As propriedades do gás estelar Estrelas são massas gasosas mantidas gravitacionalmente com uma forma quase­esférica e que apresentam produção própria de energia. A definição acima, além de não ser a mais precisa do que é uma estrela, pode nos levar a acreditar que todas as estrelas são formadas pelo mesmo tipo de gás e que, portanto, basta estudar as propriedades de uma delas para sabermos tudo sobre todas. Não é verdade. Embora todas as estrelas sejam formadas por gás nem todas são formadas pelo mesmo tipo de gás. Vejamos então algumas propriedades do gás que forma as estrelas. O estudo dos gases Uma das áreas mais difíceis da física é o estudo dos gases. Uma pequena quantidade de gás é formada por milhões de moléculas que interagem continuamente. Cada interação entre duas delas significa que uma das moléculas perde energia e a outra ganha energia. Além disso os movimentos das moléculas em um gás são absolutamente aleatórios: as moléculas não seguem trajetórias bem determinadas, mudando continuamente a direção e o sentido de seus movimentos. Isso faz com que o estudo das propriedades de um gás ou seja, das propriedades das moléculas que o compõe, seja muito difícil. Na verdade esse estudo é, em geral, feito de modo estatístico, com as chamadas distribuições de probabilidade, um assunto bastante complicado que, obviamente não trataremos aqui. Gás I deal ou P erfe ito Para podermos discutir algumas propriedades mais simples de um gás é necessário fazer algumas suposições bastante simplificadoras. Para isso os físicos "criaram" um gás fictício com propriedades bastante idealizadas, ou seja, um gás ide al. Assim, um gás pe rfe ito ou gás ideal é uma idealização de um gás. Um gás ideal ou perfeito é um gás hipotético onde
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todas as suas partículas são idênticas
todas as suas partículas têm volume zero
todas as suas partículas não interagem ou seja, não existem forças intermoleculares
todas as suas partículas sofrem colisões perfeitamente elásticas com as paredes do recipiente que contém o gás Note que os gases reais não possuem propriedades exatamente iguais a essas. Entretanto o conjunto de propriedades de um gás ideal frequentemente é uma aproximação bastante boa para descrever um gás real. Esta aproximação só não poderá ser feita quando estivermos tratando com gases submetidos a altas pressões ou a baixas temperaturas quando então as forças intermoleculares desempenham um papel muito importante na determinação de suas propriedades. A Equação de Estado de um Gás Para descrevermos o interior de uma estrela é necessário aplicar os conceitos aprendidos sobre o comportamento dos gases. Afinal, estrelas são formadas por gases e estes estão limitados em volume, pressão e temperatura. Todo gás pode ser descrito por algumas poucas propriedades básicas. Estas são a temperatura T, a pressão P e o volume V do gás. As regras que definem como essas propriedades se relacionam foram determinadas a partir de experiências e datam do século XVIII e início do século XIX. A essas propriedades básicas de um gás damos o nome de variáve is de estado pois elas descrevem as propriedades e as condições físicas do gás. Quando estabelecemos uma relação entre duas ou mais variáveis de estado, sejam elas, temperatura, pressão, volume ou energia interna (definida adiante), obtemos uma equação de estado que como o nome diz descreve o estado da matéria sob um dado conjunto de condições físicas. Existem algumas leis fundamentais que descrevem relações entre variáveis de estado e são, portanto, equações de estado. Essas leis nos mostram o comportamento dos gases em determinadas condições físicas e levam o nome dos cientistas que as descobriram. Essas leis são:
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Lei d e Bo yle­Mariotte A lei de Boyle­Mariotte, descoberta em 1662 pelos físicos Robert Boyle e Edme Mariotte, nos diz como se relacionam a pressão e o volume de um gás. Segundo ela
Para uma massa fixa de gás ideal mantido a uma temperatura fixa, o produto da sua pressão pelo seu volume é sempre um valor constante. Em termos matemáticos isso se escreve onde o P é a pressão do gás o V é o volume do gás o k é uma constante Em termos mais simples, a lei de Boyle­Mariotte nos diz que se mantivermos invariável a massa e a temperatura de uma determinada quantidade de gás, quando seu volume aumenta a pressão irá diminuir e vice­versa.
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Lei d e Charles Esta lei, descoberta em 1787 pelo físico Jacques Alexandre César Charles, relaciona o volume e a temperatura de um gás. Ela nos diz que A uma pressão constante, o volume de uma determinada massa de um gás ideal aumenta ou diminui pelo mesmo fator que a sua temperatura aumenta ou diminui. Em termos matemáticos isso é escrito como onde o V é o volume do gás o T é a temperatura do gás (medida em Kelvin) o k é uma constante Basicamente, essa lei nos diz que, mantendo a pressão de um gás constante, se a sua temperatura aumenta, obrigatoriamente o seu volume também aumenta.
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Lei d e Dalton Esta lei foi descoberta em 1801 pelo químico John Dalton e também é chamada de "Lei das Pressões Parciais". Ela nos diz que A pressão total em uma mistura de gases é igual à soma individual das pressões exercidas por cada um dos gases que fazem parte da mistura. Matematicamente isso pode ser escrito como Ptotal = P1 + P2 + P3 + ...
onde o Ptotal é a pressão total exercida pela mistura dos gases o P1 é a pressão exercida isoladamente por um dos gases da mistura o P2 é a pressão exercida isoladamente por outro gás da mistura o e assim por diante ...
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Lei d e Gay­Lussac Esta lei, descoberta em 1802 pelo físico Joseph Louis Gay­Lussac, relaciona a pressão e a temperatura de um gás. Ela nos diz que A pressão de uma quantidade fixa de gás mantida em um volume fixo é diretamente proporcional à sua temperatura em Kelvin. Em termos matemáticos temos onde o P é a pressão do gás o T é a temperatura do gás (medida em Kelvin) o k é um valor constante Em termos bem simples, se o volume de um gás é mantido fixo, ao aumentar sua temperatura sua pressão também irá aumentar. A equação de um g ás ideal Você pode combinar as leis dos gases dadas acima. Para isso devemos supor um determinado gás em dois conjuntos diferentes de condições físicas. Isso quer dizer que em um momento ele estará com pressão P1, volume V1 e temperatura T1, e em outro momento ele apresentará uma pressão P2, volume V2 e temperatura T2. Em resumo, em um determinado momento o gás é representado pelo conjunto (P 1, V1, T1) e em outro pelo conjunto (P2, V2, T2). Nestas condições a Lei de Boyle­Mariotte pode ser escrita como P1V1 = P2V2 a lei de Charles fica: e a lei de Gay­Lussac fica: Combinando as leis de Boyle e Charles dadas acima, obtemos a relação:
Vemos, portanto, que a expressão PV / T é sempre constante e então podemos escrever PV = (constante) T A "constante" que aparece na equação acima é proporcional ao número de moléculas que existem dentro do recipiente considerado. Então (constante) = kN onde N é o número de moléculas do gás e k é uma constante que se determina experimentalmente. Podemos então escrever a equação PV = (constante)T como PV = NkT onde
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P é a pressão do gás
V é o volume do gás
N é o número de moléculas do gás
k é a chamada constante de Boltzmann (k = 1,3807 x 10 ­23 Joule/Kelvin)
T é a temperatura do gás (em Kelvin) Podemos transformar a equação acima usando a chamada "lei de Avogadro". Para isso precisamos lembrar que definimos mol de uma substância como a quantidade desta substância que contém o número de A vog ad ro de moléculas. O número de Avogadro é dado por NA ~ 6,022 x 10 23 e é definido como o número de átomos de carbono em 12 gramas de 12 C. A massa de 1 mol de uma substância é denominada massa mole cular desta substância. Temos então que se n é o número de moles de uma substância, o número de moléculas que ela possui é dado por N = nNA Deste modo, se chamarmos kN A = R, a equação acima pode ser escrita como PV = NkT = nNAkT = nRT onde
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P é a pressão do gás
V é o volume do gás
n é o número de moles do gás
R é a chamada constante universal dos gases (R = 8,314 x 10 3 Joule/Kelvin)
T é a temperatura do gás (em Kelvin) Essas duas últimas expressões de PV são formulações equivalentes da chamada lei do g ás id eal. Esta relação foi obtida em 1834 pelo físico francês Émile Clayperon. Vimos que qualquer porção de um gás é formada por um número bastante grande de moléculas que se movem aleatoriamente. Se uma molécula de gás está em movimento, ela possui uma energia cinética que é dada pela expressão Ec = (1/2) mv 2 onde
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m é a massa da molécula
v é a velocidade da molécula
Se a quantidade de gás estudada é formada por N moléculas, a energia cinética total de translação das N moléculas é dada por Ec­total = N(1/2) mv 2 Sabemos que a temperatura de um gás está associada à energia cinética média de translação de suas moléculas. Assim (1/2) m < v 2 > = (3/2) kT onde o termo < v 2 > significa que estamos considerando a média do quadrado das velocidades das moléculas do gás e não a velocidade particular de cada molécula (o que seria intratável dado o enorme número de moléculas existente em qualquer porção de gás). A física nos mostra que somente esta energia cinética de translação participa do cálculo da pressão que um gás exerce sobre as paredes do recipiente que o contém. Temos então que Ec = N(1/2) mv 2 = (3/2) NkT = (3/2) nRT Se considerarmos que a energia cinética total de translação das N moléculas de um gás é a própria energia interna total deste gás, vemos que a energia interna depende somente da temperatura do gás e não de seu volume ou da pressão ao qual está submetido. Escrevendo U, a energia interna do gás, no lugar da energia cinética Ec temos U = (3/2) nRT Veja que estamos considerando que a energia interna do gás só inclui a energia cinética de translação. Se ela incluir outras formas de energia, então a equação mostrada acima não é mais válida e a energia interna poderá depender também da pressão e do volume. Definimos um gás ideal ou perfeito como sendo aquele para o qual as duas relações abaixo ocorrem simultaneamente PV = nRT e U = U(T) ou seja, a energia interna do sistema é função somente da temperatura. O gás do inte rio r de uma estrela As equações que vimos acima nos mostram relações fundamentais entre as variáveis de estado P, T e V de um determinado gás. Infelizmente (ou felizmente?), o gás que compõe o interior de uma estrela pode ser bastante mais complexo que isso pois até aqui só usamos a física clássica ou Newtoniana. Existem situações em que outros processos físicos também vão surgir no gás estelar complicando ainda mais sua descrição física. Por exemplo, as partículas que compõem o gás estelar podem ter velocidades altíssimas e, neste caso, teremos que levar em consideração as relações da física relativística. Os gases agora são gases relativísticos e teremos que usar novas equações para descrever o seu comportamento geral. Além disso, em algumas estrelas as densidades são tão altas que os efeitos quânticos sâo importantes. Neste caso estaremos tratando com a chamada " matéria degenerada". Mais ainda, um gás degenerado também podem ser relativístico! Completando, para estudar o interior das estrelas precisamos trabalhar com uma parte da física que é chamada de teoria cinética dos gases e que trata os gases de forma global, como conjuntos de inúmeras partículas cujo comportamento é descrito pelas chamadas distribuições gasosas. É ai que vão aparecer as distribuições de Maxwell­Boltzmann, de Fermi­Dirac, de Bose­Einstein, etc. Como você pode ver pela pequena descrição dada acima, o estudo dos gases que formam o interior de uma estrela é extremamente complicado, dependendo do tipo de estrela que estamos estudando. Certamente neste curso não iremos tratar com detalhes esses gases pois isso exigiria uma matemática bastante sofisticada.
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As propriedades do gás estelar