Radiobiologia
Prof. Romildo Nogueira
1. Introdução
A Radiobiologia tem como objeto de estudo os efeitos biológicos causados pelas radiações. A
Radiobiologia é subdividida em radiobiologia das radiações ionizantes e radiobiologia das radiações
não-ionizantes.
A radiação é a transmissão de energia de um sistema para outro por meio de ondas
eletromagnéticas (calor, luz visível, raios ultravioleta, raios X e outros) ou então por meio de
partículas (radiação alfa e beta). De acordo com o efeito que a radiação produz na matéria com a
qual interage, ela pode ser classificada como: ionizantes, como a radiação alfa e os raios X e nãoionizantes, como a luz e o calor.
As radiações ionizantes são aquelas cujos fótons ou partículas produzem íons na matéria com a
qual interagem. As radiações não-ionizantes apesar de não produzirem íons com a matéria com a
qual interagem, são capazes de produzir excitação dessa matéria (levam seus átomos e ou moléculas
para um estado mais elevado de energia).
Antes de iniciar o estudo da Radiobiologia propriamente dito, será feita uma breve revisão sobre
a interação das radiações com a matéria de maneira geral.
2. Interação da radiação com a matéria.
A radiação ao interagir com a matéria transfere energia para os átomos do meio no qual ela está se
propagando. Esta transferência de energia de uma partícula ou de um fóton para os átomos do
material absorvente ocorre, basicamente, através de dois mecanismos: ionização (no caso das
radiações ionizantes) e a excitação(no caso das radiações não-ionizantes).
Os fótons podem interagir com os elétrons e o núcleo dos átomos. As interações fotonicas com os
elétrons ocorrem através dos efeitos fotoelétrico e Compton.
No efeito fotoelétrico a energia do fóton incidente é igual a soma das energias de ligação do
elétron ao núcleo e a energia cinética transferida ao elétron arrancado
(energia secundária).
Necessariamente, este fenômeno leva a ionização da matéria. É interessante observar que no efeito
fotoelétrico toda energia do fóton incidente é transferida para matéria absorvente.
No efeito Compton nem toda energia do fóton incidente é transferida para o elétron. Neste caso, a
energia do fóton incidente é igual a soma da energia de ligação com a energia secundária do elétron
mais a energia do fóton espalhado (residual).
Um outro efeito da interação de fótons com a matéria é a formação de pares. Neste caso o fóton ao
penetrar no campo elétrico existente próximo ao núcleo do átomo, tem sua energia transformada na
energia de um par négatron e pósitron. Observe que tanto o princípio da conservação da energia
como da carga não são violados nesse processo. O efeito da formação de pares só ocorre quando o
fóton incidente tem uma energia acima de 1,02 MeV. Isto porque a equivalência massa energia de
um elétron é 511 Kev, portanto para a produção de dois elétrons são necessários no mínimo o dobro
desta energia. O négatron prossegue o seu caminho através da matéria, produzindo ionizações e
perdendo energia e velocidade; quando sua velocidade está reduzida, ele se incorpora a uma
estrutura. O pósitron, tem vida muito curta, e ao perder energia, interage com um elétron da matéria,
havendo aniquilação dos dois e o aparecimento de fótons que se propagam em sentidos opostos.
Os elétrons podem também interagir com a matéria e estas interações são, esquematicamente,
divididas em colisão e frenagem.
Na colisão observa-se que o elétron incidente ao interagir com elétron periférico tem seu percurso
mudado e, se este é suficientemente energético, há retirada do outro de sua órbita. A energia do
elétron incidente é utilizada para romper a ligação do elétron orbitário e como energias cinéticas do
elétron residual do elétron incidente e do elétron arrancado (energia secundária).
A frenagem é o fenômeno que ocorre quando um elétron passa na vizinhança do núcleo. Neste
fenômeno, o elétron sofre uma mudança na sua trajetória e uma desaceleração, que corresponde a
uma perda de energia que é liberada sob a forma de um fóton (radiação X).
3. A Radiobiologia.
Quando um sistema biológico é exposto as radiações, surgem lesões detectáveis nos diferentes
níveis de organização. Assim, tais efeitos podem ser estudados em termos de fragmentos de
moléculas, moléculas inteiras, organelas celulares, células, tecidos, órgãos e organismos. É evidente
que cada nível de estudo fornece informações importantes que podem ser de grande valia para
compreensão de fenômenos que se passam em outros níveis de complexidade biológica.
Os processos que conduzem ao aparecimento da radiolesão são, esquematicamente, agrupados em
três fases ou estágios. O estágio físico, o estágio físico-químico e o estágio biológico.
No estágio físico a energia veiculada pela radiação (ou parte dela) é transferida para matéria viva,
conduzindo a excitações moleculares e ionizações. Os produtos dessa fase são bastante instáveis e
dotados de grande reatividade.
O estágio físico-químico é caracterizado pela reação dos produtos (surgidos no estágio anterior)
entre si ou com moléculas vizinhas, conduzindo à formação de produtos secundários.
No estágio biológico, as reações químicas, resultantes da fase anterior, podem afetar processos
biológicos, alterando certas funções e bloqueando outras. Este estágio é extremamente dependente
das condições metabólicas.
As durações desses estágios são bastante variáveis, porém só com o objetivo de caracterizar as
ordens de grandezas serão dados alguns valores. O estágio físico é muito rápido e da ordem de
décimo de picosegundo, o estágio físico-químico, ainda rápido é da ordem de microsegundo e o
estágio biológico tem duração que varia de segundos a anos.
Para produzir os seus efeitos, as radiações podem agir direta ou indiretamente sobre a molécula
alvo. Os efeitos indiretos resultam da formação de radicais livres, geralmente originados por
modificações das moléculas de água que constituem os meios intra e extracelular. Os efeitos
diretos são produzidos quando a energia da radiação é absorvida diretamente por moléculas que são
importantes nos diversos metabolismos das células. Entre tais moléculas estão as enzimas e o DNA.
Os efeitos biológicos provocados pelas radiações ionizantes podem ser somáticos, quando se
manifestam no próprio indivíduo irradiado, ou então podem ser genéticos, quando se manifestam
nos seus descendentes. É interessante observar que um efeito não exclui o outro.
4. Radiólise da água e seus radioprodutos.
A radiação ionizante, agindo sobre as moléculas de água, provoca alterações na sua composição ou
nos seus níveis de energias. A modificação estrutural da molécula da água chama-se radiólise da
água. A interação da radiação ionizante com a água pode levar suas moléculas para um estado
excitado (H2O*) ou então propiciar a formação de radicais do tipo H3O+, H2O+ e H2O - , os quais,
por serem instáveis, acabam levando à produção de radicais livres do tipo H e OH. Os radicais
livres se caracterizam por serem muito reativos e não possuírem carga elétrica. Em virtude de sua
grande reatividade eles podem interferir com o metabolismo das proteínas, dos lipídios e dos
carboidratos. Além disso, a liberação de prótons hidrogênio reduz o pH do meio, alterando a
cinética das reações bioquímicas e, em grau mais avançado, levando à desnaturação das proteínas e
a morte celular. A radiação ionizante ao interagir com os tecidos, pode também formar peróxidos
(H2O2), radicais hidroperóxidos (HO2) , radicais peróxidos livres (R O2), radicais orgânicos e
outros.
Como a radiação produz radicais livres?
Ao ser absorvida pela água, a radiação produz primariamente H2O – e e ( elétron arrancado).
Esses radioprodutos têm uma reatividade muito elevada, o que explica a sua pequena taxa de
recombinação. Num tempo médio muito curto (10 –8 s) , eles reagem com moléculas próximas,
produzindo H2, H2O2, OH e H3O+.
Como os radioprodutos agem nas células?
Os radicais livres devido a sua reatividade sofrem combinação no mesmo local em que são
formados. No entanto, o peróxido de hidrogênio (H2O2) pode difundir-se e alcançar grandes
distâncias. As moléculas de peróxido de hidrogênio são potentes oxidantes e reagem fortemente
com os grupamentos sulfidrilas que existem em muitas proteínas / enzimas.
As alterações produzidas pelas radiações sobre o DNA, o RNA ou sobre moléculas que controlam a
síntese protéica produzem efeitos mais graves do que aqueles que ocorrem em enzimas já formadas
ou em moléculas que atuam como fatores intermediários nos diversos metabolismos. Essas
radiolesões podem ocorrer tanto pelo efeito direto como indireto das radiações.
5. Efeitos genéticos das radiações
Os efeitos das radiações no DNA serão denominados efeitos genéticos das radiações. A interação
de uma radiação ionizante com o DNA pode produzir:
1. Danos em bases nitrogenadas do DNA:
· formação de sítios apúricos ou apirimídicos, esta perda da base púrica ou pirimídica pode ocorrer
por interação da radiação com a ribose ou qualquer outra parte da base nitrogenada. Esses efeitos
são mais freqüentes em pH alcalino;
· efeitos sobre purinas (adenina e guanina), ocorrem por ataque de radicais livres ou de hidroxilas
levando ao rompimento da ligação C-8 e N-9 do anel imidazólico;
· efeitos sobre pirimidinas (timina e citosina), os radicais livres, atuando sobre essas bases, podem
produzir a formação de peróxidos em virtude da saturação da dupla ligação existente entre C-5 e C6. A presença de uma alta pressão parcial de oxigênio exacerba esse efeito e a degradação dos
peróxidos formados pode levar à produção de pirimidina-glicol ou de fragmentos de uréia que
passam a se incorporar ao DNA.
2. Ruptura nas ligações das cadeias polinucleotídicas e ligações cruzadas inter e intramoleculares:
· ruptura de cadeia:
a lesão do DNA provocada pela radiação ionizante se apresenta muitas vezes como uma ruptura de
uma (radiação com baixo poder de transferência linear de energia - LET) ou de ambas (radiação
com alto LET) as hélices dessa molécula. Além de promover rupturas, a radiação ionizante pode
promover a formação de ligações anormais (“cross linking”) entre partes de uma mesma molécula
(DNA ou proteínas) ou mesmo entre moléculas diferentes . As radiações podem também produzir o
rompimento das pontes de hidrogênio situadas entre duas moléculas diferentes ou numa mesma
molécula, alterando dessa forma sua configuração espacial.
6. Sistemas biológicos de defesa contra os efeitos deletérios das radiações.
As células possuem mecanismos de defesa contra os efeitos deletérios das radiações. Os radicais
peróxidos são destruídos pela catalase e pelas peroxidases , enquanto os superóxidos são
combatidos pela superóxido dismutase. Os antioxidantes naturais, como as vitaminas C e E,
neutralizam a ação dos radicais livres. Alem desses mecanismos protetores, existem ainda os
sistemas de reparação que atuam no DNA lesado pela radiação. Os danos no DNA que não podem
ser corrigidos pelos mecanismos de defesa da célula levam ao aparecimento de mutações e estas
são, muitas vezes letais. Quando há lesão do DNA também podem ser alterados os mecanismos que
controlam a divisão celular, facilitando a formação de tumores geralmente cancerosos. A radiolesão
provocada numa célula germinal pode transmitir um gene mutante ao descendente, comprometendo
a formação e a expressão funcional de tecidos e órgãos do novo indivíduo.
O processo de restauração das radiolesões pode ser subdivididos em:
· restauração espontânea por instabilidade do radioproduto;
· restauração por excisão e substituição do fragmento molecular lesado;
· restauração por recombinação;
· restauração pelo sistema SOS.
Na restauração espontânea, como os radioprodutos são instáveis, passado um certo tempo a
estrutura lesada recupera seu estado inicial devolvendo ao meio a quantidade de energia que tinha
absorvido da radiação incidente. Isto ocorre, por exemplo, com a água em estado excitado (H2O*).
Um exemplo da restauração por excisão e substituição do fragmento lesado, ocorre quando o DNA
ao ser irradiado forma-se de dímeros de timina (T-T), que são, posteriormente, excisados e
substituídos pela seqüência original. Isto ocorre devido a presença de uma DNA endonuclease que
reconhece e exclui a região lesada. Em seguida, algumas polimerarases decodificam a região da
hélice íntegra do DNA e, a partir dela, fabricam um novo segmento de DNA idêntico ao original.
Esse segmento de DNA é então ligado na posição correta com a ajuda de uma DNA ligase.
Na restauração por recombinação, as lesões do DNA, não reparadas pelo mecanismo de excisão,
não são replicadas nas hélices filhas, deixando, assim, lacunas nessas hélices. Essas lacunas são
posteriormente preenchidas com a ajuda de um mecanismo enzimático sofisticado e forma-se um
finalmente, um DNA idêntico ao original não lesado.
Além dos mecanismos citados a radiolesão pode ser reparada com a ajuda de um complexo sistema
enzimático que envolve a expressão de dois gens o Rec A e o Lex A .Este mecanismo é conhecido
como sistema SOS.
7. Efeitos somáticos das radiações.
Neste tópico será discutido o efeito da radiação sobre tecidos órgãos e organismos complexos.
Esses efeitos podem ser classificados em : imediatos ou tardios. São denominados imediatos
quando ocorrem nos primeiros dois meses após a irradiação e tardios quando se manifestam após
dois meses da irradiação.
Um efeito imediato da radiação é a síndrome aguda da radiação. Isso acontece quando a dose
absorvida é muito grande, da ordem de centenas ou milhares de rads. O paciente pode apresentar
manifestações gastrintestinais como náuseas, vômitos, hemorragia digestiva, anorexia, diarréia , etc.
Geralmente, o quadro é acompanhado de febre, apatia, astenia e sudorese abundante e cefaléia.
Quando a dose absorvida é da ordem de dezenas de milhares de rads, o que equivale a centenas de
grays, a morte pode ocorrer em poucos minutos em virtude da inativação de muitos tipos de
moléculas vitais. A síndrome aguda da radiação é um quadro, cuja gravidade varia de acordo com a
dose absorvida, a quantidade de tecido irradiado, a presença de radiossensibilizadores e com as
características biológicas que são próprias do ser irradiado.
Indivíduos que receberam doses da ordem de 10000 rads (100Gy) morreram em algumas horas ou
no máximo em 2 dias.Esses pacientes, logo após a irradiação, passam a apresentar desorientação
espacial e temporal, perdem a coordenação motora e têm convulsões. O quadro evolui sempre para
pior, e o coma geralmente antecipa a morte.
Os efeitos das radiações podem ocorrer em toda população irradiada, e são nesse caso, conhecidos
como não-estocásticos ou apenas se manifestar numa parte da população e são conhecidos como
estocásticos.
Para mostrar o efeito deletério das radiações, costuma-se usar um parâmetro conhecido como dose
letal. Essa dose corresponde à quantidade de radiação capaz de matar, em 30 dias, 50% da
população dos animais irradiados e representa-se em símbolo por LD50(30) . O homem necessita de
uma LD50(30) entre 225 a 270 rad, um carneiro 155 rad e uma tartaruga 1500 rad.
Entre os efeitos tardios das radiações devem ser ressaltadas a carcinogênese, o envelhecimento
precoce, as cataratas, a depressão do sistema imunológico e as malformações.
Os seres vivos estão, permanentemente, submetidos à radiação que provêm de fontes naturais
(terrestres e do espaço) e são denominadas de radiação de fundo (background) e cujos efeitos
deletérios, em longo prazo, ainda não se conhece e estudos adequados ainda se faz necessário.
8. Principais unidades radiométricas
Descrição
nome
símbolo
definição
Atividade
curie
Ci
3,7. 1010 dps
becquerel
Bq
1 dps
Exposição
p;
&nbs
roentgen
Dose absorvida
2,58.10-4 Ci / Kg
R
rad
rad
100 erg / g
Gray
Gy
100 rad
rem
rem
rad.QF.DF
sievert
Sv
100 rem
Dose equivalente
A dose equivalente é a grandeza que relaciona o dano biológico com as doses de radiações
absorvidas. O valor da dose equivalente H é dado pelo produto:
H = D.QF.DF,
Onde D é dose absorvida, QF é o fator de qualidade da radiação e DF é o fator de distribuição da
radiação.
O fator de distribuição (DF) tem valor unitário quando o campo de radiação é perfeitamente
uniforme. Isso pode ocorrer para fluxos externos. Todavia, no caso de irradiação interna, o
radionuclídeo pode não se distribuir uniformemente em todo organismo. Um exemplo disso é o que
ocorre com o 131I que se concentra preferencialmente na glândula tireóide. Nesses casos, o DF não
tem valor unitário.
O fator de qualidade (QF) é uma grandeza usada para estimar o dano biológico potencial das
radiações. O fator de qualidade depende do LET.
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