A CONTRIBUIÇÃO DOS GÊNEROS TEXTUAIS COMO OBJETO DE ENSINO
NA ALFABETIZAÇÃO DE UM ALUNO COM SÍNDROME DO X–FRÁGIL
LÔYDE DO NASCIMENTO GONÇALVES (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CÂMPUS BAURU), ANA SUELLEN MARTINS (UNESP-BAURU).
Resumo
A emancipação humana e a inserção no mundo letrado se concretizam por meio da
leitura. Essa prática possibilita ao leitor o acesso ao conhecimento construído
historicamente pela humanidade, pois democratiza esses saberes. Entretanto, para
fazê–la, não basta saber decifrar os signos linguísticos; é essencial transcender ao
que é visível e isso implica atribuir sentido ao que se lê, tendo como referência o
conhecimento do contexto. A leitura promove, então, a emancipação do sujeito, ao
possibilitar a sua efetiva e autônoma participação nas relações sociais. A linguagem
verbal, construção essencialmente humana, realiza–se por meio dos diferentes
gêneros textuais praticados nas diversas esferas da comunicação humana. Um
ensino que vise à formação de cidadãos conscientes da sua condição e usuários
competentes da língua só pode pautar–se nesses gêneros, os quais lhes
proporcionam o contato com a linguagem em pleno uso social. Este trabalho tem
por objetivo apresentar parte de um estudo de caso, iniciado em 2007, em uma
abordagem qualitativa de pesquisa–ação, tendo como sujeito um aluno do 9º ano
do Ensino Fundamental, com Síndrome do X–Frágil, a qual traz limitações ao
aprendizado da leitura. Sendo a educação um direito constitucional de todos,
justifica–se a realização deste estudo por buscar atender a crescente demanda
social de ações que possibilitem o acesso aos diversos saberes. Com base nas
intervenções realizadas desde 2007 e no levantamento bibliográfico do tema,
elaborou–se uma intervenção cujo objetivo é promover a aquisição da escrita e o
letramento desse aluno, tendo os gêneros textuais como objeto de ensino, os quais
proporcionaram o prazer pelo ato de ler já que oportunizaram práticas significativas
de leitura objetivadas pelo sujeito pesquisado. Constatamos, que, até o presente
momento, por se tratar de um objetivo estabelecido também pelo próprio aluno –
ler sua história preferida sozinho –, tem perpassado satisfatoriamente o processo
de alfabetização.
Palavras-chave:
Síndrome do X–Frágil, Alfabetização, Gêneros Textuais.
Lôyde do Nascimento Gonçalves[1]
Ana Suellen Martins[2]
Eliana Marques Zanata[3]
Rosa Maria Manzoni[4]
Se fosse ensinar a uma criança a arte da leitura não começaria com as
letras e as sílabas. Simplesmente leria as histórias mais fascinantes que a
fariam entrar no mundo encantado da fantasia. Aí então, com inveja dos
meus poderes mágicos, ela quereria que eu lhe ensinasse o segredo que
transforma letras e sílabas em histórias. É assim. É muito simples.
Rubem Alves
INTRODUÇÃO
Ler, escrever, interpretar, sonhar por meio das palavras, transver o
mundo... Palavras e conceitos por vezes tão distantes daqueles que, por algum
motivo, não tiveram a oportunidade de desfrutarem a leitura de um texto, de se
extasiarem diante do contato com um livro, que desperta as sensações mais
diversas no leitor ou tampouco a chance de verem a vida pelas histórias e olhares
do outro. Assim, configura-se a necessidade de uma das atividades mais
importantes na sociedade letrada: a alfabetização. O processo de alfabetização
oportuniza os indivíduos a terem uma atuação efetiva nas principais práticas sociais
em que o conhecimento da linguagem verbal se faz imprescindível.
É nesta perspectiva que este trabalho apresenta uma experiência de
alfabetização de um sujeito com a Síndrome do X-Frágil, uma iniciativa inclusiva
que reflete os anseios sociais por medidas que permitem ao aluno o acesso a uma
educação com qualidade. A opção pelo desenvolvimento do trabalho, imergindo o
aluno nos gêneros textuais, tem a intenção de que a ação da leitura se configure
num instrumento que venha a lhe garantir uma certa autonomia ao aluno. Desta
forma, esperamos que tal pesquisa represente uma busca de alternativas para o
processo de alfabetização de sujeitos com essa síndrome.
Trata-se de uma pesquisa empírica, cujos dados foram coletados em sala de
aula, por meio da análise de atividades e observações extraclasse, durante os anos
de 2007, 2008 e 2009, sendo o 7º, 8º e 9º ano do Ensino Fundamental,
respectivamente. Os instrumentos de coleta de dados foram questionário semiestruturado, registros feitos em diário de bordo e das atividades realizadas em sala
de aula e a observação sitemática durante o processo de alfabetização.
Portanto, este trabalho configura-se como um recorte da investigação de
uma pesquisa mais ampla, na qual as questões aqui abordadas serão discutidas
mais detalhadamente.
1. Alfabetização e letramento: processos distintos e indissociáveis no ensino da
leitura e da escrita
Para que o aprendizado da leitura e da escrita permita ao educando
compreender a linguagem além dos seus códigos, é essencial que saiba a razão de
adquiri-la para a sua efetiva atuação na sociedade. Por muito tempo, o conceito de
alfabetização relacionou-se a uma visão da aprendizagem da língua escrita como
um processo de codificação de sons em letras, para escrever, e o movimento
oposto, de decodificação, para ler. Por isso, consideramos o termo letramento
necessário para a compreensão do significado do aprender a ler e a escrever.
Assim, o conceito de letramento "focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição
da escrita" (TFOUNI, 1995:9) e de seu aprendizado. Segundo Soares (1998:58), o
letramento é "fazer uso da leiura e de escrita, envolver-se em práticas sociais de
leitura e de escrita". Consoante ao pensamento dessas duas autoras, Kleiman
(1995:19) define letramento como "[...] um conjunto de práticas sociais que usam
a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos
específicos". Nesse contexto, concebemos, neste artigo, o processo de alfabetização
e letramento, um único processo, pois abrange o domínio e uso social da leitura e
escrita.
Quando o alfabetizando mergulha nesse processo permeado de palavras,
de início, um mundo desconhecido lhe apresenta o qual vai, aos poucos, se
configurando à medida que ele tem conhecimento e interação com diferentes
textos.
Portanto, a alfabetização não é o desenvolvimento de capacidades
relacionadas à percepção, memorização ou ao treino de um conjunto de habilidades
sensório-motoras - é um processo no qual as pessoas precisam resolver problemas
de natureza lógica até chegarem a compreender de que forma a escrita alfabética
representa a linguagem, para que possam escrever e ler por si mesmas.
As práticas educativas requerem de todos os profissionais envolvidos no
processo de ensino um olhar atento às especificidades dos seus educandos.
Compreender as peculiaridades de cada indivíduo e promover um ensino que
respeite essas características do aluno, exige sempre uma busca de meios
diferenciados para obtenção do mesmo resultado: a aprendizagem.
Para Carvalho, R. (2003:61), "é preciso pensar em todos os alunos como seres em
processo de crescimento e desenvolvimento e que vivenciam o ensinoaprendizagem segundo suas diferenças individuais".
Apropriando-nos das ideias de Carvalho, R. (2008:23), em que diz que
"somos diferentes e queremos ser assim e não uma cópia malfeita de modelos
considerados ideais. Somos iguais no direito de sermos, inclusive, diferentes". Fica
claro o contexto sócio-educacional que nos cerca, em que, nas últimas décadas,
órgãos governamentais nacionais e internacionais têm solicitado das escolas ações
pedagógicas de cunho social no sentido de promover uma educação com qualidade
a todos, uma escola onde a atenção à diversidade não é apenas um fator de não
discriminação, mas um elemento a partir do qual, numa situação de ensino, se
promova a aproximação, o respeito e a troca com o outro.
Vale destacar que, o sujeito desta pesquisa é o único caso de aluno com
Síndrome do X-Frágil, na escola onde estuda. Assim, optamos em estudá-lo,
considerando as características dessa síndrome e as especificidades na aquisição do
conhecimento, a partir dos processos de alfabetização.
2. Descrição do sujeito e da síndrome apresentada
O sujeito analisado - referido neste artigo como (G) - é um rapaz com 20
anos, com a síndrome supracitada, que é a causa herdada mais comum de déficit
intelectual, a segunda síndrome cromossômica mais frequente, após a Síndrome de
Down. Indivíduos com essa anomalia, segundo Carvalho, M. (2003), apresentam
desde dificuldade de aprendizado a retardo grave. Em relação à fala, diz que esta
pode ser repetitiva e descontextualizada. Estas características comportamentais são
os sinais mais sugestivos de investigação diagnóstica: hiperatividade, dificuldade
em lidar com estímulos sensoriais, comportamento repetitivo, concentração
reduzida, ansiedade, dentre outros. Apresenta, ainda, características de autismo: o
contato pelo olhar e pelo tato é evitado (Veiga e Toralles, 2009).
A designação da síndrome decorre do fato de o cromossomo X dos afetados
apresentar uma falha na porção subterminal de seu braço longo (Xq27.3) e é por
isso chamada de Síndrome do X-Frágil (Morgante, 2009). A mutação no gene que
causa a doença consiste da expansão do número de cópias de uma sequência da
trinca de bases CGG (Citosina-Guanina-Guanina) do DNA. Na população, em geral,
essa repetição varia de 6 a 55 trincas, ocorrendo a pré-mutação entre 55 e 200.
Quando superior a 200 ocorre a mutação completa e assim a síndrome do X-Frágil.
Essa mutação impede a produção da proteína FMRP (responsável pela maturação
das sinapses) (Carvalho, M. 2003).
O sujeito desta pesquisa frequenta uma sala regular de uma escola
particular de Ensino Fundamental no município de Bauru-SP. No que diz respeito ao
seu desenvolvimento, apresenta um histórico de demora na aquisição da fala,
dificuldade no aprendizado da linguagem mais significativo na escrita,
especificamente na organização sintática das frases e na relação semântica
(temporal, sequencial-conceitual, inferências), bem como repetição constante de
frases, dentre outras.
3. O papel da leitura na formação do sujeito leitor
Nas sociedades letradas, a atividade de leitura está presente em todos os
níveis educacionais, exigindo de seus membros uma compreensão das diversas
formas de linguagem, sobretudo a verbal. Autores como Zilberman e Silva (1990)
consideram a leitura como sendo a base de constituição do sujeito e o meio pelo
qual este consegue compreender-se no mundo em que está inserido.
A sua prática e, sobretudo, a sua aprendizagem estão condicionadas a vários
fatores: motivação pessoal, acesso a diversos portadores de texto, tarefas
significativas de leitura em sala de aula, etc, sendo a escola uma das principais
instituições responsáveis por tal ensino ( Foucambert, 1994; Silva, 1998;
Zilberman, 1982).
Os principais documentos que norteiam o ensino da Língua Portuguesa no
país trazem essa concepção de leitura e centram-se no trabalho com diferentes
tipos de textos para o seu real aprendizado, ou seja, " [...] é impossível tornar-se
leitor sem essa contínua interação com um lugar onde as razões para ler são
intensamente vividas [...] (FOUCAMBERT, 1994:31).
Essa diversidade de textos é definida por Marcuschi (2007) como sendo os
gêneros textuais, eventos textuais que surgem à medida que o homem necessita
de uma forma mais adequada para se comunicar, ordenando atividades
comunicativas do dia a dia. Nesta esteira, tal pensamento fundamenta-se nos
postulados teóricos de Bakhtin, que concebe a língua como uma produção humana
que acontece por meio do tempo, sendo, portanto, histórica e social. A concepção
de língua adotada neste trabalho é consoante à visão bakhtiniana, já que a
linguagem só se desenvolve por meio da interação com outras pessoas.
A fala e a escrita são manifestações distintas da linguagem verbal, tendo,
por isso, características específicas. Compreender essas diferenças e saber utilizálas de forma adequada são habilidades do usuário competente da língua. Cabe à
escola promover momentos de ensino em que a escrita e leitura de textos se
efetivem, permitindo aos alunos aprenderem a usar a língua na sua forma
essencialmente comunicativa.
Para Vygotsky (1987), a escola deve proporcionar, ao máximo, momentos
desafiadores e estimuladores ao intelecto dos alunos porque senão há a
possibilidade de não conquistarem estágios mais elevados de raciocínio.
O aprendizado de mecanismos da língua necessita, portanto, da mediação
de um membro mais experiente nesse caso o professor, sendo este o possibilitador
das interações, responsável pela intervenção nas zonas de desenvolvimento
proximal do aluno e na incumbência de desafiá-lo, através do ensino, os seus
processos de aprendizagem e desenvolvimento (Bezerra, 2007).
Portanto, verificamos que a aquisição da leitura e escrita de textos se dá em
situações em que haja, de fato, práticas concretas, promovendo, portanto, o
desenvolvimento das capacidades mentais dos indivíduos, quando ensinada em
situações em que se exige a linguagem em uso como mediadora entre o sujeito da
enunciação e o mundo que o cerca.
3. O processo de alfabetização e de letramento do sujeito pesquisado
Ao investigar a possibilidade de propiciar a inserção do aluno pesquisado no
mundo letrado, por meio dos processos de alfabetização e letramento, optou-se por
trabalhar a linguagem como forma de interação social. Ao se ensinar, então, a
língua nos seus usos sociais, elegeram-se os gêneros textuais como objeto de
ensino. Definido o objeto, nossa preocupação passou a ser a definição de quais
gêneros começar o trabalho de alfabetização/letramento. Assim, orientamos nossa
atenção para conhecer os gêneros textuais que o aluno demonstrou interesse. A
escolha desses gêneros teve, então, por base os pedidos que o aluno fez à
professora para que fossem lidos para ele, embora deixasse transparecer, ainda
que sub-repticiamente, o desejo de ele mesmo ler esses textos, autonomamente.
Para tanto, desenvolveram-se os seguintes procedimentos: horas para
conversa e desabafo (sempre nas primeiras aulas, reservava-se um momento para
contação de novidades, compartilhamento de pensamentos, ideias e comentários
que o aluno desejasse fazer; e também aqueles em que poderia expor fatos que o
chatearam ou o irritaram, falando sobre isso sem quaisquer recriminações. Nessa
hora do desabafo, poderia conversar com o outro sobre o que o deixou chateado,
expondo fatos que o desagradaram) e também, ao término de cada aula, o uso de
uma técnica adaptada de Freinet (eu proponho, eu critico, eu felicito) para
avaliação de cada dia. Inicialmente, o aluno centrava sua avaliação apenas nas
atividades realizadas diariamente por ele, posteriormente, no comportamento do
outro e, finalmente, em seu próprio comportamento, sendo capaz de analisar,
agora, todo esse processo criticamente. Reconhece quando foi capaz de realizar
satisfatoriamente suas tarefas, a da professora e dos colegas de sala, analisando
dentro do contexto e não separadamente.
3.1 Leitura: uma porta para o mundo
Desde o início do trabalho com a leitura, o sujeito pesquisado demonstrou
resistência no que diz respeito a essa prática, pelo fato de não dominar o código
escrito e não se sentir capaz de ler, nem estar motivado para. Aos poucos, realizouse um processo de sensibilização ao aprendizado da leitura por meio do contato
com diferentes gêneros textuais e do estímulo à leitura desses textos em situações
que fossem significativas ao aluno, como a leitura de uma carta recebida de um
amigo ou da versão escrita de sua história preferida. A partir desse trabalho,
propiciou ao aluno o contato com as produções escritas (cartas de colegas e
parentes, histórias infantis, histórias em quadrinhos, etc.) que, de alguma maneira,
já havia demonstrado interesse, mas que, ao limitar a leitura à decodificação,
acabou se recusando a estudar. Um dos fatores mais importantes nesse processo
foi o ouvir o aluno, conhecer melhor as suas dificuldades e resistências, ir para
além daquilo que ele transparecia. É de fato o que destaca Carvalho, R. (2003):
o professor, para melhor conhecer os interesses de seus alunos, precisa estimular a
sua própria escuta criando, diariamente, um tempo de "ouvir" os alunos
reconhecendo, em suas falas, o que lhes serve de motivação, bem como
conhecendo a "bagagem" que trazem para a escola (p. 64).
Foi em um desses momentos de escuta, véspera da VII Feira do Livro
Infantil[5], que o aluno pôde exprimir sua frustração em não dominar o código
escrito e, por isso, recusar sempre que possível, uma tentativa de leitura. Abaixo,
transcrevemos parte da conversa, datada de 16 de abril de 2007[6].
I - Então, você não gosta dos livros porque não consegue entender o que
está escrito?
(G) - É! (com olhar cabisbaixo)
I - Você sabia que alguns filmes que você gosta foram feitos baseados em
livros?
(G) - Não! (com uma fisionomia de surpresa)
I - Qual é o filme que você mais gosta?
(G) - Da Branca de Neve!
I - Nossa, que legal, eu gosto dessa história. Então, tem a história da Branca de
Neve nos livros. Você não gostaria de ler?
(G) - Eu já li, vi várias vezes na televisão e minha mãe lê quando eu peço.
I - Mas você não gostaria de ler sozinho? Assim você poderia pegar o livro em
qualquer momento do dia, mesmo se a tua mãe não estiver em casa. Que tal?
(G) - É...
I - Tenho uma idéia! E se a gente fosse à Feira do Livro e você procurasse o livro
da Branca de Neve para depois lermos? Para isso, vamos precisar ter aulas de
leitura, você vai precisar enfrentar um pouco esse receio.
A partir de entrevistas semi-estruturadas com a mãe, foi possível perceber
que o aluno, durante o seu processo educacional, teve, inicialmente, estímulos à
sua alfabetização, que, no decorrer da escolarização, não tiveram continuidade.
No ano de 2007, acompanhamos (G) à Feira do Livro Infantil, e foi
gratificante ver, em seus olhos, a ânsia de encontrar seu precioso tesouro. Em meio
aos livros, procurou com afinco a sua história preferida, mostrando grande
felicidade ao encontrá-la. Antes, se recusava a participar de atividades em locais
onde a leitura era um prerrequisito, ficando abatido e desgostoso em algum canto.
Alguns fatos se sucederam à Feira do Livro, em que mostraram que o sujeito
pesquisado demonstrou grande interesse em atividades de leitura e escrita.
Montou-se um plano de ação para o trabalho com a leitura, constituído das
atividades abaixo:
•·
etc);
Leitura de imagens (análise das cores, ações e posturas dos personagens,
•·
Criação de histórias com apoio de sequências lógicas;
•·
Elaboração de um livro, no qual conta a sua história;
•·
Reconto de histórias;
•·
Uso de textos com predominância de frases coordenadas;
•·
Introdução de textos mais complexos;
•·
Escrita de cartas pessoais;
•·
Participação efetiva nas aulas de redação;
•·
Inserção de outros gêneros como histórias em quadrinhos, poesia e textos
de livros paradidáticos.
O gênero que melhor contribuiu para a etapa inicial do processo foram as
cartas de cunho pessoal, trocadas com duas alunas, de uma escola de Ensino
Fundamental, na cidade de Bauru, durante o segundo semestre de 2007, que
também vivenciavam o processo de alfabetização naquele ano. Isso vem a
confirmar nossa hipótese de que o ensino da linguagem em processo dialógicointerativo, isto é, em contextos que exigem o seu uso efetivo, permitem que se
compreenda a língua em todas as suas esferas comunicativas.
Conforme Bakhtin, o contexto comunicativo é importante para a assimilação
do repertório para enunciar. Essa importância se deve ao fato de os gêneros
discursivos serem formas comunicativas que não são adquiridas em manuais, mas
nos processos de interação social, por meio de "enunciados concretos que ouvimos
e reproduzimos na comunicação discursiva efetiva com as pessoas que nos
rodeiam" (BAKHTIN, 2002:248).
Na primeira carta (figura 1), trabalhou-se a construção composicional desse
gênero. Pontuamos que nas cartas suprimiram-se informações como o nome do
aluno e da escola onde estuda.
(Figura 1 - Primeira carta elaborada, em resposta à carta enviada por uma das
alunas.).
Nesse primeiro momento, a maior barreira enfrentada pelo aluno foi temer
frustrar as expectativas das outras alunas. Mesmo tendo muitos questionamentos a
fazer-lhes, ele escolheu não se estender.
Aproximadamente um ano após o início do trabalho, o aluno conseguiu
exprimir a necessidade de trocar cartas com outras pessoas, escolhendo a avó para
ser a sua interlocutora. O desejo de escrever para a avó surgiu após tentativas
frustradas de telefonemas e também a incomunicabilidade por e-mail, embora este
fosse um dos recursos integrantes do projeto (figura 2, 3 e 4).
(Figura 2 - Início da escrita da carta para a avó.)
(Figura 3 - Continuação da escrita.)
Anexo 4 (Figura 4 - Término da carta para a avó.)
Aos poucos, o aluno pesquisado pôde superar o receio de escrever. Assim,
cada vez mais, não se limitava a poucas palavras para escrever suas mensagens,
arriscando frases mais extensas e complexas. Em muitas cartas, demonstrou certa
resistência a escrever textos longos, pois sentia dificuldade em utilizar muitas
silabas, fazendo a correspondência adequada entre som e grafia. Para evitar esse
desconforto em relação à escrita, preferia limitar a extensão de seus textos.
Na figura 5, podemos verificar a superação desse problema, já que o aluno
se arriscou mais. Trata-se de uma carta mais extensa, na qual conta fatos de seu
dia a dia.
Anexo 5 (Figura 5 - Carta escrita para uma de suas novas amizades.)
Anexo 6 (Figura 6 - Continuação da escrita)
Diante do exposto, constatamos que o acesso ao mundo da escrita permitiu
ao aluno perceber, a partir dos textos, uma oportunidade para se alfabetizar e
letrar.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa confirmou o que os estudiosos da área já vêm dizendo no que
diz respeito à alfabetização. Nesse processo, não basta ensinar o aluno a identificar
letras ou palavras, é necessário ser capaz de atribuir significado ao que lê, não se
limitando apenas à decodificação dos signos linguísticos presentes nos diversos
textos os quais tem acesso, mas, sobretudo, encontrar o prazer que a leitura
proporciona.
Constatamos a evolução do aluno em relação ao aprendizado da leitura e da
escrita, pois, quando começou este processo, reconhecia a maioria das letras do
alfabeto, mas não lhes atribuía valor sonoro. Além disso, sua oralidade trazia
algumas barreiras a sua alfabetização. Como a oralidade serve de substrato para a
aquisição da escrita, essa dificuldade na pronúncia de algumas palavras, tem
prejudicado o processo de alfabetização. A percepção, por parte do próprio aluno,
de que a sua oralidade traz certas limitações a sua produção escrita, levou-o a
pedir ajuda dos colegas e da professora para escrever palavras, identificando
adequadamente as sílabas.
As contribuições dos gêneros textuais vão além da aquisição do código
escrito. Constatou-se que o aluno estrutura melhor a sua fala, narrando fatos de
acordo com a ordem cronológica, o que antes raramente acontecia, construindo
textos orais e escritos mais complexos. Por meio desse trabalho, o indivíduo
pesquisado tem-se inserido em algumas atividades de leitura e escrita da sua série.
Podemos confirmar que o acesso a esse universo mágico permeado de palavras que
constituem a linguagem verbal, está permitindo a emancipação desse aluno. Ele
vem conhecendo na leitura uma porta para a satisfação das suas necessidades e de
seus anseios por um mundo que, até então, lhe era desconhecido e que, agora, se
encanta em desvendá-lo.
A partir dos gêneros escolhidos pelo aluno, foi possível, como Alves (2009)
cita, desvelar o segredo que transforma letras e sílabas em histórias,
descortinando, para este aluno com Síndrome do X-Frágil, conhecimento antes
fragmentado.
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ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. da. Literatura e Pedagogia: ponto e contraponto.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.
[1] Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Unesp - Bauru.
[2] Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Unesp - Bauru.
[3] Professora do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Unesp Bauru. Doutora em Educação Especial.
[4] Professora do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Unesp Bauru. Doutora em Letras na área de Filologia e Linguística Portuguesa.
[5] Realizada, anualmente, pela Secretaria Municipal de Cultura de Bauru, esse
evento mobiliza toda a escola onde o aluno estuda, sendo uma das atividades
extracurriculares previstas para ano letivo. Momento destinado a compras de livros,
contato com escritores e rodas de leitura.
[6] Na transcrição dos diálogos será usado (G) para o sujeito em análise, I para
investigadora. Entre parênteses, encontram-se detalhes descritos a partir da
percepção da pesquisadora.
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