Empresas são condenadas por acidente que mutilou trabalhador
Acidente acabou gerando uma ação trabalhista, julgada recentemente na 1ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra
A felicidade de ter encontrado um emprego exatamente um mês antes do Natal e a perspectiva de garantir um fim de ano tranquilo
para os quatro filhos foram, em questão de segundos, substituídos na vida de um operador de caldeira no interior de Mato Grosso
por uma rotina de amputações, longos períodos em UTIs e, por fim, a incapacidade total até para pequenos atos de autocuidado,
como alimentar-se, vestir-se ou fazer sua higiene pessoal.
Tudo isso resultado de um acidente do trabalho ocorrido dia 3 de dezembro de 2011, quando ele auxiliava o transporte de vigas
metálicas na mineradora para a qual prestava serviços, em Nova Xavantina. As peças, com aproximadamente 16 metros, estavam
empilhadas e seriam içadas por um caminhão com munck.
Como o setor onde atuava ficou sem energia elétrica na tarde daquele sábado, o caldeireiro e um colega foram chamados para
ajudar na movimentação das peças, segurando nas extremidades das barras para guiá-las durante o içamento. Entretanto, quando o
motorista movimentou o braço hidráulico, o guindaste tocou na rede de alta tensão e o trabalhador sofreu uma descarga de uma
linha energizada de 35,4 mil watts.
Socorrido de imediato, foi levado para o Hospital Jacob Facuri, em Goiânia, onde permaneceu na Unidade de Tratamento
Intensivo (UTI) por 40 dias e posteriormente outro período de internação no Pronto Socorro Municipal de Cuiabá. Durante o
tratamento, sofreu a amputação dos dois braços e da perna esquerda. O acidente provocou ainda uma queimadura na parte superior
de suas costas, chegado à exposição do osso.
Ação trabalhista
A tragédia do operário acabou sendo levada à Justiça do Trabalho em Mato Grosso por meio de uma ação trabalhista, cuja
sentença foi proferida este mês pela juíza Deizimar Oliveira, titular da 1ª Vara de Tangará da Serra.
O trabalhador informou ter sido contratado pela Tornearia Muniz para exercer a função de caldeireiro no parque industrial da
Mineração Caraíba S/A, por isso que ambas lhe deram assistência durante a primeira fase do tratamento. Entretanto, a situação se
modificou depois que ele não aceitou a colocação de próteses mecânicas - depois de informado que no seu caso necessitava de
próteses biônicas - e de não assinar um acordo dando quitação de qualquer indenização pelo acidente. Na ocasião, teria parado de
receber a ajuda das duas empresas.
Processo de mais de 1,5 mil páginas - contendo dezenas de documentos, depoimentos e dois laudos periciais - foi julgado pela
juíza Deizimar Oliveira
Na ação trabalhista, afirmou que ambas tiveram culpa no acidente por lhe atribuírem uma tarefa alheia à sua função e por
deixarem de tomar os cuidados necessários para o trabalho próximo à rede de alta tensão. Por fim, pediu a condenação tanto da
empresa empregadora quanto da beneficiária dos serviços ao pagamento de indenizações por danos materiais, morais e estéticos.
As duas empresas apresentaram defesa, alegando culpa exclusiva do trabalhador. A mineradora, onde ele prestava seus serviços,
argumentou que o empregado teria recebido o treinamento da tornearia, que o contratou, e que tinha pleno conhecimento de que a
operação jamais poderia ser realizada com as mãos diretamente sobre a peça metálica. Disse ainda que a peça era grande e pesada,
e que os trabalhadores deveriam apenas garantir ponto de equilíbrio da peça por meio de corda guia.
Por sua vez, a tornearia disse que também não poderia responder pelo acidente já que o trabalhador foi contratado, juntamente
com outros, para complementar a equipe para agilizar uma obra atrasada e, que no contrato entre as duas empresas, consta uma
cláusula estabelecendo que seriam contratados homens/hora, sob o comando e responsabilidade da mineradora.
A tornearia argumentou ainda que o acidente ocorreu unicamente por culpa do trabalhador, que optou por não usar corda para
manusear a peça, e mesmo percebendo o perigo, não alertou os demais colegas, atuando, no mínimo com culpa concorrente. Além
disso, não teria usado o direito de recusa quando percebeu o perigo. Afirmou que prestou toda assistência ao trabalhador, levando
a um hospital de referência nesse tipo de lesão, onde foram feitas as primeiras cirurgias, e que a pedido do próprio trabalhador, o
transferiu para o Pronto Socorro Municipal de Cuiabá, em UTI móvel.
Mas a juíza, depois de analisar as mais de 1.500 páginas de documentos, duas perícias e depoimentos que compõem o processo
judicial, concluiu não haver prova de que foram oferecidos os treinamentos obrigatórios ao trabalhador, limitando a algumas
rápidas conversas antes do início de alguns turnos. Nos autos consta que o próprio proprietário da tornearia afirmou que não
treinou o trabalhador, confiando em capacitação que o caldeireiro teria recebido em uma empresa para o qual havia trabalhado
quase um ano antes.
O processo judicial revelou ainda que não houve controle de execução da atividade por nenhum técnico de segurança do trabalho,
conforme determina a regulamentação sobre o tema, nem nenhum acompanhamento ou fiscalização por parte do supervisor da
área, que “pediu o serviço e saiu do local pois tinha outras coisas a fazer”, como afirmou em audiência.
Outro fato que chamou a atenção da juíza foi a comprovação de que a APR (análise prévia de risco) não era feita por técnico de
segurança, como determina a legislação, mas pelo próprio trabalhador que executaria o serviço, guardando o papel para entregar
posteriormente à empresa, uma vez por semana ou mensalmente. Procedimentos que, conforme apontou a magistrada, não tinham
nenhuma efetividade.
Com relação ao uso da corda, se o trabalhador sabia ou não que teria que usar a corda, se a usou ou não, a juíza ressaltou que “a
crença comum de que todos sabiam que era necessário o uso de cordas não pode ser usada para atribuir culpa ao autor pelo
acidente, depois de tantas irregularidades nos procedimentos de segurança adotados pelas rés”.
Quanto à questão da culpa, esta pode ser esclarecida, destacou a magistrada, por meio de duas perguntas simples: “o que as
empresas poderiam ter feito para evitar o acidente? As empresas fizeram o que lhes competia?”
A conclusão foi de que restou claro que a falha de segurança foi integralmente das duas empresas. “Os trabalhadores tinham
noção do perigo, como qualquer homem médio teria, mas não foram orientados e muito menos fiscalizados quanto a itens
fundamentais de segurança. Não houve qualquer estudo técnico sobre os riscos do transporte com içamento de peças de grande
proporção com tamanha proximidade da rede de alta tensão”, reforçou.
Por tudo isso, a magistrada frisou que era uma questão de probabilidade acontecer o acidente, como de fato ocorreu, tendo em
vista se tratar de uma situação “sem avaliação de riscos, sem execução de normas básicas de segurança, sem fiscalização dos
serviços, sem a efetiva participação de técnico especializado em segurança”. E concluiu: “Fica fácil, por outro lado, sem oferecer
condições de segurança, atribuir a culpa à vítima. Como ele iria, como querem as rés, ‘exercer o direito de resistência” se o
próprio encarregado achava o trabalho simples e sem risco? Como, se não houve análise de risco pelas rés?”
Condenações
Após concluir que o acidente ocorreu por omissão das empresas e que ambas eram beneficiárias do serviço prestado pelo
trabalhador, a juíza condenou as duas solidariamente (quando ambas arcam juntos com a responsabilidade), fixando reparação por
danos materiais, morais e estéticos.
De acordo com a sentença, a mineradora não era apenas dona da obra, já que o contrato foi não de empreitada, mas de
fornecimento de mão-de-obra; além disso, seus empregados trabalhavam lado a lado com os empregados da tornearia. Por isso, as
duas empresas devem responder pelos danos causados ao trabalhador. A decisão destacou ainda que, em caso de responsabilidade
civil, são responsáveis pela reparação dos danos todos os que provocaram esses danos, independentemente de a vítima não ser
empregada direta do beneficiário dos seus serviços.
Assim, as duas empresas deverão arcar com todas as despesas do tratamento, diretas e indiretas. Baseada em laudo de dois peritos
- uma fisioterapeuta e um médico - que recomendam o uso de próteses biônicas, a juíza fixou em 800 mil reais o valor para a
colocação de próteses, treinamento e ajustes.
A reparação contempla ainda o pagamento de pensão. Em um prazo de 15 dias do trânsito em julgado da sentença (decisão da
qual não se pode mais recorrer, seja porque já passou por todos os recursos possíveis, seja porque o prazo para recorrer terminou)
deverá ser paga pensão mensal vitalícia, a partir da data do acidente, correspondente ao salário do trabalhador.
As empresas também deverão arcar com indenização de 360 mil por danos morais e igual valor por danos estéticos. Quanto à
questão estética, as perícias concluíram que, numa escala de 0 a 7, esse dano foi no grau 7. Para assegurar a pensão vitalícia ao
trabalhador, foi determinado que ambas as empresas condenadas constituam capital para isso.
A magistrada também manteve decisão das empresas arcarem com os custos de manter a presença de cuidadores que auxiliem o
trabalhador 24 horas por dia, conforme já havia sido deferido durante o trâmite do processo, em um pedido de antecipação de
tutela.
Por fim, determinou o envio de cópia da sentença à Procuradoria Federal do INSS em Mato Grosso e para a Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego (SRTE). Também foram enviadas cópias para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), conforme
prevê a Recomendação 2/2011 do Gabinete da Presidência e da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho (CGJT), bem como a
Resolução Administrativa 223/2011 do TRT/MT.
Processo 0000785-22.2012.5.23.0051
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região
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