ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: UMA BREVE REVISÃO
Ana Paula de Oliveira Machado *
RESUMO
O presente artigo apresenta uma revisão dos principais estudos sobre
adolescentes que praticam ato infracional. Sua relevância justifica-se pela carência de
estudos relacionados a este tema e pela exposição crescente de toda a sociedade a este
quadro lamentável de violência.
Palavras-chave: Adolescente. Prática infracional. Fatores de risco.
ABSTRACT
The present article presents a revision of the principal studies on adolescents who
practice act infracional. His relevance is justified by the lack of studies made a list to
this subject and to the growing exhibition of the whole society to this regrettable picture
of violence.
Key-words: Adolescence. Criminal behavior. Risk factors
* Graduada em Psicologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
Pós-graduada em Psicologia do Desenvolvimento Humano pela UFJF
Pós-graduada em Ciências Humanas e Saúde pela UFJF
Poucos temas geram tanta preocupação e mobilizam tanto a sociedade como a
violência. Cidadãos, governantes, profissionais, estudiosos têm se mobilizado para
encontrar as possíveis causas e meios para tentar atenuá-la.
Diariamente, o cotidiano de milhares de pessoas é marcado por uma série de
manifestações de violência: agressões, roubos, latrocínio, estupro, depredação do
patrimônio, seqüestro, tráfico de drogas, corrupção e intolerância.
A grande preocupação ante esse cenário é a evidência de que adolescentes e
grupos jovens, especialmente do sexo masculino, emergem como vítimas e autores.
(Priuli e Moraes, 2007)
É indiscutível a existência de atos infracionais graves atribuídos a adolescentes,
apesar de quantitativamente reduzidos se comparados com os cometidos por adultos.
(Volpi, 2008)
O presente artigo apresenta uma revisão dos principais estudos sobre
adolescentes que praticam ato infracional e aponta os principais fatores de risco para a
prática infracional. Sua relevância justifica-se pela carência de estudos relacionados a
este tema e pela exposição crescente de toda a sociedade a este quadro lamentável de
violência.
O crescimento da infração praticada por jovens não é um fenômeno isolado e
nem específico do Brasil. Em diversos países do mundo, com diferenças na esfera social
e econômica, é possível constatar igual preocupação com o envolvimento de jovens
envolvidos com infrações. As causas apontadas são variadas: econômicas, culturais,
políticas e psicológicas. Revelam a frágil condição da infância e juventude no cenário
mundial. (Assis e Constantino, 2005)
A Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei n.º
8.069, de 13 de julho de 1990, constitui uma das maiores conquistas da sociedade civil
organizada, reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direito, de
protagonismo, de proteção integral por parte da sociedade e do estado, sendo prioridade
no uso dos recursos públicos para a garantia de provimento e efetivação da proteção. A
força da lei, no entanto, não tem sido suficiente. Diariamente, milhares de crianças e
adolescentes são vítimas de diversos tipos de violência, têm seus direitos violados e sua
vida ameaçada. (Ministério da Saúde, 2006)
O estatuto considera ato infracional a conduta descrita como crime ou
contravenção penal. Considera ainda o jovem até 18 anos como inimputável, dada sua
condição de pessoa em desenvolvimento - o que não quer dizer que o autor do ato
infracional fique isento de conseqüências, mas sujeito à aplicação das normas da
legislação especial. A legislação prevê medidas sócio-educativas aplicáveis aos
adolescentes. (Gallo, 2008)
Constatada a prática do ato infracional por parte do adolescente, a autoridade
competente poderá aplicar a este sujeito as seguintes medidas: advertência, obrigação de
reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em
regime de semi-liberdade e internação em estabelecimento educacional. (Gallo, 2008)
Os adolescentes que cometem ato infracional ainda se encontram em fase de
desenvolvimento e socialização, portanto, o processo de reajustamento do adolescente
que cometeu um ato infracional, deve ter como foco a educação. (Cunha, Ropelato e
Alves, 2006)
É possível constatar que a maioria dos países busca enfrentar o problema do
adolescente que comete ato infracional através de grandes investimentos em estratégias
de policiamento e construção de prisões. Pouco é investido em programas de prevenção
ao uso de drogas, de prevenção à violência e em programas sociais que visam assistir o
adolescente e sua família. Isso indica a existência de uma crença em que a repressão à
violência é a melhor solução para os problemas sociais. (Assis e Constantino, 2005)
Numa sociedade como a brasileira, com tantas desigualdades, a delinquência
juvenil precisa ser analisada de forma associada à violência estrutural e à questão de
classe, pois uma grande maioria que está em regime de medida sócio-educativa é
formada por meninos e meninas pobres. (Ministério da Saúde, 2006) A violência
estrutural é infligida por instituições clássicas da sociedade e expressa os esquemas de
dominação de classe, de grupos e do Estado. Apesar de conjugar participação e advogar
a liberdade e igualdade dos cidadãos, não garante a todos o pleno acesso a seus direitos,
pois o Estado volta sua atenção para o atendimento aos interesses de uma determinada
e privilegiada classe. (Neto e Moreira, 1999)
Um indivíduo que viola normas sociais, como é o caso do adolescente em
conflito com a lei, é exposto a uma série de fatores de risco pessoais, familiares, sociais,
educacionais e biológicos. (Gallo e Williams, 2005) Os fatores de risco correspondem a
toda sorte de eventos negativos de vida que, quando presentes no seu contexto,
aumentam as chances do sujeito apresentar problemas físicos, psicológicos e sociais.
(Polleto e Koller, 2006)
Assis e Constantino (2005) afirmam que é crucial conhecer os principais fatores
de risco para a infração juvenil. Isso porque se não tivermos acesso à realidade destes
jovens e a tudo o que está direta ou indiretamente envolvido com o comportamento
deste sujeito, torna-se inviável criar estratégias e programas eficazes.
Ser jovem do sexo masculino é um fator de risco conhecido para o cometimento da
infração. Algumas características biológicas e psicológicas são também reconhecidas
como fatores de risco, tais como danos neurológicos, impulsividade, baixo limiar de
frustração. (Assis e Constantino, 2005)
As famílias dos jovens envolvidos em infrações tendem a se apresentar como
potenciais fatores de risco, revelando um alto grau de fragilidade. Feijó e Assis (2004)
realizaram uma pesquisa envolvendo adolescentes infratores e constataram que algumas
vulnerabilidades estão presentes nas famílias destes adolescentes: desqualificação para o
trabalho, desemprego, instabilidade ocupacional, baixo nível de escolaridade,
analfabetismo, ausência do pai, ausência da mãe, dificuldade de relacionamento do
jovem com sua família.
Problemas escolares também contribuem para a entrada no mundo infrator.
Adolescentes em conflito com a lei tendem a ter poucos anos de estudo devido a
dificuldade de conciliar escola com trabalho, dificuldade de relacionamento com
professores e colegas, baixa qualidade do ensino e outros. (Assis e Constantino, 2005)
O uso de drogas é um outro fator de risco importante, geralmente associado à
convivência no grupo de pares. Adolescentes que cometem ato infracional tendem a
procurar amigos no próprio meio infracional.
A exclusão social é considerada por muitos estudiosos um fator de risco em
potencial como situações de negligência e abandono, pobreza, criminalidade, violência
na família, escola, comunidade e sociedade. A idéia de exclusão social, segundo Feijó e
Assis (2004), assinala um estado de carência ou privação material, de segregação, de
discriminação, de vulnerabilidade em alguma esfera. A exclusão está associada a um
processo de desvinculação social e/ou espacial. O ser excluído vivencia falta de ganhos,
de alojamento, de instrução, de atenção, de poder exercer sua cidadania.
Coutinho (1997) define cidadania como a capacidade conquistada, por algumas
pessoas ou pela sociedade, de tomar posse dos bens socialmente criados, de atualizar
todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto
histórico. É resultado de uma luta constante.
A exclusão pode acontecer sob várias formas. Pode ser econômica, cultural,
social, territorial e étnica. Todas as formas de exclusão resultam um conjunto de
vulnerabilidades que atuam como obstáculos difíceis de serem superados. (Feijó e
Assis, 2004) Com isso, uma pessoa que é excluída ou privada de todos os bens e
serviços necessários para que seu desenvolvimento ocorra de forma saudável, não está
conseguindo exercer sua cidadania.
Dessa maneira, quando um adolescente é excluído do universo da escola, do
trabalho, do lazer, da cultura, ele está, neste momento, sendo incluído no espaço social
da marginalidade e da delinquência. A forma como a sociedade organiza as relações
torna complicado escapar dessa lógica. Mas é importante ressaltar que, mesmo quando
toda a realidade parece avessa à possibilidade de evitar a marginalização e a
delinqüência, os adolescentes lutam
e vêm tentando resistir a este movimento de
exclusão que encontra na marginalização uma de suas formas de concretização. (Arpini,
2003, p.140)
É possível observar que as crianças e os adolescentes, principalmente do Brasil,
representam a parcela mais exposta às violações de direitos pela família, pelo Estado e
pela sociedade. Exatamente ao contrário do que prega a nossa Constituição Federal e
suas leis complementares. (Volpi, 2008, p. 8) A desigualdade social e econômica
dificulta o crescimento pleno de milhares de adolescentes, que se acham aprisionados a
comunidades expropriadas, moradias inadequadas, restrições graves ao consumo de
bens e serviços, estigmas e preconceitos, ausência de qualidade na educação, relações
interpessoais e familiares completamente frágeis e violência em todas as esferas de
convivência. (Assis e Constantino, 2005)
A única face do Estado que os adolescentes e jovens conhecem é o braço duro e
repressivo da força policial. (Minayo, 1990) A ausência sistemática do Estado pode ser
apontada como um dos grandes fatores a consentir com o atual estado de violência. O
Estado de Direito demonstra claramente que não está preparado para reagir, ante um
quadro gigantesco e alarmente de crise social. Encontra-se incapacitado de agir de
forma eficaz e afetiva na condução de políticas consistentes para atingir as causas das
crescentes estatísticas de violência. (Neto e Moreira, 1999)
Instância onipresente na vida de todos os cidadãos de um País, o Estado, em suas
diversas estruturas e poderes, torna-se o responsável direto pelo estabelecimento e
desenvolvimento das condições de vida de todos. Direitos básicos e essenciais, como o
acesso à alimentação, educação e saúde, são por ele influenciados, definidos e
implementados. Na sociedade brasileira, o Estado deveria orientar as políticas públicas
para arbitrar de forma justa as tensões sociais, gerando igualdade entre os cidadãos e o
aumento de sua qualidade de vida. Na prática, o que tem se observado é um
favorecimento da inserção do país na economia mundial e na divisão internacional do
trabalho, privilegiando o mercado ao invés da sociedade civil. ( Neto e Moreira, 1999)
No atual Estado, os governantes planejam e efetivam as políticas públicas
visando atender aos interesses do capital financeiro, a disponibilização de recursos para
atender as demandas de toda a sociedade ficam grandemente prejudicados. O resultado
imediato desta escolha é a queda na qualidade dos serviços públicos, que passam a
oferecer um atendimento de má qualidade. Este quadro afeta diretamente as classes
desfavorecidas que não possuem os recursos necessários para desfrutar de educação,
saúde, lazer, habitação, renda e outros bens. (Neto e Moreira, 1999)
Como se sabe, quanto maior a tendência à concentração do capitalismo
financeiro, globalizado e excludente, maiores são os prejuízos e efeitos negativos
direcionados tanto para a vida econômica quanto para a vida social. (Bittar, 2008) O
renascimento das propostas neoliberais tem gerado um desemprego considerável, o
aprofundamento das desigualdades sociais, corte nos gastos sociais, a efetivação de uma
legislação anti-sindical e um amplo programa de privatização dos órgãos do Estado.
Promovem ainda uma submissão do Estado aos interesses econômicos e políticos
dominantes, renunciando a importantes graus de soberania nacional. A repercussão da
proposta neoliberal no campo das políticas sociais é evidente, tornando-se cada vez
mais focalizada, mais descentralizada, mais privatizada. Observa-se a desorganização e
destruição dos serviços sociais públicos que são essenciais para a sociedade, em
conseqüência do “atrofiamento do Estado” em suas responsabilidades sociais.
(Iamamoto, 1999)
É necessário reforçar a concepção de que a violência que assola a sociedade
atual é polifórmica, multifacetada, encontrando-se diluída na sociedade sob as mais
diversas manifestações. (Neto e Moreira, 1999)
O agravamento dos problemas sociais e o aumento dos índices de atos
infracionais praticada por adolescentes revelam uma necessidade urgente de programas
de prevenção à violência juvenil, que ofereçam a esta população jovem condições e
meios para que possam ter um desenvolvimento saudável. É fundamental também que
os programas já existentes passem por uma avaliação rigorosa e, se constatadas falhas,
que sejam realizadas as mudanças devidas.
A prevenção primária deve ser priorizada. Programas de redução da violência
juvenil devem ser iniciados na infância e perdurar até a adolescência. Enfim, é
importante ampliar o enfoque e ter como especificidade o contexto econômico, social e
cultural do Brasil.
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