“Opus Dei em Portugal”
direcção de José Freire Antunes
Daniel Lacerda
pós a obra Judeus em
Portugal*, as edições
Edeline, com sede em
Versalhes, apresentaram ultimamente um novo título, Opus Dei em
Portugal** editado na mesma colecção, Histórias de Vida. A concepção
destes volumes é idêntica: trata-se
de reconher testemunhos (neste
caso de 48 membros) junto dum
painel variado de aderentes, precedidos de uma apresentação geral
assinada pelo organizador da publicação,o historiador e biógrafo José
Freire Antunes. Este material é
acompanhado de documentos fotográficos, por vezes enquadrados
por notícias comentadas que as
situam na época e no seu contexto
sócio-político.
Esta obra deixa no leitor uma
imagem aproximada da acção deste
organismo tido por semi clandestino ou, pelo menos, de evidente
secretismo, dada a variedade das
pessoas e personalidades entrevistadas e a preocupação jornalística
de captar elementos informativos
de maior significado. No entanto,
pela sua natureza descritiva não
procede a uma análise da natureza
da obra, nem a equaciona no espaço
orgânico e ideológico, onde aliás
desempenha uma função que internacionalmente lhe é atribuída,
enquanto lóbi de influência ideológica e política, junto das esferas do
poder.
Este documento limita-se praticamente a dar forma aos testemunhos recolhidos junto dos membros,
que, naturalmente apresentam a sua
faceta mais edulcorada. No entanto,
no quadro dessa imediatez, tendo
em conta que foram convocados
alguns dos seus membros influentes, o leitor dá-se pouco a pouco
conta da imensa estrutura orgânica
que os membros da Opus Dei criaram e sob a qual se apoiam para
recrutar novos aderentes. A inteligência do militantismo religioso
deste organismo está em, além de
A
n° 19 - décembre 2003
LATITUDES
ter garantido o reconhecimento
papal (da parte de João Paulo II)
com a chamada prelatura, permitindo que os sacerdotes católicos
integrem o organismo - segundo se
deduz - ter constituído uma extensa
rede de organismos de vocação
social e de formação profissional.
Tendo por vértice a Universidade
de Navarra (Pamplona), onde vários
destes dirigentes entrevistados se
formaram, segue-se uma orgânica
tentacular no nosso país (com ligações internacionais) de que fazem
parte entre outros: o I.S.U., o Instituto
de Solidariedade e Cooperação
Universitária, a Associação de
Estudos Superiores de Empresa
(AESE), a Associação Portuguesa de
Cultura e Desenvolvimento, as
Casas-Escolas Agrícolas como As
Palmeiras, a Escola Profissional Val
do Rio, as Residências Universitárias
(Álamos, etc.), o Colégio Universitário
Montes Claros (Lisboa), os colégios
Horizonte, Xénon e Planalto; os
clubes Darca, Os Arcos, o Rampa; o
Centro Alviela; além do interese pela
edição (Rei dos Livros) e pelas rádios
locais (Fornos de Algodres).
Alguns dos membros mais
jovens entrevistados vieram a aderir
ao Opus ao frequentarem algumas
destas estruturas, todas elas associando a finalidade profissional com
palestras e sessões de preparação
religiosa, vocação última do organismo. Dos 48 membros, com diversos graus de envolvimento:
supranumerário, numerário, agregado (cujo significado não encontrámos) aparece apenas um
pertencente ao Partido Socialista,
outro da área da ex-primeiro ministro Lurdes Pintassilgo e os restantes
do Partido Social Democrata e,
sobretudo, do CDS-PP, incluindo a
família do seu dirigente e deputado
N. Coissoró. O aspecto ultraconservador deste organismo multifacetado fica bem materializado nesta
filiação, assim como nas ideias
emitidas, que circulam na depen-
dência de entidades míticas e irracionais, que assinalam uma submissão espiritual.
Alguns comentários de enquadramento manifestam semelhante
conservadorismo permitindo-lhe
considerar o ex-primeiro ministro
Cavaco Silva, que desfez o sector
público da economia portuguesa, o
“mais marcante e com obra mais
modernizadora” (p. 483). A vinculação à vizinha Espanha não deriva
unicamente dos fundadores do
organismo - olhados por alguns dos
depoiantes com uma admiração
beata - e do prestígio procurado
junto de certos políticos, como
Lopez Rodó. Além de outras ligações, destaca-se o período 1975-77
dos fugitivos ao radicalismo da
Revolução de Abril, propício à sua
influência. A família Jardim
Gonçalves, cabeça do todo poderoso Banco Comercial Português,
reconstruiu o seu futuro em Madrid
à sombra da Opus, segundo aí é
descrito, para depois transbordar
em Portugal. Estamos, pois, perante
um documento que, lido critica-
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mente, contribui à compreensão de
algumas das estruturas que movem
a sociedade portuguesa, sabendose que apenas é revelado a superfície visível do icebergue, e que ele
está elaborado para mostrar a solidez do empreendimento e o seu
papel social pleno de intenções de
certa fraternidade. Uma fraterni-
dade, porém, desigual pela dependência perante os colarinhos duros
e o que hoje representam enquanto
universo mental doutro tempo.
Do ponto de vista formal, a
edição é escorreita na redacção,
ventilada por documentos ilustrativos que a tornam atractiva. Um índice
onomástico facilita igualmente a
consulta. Anotemos, contudo, a
nossa surpresa por os títulos das
obras não se demarcarem do texto
com o habitual itálico!
* Ver o nosso comentário em Latitudes n°
16, Dez. 2002, p. 88.
** Opus Dei em Portugal, o Testemunho de
50 Homens e Mulheres, sob direcção de
José Freire Antunes, Versailles, Edeline (7
rue Rameau), 2002, 535 p.
I Salão do Livro Lusófono e do Disco
O
rganizado pela Livraria Lusófona,
realizou-se no sábado 18 de
Outubro este primeiro Salão do Livro,
no Espace Reuilly de Paris 12e. Velho
sonho do livreiro João Heitor, ele
conseguiu encher a sala de livros e
discos e reunir vários apoios (Rádio
Alfa, Fnac, Instituto Camões) que
garantiram uma presença aceitável
para uma primeira tentativa.
Paralelamente, realizaram vários
encontros com autores de edições
recentes e no palco exibiram-se os
artistas: Fernando Marques, Trio
Sonoridad e a fadista Mané (com um
CD recente promovido pela Fnac)
que encerrou a noitada com a sala
plena.
No espaço artístico mostravam-se
os desenhos de Sonia Prieto (que
publica em Latitudes) e de FerreiraRocha; a pintura de Jean-Pierre
Lacourt e a escultura de César
Carvalho. Latitudes esteve presente
neste salão, que demonstrou as suas
virtualidades, enquanto momento
Aspecto do Salão. César Carvalho com os retratos de escritores, que executa.
privilegiado de contacto com o
público. Mas que exige um apoio
firme de quem tem a responsabilidade
de aproximar os instrumentos de
cultura lusófona dum público que foi
forçado a arredar-se do país Doutoramento sobre a Praxe
Académica de Coimbra
níbal Frias, nosso colega de
redacção de Latitudes, obteve
o grau de doutor em Etnologia no
passado 26 de Setembro na
Universidade de Paris X - Nanterre
com a tese: Le monde universitaire
et la Praxe académica au Portugal.
Cultures académiques et traditions
étudiantes: l’Université de Coimbra.
O júri era composto pelo director de
tese Georges Augustins (Université
de Nanterre), e pelos professores:
Jorge de Freitas Branco do ISCTE
(Lisboa), Patrick Menget da EPHE de
A
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Paris, Martine Segalen (Université de
Nanterre), Florence Weber (ENS,
Paris), e Patrick Williams, investigador no CNRS, Paris. Este atribuiulhe a menção “Très Honorable à
l’unanimité et les Félicitations à
l’unanimité du jury”, assim como a
proposta dum prémio e duma subvenção para a sua publicação.
Surpreendentemente, é a primeira
vez que uma investigação etnológica universitária toma por assunto
os costumes académicos de
Coimbra. Mas além dos usos, ceri-
mónias universitárias e as tradições
e rituais estudantis, Aníbal Frias alargou o seu estudo ao mundo universitário de Coimbra na sua
diversidade. Assim ele encarou-o
como um universo social e cultural
autónomo, complexo, coerente e
significante sendo a Praxe apenas
uma dimensão entre outras, embora
esssencial. Num próximo futuro
teremos ocasião de revelar alguns
dos aspectos estudados por Aníbal
Frias na sua fascinante focagem
etnológica LATITUDES
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