes de trabalho e doenças profissionais, tem ocorrido não por pressão e
órgãos de classe mas por denúncias ao Poder Judiciário. O Ministério Público do Trabalho
brasileiro tem desempenhado um papel de última instância protetora dos trabalhadores
brasileiros.
133
4.2 Aspectos jurídicos dos debates na Audiência Pública
Segundo o desembargador aposentado e professor de Direito do Trabalho Márcio
Túlio Vianna, as pequenas empresas que prestam serviços às grandes precarizam os direitos
trabalhistas, buscando oferecer contratos melhores por meio de uma pressão “para baixo” do
mercado de trabalho. Haveria assim a necessidade de proibir a terceirização por roubar a
dignidade do empregado. Se não for proibida, que seja distinta com clareza atividade-meio de
atividade-fim. As empresas de telecomunicações têm call centers como se não fosse sua
atividade fim, portanto sem que se responsabilizem por direitos dos trabalhadores.
O desembargador recomenda que sejam aplicados os princípios da Convenção n. 87
da OIT56, naquilo que não afrontarem à Constituição brasileira. Uma sugestão complementar
que o desembargador traz é a proibição da terceirização durante greves.
Segundo Nelson Mannrich, Presidente da Academia Nacional de Direito do Trabalho,
o problema não estaria na terceirização, mas por ela ser usada para a precarização a partir da
ausência de um marco legal claro. São usados analogicamente dispositivos do Código Civil
brasileiro e artigos genéricos da Consolidação das Leis do Trabalho. Mannrich acredita que
sejam necessárias mudanças na súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que hoje
regulamenta jurisprudencialmente a matéria.
Pelo impacto sobre o mercado de trabalho hoje, Mannrich defende que o tema não
deva ser tratado apenas entre empregados e empregadores, mas que seja visto como uma
questão da sociedade brasileira. Afinal, a saúde e a segurança no trabalho atingem todos os
trabalhadores. Logo, tomadores de serviços devem se responsabilizar de modo solidário.
Hoje, não haveria como se falar em isonomia salarial entre terceirizados e empregados
da empresa tomadora, apesar das semelhanças no cotidiano do trabalho. Mannrich defende a
criação de um fundo para rescisões de terceirizados, como alternativa para que não fiquem
desamparados quando perderem seus contratos de trabalho.
Para Rosângela Silva Rassy, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais
do Trabalho (SINAIT), mesmo que a terceirização seja feita legalmente o trabalhador será
muito prejudicado. O auditor do trabalho tem sua atuação restrita à autuação de empresas que
contratem ilicitamente. Os demais não poderão ser protegidos contra abusos no trabalho. Há,
56
A referida convenção refere-se à proteção à liberdade sindical, pois o desembargador considera que deve ser
facilitada a integração de trabalhadores terceirizados a demandas coletivas.
134
pois, precarização total da saúde do trabalho. A auditora observa que o aumento no índice de
acidentes de trabalho dá-se onde é maior a terceirização.
Rassy focou-se principalmente na construção civil. O Plano de Aceleração do
Crescimento, dos governos Lula da Silva e Dilma Housseff, foi duramente criticado pois os
acidentes de trabalho aumentaram significativamente nas obras ligadas a esses planos. O PAC
estaria colaborando para a precarização do trabalho.
Segundo Adauto Duarte, diretor sindical da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP), a terceirização não foi regulamentada em lugar algum do mundo. Para
justificá-la, lembrou dos índices inflacionários na história econômica do Brasil. Usou como
exemplos Apple e Foxcom, pois esta empresa chinesa cuida de toda a produção e montagem
dos produtos da Apple, cujo foco fica na criação, inovação e marketing. Para Duarte, a
terceirização é uma necessidade, pois não há empresa que tenha como se especializar em toda
a cadeia produtiva e, com os custos e a logística correspondentes, manter-se no mercado
globalizado atual. Se se acusa a terceirização de precarização, o diretor sindical da FIESP
alerta que limitá-la, sim, levaria os trabalhadores para a informalidade, causando ainda mais
precarização. Pois, sem a terceirização, ou com limites a ela, pequenas empresas não
poderiam se especializar para atender à demanda de grandes empresas e, com isto,
quebrariam. Haveria todo um colapso da rede entre empresas existente mundialmente hoje.
Segundo a Central Única dos Trabalhadores (CUT), por meio do seu presidente, Artur
Henrique da Silva Santos, a terceirização reduziu a possibilidade de novos empregos e gerou
discriminação, com a diversidade de formas para contratar os trabalhadores. Ele ressaltou o
aspecto já mencionado sobre acidentes de trabalho, ao indicar que a cada 10 acidentes de
trabalho 8 ocorreram entre terceirizados.
A terceirização, segundo o dirigente da CUT, não gera empregos, mas trabalho
precário, com alta rotatividade e jornadas superiores em média em 3 horas em relação aos
demais trabalhadores. O modelo de crescimento baseado na terceirização não seria
sustentável, não traria consigo, portanto, desenvolvimento mas apenas aumento de
produtividade a qualquer custo social.
Adriano Dutra da Silveira, responsável pela consultoria em terceirização empresarial
no escritório de advocacia Saratt & Associados, apresentou um modelo de gestão da
terceirização que afasta do mercado empresas sem especialização suficiente da mão de obra.
Trata-se da gestão de riscos de terceiros, com uma análise preliminar à contratação evitando
135
acidentes e quaisquer outros problemas resultantes da terceirização. Além da prevenção dos
riscos à saúde e segurança do trabalhador, é possível que a empresa tomadora de serviço se
previna verificando a saúde financeira da empresa prestadora de serviço, bem como suas
relações trabalhistas com seus funcionários.
O Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT),
Sebastião Vieira Caixeta, ressaltou que os efeitos mais danosos da terceirização estão no
descuido com o meio ambiente do trabalho, devido a ela ter por objetivo empresarial a
redução de custos com os trabalhadores. Por isso, ocorrem tantos acidentes de trabalho.
Lembrou a empresa Zara, denunciada por tratamento desumano de trabalhadores ilegais
terceirizados. Além de burlar a legislação trabalhista, o procurador lembrou que busca-se
burlar a ordem tributária.
Em pesquisas realizadas em indústrias da Bahia durante os anos 1993-1995 e,
posteriormente, na atualização dos dados com novo trabalho de campo no período 2004-2006,
Selma Cristina Silva e Tânia Franco tiveram cada vez mais dificuldade para obter
informações sobre acidentes de trabalho. Concluíram que os trabalhadores tornam-se
invisíveis dentro da indústria quando são terceirizados, sem que se saiba de quem cobrar
responsabilidades no cotidiano (SILVA, FRANCO, 2007, p. 120-121). De dezenove empresas
pesquisadas, apenas uma afirmou fiscalizar a segurança no trabalho no caso de terceirizados
por cooperativas (Idem, p. 128).
Renato Henry Sant’anna, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados do
Trabalho (ANAMATRA) visou demonstrar que princípios do Direito do Trabalho são
continuamente violados por meio das terceirizações. Para isto, lembrou diversos casos que ele
julgou nos últimos anos, mostrando que o emprego do terceirizado torna-se de segunda
categoria. A freqüência com que encontrou, em seus julgados, violações aos direitos
trabalhistas convenceu-o de que a terceirização não pode ser benéfica aos trabalhadores.
O Deputado Federal Vicente Paulo da Silva alertou que o ideal seria não utilizar
terceirizações, mas, uma vez que não se consiga deixá-las de lado hoje, torna-se preciso
regular os interesses de classes envolvidos. Pensando no caráter de classe discriminada
pertinente aos terceirizados, ele foi autor do Projeto de Lei n. 1621, de 2007, que assegura os
mesmos direitos entre os funcionários de uma empresa e os terceirizados e proíbe que estes
ocupem atividades-fim da empresa.
136
É interessante observar que a proposta do projeto de lei, que há cinco anos aguarda
para ser votado no Congresso brasileiro, tem grande aproximação com a proposta de José
Pastore. Basta a leitura de um dos seus artigos: “Art. 12. Será constituída Comissão formada
por representantes das empresas prestadoras, contratadas e sindicatos de trabalhadores para
acompanhamento dos contratos de prestação de serviços”. O caráter misto da comissão
proposta, em que as diversas entidades envolvidas dividirão responsabilidade na gestão de
contratos, é exatamente o que propõe Pastore.
O Deputado Federal Sandro Mabel, por outro lado, defendendo de modo emocional as
terceirizações, afirmou que seriam a evolução do mundo, bastando evitar discriminações entre
empregados. Neste sentido, foi autor do Projeto de Lei n. 4.33057, que visa regulamentar a
terceirização por especialidade, segundo serviços específicos. Segundo o deputado, a
especialidade na cadeia produtiva impede a precarização, pois cada um poderia crescer dentro
da empresa segundo o que souber fazer. Usou como exemplo os caminhões da Volkswagen.
Ao contrário de tantas outras posições, defende a responsabilidade subsidiária, não solidária,
quando comprovado que a empresa tomadora fiscalizara corretamente a terceirizada.
Converter-se-ia em responsabilidade solidária no caso de não haver a adequada fiscalização.
Ainda segundo o seu projeto de lei, defendeu que deveria haver a retenção do pagamento da
tomadora em caso de não cumprimento de direitos trabalhistas dos terceirizados.
Curiosamente, ele encerrou sua exposição afirmando que acreditava que seu projeto de
lei seria sancionado pela Presidenta Dilma ainda no mesmo ano, mas o presente trabalho está
sendo finalizado no começo de 2012 sem a aprovação do projeto e estando o Congresso
Nacional brasileiro em recesso parlamentar. Portanto, não há qualquer previsão de sua
votação. É de se imaginar que, com a pendência de julgamento pelo TST, o Congresso prefira
aguardar mais.
Sobre o setor bancário e financeiro, Murilo Portugal Filho, Presidente da Federação
Brasileira dos Bancos (FEBRABAN) afirmou que considera benéfica a terceirização.
Argumentou para isso que o sistema bancário não é especialista em diversos serviços e
equipamentos de que as agências dispõem, razão pela qual além de benéfica a terceirização
seria necessária. Em seu entendimento, sem ela não haveria crescimento do setor. A constante
57
O seu projeto de lei quase não aguarda mais passos para ser aprovado. Desde que foi apresentado aos
parlamentares, em 2004, já foi aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio,
em 2006, e pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, em junho de 2011. No momento,
encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, última etapa antes da sanção presidencial para que
se torne lei. Por isso a ênfase de José Pastore na aprovação breve do projeto e nenhuma menção ao projeto do
Deputado Vicente Paulo da Silva, pois este encontra-se fora de pauta.
137
alegação de que ela levaria ao desemprego, foi combatida pela argumentação de que as taxas
de desemprego caem com a pobreza e que a inclusão social e financeira dos brasileiros passa
pela terceirização.
Não é fácil encontrar em estudos da Sociologia e da Economia do Trabalho quem
divulgue, em trabalhos de campo e em estudos documentais, as mesmas vantagens no
mercado de trabalho brasileiro nem internacional. Como afirma Jinkings, com base em
relatórios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), há uma tendência para a geração
de novos produtos bancários com base em uma alta capacidade técnica ao mesmo tempo em
que se investe no bancário-vendedor de serviços novos aos clientes. Não é fácil ter
simultaneamente todas estas tarefas na mesma pessoa, sendo assim os critérios de qualidade e
as metas aos trabalhadores do setor bancário são cada vez mais repressores, gerando rápida
substituição de trabalhadores e contratando-se, cada vez mais, empresas menores para captar
mais e mais clientes (JINKINGS, 2004, p. 213-215 / JINKINGS, 2006, p. 194-195).
Com base em outros estudos de Jinkings, Jair Batista da Silva pôde identificar tarefas
tipicamente bancárias que têm sido terceirizadas. Ele elenca como exemplos o processamento
de dados, a microfilmagem de cheques, a cobrança e compensação de cheques bem como o
transporte de valores (SILVA, 2006, p. 214). Além disso, não há qualquer controle sobre o
uso de estagiários, que não estão vinculados a uma empresa que oferece serviços a outra mas
a uma instituição de ensino que cede mão de obra barata. Não é difícil que estagiários, pois,
exerçam atividades que em nada agreguem conhecimentos a seus estudos. O problema tornase maior quando Silva alerta que os sindicatos de bancários têm estimulado a contratação de
estagiários (Idem, p. 215).
Flávio Rodrigues, Presidente do Sindicato dos Telefônicos do Rio Grande do Sul
(SINTTEL/RS), informou que as empresas de telecomunicações terceirizam 90% da sua mão
de obra. Não é verossímil que a regra de um setor seja atividade meio, sendo óbvio que
atividades fins estariam sendo terceirizadas. Segundo Rodrigues, a sociedade assume o ônus
da redução de custos das empresas, devido ao grande número de demandas do Judiciário, à
queda da qualidade dos serviços com as sucessivas demissões de trabalhadores com contratos
precários, considerando-se também quantos setores públicos ficam mobilizados à fiscalização
e punição das ilicitudes.
Um caso particular na Audiência Pública foi de Celita Oliveira Sousa, representante da
Federação Brasileira das Empresas de Asseio, Conservação, Manutenção e Serviços
138
Terceirizáveis
(FEBRAC)
e
da
Federação
do
Comércio
do
Distrito
Federal
(FECOMERCIO/DF). Sem apresentar quaisquer dados, afirmou com convicção que a maioria
dos casos de terceirização são lícitos e benéficos e que, se fossem proibidas, o país pararia.
Tentou argumentar pela impossibilidade de separar atividade-meio e atividade-fim,
exemplificando com presídios administrados pelo setor privado. Considerou que a
predominância de acidentes entre terceirizados não passava de “falácia”, pois se há mais
terceirizados em termos absolutos haveria mais acidentes, sem que por isso houvesse qualquer
problema. Afirmou que terceirizados devem ter sindicatos próprios e que nada deveria ser
alterado. Pela intransigência ao debate sobre a realidade nacional, deixou vaiada e sem ser
considerada como referência pelos demais participantes.
A razão das vaias é evidente. O grupo de estudos sobre terceirização coordenado por
Graça Druck e Tânia Franco encontrou, em registro por meio de artigo de Rodrigo de Lacerda
Carelli, condições especialmente desumanas. Identificaram, por exemplo, o aluguel de
trabalhadores como “cortesia” à empresa tomadora de serviços, com walkie talkies grátis,
sendo assim mercadoria barata e nada reconhecida como força de trabalho humana
(CARELLI, 2007, p. 68).
A intransigência não foi uma regra entre os representantes de categorias econômicas
que participaram da Audiência Pública. Um bom sinal disso foi a postura de Diogo Clemente,
representante do Sindicato da Indústria da Energia no Estado de São Paulo (SIESP).
Segundo Clemente, há formas boas de terceirização, mas a ilegalidade ocorreria pelo
interesse das empresas tomadoras de serviços em apenas reduzir custos, sem observar outras
condições das empresas contratadas. Defendeu que terceirizados sejam tratados como
empregados efetivos, sem qualquer distinção. Assim, não haveria prejuízos aos trabalhadores.
Observou que não há como terceirizar trabalhos sazonais (que ocorrem em épocas
determinadas do ano) nem manter trabalhadores efetivos para este fim. Porém, repetiu que a
terceirização aumenta a eficiência por lidar com extrema especialidade dos envolvidos. Além
disso, alegou que a proibição da terceirização no setor elétrico causaria aumento de custos,
portanto dos preços dos serviços de energia ao consumidor final, o que prejudicaria toda a
economia brasileira. Concluiu afirmando que, sob tais condições, seria possível manter a
terceirização e respeitar os direitos dos trabalhadores.
O setor elétrico teve real debate. Isto foi assegurado pela intervenção de Fernando
Ferreira Duarte, representante da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU-CUT). Seu foco
139
foi nos acidentes de trabalho no setor elétrico. Ele afirmou que as terceirizações no setor
elétrico são muito mais complexas pelo perigo envolvido nas atividades terceirizadas. A
rotina é que dos acidentes resultem mortes de trabalhadores. A velocidade com que são
substituídos terceirizados compromete seu treinamento, portanto a especialidade tão elogiada,
e assim favorece as chances de acidentes fatais.
Paulo Henrique Falco Ortiz, representante do Sindicato dos Eletricitários de São
Paulo, acredita que, por trás dos argumentos de produtividade e redução de custos, estaria na
verdade a intenção de enganar as negociações sindicais com a empresa. Afinal, a empresa
terceirizada reduz sua força de trabalho, dificultando a atuação sindical para fiscalizar
irregularidades. A contratação de clandestinos para atividades pouco qualificadas seria
constante. Defende Ortiz que os serviços complexos não sejam terceirizados, pelo grau de
especialização exigido como atividade fim.
Para Cláudia Viegas, representante da Associação Brasileira das Empresas Geradoras
de Energia Elétrica (ABRAGE), há a necessidade crescente da busca de critérios de
eficiência, o que apenas a extrema especialização permitira. Portanto, a terceirização torna-se
uma necessidade. Os serviços que ela afirma serem normalmente terceirizados são: Call
Center, manutenção de rede, adaptação de novas tecnologias da informação e atividades de
baixa especialização.
Apesar disso, ela defende a terceirização de trabalhos altamente especializados e
decorrentes de atividades esporádicas. Isto permitiria a redução de tarifas e preços ao
consumidor final da energia elétrica. Por meio da terceirização, segundo Viegas, é possível a
difusão rápida e eficiente de tecnologias, levadas pela tomadora de serviço para todas as
prestadoras que para ela trabalharão. Assim, a economia tem um motivo para crescer ainda
mais e aumentar, mais tarde, os empregos efetivos.
Para Alexandre Donizete Martins, Presidente do Sindicato dos Empregados em
Concessionárias dos Serviços de Geração, Transmissão, Distribuição e Comercialização de
Energia Elétrica de Fontes Hídricas, Térmicas ou Alternativas de Curitiba (SINDENEL),
muitos casos de terceirizações não foram bem sucedidos. Usou como exemplo o atendimento
telefônico de serviços emergenciais, tanto pela falta de capacitação técnica quanto por
discriminação entre os trabalhadores, o que precariza duas vezes o trabalho.
140
Segundo Martins, a proposta de lei do deputado Mabel não enfrentaria a falta de
segurança e a discriminação, bem como não seria adequada às peculiaridades do setor
elétrico.
A respeito de empresas que lidam com Tecnologia da Informação, o consenso sobre as
terceirizações de modo favorável à sua continuidade foi completo.
Segundo Reges Bronzatti, representante da Associação das Empresas Brasileiras de
Tecnologia da Informação (ASSESPRO Nacional), ao mesmo tempo que são carreiras não
regulamentadas na legislação trabalhista brasileira o risco de acidentes de trabalho seria nulo.
Assim, a regulamentação da terceirização no setor poderia assegurar direitos sem prejuízos.
Foi lembrado que as empresas de testes de software possuem a mesma atividade-fim das que
terceirizam, porém nem mesmo a atividade seria juridicamente possível no Brasil, pois
segundo a leitura da Súmula n. 331 não poderia haver testes de software como ocorrem no
país.
Para Tecnologia da Informação, é impensável que não ocorra terceirização. A
diversidade de especializações é muito grande e apenas uma rede de pequenas empresas
poderia dar conta das necessidades das grandes empresas. Sem que fosse assim, perderiam em
inovação.
Carlos Alberto Valadares Pereira, Presidente da Federação Nacional dos
Trabalhadores em Empresas de Processamento de Dados, Serviços de Informática e Similares
(FENADADOS), resumiu a questão para a sua área de trabalho, ao afirmar que os seus
trabalhadores são normalmente os terceirizados dos demais setores. O problema não estaria,
em seu entendimento, na terceirização, mas no desvio de atividade, pois a precarização
resultaria dos trabalhadores de Tecnologia da Informação fazerem o que não é próprio das
suas funções, como normalmente ocorreria, segundo Pereira, no setor bancário.
Gerson Schmitt, Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software,
explicou que a terceirização do setor força as pessoas a criarem pessoas jurídicas para a
prestação dos serviços. Não haveria, portanto, facilidade em encontrar vínculos empregatícios
nem desvios de atividade meio para atividade fim. Assim, o setor estaria distinto de todos os
demais tratados na Audiência Pública.
Diferente do que tem ocorrido no STF, o caso do TST já alimenta controvérsias.
Afinal, no mesmo mês da audiência pública a corte superior trabalhista decidiu sobre casos
relativos a terceirização. Maximiliano Nagl Garcez, ao investigar a posição do tribunal para
141
esclarecimentos a sindicatos, criticou o mal entendido que foi produzido pela imprensa
brasileira sobre tais decisões, afinal o Estado de São Paulo e o jornal Valor Econômico foram
céleres em dizer que o tribunal teria alterado seu entendimento. Tratava-se do julgamento de
que o serviço de call Center seria ou não atividade-fim de empresas de telefonia. Contudo,
Garcez lembra julgado de uma semana antes da audiência pública:
O serviço de -call center-, que não se confunde com a efetiva oferta de
telecomunicação, somente pode ser entendido como atividade-meio da
concessionária de telefonia, da mesma forma como na estrutura funcional de
qualquer outra empresa que dele se utilize, à exceção da própria empresa
especializada, afigurando-se, portanto, passível de terceirização." (TST-RR-84037.2010.5.03.0006 - Recorrentes CONTAX S.A. e TELEMAR NORTE LESTE S.A.).
O TST, pois, já havia decidido que não seriam atividades-fim, cabendo examinar o
caso específico de empresas concessionárias de energia elétrica, objeto direto da audiência
pública. Não se trata, como bem observara Garcez, de examinar em geral mas segundo a ótica
do que fora discutido na audiência pública. Diversos setores já têm a negativa de
reconhecimento de atividade-fim, mas não tem sido até então uma posição geral do tribunal.
5. Conclusão
Até a presente data, o Tribunal Superior do Trabalho ainda não se pronunciou sobre a
possibilidade de editar uma nova súmula. O que ficou evidente foi a grande complexidade e
diversidade de condições de trabalho em que a terceirização se faz presente.
Desde setores da economia tradicionais, como o setor bancário, passando para as
novas tecnologias da informação, a dinâmica de terceirizações se trasmuta. Exige-se, pois,
cautela quanto aos procedimentos a serem adotados em nome de uma teoria geral da
terceirização.
Enquanto é flagrante a redução de direitos trabalhistas em certas áreas, outras, mais
recentes, já nascem tendo como parte da cultura do mercado de trabalho a terceirização como
um pressuposto indispensável. Mesmo assim, o caráter indispensável poderia reduzir direitos
frente a outras categorias, mas a comparação também não se sabe se seria válida nos nossos
dias.
Com tais condições, o objetivo do presente trabalho foi poder acompanhar um
processo dinâmico e ainda em andamento de transformação do Direito do Trabalho. Não há
142
definições seguras nem previsíveis, tamanha a variedade de posicionamentos constatados.
Porém, sem acompanhar tais argumentos e os conflitos de interesses em jogo, a futura
legislação (pois há projetos de lei em análise) e as mudanças que poderão vir na
jurisprudência terão sua compreensão prejudicada.
As audiências públicas permitem, pois, em poucos dias de conferências e debates,
concentrar diretrizes em conflito sobre questões contemporâneas. Se o Direito sempre foi um
espaço para pacificação de lutas por meio de controle social, as lutas tornam-se muito mais
polêmicas quando todos os envolvidos e especialistas podem ter voz.
6. Referências
ALMEIDA, Edílson. Terceirização: uma epidemia de perdas de direitos trabalhistas. In DRUCK, Graça;
FRANCO, Tânia (org.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo:
Boitempo, 2007, p. 189-198.
ANTUNES, Ricardo. A era da informatização e a época da informalização: riqueza e miséria do trabalho no
Brasil. In ANTUNES, Ricardo (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, p.
15-26.
__________. Anotações sobre a redução da jornada de trabalho e o tempo livre. Revista Práxis, n. 7. Belo
Horizonte: Projeto Joaquim de Oliveira, junho-outubro de 1997, p. 21-9.
__________. Anotações sobre o capitalismo recente e a reestruturação produtiva no Brasil. In ANTUNES,
Ricardo; SILVA, Maria Aparecida Moraes (org.). O avesso do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004,
p. 13-28.
__________. Dimensões da precarização estrutural do trabalho. In DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (org.). A
perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 13-22.
ARRIGHI, Giovanni. Trabalhadores do mundo no final do século. Revista Praga, n. 1. Setembro-dezembro de
1996. São Paulo: Boitempo, p. 27-43.
CÂMARA DOS DEPUTADOS – CONGRESSO NACIONAL. Projeto de lei n. 1621, de 2007. Relator:
Deputado Federal Vicente Paulo da Silva. Disponível em http://projetodelei1621de2007.blogspot.com/.
__________. Projeto de lei n. 4330, de 2004. Relator: Deputado Federal Sandro Mabel. Disponível em
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e direitos trabalhistas no Brasil. In DRUCK, Graça; FRANCO,
Tânia (org.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p.
59-68.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. Atualizado por Eduardo Carrion.
São Paulo: Saraiva, 2009.
CASSAR, Voliá Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2010.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004.
ESTADO DE SÃO PAULO. Audiência pública no TST. 05 de agosto de 2011. Disponível em
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,audiencia-publica-no-tst,754445,0.htm.
FRANCO, Tânia; SILVA, Selma Cristina. Flexibilização do trabalho: vulnerabilidade da prevenção e
fragilização sindical. In DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (org.). A perda da razão social do trabalho:
terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 119-146.
GARCEZ, Maximiliano Nagl. Após audiência pública, TST reafirma jurisprudência acerca da terceirização.
Portal do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. 25 de outubro de 2011. Disponível em
http://www.diap.org.br/index.php/noticias/artigos/18731-apos-a-audiencia-publica-tst-reafirma-suajurisprudencia-acerca-da-terceirizacao.
JINKINGS, Nise. As formas contemporâneas da exploração do trabalho nos bancos. In ANTUNES, Ricardo;
SILVA, Maria Aparecida Moraes (org.). O avesso do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004, p. 207242.
143
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Convenção n. 87: Convenção sobre a
liberdade
sindical
e
a
proteção
do
Direito
Sindical.
Disponível
em
http://www.ilo.org/ilolex/portug/docs/C087.htm.
PASTORE, José. Como disciplinar a terceirização no Brasil. Palestra proferida no Seminário Sobre Evolução e
Marco Regulatório - Valor Econômico, 06/12/2011. Disponível em http://www.josepastore.com.br
__________. Rumos da terceirização. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 11/10/2011. Disponível em
http://www.josepastore.com.br
SILVA, Jair Batista da. A face privada de um banco público: os experimentos flexíveis no Banco do Brasil. In
ANTUNES, Ricardo (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 207-37.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=legislacaoRegimentoInterno>.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST. Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.
Disponível em http://www3.tst.jus.br/.
WOLF, Simone. Qualidade total e informática: a constituição do novo “homem-máquina”. In ANTUNES,
Ricardo; SILVA, Maria Aparecida Moraes (org.). O avesso do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004,
p. 355-408.
__________; CAVALCANTE, Sávio. O mundo virtual e reificado das telecomunicações: o caso SERCOMTEL.
In ANTUNES, Ricardo (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 23769.
144
145
Download

- Revista Dinâmica Jurídica