FACULDADE INTERAMERICANA DE PORTO VELHO – UNIRON
RAIRA VLÁXIO AZEVEDO
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS IMPOSTAS AO ADOLESCENTE EM CONFLITO
COM A LEI
Porto Velho / RO
2014
RAIRA VLÁXIO AZEVEDO
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS IMPOSTAS AO ADOLESCENTE EM CONFLITO
COM A LEI
Monografia apresentada ao Curso de
Direito da Faculdade Interamericana de
Porto Velho, como requisito avaliativo
para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Professor Especialista Júlio
César Rodrigues Ugalde.
Porto Velho / RO
2014
1
RAIRA VLÁXIO AZEVEDO
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS IMPOSTAS AO ADOLESCENTE EM CONFLITO
COM A LEI
Monografia apresentada ao Curso de
Direito da Faculdade Interamericana de
Porto Velho como, requisito avaliativo
para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Porto Velho, 09 de Dezembro de 2014.
Banca Examinadora:
_________________________________________________
Orientador: Prof. Esp. Júlio César Rodrigues Ugalde
_________________________________________________
Prof. Esp. Suellen Campos
_________________________________________________
Prof. Esp. Sandro Moura
Dedico esta monografia aos meus queridos familiares por terem
acreditado e contribuído com toda atenção e paciência.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos colegas de turma por acompanharem e acreditarem em
meus objetivos durante todo o curso e ao meu professor orientador pela dedicação e
atenção, despendidos tanto nas pesquisas quanto na estruturação do trabalho.
“Não há nada que não se consiga com a força de vontade, a bondade e,
principalmente, com o amor”.
Cícero.
RESUMO
Em 1988 entrou na ordem jurídica a Constituição Federal, não recepcionando o
Código de Menores. E em 1990 fora instituído o atual Estatuto da Criança e do
Adolescente. Esses institutos então formam o atual microssistema de direito dos
menores. Esse sistema é definido por uma série de princípios, como o que impõe ao
Estado o dever de tratar com prioridade os direitos menoristas, o fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários como reflexo da imposição das medidas protetivas
e socioeducativas, condição dos menores como sujeitos de direitos, poder público
como responsável direto e solidário, medidas que melhor atendem ao interesse do
menor, respeito à intimidade, imagem e vida privada, intervenção estatal imediata,
indispensável para promoção dos direitos, adequada à situação atual, com
responsabilização parental e prevalência da família, informação dos fatos e com
oitiva obrigatória e participativa. As medidas socioeducativas permitidas pelo
Estatuto da Criança e do adolescente são a advertência, obrigação de reparar o
dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, regime de
semiliberdade e internação. Os atos descritos como crime, praticado por menores de
dezoito anos são considerados atos infracionais, aplicado-se ao invés da respectiva
pena prevista no tipo penal as medidas socioeducativas se o agente causador do
injusto for adolescente (de treze a dezessete anos) e as medidas de proteção se for
criança (até doze anos). Os primeiros são processados pelos juizados da infância e
da juventude, e os segundos pelos próprios conselhos tutelares. A prescrição
aplicável às medidas sócio-educativas é a mesma prevista para as penas de cada
crime, conforme parte geral do Código Penal. Em qualquer caso, somente a
autoridade judiciária (juiz) é competente para decretar e aplicar as medidas. Ainda, a
aplicação da medida deve atender a requisitos objetivos, previstos no Estatuto da
Criança e do Adolescente, não podendo o juiz aplicar medida gravosa por presunção
de proporcionalidade sem observar a ocorrência dos requisitos legais. É aplicável às
medidas socioeducativas a teoria da bagatela. Vedada ainda a aplicação da medida
sem o trânsito em julgado da sentença como regra.
Palavras-chave: Direito da criança e do adolescente. Direitos fundamentais. Medidas
socioeducativas. Imputabilidade.
ABSTRACT
In 1988 entered the law the Federal Constitution, not entertaing the Minors Code and
in 1990 established the current Statute of Children and Adolescents. These institutes
then form the current microsystem right of minors. This system is defined by a set of
principles such as the rule that imposes a duty to treat with priority the children rights,
strengthening family and community ties as a result of the imposition of protective
measures and socio-educational, condition of children as subjects rights, government
as directly responsible and supportive measures that best serve the interests of the
child, respect for intimacy, privacy and image, immediate state intervention
necessary to promote the rights, appropriate to the current situation, with parental
accountability and prevalence of family, information and facts to mandatory
participatory and hearsay. The educational measures permissible under the Statute
of Children and adolescents are warning obligation to repair the damage, provide
community service, probation, and regime of semi-hospitalization. The acts described
as a crime committed by persons below eighteen years are considered infractions,
but applies instead of their sentences under the criminal type socio-educational
measures if the causative agent is unfair teenager (thirteen to seventeen years) and
protective measures if child (up to twelve years). The former are handled by courts of
childhood and the second at own tutelary councils. The limitations applicable to the
socio-educational measures is scheduled for the same penalties for each crime as
general part of the Penal Code. In any case, only the judicial authority (judge) is
competent to enact and implement the measures. Still, the application of the measure
must meet objective criteria set out in the Statute of Children and Adolescents, the
judge can not apply onerous measured by presumption of proportionality without
observing the occurrence of legal requirements. It applies to socio-educational
measures theory trifle. Still prohibited the application of the measure without the final
judgment of sentence as a rule.
Keywords: Rights of children and adolescents. Fundamental rights. Social and
educational measures. Aaccountability.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 PROLEGÔMENOS NECESSÁRIOS...................................................................... 13
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS .................................................................................. 13
2.2 PRINCÍPIOS ........................................................................................................ 16
2.2.1 Prioridade absoluta ........................................................................................ 16
2.2.2 Fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários ............................. 18
2.2.3 Condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos............. 18
2.2.4 Responsabilidade primária e solidária do poder público ........................... 19
2.2.5 Interesse superior da criança e do adolescente .......................................... 19
2.2.6 Privacidade ..................................................................................................... 21
2.2.7 Intervenção precoce....................................................................................... 21
2.2.8 Intervenção mínima ........................................................................................ 22
2.2.9 Proporcionalidade e atualidade .................................................................... 23
2.2.10 Responsabilidade parental .......................................................................... 24
2.2.11 Prevalência da família .................................................................................. 24
2.2.12 Obrigatoriedade da informação .................................................................. 24
2.2.13 Oitiva obrigatória e participação ................................................................. 25
3 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ........................................................................... 26
3.1 ADVERTÊNCIA ................................................................................................... 26
3.2 OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO ............................................................... 27
3.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE .................................................. 29
3.4 LIBERDADE ASSISTIDA .................................................................................... 30
3.5 REGIME DE SEMILIBERDADE .......................................................................... 32
3.6 INTERNAÇÃO ..................................................................................................... 34
4 TEORIA DOS ATOS INFRACIONAIS E REGIME DE PENALIZAÇÃO ................ 38
4.1 IMPUTABILIDADE PENAL .................................................................................. 39
4.1.1 Conceito de imputabilidade ........................................................................... 39
4.1.2 Inimputabilidade, impunidade e ineficácia ................................................... 41
4.2 PRESCRIÇÃO..................................................................................................... 42
4.3 DA APLICAÇÃO DA PENA ................................................................................. 43
4.3.1 Competência / atribuição ............................................................................... 43
4.3.2 Regime de cumprimento de pena ................................................................. 44
4.3.3 Provas e requisitos ........................................................................................ 44
4.3.4 Bagatela .......................................................................................................... 45
4.4 TRÂNSITO EM JULGADO E MEDIDA ANTECIPADA ........................................ 46
4.5 ATRIBUIÇÃO
FÁTICA,
PROVAS
E
ANÁLISE
OBJETIVA
DOS
REQUISITOS ............................................................................................................ 47
4.6 A RESSOCIALIZAÇÃO MEDIANTE PUNIÇÃO .................................................. 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 51
11
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho visa o aprofundamento em um tema importante, que é
“medidas socioeducativas impostas ao adolescente em conflito com a lei”, o qual é
bastante polêmico. Estas medidas são aplicadas pelo Estado àquele adolescente
que comete atos infracionais. São elas: advertência, obrigação de reparar o dano,
prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semi-liberdade e internação.
A aplicação das medidas socioeducativas é a forma que o Estado tem de se
manifestar em relação ao ato infracional cometido pelos menores de 18 anos, cuja
aplicação tem como objetivo impedir a reincidência, sancionar, disciplinar e educar
pedagogicamente.
A problemática tratada é que hoje em dia todo e qualquer tipo de delito é
praticado tanto por adolescentes, como por ou adultos. Cada vez mais a violência
vem crescendo nesta sociedade criminosa “jovem”, e os delitos cometidos, são na
maioria das vezes, praticados de forma consciente, assim como na sociedade
criminosa “adulta”. Não se trata apenas de uma questão social, mas também uma
questão jurídica, pois a conseqüência para estes jovens infratores são as sanções
previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, as quais são especificas para
quem comete ato infracional.
A medida socioeducativa é aplicada ao adolescente que pratica ato
infracional, visando reeducá-lo, alertando e disciplinando o mesmo para que possa
repensar sobre os atos praticados por si contra a sociedade. Para a aplicação de tais
medidas ao adolescente, será levada em conta a gravidade da infração, as
circunstâncias que ocorreram o fato, e sua capacidade de poder cumpri-la.
A aplicabilidade das medidas socioeducativas impostas aos adolescentes
cumprem sua função atingindo seus objetivos conforme os métodos elencados no
Estatuto da Criança e do Adolescente?
O objetivo da escolha desse tema se deu por interesse no entendimento
mais aprofundado dos direitos destinados às crianças e aos adolescentes que
cometem atos infracionais, e consequentemente as sanções aplicadas aos mesmos.
O objetivo geral é analisar os fatores que influenciam diretamente para a
ressocialização dos menores delituosos. Idealizando as melhores medidas para
defesa dos direitos dos menores e dos interesses da sociedade.
12
Os objetivos específicos são evidenciar o direito da criança e adolescente,
seus princípios e regras gerais. Buscar as soluções mais adequadas para cada
problema identificado, para que os adolescentes em conflito com a lei consigam ter
respeitados os seus direitos. E trazer à tona os argumentos que mais têm
repercutido na esfera judicial, a partir da análise da jurisprudência dos nossos
tribunais superiores.
A pesquisa justifica-se na acepção pessoal, social e acadêmica. Na
acepção pessoal, porque o indivíduo considerado individualmente é o titular do
direito, de utilidade prática para cada menor em conflito com a lei. Na acepção
social, pois é dever de toda a sociedade, assim como do Estado zelar pela
segurança dos jovens e adolescentes. Na acepção acadêmica, por sua pertinência
com o currículo acadêmico.
Quanto à metodologia de pesquisa científica utilizada, optou-se pela
abordagem qualitativa pelo método dedutivo, em uma investigação morfológica. O
método investigativo é o monográfico, sendo a classificação da pesquisa do tipo
objetivo, de pesquisa exploratória, o objeto é o bibliográfico, consubstanciado em
livros e artigos.
O trabalho está dividido em três seções, sendo a primeira destinada às
teorizações sistemáticas, principiológicas e históricas, que informam a aplicação e as
razões da legislação vigente. Na segunda seção a problemática das medidas
socioeducativas e dos atos infracionais. Sendo a terceira relativa às soluções
aplicáveis a cada problemática.
Os doutrinadores em que se abalizou a pesquisa são: Jason Albergaria;
Andréia Rodrigues Amin; Kátia Regina Ferreira Lobo Maciel; Antônio Carlos Gomes
da Costa; André Viana Custódio; Josiane Rose Petry Veronese; Eduardo Roberto
Alcântra DEL CAMPO; Thales César de Oliveira; Maria Helena Diniz; Cristiane
Dupret; Roberto João Elias; Antônio Cezar Lima da Fonseca; Válter Kenji Ishida;
Wilson Donizeti Liberati; Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel; Elcio Resmini
Meneses; Washington de Barros Monteiro; Ângela Pinheiro; Moacir Rodrigues; João
Batista Costa Saraiva; Oscar Joseph de Plácido e Silva; Josiane Rose Petry
Veronese.
13
2 PROLEGÔMENOS NECESSÁRIOS
O correto entendimento das medidas socioeducativas aplicáveis aos
adolescentes em conflito com a lei demandam um conhecimento prévio acerca dos
princípios norteadores do microssistema protetivo e dos aspectos históricos
diferenciadores do atual sistema.
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS
O Brasil experimentou significativa mudança econômica e política a partir
do início do século XX, notadamente na década de vinte, onde o Estado passou a
assumir uma posição mais ativa frente ao estado de violência vivido pelas crianças
que se encontravam fora da esfera de proteção familiar.
Nesse momento histórico foram inauguradas as primeiras instituições de
repressão e prevenção à violência contra a criança, bem como de combate à
criminalidade juvenil.
Houve um grande apelo à situação precária, na qual as crianças pobres
se encontravam, com taxas de mortalidade elevadas, registrando uma média de
70% (setenta por cento) em relação aos “expostos” das santas casas de
misericórdia.
Foi no ano de 1927, em 12 de outubro, que foi promulgado o Código de
Menores, Decreto n. 17.943-A. Todos os menores de 18 (dezoito) anos que não
estavam sob a proteção de uma instituição familiar era denominado “menor em
situação irregular”, deixando de separar o menor abandonado do menor delinquente.
De acordo com André Viana Custódio e Josiane Rose Petry Veronese
(2007, p. 73) a doutrina da “situação irregular” “trouxe a concepção biopsicossocial
do abandono e da infração, fortaleceu as desigualdades, o estigma e a
discriminação dos meninos e meninas pobres tratando-os como menores em
situação irregular e ressaltou a cultura do trabalho legitimando toda a ordem de
exploração contra crianças e adolescentes”.
O poder judiciário passa a entrar no controle das situações jurídicas com
a instituição do Juizado de Menores. Enquanto o executivo fica responsável pelos
danos ocorridos aos menores por omissão ao perderem a proteção familiar, tanto
14
por morte dos pais como pelo abandono, obrigado a criar oportunidades de
emprego, inclusive.
A família também recebeu responsabilidades expressas, o chamado
“pátrio poder”/dever. Segundo Washington de Barros Monteiro (2007, p. 125):
Modernamente, o poder familiar despiu-se inteiramente do caráter egoístico
de que se impregnava. Seu conceito na atualidade, graças à influência do
cristianismo é profundamente diverso. Ele constitui presentemente um
conjunto de deveres, cuja base é nitidamente altruística.
Para Maria Helena Diniz (2008, p. 537):
Um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho
menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos
os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica
lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.
Josiane Rose Petry Veronese (2005, p. 315):
O Poder Familiar, conforme a denominação dada pelo novo Código Civil, é
misto de poder e dever imposto pelo Estado a ambos os pais, em igualdade
de condições, direcionado ao interesse do filho menor de idade não
emancipado, que incide sobre a pessoa e o patrimônio deste filho e serve
como meio para mantê-lo, protegê-lo e educá-lo.
Na década de trinta foi inaugurada a legislação trabalhista, instituído o
ensino básico obrigatório e seguridade social. Durante duas décadas o governo
efetivou suas políticas mediante um modelo de assistência a instituições privadas.
As críticas evidenciaram grandes problemas de abuso e maus tratos, como a
corrupção e a superlotação por parte de instituições mal intencionadas e
descomprometidas.
Os menores “infratores” e “abandonados” eram alocados em centros de
triagem. Com a criação dos Serviços de Assistência ao Menor em 1942 os infratores
passam a ser encaminhados aos reformatórios e os carentes abandonados para os
patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos. Para Ângela
Pinheiro (2006, p. 121):
A criação do SAM inaugura uma seqüência de ações do Estado voltadas
para institucionalização como forma de intervenção junto à criança e ao
adolescente, particularmente àqueles a que se atribui a autoria dos atos
infracionais. É a instauração e a consolidação, no plano institucional estatal,
de um conjunto de praticas, baseadas na internação e forjadas na punição e
na segregação, como modelo de atendimento para “menores” abandonados
e para aqueles a quem se atribuía a autoria dos atos infracionais.
Na década de sessenta ocorre o golpe militar, levando a efeito o sistema
de governo ditatorial que se estende por duas décadas. Os serviços de assistência
15
são extintos e em seu lugar são criadas as FEBENS, Fundação Estadual do Bem
Estar do Menor em cada Estado, e a FUNABEM - Fundação Nacional do Bem Estar
do Menor, em busca de um melhor atendimento à Declaração dos Direitos das
Crianças1. Contudo, registrou-se um aumento do analfabetismo e da violência,
principalmente a sexual, por causa da política antidemocrática2. Anota Wilson
Donizeti Liberati (2010, p. 15):
O Código revogado não passava de um Código Penal do “Menor”,
disfarçado em sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeiras
sanções, ou seja, penas, disfarçadas de medidas de proteção. Não
relacionava nenhum direito, a não ser aquele sobre a assistência religiosa;
não trazia nenhuma medida de apoio à família; tratava da situação irregular
da criança e do jovem, que, na realidade, eram seres privados de seus
direitos.
Em 1979 é promulgado o novo Código de Menores, baseado na doutrina
da proteção integral, mas sob o mesmo paradigma do menor em situação irregular
do anterior Código de Menores que vigorou desde 1927.3 Destacam, Andréia
Rodrigues Amin e Kátia Regina Ferreira Lobo Maciel (2006, p. 07):
Foi uma lei que uniu Justiça e Assistência, união necessária para que o Juiz
de Menores exercesse toda a sua autoridade centralizadora, controladora e
protecionista sobre a infância pobre, potencialmente perigosa. Estava
construída a categoria Menor, conceito estigmatizado que acompanharia
crianças e adolescentes até a lei nº 8.069, de 1990.
Em 1988 a Constituição Federal foi promulgada, deixando de recepcionar
o Código de Menores, demandando nova legislação reguladora, surgindo então o
Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. Foi neste momento que iniciou a
organização institucional que conhecemos hoje, instituída a Fundação Centro
Brasileiro para a Infância e a Adolescência, extinta a FEBEM e a FUNABEM, sendo
suas tarefas e objetivos passados aos sistema dos conselhos tutelares.
Wilson Donizeti Liberati (2010, p. 15) explica a divergência entre a
Constituição Federal e o Código de Menores, bem como o ECA veio a regulamentar
a matéria:
É integral, primeiro, porque assim diz a CF em seu art. 227, quando
determina e assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e
1
SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei. 3ª ed. Porto Alegre: Editora
Livraria dos Advogados, 2009, p. 45.
2
AMIN, Andréia Rodrigues; MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo. Curso de Direito da Criança e do
Adolescente. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 07.
3
FONSECA, Antonio Cezar Lima da. Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora
Atlas, 2011, p. 08.
16
adolescentes, sem descriminação de qualquer tipo; segundo, porque se
contrapõe à teoria do “Direito tutelar do menor”, adotada pelo o Código de
Menores revogado (Lei 6.697/1979), que considerava as crianças e os
adolescentes como objetos de medidas judiciais, quando evidenciada a
situação irregular, disciplinada no art. 2º da antiga lei.
2.2 PRINCÍPIOS
Os princípios assumem uma infinidade de hipóteses. Os principais podem
ser encontrados basicamente na Constituição Federal, em seu art. 227 e no Estatuto
da Criança e do Adolescente nos arts. 4º e 100.
2.2.1 Prioridade absoluta
Trata-se do princípio basilar do microssistema, disponível no texto
constitucional (art. 227):
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Bem como no Estatuto da criança e do adolescente (art. 4º e 100, caput,
II).
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e
qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e
prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares;
Assim, a criança, o adolescente e o jovem devem ter seus direitos
efetivados pelos familiares, comunidade, sociedade, Estado e poder público antes
de qualquer outro membro da sociedade. No recurso especial n. 1.308.666, de
Minas Gerais, dje de 16.10.2012, o relator Luis Felipe Salomão faz uso do princípio
da prioridade absoluta para condenar a negligência do Ministério Público na
efetivação de direito de menor.
Em vista do princípio da prioridade absoluta - que impõe ao Estado e, pois,
ao Ministério Público o dever de tratar com prioridade a defesa dos direitos
menoristas insculpido no artigo 227 da Constituição Federal e 4º e 100,
parágrafo único, II, do Estatuto da Criança e do adolescente - é inconcebível
17
que a Promotoria de Justiça que cuida da matéria não esteja dotada da
mínima estrutura indispensável para o exercício de seu importante mister,
isto é, que não conte com os serviços profissionais de assistente social e
psicólogo.
A jurisprudência noticia um caso4 bastante recorrente em que se utiliza do
princípio da prioridade absoluta para justificar o direito à pensão por morte a menor
sob guarda judicial. Ocorre que o art. 33, §3º do Estatuto da Criança e do
Adolescente confere tal direito aos menores, contudo, em diversos ordenamentos
jurídicos previdenciários estaduais e municipais não há tal previsão, assim,
questiona-se o uso de tal regra por serem as leis previdenciárias normas
específicas.
Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de
incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo,
assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas
estabelecidas na CF e no ECA (...) Não é dado ao intérprete atribuir à
norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana
e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial
a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado
Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o
ordenamento jurídico.
Ainda que as lei previdenciárias sejam específica para reger as relações
dos diversos regime próprios de previdência social, o ECA é norma específica das
crianças e adolescentes
(...) o Estatuto da Criança e do Adolescente (...) norma que representa a
política de proteção ao menor, embasada na Constituição Federal (...)
Havendo plano de proteção alocado em arcabouço sistêmico constitucional
e, comprovada a guarda, deve ser garantido o benefício para quem
dependa economicamente do instituidor.
Por fim, interessante mencionar uma corrente doutrinária, da qual é
afiliada Roberto João Elias5, para a qual a proteção absoluta e integral em nenhuma
hipóteses pode ser viabilizada sem conhecer as peculiaridades de cada família, visto
que a instituição familiar é o elemento básico da formação da personalidade das
crianças e adolescentes.6 Segundo Wilson Donizeti Liberati (2010, p. 19):
4
E.g. Recurso em mandado de segurança n. 36.034 de Mato Grosso, relator ministro Benedito
Gonçalves, dje de 15.04.2014.
5
Sobre o assunto, ELIAS, Roberto João. Comentárioas ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 8.
6
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da Criança e do Adolescente. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 20. Aponta que a comunidade partilha das mesmas crenças
e costumes, e nesse sentido são responsáveis por violarem direitos dos menores na área de
18
Por absoluta prioridade entende-se que, na área administrativa, enquanto
não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e
emergencial às gestantes, dignas de moradias e trabalho, não se deveriam
asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc.,
porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes
que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do
governante. Além de descrever e enumerar os direitos da crianças e do
adolescente, o Estatuto indica o mecanismo de sua exigibilidade.
2.2.2 Fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários
Inscrito no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 100, caput, tem
por finalidade informar a aplicação das medidas socioeducativas, ou seja, será eleita
a medida que melhor homenageie o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários de acordo com cada caso – conduta praticada, dano provocado e
situação peculiar do menor. O dispositivo assim reza: “na aplicação das medidas
levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que
visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”.
Nos habeas corpus julgados pelo ministro relator Campos Marques, de
números 242.801/SP, dje de 09.11.2012 e 234.099/SP, dje de 26.10.2012 e pelo
ministro relator Adilson Vieira Macabu, de número 203.624/SP, dje de 06.03.2012,
concedeu-se o mandamus para aplicar a medida de semi-liberdade em substituição
à mais gravosa com base no referido princípio.
(...) a imposição da medida socioeducativa ao infrator constitui instrumento
útil para o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, servindo
como balizamento para sua fixação a capacidade de cumpri-la, as
circunstâncias e a gravidade da infração.
2.2.3 Condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos
Representa a mudança de paradigmas, da teoria da situação irregular
para a teoria da proteção integral. A objetividade jurídica das leis dos menores era a
princípio a repressão a atos infracionais, ilegalidades, e passa a ser o cuidado e
prevenção das situações que colocam a criança e o adolescente em perigo. Está
positivado no Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 100, parágrafo único, I:
“condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e
convivência ou de evitar cuidar de seus direitos. A família tem inúmeras obrigações (poder/dever
familiar), responsabilizando-se pela segurança e bem estar das crianças e adolescentes. O Estado –
legislador, judiciário e executivo – deve dar prioridade e preferência aos direitos dos menores.
19
adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem
como na Constituição Federal”.
No recurso especial n. 1.119.587 de Sergipe, relatado pelo ministro
Arnaldo Esteves Lima, dje de 12.11.2010, essa questão ficou muito bem explicitada,
onde reconhece que a Constituição Federal adotou a nova teoria/sistema da
proteção integral, seguindo a Declaração Internacional dos Direitos da Criança,
tomando os menores como sujeitos portadores de direitos: “a Constituição Federal
alterou o anterior Sistema de Situação de Risco então vigente, reconhecendo a
criança e o adolescente como sujeitos de direitos, protegidos atualmente pelo
Sistema de Proteção Integral”.
2.2.4 Responsabilidade primária e solidária do poder público
Disseminado pelos arts. 4º, 70, 98 e 100, parágrafo único, III, do Estatuto
da Criança e do Adolescente, preconiza a responsabilização solidária da família,
estado e sociedade pela efetivação dos direitos das crianças e adolescentes.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. Art. 98. As medidas de proteção à
criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos
reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou
7
omissão da sociedade ou do Estado;
2.2.5 Interesse superior da criança e do adolescente
Parens patrie, o instituto do direito anglo-saxão pelo qual o Estado era
responsabilizado pelos atos e manutenção das pessoas que hoje em dia estariam na
condição de incapacidade civil, notadamente aplicável aos menores ou com
capacidade de discernimento reduzido.
7
Os demais dispositivos: “Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos
direitos da criança e do adolescente. ECA. Art. 100. Parágrafo único. III - responsabilidade primária e
solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes
por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de
responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da
municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não
governamentais”.
20
No direito inglês, diferenciou-se a tutela estatal entregada aos menores
daquele disposta aos amentais, com gama maior de direitos, aproximando-se
vigorosamente do princípio do melhor interesse.
Com a Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, ratificada pelo Brasil,
o instituto fora internalizado no sistema jurídico pátrio. Posteriormente aplicado ao
Código de Menores, em seu art. 5º, contudo inspirado pela doutrina da “situação
irregular”.
Essa doutrina foi substituída quando da ratificação da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança pela doutrina da “proteção integral”,
mudando-se a orientação do princípio do melhor interesse ou do interesse superior
dos menores.
No Estatuto da Criança e do Adolescente, que veio para adequar a ordem
interna do ordenamento jurídico à nova doutrina, em seu art. 100, parágrafo único,
IV, orienta o poder judiciário e executivo a ponderar cada caso concreto quanto à
possibilidade de atender em primeiro lugar os interesses da criança e dos
adolescentes, quando não implicar em desarrazoado ou desproporcional prejuízo a
outros interesses legítimos.
interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender
prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem
prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no
âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
O Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente caso (CC n.
126.555/SP, relator ministro Raul Araújo, dje de 04.09.2014) afastando a aplicação
da súmula 3838 em face do referido princípio.
Em razão das peculiaridades do caso concreto, é recomendável solução
diversa da preconizada pela Súmula 383/STJ (...) Levando-se em
consideração os interesses dos menores envolvidos na questão, não resta
dúvida de que o juízo que presidiu toda a instrução processual possui
melhores condições de avaliar e decidir a controvérsia, pois interagiu
diretamente com as crianças, seus pais e testemunhas que conviviam com
os menores. Esta conclusão atende melhor o primado da preservação dos
interesses dos infantes.
Além da questão processual da competência do juízo, o princípio do
interesse superior da criança e do adolescente também é questão de mérito,
8
SUM383STJ - A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é,
em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda.
21
podendo-se citar como exemplo o recurso especial n. 984.836, da Bahia, relatora
ministra Nancy Andrihi, dje de 04.08.20099. Andréia Rodrigues Amorin (2010, p. 28):
Muitas vezes, apesar de remotíssima a chance da reintegração familiar,
porque, por exemplo, a criança esta em abandono a anos, as equipes
técnicas insistem em buscar um vinculo jurídico despido de afeto. Procurase uma avó que já declarou não reunir condições de ficar com o neto, ou
uma tia materna, que também não procurou a criança ou limita a visitá-la de
três em três meses, mendigando-se caridade, amor, afeto. Enquanto
perdura esse via crucis, a criança vai se tornando “filha do abrigo”, privada
do direito fundamental à convivência familiar.
2.2.6 Privacidade
Exceção da regra da publicidade, os processos envolvendo menores
devem ser regidos pela privacidade dos atos processuais, com total respeito à
intimidade, imagem e vida privada (art. 100, parágrafo único, V, ECA): “privacidade:
a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada
no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada”.
Lembre-se que o direito à intimidade material – fora do processo – está
previsto constitucionalmente no art. 5º, X: “são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação”.
2.2.7 Intervenção precoce
Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 100, parágrafo único, inciso VI,
previsão legal do princípio da intervenção precoce, que informa a aplicação das
normas de proteção dos direitos e interesses das crianças e adolescentes de
maneira preventiva e acautelatória. Trata-se de efetivo efeito in dubio pro societate:
“intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada
logo que a situação de perigo seja conhecida”.
9
“Ao exercício da guarda sobrepõe-se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
(...) para proteger o (...) Não há, portanto, tutela de interesses de uma ou de outra parte em processos
deste jaez; há, tão-somente, a salvaguarda do direito da criança e do adolescente (...) Melhores
condições, para o exercício da guarda de menor, evidencia, acima de tudo, o atendimento ao melhor
interesse da criança (...) o aparelhamento econômico (...) deve estar perfeitamente equilibrado com
todos os demais fatores sujeitos à” ponderação do Juiz “Considerado o atendimento ao melhor
interesse dos menores, bem assim, manifestada em Juízo a vontade destes (...) deve ser atribuída a
guarda dos filhos à genitora (...)”.
22
Assim, a intervenção estatal é viável com base em simples notícia de
ameaça a direitos ou interesses de menores, não sendo necessário que se
produzam provas fortes e robustas da tal ofensa. No recurso especial n. 1.295.020
do Sergipe, ministra relatora Nanci Andrihi, dje de 02.06.2014, essa questão ficou
bem ilustrada.
(...) os elementos trazidos pelo Órgão Ministerial (...) são, por si sós,
suficientes para revelar uma situação de perigo, consubstanciada em
suposto abuso sexual de menor, a exigir a intervenção precoce e imediata
da autoridade competente, a teor do que dispõe o art. 100, VI, do ECA,
propondo-se, desde logo, a ação pertinente (...) evitar que o menor, em
juízo, seja outra vez provocado a falar sobre acontecimentos que lhe
causam constrangimento e dor (...) impõe que a realização de tais perícias,
em regra, se dê sob o crivo do contraditório.
2.2.8 Intervenção mínima
É o contraposto do princípio da intervenção precoce. A intervenção
mínima é o postulado da atipicidade material por conta do princípio da
insignificância. Além de estar entranhado na doutrina criminalista, esta tipificado
especialmente no ECA (art. 100, Parágrafo único, VII): “intervenção mínima: a
intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja
ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do
adolescente”.
Ainda que em um primeiro momento possa parecer contrário, antagônico,
e inevitável a colidência desses dois princípios, em verdade a aplicação de cada
qual informam hipóteses distintas, tanto na base subjetiva (das partes) quanto na
base objetiva (da situação de perigo posta).
Explica-se, enquanto a intervenção precoce informa os casos em que o
menor encontra-se na posição de subjulgado da violência, o princípio da intervenção
mínima informa os casos em que o menor está na condição de infrator, conflitante
com a lei. Para o primeiro busca-se prevenir um crime contra a criança ou
adolescente, ou então que os menores se coloquem em situação de perigo, e.g.
após ocorrer o abandono material e afetivo passam a trabalhar em condições
insalubres ou perigosas, ou ainda a cometer delitos pondo em risco a sua
segurança.
23
Enquanto isso, a base objetiva do princípio da intervenção mínima são os
fatos típicos praticados por menores – infração análoga a crime – que para desafiar
uma medida socioeducativa deve afetar fortemente o bem jurídico tutelado.
Um exemplo de intervenção mínima processual está no recurso especial
n. 1.296155, do Rio de Janeiro, dje de 20.03.2014, ministro Luis Felipe Salomão,
onde fora criticada a atuação da defensoria pública por não haver mandamento legal
expresso, nem ser hipótese de atuação genérica da instituição, senão vejamos:
A Defensoria Pública (...) tem a função de (...) defesa (...) dos necessitados,
aí incluída a defesa de crianças e adolescentes. Entretanto (...) não deve
ocorrer como substituto processual, agindo de ofício em casos (...) em que o
Ministério Público já havia ajuizado medidas cabíveis em favor do menor
abrigado (...) A atuação (...) como curadora especial (...) deve se dar
somente quando chamada ao feito pelo Juiz (...) em processos em que a
criança ou adolescente seja parte (...) vislumbrada tal necessidade, sob
pena de violação ao princípio da intervenção mínima.
Em outro julgado do Superior Tribunal de Justiça (habeas corpus n.
241.248, de São Paulo, relator Og Fernandes, dje de 27.08.2012) pode-se
vislumbrar a aplicação do princípio da intervenção mínima material.
A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico (...)
exposto a um dano relevante. Inocorrência de tipicidade material (...)
quando a conduta não possui relevância jurídica (...) em face do postulado
da intervenção mínima. É o chamado princípio da insignificância (...)
verificadas: a mínima ofensividade da conduta (...); nenhuma periculosidade
social da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento
10
e; a inexpressividade da lesão jurídica provocada . (...) reconhecer a
mínima ofensividade (...) subtraiu (...) 2 bonés avaliados em R$ 15,00 cada.
2.2.9 Proporcionalidade e atualidade
O primado da proporcionalidade é típico das medidas de política
administrativa, do exercício do poder de polícia característico dos atos do poder
executivo. A medida eleita deve ser suficiente para proteger a sociedade da
irregularidade verificada.
Já o princípio da atualidade entrega caráter de fungibilidade para os
procedimentos envolvendo menores em conflito com a lei. Isso porque enquanto no
direito penal convencional a “pena” é aplicada com base no tempo em que se pratica
o ato descrito como crime, a preceito do Estatuto da Criança e do Adolescente, art.
100, parágrafo único, inciso VIII, a medida socioeducativa deve ser aplicada com
10
Precedente do Supremo Tribunal Federal: habeas corpus n. 84.412, de São Paulo, Ministro Celso
de Mello, dje de 19.11.04.
24
base no tempo em que a decisão é tomada, assim a medida aplicada pode
diferenciar-se
da
medida
cabível
ao
tempo
da
conduta
infracional:
“proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à
situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento
em que a decisão é tomada”.
2.2.10 Responsabilidade parental
Princípio acessório da intervenção do Estado na esfera de direitos dos
menores. Além de precoce e mínima a intervenção não deve afastar a
responsabilidade da família, pelo contrário, deve obrigá-los efetivamente, conforme
dispõe o art. 100, parágrafo único, IX, do ECA: “responsabilidade parental: a
intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para
com a criança e o adolescente”.
2.2.11 Prevalência da família
Basicamente, as medidas socioeducativas são tomadas levando em
consideração a condição peculiar de cada menor de acordo com a sua relação
familiar, se inseridas em um contexto seguro e saudável ou se inseridas em um
contexto violento, inseguro ou mesmo com abandono/omissão.
Nesse sentido, quando a decisão tiver o condão de modificar a relação
familiar, mesmo que por vias colaterais, interferindo no poder familiar, deverá decidir
sobre a adaptação e promover a reintegração à família natural quando possível,
viável, interessante, ou do contrário tentar integrar em uma família substituta.
2.2.12 Obrigatoriedade da informação
Apesar de estar formalmente integrado ao rol dos princípios do art. 100,
parágrafo único, do ECA (inciso XI), trata-se materialmente de uma regra, segundo a
qual, quando um menor estiver sofrendo a intervenção estatal motivado por um
possível conflito com a lei, tanto os menores como seus responsáveis devem
receber toda informação sobre as razões da intervenção, seus direitos individuais,
25
bem como sobre as regras do processo (procedimento, prazos e penalidades de
preclusão).
2.2.13 Oitiva obrigatória e participação
É uma forma derivada do contraditório, que no entanto não procura
exatamente impugnar os fatos ocorridos, mas delimitar de forma mais precisa a
situação em que a família se encontra com o fim de que a medida socioeducativa
seja dada para melhor promover os direitos e a proteção dos menores.
Art. 100. Parágrafo único. XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o
adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de
pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito
a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção
dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada
o
pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1 e
o
2 do art. 28 desta Lei.
A criança e o adolescente, então, na companhia de seus pais ou
responsáveis, têm o direito de serem ouvidos e de tomar parte nos atos e na fixação
da medida de promoção dos direitos de proteção. Ao ser fixada a medida, o menor
deverá
ser
citado
e
informado
da
acusação
que
recebe.
26
3 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
As disposições gerais das medidas socioeducativas encontram-se
previstas nos artigos 112 a 114 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas
medidas são aplicadas aos adolescentes que incidem na prática de ato infracional.
São medidas jurídicas de conteúdo pedagógico, com a finalidade de proteger e
educar o adolescente em conflito com a lei, sem a intenção de submetê-lo ao
cumprimento de uma pena, mesmo tendo um caráter sancionador.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê qual medida será aplicada
pela autoridade competente caso o adolescente venha a cometer ato infracional,
conforme é mencionado no art. 112 do ECA, in verbis:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente
poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das
previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará
em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da
11
infração.
O art. 114 do ECA ressalta que “as medidas dos artigos II e VI do art. 112
somente poderão ser aplicadas quando existir provas da autoria e da materialidade
da infração, ressalvada a hipótese de remissão nos termos do art. 127.”
Contudo, as medidas socioeducativas visam a inserção do adolescente
na sociedade e no ambiente familiar, além de prevenir a delinquência juvenil.
3.1 ADVERTÊNCIA
Esta medida é considerada a mais leve. Está prevista no artigo 115 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, onde estabelece que “a advertência consistirá
em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”. Alguns
doutrinadores entendem que poderá ser fundamentada em simples indício de
autoria, se estiver presente a prova de materialidade.
Nesse sentido, ressalta Roberto João Elias (2010, p.156):
11
Diz o parágrafo segundo do referido dispositivo “em hipótese alguma e sob pretexto algum, será
admitida a prestação de trabalho forçado”. Diz o parágrafo terceiro do referido dispositivo: “os
adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e
especializado, em local adequado às suas condições”.
27
Sendo a medida mais simples, a de advertência não exige que o fato tenha
sido apurado tão rigorosamente, uma vez que consistirá em admoestação
verbal, sem maior repercussão. Entretanto, as constantes dos incs. I a VI
são medidas com reflexos mais graves, e assim sendo, há necessidade de
provas suficientes da autoria e da materialidade da infração.
A medida de Advertência tem como objetivo esclarecer ao adolescente
que sua conduta não foi adequada ou conveniente. Essa medida é aplicada quando
o ato infracional cometido for de natureza superficial, ou seja, leve. Ou até mesmo
quando o adolescente for primário.
Para Valter Kenji Ishida (2010, p. 217):
Prevê o ECA a medida de advertência consistindo em admoestação, ou
seja, a leitura do ato cometido e o comprometimento de que a situação não
se repetirá. Assim, atos infracionais como de adolescente que cometa, pela
primeira vez, lesões leves em outro ou vias de fato, podem levar à aplicação
desta medida.
A lei não prevê se a advertência poderá ser aplicada mais de uma vez ao
infrator, mas a intenção é a aplicação dela uma única vez, pois se o adolescente
cometer outro ato infracional, existe outras medidas para impor a ele, já que o
mesmo não será mais primário. Caso a advertência fosse aplicada várias vezes, a
ressocialização do infrator estaria sendo prejudicada, pois um dos seus objetivos é
proporcionar ao adolescente benefícios que o leve a pensar que o ato que cometeu
não está de acordo com a sociedade, e que tal ato não voltará a acontecer.
3.2 OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO
Esta medida socioeducativa está prevista no artigo 116 do Estatuto da
Criança e do Adolescente e tem como objetivo fazer com que o adolescente observe
que o seu ato não foi correto. Fica evidente que tal medida é adotada quando o
adolescente causou algum dano material à vítima, podendo o mesmo ser reparado
pelo infrator. Reparação essa que ocorre com o ressarcimento ou a devolução da
coisa ou objeto, conforme artigo 116, caput, ECA.
O parágrafo único desse artigo prevê que caso o adolescente não tenha
condições de reparar o dano causado à vitima, esta medida será transformada em
outra medida em meio aberto, são elas: prestação de serviço a comunidade e
liberdade assistida, in verbis:
Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a
autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a
28
coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o
prejuízo da vítima. Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a
medida poderá ser substituída por outra adequada.
Nesse sentido, menciona Wilson Donizeti Liberati (2010, p.105):
O art. 116 do ECA apresenta três hipóteses de satisfação da obrigação, a
saber: a devolução da coisa; o ressarcimento do prejuízo; e a compensação
do prejuízo por qualquer meio. A medida indicada apresenta - na escolha do
meio de reparação – caráter facultativo, dependendo das circunstâncias de
cada caso concreto e pelas condições do infrator.
A obrigação de reparar o dano, como medida socioeducativa, deve ser
suficiente e tem a finalidade de despertar no adolescente o senso de
responsabilidade social e econômica em face do bem alheio. A medida deve buscar
a reparação do dano causado à vítima tendo sempre em vista a orientação
educativa a que se presta e o senso de responsabilidade em cima daquilo que não é
seu.12
Vale ressaltar, que quando um adolescente com menos de 16 anos de
idade for avaliado culpado e obrigado a reparar o dano causado, em razão de
sentença definitiva, a responsabilidade de restituição do bem à vítima, caberá
excepcionalmente aos pais ou responsáveis. Acima de 16 e abaixo de 21 anos, o
adolescente será solidário com os pais ou responsáveis quanto às obrigações que
resultaram do ato infracional por ele atentado.13
Entende-se então, que esta medida tem um caráter educativo e
sancionatório, já que através dela o infrator passa a avaliar a gravidade e as
consequências de sua conduta. O infrator reconhece que ele é realmente o culpado
pelos danos causados à vitima, e que reparar este dano é importante, portanto,
consertar o prejuízo pode fazer com que o adolescente se sinta responsável pelos
seus atos, trazendo consigo o senso de responsabilidade.
12
Nesse sentido: ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente. 11 ed. São Paulo:
Editora Atlas, p.217.
13
Nesse sentido: LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo:
Malheiros Editores, 1991, p.59.
29
3.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE
É uma medida socioeducativa que versa em realizar atividades gratuitas
de interesse coletivo em órgãos públicos assistenciais, devendo ser cumpridos os
horários estabelecidos quando a medida é imposta.
Esta medida está elencada no Art. 117, onde dispõe que:
A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas
gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto
a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos
congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
A aplicação da medida socioeducativa Prestação de Serviços à
Comunidade é de grande importância, pois é realizada pelo próprio adolescente que
cometeu ato infracional e que atingiu de alguma forma a sociedade com o seu ato
delituoso. O parágrafo único do artigo 117 determina que o adolescente cumpra no
máximo 08 (oito) horas semanais de tarefa sem prejudicar sua vida escolar ou de
trabalho, in verbis:
Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do
adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas
semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a
não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho.
Não poderá ser o adolescente submetido a trabalho forçado, e a
prestação de serviços imposta a ele, deverá ser expressamente aceita pelo mesmo.
A medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade não poderá ser
confundida com a prevista no Código Penal, pois nesse instrumento, em seu artigo
46 é prevista a prestação de serviços à comunidade, mas possui natureza de pena
alternativa, que é substitutiva de uma pena privativa de liberdade.14
Portanto, tendo em vista o caráter pedagógico dessa medida, as
particularidades do adolescente deverão ser observadas, para que a aplicação desta
medida seja imposta de uma forma correta, evitando atingir de uma forma negativa
seu desenvolvimento pessoal e educativo.
Para Wilson Donizeti Liberati (2010, p. 106):
Como as demais medidas socioeducativas, tem natureza sancionatóriopunitiva e, também, com grande apelo comunitário e educativo, a medida
socioeducativa de prestação de serviços a comunidade constitui medida de
excelência tanto para o jovem infrator quanto para a comunidade. Esta
14
Nesse sentido: DUPRET, Cristiane. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Editora Ius,
2010, p. 175.
30
poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral do adolescente. Ao
jovem valerá como experiência de vida comunitária, de aprendizado de
valores e compromissos sociais.
Com
sua
intenção
educacional,
esta
medida,
possui
conteúdo
pedagógico, pois responde aos anseios da sociedade a partir do momento em que o
povo percebe que o adolescente está sendo integralizado novamente com a
comunidade em que vive, já que o ponto importante dessa medida é não ser uma
pena restritiva de liberdade, dando chance ao adolescente de se envolver com
sociedade de uma forma natural, trabalhando por todos.
3.4 LIBERDADE ASSISTIDA
A medida socioeducativa de Liberdade Assistida tem o fim de
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, para que este desenvolva um bom
relacionamento com a família e com a sociedade; é acompanhado nas atividades
escolares e profissionalizantes, para inserção no mercado de trabalho, conforme
dispõe o artigo 18 do Estatuto (Lei 8.069/90), in verbis:
Art.18 A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida
mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
§1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a
qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.
§2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses,
podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por
outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.
Nesse sentido, menciona Wilson Donizeti Liberati (2010, p.107):
A medida socioeducativa de liberdade assistida é uma medida que impõe
obrigações ao adolescente de forma coercitiva. Ela é desenvolvida por meio
de acompanhamento do infrator em suas atividades sociais (escola, família,
trabalho).
Esta medida será aplicada, exclusivamente quando ela for a mais
adequada para ser utilizada no caso em questão. Vale ressaltar, que a medida de
Liberdade Assistida será aplicada ao infrator se contra ele existir “provas suficientes
de autoria e materialidade da infração”, conforme caput do artigo 114, com ressalva
do artigo 127 do mesmo estatuto.
A aplicação e utilização correta dessa medida, levando em consideração
o tempo de máximo de realização da mesma, contribuirão para a ressocialização do
menor, já que sua intenção é a mudança no comportamento do adolescente e fazer
31
com que ele tenha novos pensamentos quanto a sua forma de agir e quanto à
formação de uma vida social mais tranquila.
A aplicação da liberdade assistida deverá obedecer a um prazo mínimo,
que é de um semestre. O adolescente será assistido apenas nos horários que não
estiver realizando seus afazeres particulares, como trabalho ou estudo.
Para execução desta medida, é nomeado pelo Juiz competente, um
orientador, cujo papel destinado a ele é de suma importância. Ele tem o papel de
auxiliar, acompanhar e conduzir a medida ao adolescente em conflito com a lei. Com
isso, o orientador não tem apenas responsabilidade pelo adolescente, mas também
pela família do mesmo.
O orientador tem a função de realizar relatórios do caso, para uma
facilitação da análise judicial, a qual é realizada pela autoridade competente. O
relatório é de extrema importância, pois, com ele, o Juiz irá verificar se há
necessidade da medida de Liberdade Assistida ser substituída por uma outra
medida, ou até mesmo se poderá ser revogada ou consertada. Seu papel também é
impor ao adolescente atividades que o induza a ser aceito na sociedade sem perder
sua personalidade de jovem. Muitos dos orientadores têm receio de orientar alguns
adolescentes, pelo fato de estes terem se envolvido na prática de atos infracionais.
Nesse contexto, Moacir Rodrigues (1995, p. 27) afirma:
A recomendação legal é no sentido de que seja designada pessoa
capacitada para acompanhar o caso, podendo ser recomendada por
entidade ou programa de atendimento. Na prática, nós juízes de todo o País
lutado com dificuldades para encontrar pessoas que queiram aceitar a
função de orientador. Maioria das pessoas tem receio de lida de perto
adolescentes envolvidos com aos infracionais pela dificuldade de fazer o
acompanhamento, especialmente pelo fato de serem criados com ausência
de autoridade paterna ou até mesmo materna.
Quando se fala em medida socioeducativa de meio aberto, verifica-se que
a liberdade assistida é avaliada como a mais grave, até porque ela poderá ser
substituída por outra medida se o adolescente não cumprir as regras aplicadas a ele
na sentença, ou até mesmo se não seguir as recomendações de seu orientador. Se
isso acontecer, a medida de liberdade assistida poderá ser substituída por outras
medidas, até mesmo pela medida socioeducativa de internação.15
15
Nesse sentido: FONSECA, Antônio Cezar Lima da. Direito da Criança e do Adolescente. São
Paulo: Editora Atlas, 2011, p.34.
32
Verifica-se então que a medida de Liberdade Assistida caracteriza-se pela
inclusão do menor na sociedade, e na sua família, com o objetivo de desenvolver
sem perturbações sua vida escolar e profissional. É aplicada então, àqueles
adolescentes que cometem atos infracionais, necessitando de auxílio, orientação e
acompanhamento, que será executado por uma pessoa capacitada
para
acompanhar o caso do adolescente, chamado de orientador.
3.5 REGIME DE SEMILIBERDADE
Seguindo a ordem das medidas socioeducativas, o Estatuto da Criança e
do Adolescente, dispõe sobre a medida de Semiliberdade em seu artigo 120, onde
prescreve:
O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o inicio, ou como
forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de
atividades externas, independentemente de autorização judicial. §1º São
obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que
possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. §2º A medida
não comporta prazo determinado, aplicando se, no que couber, as
disposições relativas à internação.
Com a semiliberdade o adolescente permanece internado em local
adequado, levando em consideração, que para ser aplicada, precisa-se de uma
Unidade de internação para adolescentes, sendo indispensável uma estrutura
confortável. Deverá haver dormitórios apropriados, alimentação, direção e corpo
técnico. Fatores fundamentais que formam uma composição necessária para
acompanhamento do adolescente. O corpo técnico da unidade deverá realizar
relatórios circunstanciados dos adolescentes que ali se encontram internados, os
quais deverão ser enviados a autoridade judiciária.16
Neste regime, o adolescente ficará internado durante a noite, podendo,
durante o dia realizar atividades externas realizadas por tempo indeterminado e sem
prazo de duração. Sendo caracterizada como uma internação parcial, já que fica
privado de sua liberdade necessariamente no período noturno, e realiza atividades
em meio aberto no período diurno.
Valter Kenji Ishida (2010, p. 226) menciona:
16
Nesse sentido: RODRIGUES, Moacir. Medidas socioeducativas. 2 ed. Belo Horizonte: Editora Del
Rey, 1995, p. 32.
33
A lei prevê também o regime de semiliberdade, onde o adolescente
permanece internado no período noturno, podendo, contudo realizar
atividades externas. Dentre essas atividades, incluem-se a escolarização e
a profissionalização. Não há prazo de duração determinado, dependendo de
avaliação a cada seis meses como na internação pelo Setor Técnico.
Corresponde no sistema penal ao regime semiaberto.
Verifica-se que (LIBERATI, 2003, p. 111) “existem dois tipos de
semiliberdade: o primeiro é aquele tratamento tutelar determinado desde o início
pela autoridade judiciária através do devido processo legal; o segundo caracterizase pela progressão de regime: o adolescente internado é beneficiado com a
mudança de regime, do internato para a semiliberdade (Art.120)”.
Entende-se que esta medida é aplicada ao adolescente em conflito com a
lei de dois modos: desde o início, sendo a medida aplicada como uma recompensa
para aquelas infrações de menor potencial ofensivo, se comparada com a sanção de
internação aplicada para aqueles atos infracionais de maior potencial ofensivo, como
também a progressão de regime, beneficiando, contudo, o infrator.
Conforme ensinamentos de Roberto João Elias (2010, p.164):
A medida pode ser aplicada desde o início, quando, pelo estudo técnico, se
verificar que é adequada e suficiente do ponto de vista pedagógico. Pode
ser, ademais, aplicada como forma de transição para o meio aberto, isto no
caso do adolescente que sofreu medida de internação. Se este deixou de
representar perigo à sociedade, deve passar para um regime mais ameno,
em que possa visitar os familiares e freqüentar escolas externas ou
trabalhar.
Em suma, a medida socioeducativa de semiliberdade é uma maneira mais
branda e atenuada de se aplicar uma sanção, quando se trata de privação de
liberdade do adolescente, deixando evidente que há um certo limite no direito de ir e
vir do menor. Ela é caracterizada pela privação parcial da liberdade do adolescente
em conflito com a lei, ou seja, ele poderá realizar atividades externas, independente
de autorização judicial.
Por fim, só poderá ser aplicada a medida de semiliberdade, mediante
provas suficientes de autoria e de materialidade, como dispõe o artigo 114, caput, do
Estatuto da Criança e do Adolescente.17
3.6 INTERNAÇÃO
17
Nesse sentido: FONSECA, Antônio Cezar Lima da. Direito da Criança e do Adolescente. São
Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 344.
34
Está prevista no artigo 121 do ECA. Esta medida existe antes do Estatuto
ser criado. Ela foi herdada do Código Penal, mas hoje em dia sofre com constantes
mutações, pois no início ela surgiu com um intuito repressivo, e hoje nada mais é,
que uma medida socioeducativa de caráter educativo.
A medida de internação é considerada a mais grave e mais severa entre
todas as medidas socioeducativas citadas anteriormente. Alcançando o prazo
máximo de 3 (três anos), o adolescente será liberado e inserido na Semiliberdade ou
na Liberdade Assistida (121, § 6º, ECA). E ao completar 21 (vinte e um) anos de
idade, o adolescente será liberado de forma compulsória, caso ainda esteja
cumprindo medida de internação (art. 121, § 5º, ECA) A Internação está prevista no
artigo 121 do ECA, dispondo dessa forma:
Art. 121. A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos
princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento. § 1º Será permitida a realização de atividades
externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa
determinação judicial em contrário. § 2º A medida não comporta prazo
determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão
fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3º Em nenhuma hipótese
18
o período máximo de internação excederá a três anos.
Esta medida representa privação de liberdade exigida pela sociedade. A
internação submete-se aos “princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito a
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (art. 121, do ECA).
O princípio da brevidade, diz que a internação deverá ser cumprida por
um prazo máximo de três anos, mesmo não tendo prazo determinado na sentença
pelo juiz. Fala-se em regra, pois o Estatuto prevê outros prazos também de grande
importância.19
De acordo com o princípio da excepcionalidade, a medida de internação,
por ser considerada a medida mais severa, somente poderá ser aplicada nos casos
expressos de modo taxativo no artigo 122 do ECA. Eventual sentença que não
18
. Diz o parágrafo quarto: “atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá
ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida”. Diz o parágrafo quinto:
“a liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade”. Diz o parágrafo sexto: “em qualquer
hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público”.
19
Nesse sentido: DUPRET, Cristiane. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Editora Ius,
2010, p. 179.
35
estabelecer a medida da forma correta, ou seja, fora dos casos previstos no artigo
122, será nula, por violar o disposto em lei.20
O terceiro e último princípio, que é o do respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento, está disposto no artigo 125 do Estatuto da Criança e
do Adolescente, que prevê: “é dever do Estado zelar pela integridade física e mental
dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e
segurança”.
Além disso, quanto a aplicação da medida de internação, deverá ser
respeitada as hipóteses previstas no artigo 122 do ECA, que dispõe três situações
para impor tal medida.
Quanto a isso afirma Wilson Donizeti Liberati (1991, p. 66):
A autoridade judiciária somente poderá aplicar a medida socioeducativa de
internação quando: I – Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave
ameaça ou violência à pessoa; II – Por reiteração no cometimento de outras
infrações graves; III – Por descumprimento reiterado e injustificável da
medida anteriormente imposta (Art. 122). O elenco de condições é taxativo
e exaustivo, não havendo possibilidade de aplicação da medida fora das
hipóteses apresentadas.
Muitos doutrinadores creem que a medida de internação, assim como as
demais medidas, tem finalidade educativa e pedagógica, que expõe a proposta de
novos pensamentos e comportamentos dos adolescentes em conflito com a lei
diante da sociedade.
Com isso, Elcio Resmini Meneses (2008, p. 211) expõe pensamento
diverso:
A internação que se apresenta no sistema socioeducativo, tal como a prisão
do sistema penal, não tem qualquer finalidade educativa [...] se educativa é
a construção do sujeito, individualmente, com a construção de valores para
reconhecimento de sua cidadania, em nada contribui o isolamento do
adolescente infrator, menos ainda quando o atual modelo socioeducativo
impõe disputas internas de espaço, eis que flagrante é a superlotação das
casas.
Verifica-se que a medida de internação é considerada grave, pois a
liberdade do adolescente está sendo privada. Esta medida tem o objetivo de
socioeducar, sancionar e disciplinar o adolescente para que ele não volte a cometer
atos infracionais prejudiciais à sociedade.
20
Nesse sentido: DUPRET, Cristiane. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Editora Ius,
2010, p. 182.
36
O artigo 123 do ECA estabelece que essa medida deverá ser cumprida
em entidades específicas, e atender às exigências de um ambiente adequado, in
verbis:
Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para
adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida
rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da
infração. Parágrafo único, Durante o período de internação, inclusive
provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas.
O § 1º do artigo 121 do Estatuto estabelece sobre as atividades que
deverão ser realizadas na Unidade de Internação. Essas atividades ficarão a critério
da equipe técnica, salvo determinação judicial em contrário.
Segundo Antônio Carlos Gomes da Costa (2006, p. 68):
A possibilidade de realização de atividade externa – salvo expressa
determinação em contrário da autoridade judicial – é um dado revelador da
consciência do legislador estatutário em relação à necessidade de mitigar
os danos advindos de sua aplicação.
Na internação, o adolescente estará sujeito a diferentes atividades
educativas e recreativas, que englobam: instrução, religião, esporte, trabalho, e
recreação.21
Em suma, o adolescente privado de sua liberdade poderá realizar
atividades externas e internas. Essas atividades externas podem ser cursos relativos
à saúde, humanização, conscientização, prevenção de doenças, entre outros. Com
esses cursos realizados dentro e fora da Unidade de Internação, o adolescente
interno estará de certa forma, preparando-se para o mercado de trabalho ao
integrar-se novamente na sociedade.
A medida em questão priva a liberdade do adolescente e é resultante de
um processo judicial. Tem como alvo os jovens entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos,
que vêm a cometer atos infracionais. Ela deverá ser aplicada mediante o
cometimento de ato infracional de grave ameaça ou violência à pessoa, ou quando o
adolescente for considerado reincidente no cometimento de infrações.
Levando em conta o prazo máximo de 3 (três) anos de internação o
adolescente será liberado e passará a cumprir medida de Semiliberdade ou de
Liberdade Assistida. E esse prazo deverá ser analisado conjuntamente com a idade
máxima permitida para internação, que é de 21 (vinte e um) anos.
21
Nesse sentido: ALBERGARIA, Jason. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Rio de Janeiro: Editora Aide, 1991, p. 133.
37
Cristiane Dupret (2010, p. 198) expõe seu entendimento, nesse sentido:
O prazo máximo de três anos deve ser analisado conjuntamente com a
idade máxima permitida para o cumprimento da internação, que é de 21
anos, consoante disposto no parágrafo 5º do artigo 121. Tal limite máximo
de idade foi estabelecido pelo legislador justamente levando em conta o
prazo máximo de três anos. Se não houvesse a possibilidade de aplicação
de internação até os 21 anos, o adolescente que praticasse o ato próximo à
data completar a maioridade provavelmente não receberia a medida.
Em suma, compreende-se que a medida socioeducativa de internação
trata-se da privação de liberdade; o adolescente realizará atividades internas e
externas; a cada seis meses deverá ser avaliado o comportamento do adolescente
pela equipe técnica; não poderá ser excedido o prazo de 3 (três) anos de sua
aplicação, e atingindo tal limite o adolescente será liberado e passará a cumprir
medidas de meio aberto; a desinternação do adolescente deverá ser efetuada
apenas com autorização judicial; e o mais importante: as unidades socioeducativas
deverão ter um plano eficaz de desenvolvimento do adolescente, para que o mesmo
volte a ser inserido na sociedade devidamente capaz.
38
4 TEORIA DOS ATOS INFRACIONAIS E REGIME DE PENALIZAÇÃO
De acordo com a teoria dos atos infracionais, são condenáveis os atos
descritos como crime, porém com as penalidades descritas no ECA. Se o infrator for
pessoa menor de 18 anos ao tempo em que praticar a conduta. Se tiver idade até 12
anos de idade aplicam-se as chamadas medidas de proteção com processamento
perante os conselhos tutelares, se tiver entre 13 e 17 anos são aplicáveis as
medidas socioeducativas, mediante apuração regular pela Delegacia da Criança e
do Adolescente e processamento pelo poder judiciário, notadamente nas varas dos
juizados especiais da criança e adolescentes.
O conceito legal de ato infracional é “a conduta descrita como crime ou
contravenção penal”, de acordo com o art. 103 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. E de acordo com Eduardo Roberto de Alcântra del Campo e Thales
César de Oliveira (2005, p. 125) o Estatuto adotou a teoria tripartida do “ato
infracional”, pelo qual deve-se verificar a tipicidade, antijuridicidade e a culpabilidade,
de outro lado, Valter Kenji Ishida (2006, p. 137) defende a adoção da teoria finalista
ou bipartida, representada pela tipicidade a antijuridicidade.
Essa divergência surge justamente porque é excluída a imputabilidade,
elemento da culpabilidade. Como sugerido pela primeira corrente, há no direito penal
uma teoria do crime que o consagra com três elementos, a tipicidade,
antijuridicidade e a culpabilidade, sendo que este é composto pela potencial
consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e a imputabilidade, sendo
esta irrelevante para a teoria dos atos infracionais, por força tanto da Constituição
Federal, como do Código Penal e do Estatuto da Criança e do adolescente,
respectivamente nos arts. 288, 27 e 104, referido e colacionado infra.
Cristiane Dupret (2010, p. 157) diz que “o menor de 18 anos não atende
um dos elementos da Culpabilidade. Logo, (...) não comete crime; comete apenas
um ato análogo a um injusto penal (fato típico e ilícito)”. Se bem que, em verdade, e
não se pode negar, o ato infracional será análogo a um crime e não a um injusto
penal, pois admite-se que todo ato infracional é um injusto penal.
39
4.1 IMPUTABILIDADE PENAL
4.1.1 Conceito de imputabilidade
Imputabilidade é a capacidade de percepção, de compreender a
característica ilícita de uma conduta. Nesse sentido é necessário que o agente
detenha condições físicas e mentais para enxergar que está cometendo um ilícito
penal.
Além disso, a imputabilidade requer que o sujeito tenha condições de
controlar a própria vontade.
Outrossim, diz-se imputável aquele que detém capacidade de intelecção e
controle do animus. Por isso a imputabilidade é o raio-x do intelecto criminoso, a
capacidade de entendimento. Por outro lado, também representa a opcionalidade de
comandar as suas necessidades. Esses dois elementos são cumulativos e faltando
qualquer um deles faltará a imputabilidade, o sujeito será inimputável.
Imputabilidade não se confunde com capacidade, pois é apenas uma
espécie desse gênero. A imputabilidade pode ser lida inclusive como capacidade
para efeitos penais, contudo a capacidade em sentido lato é muito mais ampla, e
compreende também a capacidade postulatória, para prática de atos processuais,
ambas adquiridas somente após os 18 (dezoito) anos.
Imputabilidade diz respeito à vontade do agente, mas não se confunde
com o dolo também, pois aquele é a capacidade de controlar a vontade, enquanto
esse é o livre exercício da vontade, a vontade livre e consciente. Pode ocorrer um
crime com dolo, mas sem imputabilidade (tecnicamente não há que se falar em
ocorrência do crime uma vez que a imputabilidade é um de seus sub-requisitos).
Da mesma forma, também não se confunde com responsabilidade, uma
vez que essa está em um patamar mais elevado, trata-se da aptidão para receber
uma punição, a qual requer seja o agente imputável, consciente potencial da ilicitude
e exigível que se pratique conduta diversa. Logo, o imputável pode não ser
responsável pelo crime se não lhe for exigida conduta diversa da praticada ou não
houver condições de conhecer do caráter injusto da conduta.
Imputável é o sujeito que não é inimputável, ou seja, é imputável aquele
agente que não está encoberto por uma das causas excludentes da imputabilidade,
quais sejam: a detenção de doença mental incapacitante, o não desenvolvimento
40
mental completo; o desenvolvimento mental retardado; e a embriaguez acidental ou
por caso fortuito ou força maior.
A doença mental incapacitante o importuna abalo mental ou psicológico
provocado por qualquer meio suficiente para ceifar a competência de compreensão
do caráter injusto da conduta ou para deter os impulsos/vontades. No caso da
dependência química/psicotrópica ser diagnosticada como uma doença, poderá dar
causa à inimputabilidade se preencher esses requisitos.
A falta de desenvolvimento mental completo verifica-se pela questão
cronológica (menoridade) ou pelo convívio social incompetente (imaturidade). Assim,
os menores de 18 (dezoito) anos são legalmente considerados inimputáveis pelo art.
27 do Código Penal, falta de desenvolvimento mental completo cronológico, as
comunidades isoladas que não estão integradas ao meio ambiente urbano, falta de
desenvolvimento mental completo por convivência incompetente. Contudo, no
primeiro caso a lei determina o marco fixo, mas no segundo caso é necessária a
prova pericial da inimputabilidade22.
No que toca ao desenvolvimento mental retardado, seu critério é o estado
biológico, embora cronologicamente aparente ser imputável sua condição biológica,
de estágio de desenvolvimento encontra-se sensivelmente abaixo da média
considerada para aquele nível etário.
Não se confunde com o não desenvolvimento completo onde o agente
não tem maturidade psíquica por causa da sua precoce fase etária ou da ausência
de suficiente conhecimento empírico. Pois o que ocorre é que a capacidade fica a
quem das expectativas, como no caso dos débeis mentais e ou surdo-mudos
(deficientes sensoriais).
A embriaguez por seu turno exclui a capacidade de entendimento e a
vontade do agente, por meio de intoxicação perene, que pode se dar tanto pela
ingestão de álcool ou pelo consumo de substâncias psicotrópicas entorpecentes,
estimulantes e/ou alucinógenos.
22
Nesse sentido RHC n. 84.308/MA, dje de 24.02.2006. “É dispensável o exame antropológico
destinado a aferir o grau de integração do paciente na sociedade se o Juiz afirma sua imputabilidade
plena com fundamento na avaliação do grau de escolaridade, de fluência na língua portuguesa e do
nível de liderança exercida na quadrilha, entre outros elementos de convicção” (HC n. 85.198/MA, dje
de 09.12.2005).
41
A embriaguez pode ser acidental voluntária, acidental culposa ou não
acidental. Na primeira, o consumo da substância intoxicante ocorre com o fim de
embriagar-se (denominada também embriaguez dolosa).
Na culposa a ingestão ocorre sem intenção, por imprudência, por abuso.
Já na embriaguez não acidental não há violação à imputabilidade.
4.1.2 Inimputabilidade, impunidade e ineficácia
Talvez o primeiro enfrentamento da “inimputabilidade” penal do menor
seja a tese da “impunidade” do menor, segundo a qual a não imputação dos efeitos
ordinários da lei penal aos menores equipara-se à impossibilidade de puní-los pela
prática de fato típico.
O segundo enfrentamento é a questão da baixa eficiência das punições
impostas aos menores delituosos.
Primeiramente, deve-se conceituar a inimputabilidade para fins penais dos
menores, que segundo Oscar Joseph de Plácido e Silva (2012, p. 224), o termo
inimputabilidade, qualquer que seja os fins de direito, se penal, civil ou
administrativa, indica que o sujeito a quem é atribuída essa característica não é
responsabilizado pelos atos praticados.
Ocorre
que
nossa
legislação
nem
sequer
chega
a
afastar
a
responsabilidade para efeitos penais (no caso dos adolescentes) ou transfere a
responsabilidade penal para a administrativa (no caso das crianças). Senão vejamos
o que dispões o art. 228 da Constituição Federal, 27 do Código Penal e 104 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às normas da legislação especial. Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos
são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na
legislação especial. Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de
dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
O que se denota é que a legislação penal ordinária não é aplicável de
plano aos menores, dependendo de regras específicas, em legislação especial, para
tratar da responsabilidade penal e administrativa dos menores de dezoito anos.
Há quem sustente que os menores não respondem penalmente por não
terem discernimento sobre os atos que praticam e nesse sentido questionam a
justiça da inimputabilidade, contudo este não é o entendimento da doutrina moderna.
42
Questão
de
política
criminal
–
atualmente
entende-se
que
a
“inimputabilidade dos menores” não se trata de uma condição especial de falta de
discernimento, mas de uma questão estrita de política criminal.
Ao elaborar o sistema jurídico penal o destina a um grupo de pessoas
consideradas como completamente formadas em seu aspecto psíquico e fisiológico.
Sendo que as demais pessoas, tendo ou não discernimento, parcial ou completo,
devem responder penalmente através de regras especiais que levem em
consideração os seus aspectos psíquico e fisiológico próprios.
Nesse sentido o Estatuto da Criança e do Adolescente atribui uma forma
de responsabilização penal própria para indivíduos com até doze anos e para
indivíduos de treze a dezessete anos.
4.2 PRESCRIÇÃO
Em diversas oportunidades23 o Superior Tribunal de Justiça decidiu que
aos atos infracionais é aplicável o disposto no Código Penal quanto à questão da
prescrição, ou melhor, aplicável às medidas socioeducativas, até que sumulou tal
entendimento24.
De acordo com o Código Penal, art. 109 e 110, o tempo de prescrição no
direito penal varia conforme a pena aplicável, sendo que antes de transitar em
julgado a pena de referência é aquela, em abstrato, considerável a máxima possível,
e após, a pena da condenação em concreto.
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo
o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena
privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) IV - em 8 (oito)
anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4
(quatro); V - em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano
ou, sendo superior, não excede a 2 (dois); VI - em 2 (dois) anos, se o
máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. VI - em 3 (três) anos, se o máximo
da pena é inferior a 1 (um) ano.
23
REsp. n. 171.080/MS, dje de 15.04.2002; REsp. n. 341.591/SC, dje de 24.02.2003; REsp. n.
489.188/SC, dje de 29.09.2003; HC n. 30.028/MS, dje de 09.02.2004; REsp. n. 602.178/MG, dje de
17.05.2004; REsp. n. 598.476/RS, dje de 07.06.2004; REsp. n. 605.605/MG, dje de 18.10.2004; RHC
n. 15.905/SC, dje de 03.11.2004; HC n. 34.550/RJ, dje de 07.03.2005; REsp. n. 564.353/MG, dje de
23.05.2005; HC n. 45.667/SP, dje de 28.11.2005.
24
STJ 338 – A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas.
43
4.3 DA APLICAÇÃO DA PENA
Vencida a questão da penalização nos ilícitos penais cometidos por
menores, é de bom grado ressaltar alguns pontos salientes quanto à própria
aplicação das penas, ainda abstratamente falando.
4.3.1 Competência / atribuição
O direito é tão dialético que em alguns casos em que se acirram mais as
discussões acabam surgindo conclusões um tanto quanto óbvias, a questionar a
seriedade do sistema. Nesse sentido são algumas súmulas da jurisprudência
predominante do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
Felizmente em alguns casos a obviedade encobre uma questão realmente
complexa, relacionada à necessidade de desafiar um procedimento mais formal de
homogeneização da jurisprudência. O exemplo de referência aqui é a súmula n. 108
do STJ, a preceito dos art. 112 e 146 do ECA.
STJ 108 – A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela
prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz. Art. 112.
Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá
aplicar ao adolescente as seguintes medidas: Art. 146. A autoridade a que
se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce
essa função, na forma da lei de organização judiciária local.
Os precedentes do pretório referem-se a casos em que serventuário da
justiça, cartorário, é encarregado de executar medidas socioeducativas de
advertência e admoestação verbal25, ou do Ministério Público que firma remissão
cumulada com aplicação de medida socioeducativa sem homologação judicial26.
25
REsp. n. 104.485/DF, dje de 15.04.2002: “Reveste-se de ilegalidade a audiência de admoestação
verbal - determinada por ocasião da homologação de remissão cometida a menor infrator, cumulada
com medida sócio-educativa de advertência – conduzida por oficial do Cartório da Vara especializada.
II. Nos termos do art. 112 c/c o art. 146 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é função
indelegável do Juiz a aplicação de medida sócio-educativa. III. Recurso provido, para que se
determine a realização de novas audiências de advertência, de acordo com os procedimentos
previstos na Lei n.º 8.069/90.
26
REsp. n. 28.886/SP, dje de 05.04.1993: “O Ministério Público pode conceder a remissão com força
de exclusão do processo. Urge, porém, homologação judicial, quando implicar aplicação de medida
sócio-educativa. embora não se trate de pena (sentido criminal), e sanção, garantida o contencioso
administrativo (...)”. No mesmo sentido: REsp. n. 26.049/SP, dje de 22.03.1993; RMS n. 1.969/SP, dje
de 30.11.1992; REsp. n. 24.442/SP, dje de 16.11.1992; RMS 1.967/SP, dje de 23.09.1992.
44
É
atribuído
caráter
de
exclusividade,
logo
indelegabilidade,
da
competência para aplicação das medidas socioeducativas.
4.3.2 Regime de cumprimento de pena
O Superior Tribunal de Justiça entende em suma que a aplicação de uma
medida socioeducativa mais gravosa deve obedecer de maneira inabalável o
princípio do contraditório, sob pena de afrontar a Constituição Federal no seu art. 5º,
LIV e LV, bem como de esvaziar o sentido social do próprio instituto 27. O maior
reflexo disso é a súmula 265: “é necessária a oitiva do menor infrator antes de
decretar-se a regressão da medida socioeducativa”.
Como aventado no habeas corpus n. 11.302/SP, dje de 20.03.2000, “a
determinação de regressão de medidas reclama a oitiva do menor-infrator, para que
se manifeste a respeito do descumprimento da medida de semiliberdade
originariamente determinada e que deu causa a regressão à medida de internação
mais rigorosa, em observância ao caráter educacional de exceção da legislação
incidente e ao princípio constitucional da ampla defesa”.
4.3.3 Provas e requisitos
Determinado adolescente, supostamente incurso no ato infracional
análogo ao crime de tráfico de drogas, surpreendido com quantidade mínima de
entorpecentes, passível de consumo por apenas uma pessoa, em um dia, é
abordado pelas forças policiais e encaminhado à Vara da Criança e do Adolescente
para responder (responsabilidade penal) segundo a Lei de Drogas conjugado com o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
27
Nesse sentido conjugue-se: RHC n. 9.270/SP, dje de 15.05.2000 (“Para que se alcancem os
objetivos pretendidos pelas medidas sócio-educativas, é necessário que, na imposição das sanções,
seja observado, com extremo rigor, o princípio da ampla defesa. Portanto, a prévia audiência do
menor infrator, quando possível, faz-se indispensável para a aplicação de medida sócio-educativa
mais gravosa”); e RHC n. 9.315/SP, dje de 27.03.2000 (“Para efeito de internamento devem ser
observadas as garantias estabelecidas no art. 5º, inciso LIV e LV da Carta Magna e no Estatuto da
Criança do Adolescente. II - O internamento, ex vi legis, é opção excepcional que deve, sempre que
possível, ser evitada”).
45
Nesse caso hipotético, ilustrativamente, duas questões podem ser
levantadas, a primeira atine às provas (quanto a uma confissão) e a segunda aos
requisitos para aplicação da medida de intervenção.
É nula a condenação ao cumprimento de uma medida socioeducativa
com base em uma confissão quando é dispensada a produção de outras provas.
Assim é a súmula da jurisprudência predominante do STJ (n. 342): “no procedimento
para aplicação de medidas socioeducativas, é nula a desistência de outras provas
em face da confissão do adolescente”.
O segundo ponto, que difere do primeiro, trata-se de questão material e
não processual, temos que a imposição de medida socioeducativa de internação, a
medida mais gravosa, tem lugar apenas mediante a ocorrência de pelo menos uma
de quatro circunstâncias, quais sejam: grave ameaça; violência a pessoa; infração
grave reiterada; ou descumprimento reiterado e injustificável de uma medida sócioeducativa.
O tráfico de drogas, e principalmente o praticado por menores, pela sua
natureza não é praticado com ameaça (considerado aqui o simples comércio e
substâncias entorpecentes), supostamente a violência à pessoa é ainda mais
despercebida, quanto ao descumprimento reiterado e injustificado de uma medida
sócio-educativa já entra na questão processual, e por fim, o cometimento reiterado
de infração grave também fica relegado ao aspecto subjetivo, varia de caso para
caso.
Nesse aspecto, o STJ editou a súmula n. 492 da sua jurisprudência
predominante: “o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz
obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação28 do
adolescente”.
4.3.4 Bagatela
O princípio da bagatela, da necessária proteção penal de ilícito
substancialmente relevante, prescrição da intervenção mínima ou ainda a
28
De acordo com o art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, “a medida de internação só
poderá ser aplicada quando: tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou
violência a pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; ou por
descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta”.
46
idealização da tipicidade material na teoria do crime, impede a aplicação de uma
pena por subtração da própria tipicidade do crime, e analogamente do ato
infracional.
Nessa esteira interessante citar o HC n. 262.494/RS, dje de 03.09.2014,
“também aos atos infracionais é necessária a aferição da relevância jurídica da
conduta, aferindo-se a insignificância em parâmetros similares no mínimo similares à
socialmente mais gravosa conduta criminal (...)”.
Deve-se observar se o ato não tem uma ofensividade reduzida, se não
tem a reprovabilidade reduzida, se realmente há uma periculosidade social, ou se a
lesão jurídica não é inexpressiva29.
Naquele caso, foi reconhecida a bagatela em um crime onde houve
verificada a reincidência.
O muito pequeno valor dos bens subtraídos (R$ 23,00) permite
excepcionalmente reconhecer insignificância mesmo à conduta de
adolescentes reincidentes, pela ausência de dano social ou criminalmente
relevante.
4.4 TRÂNSITO EM JULGADO E MEDIDA ANTECIPADA
No procedimento comum dos crimes regido pela legislação ordinária –
Código Penal e Código de Processo Penal – a execução de uma pena só tem lugar
quando do trânsito em julgado da sentença condenatória. Contudo, admite-se
exceção à regra da não penalização antecipada para os casos em que for favorável
ao réu.
Assim, válido trazer a baila alguns pontos sobre a antecipação das
medidas de seguranças.
Em julgado recente30, revela que é possível o cumprimento antecipado da
medida, “em regra, não se admite a execução provisória de sentença que impõe
medida socioeducativa impugnada por apelação”.
O Conselho Nacional de Justiça editou a resolução n. 165 de 16 de
novembro de 2012, que “dispõe sobre normas gerais para o atendimento, pelo
Poder Judiciário, ao adolescente em conflito com a lei no âmbito na internação
provisória e do cumprimento das medidas socioeducativas”.
29
Esses requisitos são conjugados no HC n. 84.412/SP, dje de 19.11.2004.
30
AgRg no HC n. 292.200/PA, dje de 10.10.2014.
47
Alguns requisitos básicos devem ser observados antes de qualquer coisa.
Assim, a ordem escrita de autoridade judiciária competente31, o processamento em
autos próprios, além da execução da medida provisória pelo prazo máximo de 45
(quarenta e cinco) dias.
O art. 14 determina ainda que a apreensão e a prisão cautelar, assim
como ocorre com a pena privativa de liberdade, terão os tempos de execução
computados para efeito de reavaliação (art. 42 da Lei n. 12.594/12).
4.5 ATRIBUIÇÃO FÁTICA, PROVAS E ANÁLISE OBJETIVA DOS REQUISITOS
Uma vez perquirida a condenação de um menor por ato infracional devese citá-lo, informando-o de forma “plena” e “formal” sobre a imputação de um ato
infracional, assim diz o art. 111, I, do Estatuto da criança e do adolescente e o art.
227, §3º, IV, da Constituição Federal.
Além disso, aliado ao disposto no art. 184, §1º, daquela regência, o menor
deve ser cientificado de que responde a uma acusação formal e de suas penas se
condenado, pois deverão ser cientificados e a seus pais ou representantes legais,
sobre o teor da representação, necessária ainda a notificação do comparecimento à
audiência e da possibilidade de fazer-se acompanhar de advogado.
O ECA utiliza o termo “comunicação do teor da representação” e
“notificação para comparecer em audiência”, deixando de lado o termo “citação” do
Código de Processo Penal e do Código de Processo Civil, contudo, a doutrina
sustenta que os efeitos são os mesmos. Wilson Donizeti Liberati (2010, p. 195) “o
chamamento ao processo, por meio da citação, é o primeiro ato processual de
comunicação da instância, que deve respeitar os requisitos dispostos no art. 352 e
seguintes do CPP c/c o 184, §1º, do ECA, sob pena de nulidade insanável”.
4.6 A RESSOCIALIZAÇÃO MEDIANTE PUNIÇÃO
O processo de ressocialização do adolescente em conflito com a lei se dá
pelo misto de medidas que vão desde aquelas dispensadas às crianças em estado
de perigo até aqueles dispensadas ao penalmente imputável, maiores de 18
31
Art. 4º da resolução em apreço.
48
(dezoito) anos. Por outro lado, as medidas acabam sendo ímpares e não se
identificam em sua plenitude com nenhum outro meio coercitivo/modulador de
condutas.
O primeiro pilar da ressocialização do adolescente é a família, o menor
núcleo social, a primeira divisa de interesses e intersubjetividades que um indivíduo
experimenta. A importância do convívio familiar é tamanha e o ordenamento jurídico
só a afasta em situações completamente excepcionais, e ainda assim prima pela
substituição dos sujeitos integrantes desse núcleo. Esse arquétipo de interesses é
herdado do sistema de proteção das crianças.
O segundo pilar é a valorização dos direitos e interesses do menor,
buscando informá-lo dos fatos apurados, dando-lhe amplas possibilidades de
expressão e consideração de sua defesa de acordo com a sua fase etária. A opinião
do jovem é recepcionada com interesse do Estado, afastando-se a concepção do
menor assistido, onde os pais se punham à frente das interpelações estatais.
O terceiro pilar é a repressão penal, advinda do sistema penal comum,
contudo vem em uma releitura daquele sistema, com seu caráter de brevidade,
proporcionalidade, estrita necessidade e graduação. A internação por prazo máximo
de 3 (três) anos demonstra que esse sistema é completamente mutado, assim como
a previsão das demais medidas socioeducativas que se caracterizam como penas
alternativas.
Assim
sendo,
no
sistema
de
medidas
socioeducativas
contra
adolescentes em conflito com a lei, a punição é apenas uma parte da
ressocialização, pois o menor, pela sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, inimputável penal e com baixa capacidade de auferir a ilicitude da
conduta praticada em desconformidade com a lei, do mesmo modo, não pode
simplesmente receber uma punição comum, pois se não identificar o ilícito da
conduta não identificará o caráter ressocializador da punição.
Deve-se, pois homenagear a intervenção psicossocial do Estado, analisar
as condições particulares do menor através de uma equipe multidisciplinar e
acompanhar o desempenho do menor no cumprimento da medida com
acompanhamento de profissionais de assistência social especializados.
49
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há oito décadas, o país iniciou a corrida em busca do combate às
situações precárias que atingiam parcela dos menores. Em 1927, com o Decreto n.
17.948-A – Código de Menores, os chamados “menores em situação irregular” criam
uma distinção entre menores abandonados e o menor delinquente.
A grande crítica foi justamente o do reforço aos aspectos negativos, ou
seja, doutrina dos abandonados e delinquentes. Esse estigma era a doutrina da
situação irregular.
Basicamente quinze anos mais tarde, o Estado reforça a preocupação
com os menores e institui a assistência social especial para esses sujeitos.
Os serviços de assistência duraram duas décadas, sendo extintos com a
entrada em vigor do regime militar ditatorial, instituídas as FEBEN’s, constatando-se
um aumento na violência genérica e sexual, analfabetismo, e ainda a teve a questão
da desinformação e antidemocracia.
Outro interstício de duas décadas e em 1979 é promulgado o novo
Código de Menores, agora instituído sobre a doutrina da proteção integral, contudo
com o paradigma da doutrina do menor em situação irregular.
Em 1988 entrou na ordem jurídica a Constituição Federal, não
recepcionando o Código de Menores e em 1990 instituído o atual Estatuto da
Criança e do Adolescente. Esses institutos então formam o atual microssistema de
direito dos menores.
Esse sistema é definido por uma série de princípios, como o que impõe ao
Estado o dever de tratar com prioridade os direitos menoristas, o fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários como reflexo da imposição das medidas protetivas
e socioeducativas, condição dos menores como sujeitos de direitos, poder público
como responsável direto e solidário, medidas que melhor atendem ao interesse do
menor, respeito à intimidade, imagem e vida privada, intervenção estatal imediata,
indispensável para promoção dos direitos, adequada à situação atual, com
responsabilização parental e prevalência da família, informação dos fatos e com
oitiva obrigatória e participativa.
As medidas socioeducativas permitidas pelo Estatuto da Criança e do
adolescente são a advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à
comunidade, liberdade assistida, regime de semiliberdade e internação.
50
Os atos descritos como crime, praticado por menores de dezoito anos são
considerados atos infracionais, aplicado-se ao invés da respectiva pena prevista no
tipo penal as medidas socioeducativas se o agente causador do injusto for
adolescente (de treze a dezessete anos) e as medidas de proteção se for criança
(até doze anos). Os primeiros são processados pelos juizados da infância e os
segundos pelos próprios conselhos tutelares.
A prescrição aplicável às medidas socioeducativas é a mesma prevista
para as penas de cada crime, conforme parte geral do Código Penal. Em qualquer
caso, somente a autoridade judiciária (juiz) é competente para decretar e aplicar as
medidas. A aplicação da medida deve atender a requisitos objetivos, previstos no
Estatuto da Criança e do Adolescente, não podendo o juiz aplicar medida gravosa
por presunção de proporcionalidade sem observar a ocorrência dos requisitos legais.
É aplicável às medidas socioeducativas a teoria da bagatela. Vedada
ainda a aplicação da medida sem o trânsito em julgado da sentença como regra.
51
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