UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
PAULA FOGLIATTO PRADO
INTEGRAÇÃO REGIONAL E A PROBLEMÁTICA DOS ENTES SUBNACIONAIS:
UMA APROXIMAÇÃO AO DEBATE COM REFERÊNCIAS À EXPERIÊNCIA DO
MERCOSUL
FLORIANÓPOLIS, 2013
2
PAULA FOGLIATTO PRADO
INTEGRAÇÃO REGIONAL E A PROBLEMÁTICA DOS ENTES SUBNACIONAIS:
UMA APROXIMAÇÃO AO DEBATE COM REFERÊNCIAS À EXPERIÊNCIA DO
MERCOSUL
Monografia submetida ao curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito obrigatório para a
obtenção do grau de Bacharelado.
Orientador: Prof. Hoyêdo Nunes Lins
______________________________
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 9,0 à aluna Paula
Fogliatto Prado na disciplina CNM 7280 – Monografia, pela
apresentação do trabalho “INTEGRAÇÃO REGIONAL E A
PROBLEMÁTICA DOS ENTES SUBNACIONAIS: UMA
APROXIMAÇÃO AO DEBATE COM REFERÊNCIAS À
EXPERIÊNCIA DO MERCOSUL”.
Banca Examinadora:
____________________________________________
Prof. Dr. Hoyêdo Nunes Lins
____________________________________________
Prof. Dra. Karine de Souza Silva
____________________________________________
Prof. Dra. Patrícia Fonseca Ferreira Arienti
FLORIANÓPOLIS, julho de 2013.
4
Agradeço primeiramente ao Prof. Hoyêdo pela consistente orientação durante todo o
processo, pela compreensão e pelo excelente tratamento que me foi dispensado.
Agradeço aos professores de Relações Internacionais que trabalharam sempre pela melhoria
do curso e, principalmente, aos mestres, que, além de lecionar, me ensinaram a usar o
conhecimento para tornar-me uma pessoa melhor. Prof. Hoyêdo, tu és um deles.
Agradeço à Universidade Federal de Santa Catarina pela oportunidade de conhecer diferentes
realidades. Agradeço aos funcionários que fizeram possíveis muitas das atividades das quais
participei.
Agradeço aos amigos de longa data e aos familiares que, mesmo longe, sempre estiveram
comigo me apoiando em todas as situações.
Agradeço à Tatiane pelo carinho, pelo amor, pelo apoio e pela compreensão ao longo desse
processo. Foi tua convicção no meu sucesso que me fez chegar até o fim.
Agradeço finalmente aos grandes amigos que fiz durante a graduação e que levarei para
sempre comigo, vocês fizeram a diferença entre um curso e “O” curso de Relações
Internacionais da UFSC.
5
“Os que se encantam com a prática sem a ciência são como os timoneiros que entram no
navio sem timão nem bússola, nunca tendo certeza do seu destino.”
Leonardo da Vinci
6
RESUMO
O florescimento de organizações internacionais de integração regional aconteceu a partir da
reconfiguração do Sistema Internacional com o fim da Guerra Fria em que o contexto
internacional era marcado pela liberalização das economias. A interdependência entre os
mercados, um dos reflexos da globalização, é propício para a formação de blocos entre países,
criando assim novos atores na arena internacional. Dessa forma, é relativizado o papel central
do Estado Nacional na condução das relações internacionais agora muito mais influenciadas
pelo âmbito econômico. É nesse cenário que se desenvolvem os arranjos regionais de
integração de caráter tanto supranacional, quanto intergovernamental. Entretanto, observa-se
em ambos o surgimento de atores subnacionais, uma vez que o Estado-Nação não se mostra
capaz de produzir políticas públicas que respondam aos impactos do processo de integração
em sua totalidade. No Cone Sul, esse movimento integracionista é caracterizante de uma nova
forma de inserção internacional dos países sob o signo do neoliberalismo. Assim, o
MERCOSUL é o resultado da reaproximação entre Brasil e Argentina, redemocratizados, em
busca de melhores resultados frente à nova conjuntura mundial. Com efeito, os atores
subnacionais no MERCOSUL fazem-se presentes tanto por meio das instituições criadas no
seio do bloco, quanto por iniciativas próprias a favor da cooperação internacional. Exemplo
disso são as relações estabelecidas pelas cidades-gêmeas, caixas de ressonância do processo
integracionista, que registram de maneira cotidiana as consequências da dinâmica dos arranjos
regionais.
Palavras-chave: MERCOSUL. Atores subnacionais. Integração regional. Cidades-gêmeas.
7
ABSTRACT
The flourishing of regional international organizations was enabled by the reconfiguration of
the International System in the end of the Cold War where the international context was
marked by economic liberalization. The interdependence between the markets, one of the
consequences of globalization, is conducive to the formation of blocks between countries,
thus creating new actors in the international arena. Thereby, the central role of the State is
relativized in the conduct of international relations much more influenced by the economic
now. It is in this scenario that international regional integration arrangements develop
demonstrating both supranational and intergovernmental character. However, it is observed in
both the emergence of subnational actors, since the State proves to be unable to produce
public policies that respond to the impacts of the integration process in its entirety. In the
Southern Cone of Latin America, this integration movement is characterized by a new form of
international integration of the countries under the sign of neoliberalism. Therefore,
MERCOSUR is the result of the reapproximation between Brazil and Argentina, now
democratized, in search of better results in the face of the global conjuncture. Indeed, subnational actors in Mercosur are present both through institutions created within the block, and
by their own initiatives in favor of international cooperation. The relationship established by
the sister cities, that function like a resonance box of the integration process, record in the
daily basis the consequences of the dynamics of regional arrangements.
Keywords: MERCOSUR. Subnational actors. Regional integration. Sister cities.
8
Lista de Abreviaturas
Assessoria de Cooperação e Relações Internacionais – ACRI
Associação Europeia de Livre Comércio – AELC
Acordo de Livre Comércio entre as Américas - ALCA
Associação Latino-Americana de Integração - ALADI
Associação Latino-Americana de Livre Comércio – ALALC
Associação de Nações do Sudeste Asiático - ASEAN
Comunidade Andina de Nações - CAN
Comissão de Comércio do MERCOSUL – CCM
Comissão de Coordenação de Ministros do MERCOSUL - CCMASM
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço - CECA
Comunidade Econômica Europeia – CEE
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – CEPAL
Conselho do Mercado Comum - CMC
Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul - CODESUL
Comitê das Regiões - CR
Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste Argentino - CRECENEA
Acordo de Livre Comércio Estados Unidos-Canadá – CUSFTA
Estados Unidos da América – EUA
Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO
Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e
Departamentos do MERCOSUL - FCCR
Foro Consultivo Econômico-Social - FCES
Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional – FEDER
Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL – FOCEM
Fundo Monetário Internacional - FMI
Fundo Social Europeu – FSE
Acordo Geral de Tarifas e Comércio - GATT
Grupo Mercado Comum – GMC
Instituto Social do MERCOSUL – ISM
Mercado Comum do Cone Sul – MERCOSUL
Tratado Norte-Americano de Livre Comércio – NAFTA
Organização Mundial da Saúde – OMS
9
Organização das Nações Unidas – ONU
Programa de Integração e Cooperação Econômica – PICE
Parlamento do MERCOSUL – PM
Rio Grande do Sul – RS
Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais – SEDAI
Sistema Econômico Latino-Americano - SELA
União Europeia – UE
União Monetária da África Ocidental – UMOA
Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura - UNESCO
Zona de Integração do Centro-Oeste da América do Sul - ZICOSUR
Zona de Livre Comércio - ZLC
10
Sumário
1.
INTRODUÇÃO.............................................................................................................12
1.1
Tema e Problema...........................................................................................................16
1.2
Objetivos.......................................................................................................................19
1.2.1
Geral..............................................................................................................................19
1.2.2
Específicos.....................................................................................................................19
1.3
Justificativa....................................................................................................................20
1.4
Metodologia..................................................................................................................20
2. INTEGRAÇÃO REGIONAL: CONTORNOS CONCEITUAIS BÁSICOS......................22
2. 1
Integração Regional: Aproximação à Problemática com ênfase em
aspectos
econômicos................................................................................................................................22
2.2
Uma especificação da ênfase nos aspectos econômicos da integração: Regionalismo
Versus Multilateralismo............................................................................................................27
2.3
Integração Regional: elementos do debate no âmbito das Relações
Internacionais...........................................................................................................................30
3.
INTEGRAÇÃO
REGIONAL
E
PROTAGONISMO
DOS
ATORES
SUBNACIONAIS.....................................................................................................................35
3.1
Marco Geral: da questão dos reflexos socioespaciais da integração à problemática dos
entes subnacionais.....................................................................................................................35
3.2
Ensinamentos de uma experiência paradigmática: a União Europeia..........................39
4.
INTEGRAÇÃO NO CONE SUL E A PROBLEMÁTICA DOS ATORES
SUBNACIONAIS.....................................................................................................................47
4. 1
Integração no Cone Sul: contexto, trajetória, interpretação....................................48
11
4. 1. 1 Uma breve contextualização........................................................................................48
4. 1. 2 O surgimento do MERCOSUL....................................................................................50
4. 1. 3 MERCOSUL: uma trajetória errática...........................................................................56
4. 1. 4 O ângulo das teorias de Relações Internacionais sobre a formação do
MERCOSUL.............................................................................................................................64
4.2
A problemática dos atores subnacionais no MERCOSUL.........................................67
4. 2. 1 Considerações Gerais....................................................................................................67
4. 2. 2 Tentativa de especificação: a questão das cidades-gêmeas, com destaque para Santana
do Livramento-Rivera...............................................................................................................72
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................83
6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................87
7.
ANEXO A – Organograma do MERCOSUL...............................................................94
12
1.
INTRODUÇÃO
A integração no Cone Sul ocorre numa conjuntura internacional marcada pelo fim da
Guerra Fria que caracteriza a formação de novos sistemas de relações entre Estados. Ela foi
vista, pelos membros signatários do Tratado de Assunção, como possibilidade para o
reposicionamento desses países na estrutura internacional que se desenhava no final do século
XX. Nessa estrutura, destacava-se a liberalização dos mercados, com reflexos em numerosos
países, que se ressentiam, muitos deles, das condições necessárias para a organização
produtiva e tecnológica para inserirem-se no movimento de internacionalização da economia.
Como afirma Lins (2013), a liberalização comercial interna e a uniformização do comércio
com terceiros mercados, mediante a utilização de uma tarifa externa comum são dois
importantes pilares da formação de blocos entre países.
O cenário internacional em que se desenrolou a integração no Cone Sul exibia o fim da
bipolaridade entre Estados Unidos da América (EUA) e União Soviética, que impôs desafios
ao equilíbrio do Sistema Internacional. Novas formas alternativas de gestão do poder e de
associação entre países começaram a delinear-se. Sem um “inimigo” internacional para se
confrontar, tendo em vista o virtual desaparecimento do bloco do leste, pode-se dizer que,
após a Guerra Fria, o capitalismo viu-se livre de entraves à disseminação de seu modus
operandi pelos mais diversos países ao redor do globo. Mas, embora os Estados Unidos
tenham saído vitoriosos, o aparecimento de novos centros econômicos e políticos foi também
uma importante característica da nova ordem mundial que colocou em xeque as definições de
hierarquia de poder militar, poder político e poder econômico. Japão, China e União Europeia
(UE) são os atores responsáveis pela nova caracterização do sistema de governança global
como multipolar, ou ainda policêntrico1.
Outro aspecto determinante para a conformação do cenário global pós Guerra Fria foi
o surgimento de novas formas de interação entre países que modificaram a maneira pela qual
os Estados se organizavam e se relacionavam no ambiente internacional. Fenômenos de
regionalização e de formação de organizações internacionais surgiram nos mais diferentes
continentes nas mais diversas formas e tamanhos, relativizando ainda mais a noção de poder
1
Segundo Samuel P. Huntington, o mundo pós Guerra Fria caracteriza-se pelo sistema uni-multipolar, ou seja, é
um sistema híbrido em que há uma superpotência e várias grandes potências. Para mais, consultar
HUNTINGTON (2003).
13
centralizado no Estado-Nação de base realista2. A evolução da Organização das Nações
Unidas (ONU), com ampla participação e adesão de países, representa o esforço máximo no
sentido de congregar ideais e objetivos comuns em âmbito global. Em escala regional, a
União Europeia é o exemplo mais emblemático de processos políticos de integração,
envolvendo também cooperação, uma vez que tal ente representa o resultado mais
desenvolvido de um consórcio entre países de um mesmo espaço geográfico continental.
Tendo iniciado na década de 1950, a partir das ideias de influência kantiana3, o processo de
integração na Europa desenvolveu-se como um plano de contenção às consequências da II
Guerra Mundial no continente – foi, sobretudo, uma ação conjunta a fim de evitar uma
terceira guerra generalizada em território europeu -, como forma de enfrentamento à
instabilidade econômica e de atingir um futuro político e econômico sustentável4 para os
países integrantes.
A multiplicação de processos de regionalização, envolvendo grupos de países, teve
lugar em ambiente de interações que diferentes autores consideram adequado chamar de
globalização. Embora controverso, tanto na determinação de um conceito universalmente
aceito, quanto na sua datação no tempo (pois alguns autores consideram tratar-se de situação
testemunhada em diferentes momentos históricos), pode-se colocar como mínimos pilares
básicos de definição desse processo a reorganização da produção em bases mundiais, a
liberalização do comércio internacional e a desregulamentação dos mercados financeiros
(ZANELLA; ILHA; SEITENFUS, 2005). Dessa forma, o aumento das relações entre países
de forma não necessariamente dependente da ação unificada da figura do Estado é
consequência do aumento do comércio internacional viabilizado pela globalização, que, por
sua vez, é retroalimentada pela desregulamentação das barreiras às trocas. Todo esse processo
de globalização aliado ao florescimento de novos atores na arena internacional é crucial para a
determinação do papel desempenhado pelo Estado dentro desse novo cenário. A questão é
controversa, mas, na visão de alguns analistas, “(...) constata-se a construção de uma ordem
2
A premissa realista coloca o Estado como ator unitário e racional que age de maneira uniforme e homogênea
em defesa do interesse nacional. Para mais, consultar MORGENTHAU (2003).
3
Jean Monnet, um dos pais da construção da integração europeia filia-se inicialmente ao projeto federalista
cujas raízes encontram-se no pensamento de Immanuel Kant em seu livro Paz Perpétua. SILVA; COSTA (2013).
4
O processo de integração da Europa aconteceu com os “(...) propósitos de reerguer a economia, de afastar o
perigo socialista, e de evitar a eclosão de um novo conflito de dimensões catastróficas (...)” (SILVA; COSTA
2013, p. 53). Nesse contexto, a Europa foi destino de grandes fluxos financeiros provenientes dos Estados
Unidos para a reconstrução dos países aliados nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. O Plano Marshall,
oficialmente conhecido como Programa de Recuperação Europeia, permaneceu em operação por quatro anos
fiscais. A intenção do Programa era construir um vínculo maior entre os Estados Unidos e a Europa, além de
fortalecer esta última frente à proliferação do socialismo.
14
econômica mundial cuja filosofia e estrutura prescindem, transcendem e se contrapõem ao
Estado” (SEINTEFUS, VENTURA, 1999). Como afirma Silva e Costa (2013):
“A dimensão política da globalização constitui um aspecto a ser considerado
para definir com mais clareza o papel do Estado-Nação na complexa rede
mundial, principalmente, em decorrência da acentuada disposição para
construção de pactos políticos interestatais, (...) ao passo que levantam
suspeitas da perda de centralidade do Estado.” (SILVA; COSTA 2013, p.
18).
A globalização é um fenômeno amplo (global, justamente) com diferentes
consequências locais. Enquanto que na Europa e nos Estados Unidos (ao menos no tocante ao
Canadá) a internacionalização da economia e o aprofundamento da interdependência
econômica davam-se entre países em patamares econômicos relativamente iguais culminando
em acordos como a União Europeia e o NAFTA, na América do Sul o neoliberalismo aliado
às diretrizes do Consenso de Washington determinaram os rumos da integração entre países
que formaram entre si o Mercado Comum do Sul. De fato, após negociações, na segunda
metade dos anos 1980, que enfatizavam a importância da integração produtiva e das
complementaridades, o MERCOSUL entrou em vigor comandado pela lógica meramente
comercial. É perceptível a diferença entre os níveis de entrelaçamento e de comprometimento
tanto político, quanto econômico dos blocos supracitados – em especial, ao bloco europeu-,
fato que evidencia e, de certa forma, explica tanto os avanços, quanto os entraves vivenciados
pelo MERCOSUL.
Assim, a América do Sul insere-se no contexto internacional de reestruturação das
relações internacionais influenciada pela lógica integracionista vigente, muito embora o modo
pelo qual o faça seja também decorrente das profundas modificações trazidas pelo contexto
dos anos 1980 e 1990 no continente em questão. No Tratado de Assunção, encontram-se as
bases constituintes do cerne do MERCOSUL, que seria uma resposta aos novos processos em
curso na economia global, “em especial a consolidação de grandes espaços econômicos”, por
meio de uma integração que promovesse a aceleração “dos processos de desenvolvimento
econômico com justiça social.” (TRATADO..., 1991, p. 1).
Naturalmente, a integração no Cone Sul apresentou-se fortemente marcada pela
dinâmica nacional e política dos países que engloba principalmente Brasil e Argentina. O fim
dos regimes militares fez com que as rivalidades exacerbadas e as características isolacionistas
desses governos, mutuamente falando, fossem substituídas pelas ações de presidentes civis
15
mais preocupados em lidar com os problemas e desafios que a economia mundial apresentava.
Desse modo, a reaproximação entre tais países evoluiu num meio social e político favorável a
tais entendimentos; como o Embaixador Marcos C. Azambuja afirmou “(...) o MERCOSUL
tem sua matriz muito nobre, nasce com a democracia e confiança recíproca.” (AZAMBUJA,
2012, p.80).
O Mercado Comum do Sul comemorou seus vinte anos de existência apresentando
diversos avanços, embora também problemas e frustrações. A integração econômica refletida,
por exemplo, no comércio intrarregional, foi acompanhada por ações de cunho mais geral,
envolvendo diferentes formas de entrelaçamento dos países. Em 2010, por exemplo, iniciouse o movimento de unificação entre as placas dos veículos de modo que pudesse ser
instaurado um banco de dados único entre os quatro países do MERCOSUL no sentido de
consolidar a verdadeira livre circulação de veículos e de pessoas. Na Cúpula de San Juan, em
2010, a eliminação da dupla tarifação foi um grande passo para a criação de “produtos
MERCOSUL”, possibilitando à união aduaneira viabilizar cadeias de integração produtiva
entre empresas de diferentes nacionalidades.
Entretanto, são também diversos os desafios que o MERCOSUL enfrentou (e segue
enfrentando) ao longo desses anos. De acordo com a abordagem proposta por Jacob Viner,
“uma união alfandegária é um caso típico de second-best, ou seja, tal arranjo gera benefícios e
custos, não se podendo saber, a priori, portanto, qual será o resultado líquido do mesmo.”
(PINTO, 2001, pp. 84). Assim, é importante assinalar, entre outras coisas, a dificuldade de
implementação total da TEC (tarifa externa comum), as assimetrias econômicas e culturais
entre os países membros e, principalmente, a falta de institucionalização política e de poder
real de intervenção do MERCOSUL, como ilustrações dos problemas e desafios vivenciados
pela integração no Cone Sul.
Os avanços e dificuldades são sentidos nos mais distintos níveis governamentais e
societários. Entre inéditos arranjos produtivos e novas instituições específicas para a
integração, há espaços em que tais consequências são parte do equilíbrio dinâmico inerente às
características desses locais - são as regiões fronteiriças. Nesses espaços entrelaçam-se
políticas e trocas entre países da maneira mais básica e pura, pela fronteira. Tanto legalmente,
quanto ilegalmente, os frequentes fluxos de pessoas, de capital, de informações e de cultura
são o que mais caracterizam tais zonas e as tornam singulares. Para Koch, “(...) são zonas de
especial vivacidade, com dinamismo próprio, porém submetidas ao atrito entre regras e
pressões políticas e socioeconômicas dos países envolvidos.” (KOCH, 1996, p.303). A
Constituição Federal do Brasil, que determina ser a fronteira um bem da União, assim dispõe:
16
a “(...) faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres,
designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território
nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.” (CRFB/88, art. 20, § 2º). Como
se pode perceber, a importância de tais zonas perpassa não só a esfera econômica, como
também adquirem valor estratégico para os países em função de seu caráter social, político e
militar.
O projeto do MERCOSUL, em seus anos iniciais, quando o mercado ainda não
comandava, praticamente sozinho, a dinâmica das relações entre os países, contemplava
também as questões acerca dos ambientes fronteiriços. Para os idealizadores do MERCOSUL,
de fato, “[...] a efetiva defesa conjunta dos interesses dos países da região no âmbito
internacional e a ênfase em vínculos de integração e complementaridade em termos
produtivos [...]” (LINS, 2013b, p. 116) eram objetivos importantes, e as fronteiras haveriam
de ter envolvimento no seu alcance. Como afirma o Embaixador Regis Arslanian (2012):
A integração pressupõe uma convergência normativa e uma solidariedade
econômica, social e, às vezes, até política. Ela configura uma harmonização
de procedimentos para que permitam a construção comum e unificada de um
projeto de integração que tenha como beneficiário final o cidadão [...].
(ARSLANIAN, 2012, p. 86)
1.1
Tema e Problema
A dinâmica da globalização contribuiu significantemente para o fortalecimento das
organizações internacionais, intensificando o aprofundamento do caráter internacional dos
fluxos como consequência da porosidade das fronteiras. Por outro lado, os movimentos
integracionistas foram encarados, em certas circunstâncias, como capazes de favorecer um
melhor posicionamento dos países frente aos resultados econômicos das liberalizações de
mercado preconizadas pela globalização de égide liberal. Dessa forma, conceitos como
soberania e fronteiras acabaram admitindo novas abordagens, não deixando de guardar suas
acepções básicas, mas adequando suas características de acordo com evolução da realidade.
Vale assinalar que tal processo de reflexividade5 é característico à modernidade, conforme
Giddens (1991). A globalização, com sua natureza dialética, admite referência nesses termos,
pois a:
5
Nesse sentido, consultar Giddens (1991) p. 37 – 45.
17
“[...] ação planejada entre países a respeito de algumas coisas diminui a
soberania individual das nações envolvidas, embora ao combinar seu poder
de outras maneiras, ela aumenta sua influência dentro do sistema de
estados.” (GIDDENS, 1991 p.68).
A integração regional faz com que o papel central desempenhado pelas nações no
sentido de sinalizarem o interesse de firmar os tratados de cooperação para determinarem
entre si objetivos comuns seja relativizado pela instauração de consertos institucionais
resultantes do respectivo tratado que, de certa forma, retiram parte da soberania e alteram as
condições de gestão dos Estados constituintes. A incapacidade do poder estatal de concretizar
políticas públicas em sua totalidade acaba por conduzir à formação de outros centros
decisórios representados por instâncias tanto internacionais e supranacionais, quanto
subnacionais.
A União Europeia é ilustrativa de tal processo, uma vez que se constituiu pela ação
livre de Estados singulares e hoje representa um ente cujas fronteiras externas contornam a
região dos vinte e oito países membros. As repercussões dessa integração refletiram-se em
diferentes níveis, modificando as estruturas políticas, culturais, econômicas e institucionais
dos Estados-membro e também do bloco como um todo. A supranacionalidade europeia é o
fator mais inédito dessa configuração, pois prevê a cessão departes de soberania de todos os
países do bloco à União. Outros reflexos de alterações na gestão do poder central são a
constituição da Rede Eurocidades e a do Comitê das Regiões (CR), que visam a construir
capacidades conjuntas para influenciar a tomada de decisão na instância mais alta.
Para o MERCOSUL, um dos âmbitos em que se pode perceber um maior impacto
desses processos de conformação de organizações internacionais de integração regional é o
ambiente fronteiriço intrabloco – uma vez que o fator mais influente e determinante para a
formação Mercado Comum do Sul foi o desenvolvimento econômico personificado pela
liberalização do comércio entre os Estados-membros. Sendo a zona de fronteira o canal básico
de comunicação para trocas internacionais com potencial para expressar um espaço de
identificações, a análise de tais espaços é essencial para o entendimento do complexo e
multidimensional processo de integração regional do Cone Sul.
As fronteiras internas do bloco sul-americano são marcadas por uma intensa vida
urbana e econômica decorrente de suas relações estabelecidas a partir do período colonial. A
história de demarcação dos territórios do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai,
18
principalmente na região do Prata, assinalaram às zonas de fronteira costumes e valores sócioculturais comuns que, por si só, poderiam caracterizar áreas de integração. A organização
espacial transfronteiriça possui certa lógica orgânica que independe do centro decisório
político ao qual pertence – muito embora seja sempre subordinado a ele - dando-se de forma
quase que natural de acordo com a necessidade da população que ali habita. Dessa forma, o
comércio transnacional desses locais é marcado tanto por motivações de simples compensação
regional (sem excluir a possibilidade de altas taxas de contrabando), quanto por fluxos
conjunturais no âmbito das flutuações monetárias e das variações de preços dos diferentes
mercados.
O advento da integração regional possibilita a intensificação desses vínculos
fronteiriços, além da ampliação e do fortalecimento dessas relações previamente
estabelecidas. Atividades já existentes podem ser encorajadas e estimuladas, e novas
atividades podem surgir, aumentando a rede produtiva e institucional local, pois, afinal a
concepção de fronteira pode definir “(...) uma área de interação, de interdependência e de
complementaridade” (KOCH, 1996, p. 304). Surge desse sistema dinâmico fronteiriço uma
forma particular de relação internacional que é o caso das cidades-irmãs, ou cidades-gêmeas.
O processo de “irmanamento”6 é um fenômeno mundial e denota o “(...) aparecimento
de núcleos urbanos simetricamente dispostos dos dois lados de um limite internacional (...)”
(FERNANDES, 2002, p. 5). Em função do volume de trocas envolvido e dos diversos tipos de
interação, tais espaços geográficos são vitais para a análise de um processo de integração,
podendo medir a penetração institucional desse arranjo internacional, indicando tanto um
avanço no aumento dessas relações, quanto uma estagnação decorrente da incapacidade
gerencial dos centros decisórios na elaboração de políticas públicas específicas para as zonas
de fronteira. Os ambientes fronteiriços funcionam, portanto, como caixas de ressonância do
processo de integração, pois registram de maneira cotidiana as consequências particulares
desse sistema dinâmico.
Acertadamente, tais zonas são de grande interesse do poder estatal, uma vez que
esforços coordenados possibilitariam talvez o desenvolvimento potencial máximo dos
recursos e riquezas que integram um espaço de intensa troca e movimentação. Há, igualmente,
o valor militar, que impõe a necessidade de defesa dos limites geográficos do território
nacional. Entretanto, o que se observa é que o poder central do Estado não é capaz de alcançar
6
“Em termos de conceito o irmanamento é a reunião entre duas municipalidades com a finalidade de agir
conjuntamente dentro de uma perspectiva européia, confrontando problemas e desenvolvendo políticas
crescentemente mais íntimas e mais amigáveis entre as duas.” (NETO, 2005, p. 4).
19
e acompanhar em sua totalidade as necessidades desses espaços em função de sua localização
fora dos círculos tradicionais da economia, fazendo com que, por conta de lacunas, abram-se
possibilidades para a atuação de atores subnacionais mais familiarizados com a dinâmica dos
ambientes de fronteira.
Conforme os Estados Nacionais perdem autonomia na gestão do desenvolvimento
nacional e regional, representantes dos níveis estaduais e locais tornam-se cada vez mais
atuantes na garantia do bem estar da população. O contexto geral em que tais ações se inserem
pode ser assim descrito:
Ante o novo imperativo da competitividade e da inserção nos espaços
econômicos globais, os governos subnacionais são induzidos a desenvolver
um novo tipo de protagonismo, conjugando estratégias e iniciativas
diferenciadas voltadas, de um lado, para a atração de investimentos, a
renovação da base econômica e a modernização da infraestrutura e, de outro,
para a melhoria da qualidade de vida, a integração social e a governabilidade.
(MARIANO; BARRETO, 2004, p. 22)
1.2
Objetivos
1.2.1 Geral
Explorar o tema relativo ao envolvimento de atores subnacionais promovido, ou estimulado,
no seio dos processos de integração regional, com especificação da experiência no âmbito do
MERCOSUL.
1.2.2 Específicos:
- Sistematizar elementos teóricos e conceituais básicos sobre o tema da integração regional;
- Apresentar os contornos do debate sobre a problemática dos entes subnacionais nos
processos de integração.
- Discutir a trajetória do MERCOSUL, procurando descortinar aspectos da atuação de entes
subnacionais.
20
1.3
Justificativa
A abordagem da dimensão subnacional tem importância no estudo das Relações
Internacionais, ainda mais em meio ao florescimento das organizações internacionais no seio
da nova ordem mundial que questionou o papel centralizador do Estado – prerrogativa básica
das teorias clássicas de Relações Internacionais. Na mesma medida, a questão acerca das
zonas de fronteiras insere-se na revisão de conceitos básicos da definição da área de exercício
do poder do Estado que vem sendo cada vez mais relativizada pela sua porosidade e
permeabilidade em função da dinâmica da globalização.
O estudo do MERCOSUL como âmbito de ação desses novos atores justifica-se pela
importância geoestratégica das nações que o bloco engloba, sendo o Brasil um país muito
relevante tanto politicamente, quanto economicamente. A necessidade de entendimento dos
processos que nos cercam é determinante para a consequente capacidade de ação e de crítica a
políticas implementadas pelos tomadores de decisão. Pode-se dizer que a problemática das
fronteiras internas do MERCOSUL inscreve-se no rol de temas importantes e merecedores de
atenção nesses termos.
1.4
Metodologia
Para alcançar os objetivos traçados, buscar-se-á primeiramente demostrar as principais
abordagens das teorias de integração regional por meio de uma revisão bibliográfica buscando
congregar conhecimento para uma compreensão mais profunda e acertada do processo de
formação e desenvolvimento do MERCOSUL. Sendo a União Europeia o exemplo mais
emblemático de sucesso de um consórcio entre países com real integração, uma análise de seu
processo de criação e evolução é essencial para tal feito. Para tanto, serão utilizadas fontes
primárias e secundárias, como documentos oficiais, tratados, artigos científicos e dados de
outras organizações internacionais.
O estudo específico do Comitê das Regiões justifica-se por ser um dos principais órgãos
representativos dos poderes subregionais no seio da União Europeia. A descrição de sua
criação, desenvolvimento, e evolução será feita por meio de fontes primárias e de estudos
científicos que já buscaram problematizar esse tema.
Ressalta-se aqui que um caso como o da integração europeia demonstra-se por demais
complexo e multifacetado para ser entendido tão somente pela breve explanação das teorias de
integração, sendo usado nesse estudo como um arcabouço teórico para posterior comparação
21
com o processo integracionista do Cone Sul. Serão utilizadas as teorias Federalistas,
Funcionalista, Neofuncionalista, e a teoria do Intergovernamentalismo Liberal.
Para a elucidação do Mercado Comum do Sul, utilizar-se-á de fontes primárias como
documentos oficiais e tratados da Organização para demonstrar o desenvolvimento do
MERCOSUL desde seus anos iniciais. Fontes secundárias, artigos científicos, e dados
estatísticos de outras entidades também serão utilizados para trazer diferentes perspectivas
acerca do assunto.
O tema da dimensão subnacional será tratado ao longo de todo o estudo merecendo
destaque no último capítulo em que se fará uma análise da ação subnacional dos atores das
cidades-gêmeas de Santana do Livramento-Rivera como protagonistas na promoção da
cooperação internacional e da integração. O feito é no sentido de ilustrar de fato a ocorrência
do fenômeno tanto da formação das cidades-gêmeas, quanto da atuação internacional de entes
subnacionais juntamente com suas respectivas consequências e impactos sobre o espaço
transfronteiriço que as engloba.
Por fim, destaca-se que a utilização dos termos relativos à fronteira, como limites,
territórios, territorialidade, áreas de fronteira e zonas de fronteira; será feita de maneira
superficial, ou seja, o amplo debate sobre as definições e caracterizações entre as diferentes
linhas acadêmico-teóricas dentro dos diferentes campos do conhecimento, embora muito rico
e de grande importância, não será abordado em função do escopo do trabalho.
22
2.
INTEGRAÇÃO REGIONAL: CONTORNOS CONCEITUAIS BÁSICOS
A reconfiguração das Relações Internacionais pós- Guerra Fria delimitou um amplo
campo de atuação para atores em setores antes não passíveis de consideração formando um
Sistema Internacional caracterizado por múltiplos pólos. A fragilização do papel da soberania
estatal deu espaço para o surgimento de novos sujeitos na arena internacional que adquiriram
autonomia na concretização de políticas para a garantia do bem estar.
É a partir dos anos 1950 que surgem as teorias econômicas de integração para explicar
a inserção internacional dos Estados frente às mudanças de escala e ao crescimento da
interdependência entre mercados mundiais. As barreiras às trocas foram substituídas por
acordos de integração entre Estados no intuito de alcançarem objetivos comuns onde não mais
eram capazes de garantir por si sós seus interesses.
O presente capítulo apresentará as principais características desses processos de
integração regional no sentido de construir uma base teórica sólida para a explicação de um
caso exemplar desse tipo de arranjo, seja ele o da União Europeia. O caminho perscrutado
poderá viabilizar um entendimento completo dos processos de integração tanto no plano
teórico, passando pelos campos político e econômico; quanto empiricamente, buscando
perceber não só a capacidade explicativa das abordagens teóricas, como também as
dificuldades reais que tais arranjos impõem aos países participantes.
O objetivo desse capítulo, portanto, é consolidar os conhecimentos a fim de obter as
ferramentas mais adequadas para a compreensão das questões que surgem a partir do
aparecimento dos atores subnacionais em processos de integração regional.
2.1 Integração regional: aproximação à problemática com ênfase em aspectos econômicos
O entendimento de processos de cooperação entre países – cujo significado
etimológico é atuar conjuntamente com outros para atingir um mesmo fim-, deve ser
entendido aqui como algo que implica coordenação de interesses a partir de uma percepção de
problemas comuns para os quais não há capacidade de resposta individual (AYLLÓN, 2007).
Tais arranjos possibilitam aos países uma nova forma de relação dentro da arena internacional
23
que - muitas vezes, independem da motivação individual pela qual o país ingressou no grupo7trazem estabilidade ao Sistema Internacional, uma vez que podem criar mecanismos, ou
espaços para discussão, capazes de produzir decisões que minimizem as discriminações entre
os participantes.
Os arranjos regionais de integração são também parte do conceito explicativo de
cooperação interestatal, embora denotem um grau mais profundo de aproximação e de
adequação entre as nações. De acordo com Cruz e Creuz:
“É antiga essa distinção entre cooperação e integração. Para autores
clássicos, como Bela Balassa, a cooperação incluiria várias medidas
destinadas a harmonizar políticas econômicas e diminuir a discriminação
entre os países. Já o processo de integração econômica encerraria medidas
que obrigam efetivamente a supressão de algumas formas de discriminação.
Assim, por exemplo, acordos internacionais de políticas de comércio
pertenceriam à área de cooperação internacional, ao passo que a abolição de
restrições de intercâmbio seria um ato de integração econômica.” (CRUZ E
CREUS, 2009, p. 17).
Dessa forma, o termo regional aqui refere-se a uma região geograficamente
delimitada, sem alcance global, significando uma integração dentro da perspectiva do
comércio internacional entre Estados-Nação, sendo o termo regionalismo seu sinônimo. Há
diferentes tipos de integração regional, com distintos atores de diferenciados níveis, podendo
englobar uma, ou mais áreas temáticas.
É importante assinalar que processos de integração não necessariamente criam
organizações internacionais, que, por sua vez, possuem um acordo básico de constituição e
de instituição de sede permanente. Os acordos de integração regional, por exemplo, são
documentos de geração de áreas de livre-comércio, uniões aduaneiras, mercados comuns,
entre outros que não necessariamente necessitam de um local permanente de administração
de seu funcionamento.
Embora haja diferentes conceituações de integração regional, há bastante consenso em
relação a uma característica básica, qual seja: o surgimento de novas formas de gestão a partir
da relativização do poder Estatal. Andrés Malamud caracteriza a integração regional
utilizando-se da definição clássica de Ernest B. Haas adicionando elementos que fortalecem o
sentido de integração.
7
Sobre o tema de motivações e comportamentos dos atores em arranjos cooperativos, ver Ayllón (2007) e Cruz
e Creus (2009).
24
La integración regional puede definirse como un proceso por el cual los
estados nacionales ‘se mezclan, confunden y fusionan voluntariamente con
sus vecinos de modo tal que pierden ciertos atributos fácticos de la
soberanía, a la vez que adquieren nuevas técnicas para resolver
conjuntamente sus conflictos.’ (Haas, 1971:6). A definición clásica de Ernst
Haas debe agregarse que ‘lo hacen creando instituciones comunes
permanentes, capaces de tomar decisiones vinculantes para todos los
miembros. Otros elementos - el mayor flujo comercial, el fomento del
contacto entre las elites, la facilitación de los encuentros o comunicaciones
de las personas a través de las fronteras nacionales, la invención de símbolos
que representan una identidad común- pueden tornar más probable la
integración’ pero no son su equivalente (Malamud y Schmitter 2006: 17).
(MALAMUD, 2012, p. 10).
Já Mônica Herz e Andrea Hoffmann definem a integração regional como “(...) um
processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência das relações entre atores
levando à criação de novas formas de governança político-institucional de escopo regional."
(HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 168).
Outra forma comum de referir-se ao regionalismo é considerá-lo como um processo,
logo, por meio da análise das diferentes etapas em que se dá todo o arranjo. Por ser um
processo dinâmico e dependente das características dos países os quais engloba, cada processo
de integração regional é distinto e guarda seus próprios atributos tornando-o singular.
Entretanto, de maneira abrangente, pode-se apresentar a tipologia utilizada por Karine Silva e
Rogério Costa (2013, p.32-33) os quais elencam as seguintes etapas:
“

Área de Preferências Tarifárias: é uma integração superficial,
consistindo em um primeiro passo ruma à integração. Normalmente se trata
de uma experimentação para avaliar as viabilidades de efetivar um processo
de integração econômica entre as partes.

Zona de Livre Comércio: limitada à eliminação recíproca e paulatina
das barreiras alfandegárias, restrições e onerações de comércio. Nesta etapa,
os Estados-Membros criam uma zona dentro da qual os bens podem circular,
livres de barreira tarifárias ou não tarifárias, mas cada Nação preserva sua
própria política externa.

União Aduaneira: supõe, além da etapa anterior, a adoção de uma
tarifa exterior comum sobre os produtos provenientes de países terceiros.

Mercado Comum: refere-se não apenas à circulação de mercadorias
como também a outros fatores de produção, como os serviços, os capitais e o
trabalho. Ou seja, há a livre mobilidade dos fatores produtivos dentro dos
territórios dos países-parte.
25

União Econômica: também chamada de união monetária. Ultrapassa o
patamar anterior uma vez que supõe a coordenação de políticas
macroeconômicas comuns, visando atingir o maior grau de aproximação
possível.

União Econômica Total: regime de união monetária, financeira,
social, cuja execução e controle estão a cargo de instituições supranacionais,
que gozam de poder coercitivo. Caracteriza-se pela adoção de medidas
políticas e econômicas comuns e em caráter extremamente profundo.”
(SILVA; COSTA, 2013, p. 32-33).
A grande motivação para o surgimento de processos de integração regional e para o
seu fortalecimento, principalmente a partir da década de 1950, reside no âmbito econômico,
pois esta surge como resposta às mudanças de escala geradas pela crescente integração dos
mercados mundiais, como foi dito anteriormente no escopo do capítulo um do estudo. A
liberalização era concebida de forma limitada, não abrangendo grandes áreas, pois a
preocupação inicial dos países que iniciaram o processo de integração, a experiência europeia
permite observar isso, foi encontrar uma estratégia de desenvolvimento e fomento de sua
industrialização dentro do sistema de comércio vigente.
O conjunto de iniciativas desse gênero então desencadeadas formou a chamada
primeira onda de regionalismo, compreendendo todo esse período até o início dos anos 1980.
Nessa fase, também chamada de regionalismo fechado, é representativo da liberalização
mundial o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), parte do “sistema Bretton Woods”,
criador do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial - todos fortemente
influenciados pelos Estados Unidos8.
Na América Latina, em paralelo às políticas multilaterais do GATT, e influenciado
pelas ideias da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), que defendia
um certo nível de protecionismo a fim de possibilitar a superação da competição externa por
meio da proteção das dinâmicas políticas e econômicas locais (MARCHIORI, 2005), o
regionalismo fechado foi reflexo dos contornos do funcionamento do capitalismo em escala
mundial cujas características não atendiam às necessidades de desenvolvimento e de
industrialização dos países mais atrasados. A razão é que tal regionalismo “[...] sustentava-se
no argumento segundo o qual os países menos desenvolvidos concorriam em desvantagem
8
A influência norte-americana evidencia-se principalmente pelo teor dos acordos que criaram organizações
regionais no âmbito da segurança como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 1949, e a
Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO), em 1954. Para mais informações, consultar DUFFY
(1967).
26
com os mais desenvolvidos e, por isso, necessitavam de estímulos especiais que facilitassem
seus caminhos rumo à industrialização.” (SILVA; COSTA 2013, p. 27).
Frutos desse pensamento, vinculado às teorias clássicas de comércio internacional, os
arranjos regionais de formato Norte-Sul/ Sul-Norte eram considerados inviáveis devido às
discrepâncias entre suas economias. Cabe destacar que os acordos efetivamente firmados
envolviam apenas certos setores industriais.
Foram originários desse período acordos como, por exemplo, a Comunidade
Econômica Europeia (CEE) de 1958; o Mercado Comum da América Central, em 1960; a
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), em 1960; a Associação Europeia
de Livre Comércio (AELC) de 1960; a União Monetária da África Ocidental (UMOA) de
1962; a Associação das Nações do Sudeste Asiático, em 1967; o Pacto Andino, em 1969; a
Organização Árabe para o Desenvolvimento Agrícola, em 1970; a Comunidade Caribenha,
em 1973; e o Sistema Econômico Latino-Americano (SELA), em 19759.
Com a crise dos meados dos anos 1970, sobretudo com o colapso do sistema Bretton
Woods e com os choques do petróleo, a conjuntura internacional pressionou os países a
tomarem diferentes rumos arrefecendo a onda de regionalismo dos anos anteriores. Na
América Latina, o reflexo deu-se com escolha pelo regime protecionista de substituição de
importações, por um número considerável de países, que freou qualquer tentativa de
integração. O quadro geral, para países europeus, era o esgotamento do ciclo de crescimento
econômico acelerado que marcara o Segundo Pós-Guerra, a chamada estagflação, e, o
agravamento das condições estendeu-se até meados dos anos 1980.
A segunda onda de regionalismo, chamada de regionalismo aberto, acontece com o
aprofundamento do processo de globalização após o fim da Guerra Fria e estende-se até a
década de 1990. Ela é concomitante com o florescimento das organizações internacionais, e
seu aspecto diferenciador encontra-se na ideia de que a formação de blocos regionais, ou de
outros arranjos institucionais, não representa um efeito controlador de comércio, mas sim de
integração mais profunda.
O regionalismo aberto indica a mudança na relação regionalismo-globalização dandose sob a observância das normas de liberalização e em harmonia10 com a política do GATT
que busca alcançar o livre comércio. Dessa forma, a conformação de blocos regionais objetiva
a não somente o aumento das trocas intrazona, permitindo aos países valerem-se das
9
Para uma lista mais completa e detalhada dos acordos e das organizações de integração regional, consultar
HERZ (2004), p. 170-171.
10
Conforme o artigo XXIV do GATT (1947) e sua posterior Interpretação do Artigo XXIV de 1994.
27
vantagens econômicas, políticas e culturais da integração. Objetiva também o estímulo ao
comércio com outros não participantes do acordo, melhorando assim a capacidade de inserção
internacional dos países membros.
Os Estados Unidos, diferentemente da posição adotada em relação à segurança na
primeira onda, são um dos principais fomentadores do regionalismo econômico. Levando em
conta tal perspectiva, em que se busca uma multilateralização das relações intra e extrabloco e o conceito de segurança agora abarcando esferas como os Direitos Humanos, o meio
ambiente, e democracia-, os acordos de formato Norte-Sul/Sul-Norte tornam-se não só
viáveis, como também desejáveis.
São exemplos de integração regional dessa fase o Acordo de Livre Comércio Estados
Unidos-Canadá (CUSFTA, em inglês) - futuro NAFTA – de 1987; a Cooperação Econômica
Ásia Pacífico, de 1989; o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) de 1991; a Zona de Livre
Comércio da ASEAN (AFTA, em inglês)– de 1992; a União Europeia (UE), de 1992; e a
Comunidade Econômica e Monetária da África Central, em 199411.
2.2 Uma especificação da ênfase nos aspectos econômicos da integração: regionalismo versus
multilateralismo
A filiação dos arranjos regionais à nova ordem comercial multilateral, embora em
grande parte evidenciada pela segunda onda do regionalismo, não deixa de ser contestada por
diferentes visões dentro da Teoria da Integração Econômica que, em essência, diferem entre si
sobre quais são os caminhos para atingir um comércio global mais livre. De maneira geral o
debate dá-se entre o multilateralismo, e o regionalismo12.
O multilateralismo representa a corrente teórica que defende o livre comércio como o
objetivo maior dos tomadores de decisão na garantia da maximização do bem-estar econômico
por meio da adequação das regras e normas que possam vir a restringir de qualquer maneira as
trocas internacionais. De acordo com os principais teóricos dessa vertente13, o maior problema
da integração econômica encontra-se na possibilidade de desvio de comércio que um acordo
regional preferencial, por exemplo, é capaz de originar, causando efeitos deletérios para todo
o sistema mundial. (SABBATINI, 2001).
11
Para uma lista mais completa e detalhada dos acordos e das organizações de integração regional, consultar
HERZ (2004), p. 173-174.
12
O termo regionalismo aqui refere-se à corrente teórica, não serve como sinônimo direto de integração
regional.
13
Consultar as obras de Viner (1950), Bhagwati (1993) e Bhagwati, Greenway e Panagariya (1998).
28
Tal credo é decorrente das teorias clássicas de Comércio Internacional14 baseadas
principalmente no modelo de Hecksher Ohlin que apresenta os benefícios do livre comércio
enunciando que o padrão de comércio é estabelecido pela dotação relativa dos fatores de
produção dos países envolvidos (ROLIM, 1994). A liberalização, portanto, provoca a
especialização nos países, o que possibilita o aproveitamento de economias de escala, além do
fato de expor os setores da economia à concorrência mundial gerando benefícios até o
consumidor final que pode comprar produtos importados mais baratos e, possivelmente, de
melhor qualidade.
Jacob Viner é um dos grandes expoentes dessa vertente, segundo ele os acordos
regionais preferenciais geram desvios de comércio, ou seja, um país deixa de adquirir um
produto de um país não membro do bloco e inicia um processo de importação desse produto
por um custo maior de um dos países membros por força do acordo, prejudicando assim o
bem estar econômico geral.
O efeito contrário, ainda conforme Viner, a criação de comércio, acontece quando não
há agravo ao bem estar, mas sim um incremento dele. O autor explica que, quando o acordo
preferencial faz com que um país deixe de produzir determinado produto para começar a
importá-lo de outro país membro que o fabrica por um custo menor, há um efeito que
potencializa a livre troca no interior dos membros do acordo que é gerador de acréscimo de
bem estar. A conclusão, baseada nos tradicionais efeitos estáticos descritos por Jacob Viner,
que se pode chegar é que, uma vez que as perdas decorrentes do desvio de comércio forem
superadas pelos benefícios da criação de comércio, os acordos regionais preferenciais estariam
concorrendo para uma economia mundial mais livre e melhor, com aumento do bem estar
geral.
A liberalização do comércio dentro da área integrada faz com que a razão de
troca entre as mercadorias do parceiro e as mercadorias nacionais deixe de
estar distorcida pelo direito aduaneiro. Assim, como assinala Ferreira (1997),
aquelas tornam-se relativamente ‘mais baratas’ pois não estão mais sujeitas
ao imposto aduaneiro, pelo que os consumidores podem, com o mesmo
rendimento, adquirir mais bens dos países parceiros sem diminuir o consumo
de bens nacionais, ou substituir estes por aqueles. O preço dos produtos no
mercado desce no montante do valor dos direitos aduaneiros abolidos entre
os países participantes. Quer dizer, haverá um ganho líquido se o efeito
desvio de comércio for inferior ao efeito criação de comércio. (PINTO, 2004,
p. 13)
14
Ver KRUGMAN, Paul.; OBSTFELD, Maurice. Economia Internacional Teoria e Política. 5.ed. São Paulo: Makron, 2010.
Cap. 4.
29
Entretanto, para os autores do multilateralismo, as possibilidades de atestar que os
acordos de preferência regional poderão efetivamente gerar criação de comércio são
inconclusas, o que os faz cientificamente frágeis do ponto de vista econômico. Sendo assim,
os analistas atentam para o fato de que os processos de integração regional são fortemente
atrelados a fatores de caráter político, comprovando consequentemente que a solução
multilateralista seria a ideal para a garantia do livre comércio internacional com maior bem
estar geral.
Por outro lado, os autores do regionalismo declaram que os acordos preferenciais não
são contrários aos preceitos de livre comércio mundial, podendo na verdade complementar o
sistema internacional de trocas. Para Sabbatini (2001), houve uma mudança na maneira
explicativa do comércio internacional que permitiu demonstrar, por meio de modelos
econômicos, que
[...] Esquemas de integração reforçariam laços de intercâmbio entre países de
estrutura produtiva semelhante, ao permitirem, por um lado, a ampliação da
escala e aproveitamentos de economias relacionadas, e, por outro, o
incentivo ao desenvolvimento de progresso técnico, potencializado por um
esforço comum repartido entre empresas e instituições dos países associados.
(DI FILLIPO, 1997, p. 30-31 apud SABBATINI, 2001, p. 33).
À vista disso, os efeitos, ou ainda vantagens não tradicionais de acordos regionais
preferenciais, como competição e escala, melhoras nos termos de troca e atração de
Investimento Externo Direto (em função do mercado ampliado), traduzem-se em horizontes
econômicos mais estáveis, que, por sua vez, permitem às economias sinalizarem seus
objetivos mais claramente a terceiros. O caráter político incrustado na integração regional,
portanto, não mais é considerado como empecilho, pois, inclusive oportuniza melhores
condições de negociação entre o bloco e terceiros, uma vez que esta dá-se com maiores
unidades dando eficácia às rodadas de negociação. Além disso, a constante proliferação dos
blocos regionais incentiva a participação de outros países não integrantes do bloco, gerando o
“efeito-demonstração”.
Assim, uma das características evidenciadas pelo regionalismo é que ele constituiria
uma etapa antecessora ao multilateralismo, contrariando o paradigma de second best de Jacob
Viner. O primeiro seria um processo construtivo com a finalidade de uma liberalização mais
30
ampla designando blocos regionais como building blocks, em oposição à definição de
stumbling blocks15.
A partir do entendimento de que o regionalismo pode ser considerado uma fase a
caminho de uma liberalização multilateral, os building blocks são definidos como aqueles que
aceleram, ou então, não atrapalham o processo de corte de tarifas multilateral. Já os stumbling
block são considerados como obstáculos ao caminho do multilateralismo, uma vez que
previnem, ou retardam o corte de tarifas mais ampla e abrangente.
2.3 Integração regional: elementos do debate no âmbito das Relações Internacionais
As teorias de Relações Internacionais que procuram elucidar os processos de
integração regional formaram-se principalmente em torno do estudo da União Europeia. Dessa
forma, a capacidade explicativa dessas teorias torna-se de certa maneira limitada ao
continente, muito embora tal fato não diminua sua aplicabilidade analítica para outras
realidades e experiências. Na procura de construir argumentos para a posterior análise do
projeto de integração do MERCOSUL, utilizar-se-á dos modelos do Federalismo, do
Funcionalismo, do Neofuncionalismo e do Intergovernamentalismo Liberal16.
O Federalismo é um modelo baseado nas ideais de Immanuel Kant, ou seja, parte do
pressuposto de que a união seja concebida por valores de tolerância e de respeito que visem à
paz. Como afirma Karine Silva, a conjunção dos Estados dá-se de acordo com o respeito à
diferença e à diversidade no reconhecimento de “(...) integrar diferentes entidades, não
assimilá-las.” (BURGESS, 2009, p. 28 apud SILVA; COSTA 2013, p. 44). Uma característica
importante dessa vertente é a liderança que uma elite política exerce na condução da
integração, como se pode observar no caso da União Europeia, por exemplo, por meio das
figuras de Jean Monnet e Robert Schumann.
O arranjo político do Federalismo implica usualmente a existência de uma ameaça
externa, seja ela de ordem militar, ou política; conjugando assim a busca por um objetivo
comum entre as partes que, de maneira voluntária, cedem parte de sua soberania para a
construção de instituições que visem alcançar determinadas políticas comuns. Sendo assim, a
15
Ver Juyoung Cheong e Kar-yiu Wong em “Global Free Trade: Regionalism as a Building Block or a
Stumbling Block?”. UIBE, 2010. Disponível em: <http://www.rciecn.org/conferences/2010/papers/wong_ky.pdf>. Acessado em 26 maio 2013.
16
Faz-se necessário mencionar que há outras teorias que abordam a integração regional, como o Construtivismo
e o Neoneofuncionalismo, por exemplo. Para uma descrição mais completa de outras teorias, consultar
MARIANO; MARIANO (2002); MALAMUD (2004, 2012) e SILVA; COSTA (2013).
31
questão da supranacionalidade é central dentro dessa corrente teórica para que ocorra a
manutenção da integração.
Para que o processo de integração seja continuado e avance, são possíveis dois
caminhos: “(...) a través de la negociación constitucional intergubernamental, o por medio del
llamado a una asamblea constituyente.” (MALAMUD, 2012, p. 12).
O Federalismo é uma visão que peca por não ter grande alcance explicativo uma vez
que a experiência europeia é a única que se enquadra como um exemplo, tendo na verdade
falhado em sustentar a construção efetiva da forma idealizada por Monnet do Conselho da
Europa de 1949; sendo assim considerada mais como um projeto político17.
O Funcionalismo data do fim da Segunda Guerra Mundial e é representado pela obra
de David Mitrany (1943)18, que propõe uma alternativa política ao recurso da guerra baseado
em um sistema pragmático, tecnocrático e flexível de redes de organizações internacionais de
caráter funcional. Segundo Mitrany, ao tratar-se das questões área por área, tema por tema criando assim organismos setoriais capazes de cumprir funções técnicas-, suprimir-se-ia as
rivalidades do nacionalismo e as nações seriam integradas gradualmente. A política então era
interpretada com suspeita e desconfiança, a ênfase excessiva sobre soberania territorial e o
desejo de feitos grandiosos em função das duas grandes Guerras Mundiais foram incentivos
para a formulação de uma outra forma de resolução dos problemas entre os países.
Pertencente à tradição liberal idealista, a vertente funcionalista propunha uma
verdadeira separação entre a técnica e lógica política para que a paz pudesse ser alcançada,
peace by pieces, como enuncia o lema dessa corrente. Nessa função, a cessão de soberania não
formaria um Estado federado, mas concorreria para formar instituições dotadas de técnicos
especializados com tarefas administrativas. À medida que várias organizações são criadas,
forma-se uma rede entre elas que transforma a relação entre os Estados, tornando-os cada vez
mais integrados, economica e tecnologicamente, ao sistema, fazendo com que os problemas
não encontrem solução na individualidade da esfera doméstica, aprofundando assim ainda
mais a integração.
O projeto Funcionalista foi muito marcante na história da integração europeia, tendo
inspirado Robert Schuman na proposta de criação da Comunidade Europeia do Carvão e do
Aço (CECA), em junho de 1950. A teoria representava, sobretudo, uma nova estratégia nos
processos de regionalismo, tendo propiciado o início da criação das agências especializadas da
17
Consultar SILVA; COSTA (2013).
Mitrany, David (1943) A Working Peace System: An Argument for the Functional
Development of International Organization. London: Royal Institute of International Affairs.
18
32
ONU, como a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em
1945; a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948; e a Organização das Nações Unidas
para a Educação a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 1945.
Na medida em se expande a rede de organizações, os casos de sucesso na resolução de
problemas em determinada área são transmitidos para outras por meio do efeito spill-over, ou
transbordamento, transformando todo o sistema num círculo virtuoso de crescimento da
cooperação. Como resultado, os rumos da integração não são afetados pela esfera política,
uma vez que dependem, em sua maior parte, da progressiva institucionalização das boas
práticas.
O Funcionalismo foi vítima de consistentes críticas quanto à sua crença na separação
entre técnica e política, principalmente quando a Comunidade Econômica Europeia teve fortes
reveses durante os anos 196019, provando que o efeito de transbordamento não acontecia de
maneira natural e automática e que o papel da política não poderia ser desvinculado desta sob
pena de prejudicar o aprofundamento da integração. Entretanto, a grande contribuição da
teoria funcionalista para a teoria da integração regional foi o início de um debate mais intenso
acerca da questão da supranacionalidade.
Buscando sanar as deficiências explicativas do Funcionalismo, Ernest Haas, em
conjunto com outros autores20, tomou o principal pressuposto dessa corrente - integração com
um processo de transferência de competências dos Estados-Nação para as instituições – e
incorporou a esfera política, cujo resultado foi chamado de Neofuncionalismo. Nesse sentido,
o papel da esfera política é o de congregar os grupos de interesse domésticos (como sindicatos
e associações comerciais) e partidos políticos dentro da sociedade, a fim de influenciar e
impulsionar o efeito spill-over, garantindo assim a continuidade do processo de integração.
Ao incluir outros atores ao arranjo funcionalista, considerando a descentralização do
papel do Estado, o Neofuncionalismo foi capaz de retomar sua capacidade explicativa
principalmente em relação à integração europeia no tocante à experiência da evolução da
CECA. Além disso, a esfera doméstica no debate representou que a integração regional supera
o âmbito econômico e que ela permeia toda a arena das relações interestatais. A partir desse
refinamento na teoria, Haas define a integração como o:
19
A crise das cadeiras vazias ocorreu quando, “[...] a partir de Julho de 1965, opondo-se a um conjunto de
propostas da Comissão relativas, designadamente, ao financiamento da política agrícola comum, a França deixou
de participar nas reuniões do Conselho e, para retomar o seu lugar, exigiu um acordo político sobre o papel da
Comissão e a votação por maioria.” (EU – sítio online). Disponível em:
<http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_introduction_pt.htm.> Acesso em
maio 2013.
20
Principalmente Leon Lindberg, em 1963, com o livro “The Political Dinamics of European Economic
Integration”.
33
[...] processo pelo qual os actores políticos de diferentes comunidades
nacionais são levados a reorientear suas lealdades, suas aspirações e as suas
actividades políticas para um novo centro, cujas instituições possuem, ou
procuram possuir, competências que sobrepõem às dos Estados nacionais
pré-existentes. (HAAS, 1958 apud PINTO, 2004, p. 22).
A vertente do Realismo nas Relações Internacionais foi base para a formulação da
teoria do Intergovernamentalismo Liberal que tem como expoente Andrew Moravcsik.
Baseada também no modelo de jogo de dois níveis de Robert Putnam21, acertadamente, tal
teoria tem o Estado como promotor central da integração que age racionalmente em favor da
cooperação internacional a fim de satisfazer as demandas dos atores domésticos.
A ação estatal é, portanto, primordial dentro desse pensamento, pois se acredita que os
objetivos são melhor atendidos por meio da negociação intergovernamental e do processo de
barganha, do que por meio de decisões aplicadas por uma autoridade central. A ideia central
do Intergovernamentalismo Liberal é realocar o ator estatal para o centro sem, entretanto,
negar que tanto instituições, quanto preferências nacionais e a barganha sejam importantes
para definir processos de integração. As instituições, as preferências nacionais e o processo de
barganha são etapas a serem cumpridas a fim de formular uma decisão que será tomada pelo
Estado.
Considera-se que o integracionismo entre países acontece em diferentes etapas, cada
uma delas determinada pelos três estágios acima citados – evidencia-se aqui a influência da
teoria dos jogos de dois níveis que propõe que os acordos entre as nações têm mais chances de
serem plenamente cumpridos uma vez que representem o interesse nacional em uma instância
mais acima.
Assim, as instituições supranacionais resultantes dos acordos de associação não são
entendidas como limitadoras, mas sim como fortalecedoras da capacidade decisória dos
Estados. Uma vez que são as nações que criam as instituições, com objetivos específicos, são
elas que estão no lugar de decidirem por sua alteração, ou por sua cessão, a qualquer
21
A abordagem do jogo de dois níveis oferece uma teoria da ratificação em que reconhece que os tomadores de
decisão precisam conciliar simultaneamente os imperativos domésticos e internacionais a fim de obterem o
melhor resultado possível. “No nível nacional, os grupos domésticos perseguem seu interesse pressionando o
governo a adotar políticas favoráveis a sues interesses e os políticos buscam o poder constituindo coalizões entre
grupos. No nível internacional, os governos nacionais buscam maximizar suas próprias habilidades de satisfazer
as pressões domésticas, enquanto minimizam as consequências adversas das evoluções externas.” (PUTNAM,
2010, p. 151).
34
momento. Ademais, a arena internacional é entendida como oportunidade de realização do
interesse nacional, como afirmou Andrés Malamud (2012),
A medida que la liberalización comercial aumenta la magnitud del comercio
exterior, especialmente a nivel intra-industrial, las demandas por una mayor
integración se incrementan. En este marco, las instituciones regionales son
concebidas como mecanismos que facilitan la implementación de acuerdos,
antes que como actores autónomos o como arenas de acción colectiva.
(MALAMUD, 2012, p. 14)
As teorias acima expostas baseiam-se e captam a realidade da integração europeia,
desenvolvendo-se de acordo com as consequentes fases de avanço e de recuo do processo
regional europeu. Os reflexos que tal integração provoca, não só no nível intrarregional, como
também no âmbito societal – principalmente na escala subnacional- são de extrema
importância na análise da evolução do aprofundamento dos processos de integração regional.
Para a posterior análise da formação do MERCOSUL, discutir-se-á a efetividade da
aplicação de tais teorias em um processo marcado por grandes diferenças em relação ao
processo europeu de formação de arranjos regionais. Dessa forma, propor-se-á uma discussão
teórica acerca do MERCOSUL baseada nas teorias apresentadas, mas delinear-se-á as
peculiaridades do processo do Cone Sul a fim de expor o fato de que as tais teorias não
abarcam de maneira completa o processo integracionista desse bloco.
A intensificação das formações de blocos regionais é acompanhada, e também é
decorrente do acirramento da competição internacional. A globalização envolve de diferentes
maneiras os âmbitos globais e locais, e provoca resultados assimétricos que se vinculam à
relação entre forças econômicas, sociais, culturais e identitárias. Diante do quadro, novas
estratégias de desenvolvimento fazem-se presentes, nem sempre, entretanto, protagonizadas
pelos atores centrais.
35
3.
INTEGRAÇÃO
REGIONAL
E
PROTAGONISMO
DOS
ATORES
SUBNACIONAIS
A integração regional é um processo político instrumentado não só juridicamente,
como também economicamente, com consequências que se estendem aos mais diversos níveis
da vida social nos países implicados, conforme comentam Sausi e Odone (2010). Os reflexos
de tais arranjos servem como substrato para diferentes abordagens acerca do tema, cada uma
promovendo seus benefícios, de um lado, e, de outro, seus malefícios.
Neste capítulo, o objetivo é demonstrar as possíveis interpretações dos impactos dos
processos de integração regional a partir de aspectos econômicos e políticos a fim de
identificar as circunstâncias em que surgem os atores subnacionais dentro desse quadro.
Dessa forma, primeiramente expõe-se os argumentos, tanto favoráveis, quanto
contrários às formações de blocos regionais em função de seus respectivos resultados na
economia. Explora-se o plano político a partir do aparecimento dos entes subnacionais, que
procuram atuar de forma a suprir as responsabilidades que não são plenamente atendidas pelos
Estados Nacionais.
Por fim, apresenta-se o caso do Comitê das Regiões da União Europeia como
inspiração para a atuação de atores subnacionais envolvidos em processos de integração
regional.
3.1 Marco geral: da questão dos reflexos socioespaciais da integração à problemática dos
entes subnacionais
A defesa do entendimento segundo o qual os processos de integração regional
promovem maior aproximação mais harmonia entre os diferentes níveis de desenvolvimento
dos países baseia-se na ideia de que os fluxos liberalizados de comércio levariam a uma certa
convergência entre os participantes. Uma razão assinalada é que a intensificação da
concorrência faria com que a mão-de-obra mais barata fosse procurada pelas empresas dos
países mais desenvolvidos nos países mais atrasados, resultando assim numa melhora
econômica nos últimos.
Venables (2001) manifesta-se sobre o assunto apoiando a sua análise na teoria das
vantagens comparativas, assinalando que acordos entre países mais ricos e países mais pobres
tendem a ser mais benéficos aos países de baixa renda, do que acordos só entre países mais
36
pobres, que, por sua vez, acabam por causar maiores divergências entre os países membros.
Bela Balassa também compartilhava da noção de que “os efeitos de difusão (...) emanados das
regiões altamente desenvolvidas beneficiariam também as áreas atrasadas.” (BALASSA,
1964, p.306 apud LINS, 2013b, p. 104).
De outro lado estão os teóricos22 que apontam que a liberalização dos fluxos de
capitais e de mercadorias tende a aprofundar as desigualdades socioterritoriais. Na base está a
convicção de que os investimentos tenderiam a concentrar-se em áreas mais desenvolvidas e
industrializadas, pelo fato de concorrerem com as externalidades e economias de escala a seu
favor, compensando possíveis custos mais altos relativos ao fator mão-de-obra.
Os locais melhor preparados industrialmente oferecem às empresas os serviços
necessários ao seu desenvolvimento de maneira mais dinâmica, pois, entre outros aspectos,
exibem a aglomeração de fornecedores e clientes em um mesmo espaço, facilitando assim o
aumento – ou criação - de capacidade produtiva. Por sua vez, as áreas menos desenvolvidas
dependeriam de incentivos políticos de atração de investimentos, ou ainda de fatores como o
tamanho dos mercados a serem explorados, uma vez que somente “[...] as regiões e cidades as
mais desenvolvidas economicamente [...] detêm recursos econômicos, políticos e
institucionais suficientes para sustentar estratégias independentes de representação
institucional e de promoção comercial direta no exterior.” (MARIANO; BARRETO, 2004, p.
25).
É importante frisar que, embora a dimensão econômica geralmente tenha um papel
predominante nos processos de integração, outras variáveis podem também condicionar seu
desenvolvimento, atuando como propulsoras. Componentes sociais, políticos e ambientais
denotam a riqueza das interações múltiplas que estão em constante “choque” quando se
estabelecem arranjos regionais, que, por sua vez, significam importantes aportes ao processo
na forma de implementação de medidas, ações e projetos dentro da nova configuração.
Nesse sentido, ambientes fronteiriços são áreas ideais de observação dos impactos do
regionalismo, uma vez que registram de forma cotidiana fluxos dos mais diversos elementos.
Nesse papel, as zonas de fronteira funcionam como que a medida da penetração institucional
dos acordos regionais, potencializando (ou não) seus impactos.
A mudança de estratégia que envolve a integração regional, passando de um modelo
de crescimento para dentro, para outro voltado para fora, envolve importantes modificações
22
Krugman (1993); Giersch (1949-1950); Celso Furtado (1967).
37
em zonas nas quais já ocorre algum tipo de relação internacional, como é o caso das áreas de
fronteira.
São numerosos os possíveis resultados de uma iniciativa integracionista. Entretanto, é
importante salientar certos aspetos. Entre eles figuram, certamente: o desenvolvimento dos
arranjos regionais; a modificação quantitativa e qualitativa do intercâmbio comercial; o grau
de formalização do comércio preexistente; a criação de novos fluxos comerciais; a criação de
empresas binacionais; o estabelecimento de programas sociais, de desenvolvimento, ou sobre
migrações; o desenvolvimento de infraestrutura para uso compartilhado, entre outros.
(POSSE, 1991)
A partir da consideração desses elementos, os agentes públicos e privados são levados
a repensar o mercado, seus produtos e atividades, implicando necessidade de adaptação às
novas condições associadas à integração. Tais agentes, é preciso explicar, são muitas vezes
representados por unidades subnacionais, uma vez que os Estados, na sua dimensão nacional,
não são capazes de cumprir plenamente o seu papel de promotores de desenvolvimento em
todo território nacional, principalmente em espaços que não fazem parte do centro dinâmico
da economia. Trata-se aqui não só de assegurar o bem estar econômico, mas também de
garantir as condições de estabilidade social e de manutenção da cultura da área envolvida.
De todo modo, a incorporação de agendas administrativas internacionais nas
atividades de atores subnacionais é uma questão que exige reflexão. Entre outros motivos está
o fato de que tal processo evidencia importantes alterações tanto dentro das relações
internacionais, quanto das relações intranacionais.
Os constrangimentos aos quais os governos subnacionais estão expostos quando
protagonizaram papeis na esfera internacional tendem a ser de ordem jurídica, variando assim
de acordo com a formação do Estado em questão. No Brasil, a Constituição Federal de 1988
não discrimina competências aos entes federados – podendo eles ser tanto municípios, quanto
estados federados e o distrito federal- para ações internacionais. Entretanto, as articulações
dos governos subnacionais em âmbitos internacionais não encontram proibição constitucional,
tendo sido desenvolvidas, dessa forma, a partir do uso do princípio da subsidiariedade23.
Como afirmam Mariano e Barreto (2004), “[...] embora a Constituição nacional apresente
rígidos obstáculos à atuação internacional de seus entes federados, essa atividade, no entanto,
23
O princípio da subsidiariedade aqui diz respeito à repartição de atribuições, ou competências entre uma
comunidade maior e outra menor.
38
é tolerada – e mesmo monitorada – pelo governo central." (MARIANO; BARRETO, 2004, p.
23).
Já na Argentina, a conformação jurídica do Estado permite que as províncias
envolvam-se em acordos internacionais com outros entes subnacionais, de outros países:
Las provincias podrán crear regiones para el desarollo económico y social y
estabelecer órganos con facultades para el cumplimiento de sus fines y
podrán también celebrar convenios internacionales, en tanto no sean
incompatibles con la política exterior de la Nación y no afecten las facultades
delegadas al Gobierno Federal o el crédito público de la Nación, con
conocimento del Congreso Nacional [...].” ( Artigo 124 da Constituição
Nacional argentina)24
A Federação da Rússia, por seu turno, para fornecer mais uma ilustração, permite aos
estados integrantes que “[...] mantenham relações internacionais e assinem determinados
acordos internacionais com base em suas próprias competências [...]” (PRIETO, 2004, p.
254). O caso russo é interessante, pois ressalta um outro ponto determinante na atuação de
atores subnacionais, qual seja, a conformação de coalizões políticas como elemento condutivo
da ação das unidades subnacionais. Nesse país, embora a esfera jurídica não imponha a
submissão dos estados à Federação em termos de política externa, os limites da dimensão
subnacional são fixados pela esfera política. O relacionamento, entretanto, é um via de duas
mãos; enquanto a Federação controla atitudes de governos subnacionais em relação a questões
de seu interesse, as unidades subnacionais são constitucionalmente dotadas da capacidade de
influenciar a política externa nacional, criando obstáculos, ou favorecendo certos assuntos que
lhes convêm25.
Os aspectos políticos que influenciam as ações dos poderes subnacionais podem ser
vistos como impeditivos do desenvolvimento da ação desses no campo internacional. Como a
iniciativa de participar em questões internacionais depende da vontade das unidades
subnacionais, a autolimitação, ou seja, a livre abdicação do envolvimento desenvolve-se como
uma estratégia política de certos atores subnacionais; muito embora esta não tenha sido a
situação mais observada. Como escrevem Mariano e Barreto (2004):
24
Constituição Nacional da Argentina. Disponível em
<http://www.senado.gov.ar/web/interes/constitucion/gobiernos.php>. Acessado em 28 maio de 2013.
25
“De acordo com a nova constituição, os principais elementos da política externa e da política de segurança
permanecem sob a responsabilidade do governo federal, mas para assegurar a sua nova legitimidade, a política
externa russa precisa levar em consideração os interesses regionais [...]. O governo central não pode celebrar
acordos com os países vizinhos, tampouco sancionar ou modificar tratados internacionais sem consultar as
regiões envolvidas.” (PRIETO, 2004, p. 254).
39
Um aspecto interessante, demonstrado por inúmeras evidências empíricas, é
dado pelo posicionamento pró-ativo que as unidades subnacionais vêm
assumindo nos seus respectivos contextos político-institucionais, forçando a
ampliação de seus espaços de autonomia no campo das relações
internacionais [...].” (MARIANO; BARRETO, 2004, p. 24).
A necessidade de atuação das unidades subnacionais suscita importantes questões
acerca dos processos de integração regional. Isso tem a ver, entre outras coisas, com o fato de
que, muitas vezes, os entes subnacionais passam a ter maior presença no cenário internacional
não em função de sua vontade de participação no plano internacional, mas sim pela
necessidade de “[...] assumir responsabilidade pela promoção do desenvolvimento nos
territórios sob suas jurisdições [...]” (MARIANO; BARRETO, 2004, p. 25).
Entretanto, como ficou evidenciado pelas considerações acima citadas, nem todas as
províncias, municípios, ou cidades são capacitados das mesmas estruturas econômicas,
políticas e institucionais para enfrentarem a arena internacional na busca do alcance de seus
interesses. Fica claro, pois, em diferentes contextos nacionais, que o Estado-Nação tem
deixado a desejar no desenvolvimento de políticas que abarquem a tendência de
descentralização das atividades de maneira a operacionalizar a gestão das relações
internacionais pelos diversos atores subnacionais.
Todavia, a própria fragilidade estrutural das instâncias subnacionais acabou por
ensejar o desenvolvimento de uma nova forma de atuação entre elas, a atuação em redes de
cidades e de regiões, em suma, implicando autoridades subnacionais. Por meio da ação
coletiva, elas têm conseguido força para enfrentar as consequências e aproveitar as
oportunidades
da integração regional, demonstrando que fragilidades podem ser
transformadas em estratégia de inserção internacional.
O caso provavelmente mais exitoso dessa atuação em rede, na cena mundial refere-se à
constituição do Comitê das Regiões, que será discutida brevemente, a título de exemplo, no
subcapítulo a seguir.
3.2 Ensinamentos de uma experiência paradigmática: a União Europeia
O projeto Federalista influenciou de maneira assertiva os fundadores da futura União
Europeia, Jean Monnet e Robert Schuman. Dessa forma, o tratado constitutivo cimentou a
40
base da proposta pacífica e criou a mais exitosa organização internacional de integração
regional até hoje em vigor. Os seis estados fundadores, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Itália,
França e Alemanha, declararam, em 195026, a vontade conjunta de desenvolver soluções e
administrar interesses comuns que, por fim, acabaria por conjugar uma organização cujo
poder deveria emanar da cessão de parcelas de soberania de cada Estado parte.
Após mais de sessenta anos, a Europa experimentou quase todas as fases de um
processo de integração e, entre avanços e recuos, foi capaz de manter-se fiel aos propósitos de
seus fundadores - como a necessidade de uma organização com supranacionalidade e os ideais
funcionalistas27 -, em que logrou em responder com sucesso aos desafios impostos pelo
aprofundamento das relações entre os países-membros.
A atual União Europeia é formada juridicamente pela combinação do chamado direito
primário, que são os tratados28 em si, com o direito derivado, que consiste em regulamentos,
diretivas e recomendações adotadas pelas instituições da União. A natureza jurídica do ente,
entretanto, não se enquadra em nenhuma categoria jurídica clássica, sendo ele uma estrutura
única que evolui constantemente, levando muitos autores a considerarem-na como de caráter
sui generis. De acordo com a Direção Geral de Comunicação da União Europeia: “A UE
situa-se assim entre o sistema federal rígido existente nos Estados Unidos e o sistema flexível
de cooperação intergovernamental existente nas Nações Unidas.” (UE, 2013, p. 3).
As principais instituições responsáveis pela legislação e pelas políticas da União
Europeia são o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão Europeia.
O primeiro é o responsável pelo estabelecimento das suas políticas e seus objetivos,
mas sem funções legislativas. É composto pelos chefes de Estado de governos nacionais, com
seus respectivos representantes (presidentes, primeiros-ministros), que definem também a
26
É preciso declarar que o processo de integração europeu é observado ainda antes da assinatura do Tratado de
Paris. O Manifesto Pan-europeu, de 1923, consta como uma das primeiras proposta de criação de uma
confederação europeia de cooperação. A BENELUX, em 1921, foi um grande passo no desenvolvimento
integracionista, que formou uma das primeiras uniões aduaneiras da Europa. Com o Tratado de Bruxelas, de
1948, a fase do regionalismo fechado estava representada pelo teor do Tratado que envolvia principalmente o
âmbito da segurança.
27
O mentor da União Europeia, Jean Monnet, é tido como o grande arquiteto da integração europeia por ter sido
capaz de “(...) garantir o primado do método funcionalista para atingir os objetivos federalistas. A federação era
o caminho para uma pax mercatoria, ou seja, aquela atingida via integração dos mercados que se restringiria,
num primeiro momento, aos recursos energéticos e, consecutivamente, alcançaria outros setores até formar o
mercado único.” (SILVA; COSTA, 2013, p. 66).
28
Tratado de Paris, 1951; Tratado de Roma, 1957; Ato Único Europeu, 1986; Tratado da União Europeia –
Tratado de Maastricht – 1992; Tratado Amsterdam, 1997; Tratado de Nice, 2001; Tratado de Lisboa, 2007.
41
coordenação das políticas externas dos Estados-Membros para a formação da Política Externa
e de Segurança Comum29.
O Parlamento que representa os cidadãos da União, atualmente conta com 751
deputados diretamente eleitos por sufrágio universal de cinco em cinco anos. O Parlamento,
junto ao Conselho, exerce as funções legislativas relativas à União, além de protagonizar um
papel democrático essencial na aprovação, ou não, dos membros da Comissão.
O Conselho e o Conselho Europeu representam os Estados-Membros, e sua função,
além da referida acima, envolve a assinatura de alguns acordos internacionais negociados pela
Comissão. Tal Comissão é representativa dos interesses da União em seu conjunto, inclusive
representando-a no mundo, sendo a única capaz de elaborar novas propostas de legislação
para a análise do Conselho e do Parlamento. A Comissão Europeia, que é um órgão executivo
e legislativo, goza de um grau de independência diferenciado, pois é a “guardiã dos tratados”
e não deve ser pressionada por qualquer governo nacional. De forma sintetizada,
O Conselho Europeu define a direção e as prioridades políticas gerais da EU,
mas não exerce funções legislativas. Em princípio, é a Comissão Europeia
que propõe nova legislação, e são o Parlamento e o Conselho que a adotam.
Seguidamente, os Estados-Membros e a Comissão põem-na em prática. (UE,
2013, p.5).
Os aspectos da trajetória histórica tangenciados anteriormente auxiliam a abordagem
do papel desempenhado pela esfera subnacional no decurso da integração europeia. De acordo
com a inspiração federalista do projeto dos fundadores, o diálogo entre a União e os Estados é
parte essencial no processo de tomada de decisão relativa ao objetivo de aproximar a União
Europeia dos cidadãos30. Nesse contexto, é criado o Comitê das Regiões (CR), que visa forjar
uma Europa que ultrapasse as questões mercadológicas e que crie vínculos com a sociedade
que busca integrar.
O Comitê das Regiões nasceu no Tratado de Maastricht, em 1992, e tornou obrigatória
a consulta ao Comitê, pela Comissão Europeia e pelo Conselho, em áreas fundamentais de
29
Para mais detalhes sobre a Política Externa e de Segurança Comum, consultar
<http://europa.eu/pol/cfsp/index_pt.htm>. Acessado em 30 maio 2013
30
É importante mencionar a existência do Comitê Econômico e Social Europeu (CESE), outro importante vetor
da participação de atores não estatais que representa os interesses de três respectivos grupos: empregadores,
trabalhadores e setores de atividades específicas, como “(...) agricultores, artífices, PME e indústrias, profissões
liberais, representantes dos consumidores, da comunidade científica e pedagógica, da economia social, das
famílias, dos movimentos ecologistas.” Disponível em:
http://europa.eu/legislation_summaries/glossary/european_economic_social_committee_pt.htm. Acesso em 30
maio de 2013.
42
interesse regional que são da competência do primeiro, quais sejam: coesão econômica e
social, infraestrutura transeuropeia, saúde, educação e cultura, política de emprego, políticas
voltadas aos jovens, proteção civil, energia, meio ambiente, alterações climáticas, além de
serviços de interesse comum geral como telecomunicações e serviços postais. A partir de
2009, com o Tratado de Lisboa, o Parlamento Europeu passa a ser obrigado a consultar o CR,
endossando ainda mais seu papel político, uma vez que as áreas supracitadas representam
mais de dois terços das propostas legislativas da União Europeia31.
Embora o Comitê tenha como uma de suas principais funções emitir parecer acerca de
textos legislativos que afetem as áreas de interesse locais e das regiões, seu papel não fica
relegado a atitudes meramente reativas. Os pareceres de prospectiva e relatórios de impacto
contribuem para uma maior influência na formulação e na elaboração das políticas ainda em
fase inicial.
As realidades locais e regionais, portanto, são representativas de forte poder político
dentro do arcabouço institucional da União Europeia, o que evidencia o jogo político que
envolve qualquer instituição de organização social representativa – a formação dos grupos
políticos que constituem o Comitê são reflexos dessas interações32. Sendo as unidades
subnacionais
assimétricas,
dotadas
de
grande
heterogeneidade entre
si, não
só
economicamente, como também politicamente, a questão da representatividade dos poderes
locais e regionais frente à União tem sido questionada por estudiosos do tema33.
O reconhecimento, por parte da União Europeia, das disparidades dentre suas
fronteiras internas e, por conseguinte, da importância da necessidade de encontrar soluções
para os impactos do aprofundamento da integração, configurou-se na formação do CR que,
por sua vez, baseou-se no princípio da coesão:
[...] a integração econômica criada por um grande mercado buscará obter
grandes benefícios econômicos. Mas seria conveniente que todas as regiões
da Comunidade pudessem participar deles progressivamente [...]. Com esse
espírito a Comunidade analisou as políticas chamadas ‘estruturais’, com a
vontade de lhes conferir um verdadeiro impacto econômico e não com a de
realizar – o que seria custoso e insuficiente – simples transferências
31
Dados do Comitê das Regiões. Disponível em:
<http://cor.europa.eu/en/documentation/brochures/Documents/be47418d-915a-4c2d-8512-85333edc83e3.pdf>
Acessado em 30 de mai de 2013.
32
Os grupos políticos representados no CR são: o grupo do Partido Popular Europeu (PPE), o grupo do Partido
dos Socialistas Europeus (PSE), o grupo da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE) e o grupo
da Aliança Europeia (AE). Há, entretanto, membros que são independentes que não se filiam a nenhum dos
grupos mencionados.
33
STUART (2004), (MEDEIROS, 2004).
43
orçamentárias. Falando claramente: há que deixar de considerar os
instrumentos comunitários como meros elementos de um sistema de
compensação financeira. Estão chamados a desempenhar, junto às políticas
nacionais e regionais e em harmonia com elas, um papel importante para a
convergência das economias. (DELORS, 1993, p. 30 apud STUART, 2004,
p. 120).
O discurso do ex-presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors (1985 – 1995),
sintetiza de maneira direta a forma pela qual a União lida com as desigualdades de
desenvolvimento entre os Estados membros por meio da instituição dos Fundos Estruturais.
Transparece no discurso o entendimento de que a integração regional é realmente alcançada
quando se revela benéfica para todos que a integram. Sendo assim, a convergência entre as
economias, tornando-as coesas, configura-se como um dos pressupostos para o sucesso dos
objetivos da União Europeia.
Os Fundos Estruturais dividem-se em áreas específicas e são destinados aos Estados
membros levando em conta as necessidades de cada local, ou região. Os Fundos existentes são
o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu (FSE), o
Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA) e o Instrumento Financeiro de
Orientação das Pescas (IFOP). De acordo com a política de coesão para o período de 2007 a
2013, a distribuição dos montantes, cujo valor total será de 347 mil milhões de euros, atende a
critérios relacionados em três diferentes âmbitos, sejam eles: convergência, competitividade
regional e emprego e cooperação territorial (Figura 1).
Os recursos destinados ao primeiro âmbito têm por objetivo acelerar a convergência
das regiões e Estados-Membros menos desenvolvidos por meio da melhoria das condições de
crescimento e emprego nos domínios de “[...] capital físico e humano, inovação, sociedade do
conhecimento,
adaptabilidade
às
mudanças,
ambiente
e
eficácia
administrativa”(DISPOSIÇÕES..., s/d, s/p). Tais montantes são divididos por três fundos
financiadores: Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), pelo Fundo Social
Europeu (FSE) e pelo Fundo de Coesão.
O segundo critério dá-se por meio do financiamento do FEDER e FSE e destina-se a
regiões que não são as menos favorecidas, mas que necessitam de maior competitividade e
capacidade de atração, e mais emprego. “Deve permitir antecipar as mudanças económicas e
sociais, promover a inovação, o espírito empresarial, a proteção do ambiente, a acessibilidade,
a
adaptabilidade
e
o
(DISPOSIÇÕES..., s/d, s/p).
desenvolvimento
de
mercados
do
trabalho
inclusivos.”
44
O último objetivo traz somente o FEDER como financiador e busca reforçar a
“cooperação aos níveis transfronteiriço, transnacional e inter-regional” além de “promover
soluções comuns para autoridades vizinhas, nos domínios do desenvolvimento urbano, rural e
costeiro, bem como o desenvolvimento das relações económicas e a ligação em rede das
pequenas e médias empresas (PME)”. (DISPOSIÇÕES..., s/d, s/p).
Figura 1 – Distribuição dos recursos dos Fundos Estruturais para o período de 2007 a 2013.
2,52%
15,95%
Convergência
Competitividade
Regional e Emprego
Cooperação Territorial
81,53%
Fonte: elaboração da autora com dados das “Disposições gerais FEDER – FSE – Fundo de Coesão (2007 2013)”.
Disponível
em:
http://europa.eu/legislation_summaries/regional_policy/provisions_and_instruments/g24231_pt.htm. Acesso em
30 maio 2013.
É importante mencionar que a Comissão Europeia destina os recursos para os Estados
membros que, por sua vez, os canalizam às suas respectivas regiões. Tal funcionamento é
baseado no princípio da subsidiariedade, que diz que a União apenas intervém “(...) se e na
medida em que os objetivos da ação encarada não possam ser suficientemente realizados pelos
Estados membros, e possam (...) ser melhor alcançados ao nível comunitário.” (UE, 1992, art.
3b).
Esse princípio busca atenuar o chamado “déficit democrático” - que, em tese, decorre
de processos de integração que carecem de legitimidade democrática em função de tornaremse inacessíveis aos cidadãos -, por meio do respeito às identidades nacionais e salvaguardando
as suas atribuições no objetivo de conjugar as intenções da União quanto à construção de um
espaço europeu federado representativo de seus cidadãos. Dessa forma, conclui-se que as
45
prioridades de investimento serão melhor elencadas em conjunto com autoridades locais e
regionais de cada nação.
A relação entre as diferentes esferas de representação no CR ocorre em um sistema de
unidades de poder em que estão presentes os níveis supranacional, nacional e subnacional. A
dinâmica, portanto, que decorre da interação entre eles é o que dá a tônica da real
representatividade dos cidadãos dentro da União Europeia – objetivo da existência do CR. As
diferentes
formações dos Estados Nacionais influem no modo de inserção e,
consequentemente, no poder estratégico dessas unidades dentro do CR.
O potencial econômico e o grau de autonomia de regiões e de poderes subnacionais
locais formatam o comportamento, podendo tanto aumentar, quanto diminuir a possibilidade
de representação desses atores. Dessa forma, as unidades subnacionais mais frágeis, ao
contrário de encontrarem no CR um canal de comunicação para suas demandas, podem até
acabar suprimidas por unidades mais articuladas que fazem do Comitê sua caixa de
ressonância. Em casos assim, as menores unidades subnacionais são acometidas por um
sentimento de simples troca de tutela, uma vez que as unidades mais poderosas passam a fazer
as vezes de um Estado Nacional.
O modo de inserção no Comitê das Regiões de subunidades pertencentes a
Estados tipicamente federais, como a Alemanha, a Áustria e a Bélgica, difere
muito daquele de Estados regionalizados, como a Espanha e a Itália, ou ainda
do de países de característica jacobina, como a França ou o Reino Unido.
Assim, o comportamento de um componente do CR é função, pari passu, de
seu potencial econômico e de seu grau de autonomia política perante o poder
nacional. (MEDEIROS, 2004, p. 163).
Uma importante consequência desse sistema de jogo de poderes entre as unidades é o
afastamento de grandes atores subnacionais do projeto de integração, uma vez que estes não
sentem a necessidade de proteção das instituições da União para a realização dos seus
objetivos, pois já encontram com eficiência a solução para suas demandas dentro do próprio
Estado-Nação. Sem o apoio das maiores unidades, a representação dos poderes subnacionais
torna-se esvaziada, pois um aglomerado de pequenas vontades locais não uníssonas é incapaz
de influenciar os rumos das políticas públicas. O desenvolvimento do CR para enfim tornar-se
uma terceira câmara34, torna-se cada vez mais prejudicado pela impossibilidade de realizar
34
(...) o estabelecimento daquilo que se tornou o Comitê das Regiões atua (ou poderia atuar) como uma voz
institucional de Terceiro Nível, fornecendo uma contribuição direta no processo de tomada de decisões, com
potencial para evoluir em direção a uma terceira câmera legislativa paralela ao Conselho de Ministros e ao
Parlamento Europeu.” (JEFFERY, 1997, p. 66 apud MEDEIROS, 2004, p. 170).
46
tanto a função de representatividade das regiões – em função das assimetrias internas, quanto
da representação em si dos poderes subnacionais.
Regiões como a da Catalúnia, por exemplo, gozam de considerável margem de
manobra dentro de seu próprio território nacional e, a partir desse âmbito são capazes de
influenciar esferas mais abrangentes a alinharem-se às suas demandas sem o apoio de
instituições como o CR. Já outros entes, como o governo da Região Autônoma dos Açores de
Portugal, não possuem o mesmo poder nem em escala subnacional, subregional ou ainda
supranacional. O CR, entretanto, não possui ferramentas nem normas para lidar com esse tipo
de assimetria interna, fazendo com que as críticas continuem ressonando.
É preciso citar, entretanto, que o descontentamento com o CR não parte somente das
pequenas regiões em função da troca de tutela. As regiões mais fortes percebem sua atuação
dentro do Comitê cerceada pelo grau de assimetria entre os participantes, pois não conseguem
levar a cabo suas elevadas ambições que, afinal, não encontram convergência com demandas
de pequenas entidades.
Um dos desafios do CR, portanto, é encontrar um balanço entre as diferentes formas
de representação que convivem em seu seio. Entes municipais e regionais possuem claramente
dimensões distintas que acabam por desequilibrar a relação interna do grupo como um todo,
todavia, o papel que o CR precisa buscar a desempenhar é o de tornar as demandas dos entes
complementares, e não concorrentes.
O estudo da experiência europeia enriquece o debate para análise das instituições e
órgãos que o MERCOSUL desenvolveu ao longo dos anos em seu próprio processo
integracionista. A partir da inspiração do molde europeu, o Cone Sul criou sua própria
maneira de lidar com as assimetrias internas.
47
4.
INTEGRAÇÃO NO CONE SUL E A PROBLEMÁTICA DOS ATORES
SUBNACIONAIS.
Na América Latina a integração, considerada em termos gerais como possibilidade e
como experiência, foi cercada por condicionalidades em que despontaram as particularidades
da própria formação dos Estados nacionais, com as derivadas noções de nacionalidade. A
força tanto do colonialismo, português e espanhol, quanto, no século XX, do neocolonialismo
estadunidense, funcionou como mantenedora da distância para a conformação de uma
identidade latino-americana que tornaria, de certa forma, a integração como caminho natural.
Entretanto, o observado foi uma “balcanização”, para usar a expressão de Jorge Aberlado
Ramos35, uma fragmentação em repúblicas que imprimiu um afastamento congênito às nações
latino-americanas, que só começou a ser superado a partir da década de 1950.
A necessidade de sobrepujar barreiras historicamente construídas foi um passo
importante para o início da experiência de integração na América Latina. Nesse processo,
ocuparam lugar de destaque as ideias da CEPAL para o desenvolvimento econômico,
influentes no subcontinente desde os anos 1950.
Naquele contexto, o regionalismo latino-americano surge como possível solução para o
subdesenvolvimento econômico e social. Mas, nas experiências registradas historicamente,
tiveram escasso apelo, ao que parece, os sentidos de complementaridade e de efetiva formação
de blocos econômicos. Pode-se considerar que tais aspectos figuraram por trás, ao lado de
outros fatores, dos limitados resultados logrados pelas iniciativas de integração
protagonizadas na América Latina até meados da segunda metade do século XX. O cenário
modificou-se a partir dos anos 1990 com a nova onda regionalista que deu origem aos
esquemas do MERCOSUL.
Este capítulo tem por objetivo abordar a trajetória do MERCOSUL, não só política,
como também econômica, a fim de destacar os elementos que contribuem para a formação do
arcabouço institucional da organização. E, no sentido de lançar um olhar para os atores
subnacionais, analisar-se-ão as iniciativas voltadas à promoção da cooperação e do
desenvolvimento por parte dos envolvidos na empreitada.
Na primeira parte, será apresentado um panorama da integração no Cone Sul a fim de
35
Ramos (2012).
48
delinear o caminho percorrido até a conformação do Mercado Comum do Sul, juntamente aos
outros importantes arranjos regionais fomentadores da integração latino-americana,
notadamente no tocante às questões subnacionais e suas implicações para as realidades locais
e regionais.
Na segunda parte, descreve-se as realidade das cidades-gêmeas de Santana do
Livramento-Rivera com a finalidade de apontar o protagonismo subnacional dos entes que
atuam na promoção e no desenvolvimento de ações de cooperação internacional e de
integração. Procura-se demonstrar as iniciativas no sentido de compreender as consequências
dos processos de integração nos ambientes locais com foco na cidade brasileira.
4. 1 Integração no Cone Sul: contexto, trajetória, interpretação.
4. 1. 1
Uma breve contextualização
A ideia de integração na América é de longa data. Desde San Martín e Bolívar, a
concepção de integrar as nações latinas formando uma “pátria grande” está presente no
subcontinente “[...] ‘Nós não podemos viver senão da união’.” (BOLÍVAR apud RAMOS,
2012, p. 179). Embora tenha falhado o projeto bolivariano, as tentativas não cessaram.
A integração regional ganhou força novamente a partir do final da década de 1950,
principalmente sob os auspícios da CEPAL, que propunha uma alternativa de inserção
internacional aos países menos desenvolvidos por meio da formação de um mercado integrado
que oferecesse mais competitividade frente ao cenário internacional. A conjuntura econômica
apresentava-se favorável a esse tipo de comportamento, e a liberalização dos mercados refletia
também o lado político do cenário pós-Segunda Guerra, em contraposição ao nacionalismo,
considerado como uma das causas do conflito. O entendimento, nutrido pela dura experiência
europeia, era que a interdependência entre os mercados seria uma das formas de evitar um
embate entre as nações novamente.
Nesse ambiente geral, os países latino-americanos representados pelos governos de
Brasil, Argentina, Chile, México, Paraguai, Peru e Bolívia, em 1960, firmaram o Tratado de
Montevidéu, criando a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC).
A ALALC tinha por meta principal a criação de uma zona de livre comércio dentro de
um período de doze anos a fim de proporcionar melhores fluxos de intercâmbio regional. O
objetivo final, entretanto, era alcançar o mercado comum regional a partir da ampliação dos
49
mercados e da “(...) liberalização do intercâmbio pelo desmantelamento de medidas
protecionistas, através de negociação multilateral, produto a produto, de rebaixas tarifárias e
da eliminação de restrições não tarifárias.” (KINOSHITA, 2000, p. 1).
Embora a iniciativa tenha sido pioneira no sentido de construir um projeto
integracionista de amplo escopo, muitos fatores concorreram para o insucesso da
concretização dos objetivos da ALALC. As décadas de 1960 e 1970 foram palco de
endurecimento dos regimes na América Latina, no âmbito das tendências autárquicas dos
regimes militares que foram instaurados na maioria dos países, aliadas à implementação de
políticas fortemente protecionistas que impossibilitaram o alcance dos objetivos propostos
pela Associação. Evidenciava-se, pois, o caráter intergovernamental da organização, fator que
impediu que interesses outros que não os determinados pelo centro estatal decisório fossem
considerados. Além disso, o modo pelo qual se dava a negociação das liberalizações, produto
por produto, retardou enormemente todo o processo, caracterizando a integração como
eminentemente comercialista.
A ALALC também não abordou importantes questões acerca das disparidades entre seus
componentes, não tendo sido implantado qualquer tipo de mecanismo específico para superar
as diferentes realidades políticas e econômicas de cada Estado. A institucionalidade da
organização foi outro elemento impeditivo da evolução da integração, uma vez que os países
não estavam dispostos a abrir mão da soberania plena, envolvendo a política e o território.
Entretanto, em 1967, de maneira contraditória, os países reunidos na Conferência de
Punta del Este “(...) proclamam a constituição do um mercado comum latino americano num
prazo máximo de 15 anos a partir de 1970, projeto manifestamente irrealista em vista das
tendências nas relações econômicas externas.” (ALMEIDA, 1998, p. 37). O compromisso,
claramente, expunha as diferentes necessidades em relação ao processo de integração entre os
países da Associação.
Nesse sentido, em 1969, Bolívia, Chile, Colômbia, Peru e Equador formam um
subgrupo regional chamado Grupo Andino36. Com economias muito menos assimétricas entre
si, com objetivos muito mais claros e, principalmente, com países dispostos a ceder partes de
soberania a instituições comunitárias, o Grupo Andino obteve bons resultados37 nos seus anos
36
Chamado também de Pacto Andino, foi firmado por meio do Acordo de Cartagena em 26 de maio de 1969. A
Venezuela junta-se ao Grupo em 1973, enquanto que o Chile o abandona em 1976 sob o regime de Pinochet.
Mais tarde, a partir de 1996, o Pacto Andino torna-se Comunidade Andina de Nações (CAN).
37
Entre os anos de 1969 e 1975, houve o "(...) estabelecimento de programas de desgravação tarifária, tarifa
externa mínima comum, tratamento uniforme para o capital estrangeiro, regime comum sobre patentes,
organismo de financiamento e programas setoriais de desenvolvimento industrial, instituição de um Tribunal de
50
iniciais. A ambição do Pacto Andino, entretanto, não foi suficiente para enfrentar a crise
econômica na América Latina, com a crise do petróleo e a posterior crise da dívida externa, e
acabou perdendo a vitalidade.
Com a chegada dos anos 1980, vê-se também finalizado o prazo para a formação da
Zona de Livre Comércio, primeira fase de integração da ALALC. Os países, então, reúnem-se
e decidem instituir uma nova organização com objetivos muito mais modestos e sem prazos
fixos para o alcance das metas. Nasce assim, em substituição à ALALC, a Associação Latinoamericana de Integração (ALADI). A reestruturação das metas, com a manutenção das
estruturas institucionais, fez da ALADI “[...] uma espécie de depositária dos acordos bilaterais
ou multilaterais na América Latina.” (SILVA; COSTA, 2013, p. 201).
Como comentado por Paulo Roberto de Almeida, a ALADI elaborou novos objetivos
em seu Tratado, com o abandono da composição de listas comuns foi abandonada,
concedendo, portanto, mais flexibilidade às negociações bilaterais entre países que poderiam
formar assim uma área de preferências tarifárias: “O sistema de ‘preferências tarifárias’
significava que qualquer país podia entrar em acordo com outro da região e intercambiar
concessões recíprocas nos níveis de tarifas aplicadas à importação sem nenhuma obrigação de
estendê-las aos demais países da ALADI.” (ALMEIDA, 1998, p. 38).
A forma que tomou a ALADI é reflexo do contexto internacional dos anos 1980, em que
as economias latino-americanas encontravam-se em profunda crise econômica em função do
esgotamento do modelo tradicional de substituição das importações e da crise da dívida
externa. Sendo assim, os países buscaram contornar as limitações da economia mundial pelo
meio das soluções minilaterais, ou seja, em oposição às negociações multilaterais, os países
começaram a adotar soluções parciais para a ampliação dos mercados nacionais. As
negociações bilaterais que se multiplicaram dentro da ALADI e o Ato Único europeu de 1986
são exemplos de iniciativas protagonizadas sob o signo dessa conjuntura.
Esse cenário, entretanto, mostrou-se muito produtivo para América do Sul, pois
estimulou o início da reaproximação entre Brasil e Argentina. As negociações em escala subregional proporcionaram uma nova vitalidade à relação entre os dois países, dando início ao
movimento que culminaria na formação do Mercado Comum do Sul.
4. 1. 2 O surgimento do MERCOSUL
Justiça, de uma Comissão, da Junta e do Parlamento Andino.” (ALMEIDA, 1998, p. 38) O Pacto Andino foi
também a primeira experiência com supranacionalidade da América Latina.
51
A relação entre Brasil e Argentina e sua importância para a integração regional do Cone
Sul é comparável ao relacionamento de França e Inglaterra no que tange à União Europeia. O
realinhamento entre os primeiros delineou não só a formação, como também passou a definir
os rumos do MERCOSUL.
As transformações políticas e econômicas registradas desde o início dos anos 1980
proporcionaram as bases para a superação, em algum grau, das questões de desconfiança
mútua entre os dois países, muito mais baseadas em suposições do que, não parece
equivocado considerar, em conhecimento concreto da realidade da nação vizinha. Com o fim
dos respectivos regimes militares autoritários, os governos civis de Brasil e Argentina
vislumbraram novas formas de contato, em que:
[...] as possibilidades de romper com o mito anterior do antagonismo e de
avançar assim na busca de novos campos de cooperação política e estratégica
se acrescentaram de maneira substantiva, dando lugar a fórmulas concretas
para o ingresso numa nova etapa das relações bilaterais. (CAMPBELL;
ROZEMBERG; SVARZMAN, 1998, p. 34).
Os presidentes Raúl Ricardo Alfonsín (1983-1989), da Argentina, e José Sarney (19851990), do Brasil, foram personagens que podem ser considerados reflexos das consequências
de anos de ditaduras em seus respectivos países. Alfonsín fora eleito com pequena margem
frente ao candidato opositor, 51,7% contra 40,1%; embora a força do movimento peronista
fosse ainda forte no país, não havia candidato na época capaz de desafiá-lo. José Sarney,
sendo filiado da Arena, não era representativo do Brasil de 1985, tendo tomado o cargo
somente em razão do falecimento de Tancredo Neves. Era de conhecimento de ambos, pois,
que sua força política era limitada. Frise-se igualmente que, no período em questão, as
atenções se voltavam amplamente aos problemas vinculados à crise da dívida externa e à alta
inflação, que assombravam os países.
Ambos presidentes perceberam na integração regional uma oportunidade de
identificação de interesses comuns, a fim de legitimarem historicamente suas contribuições
frente à conjuntura de grandes mudanças que impunha um novo posicionamento aos países
menos desenvolvidos.
Em termos mais gerais, a debilidade que o conjunto da economia e do
52
comércio mundial exibia àquela altura, a deterioração crônica dos termos
nacionais de intercâmbio, o recrudescimento do neoprotecionismo e as
pressões exportadoras mais agressivas dos principais mercados
desenvolvidos contribuíram para alimentar a idéia de relançar, sem acalentar
falsas expectativas, a integração latino-americana. Se fundada numa base
realista, que levasse em conta as deficiências e as limitações das experiências
do passado, esta se revelaria a melhor alternativa ao alcance de nossos países
tanto para melhorar sua inserção comercial como para adquirir maior
autonomia em seu relacionamento político com as principais potências.
(CAMPBELL; ROZEMBERG; SVARZMAN, 1998, p. 39).
Assim, um dos primeiros sinais de alinhamento deu-se com a Declaração de Iguaçu38,
em 1985, que expressou de maneira formal a ambição dos Governos de intensificarem as
relações bilaterais e de iniciarem um maior compromisso no sentido da conformação de uma
integração entre si. Conforme explicitado no item 18 da Declaração: “Dentro desse espírito,
expressaram [os Governos] sua firme vontade política de acelerar o processo de integração
bilateral, em harmonia com os esforços de cooperação e desenvolvimento regional [...]”.
(DECLARAÇÃO..., 1985, p. 3). Cria-se também, ainda no âmbito da Declaração, a Comissão
Mista de Alto Nível, que tinha por propósito “[...] examinar e propor programas, projetos e
modalidades de integração econômica.” (ibid).
O primeiro passo objetivo de integração regional entre Brasil e Argentina acontece no
ano seguinte, em 1986, com a assinatura da Ata para a Integração Brasil-Argentina, que
estabelece o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), com 12 Protocolos
para gerir setores específicos. Esses Protocolos são os seguintes: Bens de capital; Trigo;
Complementação do Abastecimento Alimentar; Expansão do Comércio, Empresas
Binacionais; Assuntos Financeiros; Fundo de Investimentos; Energia; Biotecnologia; Estudos
Econômicos; Informação e Assistência em Acidentes Nucleares e Cooperação Aeronáutica. O
PICE é norteador dos princípios em nos quais se buscará o Tratado de Assunção, de 1991:
[...] flexibilidade, para permitir ajustamentos no ritmo e nos
objetivos; gradualismo, para avançar em etapas anuais; simetria, para
harmonizar as políticas específicas que interferem na competitividade
setorial e equilíbrio dinâmico, para propiciar uma integração setorial
uniforme. (MDIC, s/d, s/p).
Diante das possibilidades abertas pela Ata, o intercâmbio entre Argentina e Brasil
38
Disponível em: < http://www.abacc.org.br/wpcontent/uploads/1985/11/declaracao_do_iguacu_portugues.pdf>. Acesso em jun. 2013.
53
obteve um resultado muito satisfatório, principalmente em relação às vendas da Argentina. É
nessa época que o Brasil torna-se o principal mercado das exportações argentinas,
ultrapassando assim os Estados Unidos. Além disso, uma das grandes preocupações dos
argentinos na integração econômica com o Brasil era a especialização agrária de suas
exportações, o que acabou não se confirmando mesmo após a formação do MERCOSUL:
como observado na figura 2, as manufaturas responderam, por exemplo, em 2012, por mais de
80% das exportações argentinas para o mercado brasileiro.
Figura 2 - Importações brasileiras da Argentina por fator agregado US$ bilhões, fob - 2 0 1 2.
Fonte: elaboração da autora com base nos dados do Ministério das Relações Exteriores – MRE; Departamento de
Promoção Comercial e Investimentos -DPR; Divisão de Inteligência Comercial – DIC. Disponível em:
<http://www.brasilglobalnet.gov.br/ARQUIVOS/IndicadoresEconomicos/INDArgentina.pdf>. Acesso em jun.
2013.
A partir dessa intensificação das relações bilaterais entre Brasil e Argentina, o Uruguai
sinalizou a vontade de agregar-se aos processos de integração e, com a Ata de Alvorada, ou
ainda Decreto Tripartite n.° 1, de abril de 1988, o país foi oficialmente incorporado às
conversações. Nesse mesmo ano, processou-se a assinatura do Tratado de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento, em novembro, entre Brasil e Argentina, cujo objetivo
principal era a formação de uma Zona de Livre Comércio (ZLC) no espaço de dez anos. Por
meio desse Tratado, foram acordados 24 Protocolos em diversos temas a fim de harmonizar
políticas aduaneiras, comerciais, agrícolas, industriais e de transporte, entre outros.
É importante mencionar a reação norte-americana aos processos regionais em curso na
América Latina, que culminou com o lançamento da Iniciativa para as Américas, do
presidente George Bush em 1990. A prioridade dos Estados Unidos em relação à América
Latina estava relegada a um segundo plano desde o início da Guerra Fria, tendo sido dedicada
54
maior atenção somente a acordos no plano da segurança internacional. A fim de acompanhar a
onda de regionalismos vigente, o projeto de George Bush buscou abarcar não só tal esfera,
mas também objetivos como a promoção dos investimentos, o aumento do comércio e
soluções para a redução da dívida. A meta final da Iniciativa seria a formação de uma ZLC do
Alasca à Terra do Fogo, que foi novamente evocada pela proposta da Área de Livre Comércio
das Américas (ALCA) em 1994. O projeto não obteve grande adesão, e o resultado alcançado
foi a formação do NAFTA em 1992 entre Estados Unidos, Canadá e México.
A chegada dos anos 1990 significou grandes mudanças dentro do Sistema Internacional.
A forma multilateral de relacionamento entre os países foi solidificada e tornou-se
disseminada e duradoura, com a ampliação do número de blocos econômicos nos diferentes
continentes. O tradicional vínculo Estado-Estado foi relativizado e o desenvolvimento
nacional passou a ser de interesse mútuo e internacional, reflexo de um mundo globalizado
marcado por relações de interdependência. As relações internacionais passaram a sofrer
influências constantes de outros âmbitos, sobretudo da esfera econômica, fazendo com que as
nações tornassem-se cada vez mais interligadas. Uma característica marcante desse contexto é
a vulnerabilidade dos atores que é descrita por Joseph Nye e comentada por Mariano e
Mariano (2002) como aquela que “[...] refere-se à capacidade (ou grau dela) de um ator de
arcar com o ônus das mudanças necessárias para enfrentar as alterações externas. A
vulnerabilidade é um elemento importante para entender a estrutura política do
relacionamento interdependente.” (MARIANO; MARIANO, 2002, p. 54).
Na América do Sul, a troca de governo no Brasil e na Argentina colocou no poder,
nesses países, personalidades semelhantes em relação ao âmbito econômico. Fernando Collor
de Mello (1990-1992) e Carlos Saul Menem (1989-1999), respectivamente, com suas políticas
de orientação liberal, trouxeram um novo impulso rumo ao regionalismo. Essa investida
[...] recriou e aprofundou experiências anteriores, com o acréscimo de que,
dessa vez, a maioria dos países sul-americanos [...] começava a realizar
importantes reformas estruturais entre as quais a abertura comercial, as
privatizações e a desregulamentação financeira ocupavam lugar relevante. Se
em trinta anos de história as experiências de integração latino-americanas
haviam encontrado sérias dificuldades para avançar de modo substancial, a
nova hora política e econômica da região parecia abrir as portas para uma
nova etapa fundada em esquemas nacionais muito mais abertos, flexíveis e
desregulados que os do passado. (CAMPBELL; ROZEMBERG;
SVARZMAN, 1998, p. 103-104).
55
O auge do percurso trilhado para a formação do MERCOSUL corresponde à assinatura
da Ata de Buenos Aires, em 6 de julho de 1990, em que se encurta pela metade o prazo
estipulado pelo Tratado de Integração de 1988 para a instituição não mais de uma ZLC, mas
sim de um Mercado Comum. Com efeito, decide-se, por exemplo, que os Governos tomarão
medidas de coordenação de políticas macroeconômicas e de redução de tarifas de forma
generalizada, linear e automática. (ATA..., 1990, p. 1). Para tal fim, cria-se o Grupo Mercado
Comum, com representantes dos Ministérios das Relações Exteriores de ambos os países,
tendo como função primordial elaborar e propor medidas para o cumprimento dos objetivos
da Ata.
Decorrente direto da Ata, o Acordo de Complementação Econômica n.° 14 é firmado
em dezembro do mesmo ano, com a finalidade de consolidar e incorporar todos os acordos
bilaterais anteriormente assinados ao longo das relações econômicas dos dois países em um
único texto em conformidade com agora com a ALADI. Passa-se então a operar a integração
em um nível não mais bilateral, mas sim regional, assentando assim as bases instrumentais
para a assinatura do Tratado de Assunção não somente entre Brasil e Argentina, mas
envolvendo também Uruguai e Paraguai.
Enfim, em 26 de março 1991, o Brasil, a Argentina, o Paraguai redemocratizado39 e o
Uruguai assinaram o Tratado de Assunção, constituindo o Mercado Comum do Sul com
preparação prevista para ser concluída em 31 de dezembro de 199440. O Tratado do
MERCOSUL estruturou-se para garantir a livre circulação de bens, serviços e fatores
produtivos entre os seus membros, com o estabelecimento de uma tarifa externa comum e pela
coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais. Seriam seguidas, portanto, as etapas
normais de um processo de integração, partindo de uma ZLC a uma União Aduaneira e, por
fim, para o Mercado Comum.
A estrutura institucional definitiva do MERCOSUL (Anexo A) é decorrente do
Protocolo de Ouro Preto, de 1994, e é composta principalmente por um grupo de instituições
com poder decisório e executivo e por outro grupo cujas atribuições são de caráter consultivo,
arbitral e de assessoria técnica-administrativa. As primeiras são representadas pelo Conselho
Mercado Comum (CMC), principal órgão do MERCOSUL, que toma decisões por meio de
consenso, com poderes legislativos e personalidade jurídica; pelo Grupo Mercado Comum
(GMC), que representa as capacidades executivas e regulamenta as decisões do Conselho; e
39
O fim da ditadura de Alfredo Stroessner deu-se em fevereiro de 1989.
Desde 31 de julho de 2012, a Venezuela é parte do MERCOSUL que, portanto, engloba 5 países membros. O
Paraguai encontra-se suspenso até 21 de abril de 2013 quando realizará novas eleições para presidente.
40
56
pela Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM), que atua na mediação de conflitos
comerciais e administra o funcionamento da União Aduaneira.
O segundo grupo engloba o Parlamento do MERCOSUL (PM), que tem funções
consultivas e de controle em matérias relevantes à integração; o Foro Consultivo EconômicoSocial (FCES) que é o canal de transmissão das demandas e interesses da sociedade civil; o
Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL, que visa à construção de jurisprudência; a
Secretaria do MERCOSUL, o Tribunal Administrativo-Laboral do MERCOSUL e o Centro
MERCOSUL de Promoção do Estado de Direito.
4. 1. 3 MERCOSUL: uma trajetória errática.
O aniversário de vinte anos do MERCOSUL coroou uma história de grandes realizações
acompanhadas, entretanto, por sérias crises e percalços. Isso não deveria surpreender, pois a
integração regional implica tanto em benefícios para os Estados membros, promovendo novos
mercados e alavancando o desenvolvimento econômico e social, quanto em certos ônus, com
diferentes aspectos, mas, via de regra, representando desafios a serem enfrentados pelos países
participantes, como a questão das assimetrias, por exemplo.
Nos primeiros anos do MERCOSUL, o comércio intrarregional foi bastante favorável
aos países do bloco, tendo saído de US$ 10.201 milhões em 1991, para US$ 40.814 milhões
em 1998, quadruplicando, portanto, no período, conforme a tabela 1. A participação do
comércio intrazona no comércio total apresentou bom desempenho com uma variação de 23%
ao fim de 1998.
Tabela 1- Comércio no MERCOSUL de 1991 a 1998 (em US$ Milhões)
Comércio
Intrazona
(CI)
Comércio
Extrazona
(CE)
Comércio
Total
(CT)
(CI/CT)
1991
Var. %
1992
Var. %
1993
Var. %
1994
Var. %
10.201
24
14.497
42
19.143
32
23.712
24
68.038
4
74.846
10
8.743
8
96.486
19
78.239
6
89.344
14
99.886
12
120.197
20
13,0%
16,2%
19,2%
19,7%
57
1995
Comércio
Intrazona 28.438
(CI)
Comércio
Extrazona 117.806
(CE)
Comércio
146.245
Total
(CT)
(CI/CT)
19,4%
Var.
%
1996
Var.
%
1997
Var.
%
1998
Var.
%
20
34.226
20
40.981
20
40.814
0
22
124.066
5
139.138
12
135.829
-2
22
158.292
8
180.119
14
176.644
-2
21,6%
22,8%
23,1%
Fonte: (PAMPLONA; FONSECA, 2009) Disponível em: <http://www.usp.br/prolam/downloads/2008_2_1.pdf>.
Acesso em jun. 2013.
Com a chegada da crise financeira de 1998, que acarretou a maxidesvalorização do
real em 1999, o quadro comercial sofreu grandes mudanças. O contexto de incerteza, quanto
ao cenário econômico e à volatilidade das condições econômicas, instalou na região uma
época de recessão, o que refletiu no comércio intrabloco: de 1998 para 1999, houve uma
diminuição de 25% no intercâmbio, como observa-se na figura 3. No ano seguinte, há uma
ligeira melhora, que logo é contornada pela entrada dos anos 2000, em que a Argentina passa
por uma profunda crise refletindo assim em novo declínio no comércio entre os países do
bloco.
Figura 3 – Comércio no MERCOSUL de 1989 a 2002 em US$.
58
Fonte:
(REIS;
AZEVEDO,
2008).
Disponível
em:
http://www.anpec.org.br/encontro2008/artigos/200807211656390-.pdf
A partir de 2003, conforme a figura 4 os índices melhoram substancialmente, a “[...]
convergência das políticas cambiais, a retomada do crescimento econômico na região e a
posse de presidentes claramente favoráveis ao MERCOSUL deram origem a um clima
propício aos entendimentos entre os países membros.” (PAMPLONA; FONSECA, 2009, p.
19). Com Lula na presidência do Brasil e Nestor Kirchner na Argentina, o MERCOSUL
obteve alguns avanços principalmente no plano institucional, com a criação do Fundo para a
Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), em 2004, com a posterior
implementação em 2005.
Figura 4 – Intercâmbio do MERCOSUL de 1998 a 2007.
Fonte: (PAMPLONA; FONSECA, 2009) Disponível em: <http://www.usp.br/prolam/downloads/2008_2_1.pdf>.
Acesso em jun. 2013.
Obs.: 1991=base 100
No final dos anos 2000, a crise financeira associada ao estouro da bolha imobiliária
nos Estados Unidos não deixou de afetar também países do Cone Sul, tendo contribuído para
o mau desempenho das trocas no ano de 2009. Logo após, entretanto, os números sugerem
alguma recuperação, permitindo concluir que a tendência de expansão comercial se mantém,
59
como mostrado na tabela 2, e indicam que o comércio entre os Estados membros tem mantido
um bom desenvolvimento.
Tabela 2 - Exportações Intrabloco 2007 – 2011 (US$ Milhões)
Estado Parte
Argentina
Brasil
Paraguai
Uruguai
Venezuela
MERCOSUL
2007
2008
2009
2010
2011
13.629 17.543 14.876 18.559 22.577
22.078 26.887 19.439 26.455 32.444
1.386
2.392
1.650
2.303
2.908
1.353
1.840
1.723
2.415
2.726
1.123
1.548
1.443
1.703
2.039
39.569 50.210 39.131 51.435 62.694
Fonte: SECOM – Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, 2012. Disponível em:
<http://sistemas.mre.gov.br/kitweb/datafiles/Bogota/es-es/file/Factsheet%20vers%C3%A3o%20final-1.pdf
A partir da análise do desempenho do intercâmbio entre os países do bloco, a questão
relativa aos problemas de desvio de comércio, conforme discutido anteriormente no presente
trabalho, ganham importância no sentido de delimitar o verdadeiro impacto econômico da
formação do arranjo regional do Cone Sul. Porém, não há não um consenso na literatura sobre
o problema da ocorrência ou não de desvio no MERCOSUL.
De um lado, Yeats (1997) critica a formação do bloco alegando que os resultados
positivos dos primeiros anos do MERCOSUL foram indicativos sobre a presença de desvio de
comércio, como no setor automobilístico. Para aquele autor, o bloco, teoricamente, não
ganhava em competitividade internacional, ao passo que os países especializavam-se em
setores que não tinham vantagens comparativas:
[...] em resumo, as evidências sugerem que o Mercosul está se tornando
menos, e não mais, internacionalmente competitivo em produtos em que o
comércio está sendo mais rapidamente reorientado para a região [...]
produtores locais estariam tendo grandes incentivos para operar com os
preços maiores disponíveis nas vendas dos mercados do Mercosul. (YEATS,
1997 apud SABBATINI, 2001, p. 42).
Para Yeats (1997), o MERCOSUL era prejudicial não somente à economia dos países
integrantes, como também ao comércio internacional, ao não demonstrar a especialização dos
países do bloco nos setores em que aquele detém a maior dotação de fatores, como na
agropecuária, por exemplo. Seguindo a teoria de Viner, Yeats coloca o MERCOSUL,
portanto, como um stumbling block.
60
Yeats sofreu grandes críticas. Os principais questionamentos diziam respeito à não
consideração de fatores dinâmicos na sua pesquisa. Referiam-se igualmente ao método
utilizado para comprovar sua perspectiva. Uma importante lacuna da análise encontrar-se-ia
na não atenção às importações também originárias do exterior do bloco, inviabilizando um
olhar completo do processo de integração regional, uma vez que tal variável é determinante
para o estabelecimento da existência de desvio de comércio, ou não. Nesse sentido, como
afirmou Sabbatini (2001), somente com a inclusão das importações, tornar-se-ia possível
afirmar que o MERCOSUL de fato enquadra-se bem no quadro do regionalismo aberto, tendo
tanto aumentado as transações intra-bloco, como também as extra-bloco:
No total dos setores, as compras do Mercosul originárias dentro da própria
região aumentaram 98%, ao passo que as compras da OCDE evoluíram 91%
[...], revelando que, mesmo com preferências intra-regionais e o crescimento
significativo das exportações intra-regionais [...], os países desenvolvidos
representam o destino de metade das exportações do Mercosul.
(SABBATINI, 2001, p. 44)41.
Sendo assim, o autor conclui que é preciso analisar a formação do MERCOSUL por
meio de ferramentas mais adequadas. Quer dizer, é importante incluí-lo no contexto da nova
onda de regionalismo, a fim de perceber o papel construtivo que, potencialmente, ele pode
desempenhar a favor tanto da liberalização multilateral quanto do fomento ao
desenvolvimento econômico dos seus membros.
Diante disso, abre-se um leque de possibilidades em relação ao que a integração
regional pode proporcionar aos seus integrantes, sobretudo no tocante às consequências desse
tipo de arranjo na esfera social. No MERCOSUL, um dos objetivos principais, conforme
assinalado com destaque no seu Tratado constitutivo, diz respeito ao alcance de “[...]
desenvolvimento econômico com justiça social”. (TRATADO..., 1991, p.1).
A rigor, pode-se considerar que o sucesso nessa direção é um efetivo pressuposto
desse processo de integração, razão pela qual deve-se considerar que seu alcance, no grau em
que isso se revele, há de figurar como elemento central na discussão da efetividade da
consolidação do processo de integração. Esse tipo de questão é crucial, pois as assimetrias
socioeconômicas entre os países vinculadas ao processo de integração tanto podem concorrer
para o aprofundamento da integração – por provocarem esforços para ampliar a
41
O período analisado é de 1992 a 1994 e de 1997 a 1999.
61
complementaridade entre as economias, por exemplo -, quanto contribuir para a intensificação
das disparidades já existentes.
Daí que, já em 1994, cria-se o Foro Consultivo Econômico-Social do MERCOSUL
(FCES), representando os interesses dos cidadãos mercosulinos, cujas atribuições principais
são “acompanhar, analisar e avaliar o impacto econômico e social derivado das políticas
destinadas ao processo de integração e as diversas fases de sua implementação, seja a nível
setorial, nacional, regional ou internacional.” (FCES, art. 2).
O FCES, entretanto, é órgão consultivo, e suas decisões não têm sido efetivas na
realização de seus propósitos de legitimar uma maior participação da sociedade civil dentro do
processo de integração. Com efeito, segundo dados de Herz e Hoffmann, 70% das decisões
que são plenamente internalizadas partem do CMC, 63% partem das Resoluções do GMC e
59% são provenientes de diretivas do CCM. (HERZ; HOFFMANN, 2005 apud SILVA;
COSTA, 2013, p. 217).
A estrutura institucional intergovernamental do MERCOSUL pode ser apontada como
uma das razões da falta de participação de atores subnacionais e não estatais nesse processo de
integração. A ação política dos principais membros, Brasil e Argentina, sempre marcou os
rumos da integração. Sendo assim, o interesse no aprofundamento e na evolução do processo
integracionista fica dependente da vontade política dos governos nacionais que, muitas vezes,
agem no sentido de limitá-lo a fim de evitar regras de aplicação automática – ou seja, opta-se,
no MERCOSUL, por uma estrutura institucional que privilegie uma flexibilidade das decisões
estabelecidas caracterizando um processo chamado por Rogério Santos da Costa do tipo stop
and go. (SILVA; COSTA, 2013, p. 210)
Tal arranjo de coisas impõe-se como um obstáculo, sobretudo, ao comércio
internacional do bloco como um todo. O processo da transposição das normas para o nível
nacional, em cada país membro, reveste o MERCOSUL uma imagem incerta quanto à
aplicabilidade das decisões, prejudicando assim o julgamento dos agentes econômicos, uma
vez que é possível que uma norma esteja em vigor em um país, e em outro, não.
As questões relativas à desindustrialização de determinadas áreas, por exemplo,
podem ser explicadas, ao menos parcialmente, pela incapacidade da internalização das normas
de forma homogênea, visto que as condições de competitividade ligadas a incentivos
relacionam-se de maneira íntima às estruturas normativas próprias das áreas em questão. Vêse, por exemplo, a prática da guerra fiscal entre Estados, com reduções de níveis salariais, ou a
eliminação de regulamentações do mercado de trabalho, práticas que são usadas para atrair
investimentos. Tais artifícios teriam muito menos eficácia e causariam menos disparidades
62
caso houvesse a aplicação igualitária de mínimas normas a todos os Estados envolvidos no
processo de integração regional.
Outro exemplo de órgão voltado à matéria social é o Fundo de Convergência
Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), de 2004, que tem por objetivo viabilizar “[...]
programas para promover a convergência estrutural, desenvolver a competitividade e
promover a coesão social, em particular das economias menores e regiões menos
desenvolvidas [...]” (art. 1 do CMC n° 18/05 e n° 24/05). O FOCEM é constituído por
recursos provenientes dos países membros de acordo com a capacidade de cada um, da mesma
forma que a alocação das contribuições conta com a mesma política: o Brasil contribui com
70% do total anual, com direito de utilizar 10%; a Argentina destina 27%, com possibilidade
de utilizar 10%; o Uruguai e o Paraguai contribuem com 2% e 1%, respectivamente, e têm
direito a 32% e 48% cada um42.
Os projetos que se utilizam do Fundo são voltados para a melhoria da infraestrutura e
para o desenvolvimento sócio-econômico dos países, e a consciência esperada é que um
impacto positivo da sua implantação no aprofundamento da integração regional. Desde a sua
criação, o FOCEM já outorgou recursos não reembolsáveis para a
[...] construção da linha de transmissão elétrica entre Itaipu e Assunção [...],
construção de rodovias [no Uruguai], uma linha de transmissão elétrica entre
Candiota, no Brasil, e San Carlos, ao sul do Uruguai. [...] projetos para a
Biblioteca da Universidade Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu,
para apoio a pequenas e médias empresas dos quatro países que desenvolvam
projetos na integração de cadeias produtivas nos setores automotivo e de gás
e combustíveis; para um amplo programa destinado à erradicação da febre
aftosa (PAMA), [...] entre outros. (ARSLANIAN, 2012, p. 88-89)
Outras importantes iniciativas também merecem realce, como o Fundo MERCOSUL
de Garantias para Micro, Pequenas e Médias Empresas e o Fundo de Agricultura Familiar do
MERCOSUL, ambos criados em 2008. Há também o Instituto Social do MERCOSUL (ISM),
de 2007, junto à Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais do MERCOSUL
(CCMASM), que tem por objetivo supervisionar o andamento dos projetos sociais regionais
aprovados pelo CMC. As principais funções da CCMASM envolvem “Promover projetos
sociais regionais que complementem os objetivos e programas nacionais, garantindo o
tratamento e superação das assimetrias” e “Estabelecer mecanismos de cooperação regional
para a implementação e financiamento de políticas sociais” (CCMASM, art. 4).
42
Dados de Arslanian (2012).
63
É relevante observar que, embora haja ações objetivando lidar com os desafios do
aprofundamento da integração regional, como as assimetrias, por exemplo, a efetividade das
iniciativas não tem obtido o êxito esperado, provocando críticas semelhantes àquelas surgidas
em relação à União Europeia no que concerne ao déficit democrático desses processos.
O assunto é de suma importância, pois o diálogo entre a sociedade e as instituições é
uma questão que põe em xeque o papel complexo a ser desempenhado pelos atores que
conduzem a integração – os Estados, primordialmente. Quando o Estado falha no seu dever de
promover o desenvolvimento econômico e social frente às consequências dos processos de
integração, conforme consta no Tratado de Assunção, abrem-se brechas para a atuação de
outras unidades de poder no intuito de reivindicar a atenuação das desigualdades regionais e
locais decorrentes desse próprio processo.
Neste momento, cabe assinalar uma importante característica do progresso do
regionalismo, conforme descrição de Andrés Malamud (2012) baseada na teoria de Fritz
Scharpf (1996), que distingue duas formas de desenvolvimento da integração: uma permite
falar em integração negativa, a outra, em integração positiva.
A primeira envolve o rompimento das restrições às trocas transfrontiças e às
distorções de concorrência, podendo ser alcançada por procedimentos intergovernamentais;
enquanto que a segunda abrange a implementação de políticas comuns capazes de moldar as
condições em que funcionam os mercados, sendo possível somente pela instituição de
organizações, ou normas supranacionais. Na integração negativa, a evolução da integração
prevê a harmonização de políticas, nesse sentido, no longo prazo, o livre funcionamento do
mecanismo de mercado irá eliminar as disparidades entre os países integrantes do processo.
Já na integração positiva, no longo prazo, os problemas referentes às assimetrias somente são
acentuados. É por essa razão que são necessárias as ferramentas supranacionais.
O critério é relevante, pois expõe com clareza o caminho da evolução para a
supranacionalidade dos processos de integração, uma vez que se entende a integração negativa
e a integração positiva como sequencias. Entretanto, Malamud frisa que, embora o processo
seja progressivo, não significa que tal via seja inevitável, ou irreversível. (MALAMUD,
2012).
De fato, o MERCOSUL vem modificando-se e desenvolvendo-se no decorrer dos
anos. Os acordos firmados deixaram de incluir somente a esfera econômica e passaram a
integrar de maneira multidimensional aspectos políticos, sociais e culturais. De um lado,
aprofundou-se ainda mais a interdependência entre os países. De outro lado, possibilitou-se
uma real evolução do processo de integração regional afinado cada vez mais com os conceitos
64
teóricos que os definem, afirmando a relevância de todas as esferas, econômicas, políticas e
sociais.
Tendo em vista o que essa trajetória de duas décadas permite discernir, é praticamente
inevitável o impulso de tentar vincular a experiência do MERCOSUL à produção teórica
sobre a problemática da integração. É o que se faz a seguir, devendo-se desde logo assinalar
que o exercício é breve, posto que meramente indicativo, e limitado a algumas contribuições
teóricas emanadas do campo das Relações Internacionais, conforme o que se apresentou
anteriormente neste estudo.
4. 1. 4 O ângulo das teorias de Relações Internacionais sobre a formação do MERCOSUL
O enquadramento teórico do processo de integração do Cone Sul não é plenamente
alcançado pelas teorias explanadas previamente no âmbito do segundo capítulo do presente
trabalho. Acertadamente, tais constructos teóricos foram arquitetados a partir da observação
da formação da União Europeia, sendo algumas especificamente projetadas à explicação desse
processo regional.
Nesse sentido, a teoria Federalista, por exemplo, oferece poucas ferramentas de análise
úteis para a compreensão do processo de integração do MERCOSUL, uma vez que o caminho
da integração tem como missão final a instituição de uma organização com
supranacionalidade capaz de gerir as políticas comuns entre os membros. O MERCOSUL não
demonstra nem em seu Tratado constitutivo, nem nas ações empreendidas até o momento,
essa vontade.
A teoria Funcionalista, embora seja capaz de explicar parcialmente o início da
formação do MERCOSUL por meio da reaproximação de Brasil e Argentina, que inicialmente
envolveram-se em acordos somente em uma área – comercial -, sofre das mesmas críticas
aplicadas à explicação da União Europeia. De fato, o efeito spill over não acontece de forma
automática. Um dos pressupostos funcionalistas baseia-se na coalização entre as burocracias
similares de cada um dos países integrantes que, em conjunto, formam uma burocracia
regional técnica que rege as normas das instituições nascidas da integração. O MERCOSUL
não surge do entendimento das elites brasileiras e argentinas, pelo contrário, o observado é
que houve muito pouca participação da sociedade civil na conformação do arranjo regional do
Cone Sul, conjugando num processo essencialmente intergovernamental.
65
Desde o início, o Mercosul foi órfão de um verdadeiro interesse empresarial
e sindical. [...] Por sua vez, os sindicatos aqui e na Argentina, tinham em sua
agenda reivindicações tão imediatas que a ideia de operar movimentos de
mão de obra num espaço ampliado não interessava. Assim, no berço do
Mercosul houve uma hipertrofia do político-diplomático e um déficit de
empresarial-sindical. (AZAMBUJA, 2012, p. 81)
Mesmo após o refinamento da teoria com Ernest Haas, incluindo então as influências
domésticas no processo de integração, a continuidade e o aprofundamento do MERCOSUL
não podem ser explicados pela reorientação das lealdades dos atores políticos para um novo
centro dotado de instituições que possuem competências para lidar com as questões dos
Estados-membros. De fato, no Cone Sul, a tendência observada é a de evitar que as questões
nacionais sejam discutidas em âmbito regional. Ainda, no tocante aos atritos intra-bloco,
observa-se o mesmo comportamento dos Estados que optam por utilizar-se de outras
ferramentas em detrimento das instituições do MERCOSUL, conforme se vê na rara utilização
do Sistema de Solução de Controvérsias do MERCOSUL – somente vinte e uma vezes
acionado desde sua criação até 201243, uma média de uma vez por ano.
Já a teoria de base realista, o Intergovernamentalismo Liberal, propõe uma dinâmica
em que os Estados são os principais atores na arena internacional, ou seja, são eles os mais
capacitados a alcançar os objetivos por meio da negociação intergovernamental. A
importância das organizações internacionais traduz-se em fortalecimento do poder estatal, não
sendo, portanto, limitadoras de sua ação. Dessa forma, elas reforçam as decisões previamente
acordadas entre os Estados, funcionando como “[...] mecanismos para blindar y hacer cumplir
los acuerdos, más que como actores autónomos o como una más amplia arena política.”
(MALAMUD, 2010, p. 114).
O funcionamento do MERCOSUL, de fato, é intergovernamental. Entretanto, a
delegação de poder às estruturas regionais não ocorreu junto com o desenvolvimento das
relações intra-bloco. Na verdade, é de importante menção o fato paradoxal que, se de um lado
o Intergovernamentalismo Liberal explica a aproximação entre Estados em virtude de
interesses comuns, no intuito de extinguir entraves ao comércio, de outro, a teoria coloca a
interdependência como fator fundamental para tal princípio de integração. Ora, o
MERCOSUL parte da vontade política de Brasil e Argentina, países que não possuíam
interdependência comercial que pudesse vir a pressionar a liberalização do intercâmbio entre
eles.
43
Dados de Bressan, 2012.
66
Diante do exposto, percebe-se que “[...] el MERCOSUR es ‘un caso de regionalismo
abierto en el marco de la Organización Mundial de Comercio,... un proceso de integración
original que no sigue necesariamente una metodología similar a la empleada en Europa.’ ”
(PEÑA, 1998 p. 96 apud MALAMUD, 2012, p. 26) O integracionismo europeu serviu como
inspiração para o Cone Sul, entretanto, seu arcabouço teórico não compreende por inteiro o
processo de integração do MERCOSUL.
Para Malamud (2012), tal condição é decorrente do fato de que as abordagens
utilizadas para a análise são interpretadas pelo lado da demanda, não condizendo com a
realidade do Cone sul - e dos países em desenvolvimento em geral - que, por sua vez, é
caracterizada por uma integração baseada na oferta. Utilizando-se do esquema de análise de
Walter Mattli, em “The Logic of Regional Integration. Europe and Beyond”, o autor escreve
que há três tipos de condições para que um processo de integração ocorra: fatores de demanda,
fatores de oferta e fatores inerciais.
Os fatores de demanda dizem respeito à demanda por integração por parte de atores
transnacionais, incluindo também atores domésticos que atuam em ambos os lados das
fronteiras. A interdependência regional é tida como condição básica para a demanda de
cooperação, coordenação, ou ainda integração por parte dos atores transnacionais que
percebem que suas atividades são afetadas por altos custos de transações e demandam às
autoridades nacionais, ou supranacionais, que os diminuam. (MALAMUD, 2012).
As condições de oferta, por sua vez, necessitam de presença de liderança, ou seja,
[...] la capacidad y voluntad de uno o más actores de pagar una parte
desproporcionada de los costos requeridos por el emprendimiento regional
(usualmente se trata de estados) o de proveer monitoreo, implementación y
coordinación
colectiva
(usualmente,
agentes
supranacionales).
(MALAMUD, 2012, p. 15)
Já os fatores inerciais, fazem referência aos momentos em que as condições que
levaram ao estabelecimento de acordos não mais existem e, assim, agem no sentido de criar
continuidade histórica para garantir a sobrevivência do processo de integração em tempos de
condições desfavoráveis de oferta e de demanda.
No caso do MERCOSUL, constituíram-se portanto condições de oferta, ou seja, as
lideranças de Brasil e Argentina apresentaram-se dispostas a formar um arranjo regional
apesar dos custos envolvidos. Diferentemente da União Europeia, não houve um
envolvimento de outros atores que pressionassem pela integração, tendo caracterizado o
67
MERCOSUL como um processo em que os Estados Nacionais são dotados de total poder
decisório sobre os rumos e as formas que os processos de integração tomam.
De fato, não haveria uma grande incompatibilidade teórica em existir um processo
integracionista com tais características, contanto que os Estados cumprissem com a função de
pagar por uma parte desproporcional dos custos. Entretanto, conforme já exposto, os Estados
Nacionais vêm sendo destituídos de grande parte de sua atuação central como promotores de
desenvolvimento nacional e regional.
No âmbito do MERCOSUL não parece ter sido diferente. É sugestivo dessa situação o
seguinte diagnóstico, manifestado já nos primeiros passos desse movimento de integração: o
MERCOSUL “[...] avança com uma dinâmica própria alheia aos atores cotidianos, e, assim, o
processo de integração está se estruturando por fora do debate dos distintos âmbitos das
sociedades nacionais.” (LAURELLI; MONTAÑA, 1994, p. 142 apud LINS, 2012, p. 7).
A condução do processo de integração regional, portanto, fica prejudicada por essa
incapacidade dos Estados de gerirem de forma eficaz todas as esferas afetadas e, assim,
surgem vácuos de poder que precisam ser preenchidos.
Daí que surgem os governos subnacionais atuando como protagonistas dos processos
de regionalismo. Segundo Mariano e Barreto (2004), “[...] ocorre um processo de
transferência dessa responsabilidade para os níveis estaduais (ou provinciais) e locais de
governos, que se veem constrangidos a enfrentar o desafio de sua própria sobrevivência nos
planos econômicos, político e social." (MARIANO; BARRETO, 2004, p. 22).
4.2 A problemática dos atores subnacionais no MERCOSUL
4. 2. 1 Considerações gerais
A maior razão para o aparecimento e atuação dos atores subnacionais em processos de
integração decorre do fato de que as ações empreendidas no sentido de aprofundar as relações
entre os Estados, para além da fronteira econômica, implicam consequências socioespaciais
que não são plenamente abordadas e equacionadas pela gestão do poder central. Tal
circunstância gera preocupação tanto do próprio ator estatal, quanto das unidades
subnacionais, que são representativas das áreas que mais refletem tais consequências.
68
De sua parte, os Estados procuram atenuar os reflexos negativos da integração por
meio da formalização desses reflexos, ou seja, pela criação de instituições que tenham por
objetivo transcender os desafios do processo integracionista. Os entes subnacionais, portanto,
podem tanto usufruir dos órgãos criados, exercendo pressão no sentido de influenciarem nas
decisões, como podem atuar por si próprios a favor de suas demandas. Na história do
MERCOSUL, ambos cenários podem ser observados.
Falar sobre atores subnacionais no MERCOSUL implica necessariamente, talvez,
antes de tudo, referir-se à rede de Mercocidades. Ela foi fundada em 1995 a partir da iniciativa
de onze cidades: Rosario (Argentina), Assunção (Paraguai), Florianópolis (Brasil), Porto
Alegre (Brasil), La Plata (Argentina), Curitiba (Brasil), Rio de Janeiro (Brasil), Brasília
(Brasil), Córdoba (Argentina), Salvador (Brasil) e Montevidéu (Uruguai), que
[...] expressaram o sentimento de que se constituíam detentores de
percepções próprias acerca dos impactos da integração regional em seus
respectivos territórios e de uma visão própria desse processo [...] e [...]
iniciaram um movimento na busca de seu espaço no Mercosul e do
protagonismo necessário à inclusão de suas percepções e perspectivas para a
construção de um bloco mais aderente às peculiaridades de cada território
que o compõe. (FCCR, 2010, p. 4)
O projeto em rede de cidades justifica-se pelo já exposto fato de que os atores
subnacionais são relativamente frágeis em comparação aos recursos que a autoridade central
possui. Dessa forma, a fim de fortalecerem suas demandas, atores desse tipo – notadamente
autoridades e lideranças municipais – organizam-se em redes em que seu poder de barganha é
aumentado pelas proporções adquiridas pelo conjunto, ampliando a capacidade de negociação
e reivindicação de cada um individualmente.
Um objetivo central é a conformação de um fórum para a comunicação de seus
interesses dentro do processo de integração. Afinal “as unidades subnacionales cuentan con
una mayor capacidad de responsiveness frente a las preferencias expresadas por la ciudadanía
y, en este sentido, las ciudades pueden convertirse en un elemento esencial en la aglutinación
de los intereses pro-integracionistas [...]” (SAUSI; ODDONE, 2010, p.134). Assim, não
parece haver equívoco na afirmação de que a rede Mercocidades foi um importante começo
para a consolidação dos atores subnacionais na estrutura do MERCOSUL.
A Rede é composta atualmente por 213 cidades associadas (Figura 5) e já contribuiu
com mais de 70 atividades de integração regional, como Seminários Internacionais,
69
publicações, fóruns, Consórcios de cidade, cursos de capacitação e projetos em mais de 20
campos de política pública44.
Figura 5 – Mapa com as cidades da Rede Mercocidades.
Fonte: Mercocidades. Disponível em:< http://www.mercociudades.org/node/2296>. Acesso em jun.
2013.
A cooperação internacional entre cidades é, na verdade, parte de um movimento que
ultrapassa as fronteiras do MERCOSUL e insere-se em um contexto mais abrangente de oferta
de cooperação internacional crescente. O reconhecimento internacional dos atores
subnacionais, a partir principalmente dos anos 1990, por agências multilaterais como o Banco
44
Para mais detalhes acerca das ações da Mercocidades, consultar www.mercociudades.org
70
Mundial, o FMI e as agências especializadas da ONU, deu-se não só pela atribuição da
condição de parceiros aos entes subnacionais, como também pela oferta de recursos
destinados especificamente a governos subnacionais: “[...] las agencias multilaterales
empezaron a negociar préstamos y acuerdos de cooperación directamente con los gobiernos
subnacionales implicados y a elaborar estrategias cada vez más centradas en el refuerzo
económico y técnico de las administraciones no centrales [...]” (SALOMÓN, 2008, p. 149).
A partir do exemplo das Mercocidades, outras iniciativas começaram a surgir no seio
do MERCOSUL, ou associar-se a ele. Instituições como o Conselho dos Municípios Lindeiros
ao Lago de Itaipu, o Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (CODESUL), a
Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste Argentino (CRECENEA), são alguns
exemplos.
Uma importante realização do MERCOSUL foi a abertura de um canal de participação
direta dos governos subnacionais na estrutura institucional no bloco por meio da criação do
Foro Consultivo de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos do
MERCOSUL (FCCR), em 2004. Esse Foro é um meio de potencializar tanto as experiências
já desenvolvidas pelos grupos supracitados, como também outras ações por parte de diferentes
atores subnacionais, como a Zona de Integração do Centro-Oeste da América do Sul
(ZICOSUR), por exemplo, no sentido de coordenar e sistematizar as ações na construção de
um bloco mais representativo dos cidadãos mercosulinos.
O funcionamento do Foro dá-se por meio de dois Comitês que são liderados por um
coordenador escolhido por consenso pelos membros do Foro. Há o Comitê de Municípios e o
Comitê de Estados Federados, Províncias e Departamentos, e seus membros são designados
pelos governos nacionais. “Esses comitês se reúnem por iniciativa própria e de forma conjunta
na Reunião Plenária do FCCR, o que ocorre a cada Presidência Pro Tempore do
MERCOSUL.” (FCCR, 2010, p. 10). Já os membros são designados pelos governos nacionais
e subdividem-se em Capítulos de acordo com seu Estado, conforme se observa na figura 6.
71
Figura 6 – Estrutura Administrativa do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados,
Províncias e Departamentos do MERCOSUL – FCCR.
Fonte:
Estrutura
do
FCCR.
Disponível
em:
<http://www4.planalto.gov.br/saf-fccr/fccr-
mercosul/estrutura>. Acesso em jun. 2013.
O FCCR pode propor medidas e formular recomendações ao GMC nos temas que lhe
são pertinentes: integração fronteiriça, integração produtiva e cidadania regional. Dentro de
cada eixo de ação, estabelecem-se agendas administrativas que desenvolvem suas próprias
atividades. Acertadamente, a integração fronteiriça é o eixo prioritário, uma vez que o
objetivo permanente do FCCR é a promoção do desenvolvimento integrado dos territórios
abrangidos pelo MERCOSUL.
Os maiores resultado alcançados pelo Foro foram a aprovação de seu Regimento
Interno proposto pelos próprios membros dos Comitês e a realização de encontros entre
autoridades locais e municipais45.
É importante ressaltar que as instituições não agem de forma unilateral, mas atuam de
forma conjunta na promoção da cooperação internacional e do desenvolvimento regional. O
CODESUL e a CRECENEA, por exemplo, foram formados muito antes da constituição do
MERCOSUL, 1961 e 1984, respectivamente, e tornaram-se parceiros, formando o Fórum
CODESUL-CRECENEA ainda em 1988 por meio do Protocolo nº 23 - Regional
Fronteiriço46. Nesse caso, portanto, a integração regional, em 1991, veio complementar e
estimular os vínculos já previamente estabelecidos entre as províncias argentinas de
Corrientes, Chaco, Entre Ríos, Formosa, Misiones e Santa Fe e os estados do Rio Grande do
Sul, Santa Catarina e Paraná47 (Figura 7).
45
Encontro de Governadores da região Nordeste brasileira e Noroeste argentina; Encontro de prefeitos do
MERCOSUL e o Encontro de Governadores da Frente Norte do MERCOSUL.
46
Protocolo disponível em: <http://www.crecenea.org.ar/html/declaraciones.htm>
47
Em 1992 o estado do Mato Grosso do Sul passou a integrar o CODESUL.
72
Figura 7 – Composição dos estados e províncias do CODESUL-CRECENEA
Fonte:
CRECENEA-CODESUL.
Disponível
em:<http://www.crecenea.org.ar/html/crecenea-
codesul.htm>. Acesso em jun. 2013.
O estabelecimento do Protocolo Regional Fronteiriço é pioneiro na identificação das
possibilidades que a integração promove ao intensificar as relações entre os limites
internacionais. Em seu preâmbulo, determina que “El hecho de que la frontera entre ambos
países es una de las áreas donde se integran las fuerzas sociales y económicas, las que
adecuadamente coordinadas pueden optimizar la utilización de recursos y favorecer el
desarrollo de ambos países.” (PROTOCOLO, 1988, p. 1). De fato, os ambientes fronteiriços
são os espaços em que é possível identificar de forma muito clara os impactos da integração
regional. Tais espaços são indicadores da penetração institucional e registram de maneira
cotidiana as consequências particulares do processo integracionista.
Assim, o estudo de indicadores econômicos em realidades fronteiriças no âmbito do
MERCOSUL revela-se como uma ferramenta de análise muito produtiva no sentido de
verificar tanto tais efeitos do processo da integração, quanto das respostas propostas para
atenuá-los.
4. 2. 2 Tentativa de especificação: a questão das cidades-gêmeas, com destaque para Santana
do Livramento-Rivera
73
As interações entre os territórios do bloco do Cone Sul datam de muito antes do
processo de integração culminado com a assinatura do Tratado de Assunção, de 1991. A
região do Prata, principalmente, guarda relações transfronteiriças e valores que são
compartilhados historicamente pelos países que engloba. A organização que deriva da intensa
vida econômica, social e cultural de tais espaços configura-se na formação de uma forma
particular de relação internacional nas zonas de fronteira48, as cidades-gêmeas, ou cidadesirmãs (Figura 8).
Na escala local/regional, o meio geográfico que melhor caracteriza a zona de
fronteira é aquele formado pelas cidades-gêmeas. Estes adensamentos
populacionais cortados pela linha de fronteira – seja esta seca ou fluvial,
articulada ou não por obra de infraestrutura - apresentam grande potencial de
integração econômica e cultural, assim como manifestações “condensadas”
dos problemas característicos da fronteira, que nesse espaço adquirem maior
densidade, com efeitos diretos sobre o desenvolvimento regional e a
cidadania. (MI, 2010, p. 21)
48
“a zona de fronteira é composta pelas ‘faixas’ territoriais de cada lado do limite internacional, caracterizadas
por interações que, embora internacionais, criam um meio geográfico próprio de fronteira, apenas perceptível na
escala local/regional das interações transfronteiriças.” (MI, 2010, p. 21).
74
Figura 8 – Mapa das cidades-gêmeas na área fronteiriça do Brasil.
Fonte:
Secretaria
de
Programas
Regionais
–
SPR,
2010.
Disponível
em:
<http://www.integracao.gov.br/pt/c/document_library/get_file?uuid=cd8c9e6a-a096-449b-826e6ecb49744364&groupId=10157>. Acesso em jun. 2013.
De fato, esses adensamentos podem funcionar como verdadeiras caixas de ressonância
das consequências dos processos de integração regional, visto que vivenciam diariamente os
constantes intercâmbios dos fatores de produção - trabalho, capital e serviços públicos e
privados –, e refletem diretamente as políticas públicas destinadas a eles. Os consequentes
efeitos da integração expressam-se diferentemente em cada lado da linha internacional, seja
em função da relação que a cidade tem com centro decisório do país, seja por conta das
características socioeconômicas da própria cidade. Desse modo, muitas são as assimetrias
entre as cidades-gêmeas e muitos são os tipos de relação estabelecidos entre elas.
75
O espaço fronteiriço [...] poderia ser caracterizado como uma fronteira
‘viva’, não só pela relativa densidade de seu povoamento, como pelas
relações de intercâmbio entre as populações limítrofes consideradas.
Também como fronteira ‘mole’, já que era grande a facilidade do
cruzamento e as trocas não tinham como ser impedidas. Deriva daí a
vigência estrutural do contrabando. Por último, poder-se-ia classificar essa
fronteira como ‘quente’, pois, embora os conflitos de natureza política
tenham se sucedido na área platina durante o século 19, as relações entre os
povos vizinhos na área fronteiriça podem ser consideradas amistosas.
(LEHNEN et al, Orgs.,1994, p. 8 apud MENDONÇA, 2008, p. 42)
As relações entre as cidades-irmãs dão-se a partir de motivos estruturais e
conjunturais. Os primeiros dizem respeito ao grau de complementaridade entre as unidades
geográficas, dando o tom dos fluxos – tanto legais quanto ilegais – de pessoas, bens, serviços
e informações. Já a ordem conjuntural é representada por “[...] flutuações monetárias
(câmbio), que engendram movimentos turísticos excepcionalmente grandes, e pela variação
dos preços de produtos, principalmente agrícolas, que engendram uma oscilação na direção do
movimento de cargas.” (RIBEIRO, 2002, p. 20 apud SILVA; OLIVEIRA, 2008, p. 5).
Todas essas relações precisam ser condensadas em planos e estratégias a favor do
desenvolvimento das áreas em questão, seja por atores subnacionais, seja por atores nacionais.
Em cidades-gêmeas, cada lado da fronteira enfrenta seus próprios problemas. Entretanto, a
maneira como são elaboradas as respostas coloca em questão o grau de complementariedade
entre ambos. Como marco geral para considerar o problema em foco, cabe assinalar que:
[...] a necessidade de projetos regionais de desenvolvimento local se deve ao
fato de que cada vez mais as regiões são levadas a concorrer entre si e gerar
condições favoráveis e atrativas para localizar em seu território
investimentos produtivos gerando a necessidade de que os agentes regionais
de desenvolvimento se articulem e mobilizem para garantir a participação
crescente e direta de uma inserção alternativa e diferenciada no processo
global de desenvolvimento contemporâneo. (ENGELMANN, 2009, p. 47)
No Brasil, há 29 cidades-irmãs, sendo que 19 delas encontram-se no espaço do
MERCOSUL. O Rio Grande do Sul conta uma das maiores concentrações de cidades-gêmeas
do país: são nove delas, e uma cidade trigêmea, que no total concentravam uma população de
354.304 pessoas, em 2010, conforme a tabela 3, equivalente a 57% de todo o contingente
populacional dos municípios gaúchos localizados na faixa da fronteira (Figura 9 e Tabela 3).
76
Figura 9 – Mapa das cidades-gêmeas no Rio Grande do Sul (2013).
Fonte: Núcleo Regional para o Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira do Paraná –
NFPR.
Tabela 3 – População dos municípios fronteiriços e das cidades-gêmeas de Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. (2010)
Municípios da Linha de Fronteira
POPULAÇÃO
2010
Cidades-Gêmeas
MATO GROSSO DO SUL
304.709
233.055
PARANÁ
506.514
314.151
RIO GRANDE DO SUL
618.785
354.304
SANTA CATARINA
73.730
14.787
1.503.738
916.297
TOTAL
Fonte: elaboração da autora com base nos dados do Núcleo Regional para o Desenvolvimento e
Integração
da
Faixa
de
Fronteira
do
Paraná
–
NFPR.
Disponível
em:
<http://www.lindeiros.org.br/lind/avisos/APRESENTA%C3%87%C3%83O%20%20Nucleo%20de%20Fronteira%20-%2005-06-2012.ppt>. Acesso em jun. 2013.
A região focada no presente trabalho, a fronteira Oeste do RS, apresenta uma
população de 530. 150 habitantes com uma densidade demográfica bastante baixa em relação
ao total do estado, 11,5 % e 38%, respectivamente, sendo que a grande parte da população
concentra-se fora do campo (IBGE, 2001). Na cidade de Santana do Livramento, que possui
77
uma população de 81.19849 de pessoas, mais de 90% dos habitantes encontra-se em área
urbana. O índice reflete-se assim na composição das atividades mais dinâmicas desse núcleo
urbano, o setor de serviços, que respondeu por 73, 39% da produção em 2009, correspondente
a um valor adicionado de R$ 44.3.328.00050.
Tal cenário é representativo da realidade da fronteira Oeste do estado como um todo
que apresenta 55% do valor adicionado total ligado ao setor de serviços, conforme a figura 10.
Figura 10 – Principais atividades do setor de serviços da fronteira Oeste (2009).
Adm. Pública
Atividades Imobiliárias
e aluguel
23%
31%
Comércio
Intermediação
financeira
6%
7%
16%
17%
Transportes,
Armazenagem e
Correio
Outros Serviços
Fonte: elaboração da autora com dados de ACRI, 2012.
A economia da fronteira Oeste é baseada principalmente na pecuária extensiva e no
cultivo de arroz, em menor escala. É possível identificar também atividades de rebanho para a
produção de leite, embora de pouca expressão, é um fator importante para o relacionamento
entre Santana do Livramento e Rivera, uma vez que a criação de gado na região é
historicamente uma das atividades que iniciaram a relação internacional entre as cidades.
A interligação de Rivera e Santana do Livramento data ainda antes das cidades terem
sido efetivamente fundadas. A região do rio da Prata, local em que se encontram as cidades,
foi importante centro de disputas e, consequentemente, de trocas entre portugueses e
49
50
Dados IBGE (2001).
Dados de LEMOS (2010).
78
espanhois durante os séculos XVII e XVIII. Sendo assim, a fundação das cidades esteve muito
ligada a questões estratégicas dos estados que visavam à manutenção de seus territórios.
Assim, o espaço fronteiriço Santana do Livramento-Rivera sempre foi um local de
intenso intercâmbio econômico e cultural. Brasileiros e uruguaios mantinham negócios em
ambos os lados da fronteira e a instauração de fato de limites internacionais na área foi
relativamente anulada, pois não impediu a continuação do comércio. O maior incentivo para
as trocas baseava-se nas diferenças de impostos pagos por produtos conforme o local de
entrada. Tal processo é continuado e, exemplo disso, são os Free Shops espalhados na região
que oferecem isenção de impostos nos produtos, gerando uma atração enorme de brasileiros
provenientes não só de Santana do Livramento, como também de outras cidades do RS.
Evidencia-se aqui o papel do câmbio nas oscilações do setor comercial em ambos os
países. O movimento do comércio acompanha as melhores condições do câmbio, tornando as
economias das cidades muito sensíveis a tais oscilações que não somente afetam o comércio,
mas também a mão-de-obra que migra em busca de melhor remuneração. Em tal cenário,
observa-se a ocorrência muito comum de fluxos ilegais de mercadorias que, em função da
proximidade dos comércios entre as cidades-irmãs, não conta com uma fiscalização realmente
eficiente.
O entrelaçamento e a dinâmica das cidades de Santana do Livramento e Rivera
determinam muitos dos pontos de pauta dentro das agendas administrativas dos atores
subnacionais desses núcleos urbanos. A cooperação internacional e a integração existem de
fato, entretanto, elas não são estendidas a todos os setores. Em função das assimetrias
econômicas entre as cidades-irmãs em questão, a integração econômica não tem demonstrado
grande evolução.
É preciso mencionar, porém, que o Município de Santana do Livramento tem atuado
fortemente por meio da participação na Confederação Nacional de Municípios (CNM). A
organização conjuga Municípios a fim de representá-los tanto nacionalmente, quanto
internacionalmente. Tendo sido criada em 1980, a CNM obteve grandes conquistas para os
Municípios principalmente em questões econômicas. Para Santana do Livramento, a
participação na CNM rendeu importantes recursos para o Município, conforme se vê na tabela
4.
79
Tabela 4 – Demonstrativo dos valores e dos recursos, em reais (R$), conquistados por meio da
atuação no CNM.
Conquistas Municipalistas
Valores em reais (R$)
Município
9.153.497,74
Estado
1.030.094.455
Fim da compensação da COFINS no IPI (2004 - 2010)
414.747,51
46.423.379
PAES (crédito FPM dezembro 2005)
250.555,56
28.477.527
Iluminação Pública (2003 - 2010)
7.384.137,32
869.264.259
Repasse do Salário Educação (2004 - 2010)
4.788.609,54
707.678.852
Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (2004 2010)
ISS (2004 2009)
1.210.859,21
120.078.252
Alteração da Alíquota da COFINS (1999 - 2010)
1.271.510,46 1.037.725.047
Transporte Escolar (2004 - 2010)
483.668,34
68.882.101
Merenda Escolar (2006 - 2010)
382.826,60
77.510.428
2.330.091,79
16.700.745
2.747.016,78
316.076.354
910.281,44
102.536.851
1.482.608,71
121.677.874
32.810.410,99
4.543.126.12
ITR - Imposto Territorial Rural - Municipalização (2008 2010)
1% FPM (dezembro 2007 a dezembro 2010)
AFM - Apoio Financeiro aos Municípios - (2009)
FEX (Fundo Exportação) - (2004 - 2010)
TOTAL
Fonte: elaboração da autora com base nos dados da Confederação Nacional dos Municípios - CNM.
Disponível
<http://www.cnm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=29&Itemid=51>.
em:
Acesso
em jun. 2013.
A cooperação Santana do Livramento-Rivera, nas áreas da educação e da saúde, por
outro lado tem desenvolvendo-se de maneira satisfatória. A prefeitura da cidade brasileira e a
intendência da cidade de Rivera firmaram um dos primeiros acordos de cooperação
internacional na área da saúde a partir da instituição da campanha conjunta de prevenção à
dengue, em 2005, por meio da Comissão Binacional de Saúde.
Desde a formalização do Acordo para Permissão de Residência, Estudo e Trabalho a
Nacionais Fronteiriços Brasileiros e Uruguaios pelo Brasil e Uruguai, em 2003 e posterior
efetivação e 2004, os habitantes das regiões de fronteira ganharam a condição de cidadão
fronteiriço, facilitando assim o acesso a serviços em ambos os lados da fronteira. Dessa forma,
80
a partir do Acordo, médicos brasileiros e uruguaios podem trabalhar, exceto no setor público
que é restrito o acesso a não ser por meio de concurso, e estudar nos dois países.
A Comissão Binacional de Saúde desmembra-se ainda em outras subcomissões que
lidam com questões de drogas, AIDS, trabalhos epidemológicos e sanitários, entre outras.
Conforme informa um dos membros do Conselho Municipal de Saúde de Santana do
Livramento e da Comissão Binacional de Saúde, muitas ações já foram iniciadas:
En Villa Tomás Albornoz y en la escuela de Masoller se trabajó con la
hidatidosis y el mal de Chagas. La subcomisión de drogas trabajó en
coordinación en ambas ciudades, elaborando anteproyectos para trabajar el
tema de adicciones en la frontera; también visitó el liceo de Masoller sobre la
cuestión de drogas e adiciones. La subcomisión de tránsito ya trabajó
algunos aspectos planteados por los actores de ambas ciudades para realizar
acciones conjuntas de controles y seguridad. (POLÍTICAS DE
INTEGRACIÓN DE FRONTERA: ESPACIO DE VIDA DIVERSO Y
COMPLEJO, 2007, p.44 apud LEMOS, 2010).
Na área de educação, desde 2003, entrou em vigor o projeto em que escolas de ensino
básico uruguaias ministram aulas de português para os alunos. Além disso, foram instituídas
escolas binacionais profissionalizantes, que entraram em atividade em 2010, com cursos
técnicos em informática para internet e em controle ambiental para brasileiros e uruguaios.
Além da prefeitura de Santana do Livramento e da intendência de Rivera, é preciso mencionar
a atuação do governo do estado do Rio Grande do Sul como importante ator subnacional na
promoção de questões acerca da vida fronteiriça.
O estado do Rio Grande do Sul é um dos pioneiros na atuação internacional, ficando
em segundo lugar depois apenas do Rio de Janeiro. Um dos primeiros atores subnacionais
desse estado, pode ser identificado por meio da Secretaria do Desenvolvimento e dos
Assuntos Internacionais (Sedai), criada em 1995. O principal objetivo dessa Secretaria, que
era ligada, anteriormente, à Secretaria de Indústria e Comércio, era “assegurar a integração do
Rio Grande do Sul no mercado internacional, especialmente no que diz respeito ao
MERCOSUL.” (SCP, 1996, p. 19 apud NUNES; SOLOMÓN, 2007, p. 108).
A experiência da Sedai tornou o Rio Grande do Sul uma espécie de foco para
consultas, para a organização de outras secretarias, em distintos estados, onde houvesse
interesse em centro consultivo para outras secretarias que estivessem interessadas em
empreender ações externas, pois detinha conhecimento e experiências em assuntos
81
internacionais51. Entretanto, a relação dessa secretaria com o MRE e o Itamaraty era ambígua.
De um lado, houve a abertura de uma unidade do Escritório de Representação, pertencente ao
MRE, no Rio Grande do Sul (Eresul), em espaços cedidos pela Sedai e, de outro, tal abertura
não impediu que o MRE ainda fizesse contatos diretos com outras secretarias sem consultar a
Sedai. (NUNES; SALOMÓN, 2007).
Atualmente, a Assessoria de Cooperação e Relações Internacionais (ACRI), ligada à
Secretaria de Desenvolvimento e Promoção do Investimento, detém a função de promover
políticas de integração e cooperação na esfera internacional com o foco voltado para o
MERCOSUL. Desde sua criação em 2011, a ACRI vem cumprindo um importante papel na
representação do Rio Grande do Sul em instâncias internacionais, como também na relação
com as representações dos países presentes no estado52.
É também coordenado pela ACRI o Núcleo Regional de Integração da Faixa de
Fronteira do Estado do Rio Grande do Sul – Núcleo/RS, órgão federal instituído pelo Decreto
nº 48.198, de 29 de julho de 2011 que funciona como “[...] um espaço de coordenação entre
políticas do Governo Federal, Estadual e Municipal para a região da fronteira, abrindo um
fórum importante de alinhamento e diálogo, tanto interno quanto externo, para com os
Governos e sociedades do Uruguai e da Argentina.” (ACRI, 2013a). A iniciativa foi refletida
na entrega do Plano de Desenvolvimento e Integração da Fronteira53 em 2012 que, segundo o
Ministério da Integração Nacional, servirá de base, juntamente com os outros Planos
desenvolvidos por outros estados, “[...] para a conformação de uma carteira de projetos de
curto prazo, tendo em vista o desenvolvimento e integração da região.” (ACRI, 2013b).
Ainda, com relação à atuação da ACRI no âmbito das cidades-gêmeas de Santana do
Livramento-Rivera, foi promovida a VIII Reunião de Alto Nível da Nova Agenda de
Cooperação e Desenvolvimento Fronteiriço Brasil-Uruguai54, em setembro de 2012, em que
estiveram presentes representantes de ambas as cidades. Na reunião dos grupos de trabalho
Políticas Sociais de Fronteira e Assuntos Internacionais, os representantes de Santana do
Livramento e Rivera trabalharam juntamente ao representante da ACRI propondo novas
51
A SEDAI foi sucessora da Secretaria Especial para os Assuntos Internacionais (SEAI), criada no governo de
1987, e herdou todo o aparato e experiência acumulada pela segunda.
52
Atualmente há 41 países representados no estado do RS. Para a lista completa dos países,
acessar:<http://www.relinter.rs.gov.br/conteudo/689/?CONSULADOS%2FEMBAIXADAS>. Acesso em jun.
2013.
53
Disponível em: <http://www.relinter.rs.gov.br/upload/1354187656_PDIF_RS%20%20Vers%C3%A3o%20Final.pdf>. Acesso em jun. 2013.
54
Disponível em:
<http://www.relinter.rs.gov.br/upload/1347901554_ATA%20GT%20de%20Politicas%20Sociais%20Fronteirica
s%20e%20de%20Assuntos%20Trabalhistas.pdf>. Acesso em jun. 2013.
82
formas de cooperação e integração. Um dos principais pontos discutidos foi o reconhecimento
da institucionalização da Comissão Binacional de Assuntos Sociais por meio do decreto n°
177, da Prefeitura Municipal de Santana do Livramento.
Por fim, é importante assinalar, mesmo que superficialmente, as dificuldades
enfrentadas pelas cidades-irmãs, pois, apesar da evolução mostrada do desenvolvimento das
relações internacionais, muitos são os desafios.
Os obstáculos burocráticos, por exemplo, acarretam em custos tanto para os cidadãos
que dependem dos serviços, quanto para as autoridades, que desperdiçam recursos em
transações que seriam muito mais dinâmicas e menos custosas caso fossem integradas. A
vulnerabilidade das cidades-gêmeas frente às oscilações do câmbio, a falta de integração dos
transportes, a ausência de comunicação interna efetiva entre os órgãos binacionais, a carência
recursos destinados à atenuação das assimetrias entre as cidades-gêmeas, entre outras, são
grandes dificuldades que Santana do Livramento e Rivera ainda confrontam.
Conforme explicitado ao longo do presente trabalho, processos de integração regional
modificam o espaço e redesenham as relações entre os países implicados. Com o
aprofundamento do processo, novos alicerces precisam ser criados a fim de estruturarem de
maneira efetiva as demandas e organizarem todas as esferas sob o signo do regionalismo. As
cidades-gêmeas são um exemplo vivo dessas transformações e funcionam como um
laboratório para a análise dos processos integracionistas, expondo de maneira clara avanços e
embaraços.
83
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo explorou, essencialmente, o ambiente de atuação de atores
subnacionais no processo de integração do MERCOSUL, procurando mostrar como esses
entes relacionam-se e organizam-se internacionalmente por meio de redes, instituições, ou
associações. A abordagem desse tema implicou um desenho de texto no qual, no primeiro
capítulo discorreu-se sobre o contexto em que os processos de integração regional começam a
proliferar-se e diversificar-se. Para tanto, discutiram-se brevemente alguns dos principais
aspectos do funcionamento da economia internacional e os desafios enfrentados tanto pelos
países desenvolvidos, quanto aqueles em desenvolvimento.
O Capítulo 2 procurou destacar alguns elementos de base teórica e conceitual
importantes para a compreensão dessas relações estabelecidas entre os países que acabaram
por formar organizações internacionais de integração regional. Primeiramente analisou-se a
evolução dos processos de integração regional, seguido de uma especificação em termos
econômicos referentes às distintas perspectivas acerca da formação de blocos entre países.
Nesse capítulo foram ainda apresentados alguns ângulos teóricos sobre integração que
marcam presença no debate sobre o assunto no âmbito das Relações Internacionais, a fim de
oportunizar um entendimento tanto econômico, quanto político da integração regional.
Os referidos aspectos teóricos e conceituais foram importantes para a reflexão sobre a
problemática dos atores subnacionais nos processos de integração, assunto do terceiro
capítulo. A descrição dos impactos econômicos e políticos da evolução dos processos
integracionistas permitiu que fossem entendidas questões referentes à institucionalização de
cada tipo de organização, destacando assim o percurso necessário para o alcance dos objetivos
da integração, sejam eles vinculados às estruturas formais de uma ZLC, ou de um Mercado
Comum, por exemplo.
O estudo tanto dos benefícios, quanto dos desafios econômicos decorrentes dos
movimentos de regionalismo constitui-se, como sugerido no trabalho, numa ferramenta útil
para a análise da participação e inserção dos Estados nos processos de integração regional.
Assinalou-se que essas iniciativas apresentam lados positivos e negativos, mas que,
entretanto, os efeitos significativos ainda podem ser atenuados por meio de diferentes
instrumentos, como os fundos de convergência, por exemplo, que visam diminuir a assimetria
entre os Estados-parte.
Por meio da análise do caso da União Europeia, mais especificamente o Comitê das
Regiões, foi possível perceber que os processos regionalistas acarretam em importantes
84
consequências tanto para o Sistema Internacional, quanto para a relação dos poderes estatais,
com seus respectivos âmbitos domésticos. Num certo sentido, o Estado-Nação foi perdendo a
capacidade de atender às demandas de todas as esferas componentes do Estado enquanto ator
unitário, provocando assim o surgimento da ação subnacional. Os atores subnacionais,
entretanto, sofrem constrangimentos para sua atuação internacional, tanto pelo plano jurídiconormativo, quanto pelas suas próprias capacidades estruturais. Pode-se concluir, a partir disso,
que os entes subnacionais mostram-se, ao que parece, continuamente estimulados à
associação, no intuito de defenderem seus interesses, reivindicarem e até mesmo
influenciarem decisões mais gerais que possam lhes afetar.
O Capítulo 4 iniciou considerações de natureza geral acerca dos processos de
integração regional na região do Cone Sul. Assim, foram descritos os caminhos percorridos
até a conformação do MERCOSUL. Frisou-se que todo o desenrolar foi muito influenciado
pelas ideias da CEPAL, também como reflexo da necessidade lograr um novo tipo de inserção
internacional dos países em subdesenvolvidos frente ao cenário econômico mundial. Formouse portanto a ALALC, seguida da ALADI. Embora ambas as associações não tenham dado o
resultado esperado, elas plantaram a semente da integração na América Latina talvez de uma
forma definitiva.
Reiterou-se também o papel central exercido pelos governos de Argentina e Brasil na
formação do MERCOSUL, fato que marca a história dessa integração até os dias de hoje. A
reaproximação entre os dois países permitiu a formalização do MERCOSUL em 1991.
O protagonismo governamental brasileiro e argentino suscitou importantes questões
referentes à institucionalidade do MERCOSUL. Percebeu-se que o MERCOSUL não se
encaixa em nenhum modelo teórico baseado principalmente nos moldes europeus, em função
de sua estrutura de funcionamento. Isso teria a ver, ao menos em boa parte, com o fato de que
o processo integracionista do Cone Sul é fortemente conduzido pelos interesses dos governos
centrais, muitas vezes pouco representativos e pouco sensíveis às esferas que mais sentem os
efeitos da integração.
A partir desse ponto, desenvolveu-se uma caracterização da problemática dos atores
subnacionais no MERCOSUL por meio da explanação das formas em que se deu a atuação
desses entes. Os exemplos de associações e de instituições criadas no seio do MERCOSUL
permitiram uma visão global de como a questão dos impactos socioeconômicos vem sendo
tratada em nível regional.
Por fim, como forma de explicitar a atuação internacional marcante dos atores
subnacionais, estudou-se um caso específico relacionado às cidades-gêmeas no intuito de
85
observar alguns dos reflexos do processo de integração, e de formar uma ideia sobre como os
entes a eles em nível subnacional.
As cidades-irmãs de Santana do Livramento e Rivera constituem um organismo vivo
muito antes da fundação institucional dos limites entre elas. O território em questão é
marcado pela longa história de conflito entre portugueses e espanhois e sempre foi palco de
fluxos econômicos, culturais e de pessoas. Dessa forma, procurou-se demonstrar que as
cidades desenvolveram-se desde muito cedo em função uma da outra.
Em relação à atuação dos entes subnacionais, assinalou-se o papel da prefeitura de
Santana do Livramento e da intendência de Rivera na promoção da cooperação internacional
principalmente nas áreas da saúde e da educação. Os ganhos nessas esferas foram importantes
a partir do Acordo para Permissão de Residência, Estudo e Trabalho a Nacionais Fronteiriços
Brasileiros e Uruguaios pelo Brasil e Uruguai que designou aos habitantes desses ambientes
entre limites internacionais a condição de cidadão fronteiriço, possibilitando o acesso e a
prestação de serviços em ambos os lados da fronteira. A instauração de Comitês Binacionais
também têm sido responsáveis por avanços consideráveis, pois congregam especialistas de
ambos os lados da fronteira mais familiarizados com suas respectivas necessidades nacionais.
Embora se tenha constatado que a esfera econômica não tem sido alvo de grandes
ações de cooperação entre as cidades-gêmeas, pode-se mencionar que Santana do Livramento
tem atuado em diferentes instâncias no intuito de alcançar seus objetivos. As conquistas por
meio da CNM foram significativas para a economia do Município e representam mais um
exemplo de seu protagonismo subnacional.
Além dessa esfera, frisou-se o papel do estado do RS como importante ator
subnacional, por intermédio da ACRI, na definição de estratégias de relações internacionais.
É relevante notar que Santana do Livramento não participa da Rede Mercocidades, sendo
assim, a ACRI e outras instituições são a ponte de ligação entre a cidade e o MERCOSUL. O
estado tem atuado de forma eficaz na promoção dos interesses fronteiriços, como pode ser
demostrado pela criação do Núcleo Regional de Integração da Faixa de Fronteira do Estado
do Rio Grande do Sul, e pela recente entrega do Plano de Desenvolvimento e Integração da
Fronteira. Ambas as iniciativas desenrolam-se com a colaboração dos representantes dos
municípios da faixa de fronteira do estado.
Finalmente, percebe-se que a atuação dos entes subnacionais ainda tem muito espaço
para desenvolver-se. Como visto pela experiência europeia, o princípio da subsidiariedade é
importante fator que permite a operação de ações em nível internacional dos atores
subnacionais. No Brasil, tal elemento é determinante, pois vincula-se à questão jurídico-
86
normativa que implica na atuação de entes que não o Estado na esfera internacional de acordo
com a Constituição Federal. Um estudo que investigasse com mais profundidade as questões
levantas pelo presente trabalho seria de grande valor para uma compreensão mais específica
da atuação de entes subnacionais em processos de integração, podendo apresentar soluções
para a atenuação dos impactos provenientes desse tipo de arranjo regional.
87
6.
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94
ANEXO A
Organograma do MERCOSUL
Fonte: Organograma do MERCOSUL. Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/organograma>.
Acesso em jun. 2013.
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integração regional e a problemática dos entes subnacionais