CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL JACQUELINE DA COSTA ARAÚJO DE SOUSA UMA ANÁLISE SOBRE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI REINCIDENTES RECEPCIONADOS NA UNIDADE DE RECEPÇÃO LUÍS BARROS MONTENEGRO EM FORTALEZA-CE FORTALEZA/CE 2014 1 JACQUELINE DA COSTA ARAÚJO DE SOUSA UMA ANÁLISE SOBRE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI REINCIDENTES RECEPCIONADOS NA UNIDADE DE RECEPÇÃO LUÍS BARROS MONTENEGRO EM FORTALEZA-CE Monografia submetida à aprovação Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. Orientador: Prof. Ms. Alberto dos Santos Barros Filho. FORTALEZA/CE 2014 2 JACQUELINE DA COSTA ARAÚJO DE SOUSA UMA ANÁLISE SOBRE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI REINCIDENTES RECEPCIONADOS NA UNIDADE DE RECEPÇÃO LUÍS BARROS MONTENEGRO EM FORTALEZA-CE Monografia apresentada ao curso de Serviço Social como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/ ____/____ BANCA EXAMINADORA _________________________________________ Ms. Alberto dos Santos Barros Filho (Orientador) Universidade Federal do Ceará (UFC) _______________________________________________ Ms. Jane Meyre Silva Costa Faculdade Cearense (FAC) ____________________________________________ Ms. Lara Denise Oliveira Silva Universidade Federal do Ceará (UFC) FORTALEZA/CE 2014 3 AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus, por me ajudar a vencer os obstáculos, dando-me força e apaziguando o meu coração, ajudando-me e orientando-me nos momentos de cansaço e reafirmando minha profissão. A meus pais, que contribuíram para minha formação, fazendo-se sempre presentes e vibrando pela minha vitória, muito obrigada. A minha irmã, Danielle da Costa Araújo, que esteve sempre disposta a me ajudar cuidando do meu filho, durante a trajetória do meu trabalho, muitíssimo obrigada. A meu esposo Gilberto Pedro de Sousa pela paciência, compreensão e por me ajudar a trilhar mais uma etapa da minha vida, muito obrigada. Ao meu orientador, prof. Alberto dos Santos Barros Filho, pela sua atenção, paciência, pelas palavras encorajadoras, pelo seu empenho em tornar esse trabalho uma realidade, muito obrigada! Meu agradecimento à Banca, composta pela professora Jane Meyre Silva e pela professora Lara Denise Oliveira Silva, pela disponibilidade, pela leitura, pelas sugestões e críticas e por terem contribuído nessa etapa da minha formação acadêmica. Obrigada! Ao Laboratório de Inclusão Social da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado do Ceará – STDS, pela orpotunidade de estágiar na Unidade de Recepção Luis Barros Montenegro, um campo rico de informações para meu aprendizado dentro do campo acadêmico, referente ao campo da violência juvenil. À diretora da URLBM, Maria Cecilia Guimarães, por seu apoio, dedicação e acompanhamento, por estar sempre disposta a ajudar os estagiários. Muito obrigada. A minha supervisora de estágio, Lourdes Falcão, que me ensinou na prática como reger a relação teoria/prática, mostrando-me os percalços e as estratégias utilizadas para trilhar uma vida profissional com ética e comprometida com a profissão. Meus sinceros agradecimentos. Meus agradecimentos aos adolescentes, por participaram da minha pesquisa na Unidade de Recepção Luis Barros Montenegro – URLBM , que, direta 4 ou indiretamente, auxiliaram e inspiraram essa investigação, tornando possível a realização deste trabalho. Às minhas colegas, Eliane Almada, Luciana Mendes, Maria Regina, Herlem Kelma, Rita Gaspar, pelo apoio, amizade e companheirismo durante essa caminhada, muito obrigada a todas. 5 “Toda Criança sonha em ser feliz, jogada no mundo do crime um aprendiz, cheiro de morte espalhada no ar, papai Noel de preto veio me buscar. Deus ilumine o paraíso da criança, mesmo se os problemas veio do jardim de infância, mesmo se a polícia não matasse se fosse o bem, mesmo se o pastor do psico rouba alguém. Porque a vida sempre ofereceu pra mim a morte, a morte me chamou pra brincar me oferecendo a sorte, nunca ninguém me deu um ponto positivo, quando fui roubar me chamaram de agressivo. Vim de uma família desestruturada que a fome fez da mão do homem uma empregada... foi nessa que o tiozinho veio me dizer, primeiro um oitão e umas paradas pra vender na esquina e viciar a molecada, depois darão um carro, uma casa com piscina bar, depois o diabo vem na porta me chamar. Brinquedo Assassino não sai da minha mente, era de ferro, com doze balas no corpo. Brinquedo Assassino não sai da minha mente, e o fim de ano foi melhor pra muita gente. Brincava vídeo game quando alguém de chamou, levantei abri a porta, nem vi quem atirou. Minha mão tá gelada, não sinto meu braço, não posso me mover do pescoço pra baixo. Pelo corpo todo o gelo amargo do fio, o eco da quadrada do monstro me feriu, se eu tivesse tido chance, seria jogador, cantor de rappe para expressar minha dor. Sei o que o mundo sempre ofereceu pra nós, vem da parte podre, muitos contra nós, pobreza e frustação na alma a revolta, na calma você sente o trauma em sua falta, o paraíso é meu paradeiro, normal pra mim é refém morrer de fome no cativeiro, o mesmo que me arrasta e amordaça na tragédia da classe média sou mais uma atração circense da comédia. Meu mundo foi construído tipo castelo de areia lapidado com muita droga na veia, abandonei a escola, da rua fiz abrigo, na malandragem um discurso agressivo, eu vi meu próprio sangue no meu rosto escorrer, lembro que um casal de crente disse: vai morre! Depois de alguns segundos a multidão veio me olhar com um olho saindo pra fora e o corpo agonizar. Brinquedo Assassino não sai da minha mente, era de ferro, com doze balas no corpo. Brinquedo Assassino não sai da minha mente, e o fim de ano foi melhor pra muita gente [...] BRINQUEDO ASSASSINO – A FAMÍLIA Música ouvida pelos adolescentes da Unidade. 6 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo a discussão em torno da reincidência dos adolescentes no ato infracional recepcionados na Unidade de Recepção Luis Barros Montenegro – URLBM, órgão vinculado a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – STDS, com o intuito de buscar compreender os possíveis fatores sociais que contribuem para o fato de cometerem delitos novamente. Com base em autores como Mione Apolinario Sales, Silvia da Silva Tejadas, Antony Giddens, dentre outros, busca compreender os protagonistas deste trabalho. A metodologia utilizada guiouse pela abordagem de vários meios de pesquisas que são: pesquisa de campo, pesquisa bibliográfica, pesquisa documental. Durante o percurso da pesquisa de campo, foram coletados dados, como indicadores quantitativos, documentos e a realização de entrevistas semiestruturadas. Estas tiveram a finalidade de analisar as falas e narrativas dos personagens abordados como também seus familiares. Esse trabalho contemplará a trajetória dos adolescentes, como foi sua infância até a chegada ao primeiro delito, seus sentimentos e suas perspectivas em relação ao futuro, além de buscar saber o papel da medida socioeducativa na sua trajetória. Palavras-chave: socioeducativas. Adolescente. Atos infracionais. Reincidência. Medidas 7 ABSTRACT The present work aims at discussion of recidivism in adolescent infraction approved in Unity Reception Luis Barros Montenegro - URLBM, an organization linked to the Secretariat of Labor and Social Development - STDS. In order to try to understand the possible social factors that contribute to the fact commit crimes again. Based on authors like Suze Apolinario Sales, Silva da Silva Tejadas, Antony Giddens, and others seeking to understand the protagonists of this work. The methodology was guided by various means of research approach are: field research, literature, documentary research. During the course in field research, data, and quantitative indicators, documents and conducting semi-structured interviews were collected. These had the purpose of analyzing the speeches of the characters and narratives addressed as well as their families. This work will include the trajectory of adolescents, as was his childhood until the arrival of the first offense, your feelings and your prospects for the future, and seek to know the role of socio-educational measures in its path. Keywords: Adolescent. Offenses. Recidivism. Educational measures. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Fluxograma 1 – Fluxograma de apuração do ato infracional ................................... 19 Gráfico 1 – Os 10 atos infracionais cometidos pelos adolescentes.......................... 50 Gráfico 2 – Medidas socioeducativas em meio aberto ............................................ 52 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Linha de pobreza e faixa etária .............................................................. 21 Tabela 2 – Reflexo das famílias uniparientais .......................................................... 22 Tabela 3 – Número de crianças e adolescentes analfabetos .................................. 29 Tabela 4 – Com quem moram? ............................................................................... 31 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CEDECA – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente DCA – Delegacia da Criança e do Adolescente ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente LA – Liberdade Assistida PSC – Prestação de Serviços à Comunidade SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo STDS – Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social URLBM – Unidade de Recepção Luis Barros Montenegro 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12 1.1 Aproximações com o objeto de estudo .................................................. 12 1.2 Metodologia ............................................................................................... 15 2 A URLBM E O PERFIL DOS ADOLESCENTES ACOLHIDOS NA “TRIAGEM” 17 2.1 Unidade Recepção Luis Barros Montenegro – URLBM ......................... 17 2.2 O adolescentes em conflito com a lei: alguns conceitos ...................... 19 2.3 Dados estatísticos do envolvimento dos adolescentes no ato infracional ...................................................................................................... 23 3 TRAJETÓRIA DOS ADOLESCENTES INFRATORES NA URLBM: DA INFÂNCIA AO PRIMEIRO DELITO ......................................................................... 31 3.1 Sentimentos e sensações: as relações familiares e o momento da apreensão ...................................................................................................... 31 3.2 O uso das drogas como forma de alívio e coragem .............................. 39 3.3 Abordagem policial e o abuso de poder ................................................. 41 4 PERCEPÇÕES DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI SOBRE AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ............................................................................ 47 4.1 Percepções dos adolescentes sobre as medidas socioeducativas ..... 56 4.1.1 Pontos negativos ................................................................................. 56 4.1.2 Pontos positivos e perspectivas para o futuro ..................................... 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 63 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 66 ANEXOS ................................................................................................................. 71 12 1 INTRODUÇÃO 1.1 Aproximações com o objeto de estudo A pesquisa possui o intuito de analisar o processo social que leva à reincidência, procurando compreender as trajetórias dos agentes investigados, bem como as teias de relações sobre as quais encontram-se envolvidos. A minha inquietação nasceu da vontade de conhecer e entender os motivos que levam os adolescentes a reincidirem no ato infracional. Um dos objetivos deste trabalho é analisar a reincidência dos adolescentes no cometimento de atos infracionais acolhidos na “triagem”, como é chamada a Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro – URLBM. A motivação para essa pesquisa surgiu após um estágio de 2 anos na URLBM, vinculada à Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social – STDS, no qual tive a oportunidade de aproximação com os adolescentes acolhidos na Unidade para serem ouvidos pela promotoria e pelo Juizado. O número de adolescentes reincidentes que estão nessa unidade aumentou nos últimos três anos, segundo os dados da própria URLBM. Também de acordo com alguns dados publicados no Jornal o Povo (CASTRO, 2013a; 2013b), nos últimos três anos, tem-se observado um crescente número de delitos praticados por adolescentes, o qual teve um aumento de 52,96%, num salto de 3.557 registros em 2011 para 5.441 no ano 2012. O que demonstra a precoce inserção de adolescentes no chamado mundo do crime. De acordo com o Art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990), “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquele entre doze e dezoito anos de idade”. Também em casos especiais em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Diante desta definição e dos dados acima, como pode-se definir um adolescente infrator ou delinquente? Conforme Loureiro (2009) em um comentário sobre o livro A adolescência de Calligaris, o adolescente delinquente é: 13 Aquele que, ao perceber que não conseguiu seu devido reconhecimento no mundo dos adultos, usa da ignorância e violência para tentar ser levado a sério: gritando, quebrando coisas, colocando fogo em casa. Para os adultos é uma situação difícil já que não cabe fazer muita coisa a respeito, pois se os ignoram, eles acabam fazendo mais e mais delinquências e sendo mais violentos, pois acham que não estão sendo valorizados como pessoa, e seus direitos não estão sendo respeitados, e são reprimidos por seus gestos que não são devidamente interpretados, então para serem ouvidos eles acabam agindo com mais violência. Segundo o ECA (Art. 103) “o ato infracional é a conduta” da criança e do adolescente que pode ser “descrita como crime ou contravenção penal”. Se o infrator for pessoa com mais de 18 anos, o termo adotado é crime, delito ou contravenção penal. Então, conforme o ECA, a criança (pessoa de até 12 anos incompletos) que praticar algum ato infracional será encaminhada ao Conselho Tutelar, que procurará os responsáveis legais pela criança, que também estará sujeita às medidas de proteção previstas no Art. 101 do referido Estatuto. O adolescente (pessoa entre 12 de 18 anos incompletos), ao praticar um ato infracional, estará sujeito a processo que lhe é cabível, com ampla defesa. Após o processo legal, poderá receber uma medida socioeducativa, prevista no Art. 112, do ECA que dispõem: Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços a comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semi-liberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. §1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade em cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. §2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. §3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. (BRASIL, 1990) Conforme corrobora Tejadas (2008, p. 80): O cometimento do ato infracional possui, certamente, inúmeras determinações, não sendo possível atribuí-lo a um único fator desencadeante, na medida em que é construído socialmente. Compõem o fenômeno aspectos estruturais relacionados ao contexto social mais amplo, às oportunidades de vida e acesso aos serviços sociais, aspectos subjetivos e familiares relacionados à constituição da identidade e à socialização do sujeito, bem como aspectos comunitários relacionados ao grupo de iguais, no qual o adolescente está vinculado e outras estruturas sociais que contribuam quanto à constituição da identidade. [...] 14 O adolescente infrator inimputável é aquele que não poderá ser penalmente responsabilizado por seus atos, seja em que circunstância foi praticada o ato, conforme o Art. 104 do ECA, que dita: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos as medidas previstas nesta Lei. Parágrafo Único. Para os efeitos desta Lei deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato”, e também o Art. 27 do Código Penal, “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. De acordo com a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) de Fortaleza, roubo, porte ilegal de armas de fogo e tráfico de drogas correspondem a 70% dos casos que chegam à 5ª Vara da Infância e da Juventude. Os outros 30% são referentes a homicídio, latrocínio, furto e receptação. A consequência desses dados é percebida pela superlotação das unidades de internação do Estado, pois, conforme a informações da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) publicadas no dia 7 de outubro de 2013, 1.026 adolescentes cumpriam medidas socioeducativas nas unidades da capital (RIBEIRO, 2013a, p. 3). Os dados acima apontam o alto índice de reincidência desses adolescentes, ressalta-se que, em alguns casos, esse número aumenta devido à falta de informação, pois, por vezes, os adolescentes não comparecem na audiência marcada e, quando isso acontece, é expedido um Mandado de Busca e Apreensão dos mesmos, ocasionando uma nova entrada no sistema por quebra de medida. Muitos já cumprem os 45 dias no Centro Educacional, mas como não são julgados no período estabelecido ficam em liberdade e não comparecem a audiência agendada, causando, assim, a reincidência. O Código Penal brasileiro, em seu Art. 63, define a reincidência nos seguintes termos: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior” (BRASIL, 1998). Já o ECA não tem uma definição sobre a reincidência, mas a aborda em seu artigo 122 quando trata da medida de internação: A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por 15 descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses. 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. Desde que foi criado, há mais de 20 anos, o ECA ainda não foi implantado na sua totalidade no Brasil, devido à ineficácia das políticas públicas implementadas pelo Estado, e a resistência da sociedade que considera o Estatuto demasiadamente protetivo para a criança e o adolescente, dando-lhes mais direitos do que deveres. 1.2 Metodologia Os recursos metodológicos utilizados foram pesquisa bibliográfica, diário de campo, pesquisa documental da Unidade, entrevistas semiestruturada com os adolescentes e seus familiares, recortes dos principais jornais de circulação de Fortaleza, O Povo e Diário do Nordeste, que nos últimos meses têm abordado assuntos sobre a reincidência e os índices de adolescentes que praticam atos infracionais em Fortaleza. As entrevistas junto aos adolescentes e aos seus familiares abordaram a suas trajetórias até o cometimento do delito, ou seja, um pouco de suas vidas dentro do ambiente familiar e o que pensam sobre a medida socioeducativa à qual foram submetidos, bem como a percepção de seus familiares. Por se tratar de uma pesquisa empírica, baseou-se na observação sistemática da realidade, no recolhimento de informações e dados com o intuito de descrever, compreender e analisar o campo de investigação. Segundo Queiroz (2008, p. 17), a busca da verdade está, pois, embutida nesta maneira de pensar, uma vez que são procuradas conclusões independentes tanto das opiniões, quanto do tempo e do espaço, pois a pesquisa nos faz ter uma compreensão mais detalhada da realidade. Meu intuito era fazer 07 entrevistas incluído duas adolescentes do sexo feminino, mas devido a algumas dificuldades encontradas para essa realização, pelo fato das minhas visitas à Unidade não pude encontrar o perfil desejável que era os adolescentes com os respectivos familiares, a entrevista com os familiares tem como 16 objetivo entender seu comportamento desde a infância até o primeiro delito e fazer um comparação entre as falas, então, foram realizadas 05 entrevistas com adolescentes entre 15 e 17 anos do sexo masculino, e também com familiares dos respectivos adolescentes, procurando analisar as falas e o comportamento dos mesmos durante a entrevista. Foram utilizados nomes de pássaros na identificação dos adolescentes, pois os mesmos são como pássaros, tem seu voo rompido pelas transgressões. Após a coleta dos dados obtidos na Unidade, foram estudados os discursos apresentados, buscando articular os mesmos com a pesquisa bibliográfica sobre o tema, bem como com conceitos que possam contribuir para o alargamento da compreensão do fenômeno aqui abordado. No primeiro capítulo, está a descrição do perfil dos adolescentes recepcionados na Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro na qual serão abordados: faixa etária e sexo contendo também um breve histórico dessa Unidade que recepciona os adolescentes até o momento da sua audiência com o promotor e a sentença final com o Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude. O segundo capítulo apresenta a trajetória dos adolescentes com o intuito de problematizar a relação entre o cometimento do ato infracional e o contexto social em que vivem, marcados muitas vezes pela miséria, pela desigualdade social e pela violência. Assim, buscou-se analisar o comunitário e escolar. O terceiro capítulo engloba a análise relacionada aos relatos dos adolescentes com a sua experiência junto à medida socioeducativa e às suas perspectivas para o futuro, com o desafio de dialogar com a diversidade de significados, buscando desvelá-los em suas opiniões expressas no momento da entrevista. 17 2 A URLBM E O PERFIL DOS ADOLESCENTES ACOLHIDOS NA “TRIAGEM” 2.1 Unidade de Recepção Luis Barros Montenegro – URLBM A Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro (URLBM), local da pesquisa de campo, é uma Unidade vinculada ao Governo do Estado Ceará por meio da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do Estado do Ceará (STDS). Inaugurada em Julho de 1993, a Unidade surgiu como forma de atender ao Artigo 88, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que dispõe “integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social” e a URLBM serve para que todos estejam no mesmo local para que o atendimento inicial desses adolescentes autores de atos infracionais seja agilizado (Fonte: Histórico da URLBM). A Unidade tem como objetivo principal acolher os adolescentes de ambos os sexos, na faixa etária de 12 a 18 anos incompletos, e em casos especiais, até 21 anos incompletos, acusados da prática de ato infracional, encaminhados pela DCA pelo Juizado da Infância e da Juventude de Fortaleza, bem como pelos provenientes das comarcas do interior do Estado do Ceará para cumprimento de medida socioeducativa de internação. A sede da Unidade é um local cuja primeira impressão que se tem é de uma residência, em que você vê uma pequena varanda com cadeiras e televisor, onde ficam os familiares dos adolescentes, muitos deles chegam desesperados por notícias do filho, chorando e várias outras formas de angústias que os mesmos passam. Depois, fica uma grande sala, na qual somente entram pessoas autorizadas. Nesta sala, os adolescentes permanecem por alguns minutos para preenchimento da ficha de recepção que contém alguns de seus dados principais, para que sejam inseridos na base de dados da instituição. Após esse procedimento, eles são revistados, tomam banho e vão para os dormitórios que parecem “celas” e possuem três beliches, comportando seis adolescentes, dependendo da quantidade de apreensões podem ficar até mais, pois a estrutura do local é precária. Na Unidade os adolescentes têm cinco refeições diárias, todas dentro do dormitório, usam um vestuário próprio da Unidade quando vão para audiência, 18 também são fornecidos para cada adolescente material de higiene, seus pertences ficam guardados dentro de uma sacola com a devida identificação, a audiência com o promotor sempre é realizada pela manhã e com o Juiz a tarde, fazendo com que os familiares passem o dia lá, mas a Unidade fornece o almoço para os presentes que esperam pela decisão final do Juiz e quando necessário podem conversar com os familiares feito somente na presença da Assistente Social ou da estagiária. Outro fato grave que atesta a falta de estrutura adequada é o fato de não possuir uma ala para as meninas, elas são obrigadas a dividirem o mesmo local que os meninos, até o banheiro é compartilhado, os dormitórios tem um odor desagradável, pois muitos adolescentes fazem suas necessidades fisiológicas dentro dos alojamentos quando o educador não atende ao chamado dos mesmos, as meninas são alojadas no primeiro dormitório, quando a capacidade da Unidade está ultrapassada, se tiver mais meninos que meninas as mesmas são transferidas para o Centro Educacional Aldacir Barbosa, para no dia seguinte serem ouvidas pelo promotor e pelo juiz. Quando acontece uma lotação da Unidade, cuja capacidade é de no máximo 30 adolescentes, parte desses adolescentes é encaminhada com a devida autorização, tanto da direção da Unidade como do Juizado para um dos Centros Educacionais, ficando lá no máximo 12 horas para que sejam ouvidos pela promotoria e pelo Juizado. De acordo com o fluxograma de Bandeira (2006, p. 54) o atendimento dos adolescentes autores de atos infracionais é feita na seguinte ordem: 19 Fluxograma 1 – Fluxograma de apuração do ato infracional. Fonte: Bandeira (2006), adaptado. 2.2 O adolescente em conflito com a lei: alguns conceitos Definir adolescência se torna um grande desafio, visto que o termo em si evidencia um atestado de muitas definições, como mostram Martins e Trindade (2003, p. 556) que afirmam ser a adolescência um “período e um processo psicossociológico de transição entre a infância e a idade adulta e que depende das circunstâncias sociais e históricas para a formação do sujeito”. Porém, Rosa, Ribeiro Júnior e Rangel (2007, p. 54), ao analisarem e definirem adolescência, ressaltam que não se deve resumir somente a uma fase de transição, mas essa deve receber a valorização por suas “características específicas 20 no marco do desenvolvimento humano.” Nesse período da vida, ocorrem várias mudanças e transformações que contribuem para essa construção, com suas alegações e seus comportamentos. Ainda conforme os autores “[...] seria mais prudente nomearmos ‘adolescências’ a esta etapa da vida marcada por enormes disparidades sociais e econômicas no Brasil”. Nessa fase de transição entre a infância e fase adulta, esses adolescentes passam por um processo de identificação, eles procuram se identificar com o ambiente em que convivem. Hall (2005, p. 38) explica como tal construção ocorre por meio de diversos processos ao longo da vida. Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada.” Numa perspectiva semelhante, Bourdieu (1996) aponta que as formas de percepção do mundo, bem como as formas de agir são incorporados ao longo de nossa existência, o que ele denominou de habitus: O habitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a ação nesse mundo. (p. 144) Os adolescentes infratores também sofreram e sofrem esse processo, pois seu ambiente familiar vai se transformando e suas maneiras de perceber o mundo e suas formas de ação são oriundas da interação com os grupos, sejam eles familiares ou sociais, com os quais socializam. A adolescência contemporânea assume uma nova condição, os adolescentes estão exigindo seu próprio espaço, buscam uma visibilidade através dos seus próprios atos e práticas para se destacarem em seus grupos. A maioria desses adolescentes se defronta, desde a sua infância, com a pobreza e se encontram numa situação econômica, em muitos casos, muito precária. Conforme Sales (2007, p. 68) exemplifica: 21 No caso das crianças e adolescentes brasileiros, isto levou, historicamente, à discriminalização da sua parcela mais pauperizada e insubmissa que vive nas ruas como “menores”, “delinquentes”, “marginais”, “infratores”, e a de suas famílias taxadas como em “situação irregular”.... Dentre eles, trabalhadores temporários, mendigos, assaltantes e também crianças. Consequências passadas e presentes desta lógica: o pauperismo de um lado, e o incremente de alternativas repressivas do outro, como a criminalização da miséria. A Tabela 1 traz uma pesquisa do IPECE (2013) sobre a linha de pobreza que tem sua renda na faixa de até R$ 140,00 e a linha de extrema pobreza com renda de R$ 70,00. Esses indicadores foram dados pelo programa “Brasil sem Miséria” do Governo Federal. Os resultados refletem que as SERs I, V e VI concentram a maior parte da população de 0 a 14 anos na condição de pobreza em Fortaleza. E na condição de extrema pobreza, as SERs I, II e V. Tabela 1 – Linha de pobreza e faixa etária. Com esse diagnóstico, pode-se inferir que essa condição influencia a entrada no mundo da transgressão. Como afirma Vaz (2010, p. 3), “O adolescente, um sujeito construído historicamente pela realidade sociocultural, se vê inserido num contexto contraditório”. 22 Nesse sentido, o SINASE (SEDH, 2006, p. 18) faz uma observação sobre os adolescentes que vivem na pobreza, num contexto de desigualdade e vulnerabilidade social: A realidade dos adolescentes em conflito com a lei não é diferente dos dados ora apresentados. Estes também têm sido submetidos a situações de vulnerabilidade, o que demanda o desenvolvimento de politica de atendimento integrada com as diferentes politicas e sistemas dentro de uma rede integrada de atendimento, e, sobretudo, dar efetividade ao Sistema de Garantia de Direitos. Como salienta Cavalcante (2011), “É a sandália da moda, a bermuda ao estilo surfista, o modo de andar com os braços abertos e balançando-os. Tão importante quanto o dinheiro obtido e os bens que se podem adquirir com eles”. Grande parte desses adolescentes vive dentro de um ambiente familiar monoparental1, sendo também um dos responsáveis pelo sustento da família e, em outros casos, no cuidado com os irmãos menores. Como muitos deles não conseguem um emprego de carteira assinada, por não estarem estudando, acabam sendo influenciados pelos “amigos” que arranjam uma forma “fácil” de ganhar dinheiro e sustentar a família. A Tabela 2 do IPECE (2013) mostra um pouco desse reflexo das famílias monoparentais em que crianças e adolescentes de 0 a 14 anos vivem ou sem o pai ou sem a mãe, apontando essas condições uma vulnerabilidade familiar, principalmente no SERs V e VI, local de bairros cujo índice de pobreza é elevado: Tabela 2 – Reflexo das famílias uniparentais. 1 A família monoparental foi reconhecida pela Carta Magna como entidade familiar e de acordo com a mesma é conceituada como “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Fonte: Familia Monoparental brasileira. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revista juridica/Artigos/PDF/jonabioBarnosa_Rev92.pdf>. 23 A maioria dos familiares sabe da procedência do dinheiro e, quando esses adolescentes são apreendidos, a família participa da audiência, pedindo ao promotor para não interná-los, alegando que ele trabalha para o sustento da família, fato esse que presenciei muitas vezes quando ainda estava no período de estágio na Unidade. Martins (2004) faz uma observação a respeito dos adolescentes autores de ato infracional [...] visto que em primeiro lugar antes de tudo são adolescentes [...] Em segundo lugar, estão em conflito buscando definição de uma identidade, de padrões éticos e morais. Estão muitas vezes em conflitos com a escola, com a família, enfim com o mundo [...]. Todos os adolescentes passam por estes conflitos, porém alguns passam por este período rodeados por intensas dificuldades e desafios, que além de gerar conflitos consigo, podem ocasionar e levá-los ao conflito com a lei. (MARTINS, 2004, p. 38) Nasio (2011, p. 39) relata que esse conflito parte, muitas vezes, do relacionamento que o adolescente tem com os familiares. Ora, quando a relação com os pais é falseada por esse imaginário maniqueísta, invariavelmente o conflito explode no seio da família [...] a maioria dos conflitos que irrompem, entre o adolescente e seus pais é motivada por seu medo, ainda que inconsciente de expor-se a humilhação e mostra-se incompetente aos olhos deles, aos olhos de todos e, acima de tudo, de si próprio. Assim, para não se sentir fraco, ele é agressivo. 2.3 Dados estatísticos do envolvimento dos adolescentes no ato infracional No Ceará, o número de adolescentes envolvidos em atos infracionais passou de 4.857 em 2012 para 5.4442 em 2013, segundo dados da Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro (URLBM). O aumento de aproximadamente de 13%. A maior incidência de atos infracionais tem se dado dos 15 aos 17 anos, na maioria dos casos praticados por meninos, que não estão estudando e têm envolvimento com drogas. Segundo o SINASE (SDH, 2013, p.11), no Brasil: 2 Os números são imprecisos, pois a forma de coleta de informações da URLBM está sendo informatizada, sofrendo alguns ajustes, contendo alguns erros nos seus dados estatísticos. 24 A população adolescente (12 a 18 anos incompletos) soma pouco mais de 20 milhões de pessoas. Menos de um adolescente em cada mil (0,094%) cumpre medidas socioeducativas. Em números absolutos, em 2011 havia 19.595 adolescentes cumprindo medida em regime fechado e 88.022, em meio aberto (prestação de serviços à comunidade ou liberdade assistida). O Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza, Manuel Clístenes, aponta como causas da reincidência dos adolescentes a ausência dos responsáveis e a escola que não ocupa o tempo todo deles, ficando, assim, uma parte ociosa e, com isso, voltam para o mesmo ambiente vulnerável. E, assim, após um período no Centro Educacional, eles começam a reincidir (CASTRO, 2013c, p. 2). De acordo com a análise feita por Firmino (2013): Entretanto, não é por nascer em bairros da periferia ou ser filhos de pais separados que a pessoa esteja predestinada a cometer delitos e ser usuária de drogas. Toda história de vida depende do ambiente onde vive, das oportunidades que se tem, dos cuidados, da atenção. Os tutelados pelo ECA não têm recebido a atenção que lhes é garantida por lei. (FIRMINO, 2013, p. 8) Sales (2007, p. 26) afirma que “[...] o contato com o mundo da criminalidade, sem dúvida, implica uma piora da qualidade de vida para o grupo doméstico como um todo, o qual combinado à exploração do mundo do trabalho e ao desemprego conduz a uma fatal perda de horizontes.” Ainda de acordo com a autora, alguns fatores podem contribuir para a inserção e reincidência dos adolescentes na prática do cometimento de atos infracionais, consistindo muitas vezes em atitudes violentas, são elas: Os adolescentes gostam de ser vistos [...], e, querem ser vistos associados à beleza, à irreverência e ao reconhecimento e prestígio social que ícones do mundo da cultura (música, teatro, cinema, etc.) e do esporte desfrutam; Na impossibilidade de gratificação imediata em termos de consumo, prazer, lazer, reconhecimento social (estimulados pela cultura de massas), devido às dificuldades de acesso a oportunidades sociais (escola, trabalho, remuneração digna, etc.), muitos jovens aderem aos apelos da criminalidade em seus diversos matizes: furtos, assaltos, tráfico, etc.; Os adolescentes compreendem o poder e a força da imagem que os associa à rebeldia, a comportamentos transgressores e à violência, e tiram partido dela; [...]. (SALES, 2007, p. 29-30) Conforme a titular da DCA (Delegacia da Criança e do Adolescente), Yolanda Fonseca, “a quantidade de meninos e meninas reincidentes é grande e 25 crescente”. Ainda conforme sua afirmação, não existe uma conscientização dos adolescentes “sobre a necessidade de seguir as determinações judiciais à risca, e que, para muitos, a medida socioeducativa se restringe à assinatura dos termos que comprovam o comparecimento aos atendimentos e nada mais” (MADEIRA, 2013b). A minha experiência dentro da Unidade me levou a vários diálogos com esses adolescentes que contaram um pouco de suas vidas, muitos deles cometem atos infracionais devido a várias influências, uma delas é o fato de ter familiares envolvidos em crimes, como pais, tios e irmãos. Também muitos não têm um diálogo com a família, sendo um dos motivos a ausência dos pais que saem cedo para o trabalho e só voltam à noite, chegam tão cansados que não se preocupam em perguntar como foi o dia dos seus filhos, que passam a maior parte do seu tempo ociosos, e isso acaba por acarretar a procura dos “amigos” que incentivam no cometimento do delito. Desta forma, a falta do envolvimento afetivo dos pais, negligência de cuidados físicos fazem com que o seu envolvimento com pares desviantes, nos anos precoces da sua infância e adolescência, aumente o risco da atração para o ato infracional. Complementando a fala do Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude, Manuel Clístenes, “com família desestruturada, tempo ocioso e voltando pro mesmo ambiente vulnerável, eles reincidem” (CASTRO, 2013c). Segundo os dados estatísticos da URLBM, a quantidade de adolescentes do sexo masculino que foram recepcionados nesta Unidade somam no total de 2.555 e do sexo feminino no total de 313, considerando que um mesmo adolescente pode dar várias entradas durante o ano, elevando, assim, o número de reincidentes que totaliza 2.6103 adolescentes em 2013. As adolescentes estão tendo um crescimento considerável no cometimento de ato infracional. Conforme apontam os dados da URLBM, em 2012 foram 210 adolescentes para 313 em 2013 tendo um crescimento de 14% em relação a 2012. Acompanhando essas adolescentes na sala do serviço social muitas delas relatam que já são mães com filhos pequenos que são levados para Unidade 3 Os números são imprecisos, pois a forma de coleta de informações da URLBM está sendo informatizada, sofrendo alguns ajustes, contendo alguns erros nos seus dados estatísticos. 26 pela família para serem amamentados por elas. Um dos motivos que levam a sua apreensão e reincidência são seus companheiros, pois para defendê-los assumem a culpa pelo delito. Outra variável percebida é o fato de terem pais separados, entrando em conflito com a madrasta ou padrasto saem de casa para morarem com os amigos ou companheiros que já cometeram algum delito. Em entrevista publicada no Jornal O Povo de 29 de outubro de 2013, o referido Juiz, Manuel Clístenes, fala um dos motivos que levam os adolescentes à reincidência: Na cabeça deles, eles vão cometer crimes e não vai dar em nada. Então, não pensam duas vezes antes de dar uma facada ou atirar. Eles têm uma tendência de serem mais irresponsáveis do que os adultos. Isso associado a legislação que, indiscutivelmente, é mais frouxa para os jovens faz o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) levar ao descrédito a legislação. Os jovens não levam o ECA a sério. A sociedade não leva o ECA a sério. (CASTRO, 2013c) Como dito anteriormente, o ECA não está funcionando em sua plenitude, contendo algumas falhas na sua execução, fazendo com que a sociedade e os próprios adolescentes não acreditem na sua eficácia, como afirmou Clístenes, comprometendo, assim, toda a legislação, levando muitos adolescentes a agirem com naturalidade quando são apreendidos, muitos falam para os pais “não se preocupa não mãe vou só para a engorda, estou magrinho e volto logo”, fala presenciada durante meu estágio, no momento em que os adolescentes estão indo para a audiência com o promotor, acompanhados dos familiares. Praticamente todos os dias são presenciadas as mesmas cenas, muitos deles não estão se importando em serem apreendidos, virando até uma “rotina”, quando chegam à Unidade e são recepcionados muitos falam “ei, tio, estou aqui de novo, vim passar uma temporada para engordar um pouquinho” sempre tendo a mesma fala, isso demonstra que as medidas socioeducativas não são eficazes da forma que estão sendo executadas. A assessora comunitária do Centro da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA), Cecília Góis, fala um pouco sobre a reincidência e também das medidas em entrevista publicada pelo Jornal O Povo de 29 de outubro de 2013: Não adianta cuidar da família se a escola não tem como recebê-lo. Mas 27 também não adianta cuidar da escola se a família não tem como cuidar desse jovem [...]. Se o menino tem uma LA (Liberdade Assistida) bem cumprida, se é acompanhado, se a escola dá amparo e a família se envolve, a possibilidade de ele reincidir é praticamente zero. Se a equipe falha [...]. (CASTRO, 2013c) No jornal Diário do Nordeste de 12 de junho de 2013, há uma reportagem sobre a lotação nos centros educacionais e a falta de uma estrutura para atender. O levantamento feito pelo Fórum DCA em 2011 revela muitas falhas na vida desses adolescentes, principalmente quando seus direitos básicos e fundamentais são completamente negligenciados. Aurilene Vidal que coordena o Forúm DCA – Ceará destaca: Não são dadas condições para que o adolescente saia diferente de como ele entrou. Quando você cria um espaço adequado para que o jovem repense o que fez, certamente ele muda, porque foi instigado a isso. (MADEIRA, 2013a, p. 9) Um deles é a atenção à saúde, pois muitos admitem ter problemas relacionados ao uso de drogas e ao alcoolismo, mais da metade das instituições (57,9%) admitiu não realizar trabalhos e atividades voltadas para o tratamento dos vícios. O acesso à educação, que por lei, é obrigatório a todos e está previsto no próprio nome dos centros, também tem sido comprometido Segundo Lucita Matos, assistente técnica de medidas socioeducativas da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), há muitas falhas no sistema no qual está inserido a prevenção e o combate à violência: Existem lacunas nos atendimentos e em todos os compromissos dos órgãos que formam o sistema de garantias dos direitos do adolescente. Nós temos falhas no atendimento em meio aberto, no poder judiciário, no nosso trabalho pedagógico e nas condições das famílias de estarem acompanhando e organizando uma orientação e um cuidado em relação aos filhos. Tudo isso contribui para que a sociedade desenvolva um sentimento de ódio do adolescente, muito mais acirrado do que a própria preocupação. (MADEIRA, 2013a, p. 9). Outra questão ligada à reincidência no ato infracional é o uso e a busca das drogas, pois, para possui-las e não tendo condições para tal, praticam-se roubos e furtos para conseguir dinheiro. Esses tipos de delitos também estão entre os motivos que elevam a taxa de homicídios na faixa etária entre 12 e 18 anos 28 incompletos como aponta o Jornal Diário do Nordeste que em 2013 foram executados 286 adolescentes todos envolvidos com drogas. Na fala de um delegado que ficou no anonimato ele relata: “Para obter o dinheiro necessário para comprar drogas, os menores assaltam, furtam, traficam, sequestram e até matam” (RIBEIRO, 2013b). Diante desse fato, o IPECE (2014) fez um levantamento em 2012 sobre o uso de drogas entre estudantes do Ensino Fundamental em Fortaleza e demais capitais brasileiras no qual Fortaleza aparece em 17º posição no ranking de adolescentes do 9º ano do Ensino Fundamental que utilizam maconha, também mostra que o crack, na capital, ocupa a 10º posição, sendo que seu consumo é de até 10 vezes mais, principalmente entre os estudantes que estão na escola pública, um fato alarmante, pois essa incidência no uso de drogas ilícitas acaba por acarretar a ação de muitos adolescentes no cometimento do ato infracional. Segundo Nasio (2011, p. 23), os adolescentes antes de qualquer cometimento do ato infracional fazem o consumo de drogas para o que não tenham medo do perigo: A respeito dos atos delituosos, devo dizer-lhes que a maioria dos menores encarcerados são garotos sem escolaridade e abandonados a si mesmos que, antes do delito, ingerem um coquetel de drogas e bebidas alcoólicas para suprir toda consciência e todo medo do perigo. Ainda de acordo com o autor, são adolescentes que não se incomodam com os riscos aos quais expõem sua vida, pondo-se a prova para afirmar-se dentro de um grupo. “Quer sentir-se existindo, distinguir-se dos adultos e ser reconhecido pelos colegas” (NASIO, 2011, p. 22), comprovando assim a inserção de adolescentes em gangues que causam medo aos moradores de alguns bairros principalmente os que moram na periferia da cidade. Segundo o Jornal O Povo do dia 10 de fevereiro de 2014 (CASTRO, 2014), as gangues em Fortaleza impõem uma “Lei” de violência em 16 bairros na capital, esses dados são da Delegacia Geral de Polícia Civil, conforme o Diretor do Departamento de Polícia Especializada (DPE), “o aumento desses conflitos, atribui principalmente à capitalização do tráfico”, fazendo com que os adolescentes da classe pauperizada aumentem sua participação no tráfico de drogas. 29 Conforme Giddens (2005, p. 190), a relação dos adolescentes com as gangues ocorre da seguinte forma: Os altos níveis de criminalidade [...] nas áreas mais pobres das grandes cidades estão relacionados particularmente às atividades de jovens do sexo masculino. Por que razão tanto jovens nessas áreas voltam-se para o crime? [...] Os meninos geralmente fazem parte de gangues desde muito cedo, uma subcultura na qual algumas formas de crime constituem um modo de vida. E, uma vez que os membros de uma gangue são rotulados de criminosos pelas autoridades eles descambam em atividades criminosas regulares. Grande parte desses adolescentes não frequenta um ambiente escolar por estar envolvida com gangues, pois, conforme alguns relatos dos adolescentes da Unidade, não vão à escola por não poderem andar em algumas ruas do seu bairro por causa de inimigos ou da gangue rival, fazendo com que a taxa de analfabetismo desses adolescentes cresça. Os dados do IPECE (2012), sobre os números de crianças e adolescentes de 6 á 14 anos que não sabem ler e escrever de cada regional, mostra que duas dessas SERs têm uma elevada taxa de vulnerabilidade educacional, conforme a Tabela 3: Tabela 3 – Número de crianças e adolescentes analfabetos. Essas tabelas são apenas uma amostra de como a vulnerabilidade educacional, financeira e familiar está afetado esta pequena parte da população de crianças e adolescentes, tendo seu direito a educação, garantido tanto pelo ECA como pela Constituição Federal, totalmente negligenciado, conforme o Art. 53 e 54 30 do ECA que dispõem: Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais. Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. (BRASIL, 1990) A Constituição da República Federativa do Brasil, com relação aos direitos sociais, dispõe: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 2014) São adolescentes sem perspectiva de um futuro e estigmatizados pela sociedade, pois, passando uma única vez pelo ato de apreensão, esses adolescentes ficam marcados, uma mancha que não sai e depois que saem da internação ou cumprem o ato infracional em liberdade na convivência com as pessoas tanto da família, como os vizinhos, vão ter sempre um olhar discriminatório contra eles, fato esse revelado pelos próprios adolescentes na Unidade quando passam pela sala do Serviço Social. 31 3 TRAJETÓRIA DOS ADOLESCENTES INFRATORES NA URLBM: DA INFÂNCIA AO PRIMEIRO DELITO 3.1 Sentimentos e sensações: as relações familiares e a momento da apreensão A vida dos adolescentes recepcionados na Unidade, em grande parte, é marcada e dilacerada desde a sua infância, tendo seus direitos negligenciados pela própria família. Alguns são abandonados pelos pais que não tendo condições para criá-los, deixando-os aos cuidados dos avós, tios e parentes mais próximos. Tal fato vai de encontro ao que prevê o ECA no Art. 4 (BRASIL, 1990): É dever da família, da comunidade, de sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Os dados estatísticos da URLBM referentes a 20124 mostram com quem os adolescentes moram, são números coletados em 2012, não tendo os de 2013, na ocasião dos novos dados da Unidade não mostrarem esse perfil, devido ao novo sistema de coleta de dados. Conforme a Tabela 4, a grande maioria mora com a mãe, evidenciando, assim, a incidência das famílias monoparentais. Tabela 4 – Com quem moram? Com quem moram? Mães 2. 196 Pais 1. 337 Tios/avós 487 Pai 169 Irmãos 121 Fonte: URLBM 4 Não foi possível utilizar dados mais recentes devido ao novo sistema de coleta de dados da instituição não mostrar esses indicadores. 32 Entrevistei cinco adolescentes recolhidos na URLBM e seus familiares, são trajetórias de vida diferentes, mas com o mesmo contexto de vínculos com a criminalidade. São criados não só pelo pai ou mãe, mas também pelos avós, tios, irmãos, primos, parentes próximos e até vizinhos. Dos entrevistados, três moram com a mãe. É na família que o adolescente constrói sua identidade para a maturidade, tendo os exemplos dos familiares para sua construção de valores. Conforme Muniz (2008, p. 3), o adolescente passa por processo de descobertas e sem a presença da família ele perde o referencial, como mostra em seu artigo sobre o adolescente infrator: A assistência familiar é de fundamental importância, a base para a formação do indivíduo maduro, adulto. É através da família que o adolescente aprende a subordinar-se à autoridade, que o adolescente inicia suas relações sociais e a partir desse aprendizado é que ele irá compor as demais interações. É a partir da palavra dos pais que o adolescente irá progredir rumo à maturidade. Quando um adolescente é criado num ambiente familiar dilacerado, sem base de valores, perde o referencial mais importante que iria norteá-lo à sua maturidade. O adolescente precisa criar uma identidade, [...]. Para estabelecer esta identidade leva um tempo e o processo é árduo. Portanto, a família como primeiro espaço de socialização possui fundamental influência no desenvolvimento do indivíduo. Quando esse ambiente é caracterizado pela ausência de condições favoráveis a uma adequação às normas sociais vigentes, os adolescentes têm maiores probabilidades de se envolverem em atividades transgressoras e ilícitas. Desse modo, não tendo um bom convívio familiar, sem lazer, sem frequência escolar, sem diálogo com os pais, que é de extrema importância, esses adolescentes acabam descobrindo outras formas de se socializar, que pode ser o envolvimento na criminalidade. Segundo Giddens (2005, p. 184), “O aumento do crime e da delinquência estava relacionado à degeneração moral, ao declínio da família e ao desgaste dos valores tradicionais”. Outra característica desses adolescentes é que eles vivem o “agora” e poucos são os que têm uma perspectiva de um futuro, como enfatiza Muniz (2008, p. 3) sobre essa fase confusa e de muitos conflitos, na qual surgem dúvidas e preocupações: 33 A adolescência é uma fase em que a pessoa é tomada por conflitos internos e externos. É nesta fase que surgem as dúvidas e as experiências que irão conduzir as pessoas rumo à fase adulta. É uma fase da vida em que o que importa é o agora, não há preocupações com o amanhã. Adolescente é imediatista, não faz plano para o futuro como um adulto que planeja suas economias para tempos difíceis. Durante a pesquisa de campo, um dos entrevistados foi Azulão, de 16 anos, que já estava na sua 7ª apreensão. Ele é um adolescente marcado pelo abandono dos pais, no dia em que nasceu seu pai deu duas escolhas para sua mãe: jogar a criança num contêiner de lixo ou dar para alguém criar. Sua mãe preferiu jogá-lo num contêiner de lixo, mas ele foi resgatado por uma prima, conforme relato da avó paterna. Outro fator relevante em sua trajetória foi o assassinato do pai quando ele era pequeno, bem como a morte rápida do tio que ele tinha como pai. Tudo isso gerou uma revolta, ele pensa que todas as pessoas que ele gosta estão morrendo, como foi relatado pela avó. Todo esse percurso de perdas e abandonos em sua vida prejudicou todo seu desenvolvimento durante uma fase tão conflitante que é a adolescência, tornando-se aparentemente uma pessoa fria, não pensando nas consequências dos seus atos. Conforme Goffman (1975, p. 9), “[...] ele carrega um estigma, mas não parece impressionado ou arrependido por fazê-lo”. Pouco antes da entrevista, antes do adolescente adentrar a sala, o orientador fez a seguinte recomendação: “tome cuidado, esse menino é muito perigoso, ele matou duas pessoas”. Então, antes da sua entrada tomei certo cuidado ao fazer as perguntas, principalmente com relação aos pais, pois como já tinha ouvido o relato da sua avó, não queria ter nenhum problema com o entrevistado sobre alguns fatos da sua infância. No momento da entrevista, ele conta com clareza e muita frieza os delitos que cometeu e sem esboçar nenhum arrependimento. Ainda de acordo com sua avó, quando ele tinha cerca de uns 10 anos, começou a vender drogas em vez de ir à escola como ela pensava, pois ele saia todo fardado, foi nesse período que um vizinho aproximou-se dele e, então, o mesmo agia da seguinte maneira: dava a volta no quarteirão e entrava na casa do vizinho, trocava de roupa e saia para vender drogas. A avó o seguiu e descreveu sua ação. Logo sua vida foi estigmatizada por atos infracionais, o adolescente não mora mais com a família e sim com uma companheira. O seu último delito cometido foi um duplo homicídio o qual ele me relatou com muita frieza: 34 Matei duas pessoas no dia só... Porque um roubou meu tio e o outro me furou um mês atrás, tenho até a marca ó... Foi matei de pedrada. E o outro de Paulada... um as 5 horas da manhã e o outro de madrugada... eu chamei ele para cheirar pó, ele veio mais eu, mas quando ele passou por mim dei logo uma paulada na cabeça dele, que ele caiu e na hora que ele caiu eu terminei o resto.... O segundo foi depois, ele me chamou e quando ele se virou, na hora que ele olhou pra mim, na hora que chamei ele e na hora que ele olhou dei uma pedrada na cara dele que ele caiu, quando ele caiu eu terminei o resto. (Azulão, 16 anos) O segundo adolescente entrevistado, Rouxinol, tem um perfil diferenciado do adolescente acima, ele não foi abandonado pela mãe, mas sofre rejeições diárias da mesma, que trabalha como diarista. Ele pede várias coisas a mãe e a mesma o rejeita dando mais atenção ao irmão mais velho. Seus pais são separados. Ele gostaria de morar com o pai, mas, segundo seu relato, não mora com o pai porque seu pai não quer e também por achar que sua madrasta não gosta dele, assim, como ele não faz o necessário para que isso aconteça, mas ambos rejeitam esse adolescente. Sua mãe tem consciência disso, pois relatou chorando sua negligência em ajudar o filho, até a matrícula da escola ela se recusou a fazer. A mesma diz não saber por que faz isso, mas prometeu mudar e dar mais atenção a ele. O seu primeiro delito foi um roubo de carro, pois estava revoltado com o irmão que lhe negou um pouco da sua comida. A primeira eu assumi porque realmente fiz...ai a primeira eu acho que fiz também mas por causa também da “rohypnol”5 e a influência que a 5 Conhecido vulgarmente por “Ripinol”, “Rupinol” e “Aranha”. É, muitas vezes, utilizado em superdoses e associado ao álcool e outras substância psicoativas. “Sua substância ativa é a flunitrazepam, que é um agonista benzodiazepínico com alta afinidade por receptores centrais. É indicado para o tratamento de curta duração da insônia. Os benzodiazepínicos são indicados apenas quando a insônia é grave, incapacitante ou submete o indivíduo a extremo desconforto. O uso de benzodiazepínicos e similares pode levar ao desenvolvimento de dependência física e psíquica. O risco de dependência aumenta com a dose e a duração do tratamento; também é maior em pacientes com história de abuso de álcool ou outras substâncias. O uso concomitante de álcool deve ser evitado. Os efeitos sedativos e as reações adversas do flunitrazepam podem ser potencializados, se ele for associado a álcool. A superdosagem de benzodiazepínicos geralmente se manifesta por depressão do sistema nervoso central, variando da sonolência ao coma. Em casos discretos, os sintomas incluem sonolência, confusão mental e letargia. Nos casos mais graves, os sintomas podem incluir ataxia, hipotonia, hipotensão arterial, depressão respiratória, coma (raramente) e morte (muito raramente). Entretanto, como com outros benzodiazepínicos, a superdosagem não apresenta risco de vida, a não ser quando associada a outros depressores do Sistema Nervoso Central (inclusive álcool).” Disponível em: <http://www.medicinanom.br/bula/4565/rohypnol.htm>. Acesso em: 02 jun. 35 pessoa chama... ai meu irmão trabalha com quentinha... chegava com a quentinha eu pedia a ele, ele não macho, vou dar não, ai eu via, e quando chegava lá, eu via a quentinha estragada e dava tipo uma coisa assim, não tinha comida em casa, então fui roubar. (Rouxinol, 17 anos) Rouxinol é um adolescente simpático e muito falante, me relatou com muita clareza a sua vida e disse que gosta de cantar rap e que já tem músicas no youtube6 que retratam a sua realidade e da comunidade onde mora, colocadas por seu pai que é professor de capoeira. Sua última apreensão foi por receptação. O terceiro adolescente entrevistado, Gaivota, estava na sua 4ª apreensão. Ele tem dois filhos, não trabalha e não estuda, pois não pode se locomover em seu bairro livremente por causa das gangues que existem por lá, são três gangues no mesmo bairro. Ele confirma que praticou dois atos infracionais por tráfico de drogas, entretanto, segundo o mesmo, os dois últimos delitos foram forjados por um policial da reserva que frequentemente andam pelo bairro. Ele alega que esse policial não gosta dele e deu-lhe até um apelido de 12 que o adolescente não sabe o motivo e também não gosta de ser chamado assim. De acordo com seu relato, esse policial já forjou alguns delitos e o colocou como culpado de porte ilegal de arma de fogo e de latrocínio. Sobre o primeiro ato infracional, ele relata que “estava precisando de dinheiro e não tinha como trabalhar... influencia mesmo”. Já o segundo, no qual foi apreendido novamente por tráfico, ele diz que “Estava sem dinheiro, estava a fim de comprar leite pro meu filho...” (Gaivota, 17 anos). O adolescente, no momento da entrevista, se mostrava muito preocupado com sua situação devido a sua apreensão pelo latrocínio de uma grávida no bairro de Messejana, fato que teve uma grande repercussão tanto na TV como também nas redes sociais. Ele chorou muito dizendo que ele não tinha feito esse delito, que não sabe andar de moto e nunca pegou numa arma. Dizendo que ia para o interior estudar e mudar de vida para criar seus filhos, mas esse policial “não o deixa sossegado”. Seus pais estão separados há nove anos. Seu pai relatou que a infância do filho sempre foi boa, que ele deixou de ir ao colégio aos 12 anos por causa das gangues existentes no bairro que controlam a área, impedindo a locomoção dos 2014. 6 Site de compartilhamento de vídeos, cujo endereço eletrônico é <http://www.youtube.com>. 36 moradores pelos seus arredores. Também disse que ele era tranquilo até “que um rapaz da outra gangue mexeu na bicicleta dele, ai pronto esse menino ficou doido, ai brigou com esses caras...”. Disse que, depois desse incidente, o adolescente entrou na gangue rival para se vingar. Perguntei ao gaivota se ele participava de algumas dessas gangues, ele disse que não, contrariando o que seu pai tinha dito anteriormente. O pai ainda relatou que seu filho nunca roubou, pois ele dá tudo o que ele precisa, justamente para que ele não cometa o ato infracional do roubo. Também reforçou que essas duas últimas infrações foram forjadas por esse policial da reserva que anda a paisana pelo bairro invadindo as casas sem ter um mandando expedido pelo juiz, tanto o pai como o adolescente dizem que esse policial sempre o persegue, fazendo com que ele assuma crimes que não cometeu. O quarto adolescente entrevistado, Sabiá, foi pego junto com gaivota por latrocínio, tem a mesma história, pois moram na mesma rua e são amigos, ambos se dizem perseguidos pelo mesmo policial. Ele mora com os pais, estudava, mas saiu da escola por causa das gangues no bairro e agora trabalha com o pai. É um adolescente calmo, fala pouco, mas relatou seu primeiro delito: “eu estava numa cinquentinha7 roubada... era do meu tio, eu fui preso ele não”. (Sabiá, 17 anos). Ele relata que é perseguido pelo mesmo policial da reserva e que, desde a primeira apreensão, esse policial já lhe forjou dois delitos de roubo, relatou a última apreensão na forma de um desabafo: A lei, mas essa é a segunda vez que sou preso por um ato que não fiz...tem a pessoa dizendo que fui eu... o que essa pessoa ganha com isso, por causa que ele perdeu um ente querido né e tudo. É difícil perdeu um ente querido, mas tá acusando a pessoa errada, fazendo a pessoa pagar pelo crime que não cometeu. (Sabiá, 17 anos). Sabiá também chorou muito no momento da entrevista por estar novamente dentro do sistema socioeducativo e, principalmente, por um ato que ele alega não ter cometido. Sonha em ter paz e diz: “quero acordar e sair desse pesadelo, voltar a estudar e andar tranquilo”, falou também em morar no interior, 7 O termo “cinquentinha” refere-se a um modelo de motocicleta com motor de combustão interna, cuja capacidade cúbica não ultrapasse 50 cm³ e a velocidade final não exceda os 50 quilômetros por hora. Disponível em: <http://www.motonauta.com.br/?p=20799>. Acesso em: 02 jun. 2014. 37 querendo se livrar da perseguição do policial, o adolescente acha que é perseguido pelo policial por causa do seu amigo gaivota. O quinto adolescente entrevistado, Curió, tem uma história quase parecida com a dos adolescentes acima, morava com a mãe e agora mora com a companheira que está grávida. Seu pai é falecido, tem mais dois irmãos sendo que não tem mais contato com os mesmos. Trabalha em dois lugares, não estuda porque é perseguido pelo traficante que o acusa de ser um delator, pois o mesmo foi preso e acha que Curió que o denunciou a polícia. Ele me falou do seu primeiro delito: “fiz nada não, eu comprei, mas não sabia não que era roubada... uma moto.” (Curió, 17 anos). O segundo delito foi pelo mesmo motivo, “não era roubada, só a placa que é adulterada, ela tinha documento e tudo... comprei ela em dezembro...” (Curió, 17 anos). A mãe do Curió, no momento da entrevista, chorou duas vezes, relatandome o comportamento do filho que, desde pequeno, tem problemas neurológicos, dizendo que ele começou a se envolver em atos infracionais por causa da companheira, mas me pediu para não comentar isso com ele. Afirmando que sofre muito devido ao envolvimento do filho com as “amizades”, que vive mudando de bairro, tentando ter paz, relatando que não tem nada, foi tudo destruído por conta dessas “amizades” e também pelos policiais que quando fazem busca de drogas em sua residência quebram tudo. As famílias, principalmente de classes menos favorecidas e as que moram nas periferias da cidade, pela precarização de recursos e informações, pelo excesso de trabalho e escassez de tempo e também o desemprego, encontram-se em relações de abandono, insegurança e dúvidas na educação dos filhos. Muniz (2008, p. 3) relata essa problemática com clareza: No Brasil, onde o desemprego assola o país, sobretudo nas classes baixais em que as pessoas não possuem qualquer qualificação para o trabalho, onde um curso superior parece ser uma realidade distante, o crime se apresenta como uma forma de emprego muito atraente a estes jovens. Na dinâmica da Unidade, durante as conversas com os adolescentes, percebia a necessidade que alguns deles têm em ajudar seus familiares, como muitos não estudam e também não querem, buscam através do delito ajudar seus 38 familiares. Como afirma Feijó e Assis (2004, p. 158), “O jovem, seja por abandono ou por pobreza extrema, entraria pelo caminho da infração como forma de sobreviver e aumentar a renda familiar”. Observei, no meu período de estágio na Unidade, que os adolescentes não expressam sentimentos, são raros os momentos em que vi adolescentes no atendimento esboçando um arrependimento ou choro sobre o ato que cometeram, eles demonstram certa dificuldade em falar sobre o assunto, principalmente sobre eles e seus familiares, quando perguntados como é o convívio dentro do ambiente familiar. Dentre os entrevistados, apenas um soube expressar o que estava sentido, que foi o Rouxinol, um adolescente tranquilo que tenta entender porque sua mãe lhe despreza tanto, ele acha que é por ser “diferente” dos demais, por causa da sua cor, pois se considera mais “moreno” do que seu irmão que tem um cabelo loiro e suas irmãs que são mais branquinhas. Relata com tristeza que tenta fazer tudo que sua mãe pede, mas ela não lhe dá atenção. Muitos desses adolescentes mesmo dentro do convívio familiar se sentem rejeitados, sentindo ausências dos pais, sentem necessidade de serem aceitos, valorizados, tendo, assim, uma grande dificuldade de se identificar com alguém da família. Desse modo, seu percurso vai ser marcado com o envolvimento com as drogas ilícitas e muitos desses entram para o tráfico de entorpecentes. Dessa forma, eles acabam se inserindo num grupo, acabando, assim, com sua rejeição dentro do convívio familiar, sendo introjetado nele uma identidade baseada no convívio com os pares, uma vez influenciado vai ser difícil se desvincular. Sem uma base familiar, os adolescentes se apoiam nos seus pares que como eles buscam uma identidade, como afirma Muniz (2008, p. 3). Com isso, a supressão da família neste tocante irá transferir aos pares a busca pela identidade. Os pares são pessoas ligadas, mais próximas, grupos, geralmente da mesma faixa etária, que se unem em busca de identidade. São formados, justamente pela identificação comum. Logo, a personalidade do adolescente será formada a partir dos valores dos seus pares, já que lhes faltou o apoio dos pais. A influência dos pares é tão forte que mesmo em famílias bem estruturadas, estes exercem sua influência, mas não de forma tão intensa, como em famílias dilaceradas, de vínculo frágil ou inexistente. 39 Esses adolescentes carregam dentro de si uma marca, uma característica que só pertence a eles, passando uma vez pelo sistema das medidas socioeducativas, sofrem preconceitos não só da sociedade, mas também por membros da família, não lhe dando crédito, estão sempre lhe julgando, como Goffman (1975, p. 6) aponta: Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca....Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a identidade social real. 3.2 O uso das drogas como forma de alívio e coragem A porta de entrada dos adolescentes no chamado mundo do crime está muitas vezes associado às drogas ilícitas (maconha, crack, cocaína, dentre outras), acabando por adentrar na delinquência com o apoio dos “amigos” e até de alguns familiares que, já envolvidos no crime, influenciam a entrada deste adolescente no mesmo caminho. Como afirmam Sá e Santiago Neto (2011, p. 10): No cotidiano dos adolescentes se faz presente o envolvimento com o tráfico de drogas, assassinato de parentes significativos, envolvimento de parentes no crime, além do risco que envolve o adolescente de perder sua vida a qualquer momento. Os adolescentes entrevistados na URLBM relataram o uso de drogas no cometimento do crime. O azulão começou a usar ainda criança aos 10 anos por meio de um vizinho, como falado anteriormente. Uma criança marcada pelos acontecimentos em sua vida, começou pela maconha, depois o crack e, agora, diz que está no pó (cocaína). Ele é muito temido no bairro onde mora, pelo seu envolvimento com o tráfico de drogas. Tejadas (2005, p. 48), em seu artigo, ressalta “A droga como meio de se inserir em um grupo e de lidar com o sofrimento, o crime como meio de conquistar a afirmação e o pertencimento”. 40 A família também pode ser uma porta para a iniciação no mundo das drogas, através de um depoimento de uma menina que começou a fazer uso da maconha por incentivo de seu padrasto e, agora, de acordo com ela, está viciada em tudo: Eu comecei a usar drogas, eu não tinha nem 8 anos direito... porque minha mãe usava e o marido dela usava... o primeiro cigarro que eu fumei eu não tinha nem 8 anos, foi meu padrasto que me deu, pra espantar mosquito do interior... quando tinha 12 anos de idade, eu já estava viciado em tudo: crack, maconha, bebida... e, quando tinha 12 anos de idade eu fui presa pelo conselho tutelar, por que minha vó me denunciou dizendo que eu 8 queria matar ela”. Joana Maria 13 anos. O Rouxinol começou a usar drogas por influência do irmão mais velho, no seu relato, dizia que queria ajudar o irmão a sair das drogas e acabou utilizando e ainda fuma maconha várias vezes ao dia, principalmente à noite para relaxar e dormir. Como explicam Pereira e Sudbrack (2008, p.155) sobre esse consumo, “há uma relação com a droga na qual o jovem já não dá conta de fazer suas ações diárias sem estar sob o efeito dela”. Conforme seu relato, quando cometeu o primeiro delito, pela raiva, utilizou o “repinol” para lhe dar coragem e cometer o ato infracional. Assim como o Rouxinol, outros adolescentes se utilizam da droga para perder o medo do perigo, agindo, assim, com agressividade e ameaças para conseguir o que desejam, como afirmam Pereira e Sudbrack (2008, p. 155): Em um contexto de pobreza e exclusão, em que os problemas enfrentados são os mais diversos, agravados pela introjeção de uma auto-imagem negativa, pela descrença em si mesmo e pela ausência de esperança de melhores condições de vida, esses jovens, além de desejarem esquecer os problemas e encontrar momentos de prazer, passam a acreditar que com a droga podem tudo, que a droga é capaz de lhes oferecer “poder” e “coragem” para desafiarem, conquistarem ou violarem: “as pessoas buscam ‘ibope’ e um desabafo.” O Gaivota usava maconha, como ele queria ter roupas boas, começou a traficar drogas e relatou que somente fumava maconha durante o período em que traficava, agora com dois filhos, deixou de usar, para não influenciá-los. 8 Depoimentos de adolescentes infratores sobre as medidas socioeducativas e atos infracionais. (TERRE DES HOMMES, 2010, p. 33). 41 O Sabiá não disse como se envolveu com as drogas, relatou dizendo que usava maconha e como via a mãe dele sofrendo parou de usar. Já o Curió, de acordo com o relato da mãe, começou a se envolver com drogas depois que o pai morreu, despertou para o uso da maconha, em seguida, foi para a cocaína, parou de usar depois que passou pelo processo da medida socioeducativa, pelos conselhos que ouvia e também porque descobriu que sua companheira está grávida. Na análise de Pereira e Sudbrack (2008, p. 155), as autoras afirmam que os adolescentes buscam nas drogas o alívio para vários problemas relacionados em sua vida: No entanto, o fato de cometerem o ato infracional para usarem drogas é apenas um sinal de dependência da droga ou poderia ser também uma estratégia de sobrevivência? Em contextos desfavorecidos, não podemos deixar de pensar também nas estratégias que esses jovens desenvolvem na tentativa de eliminar o frio, a fome, como também a dor, o sofrimento, o abandono e a solidão. Os atos infracionais mais cometidos pelos adolescentes quando estão sob o efeito da droga é o roubo e o furto. Fazem isso para obterem o dinheiro para a compra da droga, como relatam alguns adolescentes da Unidade em atendimento com o serviço social. São adolescentes que vivem num contexto de exclusão, tornando-se vulneráveis, com isso, acabam por adentrar no mundo obscuro que é o da droga, como corroboram Pereira e Sudbrack (2008, p. 155): Esses jovens encontram-se vulneráveis pelo contexto de exclusão em que vivem. Passam por situações altamente frustrantes e tensas e não encontram um modo de expressar os sentimentos de raiva e revolta que são despertados. A droga aparece como “válvula de escape” para suas tensões, mas ao invés de controlar o sentimento, libera-o em maior intensidade, pois ela rompe com todos os mecanismos de censura. 3.3 Abordagem policial e o abuso de poder As abordagens policiais de acordo com os adolescentes e familiares é de muita agressividade, chegando a agredir até familiares nas “batidas”, que os mesmos fazem nas residências quando procuram drogas, armas ou material de roubo. De acordo com Sá e Santiago Neto (2011, p. 148): 42 São os usos sociais de punições físicas praticadas por policiais contra os corpos de pessoas recorrentemente concebidas como indesejáveis, tanto pela população citadina quanto pelos policiais, e, portanto, categorizadas em situações de conflitualidade cotidiana como “vagabundos”, principalmente flanelinhas, guardadores de carros, jovens usuários de drogas, jovens moradores de favelas se deslocando de bicicleta pela cidade, usando roupas que são identificadas no “crime” e pela polícia como marcas de ladrões, ocasiões que resultam nos chamados “baculejos”, uma forma local de revista policial. O Azulão relata sua relação com a polícia, pois por ser considerado, no bairro em que reside, um adolescente de alta periculosidade, qualquer crime que acontece no local, a polícia vai atrás dele para agredi-lo, segundo o mesmo, até quando se trata de crimes que não cometeu. Sobre o duplo homicídio, ele comenta: “Estavam a fim de me pegar, meter a peia em mim, é tetra pra mim tirar, mas não conseguiram não”. Ele foi preso depois de cinco dias, mas antes disso, no dia do delito, os policiais foram atrás dele, como relata: Os cana9 já sabia que era eu, foi lá em casa pegaram minha irmã, arrombaram lá o barraco onde eu dormia, foram lá na minha tia atrás de mim, e não conseguiram me pegar, nesse mesmo dia que fiz o homicídio, passou uns dias, passou uns dias, ai eles conseguiram me pegar cinco dias depois... essa queda agora não apanhei não triscaram nenhum dedo em mim não. No relato do Rouxinol, a violência dos policiais foi mais extrema. De acordo com ele, na primeira apreensão, os policiais lhe agrediram com pedradas: “tem um rombo aqui que abriu, me bateram totalmente com pedrada”, já na segunda ele falou: A polícia me pegou me batendo, dizendo que é dá...eles falaram assim: “Ei macho, olha pra aquele teu amigo, ele vai levar um tiro e quando ele levar um tiro, ai tu num instante vai entregar, ai se tu não entregar, tu vai levar o teu também.” Aí eu no meu pensamento: “Vixe! Vocês vão me matar porque não sei de nada desse roubo, vocês vão me matar”. Tem até um calombo na minha cabeça, pancada de rifle, telha, pedaço de pau, a telha fazia era quebrar. 9 Gíria para denominar a polícia ou os policiais. 43 Os adolescentes Curió, Sabiá e Gaivota sofrem abuso de poder de policiais não somente pelo fato de terem sido apreendidos uma vez, mas também pelo fato de que eles não entendem o motivo de tal perseguição. São abordados constantemente pelos tais policiais e forjadas prisões para eles, caracterizando, assim, abuso de poder. Como comprovam Sá e Santiago Neto (2011, p. 156) Possivelmente, os que possuem passagem pela polícia são considerados um forte suspeito durante as batidas policiais, mesmo tendo sido julgado e absolvido. Já os que estão com algum processo em andamento, correm o risco redobrado de sofrer algum tipo de punição momentânea por parte dos policiais durante o baculejo. Uma das estratégias criadas pela polícia para identificar determinados sujeitos e combater o crime, que foi constatada nas nossas pesquisas, foi o uso do celular, utilizado por policiais, para tirar fotografias de alguns sujeitos. Os sujeitos escolhidos, em algumas batidas policiais, para serem registrados em fotografias, eram jovens que já responderam ou estavam respondendo por algum crime. Todos os adolescentes que passam pela Unidade relatam o fato de serem fotografados pelos policiais que fazem sua apreensão e isso vai de encontro com o ECA que proibi qualquer tipo de fotografia tirada por policiais, ou qualquer outra pessoa sem a devida autorização, conforme o Art. 247 e parágrafo 1º sobre as infrações administrativas do ECA: Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional... § 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente. (BRASIL, 1990) Esse procedimento só poderá ser realizado na DCA na sua ficha criminal. Esse tipo de procedimento realizado pelos policiais aumenta ainda mais a perseguição contra esses adolescentes. O Curió comenta o assunto sobre abordagem policial com muita revolta. De acordo com ele, esses policiais têm uma rixa com o mesmo: Eles iam do outro lado da avenida, ai eu vinha assim, eles olharam, ai não deram voz de abordagem, foram logo atirando, não sei se era pra cima ou 44 pra mim, eu se aperreei e estiquei, sai e segui em frente, com medo de pegar um tiro em mim, eles não falaram no microfone para parar, só faziam atirar, quando me viram foram logo atirando, ai pra casa da mãe dela (companheira) era umas dez horas da manhã tava até chovendo. Deram pau em mim estou todo marcado de pau... foram me perseguindo até em casa, eles invadiram a nossa casa, invadiram a casa da minha mãe, chamaram eu e deixaram ela (companheira) dentro da viatura e pediram arma e eu dizendo que não tinha arma não, eles: “é vocês ficam roubando”. Roubando onde se eu trabalho, ai só sei que desde a primeira vez eles têm uma rixa comigo, a primeira levaram o dinheiro do aluguel e a segunda vez roubaram o celular dela. Sá e Santiago Neto (2011, p. 158) constatam que: [...] esta é a forma como os policiais acreditam que estão combatendo o tráfico de drogas, e que o meio da agressão, embora ilegal, seja uma alternativa de impor respeito e ordem. A medida como muitos deles tentam impor a lei é, na maioria das vezes, baseada na força e nas regras das ruas, motivada por uma empolgação, ações enérgicas, vibração, que visa combater o mal das drogas e da criminalidade. Os depoimentos de Sabiá e Gaivota são parecidos, pois os mesmos moram no mesmo bairro e são amigos. Gaivota relata que o policial da reserva que anda a paisana vive andando pelo bairro, na entrevista, ele disse: “ele pegou uma rixa em mim... foi no tempo que disse que meu apelido era 12” o adolescente não sabe dizer o motivo do tal apelido. Dizendo ainda: “eu disse não man 10, para de chamar desse apelido... só ele me chama de 12... quer me forjar de alguma coisa, quer me bater, jogou até gasolina em mim, ele me ameaça”. Nessa apreensão, o policial invadiu sua casa, segundo relatou, dizendo que ele deveria comparecer à delegacia sem ao menos dizer qual o motivo, quando chegaram lá ele e o Sabiá estava sendo acusados de latrocínio. No depoimento de Sabiá, ele relata que está vivendo outro pesadelo e que não aguenta ver sua mãe chorando toda vez que ele é apreendido por crimes que não cometeu, ele declara “a primeira foi o ronda, o roubo foi o policial da reserva que me pegou... por que no bairro a gente tem rivalidade com outra gangue... tem boatos que a gente fez isso e fez aquilo... fica nessa fama ai a polícia bota pra mim e para o Gaivota”. 10 Corruptela da expressão “macho”, bastante usada no Ceará para se referir as pessoas do sexo masculino, independente da idade. 45 Realidade essa que ocorre todos os dias, principalmente nas periferias e favelas de Fortaleza, os familiares contam, aos prantos, os abusos de poder que esses policiais exercem dentro dos bairros e comunidade, colocando medo e terror nos moradores, de preferência nos adolescentes infratores, que, abordados por eles, são marcados e o fato de estarem simplesmente numa praça ou calçada e, principalmente, se estiverem em algum lugar suspeito na hora da ronda policial, podem retornar à DCA, pois é possível que seja forjado algum delito para eles, como os próprios adolescentes e familiares comentam. Sendo assim, a grande parte dos adolescentes infratores como seus familiares que passam por esses abusos e violências não fazem uma denúncia na Corregedoria por medo de represália dos policiais que não só ameaçam os adolescentes como toda a família. Como descreve Machado e Noronha (2002, p. 209) sobre a violência policial contra as famílias e adolescentes que vivem nas mãos dos policiais. Assim, mesmo que a maioria dos soldados venha da parte excluída da sociedade, eles absorvem esquemas discriminatórios e desenvolvem condutas violentas contra pobres e não-brancos. Estes por sua vez, como não dispõem de recursos materiais e políticos para modificar a imagem produzida sobre eles, nem para agir contra os abusos, constituem presas fáceis para a violência policial. O pai do Gaivota, em seu relato, diz que a polícia é conivente com os marginais do bairro e que tudo o que acontece a polícia sabe, ele comenta que: “A polícia ganha dinheiro do outro lado, o ronda e esses reservados que são militares que trabalham com roupa de civil”, sendo contrário ao que prevê, sobre os deveres dos militares, o Art. 8º11: IV- Servir a comunidade, procurando no exercício da suprema missão de preservar a ordem pública e de proteger a pessoa, promover, sempre o bem estar comum, dentro da estrita observância das normas jurídicas e das disposições deste artigo. Retratando o abuso e a extorsão que essas pessoas sofrem com o convívio de policiais onde moram, Noronha e Machado (2002, p. 219) afirmam: 11 Disponível em: <www.cb.gov.br/html/coletanea/coletanea_html/coletanea_lei13407.html>. Acesso em: 02 jun. 2014. 46 Entretanto, como a violência policial tem uma dinâmica própria, fundada em concepções e políticas social e racialmente discriminatórias, é inevitável que pessoas comuns, inocentes sejam objeto da brutalidade policial, que não se justifica mesmo contra os chamados “marginais”. Para estes, existe a lei, que devia existir também para o policial que mata sem motivo legítimo, que humilha, agride, espanca, tortura. Uma mãe também fez um desabafo quando foi falar com seu filho na Unidade. Ele foi apreendido em Horizonte, onde moravam, também com as mesmas características dos adolescentes acima citados, ela disse que: “ele não pode pôr os pés em Horizonte que a polícia prende, eles não gostam do meu filho, já forjaram vários delitos”. Esse adolescente, quando apreendido, não chega a falar com o Delegado e muito menos com o Promotor ou Juiz, a única coisa que eles pedem é que ele assine um documento, sendo obrigado a isso, então, é mandado para Fortaleza para cumprimento da medida socioeducativa de internação, como relatou sua mãe que se desespera com a situação de seu filho. Não só ele passa por isso, mas toda a família vem sendo ameaçada constantemente pelos policiais, até seu irmão mais novo passa por esse constrangimento, ela relata isso chorando, pois não aguenta essa perseguição. Sendo assim, Noronha e Machado (2002, p. 1) comentam: A violência policial contra indivíduos e grupos, também chamada de violência oficial, é uma constante nas sociedades modernas e contemporâneas. Contudo a sua forma varia conforme o grau de tolerância, governamental ou popular, levando a que, em certos lugares, haja mais vigilância sobre a ação policial do que em outros. De acordo com uma matéria publicada no Jornal O Povo de 2013, o comportamento do policial durante a abordagem vem do treinamento autoritário baseado em aulas teóricas e exercícios que são realizados nas academias para sua formação, tendo uma disciplina rígida chamada “Cultura Militarizada” que se baseia na atuação do policial como se ele estivesse em guerra, combatendo um inimigo. Diante desse aspecto, ainda conforme a matéria: Práticas de tortura, violação de direitos e abuso de poder são chagas que atingem também delegacias e seus agentes desfardados. No Ceará, a situação é grave. Hoje, do total de investigações que estão em andamento na controladoria de disciplina dos órgãos de Segurança, cerca de 30% são contra policiais civis. (REBOUÇAS, 2013) 47 4 PERCEPÇÕES DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI SOBRE AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS As medidas socioeducativas a que os adolescentes estão sujeitos a cumprir são divididas em dois grupos: as que incluem medidas não privativas de liberdade (advertência, obrigação da reparação do dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida) e as que incluem as medidas que são privativas de liberdade (semiliberdade e internação). Abordarei os dois grupos nesse trabalho, devido ao fato de que alguns dos adolescentes entrevistados já passaram por medidas socioeducativas nos referidos grupos. As medidas socioeducativas, em conformidade com o SINASE (SDH, 2013, p. 6), têm como objetivo interromper a trajetória do ato infracional, restituir os direitos que são garantias dos adolescentes, permitir sua inclusão social, educacional, cultural e profissional. Conforme o Levantamento Nacional sobre o atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei em 2010 (SDH, 2010), o Brasil teve uma estimativa em média de que para cada 10.000 adolescentes entre 12 e 17 anos, 8,8 encontram-se privados de liberdade. A comparação, em média, entre as medidas em meio aberto e fechado é de um interno para dois em meio aberto. Comparando as estatísticas de 2010 e 2011 feitas pelo levantamento Anual da Coordenação-Geral do SINASE (SDH, 2012, p. 11) é indicado um aumento de 4,5% em 2010 para 10,6% em 2011 em privação de liberdade, mostrando também um grande aumento no tráfico de drogas que em 2010 era de 7,5% para 26,6% em 2011, afirmando também que um dos principais motivos para a internação está diretamente relacionada à vulnerabilidade social a que são expostos os adolescentes. Existem falhas no sistema socioeducativo, pois o mesmo não dá conta do crescimento de adolescentes envolvidos com atos infracionais, gerando consequências graves, fazendo com que grande parcela da sociedade comece a discriminar tais adolescentes, propiciando o estabelecimento de estereótipos, que podem ser exemplificado em uma frase comum como: “esses adolescentes não tem jeito”, como Goffman (1975, p. 124), explica: 48 As atitudes que nós, normais, temos com uma pessoa com um estigma, e os atos que empreendemos em relação a ela são bem conhecidos na medida em que são as respostas que a ação social benevolente tenta suavizar e melhorar. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida [...]. De acordo com Madeira (2013a), em matéria no Jornal Diário do Nordeste de 12 de junho de 2013, a superlotação dentro das Unidades está fazendo com que os trabalhos para essa reintegração seja comprometida, uma vez que 50% dos internos que estão nos Centros Educacionais em Fortaleza já foram sentenciados outras vezes e já haviam passado por medidas socioeducativas. Entretanto, o mesmo jornal, no dia 09 de outubro de 2013, retrata que, com toda essa demanda dentro dos centros educacionais, torna-se impossível uma ressocialização, “pois o sistema está piorando esses adolescentes. Tudo passa a ser comprometido, a dormida, o número de visitas, de aulas ofertadas, atividades lúdicas. Tudo é de menos, por que tem gente demais”, destaca o Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude, Manuel Clístenes (LIMA, 2013). Conforme o SINASE (SDH, 2013, p. 12), a quantidade das Unidades Socioeducativas no país: Existem 448 unidades socioeducativas no país, das quais 286 possuem destinação exclusiva a um único programa (63,8%) e 162 mistas (36,2%), que envolvem mais de um programa de atendimento. Quanto à destinação por gênero, 77% (346) das instituições são exclusivamente masculinas, 54 exclusivamente femininas e 48 são instituições mistas. Do total de unidades, 263 (58.7%) têm destinação específica de faixa etária e 185 não têm faixa etária especificada. São Paulo concentra 136 unidades (30% do total nacional). A quantidade de Unidades é insuficiente para a demanda, com isso, ocorre a ineficácia das medidas socioeducativas, os direitos que são garantidos aos adolescentes em regime de internação não são cumpridos a rigor, assim, não trazem garantias para que a medida faça seu papel de ressocializar o adolescente, para que ele volte ao convívio familiar e tenha uma rotina diferente da que tinha antes. Como afirma o Levantamento Nacional sobre as Unidades Socioeducativas: 49 Ao longo dos últimos anos a SDH procurou apoiar os Estados na superação da falta de vagas pela insuficiência no número de unidades socioeducativas de privação de liberdade, por inadequação dos espaços e das estruturas físicas aos parâmetros do SINASE e especialmente para superar questões de superlotação e presença de adolescentes em delegacias públicas. (SDH, 2011, p. 16) Sales (2007, p. 320) comenta que medida socioeducativa de internação deveria ser uma privação de liberdade, sendo, assim, uma “suspenção temporária do seu direito de ir e vir” e aponta a necessidade de investimentos nas outras medidas: Isso porque os objetivos primordiais almejados pelo ECA, em seu Livro II, são a responsabilização e a reparação da transgressão cometida, combinadas à perspectiva de educação e reinserção social desses adolescentes. O uso excessivo de tal medida encobre, porém, muitas vezes, a incapacidade de setores governamentais em lidar com o problema dos delitos e da criminalidade juvenil, e a dificuldade em aplicar com criatividade e investimento social as demais medidas presentes no ECA [...]. Os Centros Educacionais estão trabalhando com superlotação, não conseguindo atingir o seu objetivo que é trabalhar a ressocialização do adolescente. Em 2013, foram mais de 4 rebeliões nos centros educacionais, já em 2014, estão contabilizadas 5 rebeliões no primeiro semestre. De acordo com os dados da DCA, em 2014, o índice de adolescentes infratores aumentou e nos dois primeiros meses. Esse aumento foi de 23%, totalizando mais de 1.000 adolescentes apreendidos, fato publicado por Paiva (2014c) no Jornal O Povo de 25 de abril de 2014, que aponta os dez atos infracionais mais cometidos por adolescentes em 2013 conforme o Gráfico 1, a seguir: 50 Gráfico 1 – Os 10 atos infracionais cometidos pelos adolescentes. Fonte: Paiva (2014c). Diante dos fatos apresentados, Kodato e Silva (2000, p. 511) falam dos problemas existentes dentro das Unidades de Internação que comprometem a ressocialização dos adolescentes: A ressocialização depende muito mais de esforços pontuais de profissionais da instituição e das particularidades de cada adolescente do que da existência e manutenção de um programa pedagógico articulado e consistente com os objetivos de uma internação, tal qual apregoa o ECA e as normas internacionais na área. Não há um programa claro e fundamentado com diretrizes, conteúdos e atividades, sendo ócio a característica central na rotina de grande parte dos internos. Como apregoam os parâmetros da gestão pedagógica no atendimento socioeducativo do SINASE (SDH, 2013, p. 46): O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que contribua na sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de se relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir na prática de atos infracionais. Segundo Feitosa (2014), as medidas em meio aberto também contém falhas, fazendo com que a reincidência dos adolescentes infratores chegue a 51 91,43%. Esse dado indica que as medidas socioeducativas em meio aberto não surte o efeito esperado, como afirma o Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza, Manuel Clístenes, em relação à Liberdade Assistida. Este levantamento mostra que praticamente 100% dos garotos descumprem as medidas de Meio Aberto. Isto é uma piada. É uma prova de que a Liberdade Assistida não funciona em Fortaleza. O resultado é absolutamente nulo. (FEITOSA, 2014) O SINASE (SDH, 2013, p. 14) afirma que foram ampliados significativamente, em 2010, os programas para o atendimento em meio aberto: De 40.657 adolescentes atendidos em 2009, para 88.075 em 2011. Por meio da Resolução nº 7, da Comissão Intersetorial Tripartite (CIT), promoveu-se uma expansão da oferta do Serviço de medidas socioeducativas em Meio Aberto no SUAS, passando de 388 para 903 o número de municípios com cofinanciamento federal. Não adianta aumentar o número de atendimentos se não há profissionais multidisciplinares suficientes para atender à demanda, o CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social, órgão responsável por atender as medidas em meio aberto, não conta com uma equipe de atendimento psicossocial que seja suficiente para atender tantos adolescentes que chegam diariamente na Unidade. Entretanto, o SINASE (SEDH, 2006, p. 19) afirma: A realidade dos adolescentes brasileiros, incluindo aqueles no contexto socioeducativo, exige atenção do Estado e evidencia a necessidade de uma agenda de urgência no sentido de se efetivar politicas públicas e sociais e sobretudo, ampliar os desafios para a efetiva implementação da politica de atendimento socioeducativo. Segundo Feitosa (2014), sobre a equipe de profissionais do CREAS: “as equipes profissionais estão completas, atendendo as demandas e fazendo os acompanhamentos necessários”, afirma a assessoria de comunicação do CREAS. Fato esse que, segundo os relatos dos adolescentes atendidos na Unidade, não procede, eles afirmam que nunca receberam visitas de nenhum profissional e que só vão assinar a presença para ficarem livres do processo. Nesse caso, refere-se aos adolescentes atendidos na Liberdade Assistida, já que, na Prestação de Serviço 52 para Comunidade – PSC, o adolescente tem que comparecer na Unidade estabelecida para trabalhar. Entretanto, na matéria do Diário do Nordeste de maio de 2014, Feitosa (2014) aponta o aumento de adolescentes que reincidem dentro das medidas em meio aberto. Como mostra o Gráfico 2. Gráfico 2 – Medidas socioeducativas em meio aberto. Fonte: Feitosa (2014). Um dos problemas apontados para que as medidas em meio aberto não funcionem é o que se refere às drogas. Como atesta Jânia Perla Aquino, professora e integrante do laboratório de estudos de violência da UFC, “O Estado tem um equipamento para prendê-los e não tem como tratar. É muito caro manter uma pessoa presa e mesmo assim, não se leva em conta que esse dinheiro pode ser gasto em políticas de tratamento e prevenção” (FEITOSA, 2014). No que se refere às drogas, Sales (2007, p. 317) constata que: As consequências sociais do tráfico de drogas são assim enormes, à medida que ele provoca a expulsão de crianças do seio de suas famílias, 53 realizam atentados contra escolas, contra patrimônio público... Ele é responsável também pelo aumento do número de adolescentes a cumprir medida socioeducativa de “internação”, a ponto desta ser a segunda causa de detenção em razão de atos de transgressão cometidos. Todavia, é preciso reconhecer que há jovens que assumem como suas as regras do mundo do tráfico de drogas e da violência, um mundo fora-da-lei e dos direitos de cidadania. Esse é um de muitos percalços que fazem aumentar a entrada dos adolescentes na reincidência, comprovando que eles não são submetidos a um tratamento que lhes é de direito. Muitos relatam que querem se livrar das drogas, mas, sem tratamento e tendo um ambiente favorável para o consumo, é provável que ele volte à transgressão. Como afirmam Kodato e Silva (2000, p. 511), “a ausência de trabalhos como, por exemplo, o desenvolvido no formato de comunidades terapêuticas, deixa uma lacuna para aqueles adolescentes que porventura desejariam abandonar as drogas”. Sobre isso, Sales (2007, p. 320) declara: Significa ainda que é preciso investir maciçamente numa cultura de direitos e numa política pública, inteligente e universal, assim como em valores – direito à vida e à integridade física e mental, mais desenvolvimento pessoal e social – que sirva de contraponto à secular injustiça brasileira, à desigualdade e à miséria coletiva que corrói o caráter, e que faz de muitos adolescentes meros “sobreviventes sociais”. O ECA, no Art. 124, expõem os direitos dos adolescentes privados de liberdade. Dentre eles, destacarei os seguintes: V – Ser tratado com respeito e dignidade; X – Habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XVI – Receber, quando da sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade; XI – Receber escolarização e profissionalização; XII – Realizar atividades culturais, esportivas e de lazer. (BRASIL, 1990) O artigo acima cita alguns direitos que são negados aos adolescentes na URLBM, por exemplo, pois muito dos alojamentos não estão em condições adequadas devido à baixa luminosidade e ao mau cheiro, em decorrência de alguns adolescentes fazerem suas necessidades no alojamento devido muitas vezes à má vontade dos educadores em levá-los ao banheiro. Fato esse que presenciei no meu 54 período de estágio. Também existe a ocorrência de perda dos documentos dos mesmos. Acontece geralmente nos Centros Educacionais devido à grande quantidade de adolescentes internos, causa apontada pelos adolescentes e familiares que voltam à URLBM, pensando que os documentos estão por lá. Por fim, a falta de escolarização, de cursos profissionalizantes e de realização de atividades esportivas e lazer, que dentro dos Centros Educacionais estão comprometidas devido à superlotação das Unidades, fazem com que haja rodízios e que só participem das atividades os adolescentes que tiverem bom comportamento. Nas diretrizes presentes no SINASE (SDH, 2013, p. 9) sobre o funcionamento das medidas socioeducativas, destacam-se: Focar a socioeducação por meio da construção de novos projetos pactuados com os adolescentes e famílias, consubstanciados em Planos Individuais de Atendimento. Incentivar o protagonismo, participação e autonomia de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e de suas famílias. Humanizar as Unidades de Internação, garantindo a incolumidade, integridade física e mental e segurança do/a adolescente e dos profissionais que trabalham no interior das unidades socioeducativas. Garantir a oferta e acesso à educação de qualidade, à profissionalização, às atividades esportivas, de lazer e de cultura no centro de internação e na articulação da rede, em meio aberto e semiliberdade. Garantir o direito à educação para os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e egressos, considerando sua condição singular como estudantes e reconhecendo a escolarização como elemento estruturante do sistema socioeducativo. Essas diretrizes estão muito aquém da realidade. Com a superpopulação de adolescentes infratores dentro dos Centros Educacionais, a convivência torna-se perigosa, gerando muitos conflitos, ocasionando, assim, as rebeliões. Um dos fatores que reproduz as rebeliões noticiadas nos jornais, tanto televisivos como os impressos, são os casos de torturas e maus tratos que os adolescentes sofrem dentro dos Centros Educacionais, como noticia Paiva (2014b) para o Jornal O Povo de 13 de abril de 2014, de acordo com os representantes das ONGs de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes – Fórum DCA: Segundo levantamentos da instituição, desde julho de 2013, cinco grandes rebeliões foram realizadas na capital. Para a entidade, todos os conflitos são reflexos do “desrespeito às previsões legais” dos adolescentes. A entidade denuncia que os jovens estariam sendo torturados e, até mesmo, sendo vítimas de casos de estupro, que estariam sendo cometidos por agentes públicos, dentro das casas de internação. 55 Todos os fatos descritos acima geram um descontentamento dos adolescentes internos, ocasionando os motins, as rebeliões e as reincidências, ratificando essa informação Rafael Barreto, assessor jurídico do CEDECA e do Fórum DCA, comenta: São várias denúncias que recebemos, diariamente, seja dos familiares ou dos próprios jovens. E, geralmente, estas são as principais motivações para as rebeliões no Estado. Ouvimos relatos de violência física cometida pelos instrutores. São casos de surras diárias que são cometidas [...]. (PAIVA, 2014a) O artigo 125 do ECA dispõe que “É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”. Com os casos de denúncias de torturas e até de estupro dentro dos Centros Educacionais, o presente artigo está longe de corresponder a essa determinação legal, pois os funcionários dos Centros, que são de responsabilidade do Estado, em especial os Educadores, não estão zelando pela integridade dos adolescentes internos. Os centros educacionais deveriam trabalhar de acordo com o Regimento Interno das Unidades Socioeducativas. Dentre os artigos desse regimento, citarei o Artigo 4º, seção I, dos direitos dos adolescentes que pontua: Serão garantidos aos adolescentes os seguintes direitos, dentre outros: I. Ter respeitada a sua individualidade e estar livre de preconceito e julgamento moral. II. Estar salvo de qualquer tratamento desumano, vexatório ou que atente contra a dignidade da pessoa em desenvolvimento. III. Participar de atividades escolares, pedagógicas, profissionalizantes, culturais, esportivas e de lazer. IV. Receber assistência medica e odontológica, priorizando os serviços públicos e comunitários. V. Ter direito à ampla defesa e ao contraditório quando lhe for atribuída conduta faltosa, antes de lhe ser aplicada a medida disciplinar. VI. Ter a garantia e convivência familiar e comunitária, respeitando os critérios previamente definidos neste Regimento. VII. Receber atendimento técnico, no mínimo, quinzenalmente. VIII. Ter garantido os documentos indispensáveis à vida em sociedade. IX. Ter acesso aos meios de comunicação social, a partir de critérios predefinidos pela equipe socioeducativa. X. Receber visitas, obedecendo a critérios estabelecidos pela direção e pela equipe técnica da Unidade de Medida Socioeducativa, salvo em caso de suspensão temporária desse direito pela Justiça da Infância e da Juventude. XI. Ter acesso a condições adequadas de higiene e asseio pessoal. XII. Habitar em alojamentos em condições de higiene e salubridade. XIII. Receber, quando do seu desligamento, os documentos pessoais. 56 XIV. Ter acesso, quando necessário, a atividades psicoterapêuticas. XV. Ser ouvido pela direção e equipe técnica em suas queixas, problemas, dúvidas e reivindicações. XVI. Corresponder-se com os familiares. XVII. Receber assistência religiosa, segundo sua crença, desde que assim o deseje, e que não coloque em risco sua segurança física e mental. XVIII. Avistar-se e entrevistar-se com o representante do Ministério Público e Defensoria Pública. XIX. Peticionar diretamente a qualquer autoridade. XX. Ser informado, sempre que solicitar, sobre sua situação processual. XXI. Ter acesso a atividades e serviços fora dos limites da instituição, nas condições estipuladas pela direção, salve expressa determinação judicial em contrário. (CEARÁ, 2013, p. 19-20) 4.1 Percepção dos adolescentes sobre as medidas socioeducativas 4.1.1 Pontos Negativos Dos adolescentes entrevistados na URLBM três disseram que a medida não ressocializa devido aos maus tratos e à falta de atenção e acompanhamento dos profissionais dos Centros Educacionais, como psicólogos e assistentes sociais. De acordo com Carvalho (2013, p. 13), [...] entende-se que a equipe multidisciplinar é fundamental para auxiliar o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, pois ele pode ser atendido em respeito a suas necessidades e receber apoio profissional de advogados, pedagogos, assistentes sociais, psicólogos e demais profissionais dispostos a contribuir com a sua formação. O Azulão durante a entrevista relata que é muito maltratado no Centro Educacional. Tudo o que acontece, a culpa recai sobre ele, sendo espancado constantemente pelos educadores, disse também que os psicólogos e assistentes sociais não fazem nada a respeito. Quando lhe perguntei se a medida lhe ressocializou ele foi bem taxativo: “... não que quando saí, saí mais ruim, porque fica muito tempo preso”. A avó do Azulão tem esse mesmo argumento, pois, das vezes que seu neto ficou interno, ela não viu uma melhora no seu comportamento. Ela relata da seguinte maneira: “minha filha ele voltou foi pior, muito pior”. Mas a mesma o prefere internado a “solto”, “ele lá está guardado, melhor do que ficar cometendo crimes”. Sendo totalmente contrárias as Regras das Nações Unidas para a 57 Proteção dos Menores privados de liberdade (1990) que ratifica no inciso II na aplicação das regras no item 12 que os adolescentes devem passar por programas que ressocializem o interno: A privação da liberdade deve ser efetuada em condições e circunstâncias que assegurem o respeito pelos direitos humanos dos menores. Os menores detidos devem poder exercer uma atividade útil e seguir programas que mantenham e reforcem a sua saúde e o respeito por si próprios, favorecendo o seu sentido de responsabilidade e encorajando-os a adotar atitudes e adquirir conhecimentos que os auxiliarão no desenvolvimento do seu potencial como membros da sociedade. De acordo com Sales (2007, p. 64), “[...] a prática da tortura para obtenção de confissões [...] e também do expediente rotineiro de surras e outras formas de castigo [...] nas unidades de internação para adolescentes infratores”, são constantes na rotina dos internos, mostrando a precariedade na capacitação dos educadores. As denúncias são relatadas constantemente tanto pelos adolescentes como também pelos seus familiares no CEDECA – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, quando ocorre a visita dos familiares nos Centros Educacionais. Já o Rouxinol fala “... porque o pessoal só fala em maldade (adolescentes internos e os próprios educadores) ... Assim por que, os orientador tem uma de...” (relatando que os educadores impõem suas regras de convivência dentro do centro educacional). Diz ainda não se envolver com outros internos “para não entrar em confusão”. A mãe do Rouxinol fala sobre a medida de internação que foi aplicada em 2012 para seu filho, ela diz que: “ressocializou 80%” não sabendo me explicar direito os 20% restantes. O Sabiá, sobre a medida socioeducativa, argumenta “... porque tipo assim... a sociedade quando a gente é preso uma vez... já olha pra nós com outra cara... esse menino já roubou e vai continuar roubando”. No Centro Educacional, relata não se envolver com outros adolescentes para não entrar em confusão. Sobre esse assunto, Tejadas (2008, p. 264) destaca: Apresenta-se a perspectiva do etiquetamento do adolescente no Sistema, provocado pela reincidência e reforçador de sua continuidade. O adolescente reincidente ocupa lugar específico no Sistema, com unidade de internação própria, na qual os controles e a perspectiva prisional são 58 acentuados. [...]. Dessa forma, ao adolescente reincidente é atribuído um status: o do reincidente, que passa a defini-lo como pessoa, carregando o estigma de ser alguém que não é mais passível de mudança, como portador de maior periculosidade. O Gaivota diz que não gosta dos Centros Educacionais por causa dos maus tratos, e quando soube que ia voltar para lá relata chorando: “a gente não é bem-vindo não”, falando sobre os reincidentes que voltam para a mesma Unidade. Os familiares de Gaivota e de Sabiá relatam que ressocializou, mas, como sempre são perseguidos pelo policial da reserva, a ficha criminal dos seus filhos está crescendo pelos delitos forjados por ele, fazendo constantemente ameaças conforme os familiares dos adolescentes. O Curió nunca passou pela internação, está na segunda Liberdade Assistida, não sabe me explicar como é aplicada a medida socioeducativa, e que só fazia assinar. A Liberdade Assistida para os adolescentes infratores se resume no termo “assinar”, pois nem eles e seus familiares sabem como funciona a medida. De acordo com o Regimento Interno das Unidades Socioeducativas, a medida que os adolescentes cometem transgressões disciplinares podendo ser classificadas entre leve à gravíssimas sofrem punições. Destacarei algumas punições que estão previstas no capítulo VI das medidas disciplinares: a suspensão da prática recreativa, de lazer e esportiva. Essa medida pode atingir até sete dias e ocorre com advertência verbal ou escrita, nos casos graves ou gravíssimo os internos podem ficar restritos aos dormitórios por no máximo cinco dias e também são restritos ao seu espaço de reflexão no prazo máximo de sete dias (CEARÁ, 2013). Diante dos indicativos acima, como relatam os adolescentes, muitas vezes não é preciso descumprir as regras, devido a alguns dos educadores “cismarem”, como os adolescentes falam, com alguns deles para que algumas dessas medidas serem aplicadas sobre eles. Reforçando os relatos, Paiva (2014b) mostra: Em algumas Unidades os educadores estariam fazendo uso de equipamentos como a chamada “tranca”, prática que consiste no isolamento dos internos, os deixando incomunicáveis, como instrumento de punição. Até mesmos as visitas de familiares estariam sendo suspensas. 59 Constatando a afirmação acima, no período do estágio, a mãe de um adolescente relatou que quando foi visitar seu filho no Centro Educacional, o mesmo estava isolado na “tranca”, que é um quarto totalmente escuro, com pouca ventilação e a porta é toda fechada, os adolescentes permanecem dentro desse quarto somente de trajes íntimos. No dia da visita, o diretor avisou a mãe do adolescente que ele se encontrava nesse quarto por desobediência, mas como já conhecia sua história resolveu liberar o filho para visita. Retratando um pouco mais sobre os internos, colocarei depoimentos de outros adolescentes que não foram entrevistados mas que passaram por essas torturas, fazendo com que repensem suas convicções a cerca da medida aplicada, tornando-se adolescentes perigosos e com desejo de vingança: “somos humilhados, chamados de “elementos”, “marginais” e outras coisas muito piores”. (Luiz, 15 anos) “Só sei que quando sair, vou fazer justiça com as próprias mãos. Aprendi bem com o que sofri por aqui”. (Tomaz, 17 anos) “Aqui se falarmos qualquer coisa que não gostem, nos golpeiam de cassetete até se cansarem e nós não aguentarmos mais”. (Manoel, 16 anos) “A medida socioeducativa aqui senhora, não corrige ninguém não... só faz é piorar.” (Thiago, 16 anos) (TERRE DES HOMMES, 2010) Sobre esse fato, muitos adolescentes sentem revolta não pela medida que lhes é aplicada, pois sabem que devem cumprir, mas pelos tratamentos a que estão sujeitos, como reforça Frasseto (2006, p. 323): A manutenção da internação porque persistentes ou presentes, por exemplo traços de impulsividade, influenciabilidade, agressividade, imaturidade, intolerância à frustação, baixa auto-estima, falta de projetos de vida, de limites, de crítica acerca da conduta criminosa embute operação com alto teor de discricionariedade uma vez que inexiste correlação necessária ou mesmo probabilidade relevante entre elas é uma futura reincidência. No período de estágio dentro da URLBM, presenciei várias cenas de discriminação não só com os adolescentees apreendidos mais também com os familiares. Essa discriminação parte dos próprios funcionários da Unidade que, sem nem conhecer a realidade desses adolescentes e muito menos dos familiares que ali se encontram, chamam-nos de “marginais”, afirmam “que eles não têm jeito”, “que a 60 família é responsável” pelo que está acontecendo com o adolescente. Portanto, pude perceber diversas formas de preconceito e de estereotipar que machucam muito os familiares que estão ali e reclamam desse tratamento na sala do Serviço Social da Unidade. Segundo Kodato e Silva (2000, p. 513): Desprovidos de condições, não assistidos em seus direitos elementares, não reconhecidos na singularidade de suas demandas, não tiveram os adolescentes a possibilidade de atingir a vida adulta. Não tiveram acesso às politicas sociais básicas, definidas enquanto prioridades no Art. 4 do ECA e, ao que tudo indica, não sofreram a ação das politicas de assistência social e nem das medidas de proteção (Incisos II e III, Art. 87 do ECA). Não puderam ainda beneficiar-se efetivamente das medidas socioeducativas, propostas no sentido de se evitar a escalada no mundo da delinquência e de promover a ressocialização do adolescente. Em suma, as vitimas, na grande maioria, não tiveram condições infra-estruturais favoráveis ao desenvolvimento pleno, não receberam a assistência necessária, enveredaram-se pela delinquência e incapacitados para a reabilitação social, continuaram a infracionar, acabando por ser mortas. Dentro da mesma perspectiva, o livro Vozes (TERRES DES HOMMES, 2010, p. 51) mostra um relato de um adolescente chamado Ariel com 16 anos, que passou pelo processo de internação e fala que a medida socioeducativa não ressocializa pelo simples fato da Unidade não ter uma estrutura adequada para isso, segundo o adolescente: Nós sabemos que isso não deve acontecer... a medida socioeducativa, às vezes, é bom, mas, as vezes, é ruim, pois as mães da gente acha que a gente tá bem estruturado, mas não tá, e assim é igual a uma família desestruturada, é como um adolescente numa família, ele vai ficar rebelde. Desse jeito é numa Unidade dessa, mandam a gente pra uma Unidade dessa, senão tiver uma estrutura legal, o que é que vai acontecer, a tendência é o adolescente piorar... eu acho que para a medida socioeducativa acontecer como deve, é preciso cuidar logo da Unidade. (Ariel, 16 anos) Com o aumento de adolescentes cometendo delitos, também cresce o número de adolescentes que são assassinados por causa dos crimes cometidos, muitos desses adolescentes que passam pela Unidade por um determinado ato infracional que cometeram, principalmente contra pessoas “poderosas”, passam a ter um prazo de vida muito curto. Presenciei um fato ocorrido na Unidade em que um adolescente foi apreendido por tráfico e foi lhe dado a medida de Liberdade 61 Assistida, no momento da sua saída da Unidade, havia dois homens em uma moto aguardando-o e, no momento em que o carro que estava saiu, um dos homens que o aguardavam atirou. O adolescente sabia que eles estavam ali para pegá-lo, pois, antes de ser atingido, ele havia declarado isso para seus familiares. Ele acabou morrendo perto da Unidade, pois o carro em que estavam retornou para dentro do complexo das Unidades pedindo socorro. 4.1.2 Pontos positivos e perspectivas para o futuro Todos os adolescentes que passam pelas medidas, tanto as em meio aberto como as de privação de liberdade, tiveram experiências, geralmente, desagradáveis e poucos são os que gostaram. As medidas socioeducativas têm como principal objetivo a prática pedagógica, ofertando para os adolescentes cursos profissionalizantes e oficinas para que o adolescente, depois de cumprir as penalidades previstas na lei, possa se reinserir dentro do seio da sociedade, comprovando uma das afirmativas do SINASE (SDH, 2013, p. 8) que reforça que as práticas pedagógicas estão “criando oportunidades de construção de projetos de autonomia e emancipação cidadã”. O Azulão relata que, nos centros educacionais, o que ele prefere é ficar nas oficinas, “aprendo muita coisa lá”, não gosta de ir à escola, dizendo também que sua perspectiva para o futuro é ser motorista de ônibus, um sonho desde a infância. Sobre esse ponto positivo, Konzen (2006, p. 345) ratifica “as experiências positivas ainda não tem a sinergia suficiente para iluminar o caminho e para contaminar a resistência às transformações”. Por mais que Azulão goste de fazer as oficinas e ter um sonho de ser motorista de ônibus, ele não tem vontade de mudar, estando na sua sétima apreensão, ele não demonstra querer transformar sua situação infracional. Rouxinol, quando passou pela internação, disse que gostou de fazer os cursos profissionalizantes e que tem um certificado de curso de garçom, falando com muito entusiasmo. Ele também diz querer investir na carreira de cantor de rap, algo que gosta muito, e terminar os estudos. 62 Curió relatou que, quando passou pela Liberdade Assistida, nunca foi interno, o que ele mais gostou foi dos conselhos que recebeu, fato pelo qual disse que deixou de utilizar drogas, do mesmo modo que pretende terminar os estudos, comprar uma moto e trabalhar para sustentar a família que agora está crescendo com a chegada do seu filho. Os adolescentes Sabiá e Gaivota não relataram os pontos positivos pela ocorrência de serem apreendidos novamente sem terem praticado nenhum ato infracional. Eles relatam a falta de perspectivas para o futuro devido à perseguição sofrida pelo policial já citado, mas dizem não perder a fé, querem terminar os estudos, viver em paz. Sabiá pretende comprar uma moto para trabalhar com seu pai, Gaivota almeja mudar de vida morando no interior, trabalhar e criar seus dois filhos. Todos os adolescentes que passam pela medida socioeducativa pensam em mudar, ter nova vida, um emprego, ser qualificado, sair da sua situação precária e ter perspectivas positivas. Esses adolescentes precisam ser ouvidos, pois são desprovidos de diálogo, abandonados, falta espaço promocional que os instigue a ter um horizonte repleto de expectativas que aprimore seu desenvolvimento como pessoas de direito, também na ênfase da garantia e da efetivação de políticas públicas e uma visão amplificada para o exercício da cidadania e uma vida social mais saudável. 63 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho possibilitou identificar alguns fatores que contribuem para a efetivação do fenômeno estudado, é uma pesquisa com singularidades buscando compreender o relacionamento dos adolescentes com o ato infracional e a medida socioeducativa. O trabalho mostra uma gama de elementos em que os sujeitos estão inseridos, como a exclusão, a negligência, o abandono, dentre outros, revelando, assim, sua condição de vítimas e não de agressores, dentro de um sistema que viola e nega a sua inserção dentro das políticas públicas, causando uma diminuição do seu espaço dentro da sociedade, rompendo com a construção de cidadãos dignos e merecedores de direitos. São adolescentes, em grande parte, oriundos de classes subalternas, nas quais existe um estereótipo de que as pessoas nessas condições estão sujeitas a cometerem atos infracionais, porém, são adolescentes que possuem um estigma perverso que não vislumbra um sujeito violado estruturalmente, na condição de encontrar-se fora da escola, sem trabalho, e até sem um horizonte, não tendo a quem recorrer. A maioria dos adolescentes que passam na URLBM sofrem com a ausência de afetos, principalmente em relação à família, porque eles não presenciam isso em suas casas, pelo simples fato de seus pais ou cuidadores não passarem isso para eles. Muitos vivem abandonados dentro de sua própria moradia, sem ter ninguém como referência. Um exemplo disso foi uma conversa com um pai de um adolescente apreendido por roubo. Como passa o dia trabalhando, não tem tempo de conversar com o filho. Segundo ele, a escola era responsável por seu filho ter sido apreendido, pois considera que é na escola que seu filho será educado, se eximindo de sua responsabilidade. Outro fator relevante para a incidência e reincidência desses adolescentes são as drogas, muitos são presos por tráfico simplesmente para manter o consumo do vício, outros cometem roubos com o mesmo sentido. Dos entrevistados, dois deles utilizam a droga para cometerem o ato infracional, sendo que a maioria dos adolescentes, quando cometem o ato infracional, beneficiam-se do consumo da droga, tornam-se mais agressivos e perdem o medo no momento do delito. 64 Ao ouvir os adolescentes e familiares, compreendemos que eles procuram cumprir a medida, pretendem ter uma nova vida, mas terão certas dificuldades, pois enfrentarão situações como: ameaças e perseguições de policiais, grupos rivais, perseguições e ameaças de morte por traficantes, discriminação pela situação de egresso, dentre outros fatores que afastam o adolescente da mudança social. Com base na pesquisa realizada, foi observado que as medidas socioeducativas têm se mostrado ineficazes, não cumprindo sua finalidade, a ressocialização do adolescente infrator, visto que está acontecendo um total desrespeito às condições humanas e psicológicas dos adolescentes, principalmente daqueles que estão na medida de internação, sofrendo constantes maus tratos e agressões, como relata uma mãe que teve um filho interno em entrevista a Lêda Gonçalves para o Jornal Diário do Nordeste de 05 de fevereiro de 2010, “é um inferno na terra. Ali ninguém se reeduca sai ainda mais revoltado” (GONÇALVES, 2010), conta também que os adolescentes passam pelo que eles chamam de “corredor polonês”, em que os adolescentes são obrigados a passar entre duas fileiras compostas por educadores em que são submetidos à sessões de socos, pontapés, agressões e cassetetes. Deduzimos que os educadores não têm numa capacitação para lidar com esses adolescentes, visto que são jovens com histórias de vida, idade, atos infracionais completamente diferentes, mas Renata Sofia Andrade Reis, coordenadora de Proteção Social Especial da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – STDS, diz que “todos os educadores que atuam nos Centros educacionais são capacitados para oferecer um atendimento pedagógico e humanitário” ao adolescente interno (GONÇALVES, 2010), fato esse totalmente contrário aos relatos dos adolescentes e familiares. Um exemplo são os educadores da URLBM, muitos deles são remanejados dos Centros por indisciplina, nenhum faz curso de capacitação, quando estagiava, no máximo duas educadoras se interessavam, a grande maioria maltrata tanto o adolescente como os familiares com palavras de discriminação, dentre outras, rebaixando ainda mais a condição em que os adolescentes se encontram. Isso foi presenciado várias vezes no período de estágio. Concluo que os adolescentes atendidos, tanto na medida socioeducativa 65 de internação como em meio aberto, devem ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que atuem na sua formação, fazendo com que eles possam se tornar cidadãos autônomos e tenham capacidade de tomar decisões fundamentadas para o seu próprio interesse e para o bem comum. A questão, portanto, é discutir com urgência, repensar e questionar a metodologia pedagógica proposta dentro dos Centros de Internamento, baseada em punições que tornam os adolescentes mais agressivos, fazendo com que cometam rebeliões e fugas dentro dos Centros Educacionais. O que deve ser feito é seguir o que está proposto no ECA e no SINASE, com adoção de práticas pedagógicas respaldando a autonomia e também a participação ativa dos adolescentes, suas ações devem exercer uma influência dentro da vida desses adolescentes, contribuindo, assim, para a formação de uma identidade baseada num projeto de vida e seu pertencimento social. Por fim, a temática estudada tem um intuito de abrir novos caminhos e questionamentos a cerca dos sujeitos analisados, um tema tão polêmico na atualidade, gerando na sociedade um clamor pela redução da maioridade penal, um contexto tão diverso e cheio de peculiaridades. Enquanto não efetivarem o ECA em sua plenitude, para esses adolescentes, sempre lhes será negado um futuro, como ratifica Espíndula et al. (2006, p. 19) “permanecendo apenas uma perspectiva de contenção mascarada pelos projetos de ressocialização”. 66 REFERÊNCIAS BANDEIRA, Marcos Antônio Santos. Atos infracionais e medidas socioeducativas: uma leitura dogmática, crítica e constitucional. Ilhéus: Editus, 2006. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 1996. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de jul. de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 02 jun. 2014. ______. Código penal. 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Qual o tipo de agressão e por quem? 11. Quais suas perspectivas para o futuro? 12. Se sente injustiçado socialmente? Por que? 13. Acredita que ser agressivo ou competitivo é necessário para conseguir o que deseja? 14. Qual a sua percepção sobre a medida socioeducativa, você acha que ela está fazendo o papel que é de ressocializar o adolescente? 15. Como é o seu relacionamento com a policia? Familiares 1. Como foi a infância do seu filho? 2. Como ele se comporta dentro de casa? 3. Vocês costumam ter um diálogo em casa? 4. Antes do delito você percebeu algo errado com o comportamento dele? 5. Depois do delito, como ficou seu comportamento? 6. Na escola como era seu convívio com os alunos, professores e as pessoas que trabalham lá? 7. Ele já lhe agrediu? 8. Na família tem algum familiar envolvido em crimes? 9. Qual a sua justificativa para que seu filho cometa atos infracionais? 10. Você acha que as medidas socioeducativa ressocializam os adolescentes? 11. Como é o relacionamento com a policia?