CAPA
Qual é o
Pesquisa do Idec em cinco redes
de supermercados mostra que,
em todas, há divergência entre o
valor cobrado e o ofertado, além
de produtos sem etiqueta
E
m Istambul, capital da Turquia,
tradicionalmente o comércio
funciona assim: o cliente entra
em uma loja e avalia os produtos exibidos. Não há etiquetas de preço afixadas. Se o consumidor se interessa por
um produto, deve perguntar o valor
ao vendedor. Se demonstrar interesse
pelo preço, começam as negociações e
barganhas. É um ritual que exige calma
e paciência.
Nada contra a tradição turca. Transferir essa filosofia para compras prosaicas em supermercados brasileiros é que
seria, aí sim, digno de insatisfação. Pois
é, mas talvez não estejamos tão distantes dessa realidade. Tanto lá como aqui,
nem sempre se sabe logo de cara quanto custa um produto: uma pesquisa do
Idec realizada em cinco grandes redes
de supermercados encontrou muitos
artigos sem etiqueta. Além disso, foram
detectados problemas com terminais de
leitura de preço e, pior, valores negativamente divergentes (quando o preço efetivamente praticado é superior
ao anunciado).
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• Março 2014 • REVISTA DO IDEC
As redes analisadas foram Carrefour, Extra, Pão de Açúcar,
Sonda e Walmart. Foram visitadas duas lojas distintas de cada
rede, todas na cidade de São Paulo. Veja mais detalhes da metodologia no quadro na página 15. A advogada do Idec Mariana Alves
Tornero lembra que, por lei, quando há divergência de preços
para o mesmo produto, deve sempre prevalecer o menor valor.
O caso do Pão de Açúcar é o que chama mais a atenção. Dos
46 produtos verificados, 11 tinham divergência de preço. É quase
um quarto do total! Entre esses 11 itens, há de tudo: de discrepân-
COMO FOI FEITA A PESQUISA
cias mais modestas (de R$ 0,09, por
exemplo) até casos de alguns bons
reais de diferença. Por exemplo,
uma lata de leite em pó anunciada
por R$ 16,90 estava sendo vendida
por R$ 22,15. Os R$ 5,25 cobrados
a mais (e posteriormente estornados) representam um aumento de
mais de 31% do valor ofertado. No
total, a conta dos 11 produtos de
acordo com o anunciado deveria
ser de R$ 195,92; o valor real, no
entanto, era de R$ 18,75 a mais (ou
quase 19%): R$ 214,67.
Casos de poucos centavos foram
considerados, sim, pela pesquisa do
Idec. De toda forma, divergências
pequenas não compõem a maioria
dos casos encontrados.
Os resultados das outras redes
para os casos de divergência de
preço foram: quatro produtos no
Carrefour, três no Extra, três no
Walmart e dois no Sonda. No
Carrefour, diga-se, o estorno foi
Duas lojas distintas das redes Carrefour, Extra, Pão de Açúcar, Sonda e
Walmart foram visitadas, todas na cidade de São Paulo. A primeira dessas
duas visitas teve o objetivo principal de verificar se havia produtos anunciados por um determinado valor, mas cobrados por valor superior. Para
isso, foram coletados 45 produtos, de modo a contemplar os diversos
setores do estabelecimento. À medida que cada produto era colocado
no carrinho de compras, o pesquisador anotava o preço anunciado. Em
seguida, os preços reais dos 45 produtos foram checados nos terminais
de leitura ótica. Os itens com preços reais superiores ao anunciado foram
comprados e, após esse processo, o estorno era solicitado no Serviço de
Atendimento ao Cliente.
As visitas às segundas unidades de cada rede tiveram dois objetivos
principais: elencar quantos itens estavam sem preço e verificar o estado de
funcionamento dos leitores óticos, percorrendo todos os corredores da loja
em até 75 minutos.
A separação de objetivos em cada uma das duas visitas contou com
exceções. Por exemplo, quando ocasionalmente era encontrada uma divergência de preço na visita que pretendia avaliar os leitores óticos e os
produtos sem preço, esse resultado entrava para a pesquisa. Isso explica
porque o universo total de produtos das redes Pão de Açúcar, Sonda e
Walmart é de 46 itens (e não 45). O mesmo princípio vale para os terminais de leitura — daí os quatro defeituosos do Extra terem sido encontrados em duas lojas distintas.
Fotos Shutterstock
parcial: a empresa devolveu a quantia paga a mais de apenas dois itens.
O funcionário da rede alegou que os
outros dois produtos não estavam
com preço errado. Veja na página
16 a tabela com todos os resultados.
MISCELÂNEA
Detectar preços maiores que os
ofertados não é algo tão simples. Isso
porque há algumas modalidades de
discrepância de valores: a mais evidente é quando a etiqueta afixada na
gôndola informa um preço e o sistema de dados do estabelecimento
registra um valor superior.
Mas há também outras duas situações. Uma é a presença de duas
etiquetas (ou até mais), cada uma
informando um valor, e o praticado
é o maior deles. Outra é quando a
etiqueta visualmente unida ao produto faz, na verdade, alusão a outro
item, de modo que o consumidor é
induzido a erro. Agindo de boa fé,
ele acredita que o produto que escolheu tem um determinado preço,
mas se surpreende ao constatar que
o valor é maior. “Em situações desse
tipo, o consumidor tem direito, sim,
ao ressarcimento da quantia paga
a mais”, afirma Marcos Diegues,
assessor executivo do Procon de
São Paulo.
Há alguns agravantes além desse
erro de posicionamento de etiquetas: as letras que especificam
o produto (e, portanto, indicam
a qual item a etiqueta se refere)
normalmente são muito pequenas;
é preciso esforço e concentração
razoáveis para captar a mensagem.
Sem contar que também é comum
o uso de siglas indecifráveis. Por
exemplo, o que dizer da inscrição
“QA LIMP PERF FLS E FT”? Sim,
REVISTA DO IDEC •
Março 2014 • 15
CAPA
este é um caso real, e a etiqueta com
esse dizer se referia a um “limpador
perfumado com aroma de frutas
e flores”. Imagine ter que matar
uma charada para cada produto que
você for comprar!
Existem ainda casos de etiquetas que anunciam um determinado
valor em letras garrafais e, com
tamanho bem mais comedido de
fonte, explicam que tal valor se aplica apenas à compra de um grande
número de unidades do produto. O
valor unitário, maior, aparece também com letras modestas. A prática
foi constatada ocasionalmente em
uma loja do Extra, embora esse não
fosse o foco da pesquisa.
Para não ser pego de surpresa
l Procure ler com atenção as informações impressas sob o preço da mercadoria; nem
sempre a etiqueta mais perto do produto se refere a ele.
l É lei: se o produto tiver dois preços, deve prevalecer sempre o menor.
l Se estiver com dúvida em relação ao preço, não hesite em consultar o terminal de leitura.
l Ao passar no caixa, nem sempre é possível verificar se os preços estão corretos; por
isso, confira sempre a nota fiscal. Anotar os preços ofertados pode ajudar.
l Se constatar que pagou a mais, dirija-se ao guichê de atendimento ao cliente e
explique o ocorrido.
l Caso o mercado que costuma frequentar seja muito desorganizado, deixe de ser
cliente dele.
l Se o estabelecimento se recusar a cobrar o preço mais baixo, tire fotos dos produtos e
das etiquetas; com as provas e a nota fiscal em mãos, recorra ao Procon ou a um Juizado
Especial Cível (JEC).
ma lei que especificasse a maneira
como os preços deveriam ser afixados. “Mas a interpretação que
se fazia do Código de Defesa do
Consumidor era que deveria haver
uma etiqueta para cada produto”,
afirma Diegues. Portanto, depois
de 2004 é que foi oficializada a não
obrigatoriedade de uma etiqueta
individual por produto exposto.
“A lei afrouxou a maneira como os
preços são apresentados. As entidades de defesa do consumidor não
foram ouvidas”, acrescenta o assessor do Procon-SP.
Em 2006, foi publicado um
LEGISLAÇÃO
Uma lei federal de 2004 prevê as
formas de apresentação de preços.
No caso de supermercados, há três
possibilidades: afixação de etiquetas
em cada produto, uso de código referencial (quando existe uma
lista de códigos de cada produto e
seus respectivos preços) e código
de barras. Esta última modalidade é
utilizada por praticamente todos os
supermercados do país.
Antes de 2004, não havia nenhu-
decreto que regulamenta a lei de
2004. Mais detalhista, ele trouxe
alguns avanços, como determinar
que a distância máxima entre um leitor ótico e qualquer produto deve ser
15 metros. Além disso, prevê que, na
modalidade de afixação de código de
barras, “as informações relativas ao
preço à vista, características e código
do produto deverão estar a ele visualmente unidas, garantindo a pronta identificação pelo consumidor”.
Bom, infelizmente não é bem essa a
situação que, no geral, se encontra
nos supermercados.
Segundo Diegues, os super-
PROBLEMAS IDENTIFICADOS
Produtos com preço
superior ao ofertado
Percentual em
Quantidade
Carrefour
Extra
Pão de açúcar
Sonda
Walmart
4 / 45
3 / 45
11 / 46
2 / 46
3 / 46
relação ao total*
Diferença entre a soma
dos preços anunciados e
a dos cobrados (em porcentagem a mais)**
Estorno da quantia
paga a mais
foi realizado?
Quantidade
de produtos
sem preço
Leitores
óticos com
problema
9%
7%
24%
4%
7%
+47%
+13%
+10%
+8%
+12%
Parcialmente***
Sim
Sim
Sim
Sim
19
44
29
11
17
4
4
Nenhum
1
Nenhum
* percentuais arredondados, sem casas decimais;
** apenas dos produtos com divergência de preço;
*** dos quatro produtos com preço superior ao anunciado, foi feita a devolução da quantia paga a mais referente a apenas dois dos produtos
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• Março 2014 • REVISTA DO IDEC
mercadistas costumam usar dois
argumentos para casos de divergência de preços: um é que os
reajustes vão sendo inseridos no
sistema informatizado, mas apenas
em um momento posterior é que
as novas etiquetas, com os valores
corretos, são fisicamente afixadas.
Outro é que consumidores mudam
as mercadorias de lugar. “Esses argumentos são apenas explicações,
não servem como justificativas”,
defende o assessor do Procon-SP.
No ano passado, casos de divergência de preço resultaram em 128
multas aplicadas pelo órgão a supermercados da capital paulista. Sinal
de que a situação é mesmo estrutural, e não específica a esta ou aquela
unidade de uma grande rede.
Especular os motivos que levam
a problemas desse tipo é infrutífero.
O que se espera é que as irregularidades encontradas deixem de ocorrer. Mas algumas afirmações feitas
por funcionários deixam algo no ar
(nenhum deles sabia da pesquisa
do Idec). Por exemplo, um gerente
disse que a unidade em que trabalha
está há tempos com falta de pessoal
para o setor encarregado de etiquetagem. Outro, a quem foi solicitado
o estorno da quantia paga a mais,
não esboçou nenhuma surpresa ao
saber que o preço estava errado.
Inclusive já tinha decorado o valor
correto do produto em questão...
NÃO TEM PREÇO
Além da incidência de divergência de preços, a pesquisa do Idec
enumerou produtos cujos preços
não foram encontrados. A loja com
maior número de produtos assim
pertence à rede Extra: 44 ao todo.
O que dizem as empresas
O Idec entrou em contato com as assessorias de imprensa das empresas e comunicou o
resultado da pesquisa. Todas afirmaram que seguem o CDC e a legislação referente à afixação
de preços. O resumo de cada resposta está abaixo:
l Carrefour: diz que adota rigorosos procedimentos de conferência diária de preços nas gôndolas de suas lojas, de acordo com os valores cadastrados em sistema, e que, se o consumidor
constatar uma divergência, realiza prontamente o reembolso da diferença, prevalecendo
sempre o menor preço. A empresa afirma que reforçará estas orientações em suas unidades,
para garantir o melhor atendimento aos consumidores.
l Grupo Pão de Açúcar (redes Extra e Pão de Açúcar): afirma realizar rígido controle e fiscalização dos preços por meio de conferência diária e auditorias periódicas. Informa também que
está analisando iniciativas para contribuir com esse trabalho, como a ampliação das lojas com
etiqueta eletrônica (o que permite atualização em tempo real de ofertas e mudanças e preços)
e impressoras portáteis. A empresa diz que, em eventual divergência de preço encontrada nas
lojas do grupo, o menor valor é considerado, evitando qualquer tipo de prejuízo ao consumidor. Sobre os monitores com avarias encontrados no Extra, a rede informa que se trata de um
problema pontual e solicita saber quais foram as lojas visitadas para averiguar o ocorrido e
confirmar os reparos, se necessários.
l Sonda: responde que tem um forte trabalho de manutenção dos leitores de preços, com
uma equipe interna dedicada a isso e uma equipe de manutenção terceirizada. Em relação aos
preços dos produtos nas gôndolas, afirma ter equipes em lojas que fazem conferências dos
preços diariamente e, ainda, que estuda o uso de etiquetas eletrônicas para que a troca de preços não necessite tanto da interferência humana, não correndo o risco de erro nas atualizações.
l Walmart: informa que possui procedimentos internos que garantem a precisão dos
preços dos mais dos 45 mil itens vendidos. Em relação à falta de precificação e divergência de
valor apontado na pesquisa, diz que está apurando as causas.
Em seguida, vem uma unidade do
Pão de Açúcar, com 29 produtos
sem preço. No Carrefour, foram 19
produtos com ausência de preço;
no Walmart, 17 e, no Sonda, 11. Os
números poderiam ser até maiores,
já que essa checagem não se ateve a
todos os milhares de produtos disponíveis em um supermercado.
Consultar os terminais de leitura
tampouco é garantia para se saber
os preços dos itens, pois nem sempre esses aparelhos funcionam. Em
uma única unidade do Carrefour,
por exemplo, foram encontrados
quatro leitores com problemas: dois
tinham defeito no visor, impedindo
a compreensão das informações,
e outros dois simplesmente não
existiam, apesar de cartazes indicarem a sua localização ali. No Extra,
também foram encontrados quatro
terminais com problemas, mas em
duas lojas distintas. Entre eles, um
não estava conectado à rede interna
de preços (nenhum valor aparecia
no visor, apenas mensagens de erro)
e outro, a exemplo do Carrefour,
sequer existia. Os outros dois não
contavam com cartazes suspensos
indicadores de sua localização (conforme prevê o decreto de 2006).
No Sonda, foi encontrado um leitor
ótico com defeito no visor.
REVISTA DO IDEC •
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