Breves considerações sobre a Lei de
Improbidade Administrativa e sua
aplicabilidade aos agentes políticos*
Deo Campos Dutra
Mestre e Doutorando em Direito pela PUC-Rio. Professor de Direito Constitucional e Internacional
das Faculdades Doctum/Juiz de Fora. Membro pleno da Associação Americana de Direito
Internacional Privado (Asadip) e da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e PósGraduação (Andhep).
Isabella Ribeiro Liquer
Bacharel em Direito. Pós-graduanda em Direito Público pela PUC Minas. Advogada.
Resumo: Este artigo dedica-se à análise dos principais aspectos do comando
constitucional inserto no art. 37, §4º, da CRFB/88, que prevê a improbidade
administrativa como figura merecedora de sanções, e o entendimento exarado
pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Reclamação nº 2.138/DF,
que versou sobre a aplicabilidade da Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos.
Analisar-se-á a disciplina dada à Improbidade Administrativa pela Lei
nº 8.429/92, e os principais contornos que esta lei tem provocado no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que, embora passados quase 20 anos
de edição da Lei nº 8.429/92, ainda são várias as discussões em torno da
correta interpretação desta. Adota-se o entendimento que mais se afigura
compatível com a intenção do Constituinte originário, que não fez qualquer
ressalva quanto ao âmbito de aplicação da punição por atos de improbidade
administrativa aos agentes políticos, bem como, alguns recentes entendimentos, jurisprudenciais e doutrinários, que têm sido exarados acerca do tema.
Palavras-chave: Improbidade Administrativa. Agentes políticos. Crimes de
responsabilidade. Reclamação nº 2.138/DF.
Sumário: 1 Introdução – 2 Considerações gerais sobre a corrupção – 3 Base
constitucional e atual regulamentação: a Lei nº 8.429/92 – 4 Breve análise dos
atos de improbidade administrativa – 5 Do campo de atuação da Lei nº 8.429/92
– 6 Conclusões – Referências
1 Introdução
O uso da coisa pública de maneira distorcida e dissociada do inte­
resse público tem gerado inúmeros prejuízos ao erário e trazido até
mesmo a apatia da população quanto ao controle exercido pelo Poder
Judiciário em relação às condutas dos agentes públicos, em especial, dos
agentes políticos.
* Categoria: Artigos científicos.
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Entretanto, os próprios princípios que devem reger a Administração
Pública, entre os quais merece destaque o princípio da moralidade administrativa, por serem dotados de elevada carga axiológica, já se afiguram
como importantes meios de controle da atuação dos agentes públicos,
pois é certo que a conduta destes deve ser pautada nos ditos postulados.
Nada obstante a previsão constitucional de princípios cuja observância é obrigatória pelos agentes públicos, a própria Constituição Federal de
1988 (CRFB/88) e várias leis ordinárias preveem inúmeros instrumentos
de controle, colocados à disposição tanto da população como de legitimados específicos.
Entre tais meios de controle repressivo tem-se a Lei nº 8.429/92, denominada Lei de Improbidade Administrativa, que desde a sua edição recebeu
vários elogios e críticas, de modo que sua interpretação e aplicação têm
ensejado inúmeras divergências em sede jurisprudencial e doutrinária.
Nesse contexto, em meados de 2007, o Supremo Tribunal Federal
(STF) levou a julgamento a Reclamação nº 2.138/DF, na qual se considerou, por maioria de votos, que a Lei nº 8.429/92 não poderia ser aplicada
ao Ministro de Estado ali julgado, visto que, segundo entendimento prevalente na Corte, aquele agente político já seria passível de punição pela
Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei nº 1.079/1950).
Partindo-se principalmente dos votos vencidos proferidos neste julgamento, e sendo certo que não se podem desprezar os corriqueiros e atuais
acontecimentos quanto à má gestão da coisa pública no Brasil, questiona-se:
a tese vencedora no julgamento em questão é a que melhor atende a proteção buscada pela CRFB/88 à moralidade e à probidade administrativa?
Para responder a esta indagação, o presente trabalho propõe-se,
pois, num primeiro momento, à análise da corrupção e de alguns aspectos
da improbidade administrativa no Brasil.
Ademais, será estabelecida a distinção entre crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa, para, só então, analisar-se a
Reclamação nº 2.138/DF, julgada pelo STF, e a possibilidade de aplicação
da Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos, assim entendidos como os responsáveis pela formação dos destinos da sociedade, de modo que melhor
se harmonize com os objetivos traçados pela CRFB/88.
2 Considerações gerais sobre a corrupção
A corrupção possui maior campo de incidência em países cujo regime democrático é debilitado, já que nestes há limitação aos instrumentos
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de controle, bem como ausência ou deficiência de mecanismos hábeis
a manter a observância, pela Administração Pública, do princípio da
Legalidade. Em tais casos é comum, conforme lecionam Emerson Garcia
e Rogério Pacheco Alves (2008), a arbitrariedade do poder e a consequente supremacia do interesse pessoal dos detentores do poder público
em detrimento do interesse coletivo.
Com efeito, muito embora o Brasil tenha superado os regimes autoritários que há muito vigoraram, buscando-se a consolidação, por meio da
Constituição Federal vigente, de um Estado Democrático de Direito,1 as práticas corruptas atuais devem ser entendidas como reflexos das situações passadas, constituindo mera continuação destas. Nesse sentido, aduzem Garcia
e Alves (2008, p. 8):
Afinal, não é incomum a construção da seguinte lógica: se os meus antecessores
lucraram, também eu hei de lucrar no poder. O sistema brasileiro, como não poderia
deixar de ser, não foge à regra. Os intoleráveis índices de corrupção hoje verificados
em todas as searas do poder são meros desdobramentos de práticas que remontam
a séculos, principiando-se pela colonização e estendendo-se pelos longos
períodos ditatoriais com os quais convivemos. A democracia, longe de ser delineada
pela norma, é o reflexo de lenta evolução cultural, exigindo uma contínua maturação da
consciência popular. O Brasil, no entanto, nos cinco séculos que seguiram ao seu
descobrimento pelo “velho mundo”, por poucas décadas conviveu com práticas
democráticas. (grifos nossos)
A ausência de efetiva consciência por parte dos representantes dos
Poderes Estatais de que a função administrativa consiste na gestão de patrimônio alheio também explica o elevado índice de corrupção no Brasil, conforme
explica a professora Lúcia Valle Figueiredo (2006, p. 1-2):
Por que depois de reinstituída a democracia, muito embora seja frágil e cambaleante, como um recém-nascido ao ensaiar seus primeiros passos, persiste a
corrupção de tal forma e com tal gravidade a fazer de nosso país um dos mais
desafortunados no que tange a tão espinhoso problema?
Dirão alguns: tudo isso deve ser fruto da impunidade, da falta de cidadania,
não obstante a acusada Constituição de 1988 tenha trazido inúmeros instrumentos
de controle da Administração Pública, controles estes exercidos primordialmente
pela cidadania.
1
Ressaltam Garcia e Alves (2008, p. 61) que “o Estado de Direito é o verdadeiro alicerce do positivismo jurídico,
encontrando seu fundamento de validade na norma [...]. A esta concepção, no entanto, deve ser acrescido o
elemento aglutinador dos valores e das aspirações que emanam do grupamento, o que é reflexo da identificação
do real detentor do poder: o povo. Com isto, integra-se o aspecto legal com os valores que o antecedem e o
direcionam, ensejando o surgimento do Estado Democrático de Direito”.
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Se não há falta de controles legais, de mecanismos do direito, por óbvio devem
estar faltando controles de fato, ou aperfeiçoamento dos existentes, à míngua
de entendimentos obsoletos do que seja a res publica, a coisa pública.
Normalmente, os Poderes da República esquecem-se que exercem função,
portanto atividade destinada a determinado fim público. (grifos nossos)
Certo é, portanto, que a mera previsão legal de sanções decorrentes
da prática de improbidade administrativa, que tem como espécie a corrupção, não é hábil a combatê-la, de modo que o efetivo combate somente
se dará como “resultado da aquisição de uma consciência democrática e
de uma lenta e paulatina participação popular” (GARCIA; ALVES, 2008,
p. 8), por meio de uma fiscalização crescente das instituições públicas,
reduzindo-se a conivência da sociedade e dos próprios agentes públicos
quanto a tais atos.
3 Base constitucional e atual regulamentação – A Lei nº 8.429/92
A CRFB/88 tratou em vários dispositivos da proteção direcionada à
probidade administrativa,2 prevendo, ademais, vários instrumentos que possibilitam o controle popular e de legitimados específicos da coisa pública,
tais como a ação popular (art. 5º, LXXI, CRFB/88), a ação civil pública
(art. 129, inc. III, CRFB/88) e a ação civil de improbidade administrativa
(art. 37, §4º, CRFB/88).
Diante da inserção em diversos dispositivos, espalhados ao longo do
Texto Constitucional, de mecanismos destinados à proteção da moralidade na
Administração, depreende-se que o constituinte originário inten­tou empres­
tar à probidade administrativa uma observância inafastável por parte dos
agentes públicos. Outrossim, a interpretação histórica das Constituições anteriores confirma tal entendimento, já que a CRFB/88 destinou à coisa pública
uma proteção muito maior que aquelas.
Tal fato deve ser relacionado à intenção do constituinte em estabelecer como uma das metas da República Federativa do Brasil o “controle
e combate incessante da improbidade administrativa” (BERTONCINI,
2007, p. 24). É que se interpretando o art. 3º da CRFB/88, que prevê como
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento
nacio­nal e a erradicação da pobreza e da marginalização, a fim de reduzir
Art. 14, §9º; art. 15, inc. V; art. 37, caput e §4º; art. 85, inc. V; dentre vários outros dispositivos, todos da CRFB/88.
2
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as desigualdades sociais e regionais, extrai-se que a concretização destas
finalidades depende, em muito, da necessidade de enfrentar a corrupção
administrativa, infelizmente presente em inúmeros setores do Estado.
No entanto, a previsão constitucional mais significativa quanto à proteção da probidade administrativa encontra-se no capítulo concernente à
Administração Pública, que contém o art. 37 da CRFB/88. O dispositivo
constitucional em comento prevê, em seu caput, os princípios basilares da
Administração Pública, de observância imprescindível, entre os quais se
tem o princípio da moralidade administrativa.
Este princípio carrega a ideia de que sendo a função administrativa
a gestão de patrimônio alheio, espera-se que os administradores públicos
mantenham um comportamento ético frente à coisa pública, atuando com
decoro, isenção, seriedade, honestidade, lealdade, lisura e zelo. O dever
de boa gestão da coisa pública é bem evidenciado pelas palavras do professor Diogo Figueiredo de Moreira Neto (2011, p. 105-106):
Com efeito, enquanto a moral comum é orientada por uma distinção prática
entre o bem e o mal, distintamente, a moral administrativa é orientada por uma
diferença prática entre a boa e a má administração.
Para que o administrador pratique uma imoralidade administrativa, basta que empregue
seus poderes funcionais com vistas a resultados divorciados do específico interesse público
que deveria atender. Por isso, além da hipótese de desvio de finalidade poderá
ocorrer imoralidade administrativa nas hipóteses de ausência de finalidade e de
ineficiência grosseira da ação do administrador público, em referência à finalidade que
se propunha atender.
[...] Para bem compreender o correto alcance dessa regra moral na Administração
Pública, é preciso considerar que o dever cometido a seus agentes não é apenas
o da mera gestão de interesses públicos a ele confiados, mas, além dele, há,
como se afirmou, o de bem administrá-los. Assim, enquanto a observância da
moral comum é suficiente para qualquer administrador privado, o administrador
público se sujeita, por acréscimo, a outras regras, estejam elas escritas ou não,
que dele exigem fidelidade ao fim institucional de cada ato praticado na gestão
da coisa pública — a moral administrativa. (grifos nossos)
O §4º do art. 37 da CRFB/88 inovou no ordenamento jurídico, na
medida em que impôs ao legislador infraconstitucional a previsão de sanções tanto de natureza política, como de natureza civil. Senão, veja-se o
referido dispositivo constitucional:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
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princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998) [...]
§4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos
direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da
ação penal cabível. (BRASIL, 1988, grifos nossos)
Regulamentando a disposição contida no art. 37, §4º, da CRFB/88,
foi publicada, no Diário Oficial da União, em 03.06.1992, a Lei nº 8.429,
denominada Lei de Improbidade Administrativa. A lei citada estabeleceu
regras de direito material e de direito processual em matéria de improbidade administrativa.
A Lei nº 8.429/92 trouxe, portanto, uma expectativa de mudança na
realidade nacional, tendo em vista a cultura de improbidade, já enraizada
há muito na atuação dos agentes públicos, como explica a professora Rita
Tourinho (2002, p. 2):
Com a previsão da figura da improbidade e o rigoroso combate a este mal que
corrói a Administração Pública, através da utilização de medidas legais que atingem a pessoa do administrador ímprobo, criou-se uma esperança de modi­ficação
em nosso cenário político-administrativo, fazendo com que somente participe
do mesmo aqueles dispostos a atuar em prol da coletividade, colocando de
lado a visão individualista, característica inegável dos nossos administradores
públicos. (grifos nossos)
No mesmo sentido:
A inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição foi um
reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção
e à impunidade no setor público. Até então, a improbidade administrativa constituía
infração prevista e definida apenas para os agentes políticos. Para os demais,
punia-se apenas o enriquecimento ilícito no exercício do cargo.
Com a inserção do princípio da moralidade na Constituição, a exigência de
mora­lidade estendeu-se a toda a Administração Pública, e a improbidade ganhou
abrangência maior, porque passou a ser prevista e sancionada com rigor para todas
as categorias de servidores públicos e abranger infrações outras que não apenas
o enriquecimento ilícito. (DI PIETRO, 2010, p. 817, grifos nossos)
Entretanto, faz-se oportuno salientar que a edição da Lei nº 8.429/92,
nada obstante tenha deixado livre de dúvidas a intenção do legislador de cumprir a pretensão constitucional de preservação da probidade, por si só, não é
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hábil à sua total eficácia. É que, além de merecer a atenção do legislador, tanto
o preceito constitucional quanto a Lei nº 8.429/92 dependem da correta exegese e
aplicação dos julgadores, quando em contato com casos concretos.
4 Breve análise dos atos de improbidade administrativa
De início, cumpre analisar que os atos de improbidade administrativa encontram-se previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 que
disciplinam, respectivamente, condutas que ocasionam enriquecimento
ilícito, que geram lesão ao erário e atos que acarretam lesão aos princípios
da Administração Pública.
Com efeito, tratando-se de rol exemplificativo, bem como de conceitos jurídicos indeterminados, a configuração de atos como de improbidade administrativa, muitas vezes, ficará a cargo do aplicador da norma.
Destarte, é necessário que o intérprete, quando da averiguação dos
atos de improbidade, tenha uma atitude responsável, ou seja, não mitigue a
eficácia da Lei nº 8.429/92, afastando sua aplicação a agentes que, evidentemente, tiveram a intenção de fraudar a norma, mas, de igual maneira,
não aplique a citada lei de maneira imoderada, sem a devida motivação
e lastro probatório que justifiquem a adoção de medidas cautelares e, até
mesmo, uma condenação. Afinal, não se pode perder de vista a gravidade
das sanções previstas pela norma e os reflexos que estas podem ocasionar
na esfera individual dos agentes públicos e dos particulares, razão pela
qual se faz imprescindível a observância do devido processo legal. Nesse
sentido, é de se destacar a lição de Lúcia Valle Figueiredo (2006, p. 4):
Assim, sem dúvida, deverá o juiz aplicar o devido processo legal em sua forma substancial, como, aliás, entendemos desde que promulgada a Constituição, que essa
teria sido a forma concebida pelo Constituinte de 1988, sob a salutar influência
da aplicação da cláusula, que, fez a Suprema Corte Americana.
E, no tocante ao devido processo legal, em sua forma substantiva, hão de estar
necessariamente presentes os princípios constitucionais da igualdade, razoabilidade,
proporcionalidade e possibilidade de ampla e efetiva defesa. [...]
Deseja-se, pois, deixar dito que se deverá dar à Lei nº 8.429/92 interpretação
conforme à Constituição, fazendo-se utilização plena da cláusula substantiva do
devido processo legal.
Lembremo-nos que as garantias constitucionais foram concebidas exatamente
para que constrições exercidas de forma ilegal ou abusiva pudessem ser energicamente repelidas. Ora, o direito de defesa, de ser ouvido preliminarmente, são
das maiores garantias da cidadania. (grifos nossos)
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De igual maneira, se mostra pertinente trazer o entendimento do
professor Fábio Medina Osório (2007, p. 3-4):
A improbidade é uma espécie de má gestão pública lato sensu, uma imoralidade
administrativa qualificada.
O ato ímprobo configura-se através de um processo de adequação típica, que
carece da integração da Lei Geral de Improbidade com normativas setoriais
aplicáveis à espécie, dentro de um esquema de valoração mais profunda da
conduta proibida. A improbidade é uma patologia de gravidade ímpar no contexto do
Direito Administrativo Sancionador, eis que suscita reações estatais bastante severas; por
isso mesmo, sua punição, no devido processo legal que lhe cabe, exige obediência a regras
e princípios de Direito Punitivo, marcadamente de Direito Administrativo Sancionador.
(grifos nossos)
A partir da análise sucinta dos atos sancionados pela Lei nº 8.429/92,
vê-se que o seu art. 9º traz, de maneira exemplificativa, os atos de improbidade administrativa que assim se caracterizam por implicarem o enriquecimento ilícito, em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego
ou atividade nas entidades mencionadas no seu art. 1º e, particularmente,
vantagem patrimonial para o próprio autor da atividade caracterizada
como violadora da probidade administrativa.
Faz-se de suma importância destacar que a lesão aqui tratada à probidade administrativa poderá ter como sujeito ativo o agente público, e,
ainda, o particular, nos casos de, frise-se, comprovada coautoria, como, por
exemplo, nos casos em que o terceiro aufere vantagem ilícita em razão do
ato de improbidade praticado pelo agente público, ou, ainda, induza ou
concorra para a prática do ato por parte do agente, por força do art. 3º
da Lei nº 8.429/92 (CARVALHO FILHO, 2009, p. 1022).
O art. 10 da Lei nº 8.429/92 prevê a segunda modalidade de ato
de improbidade administrativa, punindo condutas que causarem lesão
ao patrimônio público, prevendo, ao longo de quinze incisos, hipóteses
exemplificativas de tais atos.
Como se depreende da redação do caput do art. 10, da Lei nº 8.429/92,
é possível que a conduta lesiva ao patrimônio público resulte de ação ou
omissão, bem como de dolo ou culpa.
Entretanto, segundo Garcia e Alves (2008, p. 249) merece cautela
a análise dos atos lesivos ao patrimônio público, em especial no que se
refere aos praticados por agentes políticos, mormente os que resultam do
poder discricionário, como, por exemplo, a implementação de políticas
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públicas. Em tais casos, tendo o agente agido com zelo e dedicação, não
sendo possível um juízo de certeza quanto aos resultados por ele visados,
não há que se falar em ato de improbidade se fatores externos concorreram para eventual dano ao erário, devendo-se analisar, ainda, a esfera de
previsibilidade do agente, isto é, se analisou corretamente as circunstâncias e, ainda assim, não pôde evitar o resultado danoso.
Consideram, ainda, Garcia e Alves (2008, p. 248) que a atividade estatal, por vezes, é dotada de atos e decisões, a cargo dos agentes políticos, de
extremo risco, valendo citar, como exemplo, planos econômicos que foram
editados no Brasil e restaram fracassados, o que deve ser sopesado pelo
magistrado na análise de configuração ou não do ato de improbidade.
Afinal, analisando o escopo da Lei nº 8.429/92, é possível depreender que visou o legislador punir o administrador desonesto, que age de
má-fé, e não os casos de mera inabilidade, em que o agente tenha atuado
de boa-fé.
Ademais, é imperioso observar que para a condenação dos agentes
públicos ou terceiros nos atos de improbidade previstos especificamente no
art. 10 da Lei nº 8.429/92 é necessária a prova da lesão ao erário. Nesse
sentido, confira-se:
EMENTA: Ação Civil Pública. Procedimento licitatório. Tomada de preços.
Exigência de comprovação de capacitação técnica em 100% dos serviços Certame que tinha como critério de julgamento o menor preço Improbidade
administrativa. Frustração da finalidade da licitação, tendo em vista que apenas
uma empresa se habilitou. Suficiente publicidade ao instrumento convocatório
- Irregularidade do edital não impugnada por outros interessados. Desinteresse
pelo objeto a ser adjudicado por razões que não apenas a qualificação técnica
- Impossibilidade de atribuir-se à falha do edital o insucesso do certame.
Julgamento antecipado que não caracteriza cerceamento de defesa. Ato de
improbidade administrativa não comprovado nos autos. Inexistência de prejuízo concreto
ao erário ou malbaratamento dos bens públicos. Sentença reformada - Recursos providos
para afastar as penas cominadas em primeira instância. [...]
Importante salientar que não se vislumbra e tampouco restou comprovado o efetivo prejuízo
ao erário municipal, condição para a caracterização de ato de improbidade administrativa
fundado no artigo 10 da Lei nº 8.429/92.
Embora apenas uma empresa tenha logrado habilitação para o certame e apresentado
sua proposta, sendo declarada vencedora do procedimento licitatório, não há qualquer
indício de que o preço orçado tenha sido superior ao valor de mercado. Aliás, nesse sentido
nada foi dito, não sendo o caso de acolher as ilações do digno representante do Ministério
Público quanto à ocorrência de hipotético prejuízo ao erário. [...]
Também não colhe provimento a tese de conluio entre os réus para malbaratamento dos
bens públicos, que por si só exigiria a comprovação de que o valor pago pelos serviços foi
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superior àquele obtido em licitações semelhantes, de forma a configurar a ocorrência de
gasto inconveniente, dissipação ou desperdício do patrimônio público.
Pondere-se, ainda, que o serviço objeto do contrato administrativo foi integralmente
cumprido pela empresa requerida, não havendo qualquer indício de vantagem ou acréscimo
ilegal ao patrimônio de qualquer dos requeridos.
Conclui-se, portanto, inexistir ato de improbidade administrativa, mas apenas irregularidade incapaz de ofender os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência que devem nortear os atos da Administração Pública [...].
(BRASIL, 2011a, grifos nossos)
Ainda, merece destaque que, visando proceder a uma interpretação
condizente com a intenção do legislador na Lei nº 8.429/92, havendo
dano ao erário, tal fato, por si só, não é bastante para ensejar a punição
do agente público pelo ato de improbidade descrito no art. 10 da lei em
estudo. É que se deve analisar se o ato que ocasionou prejuízo ao erário
decorreu de inobservância dos princípios regentes dos agentes públicos,
segundo a abalizada doutrina de Garcia e Alves (2008, p. 249).
Por fim, o art. 11 da Lei nº 8.429/92 possui conteúdo eminentemente mais amplo em relação aos arts. 9º e 10 da mesma lei. Com efeito,
bem observam Garcia e Alves (2008, p. 255) que tal se deve em razão da
quase total inviabilidade de uma produção normativa casuística, capaz
de abarcar todos os ilícitos passíveis de serem praticados pelos agentes
públicos, o que não poderia, contudo, ser invocado como óbice à observância dos princípios básicos da atividade estatal, base do próprio Estado
Democrático de Direito.
Desta feita, segundo o que consideram Garcia e Alves (2008, p. 255),
ciente desta realidade o legislador optou por integrar a norma inserta no
art. 37, §4º, da CRFB/88, com preceitos que admitissem a “imediata subsunção e consequente coibição, de todos os atos que violassem os princípios condensadores dos deveres básicos dos agentes públicos”.
Acerca do tema, merece transcrição a ementa de julgado proferido
pelo STJ, de relatoria do ex-Ministro José Delgado, que evidencia a relevância da repressão aos atos lesivos a princípios da Administração Pública
previstos no art. 11 da Lei nº 8.429/92:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA
CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO DE FRASES DE CAMPANHA ELEITORAL NO EXERCÍCIO DO MANDATO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DO ART. 267, IV, DO CPC, REPELIDA.
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OFENSA AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. INTERPRETAÇÃO DO ART.
11 DA LEI 8.429/92. LESÃO AO ERÁRIO PÚBLICO. PRESCINDIBILIDADE.
INFRINGÊNCIA DO ART. 12 DA LEI 8.429/92 NÃO CONFIGURADA. SANÇÕES ADEQUADAMENTE APLICADAS. PRESERVAÇÃO DO POSICIONAMENTO DO JULGADO DE SEGUNDO GRAU.
[...] 4. O que deve inspirar o administrador público é a vontade de fazer
justiça para os cidadãos, sendo eficiente para com a própria administração.
O cumprimento dos princípios administrativos, além de se constituir um dever do
administrador, apresenta-se como um direito subjetivo de cada cidadão. Não satisfaz
mais às aspirações da Nação a atuação do Estado de modo compatível apenas
com a mera ordem legal, exige-se muito mais: necessário se torna que a gestão
da coisa pública obedeça a determinados princípios que conduzam à valorização
da dignidade humana, ao respeito à cidadania e à construção de uma sociedade
justa e solidária.
5. A elevação da dignidade do princípio da moralidade administrativa ao
patamar constitucional, embora desnecessária, porque no fundo o Estado
possui uma só personalidade, que é a moral, consubstancia uma conquista da
Nação que, incessantemente, por todos os seus segmentos, estava a exigir uma
providência mais eficaz contra a prática de atos dos agentes públicos violadores
desse preceito maior.
6. A tutela específica do art. 11 da Lei 8.429/92 é dirigida às bases axiológicas e
éticas da Administração, realçando o aspecto da proteção de valores imateriais
integrantes de seu acervo com a censura do dano moral. Para a caracterização
dessa espécie de improbidade dispensa-se o prejuízo material na medida em
que censurado é o prejuízo moral [...]. (BRASIL, 2005, p. 234, grifos nossos)
Entrementes, há entendimentos no sentido de que a norma inserta
no art. 11 da Lei nº 8.429/92 poderia acarretar insegurança jurídica a muitos agentes públicos. A esse respeito, vale conferir, por oportuno, a discussão traçada entre os Ministros do STF Gilmar Mendes e Carlos Velloso, nos
autos da Reclamação nº 2138/DF:
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – [...] Veja V. Exa. que é só para ilustrar.
Vou ler o artigo 11, inc. I, da Lei 8.429/92:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios
da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto,
na regra de competência;” Isso tem servido para muito estelionato. Muita extorsão
já foi praticada com base em semelhante dispositivo.
Qualquer ato que der ensejo ao mandado de segurança! Os Ministros do Orçamento
e da Agricultura que contrataram fiscais agropecuários responderam à ação de
improbidade com base em semelhante construção. Veja: isso é ato de improbidade;
essa é a tipificação. Para não dar outros exemplos, ficarei somente no exemplo extremo.
[...] O Sr. Min. CARLOS VELLOSO – Basta que se faça interpretação sistemática da
lei e da Constituição, como, aliás, deixei claro no meu voto. (BRASIL, 2007,
p. 200-203, grifos nossos)
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Vê-se, assim, que conforme a solução apontada pelo ilustre Min.
Carlos Velloso, o art. 11 da Lei nº 8.429/92, bem como toda a Lei de
Improbidade Administrativa, devem ser interpretados de maneira sistemática e teleológica, e, por óbvio, sempre com respaldo na razoabilidade, para
não ensejar punições desproporcionais, desvirtuadas do escopo da norma.
É necessário, ainda, que o julgador, diante do caso concreto, analise a presença da intenção do agente em, de fato, cometer o ato objeto de sanção.
Confirmando este entendimento, Mateus Bertoncini (2007, p. 167),
acertadamente, esclarece que constitui equívoco caracterizar como ato de
improbidade administrativa a “ofensa direta e imediata a qualquer princípio da Administração Pública, ou aos princípios do art. 37, caput, da CF,
ou ao princípio da moralidade administrativa. A linguagem normativa
não autoriza tais afirmações”.
5 Do campo de atuação da Lei nº 8.429/92
5.1Agentes políticos: ação pela prática de crime de responsabilidade e
ação de improbidade administrativa
Os agentes políticos constituem espécie do gênero agentes públicos.
Não é demasiado lembrar, aqui, a definição de agentes políticos dada por
Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 246):
[...] os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja,
ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema
fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do
Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores,
Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto
é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados
federais e estaduais e Vereadores. Vale dizer, o que os qualifica para o exercício
das correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão técnica,
mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e, por isto, candidatos possíveis
à condução dos destinos da Sociedade. (grifos nossos)
Definidos, portanto, os agentes políticos, passa-se à análise do regime
de responsabilização a que estão submetidos.
Os chamados crimes de responsabilidade decorrem do regime demo­
crático, havendo nítida vinculação à ideia, segundo José Afonso da Silva (2011,
p. 550), de que não há regime democrático que se preze diante da irresponsabilidade de seu governante. Assim, no sistema presidencialista adotado no
Brasil, o próprio Presidente deve ser responsabilizado por seus atos, de modo
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que, se constatada a ocorrência de crimes de responsabilidade, fica sujeito a
sanções de perda de cargo. A CRFB/88, em seu art. 85, estabelece a punição
do Presidente da República pelos chamados “crimes de responsabilidade”.3
Por sua vez, o art. 52 da CRFB/88 prevê a competência do Senado
Federal para processar e julgar crimes de responsabilidade praticados
pelo Presidente da República e pelo Vice-Presidente da República, bem
como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles e,
ainda, para processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal,
os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do
Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral
da União nos crimes de responsabilidade.
Em sede infraconstitucional, a disciplina dos crimes de responsabilidade é dada pela Lei nº 1.079, de 10.04.1950.4 Além disso, deve-se ressaltar
que, mediante uma interpretação dos arts. 2º e 74 da Lei nº 1.079/50,5 tem-se
como agentes políticos abrangidos pela aludida lei os seguintes: Presidente
da República, Ministros de Estado, Ministros do STF, Procurador-Geral da
República, Governadores e Secretários de Estado. Em se tratando de prefeitos, o diploma regulador é diverso, qual seja o Decreto-Lei nº 201, de
21.02.1967, que, nos termos de seu art. 1º, estabelece serem crimes de
3
Seção III - Da Responsabilidade do Presidente da República
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição
Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder
Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos
direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses crimes
serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento (BRASIL, 1988).
4
O art. 9º da Lei nº 1.079/50 define os chamados crimes de responsabilidade: “Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: 1 - omitir ou retardar dolosamente a publicação das leis e
resoluções do Poder Legislativo ou dos atos do Poder Executivo; 2 - não prestar ao Congresso Nacional dentro
de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior; 3 - não tornar
efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos
contrários à Constituição; 4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas
da Constituição; 5 - infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais; 6 - Usar de violência ou
ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou
de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim; 7 - proceder de modo incompatível com a dignidade,
a honra e o decoro do cargo” (BRASIL, 1950).
5
Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda
do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado
Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo
Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República. [...]
Art. 74. Constituem crimes de responsabilidade dos governadores dos Estados ou dos seus Secretários, quando
por eles praticados, os atos definidos como crimes nesta lei” (BRASIL, 1950, grifos nossos).
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responsabilidade dos prefeitos, cujo julgamento deve ser realizado pelo
Poder Judiciário, um rol de vinte e três incisos.
A Lei nº 1.079/50, embora anterior à CRFB/88, foi por ela recepcionada, conclusão esta que pode ser extraída da disposição contida no art. 85 da
CRFB/88.
É de se ressaltar, ainda, que a Lei nº 1.079/50, que prevê o impeachment,
tem natureza político-constitucional, conforme destacam Garcia e Alves (2008,
p. 422), tendo como finalidade afastar o agente político de um cargo público
para o qual não demonstrou aptidão.
Tecidas tais considerações, cabe distinguir o regime das Leis nº 1.709/50
e nº 8.429/92, para analisar a possibilidade de os sujeitos abarcados pela primeira lei serem punidos na forma da Lei de Improbidade Administrativa
quando praticarem os atos previstos nesta última.
O art. 37, §4º, da CRFB/88, como já amplamente explicitado no presente trabalho, constitui o fundamento constitucional da Lei nº 8.429/92,
de modo que resta evidente, no dispositivo constitucional em análise, a
inten­ção do Constituinte originário: preservar a moralidade na Administração
Pública. A Lei nº 1.079/50, ao revés, encontra seu fundamento de validade
na disposição contida no art. 85 da CRFB/88, que visa, igualmente, à preservação da probidade na Administração Pública (DI PIETRO, 2010, p. 832).
Entretanto, não obstante as duas leis em estudo tenham por fundamento a proteção à probidade e à moralidade na Administração, oportuna se mostra a distinção feita pelo Min. Joaquim Barbosa, no bojo da
Reclamação nº 2.138/DF. Segundo o citado Ministro, embora as duas leis
visem à proteção do mesmo bem jurídico, é forçoso reconhecer que se
trata de “disciplinas normativas distintas, com objetivos constitucionais
diversos” (BRASIL, 2007, p. 333-339).
Demais disso, a diferença reside, segundo o Min. Joaquim Barbosa,
no fato de que a Lei nº 8.429/92 traz tipificações cerradas, ao passo que
a Lei nº 1.079/50 traz em si uma tipologia vaga. O rol de sujeitos ativos
dos atos de improbidade administrativa, cujo processamento deve se dar
nos moldes da Lei nº 8.429/92, conforme observado por Joaquim Barbosa
(BRASIL, 2007, p. 334), é bem mais extenso em relação aos sujeitos ativos
submetidos à incidência dos crimes de responsabilidade, previstos na Lei
nº 1.079/50: nesta, são sujeitos ativos dos atos apenas os agentes políticos definidos constitucionalmente e complementados pelas disposições
do art. 9º desta lei, enquanto a Lei de Improbidade Administrativa visou
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abarcar um vasto rol de acusados, inclusive aqueles que, embora não possuam
vínculo com o Poder Público, se beneficiem ou concorram com a prática de
atos de improbidade administrativa.
Ainda, outra distinção fundamental entre os dois regimes, segundo
ressaltou o Min. Joaquim Barbosa (BRASIL, 2007, p. 334-335), decorre
da previsão constitucional do §4º, do art. 37, da CRFB/88, que visou a
concretizar o princípio da moralidade administrativa, coibindo a prática
de atos desonestos e antiéticos, que, já há muito tempo, têm sido corriqueiros por parte dos agentes públicos, mediante a aplicação de sanções
drásticas, porém, específicas, para cada tipo de conduta, através da tipificação da Lei nº 8.429/92.
Já a disciplina referente aos crimes de responsabilidade destina-se
a apurar a responsabilização de natureza eminentemente política, como
se depreende do art. 85, inc. V, da CRFB/88, e da Lei nº 1.079/50. Nos
crimes de responsabilidade, o objetivo constitucional é mais elevado,
constituindo, segundo o Min. Joaquim Barbosa (BRASIL, 2007, p. 335),
mais um dentre os inúmeros mecanismos de checks and balances — freios e
contrapesos — típicos das relações entre os poderes do Estado no regime
presidencial de governo.
Além disso, diversamente das sanções previstas para os atos de
impro­bidade administrativa, as sanções previstas para os crimes de responsabilidade são mais brandas. Conforme exarou o Min. Joaquim Barbosa
(BRASIL, 2007, p. 336), tal fato se deve ao fim visado pelo Constituinte
originário em relação aos crimes de responsabilidade, que, nos termos do
voto do referido Ministro, foi o de:
[...] lançar no ostracismo político o agente político faltoso, especialmente o chefe
de Estado, cujas ações configurem um risco para o estado de Direito, para a estabilidade das instituições, em suma, um Presidente que por seus atos e ações perde
a “public trust”, isto é, a confiança da Nação. (grifos no original)
Com efeito, corroborando o exposto, o Min. Joaquim Barbosa considerou que o que bem evidencia a distinção entre os dois regimes, além do
caráter político da punição pelos crimes de responsabilidade, é o fato de que
a Lei nº 1.079/50 prevê apenas duas modalidades de punição, quais sejam:
a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de funções públicas, pelo
prazo de oito anos, pelo que se mostra evidente, por meio de uma interpretação teleológica, que a intenção do constituinte originário, bem como
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do legislador ordinário, foi, com a punição dos crimes de responsabilidade,
retirar do poder aqueles que demonstrem a inaptidão para o exercício do
cargo, bem como evitar que possam ser reinvestidos na função posteriormente.
Com efeito, estabelecidas as distinções entre os dois regimes, que,
em última análise, visam a proteção da moralidade e da probidade na
Administração Pública, passa-se à breve análise da Reclamação nº 2.138/
DF, em que se discutiu o aparente conflito entre os dois tipos de responsabilidade dos agentes políticos constantes na CRFB/88.
5.2 O julgamento da Reclamação nº 2138/DF
Em agosto de 2002, foi ajuizada, pela Advocacia Geral da União, a
Reclamação nº 2138/DF, em face do Juiz Federal Substituto da 14ª Vara
Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, e do Desembargador
Relator da Apelação Cível nº 1999.34.00.016727-9, do TRF da 1ª Região,
em razão do teor da sentença, que condenou o ex-Ministro-Chefe da
Secre­taria de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República,
Ronaldo Mota Sardenberg, nas penas do art. 12 da Lei nº 8.429/92, com
base, ainda, no art. 37, §4º, da CRFB/88, pelo uso privado de aviões a jato
da Força Aérea Brasileira (FAB) e pela fruição de Hotel de Trânsito da
Aeronáutica, conduta tipificada no art. 9º, inc. IV e XII, art. 10, inc. IX e
XIII e art. 11, inc. I, todos da Lei nº 8.429/92.6
O Juiz Federal reclamado condenou Ronaldo Mota Sardenberg pela
prática de improbidade administrativa, por entender que o réu, embora
consciente de que haveria evidente desvio de finalidade em sua conduta
Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo
de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade
nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...] IV - utilizar, em obra ou serviço particular,
veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer
das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou
terceiros contratados por essas entidades; [...] XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei. [...]
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão,
dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos
bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...] IX - ordenar ou permitir a
realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; [...] XIII - permitir que se utilize, em obra ou
serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou
à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, bem como o trabalho de servidor
público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. [...]
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública
qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele
previsto, na regra de competência (BRASIL, 1992).
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— uma vez que é inconcebível o desconhecimento, por parte de agentes
públicos, da vedação do uso pessoal do patrimônio público — se utilizou, como já mencionado, do transporte de aviões a jato da Força Aérea
Brasileira (FAB), bem como fruiu de Hotel de Trânsito da Aeronáutica,
localizado no arquipélago de Fernando de Noronha, para atividades desvinculadas de sua atuação funcional.
Inconformado com a condenação, o ex-Ministro interpôs recurso de
apelação e, ao mesmo tempo, a União Federal ajuizou a Reclamação nº 2138/
DF, advogando que Ronaldo Mota Sardenberg, por ser Ministro de Estado,
não se sujeitaria à lei de improbidade administrativa, respondendo, apenas,
por crime de responsabilidade, junto ao Supremo Tribunal Federal. O fundamento da reclamação foi de que se aplicaria, no caso, o disposto no art. 102,
inc. I, alínea “c”, da CRFB/88,7 pretendendo preservar a competência originária do STF para julgar o caso.
Ademais, conforme consta no relatório da Reclamação nº 2138/DF,
a reclamante arguiu que, embora não haja previsão legal expressa atribuindo ao STF a competência para o julgamento por atos de improbidade
administrativa, em se tratando de Ministros de Estado, o STF, por analogia, mediante um confronto entre a Lei nº 8.429/1992 e a Constituição
Federal, teria competência para julgamento do Ministro, pois, segundo
alegara a reclamante, os atos de improbidade administrativa configurariam crimes de responsabilidade.
Assim, visava a reclamação a declaração de incompetência do Juiz
de 1ª instância, bem como do TRF da 1ª Região, para o julgamento do
Min. Sardenberg, com a consequente anulação da condenação acima descrita, por se tratar de incompetência absoluta, aplicando-se o disposto
no art. 113, §2º, do Código de Processo Civil.8 O principal fundamento
alegado pela União foi de que a prerrogativa de foro concedida a determinadas autoridades públicas, em função do cargo exercido, não poderia
ser afastada.
O posicionamento adotado pela maioria dos Ministros do STF na Recla­
mação nº 2138/DF foi pela procedência da reclamação, com a declaração de
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente: [...] c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade,
os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto
no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão
diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999) [...] (BRASIL,
1988, grifos nossos).
8
§2º Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao
juiz competente (BRASIL, 1973).
7
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incompetência do juízo de 1ª instância para processar e julgar o Ministro de
Estado, acolhendo-se as já mencionadas razões levantadas pela União Federal.
Ademais, segundo este entendimento adotado pelos Ministros Nelson Jobim
(aposentado), Gilmar Mendes, Ellen Gracie (aposentada), Maurício Corrêa
(aposentado), Ilmar Galvão (aposentado) e Cezar Peluso, a Lei nº 8.429/92 não
poderia ser aplicada aos atos praticados por agentes políticos já abrangidos
pela Lei nº 1.079/50, sob pena de se ter um bis in idem.
Em sentido diverso, restaram vencidos os Ministros Marco Aurélio,
Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso e Joaquim Barbosa.
Merece destaque que a Reclamação nº 2.138/DF, de fato, é um dos
principais exemplos em que se vislumbra a mitigação da aplicabilidade da
Lei nº 8.429/92. Todavia, não é demais lembrar que o referido julgamento
produziu efeitos apenas inter partes, não tendo, por esta razão, caráter vinculante para decisões de outros tribunais em casos diversos.9
5.2.1 Considerações sobre os votos vencidos e argumentação favorável
Passa-se à análise de alguns pontos dos votos dos Ministros Carlos
Velloso e Joaquim Barbosa, que com admirável argumentação bem demonstram o escopo do presente trabalho.
O Min. Carlos Velloso (BRASIL, 2007, p. 166), ao proferir seu voto,
considerou, inicialmente, que a CRFB/88 valorizou o princípio da moralidade administrativa, ao consignar expressamente sua proteção no caput
do art. 37 da CRFB/88, bem como sua espécie, a probidade administrativa, no §4º do mesmo dispositivo constitucional, nos seguintes termos:
É dizer, a Constituição não entendeu suficiente proclamar o princípio da legalidade, certo
que nesta se insere a moralidade administrativa, nem lhe pareceu suficiente a
lição da doutrina de que o ato administrativo se compõe de elementos e um
deles, da maior relevância, é o da finalidade — o ato administrativo deve ter,
sempre, finalidade de interesse público — e que ato administrativo contrário à
moralidade é ato que não atende à finalidade de interesse público. Foi além a Constituição.
O princípio da moralidade administrativa constitui, com a Constituição de 1988, conceito
jurídico autônomo. (BRASIL, 2007, p. 166, grifos nossos)
Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência atual: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. PREFEITO.
AÇÃO DE IMPROBIDADE. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO QUE, À ÉPOCA, AINDA NÃO HAVIA SIDO
PROFERIDA NOS AUTOS DA RECLAMAÇÃO N. 2.138/DF. PROCESSO SUBJETIVO. EFEITOS INTER PARTES. 1. Não
cabe reclamação com fundamento em descumprimento de decisão do Supremo Tribunal Federal em processo
cujo julgamento não foi concluído, ainda que haja maioria de votos proferidos em determinado sentido. Precedentes. 2. A decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na Reclamação n. 2.138/DF tem efeitos
apenas inter partes, não beneficiando, assim, o Agravante. 3. Agravo Regimental ao qual se nega provimento”
(BRASIL, 2011b, p. 208, grifos nossos).
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Destarte, diante do conteúdo do princípio da moralidade administrativa,
consistente no dever de o serviço público atender de maneira justa, ética e
honesta à sociedade a que se destina, bem como diante da improbidade
administrativa, tida como uma imoralidade administrativa qualificada, e
encontrar previsão em diversos dispositivos constitucionais, o Min. Carlos
Velloso reconheceu a relevância que o Constituinte originário quis dar à
proteção da moralidade na Administração, e de sua consectária, a probidade administrativa.
Não por outra razão, considerou o eminente Ministro que sendo a
Lei nº 8.429/92 o “instrumento de realização do princípio da moralidade
administrativa” (BRASIL, 2007, p. 169), tendo em vista a relevância que
a CRFB/88 atribuiu ao referido princípio, não podem ser realizadas interpretações que mitiguem a aplicabilidade da lei mencionada. Assim, aduziu que a interpretação da Lei nº 8.429/92 “que tem por finalidade, vale
repetir, realizar o princípio constitucional, há de ser a mais larga, a fim de
se conferir a máxima eficácia a este” (BRASIL, 2007, p. 169), referindo-se
ao princípio da moralidade administrativa.
Após fazer considerações acerca dos agentes abrangidos pela Lei
nº 1.079/50, o Min. Carlos Velloso (BRASIL, 2007, p. 169-173) considerou que tais agentes políticos, quando pratiquem atos que caracterizem
a definição de crime de responsabilidade, por estes atos responderão,
de modo que, não sendo os atos por eles praticados tipificados na Lei
nº 1.079/50, pelos atos de improbidade administrativa, uma vez que o
art. 2º da Lei nº 8.429/92 não fez qualquer ressalva quanto ao campo
de sua atuação, não cabendo, portanto, ao intérprete restringir a interpretação — e, consequentemente, a eficácia — da Lei de Improbidade
Administrativa, para criar exceções não contidas naquele diploma legal.
Entrementes, o Min. Carlos Velloso (BRASIL, 2007, p. 175-176) considerou, apenas, que a fim de atender ao disposto na CRFB/88, sem, contudo, ferir
outros preceitos constitucionais, a aplicação da Lei nº 8.429/92 a alguns agentes políticos apenas deveria se dar com ressalvas. Assim, no caso do Presidente
da República, em razão do disposto no art. 86 da CRFB/88, não poderiam
ser aplicadas as sanções de perda de cargo e suspensão de direitos políticos.
Já quanto a deputados e senadores, tendo em vista o art. 55 da CRFB/88, não
poderia haver a perda do mandato, e, em razão do art. 27, §1º, da CRFB/88,
a Lei nº 8.429/92 também não poderia ter as sanções integralmente aplicadas,
excluindo-se, assim, a possibilidade de aplicação da pena de perda do cargo,
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uma vez que, em todos estes dispositivos mencionados a CRFB/88 previu
procedimentos específicos para o afastamento ou perda do cargo de tais agentes políticos.
Considerou, ademais, que no ranking internacional dos países em
que se constata a corrupção, o Brasil possui uma das piores classificações,
sendo inegável, portanto, a necessidade de esforço dos poderes constituí­
dos para eliminar, ou, ao menos, reduzir ao máximo, a corrupção, e um
dos meios para tanto é dar a máxima eficácia à Lei nº 8.429/92 (BRASIL,
2007, p. 176-177).
Concluiu seu voto (BRASIL, 2007, p. 186) julgando improcedente a
Reclamação nº 2.138/DF, e considerando a Lei nº 8.429/92 aplicável aos
agentes políticos, ressalvados apenas, no tocante às sanções de perda de
cargo e suspensão de direitos políticos, os dispositivos constitucionais10
atinentes aos agentes ali mencionados, por uma interpretação sistemática da
CRFB/88.
O Min. Joaquim Barbosa, em seu voto, analisou a existência de uma
dupla normatividade em matéria de improbidade no Brasil, nos seguintes
termos:
Não se cuida, pois, de responsabilização política, e por isso mesmo não é aplicável ao
caso o art. 102, I, c da Constituição Federal. Acompanho, portanto, o voto do ministro
Carlos Velloso.
Mas vou além, Senhora Presidente. Eu entendo que há, no Brasil, uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em primeiro lugar,
existe aquela específica da lei 8.429/1992, de tipificação cerrada, mas de incidência
sobre um vasto rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não
tenham qualquer vínculo funcional com a Administração Pública (lei 8.429/1992,
art 3º); e uma outra normatividade relacionada à exigência de probidade que
a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao chefe do
Poder Executivo e aos ministros de Estado, ao estabelecer no art. 85, inc. V, que
constituem crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que
atentem contra a probidade da administração. No plano infraconstitucional, essa
segunda normatividade se completa com o art. 9º da lei 1.079/1950.
Trata-se de disciplinas normativas diversas, as quais, embora visando, ambas, à
preservação do mesmo valor ou princípio constitucional — isto é, a moralidade
na Administração Pública — têm, porém, objetivos constitucionais diversos.
(BRASIL, 2007, p. 333, grifos nossos)
Ademais, eminente Ministro considerou que a proteção à probidade
administrativa visada pela Lei nº 8.429/92 possui escopo muito diverso da
10
Arts. 15, 51, inc. I, 86 e 87 da CRFB/88.
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Lei nº 1.079/50, uma vez que a finalidade da proteção à probidade na Lei
nº 8.429/92 é punir os atos desonestos, antiéticos, praticados por qualquer
agente público, em detrimento da Administração Pública. Destacou, portanto, que em razão de possuírem escopos diversos, tais leis não se excluem
e não podem acarretar, por esta razão, qualquer bis in idem. Por oportuno,
confira-se o entendimento explicitado no voto do Min. Joaquim Barbosa:
Essa mesma duplicidade de responsabilização pode ser encontrada nas normas infraconstitucionais relativas à responsabilização dos servidores públicos, que se submetem
concomitantemente à responsabilização administrativa (lei 8.112/1990, art.), à responsabilização penal (CP, arts. e seguintes) e à responsabilização civil, esta nas hipóteses em
que causarem danos a terceiros e forem condenados a assumir os respectivos ônus em ação
regressiva. É nessa mesma direção que aponta o art. 12 da lei de improbidade
administrativa, ao dispor claramente o seguinte: “independentemente das sanções
penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo
ato de improbidade sujeito às seguintes sanções”.
[...] se o nosso ordenamento jurídico admite, em matéria de responsabilização
dos agentes políticos, a coexistência de um regime político com um regime
puramente penal, por que razão haveria esse mesmo ordenamento jurídico de impedir
a coabitação entre responsabilização política e improbidade administrativa?
Noutras palavras, se a Constituição permite o mais, que é a cumulação da
responsabilidade política com a responsabilidade penal, por que haveria
de proibir o menos, isto é, a combinação de responsabilidade política com
responsabilidade por improbidade administrativa? (BRASIL, 2007, p. 339-342,
grifos nossos)
À guisa do exposto, o citado Ministro asseverou, ainda, que não foram
somente as perplexidades e inversões de valores que a tese defendida pela
maioria dos Ministros do STF acarretaria que o levaram a se manifestar pela
improcedência da Reclamação nº 2.138/DF (BRASIL, 2007, p. 344). É que,
conforme explicou, o Brasil, lamentavelmente, é um país onde a corrupção
manifesta-se de maneira crescente, concluindo:
E digo eu: mais do que um desastre, a solução que até este momento vem logrando
maioria nesta Corte, caso prevaleça, significará um enorme retrocesso institucional.
Significará nada mais nada menos do que a morte prematura da lei de improbidade,
essa inovação relativamente recente que vinha produzindo bons frutos.
Vista de outro ângulo, a proposta que vem obtendo acolhida até o momento
nesta Corte, no meu modo de entender, além de absolutamente inconstitucional, é
a-histórica e reacionária, na medida em que ela anula algumas das conquistas civilizatórias mais preciosas obtidas pelo homem desde as revoluções do final do século XVIII.
Ela propõe nada mais nada menos do que o retorno à barbárie da época do absolutismo,
propõe o retorno a uma época em que certas classes de pessoas tinham o privilégio de não se submeterem às regras em princípio aplicáveis a todos, tinham
a prerrogativa de terem o seu ordenamento jurídico próprio, particular.
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Trata-se, como já afirmei, de um gigantesco retrocesso institucional. Na perspectiva
da notável evolução institucional experimentada pelo nosso país nas últimas
duas décadas, cuida-se, a meu sentir, de uma lamentável tentativa de REBANANIZAÇÃO da nossa República! Eu creio que o Supremo Tribunal Federal, pelo
seu passado, pela sua credibilidade, pelas justas expectativas que suscita, não
deve embarcar nessa aventura arriscada. (BRASIL, 2007, 347-348, grifos nossos)
O Min. Joaquim Barbosa considerou, ainda, que se vencedora a tese
de procedência da Reclamação nº 2.138/DF, estar-se-ia criando uma nova
hipótese de competência originária para o STF, o que se afigura inadmissível, vez que iria de encontro à própria jurisprudência já sufragada pelo
Pretório Excelso, a qual consagrou ser exaustivo o rol do art. 102, inc. I, da
CRFB/88, de modo que, inclusive, este foi o fundamento para firmar-se a
jurisprudência uníssona no STF acerca da impossibilidade de julgamento,
pela Suprema Corte, de ações populares, ações civis públicas, ações cautelares, ações ordinárias — como a ação de improbidade administrativa
— ações declaratórias e medidas cautelares, ainda que promovidas em
face de agentes detentores de foro por prerrogativa de função, tais como
o Presidente da República (BRASIL, 2007, p. 349-350).
Por fim, o Ministro concluiu seu voto pugnando pela improcedência
da Reclamação nº 2.138/DF. Entrementes, ressalvou que a aplicação das
penas de perda de cargo aos agentes políticos não constituiria, de fato,
competência de juiz de primeira instância, menos ainda, por meio de ação
de improbidade administrativa. A justificativa para seu entendimento neste
sentido foi a de que a referida sanção consiste em punição “típica do elenco
de mecanismos de controle e aferição da responsabilidade política no sistema presidencial de governo”, como um mecanismo do sistema de freios
e contrapesos (BRASIL, 2007, p. 351). Assim, concluiu com propriedade:
Explicito o meu voto neste ponto. O juiz de primeiro grau pode, sim, conduzir
ação de improbidade contra autoridades detentoras de prerrogativa de foro. Em
conseqüência, poderá aplicar todas as sanções previstas na lei 8.429/1992, salvo uma:
não poderá decretar a perda do cargo político, do cargo estruturante à organização do
Estado, pois isto configuraria um fator de desestabilização político-institucional
para a qual a lei de improbidade administrativa não é vocacionada. (BRASIL,
2007, p. 351, grifos nossos)
Nada obstante a argumentação presente nos votos dos Ministros
Joaquim Barbosa e Carlos Velloso, a tese vencedora na Reclamação nº 2.138/
DF foi a de que a Lei nº 8.429/92 seria inaplicável ao Ministro de Estado,
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Ronaldo Mota Sardenberg, uma vez que, segundo consideraram os ministros,
seria impossível a aplicação da sanção de perda de cargo público por juiz
de primeira instância, o que os levou a votar pela total inaplicabilidade da
Lei nº 8.429/92 ao Ministro de Estado, justificando, ademais, que este já
estaria sujeito à punição por crimes de responsabilidade, nos termos da
Lei nº 1.079/50, como se esta esfera de responsabilização se confundisse
com a da Lei nº 8.429/92.
Entretanto, segundo o entendimento já exarado pelos Min. Joaquim
Barbosa e Carlos Velloso, a sanção de perda do cargo não poderia se dar
por juiz de primeira instância, para os cargos cuja CRFB/88 prevê um procedimento diverso para tal sanção, o que se afigura mais acertado, sendo,
inclusive, o entendimento adotado por grande parte da doutrina, evidenciando, assim, a fragilidade da tese vencedora na Reclamação nº 2.138/DF,
que optou por, simplesmente, afastar de modo integral a Lei nº 8.429/92 a
agentes políticos regidos pela Lei nº 1.079/50.
Reafirma-se, com efeito, que a tese explicitada nos votos vencidos
nos autos da Reclamação nº 2.138/DF, com base em uma interpretação
teleológica,11 é a que melhor se adéqua aos objetivos visados pelo Constituinte
originário, não se podendo olvidar que ao STF incumbe a guarda da
CRFB/88.
Desta feita, desde o julgamento da Reclamação nº 2.138/DF vários
foram os artigos elaborados por juristas acerca do tema, bem como os posi­
cionamentos doutrinários, sendo possível constatar que a maioria deles
acaba por criticar a tese vencedora no STF, aderindo ao posicionamento
já aqui explicitado,12 adotado pela tese vencida, ou, até mesmo, o entendimento de que a Lei nº 8.429/92 poderia se dar, sem ressalvas quanto às
Cabe aqui trazer os ensinamentos de Luis Roberto Barroso (1996, p. 131), acerca da interpretação teleológica:
“A Constituição e as leis, portanto, visam a acudir necessidades e devem ser interpretadas no sentido que
melhor atenda à finalidade para a qual foi criada. [...] Nem sempre é fácil, todavia, desentranhar com clareza a
finalidade da norma. À falta de melhor orientação, deverá o intérprete voltar-se para as finalidades mais elevadas
do Estado, que são, na boa passagem de Marcelo Caetano, a segurança, a justiça e o bem-estar social”.
12
Nesse sentido é o entendimento da professora Maria Silvia Zanella Di Pietro (2010, p. 832), para quem “todos
os agentes públicos que praticam infrações estão sujeitos a responder nas esferas penal, civil, administrativa
e político-administrativa”, de modo que, segundo a autora, não seria justificável que, justamente os agentes
políticos, que têm maior compromisso com a probidade administrativa, fossem excluídos da incidência da
referida lei, sendo razoável — e, aqui deve-se frisar, também necessária — a aplicabilidade da Lei nº 8.429/92 no
exercício de seus cargos. De igual maneira, o professor José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 1020) considerou
que as Leis nºs 1.079/50 e 8.429/92 coexistem harmoniosamente no sistema, mesmo porque inexiste qualquer
vedação expressa nesse sentido, não cabendo, portanto, ao exegeta fazê-la. Contudo, ressalvou o professor
Carvalho Filho (2009, p. 1020), que será incabível requerer, por meio da ação de improbidade administrativa,
a aplicação de sanções de natureza política — suspensão de direitos políticos e perda do cargo — uma vez
que já há disposição constitucional disciplinando a forma e a competência para a aplicação de tais sanções
em face de determinados agentes políticos.
11
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sanções, aos agentes políticos. Nesse sentido é o entendimento de Pedro
Roberto Decomain (2007, p. 42), para quem “particularmente se crê que
todas as sanções previstas pelo parágrafo 4º do art. 37 da CF/88 e pela
Lei nº 8.429/92 são aplicáveis aos agentes políticos em sede de ação civil
por improbidade administrativa”. De igual maneira, entendem Garcia e
Alves.13
Por fim, como já era de se esperar, o lamentável entendimento majoritariamente adotado na Reclamação nº 2.138/DF causou, além de mera discordância, revolta por parte de juízes, tribunais e doutrinadores, como se vê
pelos seguintes excertos, extraídos da doutrina e da jurisprudência, respectivamente:
O entendimento externado na Reclamação nº 2.138/2002, engendrado de
tocaia para inutilizar o único instrumento sério de combate à improbidade em um país
assolado pelo desmando e pela impunidade, é uma página negra na história da Suprema
Corte brasileira. Espera-se, ao final, seja ele revisto, mas o simples fato de ter
sido arquitetado e posto em prática bem demonstra que não será fácil elevar o
Brasil das sombras à luz.
[...] Essa estranha maneira de ver a realidade, cambaleante na forma, frágil na
essência, faz lembrar a perspicaz narrativa do Padre Antônio Vieira: [...] Na
Idade Média, o grande Bonifácio já observara que certas leis se assemelham a
teias de aranha: aprisionam moscas, mas são dilaceradas pelos grandes pássaros.
(GARCIA; ALVES, 2008, p. 425-426, grifos nossos)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. DEVIDA TUTELA
DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DO COTEJO ANALÍTICO DOS JULGADOS. FUNDAMENTO LEGAL
E CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO.
NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 126/STJ. ART. 37, CAPUT, DA CF. NORMA
DE EFICÁCIA PLENA. AGRAVO NÃO PROVIDO. [...]
Quanto à alegação da não aplicação dos ditames da lei de improbidade administrativa aos agentes políticos.
Das alegações jurídicas e discussões mais bisonhas de que já se teve notícia — esta de que
a LIA não se aplicaria aos agentes políticos —, deve ser rechaçada de plano.
A Lei nº 8429/92, sem dúvida uma das melhores já editadas desde o descobrimento da
terrae brasilis, não deixa qualquer margem à divergência, já que se trata de diploma
Segundo Garcia e Alves (2008, p. 455), considerando que o julgamento dos agentes políticos proferido por atos
de improbidade administrativa possui natureza evidentemente cível, ao passo que o julgamento por crimes de
responsabilidade caracteriza-se como político, não há que se falar em inaplicabilidade das sanções de perda de
mandato, mesmo ao Presidente da República, pois o art. 52 da CRFB/88, em seu parágrafo único, estabelece que
a aplicação das sanções políticas se dará sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. Assim, entendem os
autores que “por inexistirem normas constitucionais que vedem a decretação de perda do mandato do Presidente
da República por outros órgãos que não o Senado Federal, bem como por não haver prerrogativa de foro para
os atos de improbidade, essa nos parece ser a solução mais correta” (GARCIA; ALVES, 2008, p. 455).
13
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legislativo, regulamentador do §4º, Art. 37, CF/88, direcionado, prioritariamente, aos
agentes políticos.
Pensar o contrário é depor contra o direito fundamental do cidadão, de ter uma gerência
administrativa proba, ilibada.
Não obstante isso, a malsinada reclamação nº 2.138-6, proposta para defender um então
Min. do Governo FHC, contra as investidas do famoso Ex-Procurador Geral da
República, Luiz Francisco, teve o condão, apenas e tão somente, de firmar a
competência originária do Supremo para julgar o mencionado agente político.
Não quer dizer — muito embora o motivo, admita-se, tenha sido este! — que
a LIA não teria força de incidência sobre os agentes políticos.
Além disso, obviamente, a ‘reclamação’ não se enquadrou dentre o seleto rol
de veículos previstos para o controle concentrado das leis, de modo que, sua
decisão não gerou efeitos erga omnes e vinculantes, limitando-se, pois, às partes
nela demandantes. (BRASIL, 2011c, grifos nossos)
Com efeito, vislumbra-se que a tese vencida nos autos da Reclamação
nº 2.138/DF, adotada, ainda, por grande parte da doutrina, é a que melhor
se coaduna com a intenção visada pelo Constituinte originário, e a que
melhor se harmoniza com a ampla proteção destinada ao princípio da
moralidade administrativa.
6 Conclusões
Após estudo sobre o tema, o que, lamentavelmente, se pode notar é
que a coisa pública, embora seja indisponível, é tratada por muitos agentes
públicos como se fosse de somenos importância, cedendo lugar a interesses
meramente pessoais e egoísticos, em contraposição ao interesse público,
que deveria ser o fim exaustivamente buscado pelos agentes públicos.
Nesse contexto, regulamentando o art. 37, §4º, da CRFB/88, foi editada a Lei nº 8.429/92, que se mostra importante instrumento colocado à
disposição do Poder Judiciário para atuar no controle repressivo dos atos
de improbidade administrativa.
Entretanto, nada obstante a Lei de Improbidade Administrativa tenha
buscado definir precisamente os atos que poderão ser caracterizados como
ímprobos, são correntes as divergências em torno desta lei. Em especial
quanto ao campo de atuação da Lei nº 8.429/92, reside a controvérsia
quanto à possibilidade de sua aplicação aos agentes políticos, os dignitários da República.
Tal controvérsia veio à tona com o julgamento da Reclamação nº 2.138/
DF, no qual por seis votos contra cinco venceu a tese que entendeu pela procedência da reclamação, e consequente inaplicabilidade da Lei nº 8.429/92
ao Ministro de Estado ali julgado.
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Após a análise da tese vencedora e dos votos vencidos, em especial,
dos Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, pode-se concluir que,
buscando-se a intenção da norma constitucional, quisesse o Constituinte
originário esgotar a proteção à probidade da Administração, em decorrência de atos praticados por agentes políticos, apenas por meio da punição por crimes de responsabilidade, o teria feito de maneira expressa. Ao
revés, não é possível vislumbrar na CRFB/88 qualquer exceção quanto ao
campo de atuação da lei regulamentadora da improbidade administrativa.
Com efeito, através de uma interpretação teleológica, buscando-se
a intenção da norma, depreende-se que o Constituinte originário, bem
como o legislador ordinário, visaram abarcar o maior número de situações e sujeitos passivos hábeis a incorrer em atos de improbidade administrativa, evitando-se, assim, a impunidade mesmo daqueles que sequer
possuem vínculo com o Poder Público, mas se beneficiaram com a prática
de tais atos.
Outrossim, mediante uma interpretação sistemática do Texto
Constitucional, vislumbra-se que o art. 37, caput, da CRFB/88, prevê, entre
os princípios regentes da Administração Pública, a moralidade administrativa, o fazendo indistintamente, isto é, para todos os agentes públicos. Assim, o
§4º, do art. 37, da CRFB/88, ao prever a punição por atos de improbidade
administrativa, não pode ser interpretado de modo dissociado do caput do
mesmo artigo: é dizer, a Lei de Improbidade Administrativa, ao regulamentar aquele preceito constitucional, deve ser aplicada a todos os agentes
públicos, inclusive — e principalmente — aos agentes políticos que atuem
de maneira ímproba.
Destarte, embora a atividade interpretativa do Poder Judiciário, em
especial dos Tribunais Superiores, seja imprescindível para evitarem-se
excessos, deve cuidar o intérprete para, em sua exegese, não restringir a
eficácia e o campo de atuação da Lei nº 8.429/92. Afinal, a edição da Lei
nº 8.429/92 instrumentaliza o comando constitucional do art. 37, §4º, da
CRFB/88, que se fundamenta numa necessidade da sociedade, razão pela
qual se deve dar a máxima eficácia à Lei de Improbidade Administrativa.
Esta, sem dúvidas, é a interpretação que melhor se compatibiliza com
os fins buscados pela proteção constitucional à probidade da Administração
Pública, bem como por um Estado, que seja, efetivamente, um Estado
Democrático de Direito, pois como já reiteradamente afirmado no decorrer
deste artigo, isentar mesmo que apenas uma parcela dos agentes políticos
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da incidência da Lei de Improbidade Administrativa seria um estímulo à
corrupção.
Brief observations on the Law of Administrative Misconduct and its
applicability to policy makers
Abstract: This article is dedicated to the analysis of the main aspects of
the constitutional command in Article inserts. 37, §4, the CRFB/88, which
provides for administrative misconduct as a figure worthy of sanctions,
and the understanding recorded by the Supreme Court’s judgment 2.138/
DF Complaint, which was about the applicability of Law 8.429/92 agents
politicians. It will analyze the discipline given to the Administrative
Misconduct by Law 8.429/92, and the main outlines that this law has caused in
the Brazilian legal system, so that, although after almost 20 years of enactment
of Law 8.429/92, are still many discussions about the correct interpretation
of it. This article understand that it seems more compatible with the original
intent of the Constituent, which made no exception regarding the scope of
punishment for acts of administrative impropriety political agents, as well
as some recent understandings, jurisprudential and doctrinal, which have
been formally drawn up on the subject.
Key words: Administrative Misconduct. Political agents. Crimes of responsibility. Complaint n. 2.138/DF.
Referências
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dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996.
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Deo Campos Dutra, Isabella Ribeiro Liquer
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www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 12 out. 2011.
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R. Proc.-Geral Mun. Juiz de Fora – RPGMJF, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 187-214, jan./dez. 2012
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Breves considerações sobre a Lei de Improbidade