A Autoridade Palestina e a Resolução
do Conflito com Israel
Liana Araújo Lopes*
* Professora do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Doutora em Relações Internacionais pela PUC-Rio
Volume 1 – ANO 6 – 2007
Sumário
Introdução............................................................................................................................. 3
Testemunho do Autor.......................................................................................................10
Debate ..................................................................................................................................20
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Introdução
O principal objetivo da tese1 foi mostrar como o formato, as características e
deficiências das instituições de um dos atores participantes de um processo de paz
podem comprometer os resultados da resolução de um conflito internacional.
Sendo assim, ao estudar o processo de paz israelense-palestino, examinou-se, por
um lado, como a estrutura formada para uma solução política do conflito entre as
duas comunidades afetou a institucionalização do autogoverno palestino iniciada
em 1994. Nessa direção, argumentou-se que o conteúdo dos acordos e a natureza
das negociações no período de 1994-2004 não apenas foram ineficazes para a
resolução do conflito, mas afetaram o desenvolvimento institucional do
autogoverno. Por outro lado, avaliou-se o modo pelo qual o processo de formação
e consolidação dessa instituição condicionou sua capacidade de implementar os
termos dos acordos firmados, influenciando, por conseguinte, a evolução das
negociações sobre a paz durante esse período. Buscou -se revelar, pois, o processo
dialético existente entre a institucionalização da Autoridade Palestina (AP) e a
implementação dos acordos com Israel.
Embora não tenha sido atribuída uma relação de causalidade entre as instituições
palestinas e o insucesso na resolução desse conflito, pretendeu-se indicar em que
medida as mesmas foram capazes de afetar o processo de paz. A ênfase em
variáveis que se passam na arena doméstica de um dos atores, participando da
resolução de um conflito internacional, foi uma mera opção analítica de
delimitação do objeto, assim como a intenção de trazer novas reflexões para a área
de estudos sobre conflitos internacionais que é deficiente nesse tipo de enfoque.
A pesquisa intencionava cobrir uma lacuna nas análises sobre o conflito israelensepalestino, que se concentram no posicionamento polar entre as duas comunidades,
culminando com uma situação de impasse, e na incompatibilidade de seus
interesses como únicos fatores afetando o processo de resolução do conflito.
Tratam-se, pois, de estudos enfatizando o resultado final, ou seja, se houve sucesso
ou não nas negociações entre as partes, sem realizar uma análise mais fina sobre a
fase posterior à assinatura de acordos. Buscou-se, também, superar limites da
literatura de relações internacionais sobre negociações e resolução de conflitos que
desconsidera ou não apresenta um suficiente tratamento para a fase de
implementação das decisões. Deve-se salientar que estudos nessa área não
consideram o grau de institucionalização de um ator envolvido em negociações
internacionais, nem atentam devidamente para a natureza das negociações de paz.
Durante o doutorado recebi auxílios da PUC-Rio, do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) que me concedeu uma bolsa para complementar meus estudos e pesquisas
referentes à tese junto à Universidade de Tel Aviv, de março de 2004 a março de 2005.
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Para examinar a dialética entre a institucionalização da Autoridade Palestina e a
implementação de acordos de paz, deve-se retomar alguns dos principais fatos
desse processo.
A assinatura da Declaração de Princípios sobre os Acordos de Autogoverno
Interino (Oslo I), em setembro de 1993, representou um marco na formalização do
processo de paz entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP)
iniciado dois anos antes, em Madri. Definiu-se, nesse acordo, o estabelecimento de
um autogoverno palestino por um período interino de cinco anos, tão logo se
efetivasse a retirada da administração civil e das forças militares israelenses da
Faixa de Gaza e da cidade de Jericó, na Cisjordânia. Tratava-se da constituição de
um conselho, mais tarde denominado Autoridade Palestina.
Quanto ao seu formato, o processo de negociação baseou-se nas Resoluções 242 e
338 do Conselho de Se gurança da ONU, que versam sobre a retirada do Exército
de Israel dos territórios por ele ocupados desde a Guerra de 1967. Esse processo foi
estruturado em duas fases. A saber, em uma primeira etapa, correspondendo ao
período interino do autogoverno, seriam negociadas as questões consideradas
menos contenciosas; e, em uma segunda fase, seriam discutidos os interesses mais
divergentes. Dessa forma, acreditava-se que as negociações sobre diversos tópicos
em uma fase interina constituiriam um pré-requisito para se negociar as questões
que levariam à resolução do conflito.
Vale notar, ainda, uma outra particularidade da resolução do conflito israelensepalestino. Estabeleceu-se uma estrutura de negociação cuja pauta ficava “em
aberto” e indefinida sobre alguns temas, gerando ambigüidades na implementação
dos acordos, inclusive no que se refere à extensão dos poderes da AP sobre a
população dos territórios. Assim sendo, questões importantes, que poderiam
alterar a configuração dessa nova entidade política, foram deixadas para ser
negociadas posteriormente. Dentre elas, cabe ressaltar a definição das fronteiras
externas, a soberania sobre Jerusalém e o direito de retorno de refugiados para os
territórios palestinos. Acrescente-se que nem as negociações, nem os acordos
definiram o futuro papel da OLP quando se chegasse ao estágio final de todo esse
processo.
Seguindo a lógica de que o processo de paz seria realizado em etapas e que novas
negociações seriam necessárias para a elaboração de acordos complementares,
observe-se que a estrutura institucional do autogoverno também seria estabelecida
gradualmente, acompanhando as mudanças a serem definidas pelos acordos. Vale
registrar que quaisquer alterações em termos de poderes e responsabilidades do
autogoverno, ao longo desse processo, deveriam ser previamente negociadas por
Israel e a OLP. Note-se, pois, que a entidade política, recém-criada, não teria
autonomia para estabelecer suas próprias instituições. Ressalte -se que o formato e
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suas funções estavam circunscritos ao s termos dos acordos, sendo proibidas
quaisquer atitudes unilaterais não previstas por aqueles documentos.
Portanto, desde o início do processo negociador, previu-se que a consecução de
Oslo I dar-se-ia em etapas, mediante a realização de devidos arranjos
institucionais, de procedimentos tomados por ambas as partes envolvidas e o
cumprimento de responsabilidades específicas, determinando-se, ainda, a
necessidade de futuras negociações para a elaboração de acordos complementares.
Além de indicar providências que deveriam ser adotadas de modo a facilitar a
coordenação e a cooperação entre as partes, tais como a criação da Comissão
Conjunta Israelense-Palestina para solução de controvérsias, o acordo estipulou
que o conselho palestino seria responsável por instituições voltadas para a
administração de determinadas questões. Nessa ordem de idéias, os acordos
definiram que a OLP deveria tomar as decisões sobre o estabelecimento de arranjos
institucionais para a área de energia elétrica; para o meio-ambiente e recursos
hídricos; um banco para o desenvolvimento; e uma agência para a promoção de
exportações. De modo semelhante, caberia àquela organização cuidar da criação
das instituições que comporiam o autogoverno.
Detalhes sobre esse último foram concluídos somente após várias reuniões entre as
delegações de Israel e da OLP no Cairo e em Paris, resultando na elaboração do
Acordo Gaza-Jericó em maio de 1994, quando se iniciou, de fato, a administração
palestina interina. Esse acordo, por seu turno, definiu critérios sobre a
transferência de poderes e responsabilidades do governo militar israelense e de
sua administração civil para a AP, além de ter delineado os contornos da estrutura
dessa instituição palestina, em especial sua autoridade executiva, legislativa e seus
órgãos judiciários.
É importante destacar uma das principais características das negociações
realizadas até 1993, que gerou desdobramentos relevantes para a seqüência do
processo de paz: a evolução dos diálogos baseou-se na necessidade de se assegurar
a cooperação e a confiança mútuas. Sobre esse ponto, a implementação dos acordos
condicionou-se à capacidade das partes cumprirem suas respectivas
responsabilidades no âmbito desses documentos. Nesse sentido, estabeleceram-se
pré-requisitos para o avanço do processo de paz, de modo que, quando uma das
partes entendia que a outra não estava cumprindo os termos dos acordos,
interrompia unilateralmente os diálogos e/ou recusava-se a prosseguir na
implementação de arranjos em tais documentos.
As dificuldades na implementação dos acordos refletiam, por um lado, os distintos
posicionamentos palestino e israelense para o prosseguimento das negociações de
paz, em particular no que concerne ao problema dos assentamentos israelenses
(localizados em territórios a serem transferidos para os palestinos), ao retorno dos
refugiados palestinos e à jurisdição sobre Jerusalém (cuja soberania é reivindicada
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pelas duas partes negociadoras). Por outro lado, nota-se que o conteúdo desses
acordos restringiu as possibilidades de se alcançar a paz, seja por ambigüidades
presentes em alguns de seus trechos, seja pelas condições exigidas como requisitos
essenciais para a continuidade do processo de paz.
Sobre esse último ponto, cabe ressaltar que um dos principais fatores
condicionantes do sucesso das negociações dizia respeito à questão da segurança
na região e a forma pela qual os acordos previam a organização da mesma. Nesse
sentido, determinou-se que a AP seria responsável pela formação de uma força
policial capaz de garantir a ordem pública e a segurança dos palestinos, ao passo
que Israel manteria a responsabilidade sobre a defesa das fronteiras internacionais
e dos territórios limítrofes com o Egito e a Jordânia, ficando, ainda, sob seu
controle, a segurança dos israelenses na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. No
entanto, ao longo do período das negociações baseadas nos Acordos de Oslo, a
Autoridade Palestina encontrou dificuldades para garantir a ordem pública nas
áreas sob sua jurisdição e para controlar os atos terroristas realizados por grupos
palestinos contrários ao processo de paz. Esses fatos foram recorrentemente
utilizados como justificativas pelo governo israelense para suspensão das
negociações nesse período. Confrontos entre as duas comunidades intensificaramse a partir da Intifada de Al-Acqsa, em setembro de 2000, implicando uma nova
dinâmica na busca para a resolução do conflito israelense-palestino.
Ademais, vale sublinhar que os acordos condicionaram a retirada das forças
militares israelenses à capacidade de a polícia palestina cumprir os deveres
previstos na Declaração de Princípios, ou seja, a gradual implementação desse item
do acordo de Oslo, ocorreria na medida em que a polícia palestina garantisse a
ordem pública e a segurança interna na Faixa de Gaza e na Cisjordânia (Artigo XIII
da Declaração de Princípios).
Portanto, ainda que fosse justificada a necessidade de um processo de paz gradual,
suas características e o conteúdo dos acordos mostraram-se contraditórios com
relação a alguns de seus objetivos. Dito isso, pode-se apontar mais uma
contradição gerada pelos acordos. Ou seja, uma vez que a AP se encontrava em
uma fase de formação de suas instituições, não possuía ainda recursos suficientes,
nem uma infra-estrutura e um aparato institucional adequados para garantir o
cumprimento das cláusulas sobre a manutenção da ordem pública e da segurança.
Dessa forma, já seria previsível que ela encontraria dificuldades para agir de forma
coordenada com Israel e para cumprir os termos dos acordos. Oslo II (ou Acordo
Interino), assinado em 1995, acentuou essa contradição ao dividir a Cisjordânia em
áreas, sendo que a Autoridade Palestina poderia exercer, de forma limitada, sua
jurisdição naquela região. Isto posto, pode-se dizer que o conteúdo dos acordos e a
natureza do processo negociador foram ineficazes para a resolução do conflito, e
por outro lado, afetaram o desenvolvimento institucional do autogoverno.
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Em outras palavras, há dois princípios básicos da estrutura dos acordos que
limitaram as escolhas da Autoridade Palestina. Seguindo, pois, a lógica da
trajetória dependente, pode-se dizer que a decisão dos negociadores de que o
processo de paz seria realizado de forma gradual, em duas etapas (interina e
permanente) e os condicionantes presentes nos acordos, colocados como
fundamentais para a obtenção da paz, restringiram as opções disponíveis aos
líderes palestinos. Sendo assim, o que se definiu no passado delineou alguns dos
desdobramentos futuros do processo de paz, de modo que determinadas
deficiências institucionais se mantiveram ao longo do tempo. Acrescente-se que as
preferências e capacidade governativa palestinas tornaram-se, por conseguinte,
condicionadas pelos arranjos institucionais de um momento anterior.
Note-se, ainda, que esse processo de resolução do conflito apresenta características
que dificultaram a evolução do processo de paz, na medida em que estabeleceu
uma nova entidade política institucionalmente restrita durante a formação e
consolidação de suas instituições. Dito de outra forma, limitações em termos da
autonomia palestina e quanto à sua jurisdição territorial, em particular pela
continuidade de assentamentos judaicos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, o fato
de não possuir o controle das fronteiras e não ter o monopólio do uso legítimo da
força são elementos que conferiram um caráter sui generis a esse ator.
De modo similar ao que se passou nas negociações no período 1996-1999, as
iniciativas de paz após o colapso dos Acordos de Oslo em 2000, não modificaram
substancialmente a estrutura institucional definida para a fase interina (exceto pela
criação do cargo de primeiro-ministro em 2003, seguindo as recomendações do
“Mapa do Caminho”). Ademais, não foram substituídas cláusulas que restringiam
sua autonomia. Ao longo desse período, as negociações versavam
fundamentalmente sobre a questão da violência entre as comunidades palestina e
israelense. Dessa forma, exigia-se que a Autoridade Palestina tomasse medidas
para conter e evitar ações terroristas. Como se destacou anteriormente, as
dificuldades do autogoverno para garantir a segurança nos territórios e combater o
terrorismo contra israelenses serviram como justificativa para que Israel se
recusasse, ora a prosseguir com as conversações para a paz, ora a cumprir o
cronograma de retirada dos territórios.
Em que pesem as restrições em termos de recursos, as deficiências da AP no setor
da segurança refletiam, também, os problemas criados na administração de suas
agências. A título de exemplo, cabe citar que a elite que se transferiu para os
territórios, apoiada por alguns segmentos da sociedade palestina por meio da
patronagem e da cooptação, esteve engajada em construir um aparato institucional
privilegiando seus interesses. Deixou, assim, de priorizar o atendimento das
necessidades e demandas sociais, além de comprometer a estabilidade política na
medida em que favoreceu as conexões pessoais em vez de privilegiar o papel do
aparato institucional. Um dos reflexos dessa forma de conduzir a Autoridade
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Palestina pode ser visualizado na estrutura administrativa que se formou,
caracterizada por duplicação de agências, e sobreposição de funções e indefinição
quanto à jurisdição em algumas de suas principais instituições.
Embora a tese tenha se concentrado na emergente entidade política palestina na
Faixa de Gaza e na Cisjordânia, não ignorou que as ações israelenses tenham tido
impactos sobre a arena palestina e sobre a evolução do processo de paz no período
1994-2004. Um dos momentos mais críticos nas relações israelense -palestinas
iniciou-se com a Intifada de Al-Acqsa, marcando, também, uma nova etapa na
institucionalização da Autoridade Palestina. Essa segunda fase da
institucionalização dessa entidade política pode ser verificada a partir da
reocupação militar israelense em áreas palestinas e destruição de boa parte de sua
infra-estrutura, até o final do governo de Yasser Arafat, em novembro de 2004. O
retorno de violentos confrontos entre as duas comunidades, por um lado, sinalizou
que a estrutura dos Acordos de Oslo foi inadequada para a resolução do conflito,
por outro, trouxe desdobramentos sobre o processo de institucionalização daquela
entidade. Nesse sentido, as medidas adotadas pelo governo israelense para conter
a violência provocada por palestinos, e utilizadas como modo de pressionar a
Autoridade Palestina para que a mesma assegurasse a ordem pública e a segurança
nos territórios, afetaram sua capacidade governativa.
Há que se destacar que atores internacionais se comprometeram a ajudar
financeiramente a AP, auxiliando-a, ainda, em questões técnicas e administrativas.
Não se estabeleceu, contudo, nenhum mecanismo nos acordos definindo um
compromisso formal desses atores externos no processo de paz. Dessa forma, por
exemplo, coube às agências internacionais definirem seus critérios de quanto e
quando repassariam recursos para a Autoridade Palestina. Essa dependência em
relação a financiamentos externos, em um período em que as instituições estavam
sendo formadas, deixou o autogoverno em uma situação de vulnerabilidade, em
caso de interrupções na transferência de recursos.
Conforme a exposição feita até aqui, a estrutura formada para a solução política do
conflito israelense-palestino criou condicionantes e contradições que dificultaram o
processo de institucionalização da Autoridade Palestina e o avanço na
implementação das decisões acordadas. Ao mesmo tempo, a conduta política da
AP por meio das práticas informais e discricionárias contribuíram para seu baixo
grau de institucionalização. Portanto, os acordos restringiram sua capacidade
institucional e, conseqüentemente, sua capacidade de implementar políticas na
arena doméstica, incluindo aquelas relacionadas à evolução do processo de paz.
A estrutura da tese
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A tese foi organizada em sete capítulos. Em uma introdução são apontadas as
premissas do estudo, é apresentado um breve histórico sobre o conflito israelensepalestino e sua caracterização, além de indicar os objetivos dos seguintes capítulos.
O segundo capítulo apresenta os principais conceitos e paradigmas referentes à
literatura sobre resolução de conflitos internacionais, e discute as limitações
analíticas dessa área. A partir da revisão dessa literatura, definiu-se o quadro
analítico da tese.
No terceiro capítulo, há um retrospecto histórico da constituição da representação
palestina nas negociações de paz com Israel e as diferentes visões e concepções
palestinas sobre o formato de uma entidade política a ser estabelecida. São
indicadas, ainda, as iniciativas para a paz entre israelenses e palestinos, que
culminaram nas negociações em Madri em 1991, acrescentando as condições de
ambas as partes para negociarem uma solução para o conflito e para a questão
palestina. Essa exposição tem como objetivos a contextualização do estágio anterior
aos acordos e destacar questões desse período que teriam impactos relevantes após
a fundação do autogoverno palestino.
O quarto capítulo refere-se aos acordos entre Israel e a Organização para a
Libertação da Palestina (OLP), apresentando, de forma analítica, os pontos mais
relevantes desses documentos, as questões negociadas, salientando também os
direitos e responsabilidades dos palestinos nesse contexto. O objetivo desse
capítulo é indicar como a estrutura formada para a solução de um conflito
prolongado criou condições favoráveis para a paz, ao mesmo tempo em que
limitou o alcance da mesma.
A discussão sobre as premissas do estudo encontra-se nos capítulos cinco e seis. O
primeiro versa sobre a institucionalização da Autoridade Palestina e o seguinte
sobre a implementação dos termos dos acordos sob sua responsabilidade.
Assim, foram analisadas as questões apresentadas na primeira parte desta
introdução. Vale dizer, avalia-se a limitada autonomia da AP, adquirida
juntamente com condições econômicas e financeiras adversas, reforçando um
determinado formato institucional das agências do autogoverno, em que práticas
tais como o autoritarismo, patrimonialismo e predomínio do Executivo sobre os
Poderes Legislativo e Judiciário foram empregadas como mecanismos para
assegurar a permanência da elite política no poder. Em outras pal avras, como se
acentuou ao longo deste texto, após sua criação, a Autoridade Palestina passou a
desempenhar suas funções governativas dentro de um certo padrão, em que o
Executivo concentrou o poder decisório de determinadas questões pertinentes à
arena dos demais poderes e, por conseguinte, consolidou-se a expensas do
desenvolvimento autônomo das agências governamentais. Essas questões são
discutidas no quinto capítulo, cujo eixo central é o desenho das agências
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(compondo o autogoverno palestino) delineado pelos acordos. O foco da primeira
seção desse capítulo recai na estrutura institucional criada e na conduta política do
autogoverno. O objetivo primário dessa parte da tese é mostrar que o processo de
institucionalização gerado pode revelar-se desfavorável à capacidade de o
autogoverno implementar as decisões acordadas no “processo de Oslo”.
Na primeira seção do sexto capítulo, são apresentados os condicionantes à
implementação dos acordos. Uma segunda seção volta-se para a interação entre a
Autoridade Palestina e grupos domésticos na fase de implementação dos acordos.
Nesse capítulo, o eixo da análise recai sobre questões em torno da área da
segurança. Além de esta temática constituir um dos pontos centrais do processo
negociador e dos acordos, as decisões políticas para esse setor tiveram impactos
significativos nas relações entre a Autoridade Palestina e alguns grupos
domésticos. Na segunda parte desse capítulo, o texto discute a respeito da
legitimidade do autogoverno. Pode -se dizer que a legitimação dessa entidade
constitui um elemento essencial na manutenção da estabilidade da ordem pública
nos territórios sob sua jurisdição que, por seu turno, revela-se condição necessária,
embora não suficiente, para o sucesso da resolução do conflito entre as duas
comunidades.
No último capítulo, o texto retoma as premissas da tese para concluir que questões
no âmbito da arena doméstica palestina - tais como a interação entre a sociedade e
o governo, as práticas políticas da liderança e a capacidade de suas instituições
para implementar políticas, entre outros fatores - são relevantes para se
compreender as dificuldades para se chegar a uma resolução de um conflito
prolongado. Como foi dito antes, não se desconsidera que ações do governo
israelense restringiram a capacidade governativa da Autoridade Palestina. O
recorte feito pelo estudo foi uma opção meramente analítica.
Testemunho do Autor
Há pouco comentava que considero esta uma oportunidade valiosa, pois ainda não
tive chance de publicar este trabalho e sinto-me frustrada ao não compartilhar
meus estudos. Provavelmente não falarei sobre tudo, logo ficarão algumas
indagações no ar que com certeza poderemos debater depois.
Gostaria, antes de apresentar os principais pontos tratados na tese, de falar um
pouco sobre algumas das motivações que me levaram a querer estudar sobre a
interação entre Autoridade Palestina e Israel. Quando iniciei meus estudos
tratando da política externa israelense no âmbito das negociações de paz com a
OLP nos anos 90, eles foram bastante restritos, principalmente considerando as
limitações de tempo em um mestrado. Então, já havia delimitado o meu objeto de
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estudo como Israel, a continuidade dos confrontos e a instabilidade do processo de
paz nos anos seguintes. Inclusive, minha defesa da dissertação foi três dias antes
do início da Intifada de Al -Acqsa em 2000, algo mais a me mostrar que aquele
ainda não era o ponto final dos meus estudos. A cada desdobramento dos
confrontos, da nova escalada de violência entre as duas comunidades, o que se
percebia era um colapso da estrutura dos acordos de Oslo que havia sido definida
nos anos 90. A instituição da Autoridade Palestina, também debilitada com as
incursões israelenses, e o cerco a Ramallah e outras cidades foram questões que
incentivaram cada vez mais meu desejo de dar prosseguimento aos meus estudos.
Logo em seguida surgiu a oportunidade de fazer doutorado no IRI – Instituto de
Relações Internacionais da PUC-Rio -, o que coincidiu com outro momento
importante nas relações entre Autoridade Palestina, comunidade Palestina e os
israelenses. Foi justamente de 2001 para 2002 que houve a nova onda de atentados
terroristas e intensificação das incursões do exército israelense. Minha referência à
dissertação foi somente para expor que, no doutorado, queria dar prosseguimento
ao estudo, mas para poder entender justamente um outro lado que não tinha tido a
oportunidade de estudar mais a fundo. Ao invés de estudar somente a OLP,
concentrei-me também na Autoridade Palestina, a instituição que emerge a partir
dos acordos de Oslo nos anos 90. O primeiro acordo, de 1993, a Declaração de
Princípios, já estabelecia que seria criado um Conselho Palestino. Esse Conselho
Palestino, a partir do acordo Gaza-Jericó, de maio 1994, marca o início da
administração do auto governo interino palestino na Faixa de Gaza e na cidade de
Jericó. Os acordos subseqüentes foram, então, estendendo esta jurisdição a outras
regiões da Cisjordânia. Assim, delimitei o marco cronológico da minha pesquisa de
1994 até 2004, o que cobre, portanto, o período do governo de Yasser Arafat.
Outro ponto importante que tem ainda uma relação com a minha dissertação foi
justamente o tipo da linha de pesquisa adotada. No mestrado privilegiei o estudo
de fatores da arena doméstica de Israel para entender o contexto institucional
israelense e avaliar em que medida alguns elementos poderiam ter impacto na
capacidade do governo de Israel de implementar decisões de política externa, em
particular em relação à implementação de acordos com os palestinos. O enfoque foi
parecido desta vez também, no entanto, a tese é diferente no sentido em que foi
elaborada para tentar buscar os fatores, do lado de um dos atores envolvidos em
uma negociação internacional, na arena doméstica, que poderiam estar causando
certos impactos sobre a evolução do processo de paz.
Pode parecer, à primeira vista, que estava atribuindo maior relevância às
instituições palestinas ao fazer este tipo de vínculo entre a causa da ineficiência ou
da derrocada dos acordos de Oslo de 2000, mas não foi este o raciocínio. Foi mera
delimitação de objeto de estudo diante do tempo que teria para completar o
trabalho, mas também uma opção levada pelo interesse em tentar entender mais a
fundo este ator, que não tinha tido possibilidade de estudar antes. Então, por favor,
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não pensem que esteja estabelecendo alguma relação de causalidade no sentido de
atribuir às instituições políticas palestinas o insucesso das negociações. No entanto,
o que minha pesquisa foi indicando como as falhas institucionais, eu já havia
previsto a partir da análise mais profunda do próprio conteúdo dos acordos de paz
e da natureza deste processo negociador. Assim, decidi me concentrar nestes
aspectos.
A proposta da tese, na verdade, foi a de preencher lacunas de análises que já
percebia desde 2001 em diante, quando começou a nova escalada de violência. Os
estudos e textos sobre os conflitos tinham uma tendência em geral em avaliar os
impasses como sendo um resultado – um impasse nas negociações como resultante
de atitudes unilaterais ou de Israel ou dos palestinos – como se as partes
envolvidas na negociação não tivessem conseguido construir um ambiente no qual
houvesse confiança mútua suficiente que propiciasse uma nova dinâmica, um
novo direcionamento nas negociações. Não sou contra esses estudos, mas um
doutorando deve procurar cobrir lacunas, buscar algo além do que já foi
apresentado. Esses estudos apontam, em geral, para o resultado de uma
negociação e há pouca análise, tanto nos textos sobre o conflito em si como na
literatura de Relações Internacionais sobre resolução de conflitos e negociações
internacionais, do que é fundamental para que os acordos sejam implementados.
Sou cientista social, e acho que todo cientista social é inquieto por natureza, sempre
querendo questionar, inclusive a própria tese. Então, queria tentar suprir a
deficiência, que vi nesses textos, de análises que se concentram na etapa pósacordo.
Minhas indagações estavam focadas justamente na fase pós-acordo, no período de
declínio que vimos, a partir de 2001 e 2002, da estrutura inicial elaborada em Oslo.
Queria entender o que dessa estrutura ainda se mantinha, porque mesmo que os
acordos não tenham mais sido implementados a partir de 2000, serviram ainda
como referência nas negociações. Podemos observar que, embora já não houvesse
mais acordo, os termos são parecidos em outras iniciativas de paz, como o Mapa
do Caminho. Há também certos aspectos que são diferentes, já que o contexto das
relações entre israelenses e palestinos mudou, e há ainda muito a se mudar. Mas
em certa medida, vários aspectos e arranjos institucionais definidos nos anos 90
ainda servem como referência. Foram essas questões que me incentivaram a
desenvolver este estudo, e a pergunta que me guiou foi a seguinte: como o
conteúdo dos acordos e a natureza das negociações afetaram a institucionalização
da Autoridade Palestina? Por outro lado, como o processo de formação e
consolidação desta instituição influenciou a evolução das conversações com Israel
no período de 1994 a 2004? Dessa forma, é importante frisar que a questão da
causalidade que mencionei não atribuía esta relação de causa e efeito às
instituições. A partir do enfoque nas instituições palestinas, meu objetivo era
verificar em que medida estas instituições, compondo o autogoverno palestino,
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constituíram variáveis intervenientes e significativas para se compreender o
prosseguimento dos acordos. Então, minha hipótese – e é natural que a hipótese
seja refinada ao longo da pesquisa – é na verdade uma resposta provisória.
Fico contente de ter manifestado esses interesses, seja por intuição ou por acúmulo
de experiência, pois já lido com esses temas desde a graduação, quando fiz minha
monografia de final de curso sobre Israel e anti-semitismo. Afinal, minha hipótese
se confirmou, e foi a partir dela que novas outras se desdobraram, e é isso que lhes
vou explicar.
Tentei, inicialmente, analisar como a Autoridade Palestina encontrou dificuldades
para cumprir alguns dos termos dos acordos em virtude das limitações de seus
recursos materiais e da fragilidade de instituições que a compõe. O que fui
percebendo ao longo do estudo mais aprofundado de todos os acordos é que eles
próprios criaram as restrições nos âmbitos de atuação, funções ou de poderes da
Autoridade Palestina, inclusive em relação a recursos externos. Não há, por
exemplo, no conteúdo destes acordos, nenhuma cláusula, que obrigue um ator
externo – que seja um financiador externo destes acordos iniciais – a contribuir ou
fazer a transferência de recursos para a Autoridade Palestina. Isto é interessante,
porque o Banco Mundial e outros atores importantes como a União Européia são
financiadores. Se considerarmos a falta de infra -estrutura no território que, em
1994, de um dia para o outro, teve um autogoverno fundado sem um aparato
institucional, mas que deveria estar pronto para começar a realizar as tarefas que
lhe foram atribuídas, perceberemos que a ajuda externa era fundamental, e os
próprios participantes das negociações e dos acordos sabiam disso. Foi entre 1994
e 2000, principalmente, quando houve a suspensão de transferência de recursos de
alguns desses agentes externos, e o motivo apresentado (principalmente no Banco
Mundial) foi que a Autoridade Palestina não estava administrando
adequadamente as suas instituições. Outro aspecto financeiro importante era o da
transferência de taxas e impostos de Israel para os territórios, pois era uma forma
de barganha que Israel usava para pressionar a Autoridade Palestina, no sentido
de tentar coibir ou impedir atentados terroristas e também combater a estrutura
que mantinha ou favorecia a realização destes atentados.
Especificamente sobre o trabalho, as pesquisas foram organizadas em dois
estágios. Não vou apresentar toda a estrutura que está na introdução, mas vou
salientar os pontos mais relevantes para o debate.
O primeiro passo foi tentar caracterizar as instituições que compõem a Autoridade
Palestina, suas funções e poderes. Quando comecei a fazer os primeiro s
levantamentos bibliográficos, deparei-me com uma gama expressiva de
instituições públicas. Então, pela necessidade de delimitar de forma mais específica
quais seriam as instituições de maior peso e relevância para pesquisa, concentreime nas instituições políticas que são delineadas a partir dos próprios acordos,
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quais sejam: o executivo, legislativo e os órgãos judiciários. Os Acordos de Oslo, já
no início de 1994 e 1995, definem criteriosamente quais os poderes,
responsabilidades e quais as funções, e até os termos de jurisdição territorial,
especificando onde essas instituições poderiam se situar. Além das fontes
bibliográficas, outro recurso do qual pude fazer uso para a caracterização e o
mapeamento destas instituições, foi a oportunidade que tive de ir à Universidade
de Tel-Aviv. Pode parece peculiar que tenha ido à Universidade de Tel-Aviv
estudar a Autoridade Palestina, mas o orientador, especialista em questões
Palestinas, é um judeu-iraquiano que diz sonhar em árabe e acordar falando
hebraico. Foi uma pessoa interessante de conhecer, à qual cheguei sem nenhuma
indicação prévia. Conhecer justamente uma pessoa que – pelo que percebi
convivendo um ano com ele – consegue não ser parcial. É difícil estar em Israel e
não ser parcial. Sofri muito, porque não sou de origem nem judaica nem árabe,
hoje tenho amigos palestinos e israelenses, árabes e judeus, e quando há um
atentado, desespero-me pensando se lhes aconteceu algo. Segundo eles, o ano em
que estive lá foi um dos mais tranqüilos, e mesmo assim houve 49 atentados à
bomba, três deles em Tel-Aviv. É estranho relativizar o dia a dia, ter uma vida
normal e ao mesmo tempo conviver com o conflito e com esse complexo processo.
Inclusive, conversar com os professores foi provavelmente mais importante do que
ir à biblioteca buscar textos. Uma bolsa de doutorado sanduíche costuma ser
importante principalmente pelo acesso às fontes bibliográficas, mas como disse
anteriormente, a literatura era deficiente em vários aspectos. De qualquer forma,
conseguir esse material no Brasil é bastante complicado, e ainda tive a
oportunidade de conversar com professores árabes, professores judeus, situação
diante da qual tive que tomar cuidado para me manter numa posição neutra.
Ainda tenho contato com os professores do Centro Moshe Dayan.
Agora volto à questão da caracterização das instituições. Durante meu Doutorado
sanduíche, não me foi barrado acesso aos territórios nem nada similar, mas fiquei
ressentida de não ter ido lá o suficiente. Todavia, tinha noção de que poderia
comprometer minha tese caso incluísse, na parte metodológica, uma pesquisa de
campo, com aplicação de entrevistas, questionários, etc. Poderia acabar atrelando
isso à pesquisa, em termos metodológicos, e chegando lá não conseguir concretizar
por causa das circunstâncias, desde as mais humanas, como o medo individual, até
as dificuldades da língua, pois não falo árabe. Comecei a estudar, mas não o
suficiente para falar. Afinal, decidi não fazer esse vínculo direto, mas continuava
achando importante a necessidade de manter contato com o ambiente.
Ocasionalmente ouvíamos pelo rádio as embaixadas alertando seus cidadãos para
que, se estivessem em Jerusalém ou Tel-Aviv, não fossem aos territórios. Consegui
ir a Ramallah, mas não foi o suficiente para conclusões mais aprofundadas. Por
isso acabei me atendo mais ao aspecto institucional, já sabia que esse tipo de
material era mais fácil de lidar. No final, reuni algumas entrevistas, por e-mail ou
por telefone, com pessoas e lideranças palestinas que tiveram diferentes níveis de
14
envolvimento com o processo de paz. Vale citar um parlamentar israelense-árabe,
que foi um dos braços direitos de Arafat durante a primeira troca de
correspondências entre a liderança da OLP e o Primeiro Ministro Rabin, o primeiro
passo para a Declaração de Princípios. Imaginei desde o início que essa questão de
amostras poderia ser complicada, ainda mais considerando que fiquei em TelAviv, num bairro próximo à Universidade. Sabe-se que ciência e pesquisa têm
metodologias criteriosas, então não quis me impor este tipo de abordagem, mas
admito a frustração de não ter convivido e conversado mais com as pessoas, e ter
ficado mais tempo lá. Mas tive bastante sorte: um dia fui à Jerusalém e horas
depois houve um atentado em Tel-Aviv, depois o inverso aconteceu. Fui à
Ramallah e não houve problemas. Minha mãe estava razoavelmente calma, porém
a Mônica, minha orientadora, nem tanto. Para mim foi tranqüilo, até esquecia que
estava em Israel. Como moro em Belo Horizonte, parecia que estava simplesmente
em uma cidade distante. Senti-me realmente em casa. Não fosse a língua, não me
lembraria nem que estava em outro país.
O segundo passo da organização da pesquisa foi buscar descobrir se havia de fato
alguns problemas na administração dos recursos pelas auto ridades palestinas.
Queria diagnosticar também quais eram os recursos iniciais disponíveis para
começar a construir uma infra-estrutura mínima do que seria um proto-governo ou
um proto -estado, pois é uma instituição que, segundo os acordos, não tem as
características clássicas por meio das quais nos referimos a um Estado: soberania e
uso legitimo da força.
Se fiz referência ao uso da força, não o fiz de forma exclusiva. Um dos pontos
centrais de todos os acordos, inclusive dediquei um capítulo da tese a isso, é a
questão da segurança. Nesse capítulo, abordo justamente a questão da capacidade
de implementação de acordos pelas autoridades palestinas. Os acordos definem
que as autoridades palestinas deveriam estabelecer uma força policial que fosse
capaz de manter a ordem pública, evitar atentados terroristas ou ciclos de violência
nos territórios para os quais já tinha sido outorgada jurisdição. Em 1994 o
autogoverno foi instituído e começaram a vir os primeiros palestinos do exílio. A
elite política da OLP, principalmente do Fatah, ainda não havia construído uma
estrutura adequada para manter o controle da segurança local. Então, os primeiros
anos – 1994 e 1995 – foram particularmente difíceis. Mesmo avaliar a efetividade
destas instituições nesses aspectos é complicado devido aos fatos que citei
anteriormente: falta de recursos externos ou dificuldade em transferir recursos
externos, dificuldade em gerar renda e emprego internamente para começar a
estruturar o governo.
Então eu me preocupei com este tipo de diagnóstico e eu queria fazer uma
referência.
15
Venho falando constantemente sobre institucionalização, e para elaborar o assunto
tomei como parâmetro um conceito trabalhado na obra de Samuel Huntington “A
Ordem Política nas So ciedades em Mudança”. Meu referencial teórico pode ser
explicado da seguinte forma: por institucionalização entendo um processo pelo
qual as organizações e os processos políticos de uma dada comunidade política
adquirem valor e estabilidade. Huntington elege quatro categorias, das quais usei
duas: autonomia e coesão. As outras duas não cabe explicá-las em detalhes, mas
adianto que demandam um período temporal maior para se avaliar as instituições.
Assim, ative-me às questões de autonomia e de coesão em relação a outros atores
da Autoridade Palestina, principalmente a OLP. Menciono algumas questões em
relação a Israel; e sobre como tem uma baixa autonomia em relação às autoridades
palestinas, uma vez que os próprios acordos definem que a Autoridade Palestina
estaria submetida às decisões da OLP. Segundo os acordos, a OLP seria a
responsável pelo processo de negociação da paz e a Autoridade Palestina não
participaria do processo de negociação, já que é o autogoverno interino e tem
atribuições especificas. O que era sui generis no período de 1994 a 2004, enquanto
Arafat estava no governo, é que havia uma coincidência de cargos, pois o
presidente da Autoridade Palestina também era presidente da OLP. Além disso,
ele acumulava cargos de outras instituições, um deles, por exemplo, foi a chefia do
Executivo. Essa concentração de poder em torno de Arafat foi importante nos
desdobramentos da minha pesquisa. Não pensava que isso poderia ser tão
relevante para se entender a configuração da institucionalização da Autoridade. A
questão da autonomia em relação a esses atores é fundamental para se entender a
dinâmica dos desdobramentos deste processo também. Tal como o é a questão da
coesão, no sentido de se poder entender a unidade entre as agências que compõem
o autogoverno. Seguindo a lógica de Huntingon, quanto maior a autonomia e a
coesão das agências, das organizações compondo uma determinada instituição,
maior será a sua institucionalização. A tese tem sete capítulos, com a conclusão,
dois lidam especificamente com a hipótese: o quinto capítulo é sobre o processo de
institucionalização, e o sexto lida com a questão da implementação dos acordos.
Usando essas categorias como referência, pude observar que a Autoridade
Palestina, apesar de toda a concentração de poder e capacidade decisória
depositada em Arafat, apresenta-se, neste período, com um baixo grau de
institucionalização.
A partir disso, concentrei-me novamente nos acordos para verificar até que ponto
os mesmos criaram estes condicionantes. O que pude constatar é que essa
obrigatoriedade da Autoridade Palestina não poder atuar de maneira unilateral,
em quaisquer circunstâncias, sem consultar a OLP ou Israel já é um indicador de
restrição às suas atividades. Sem mencionar uma série de outras restrições como a
que citei também sobre jurisdição territorial: as fronteiras externas ainda estariam
sobre controle de Israel, o número de policiais que comporiam a força policial
também seria limitado, o tipo de armas também. Outra dimensão que avaliei para
16
tentar fazer o diagnóstico dos recursos e da capacidade institucional da
Autoridade Palestina foi sua capacidade efetiva de governar e se isso tinha algum
desdobramento em termos de legitimidade desta instituição, e como isso se dava
no dia a dia nos territórios. Neste sentido, analisei instrumentos e condições
operacionais que estavam à disposição deste autogoverno, sua capacidade de
mobilização de apoio e recursos externos. Esse ponto foi fundamental, pois me
permitiu perceber que, nos estágios seguintes das pesquisas, já estava refinando
minha hipótese inicial. Cada vez ela se confirmava mais, e percebia que havia sim
uma limitação de recursos que vinha comprometendo a capacidade governativa do
autogoverno, sobretudo no que diz respeito ao atendimento de necessidades
básicas da população e provimento de bens públicos. Como dizia, a fase pósacordo é muito mal trabalhada pela literatura de resolução de conflito. Justamente
nessa fase é que os líderes negociadores tem que lidar com insatisfações e
frustrações de grupos sociais, ou mesmo enfrentar a perda de apoio político
interno, algo que realmente foi aos poucos acontecendo. É interessante pensar que
Arafat possuía bastante carisma, alta popularidade, mas as críticas ao seu governo
só aumentavam com o passar do tempo. Várias pesquisas de opinião pública
apontam que, mesmo no período próximo à sua morte, em novembro de 2004,
quando a população foi às ruas, e estava de forma geral comovida, o índice de
insatisfação com o governo já era muito alto.
Estudar todo esse processo é importante também para nos fazer perceber a
relevância das questões domésticas, e que ele não depende exclusivamente das
relações entre Israel e os palestinos. Devemos prestar atenção à configuração da
arena doméstica, às questões peculiares de um governo e à forma como ele lida
com sua sociedade. Podemos perceber três grupos, distintos pela forma como cada
um enxerga o autogoverno, como ele deveria ser, funcionar. Alguns têm
tendências mais democráticas, outros menos, mas de forma geral se sentem
negligenciados em relação às necessidades básicas como emprego, a segurança,
principalmente diante do exército israelense, que a cada incursão em território
palestino, fazia a população acreditar que a Autoridade Palestina não os estava
defendendo. Eles viam que a Autoridade Palestina era ineficaz em várias questões,
e a OLP, instituição que os representava no âmbito das negociações, ainda não
conseguia resolver um problema que se arrastava por décadas, que é o direito de
autodeterminação e de ter o seu Estado próprio. O conjunto desses fatores também
tem que ser considerado, porque têm um peso significativo para entender a
evolução do processo de paz. A minha tese abarca a situação até 2004, mas se vocês
lembrarem o que aconteceu nas eleições seguintes, com a vitória do Hamas, verão
que foi um sinal de insatisfação da população com a forma como vinham sendo
conduzidas as questões domésticas.
Posso indicar, então, que um dos pontos centrais da tese está nessa associação
circular que é feita entre institucionalização e implementação, ou seja, em como o
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processo de institucionalização de uma autoridade política afeta sua capacidade de
implementar acordos, o que, por sua vez, tem impacto sobre o processo de
negociação. Avaliando a partir da criação da estrutura institucional, percebi que o
desempenho da Autoridade Palestina, quanto a suas obrigações na arena
doméstica e em relação ao governo israelense, sobretudo no âmbito da manter a
segurança e coibir a infra-estrutura que dava suporte aos atentados terroristas, tem
desdobramento sim sobre o processo de paz. E no que podemos identificar isso?
Primeiro, podemos observar que algumas agências públicas, inclusive da área de
segurança, têm funções duplicadas, o que pode ser necessário uma vez que há dois
territórios não contíguos: Faixa de Gaza e Cisjordânia. Por vezes, encontra-se não
uma filial de uma agência, mas uma matriz em cada território, ou agências
diferentes, porém com funções muito parecidas. Isso cria dificuldades para a
delimitação da autoridade e da jurisdição das agências e, por conseguinte, traz
mais obstáculos administrativos a capacidade governativa. Ao citar isso, quero
mostrar que não estava preocupada em entender apenas os problemas de
arrecadação de recursos ou de geração renda e transformação dela em bens
públicos, mas também avaliar a capacidade de auto-gestão institucional como ela
se manifesta em termos de governança. Huntington, inclusive, aborda esta
questão das instituições terem estabilidade suficiente para conseguir
governabilidade. Essa dualidade no controles das agências públicas traz uma
imprecisão quanto à cadeia de comando nessas organizações, mas não podemos
esquecer que isso tem origem na indefinição das linhas divisórias entre a OLP e a
Autoridade Palestina.
O período do Arafat foi bastante marcado por essa indefinição, principalmente
pela forma como ele concentrava em si o poder decisório de várias arenas e esferas
da vida pública (e na minha conclusão deixo o questionamento para que se possa
explorar, em outras pesquisas, se isso permanece apesar da mudança de governo).
Quando havia alguma discordância entre integrantes do próprio governo,
eventualmente ele definia decretos-leis. Como venho explicando, meu ponto de
partida são os acordos e seus conteúdos, então, partindo daí, como podemos
avaliar essa concentração de poder? Há uma relação clara: os próprios acordos lhe
atribuíam este poder e permitiam que ficasse concentrado nas mãos do executivo.
Mas essa forma autoritária, arbitrária às vezes, de tomar decisões, sobretudo para
atender aos termos dos acordos no que diz respeito ao controle da violência dos
atentados, foi dando origem a uma série de críticas ao governo, e a algumas
divisões internas.
Sobre a insatisfação doméstica, devo fazer uma observação a respeito da
complexidade dos problemas pelos quais passa a sociedade palestina. Os
territórios foram ocupados na Guerra de 1967, desde então já passamos por duas
grandes ondas de deslocamento de palestinos refugiados. Essa observação é
importante para que compreendamos a configuração política interna, e, para tanto,
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podemos dividir a população em três grupos sociais: os palestinos que ficaram nos
territórios; as elites palestinas na Faixa de Gaza; e as elites palestinas na
Cisjordânia. Para ilustrar essa divisão, uso o exemplo dos palestinos que, ao
regressar do exílio, representam mais um desafio para a OLP, pois esta tem que
lidar com esse novo contingente, que por décadas enfrentou a presença militar e a
administração civil-militar israelense. Isso nos ajuda a perceber como e por que os
diferentes grupos sociais dos territórios têm posicionamentos distintos quanto ao
formato que o autogoverno deveria ter. Essa diferenciação também é importante
para que possamos compreender os pactos internos. Em algumas questões há
consenso, em outras quase não há pontos em comum. Mesmo os partidos sofrem
divisões internas, isso aconteceu com o grupo do Arafat. Membros do próprio
Fatah começaram a se indispor com o autogoverno.
Esse comentário como um todo é particularmente importante porque quando
falamos de relações internacionais, e aí incluo muito da literatura disponível,
tendemos a marginalizar ou negligenciar algumas questões sociais. Esse é um
motivo que me levou a enfatizar a questão da legitimidade na minha tese. No
âmbito da sociedade, à medida que uma instituição ou liderança começa a perder
credibilidade nas esferas doméstica e internacional (o que motivou, por exemplo, o
corte de repasses de financiamento pelo Banco Mundial), outros atores podem
aparecer em cena disputando o poder daquela elite. A meu ver, essas questões são
extremamente relevantes no período específico que estudei, pois entendi que elas
tiveram um peso na forma como a própria instituição foi se consolidando. Nesse
processo de institucionalização não há apenas uma agência, pois num contexto
social são diversos os atores envolvidos.
Por exemplo, os atores que ficaram nos territórios conseguiram estabelecer um
aparato institucional mínimo para lidar com instituições de educação, saúde e
outras questões. Entretanto, a presença da elite israelense nesses territórios fez
surgir a questão da sobreposição de organizações locais e problemas de como
incorporar as novas ao cenário local. Isso gerou atrito entre a elite que assumiu o
poder do autogoverno e o pessoal que integrava a administração dessas agências,
algumas delas tendo sido incorporadas pelas agências maiores do autogoverno.
Mas só com o passar do tempo poderemos perceber a fragmentação e polarização
que existem nos processos decisórios também. De forma sintética, quero apenas
indicar que a fragilidade das instituições era cada vez mais evidente.
Antes de iniciarmos o debate, gostaria de fazer mais algumas observações sobre a
questão da implementação. A limitação de recursos foi fundamental para entender
o desempenho que a Autoridade Palestina teve em relação ao seu governo e em
relação à sua capacidade de implementar os termos dos acordos. A precariedade
do início do autogoverno, que salientei anteriormente, mostra-se permanente ao
longo dos dez anos que analisei. O setor da segurança – que engloba várias
agências, as forças policiais, serviço de inteligência, e outras – foi sendo
19
estruturado priorizando a dimensão política de transferência e criação de novos
cargos, ou para atender à necessidade de se criar empregos para a população, ou
para preencher expectativas criadas por relações de nepotismo ou baseadas em
outros fatores que participam no processo político de concessão de cargos públicos,
e que de forma geral tinham como propósito reforçar o apoio que Arafat e o grupo
dele precisavam. Dessa forma, menor atenção foi dada ao incorporar pessoal com
níveis técnico ou administrativo mais altos. Não quero dizer que isso aconteceu em
todas as situações, mas em algumas instituições isso é relevante para que se
entenda a fragilidade e instabilidade características de sua configuração, e os
impactos que estes têm na efetividade delas.
De forma geral, são esses os pontos principais da tese. Estou disposta a
desenvolver as questões durante o debate. A tese não é tão grande, pois escrevo
sucintamente, mas o assunto é vasto e o conteúdo complexo.
Debate
Pergunta
Gostaria que você falasse sobre sua percepção atual e expectativas para a situação
lá. Apesar de sua tese ter abordado a situação até 2004, você morou em Israel e
comentou que continua a se corresponder com pessoas por lá, ademais, nunca
deixamos de nos interessar pelo assunto de nosso doutorado.
Pergunta
Durante sua dissertação fiquei bastante impressionado porque você se preocupou
em explicar a questão da governabilidade na Palestina, assunto cujo
funcionamento não conheço. Não sei que autoridade tinha o Arafat ou tem o atual
mandatário, cujo nome não lembro.
Drª Liana Araújo Lopes
Chama-se Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, e o primeiro
ministro é o Hanyeh.
Pergunta
Bom, nem Arafat se podia dizer que gozava de governabilidade. Quando tomava
um determinado rumo, outra facção tomava um rumo completamente diferente, e
fazia um atentado na fronteira de Israel. É extremamente confuso identificar quem
está negociando com Israel atualmente, não é? Não sou otimista, acho que a
solução daquela questão está fora do âmbito palestino e fora do âmbito israelense.
20
Acho que a solução da questão está nas mãos dos Estados Unidos da América, e
sabe-se lá por que eles a estão protelando. Aliás, no final do governo Clinton,
fizemos a mais forte investida no sentido da solução do problema, não é verdade?
Mas não sei qual teria sido o resultado se tivessem assinado algum tratado. Será
que esse tratado seria respeitado? Você poderia argumentar algo sobre isso, sobre a
governabilidade, e sobre quem está negociando com Israel?
Pergunta
Primeiro gostaria de fazer uma brincadeira. Estudei nos Estados Unidos, e algo
que eles têm de bom, apesar de tanto poder, é humor. Sempre fazem uma graça, e
não consigo resistir. Você disse que enquanto morava em Israel, sentia como
estivesse em Belo Horizonte. Acho que os mineiros são assim em qualquer lugar
do mundo, sentem como se nunca se tivessem se mudado, sempre estão lá em
Minas Gerais. Dentro dessa linha, lembro-me bem de uma ocasião, um último
grande conflito, na qual Christiane Amanpour, aquela repórter importantíssima da
CNN, foi entrevistar o Arafat. Ela começou a falar sobre civilização, sobre a
hipocrisia de um Estado que não tem um território contíguo, que tem uma
população dividida e, como você diz, que não tem recursos materiais autônomos.
Assim, tratava-se de um arremedo de autogoverno apenas por causa dos acordos.
Afinal, o Arafat a mandou embora. Ele disse algo como: olha minha senhora, sou
um general, e estou em guerra.
Mas minha pergunta é: como, no processo de institucionalização, passa-se de uma
semente de autoridade para um conjunto institucional? Como se forma um
Estado? Você observou que durante o período do Arafat que estudou, houve uma
baixa capacidade de institucionalização. Isso implica que não houve avanços na
jurisdição institucional, não houve avanços na segurança, em termos de criação de
forças policiais e de exército. Não foi isso que você disse?
Drª Liana Araújo Lopes
Só uma observação. Pelos próprios acordos, eles não podem ter exército, inclusive
o termo utilizado é força policial, e esse é um dos paradoxos. Já sabia de antemão
que sua capacidade de obter armamentos, etc seria limitada.
Pergunta
Mas você observou que durante o período do Arafat, há uma baixa
institucionalização. Você comparou os períodos antes e depois do Arafat?
Pergunta
Queria saber se você acompanhou o posicionamento do Brasil nesse processo
todo? E quando foi aberto o escritório em Ramallah?
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Pergunta
Fico feliz em encontrar alguém que estuda Oriente Médio, porque tenho
dificuldade em fazê-lo. Fiz minha monografia de graduação sobre esse assunto, e
no mestrado e no doutorado tive que buscar outra área, o que me chateou um
pouco. Mas enquanto estudava, pesquisei durante algum tempo sobre refugiados
palestinos, e queria saber de que forma essas instituições vêem os refugiados? E de
que forma esses refugiados se inserem nessas instituições?
Comentário
Fiz especialização em Relações Internacionais na UERJ, abordando também a
questão Palestina, mas incluindo a participação do Brasil na criação do estado de
Israel. Morei dois anos na Cisjordânia, e conheço bem aquela área. Você falou
sobre a dificuldade de entrar nos territórios palestinos, por questão de segurança, e
por que é mais complicado para mulheres. E realmente a língua é uma barreira.
Sobre o que você falou do Arafat, também percebi que havia certa insatisfação
diante do seu esquema de autoridade. Por outro lado, no meu conceito, por ter
estado na Cisjordânia, penso que existe uma questão de terrorismo psicológico, por
parte dos israelenses, para coibir que qualquer turista vá visitar a parte ocupada.
Você percebeu que havia uma questão de terrorismo psicológico por parte dos
israelenses, ou ser mulher foi o que realmente dificultou sua visita? Falo isso
porque morei lá, e tive uma impressão oposta à que você relatou. Gostaria que
explorasse melhor essa parte.
Drª Liana Araújo Lopes
A primeira pergunta me fez lembrar de algumas questões importantes que não
mencionei durante a apresentação. Já que estou tratando de toda a fase da
institucionalização e da questão da construção de um futuro Estado, devo
enumerar os acordos de Oslo, que constituem a estrutura inicial. A Declaração de
Princípios foi considerada como Oslo I, em seguida vieram o acordo de GazaJericó, o Acordo de Transferência de Responsabilidade s, até que chegam ao Oslo II
(o Acordo Interino de 1995), e os memorandos complementares Sharm El-Sheik,
Wye Plantation e outros. Já se previa também que a negociação seri a gradual e em
etapas, e isso não é só um reflexo das dificuldades de se conciliar as duas partes.
Mas enfim, nestes acordos não se menciona a questão da constituição de um
Estado, de uma institucionalização que caminharia para uma Autoridade
Palestina, inicialmente denominada segundo os acordos do autogoverno interino –
foram os próprios Palestinos que depois colocaram o “a” e esse “p” maiúsculos,
apesar de que essa autoridade política é mencionada em algumas negociações. Mas
o x da questão é: deixar a agenda em aberto criou várias ambigüidades sobre
futuros desdobramentos e sobre qual seria o formato dessa instituição depois do
22
período interino de cinco anos. Também em aberto fica o futuro da OLP, a
instituição negociadora de todo o processo.
O Mapa do Caminho – Road Map – por sua vez, menciona alguns pontos para os
quais gostaria de chamar atenção. Primeiro, discorre sobre a necessidade de
reformas institucionais palestinas relacionando-as à capacidade de governança, a
partir de uma avaliação externa de que esta capacidade era deficiente, algo que
dificultaria prosseguir com a paz. O Mapa aborda também a questão de reformas
na área de segurança e, inclusive, atribui responsabilidades a Israel.
Vocês mencionaram que num terceiro estágio, que já deveria ter ocorrido, haveria
a instauração deste Estado palestino. Estou chamando a atenção justamente por
isso, essas indefinições quanto ao formato da instituição são relevantes pra se
entender o processo. Em termos de quem está negociando com Israel, isto de fato é
interessante, por isso que quero recuperar este período de 2002, 2003. A Intifada de
2000 tem desdobramentos que acentuam cada vez mais os atritos entre as duas
comunidades, mostrando que aquela estrutura de Oslo deveria ser revista. Depois
que sai Ehud Barak entra Sharon, que logo deixava claro duas coisas: não
reconhece os acordos de Oslo e tampouco a OLP como interlocutor para paz.
Então, já foi um complicador definir quem negociaria pelo lado palestino, porque a
outra parte não reconhecia a legitimidade daquela autoridade. Os anos de 2001,
2002 e 2003 foram difíceis, não apontei muitas das falhas em termos institucionais
dos palestinos sem pensar que há uma contra-face, claro que não estão agindo
sozinhos ali, tem Israel e outros atores que intervêm, a exemplo dos Estados
Unidos. Nesse sentido, destaco que além de Sharon estar cada vez mais distante
dessa autoridade, o Road Map não havia sido implementado – embora ele já
sugerisse, sem mencionar claramente o nome de Arafat, que os palestinos
deveriam estabelecer uma nova liderança, em termos de governança.
É importante lembrar que os atentados nos EUA ocorrem em 11 de setembro de
2001 e que os discursos de Sharon se aproximam, de certa forma, aos discursos de
Bush em termos de combate ao terrorismo. Quando prestamos atenção nos
discursos de um e de outro é impressionante a semelhança. Além disso, as pessoas
começaram a associar a OLP ao terrorismo, na medida em que ela não se mostrava
capaz de coibi-lo. Em alguns momentos Sharon reforçou isso, fazendo declarações,
não sei exatamente as frases que ele dizia, que indicavam haver colaboração direta
da OLP com o terrorismo. Também nessa época, em 2002, Bush enfatiza a
necessidade de identificar uma nova liderança palestina para dar continuidade às
negociações com Israel. O que eu quero dizer com isso, de uma forma geral, é que
em termos internos, grupos palestinos passam a questionar a legitimidade daquele
ator que é o seu autogoverno, que é o seu governo.
Por outro lado, Israel e Estados Unidos também passam a questionar a capacidade
de negociar desse ator, além de sua credibilidade e legitimidade internacional.
23
Então, na verdade, quem negocia com Israel, o que acontece? Depois do
falecimento do Arafat, Sharon vê com bons olhos a presença de Abbas como
presidente da Autoridade Palestina. Quando ele foi primeiro ministro por alguns
meses em 2003, a única mudança significativa em termos institucionais de todo o
arranjo que aconteceu nesse período foi a criação deste cargo de primeiro ministro
– que também é uma definição institucional contida no Road Map. Sharon começa
a enfrentar problemas de diálogo, dificuldades em alcançar pontos de consenso
com Arafat, e, em seguida, Abbas sai do governo. Contudo, ele sempre foi visto
pela liderança negociadora, no caso do governo israelense, como uma figura mais
flexível, mais fácil de se lidar. Quando Arafat falece, Abbas entra no seu lugar de
forma interina, que logo é confirmada por eleições. Isso favorece a abertura de uma
nova janela de op ortunidade para a retomada das negociações. Ainda assim, os
momentos foram tensos, de confrontos, e o que acontece de diferencial, que gera
certa estabilidade aos palestinos, é o plano de retirada de Gaza e de alguns
assentamentos na Cisjordânia, pelo governo do Sharon. Em seguida, Sharon
começa a ter problemas – ele com a sua sociedade.
Percebo que os palestinos em geral, a cada momento significativo de mudança em
Israel, principalmente eleição, esperam, aguardam e não tomam medidas
precipitadas. Isso não é comprovado cientificamente, é resultado de minhas
leituras, reflexões e do pouco que vivi lá em 2004-2005. A lembrança que tenho do
período da retirada, não sei se em termos numéricos, é a de um momento mais
calmo. Havia uma sensação de segurança que refletia a possibilidade de algum
avanço. Contudo, na sociedade israelense já havia gente não gostando dessa idéia.
Não presenciava isso diretamente, mas vi manifestações contrárias que eram
rapidamente inibidas, a exemplo de faixas que eram penduradas na rua durante a
madrugada e a polícia vinha e tirava tudo na manhã seguinte. Isto ocorria
sobretudo na praça em que o Rabin foi assassinado – um local público para debate,
no qual se tornou comum esse tipo de atividade.
Sobre o momento atual, acho que está relacionado a essa mudança de liderança,
aquelas que mencionei antes, as linhas divisórias entre Autoridade Palestina e
OLP, que eram claras do período de Arafat e confusas ao mesmo tempo, porque
ele acumulava os dois cargos. Para algumas coisas a Autoridade Palestina tinha
autonomia porque era o Arafat em pessoa, falando, e isso gerava confusão. Para
outras coisas, outros membros do governo não tinham autonomia, havia atritos
internos deste corpo do governo com sua chefia, com seu presidente. Então
quando ele sai de cena realmente, vem justamente uma pessoa com um canal de
comunicação mais fácil com Israel, ou Israel foi mais receptivo, melhor dizendo.
Gosto de ser muito otimista, mas infelizmente acho muito difícil, em função do
ódio e das divergências, e também do contexto da educação. Não significa que haja
manipulação de idéias nas escolas, mas o contexto em si cria condições para o
pessimismo. Tanto as pessoas com quem convivi, quanto os alunos de doutorado
24
percebiam a dificuldade de se desfazer o conflito, ainda que seja uma minoria de
cada lado, pois a grande maioria quer a paz. Todos dizem que já chega de sangue,
dos dois lados, mas essa minoria ainda está ali, alterando o fator daquela equação.
Então, vejo com uma certa dificuldade a possibilidade de uma renegociação.
Os cenários de 2005 e 2006, com essa mudança na liderança e a presença do Hamas
no governo, são interessantes. As primeiras eleições gerais foram boicotadas pelo
Hamas, justamente porque não se reconhecia a legitimidade de Arafat nesse
governo. Depois, nas eleições seguintes ele ganhou e assegurou sua presença no
governo. Independente de acordos internacionais, qualquer Estado – nesse caso
qualquer território – comunidade ou entidade política, que passa por um processo
de constituição de suas instituições políticas de forma democrática, é natural que
haja ciclos de queda e reconstrução. Isso é natural em qualquer país que passa por
mudanças políticas, então não vejo como estranho o fato de internamente haver
confrontos por disputa de poder, posicionamentos e ideologias distintas. Pode-se
dizer, que esse processo era previsível com a entrada do Hamas, um grupo que
sempre se posicionou de forma contrária ao processo de paz, nunca aceitou os
acordos de Oslo, e de repente teve a oportunidade de estar no governo. Vejo que
esses ajustes são naturais de uma sociedade que está se consolidando. Em relação
ao processo de paz, entendo que não apenas os Estados Unidos devem participar.
Há grande rejeição de alguns atores no Oriente Médio ao posicionamento dos
Estados Unidos, sobretudo depois da guerra no Iraque. É necessário incorporar
outros atores no processo, o Road Map é um elemento importante, porque tem a
União Européia, a Rússia, a ONU; e, sobretudo há os demais países árabes. Não
entendo por que as iniciativas da Arábia Saudita e outras na mesma linha não
avançam. A meu ver, o canal apropriado é que os países árabes reincorporem a
questão Palestina na agenda, para proporem uma nova estrutura – mais adequada
aos novos interesses. No entanto, não conseguiria dizer se as coisas caminhariam
no curto prazo ou não, até pelo grau de violência que se instaurou, a distância
existente entre as partes, o muro sendo construído e outras questões.
Em relação à questão de como se passa de uma semente de autoridade para um
Estado, esses momentos são de ajustes internos, no qual se acertarão em termos de
instituições de liderança e de posicionamento; as diferenças não necessariamente
impedirão que se desenvolva uma estrutura institucional. O governo de coalizão
não significa necessariamente indefinição, pode-se chegar a um ponto comum, por
vezes a coalizão é até fundamental. Contudo, os grupos são muito distintos. O
Hamas tem uma ideologia mais específica dentro do movimento islâmico de
resistência e, como já mencionei, nunca aceitou Oslo. O Fatah representa a elite
desde a época da OLP. Até que ponto um vai ceder para o outro , pensando no
coletivo? É complicado. Agora, o reconhecimento do Estado está além da vontade
própria do povo, está relacionado à forma em que se estabelece um Estado
Palestino e se haverá o devido reconhecimento de outros atores. Isso ainda é muito
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incerto porque segundo o Road Map já deveria ter sido estabelecido em 2005, mas
há sempre um novo ciclo de violência e um novo momento de instabilidade.
Não acompanhei exatamente a participação do Brasil. Sei que existe uma
comunidade brasileira expressiva na região, mas havia pouco conhecimento a
respeito deles. Então, como fui a primeira no departamento de Ciência Política, a
primeira nos dormitórios, não conhecia e não via quase ninguém do Brasil, fui
muito paparicada. Desconheço a participação do Brasil e se existe atualmente
alguma agência, ONG. No final da minha estada, consegui a informação de que há
muitas ONG's internacionais também em Ramallah. Muitas estão voltadas para
serviço social, educação e escola e infelizmente não tive tempo de fazer um
trabalho voluntário, que teria sido uma boa oportunidade para ter contato com as
comunidades. Só para fazer um gancho com a sua experiência de ter morado na
Jordânia, não era medo não. Para falar a verdade, todos diziam que me arriscava,
mas funciono muito de forma intuitiva. Quando ia para um lugar, o atentado
acontecia em outro. Isso aconteceu com uma recorrência inacreditável. Se tivesse
usado essa sorte para uma loteria, não teria dado certo, mas era impressionante.
Quando deixava de ir, não era por mim. Como não conhecia o idioma, não
conseguiria ir sozinha e tinha medo de comprometer a outra pessoa. Não aceitaria
colocar em risco a vida de um amigo.
Um professor, uma vez, se ofereceu para me levar a determinado local, ele me
concedeu entrevistas, me deu um livro não publicado, foi ótimo. Quando fomos
organizar a viagem, ele iria me apresentar a outros professores, em Birzeit, em
Ramallah, houve um novo ciclo de violência, e ele não tocou mais no assunto.
Havia avisos, especialmente pela BBC, comunicados das embaixadas, pedindo aos
seus cidadãos que não saíssem. Quando fui à Jerusalém Oriental, que é ocupada,
meus amigos ficaram impre ssionados, eles têm medo porque não vão e ponto final.
Muitos me perguntavam, com curiosidade, como tinha conseguido ir. Alguns me
falavam, com tristeza “Eu nunca vou pisar lá. Você foi mais longe do que eu podia
ir”. É perigoso inclusive para os árabes. Jerusalém Oriental é uma região bem
instável. É estranho, porque é a Terra Santa mesmo. Há igrejas, sinagogas,
mesquitas para todos os lados. Em Ramallah, não tive dificuldade nenhuma para
entrar. Fui uma vez só, entrei com um amigo, sem ser revistada. A viagem foi
hilária, mas poderia ter sido a maior tragédia. Fomos com um carro israelense, não
sabíamos que a entrada era proibida, lógico que parece coisa de amador. Meu
amigo é israelense de Nazaré e falando árabe, não tivemos problema em Ramallah,
mas entramos sem passar pelo check point, pois não havia um. Na saída,
descobrimos outro caminho e tivemos problema porque viram o documento de
israelense do meu amigo e se deram conta de que ele não poderia ter entrado. Para
mim, falaram “Ela pode entrar. Ela p recisa de uma autorização, mas é indiferente”.
Brasileiro realmente tem entrada tranqüila em Israel, nunca tive problemas, muito
pelo contrário, mesmo no parlamento tinha sempre um grupo ao meu redor para
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conversar quando descobriam que era brasileira. Em Israel você é revistado em
qualquer lugar, chegou a um ponto em que na segunda ou terceira vezes em que ia
a algum lugar, já não era mais revistada. Sabiam tudo, meu nome, de onde era e
tinham curiosidade, vontade de conversar comigo. Aquele sistema todo de
segurança ia por água abaixo comigo, era engraçado. Foi muito receptiva a forma
como me trataram, me senti em casa. Em pouco tempo já conhecia quase todo
mundo. Não tinha esse problema de ser mulher. Claro que me dava conta de que
era muito diferente da maioria, mas, em geral, fui muito bem tratada.
No caso dos refugiados palestinos e como eles se inserem nessas instituições, não
estudei especificamente. Abordei a questão dos refugiados vinculada aos acordos
ou ao que as negociações prevêem. Até por ignorância, não sei, em termos
institucionais, se há alguma agência palestina específica lidando de forma mais
intensa para a elaboração de uma resolução para a questão dos refugiados. Sei que
isso era sempre o topo da agenda, principalmente com Arafat. Há muitas análises
apontando que o colapso das reuniões de Camp David, em julho de 2000, se deu
em função dos palestinos não aceitarem a nova proposta de Israel em termos de
devolução, que Israel estava renegociando a incorporação de assentamentos
maiores e oferecendo outras áreas em troca. Falava-se em problema pela soberania
sobre Jerusalém. Contudo, Arafat deixou claro que o problema girou em torno da
questão dos refugiados. Tem uma frase dele datada de alguns anos antes de Camp
David que diz algo como “Pare de nos tratar como refugiados. Nós somos um
povo!”. Essa questão de refugiados sempre foi central nas negociações da OLP.
Acredito que haja alguma agência que lide e ofereça assistência a esses refugiados,
mas no âmbito das negociações, o tema esteve presente na liderança de Arafat, a
ser resolvido diretamente com Israel.
Há um problema sério de definição de critérios. Como já se passou muito tempo ,
existem dois níveis de refugiados, os da Guerra de Independência de 1948 e seus
descendentes, e também os de 1967, principalmente. Dessa forma, há refugiados
em outros países, sobretudo Líbano e Síria, e os que são deslocados internos – para
os quais é difícil encontrar um termo – porque eles estão na Faixa de Gaza e na
Cisjordânia. Levando isso em conta, há um número em torno de 3,5 milhões de
refugiados nos territórios; na Faixa de Gaza não sei exatamente quantos; talvez 1
milhão e pouco na Cisjordânia e o restante em outros países. As indenizações das
propriedades que se perderam são outro fator significativo, que envolve vários
aspectos, a exemplo das pessoas que saíram dessas regiões e devem ser
indenizadas quando voltarem a Israel. Então, essa questão financeira também se
apresenta como complicador, pois na hora de decidir quais são os refugiados,
Israel vai reduzir esse número ao máximo, já aconteceu isso em negociações
anteriores.
Comentário
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Queria parabenizá-la pela exposição, se bem que o seu enfoque naturalmente foi a
construção da autoridade palestina, mas isso inevitavelmente nos leva ao próprio
conflito Israel-Palestina. Queria apenas saber se leu e qual a sua opinião do livro
recente, do ex-presidente Jimmy Carter, cujo título em português é Paz, Palestina e
não apartheid, em inglês chama-se Palestine, Peace and Non apartheid. Eu acho que
esse livro é extremamente interessante, o ex-presidente Jimmy Carter está acima de
qualquer suspeita, não é? Pelo seu passado, prêmio Nobel, pelo instituto que leva o
seu nome em Atlanta, dedicado às questões internacionais, e pela quantidade de
vezes que foi convocado para estudar e mediar situações de conflito pelo mundo
afora.
Drª Liana Araújo Lopes
Olha é com vergonha, e meio constrangida que eu falo que não li o livro, li
resenhas.
Comentário
É um livro que todos os interessados no assunto conflito Israel-Palestina, devem
ler. Não sei se já saiu em Português.
Drª Liana Araújo Lopes
A primeira vez que vi comentários sobre o livro foi em um jornal de Israel que leio
diariamente. Como se tratava de um debate interno, já havia diversos
questionamentos sobre a veracidade do posicionamento dele. Mas ainda não tive a
oportunidade de ler.
Comentário
Eu não sei se o livro vai ser muito popular em Israel, entre os dirigentes
principalmente, porque ele é duro.
Drª Liana Araújo Lopes
É, foi nesse sentido que li o artigo.
Pergunta
Qual é o jornal israelense que você lê?
Drª Liana Araújo Lopes
Haaretz. De vez em quando checo algumas coisas no Jerusalem Post, mas gosto da
linha dos artigos do Haaretz.
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Pergunta
Gostaria de saber uma curiosidade do tempo em que você passou lá. Os acordos de
Oslo foram uma iniciativa e, pode se dizer, uma conquista do campo pacifista
israelense, da esquerda. Foi mais ou menos uma prova de confiança que esse
campo deu aos palestinos, em relação ao Estado provisório que teriam. Vamos ver
como é que a coisa evolui nesse ínterim, e se eles realmente conquistassem esse
voto de confiança e passassem para a etapa seguinte, que seria o Estado definitivo.
Depois, com a intifada e a onda de atentados, disse que a principal vítima dos
atentados foi exatamente o campo pacifista israelense. Então, hoje pode-se perceber
claramente que no campo pacifista a esquerda foi bastante abalada com esta
intifada. Você vê pessoas que eram de esquerda e foram para o centro, e até para o
centro-direita, pacifistas históricos que se desiludiram e hoje são pessimistas? Esse
campo tem muita penetração na parte acadêmica, uma parte que você conviveu
bastante. Queria saber se você conviveu com pessoas, se teve esse tipo de sensação,
se lhe transmitiram essa sensação.
Drª Liana Araújo Lopes
Vi um pouco disso tudo sim, é difícil falar já que peguei uma amostra viciada, mas
é porque convivi muito com pessoas mais próximas do campus e o perfil é
diferente. Por exemplo, ilustrando esse perfil que você mencionou , algumas
pessoas ainda vão à praça Rabin, debaixo de chuva ou à noite, porque vai ter
algum encontro no qual tentarão discutir algo ou fazer uma manifestação em favor
da paz. Alguns iam praticamente sozinhos. Conheci um casal de brasileiros que
mora lá há mais de quarenta anos e presenciei uma situação engraçada. Fazia
muito frio e ele já é idoso, então ela disse “fica em casa hoje”, e ele respondeu
rapidamente “não, se todos nós que acreditamos na paz, que votamos no Rabin
pensarmos como você, esse país não vai para a frente, então eu vou. Nem que eu
seja o único debaixo da chuva, eu vou.” Isso era às nove e meia da noite e havia
outros assim.
No entanto, alguns professores não se posicionavam tanto, eram meio descrentes
quanto ao futuro da paz. É uma questão de desconfiança, em função de não se
conseguir restabelecer a confiança mutua. Eu vi pessoas que me falaram que
votaram na esquerda, mas que votariam a partir dali em Sharon porque lhes dava
mais segurança. Isso foi abordado na minha dissertação de mestrado. Como que o
posicionamento em termos de esquerda ou direita é cambiante e está relacionada à
questão da segurança. A derrota mesmo de Peres nas eleições de 1996, foi um
reflexo disso, ele estava com grande vantagem e houve uma onda de atentados
violentos que fez com que ele simplesmente perdesse para o Netanyahu com uma
margem muito pequena. Então, o fator segurança, na verdade da insegurança, é o
fator mais relevante no caso da fidelidade partidária em certas situações. E isso a
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gente percebe, não é uma ascensão da direita ou do centro-direita, na verdade é
um declínio, um enfraquecimento da esquerda na seqüência da morte do Rabin.
Apenas mais um comentário. Tem um ponto da tese, sobre o qual não entrei em
detalhes porque é mais teórico, que aborda a idéia da trajetória dependente – em
que algumas decisões e arranjos institucionais passados têm peso considerável e
faz com que eles se mantenham ao longo do tempo, ainda que deficientes. Então,
de certa forma, aquilo que já foi acordado há muito tempo, ainda serve para a
formulação da agendas de novas propostas de paz. Algumas questões são também
irreversíveis, por piores que sejam as relações entre as duas comunidades ou entre
os negociadores. Algumas das conquistas de cada um dos lados, foi feita neste
sentido. Por exemplo, é fato que existe uma autoridade palestina que não vai ser
eliminada. Hoje já faz parte das negociações, ainda que de forma muito
rudimentar, discutir Jerusalém, coisa que não se contemplava. Ao menos nisso, não
haverá retrocesso, são conquistas daquela liderança que conseguiu ter coragem de
enfrentar as dificuldades e as divisões internas, estabelecendo acordos. Ainda que
precárias, algumas questões são básicas e acabam por se tornar referência.
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O CEBRI Tese é uma
publicação
baseada
na
apresentação e no debate, no
CEBRI, de teses acadêmicas em
relações internacionais e política
externa brasileira, elaboradas por
brasileiros e defendidas e aprovadas
em instituições de ensino superior no
Brasil ou no exterior.
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A Autoridade Palestina e a resolução do conflito com Israel