2014
49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí
46º Concurso Literário de Contos
49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí
46º Concurso Literário de Contos
2014
Promoção
Apoio cultural
Secretaria Municipal de
Comunicação Social
49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí
46º Concurso Literário de Contos
De 17 a 22 de novembro de 2014
Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa
Biblioteca Pública Municipal Júlia Wanderley
Paranavaí - Cidade Poesia
Diretor de produção
Amauri Martineli
Revisão
David Arioch
Foto da capa
Herikson Souza
Troféu Natividade (Barriguda)
Saulo Suguimati
Composição e impressão
Pama Print Ltda
FEMUP
49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí
46º Concurso Literário de Contos
Paranavaí - PR
Fundação Cultural de Paranavaí
156 páginas, Novembro, 2014
Poesias, Contos e Músicas Brasileiras
1ª edição: 1.000 exemplares
ÍNDICE
Apresentação................................................................................................................................................................................................................
POESIAS..........................................................................................................................................................................................................................
Comissão julgadora........................................................................................................................................................................
Fase Nacional....................................................................................................................................................................................
BIOQUE MESITO´S SERIES............................................................................................................................................................
NOVA ODE MUNDIAL....................................................................................................................................................................
Descriação..........................................................................................................................................................................................
Estação da mão esquerda............................................................................................................................................................
debora uma cancao........................................................................................................................................................................
diário de bordo de uma mulher em desespero...................................................................................................................
Poema pra um café passado.......................................................................................................................................................
Pequeno tratado sobre a lucidez..............................................................................................................................................
OBRA DE FÉ [SEM LUTO]..............................................................................................................................................................
Tese, antítese e síntese... (apenas fragmentos)....................................................................................................................
nu (ou tudo que eu tentava dizer era verso)........................................................................................................................
Relatório (poético) de mortes vividas (!)................................................................................................................................
CONTOS.........................................................................................................................................................................................................................
Comissão julgadora........................................................................................................................................................................
Fase Nacional e Regional.............................................................................................................................................................
Como Bukowski ao estilo Hitchcock.......................................................................................................................................
O Sangue da Rosa..........................................................................................................................................................................
In manus tuas...................................................................................................................................................................................
O Amolador de Facas....................................................................................................................................................................
BESTIARII............................................................................................................................................................................................
SOBRE O SANGUE..........................................................................................................................................................................
Metamorfose floral........................................................................................................................................................................
Azarinho e o Caga-fogo...............................................................................................................................................................
MÚSICAS.......................................................................................................................................................................................................................
Comissão julgadora.......................................................................................................................................................................
Fase Nacional...................................................................................................................................................................................
Fase Regional...................................................................................................................................................................................
Braile....................................................................................................................................................................................................
Quando disse adeus......................................................................................................................................................................
Quase sem-vergonha....................................................................................................................................................................
Cantador.............................................................................................................................................................................................
Boca de forno..................................................................................................................................................................................
Previsível............................................................................................................................................................................................
Outro lado da noite.......................................................................................................................................................................
Brandit................................................................................................................................................................................................
Festim em festa...............................................................................................................................................................................
Sina dos esquecidos......................................................................................................................................................................
Sapato furado..................................................................................................................................................................................
Segunda divisão.............................................................................................................................................................................
Balada para ver o céu...................................................................................................................................................................
Chico Baiano e o samba-enredo do cotidiano..................................................................................................................
Mandela............................................................................................................................................................................................
Liberté (1789)..................................................................................................................................................................................
Caribe paranaense........................................................................................................................................................................
Deixando a vida acontecer........................................................................................................................................................
Tropeço.............................................................................................................................................................................................
Entre luz e escuridão...................................................................................................................................................................
Gaiteiro, toca uma vaneira........................................................................................................................................................
Minha ancestralidade.................................................................................................................................................................
Todos um só...................................................................................................................................................................................
Passaredo........................................................................................................................................................................................
DECLAMADORES.....................................................................................................................................................................................................
Declamadores................................................................................................................................................................................
Comissão julgadora.....................................................................................................................................................................
Leitura dramática dos contos..............................................................................................................................................................................
Agradecimentos.......................................................................................................................................................................................................
Hino do Femup.........................................................................................................................................................................................................
Fundação Cultural de Paranavaí........................................................................................................................................................................
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FEMUP: DA ARTE DE EMBELEZAR BARRIGUDAS
Escrever sobre o Festival de Música e Poesia de Paranavaí, o Femup,
tem algo de autorretrato. Participei deste Festival, de forma ininterrupta, de
1983 até 1990 e depois em 1997. Todos na categoria Poesia, da qual tive a honra
de ter sido agraciado em 1987 com a primeira “Barriguda” do Femup (troféu
lindíssimo que remete à clássica Vênus de Willendorf) com o poema “Bucólica”.
Já em 2004, fiz questão de lançar o romance “Santo Reis da Luz Divina”
em Paranavaí por vários motivos: cidade presente na minha infância, cursei o
segundo ano colegial no Estadual, o Gralha Azul era e é uma referência na
minha formação cultural e, claro, devido ao Femup.
Este ano retorno a Paranavaí como um dos jurados em Poesia e para
apresentar esta publicação. Completa-se um ciclo. É muito para o meu coração.
Coração, agora, de passarinho. Entretanto, se os meus ouvidos fossem de
pássaro, talvez prestasse mais atenção nas coisas ditas como sem importância.
Se os meus olhos fossem de pássaro, enxergaria detalhes nas entrelinhas. Se eu
fosse pássaro, cederia minhas asas para que delas brotassem música, literatura
e, dessa maneira, comporia, escreveria tanto ao ponto de meus braços, flácidos,
tornarem-se galhos. Então eu passaria a ser árvore e tocaria o céu, moldaria
nuvens e recolheria estrelas para presenteá-las à Barriguda. Sozinho, não
consigo; contudo com a ajuda de 240 músicas, 362 contos e 592 poemas,
vindos de 309 cidades de todos os estados do Brasil e inscritos nesta celebração
à Arte, que é o Femup, nós podemos.
Podemos celebrar este Festival, na sua 49ª edição, permitindo-nos crer
que a vida é muito mais do imaginamos. Façamos, pois, uma declaração de
amor à vida por meio da palavra: da palavra escrita, da palavra cantada, da
palavra simplesmente dita. Tais palavras são sinos de chamamento, feitos para
adornar casebres e catedrais. Tais sinos só tem sentido quando percebidos,
independentemente de quem os badala. Depende de você. Sim, de você que
me empresta o seu olhar nesta leitura, e que estabelece um vínculo todo
especial com os autores presentes nesta coletânea, selecionados entre 1194
estrelas, que alindam a Barriguda de 2014.
05
O Femup favorece tal comunhão, pois nem sempre o artista tem a
dimensão daquilo que faz, todavia a sua Arte ecoa no outro e passa a ter vida
própria. Assim, a própria vida dá nova dimensão à Arte, a qual o artista jamais
sonharia existir. É a condição humana que transcende fronteiras.
E você, artista? O que lhe resta? As palavras não são signos aleatórios;
muitas vezes são feridas que não cicatrizam. A Arte possibilita retirar o
esparadrapo e expor o que o corpo não quer sentir, mas o que o espírito insiste
em mostrar e, desse modo, cativar o outro.
Saint-Exupéry teve a felicidade de lapidar o pensamento de que somos
responsáveis por aquilo que cativamos. O verbo cativar nos lembra o duplo
sentido de “ganhar a simpatia” e de “ficar retido, aprisionar-se a”. Seja qual for o
significado, o cativo continua, aparentemente, o mesmo.
Imagine a responsabilidade de transformar alguém? Peço licença para
ir pouco além de Saint-Exupéry e dizer que somos responsáveis por aquilo que
transformamos.
Você, artista, é responsável por sua transformação e pela do outro. Faça
das nuvens redes, recolha estrelas e embeleze a Barriguda que vive em nós.
Marco Aurélio Cremasco
Professor universitário e escritor. Nasceu em Guaraci (PR), reside em Campinas (SP) e tem
publicado os livros Vampisales (poemas, Editora da UEM, 1984), Viola caipira (poemas, edição do
autor, 1995), A criação (poemas, Prêmio Xerox/Livro Aberto, Editora Cone Sul, 1997),
fromIndiana (poemas, edição do autor, 2000), As coisas de João Flores (poemas, Editora Patuá,
2014), Histórias prováveis (contos, Editora Record, 2007) e Santo Reis da Luz Divina (romance,
Prêmio Sesc de Literatura, finalista do Prêmio Jabuti, Editora Record, 2004). Escreve atualmente,
em uma coluna no caderno de cultura do jornal “O Diário do Norte do Paraná”, de Maringá, em
que publica – sempre às terças – contos e crônicas.
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POESIAS
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COMISSÃO JULGADORA
MARCO AURÉLIO CREMASCO
Campinas - SP
Marco Aurélio Cremasco é professor universitário e escritor. Nasceu em Guaraci (PR), reside em
Campinas (SP) e tem publicado os livros Vampisales (poemas, Editora da UEM, 1984), Viola caipira
(poemas, edição do autor, 1995), A criação (poemas, Prêmio Xerox/Livro Aberto, Editora Cone Sul,
1997), fromIndiana (poemas, edição do autor, 2000), As coisas de João Flores (poemas, Editora
Patuá, 2014), Histórias prováveis (contos, Editora Record, 2007) e Santo Reis da Luz Divina (romance,
Prêmio Sesc de Literatura, finalista do Prêmio Jabuti, Editora Record, 2004). Escreve atualmente, em
uma coluna no caderno de cultura do jornal “O Diário do Norte do Paraná”, de Maringá, em que
publica – sempre às terças – contos e crônicas.
JOSÉ DE ARIMATEIA TAVARES
Paranavaí - PR
Graduado em letras e Educação Física pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de
Paranavaí (Fafipa/Unespar), pós-graduado em Português, diretor do Clube de Xadrez de Paranavaí,
proprietário da locadora Myra Vídeo e um dos ícones do Teatro Estudantil de Paranavaí (TEP). No
grupo, ao longo de décadas, desempenhou as funções de ator e diretor.
TATIANA VIAES THOMÉ
Paranavaí - PR
É professora licenciada em Letras (Português/Inglês) pela Faculdade Estadual de Educação, Ciência
e Letras de Paranavaí (Fafipa/Unespar) e em Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso
do Sul – UFMS. Atua nas áreas de Língua Portuguesa e Literatura.
AMANDA RIBEIRO
Paranavaí - PR
Formada em História pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (2011) e
Especialista pelo Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (2014). Atualmente é Mestranda
em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar, pela Universidade Estadual do Paraná
(Fafipa/Unespar), campus de Paranavaí; Pesquisadora do grupo de pesquisa CNPq: “Economia do
Trabalho, Educação e Desenvolvimento Regional” e professora do quadro do magistério da Rede
Estadual de Ensino do Paraná.
08
POESIAS - FASE NACIONAL
Graça Carpes
Éder Rodrigues
Diário de bordo de uma mulher
em desespero
Rio de Janeiro - RJ
Obra de fé [Sem luto]
Porto Velho - RO
Mario Lousada de Andrade
Bioque Mesito
Bioque Mesito's Series
São Luís - MA
Relatório (poético) de mortes vividas (!)
Terra Rica - PR
Carlos Faetonte
Nova Ode Mundial
Niterói - RJ
POESIAS- FASE REGIONAL
Branco Di Fátima
Descriação
Minas Novas - MG
Felipe Figueira
Júlia Zuza
debora uma cancao
Paranavaí - PR
Pequeno tratado sobre a lucidez
Belo Horizonte - MG
Ludymila Johann Borges
Giulia Barão
Estação da mão esquerda
Porto Alegre - RS
Tese, antítese e síntese... (apenas
fragmentos)
Paranavaí - PR
Roberto Gonçalves
Karina Limsi
Poema pra um café passado
Ilha Solteira - SP
nu (ou tudo que eu tentava dizer
era verso)
Paranavaí - PR
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BIOQUE MESITO'S SERIES
Bioque Mesito
São Luís - MA
aos poetas couto corrêa filho,
sotero vital e sebastião ribeiro
0-22
no abandono do sangue
o útero árido de fome
na cantilena sem paz
geme o corpo da mulher
1
a vida é troca
moeda inútil
câmbio do destino
2
eu resumiria nosso romance em poucas linhas
uma borboleta solta do casulo em órbita da lua
3
amigos são psicólogos que sonham
4
o sonho ignora o crepúsculo
neve e flor em música
os dias que partem
5
enquanto a fé não migra
o coração acredita
em migalhas
6
ao mais incrédulo homem
o tempo lhe concebe
uma cruz em seu nome
10
7
dentro de cada um
deve sorrir um demônio
à procura de espelhos
8
se despia do corpo em carnívoros desejos
na cama sombras projetavam precipícios
orgasmos ao som das molas do colchão
9
não quero rimar xoxota
com chocolate alienar-me
entre pulos e grunhidos
10
estrelas em pares
na solidão da noite
sentem-se ímpares
11
as ancas de uma mulher
me fazem dormir melhor
numa noite de chuva
12
enquanto bambus boiam
um homem desce o rio
a vida segue o sol
13
aos que não se deram
bem no inverno da cama
um minuto de silêncio
14
nos olhos dos meus filhos
poesias cores músicas
a singularidade do caminhar
11
15
a gente ama quando não se é capaz
de ignorar o café da manhã a novela
o sorriso pelo retrovisor dizendo volta
16
de fato fadas
não fodem com príncipes
encantados
17
o nobel ainda
não inventou
o prêmio vilão
18
poemas nos ensinam
o não mensurado
alguns censuram-nos
outros como um tango
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sentimentos nas nuvens
entre tuas trilhas poeta
cabedal de musas
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deus é azul
a vida não é
21
toda poesia é um não pensamento
Poeta de São Luís-MA com várias participações em antologias nacionais, premiado em algumas.
Em São Luís, participou e/ou integrou diversos grupos literários. Possui dois livros de poesias
lançados: ‘’A inconstante órbita dos extremos’’ (Editora Cone Sul-SP, vencedor do IV Prêmio
Universitário de Literatura em 2000) e ‘’A anticópia dos placebos existenciais’’ (Edições Func-MA,
vencedor do XXXI Prêmio Sousândrade de Poesia).
12
NOVA
ODE
MUNDIAL
Carlos Faetonte
Niterói - RJ
CALÍOPE MORTA,
CLOTO EM FÚRIA
I.
Não. Vórtice plural das singularidades,
onde se encontra a Foz das Ideias do Mundo?
Espiral milenar de mil fluidos, não nades
nos eflúvios mais vis desse fundo, profundo.
Catarata central, desemboca no Hades
a fugaz geração com a qual eu me afundo!
Interpretada mal sua herança hoje fora,
ó Liberdade! Que um dia foi transgressora.
II.
Não. Se alguém Prometeu desta esfera seu fogo,
agoniza em prisão, seu abutre é o desgosto.
Da esperança voraz, do roer litagogo,
regenera-se a dor! O princípio suposto
enfim frustrado, deu ás de vila-diogo...
Tais correntes jamais cederão ao oposto
que perpetra na Foz o afluente refluxo;
liberta-te Titã! Do rochedo perluxo.
III.
Não. É preciso dar voz ao segredo oculto
que desperte o titã, adormecido em nós.
A fugaz geração que se redime ao culto
de colher o passado e plantar nada após;
esta sim, da vulgar poesia – sepulto!
Enquanto as Parcas sem dó rompem seu retrós...
Pois Calíope jaz morta e Euterpe em lamúria,
mas das profundas do Tártaro, Cloto em fúria!
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IV.
Não. Um golpe de estado era armado por Zeus
no momento viril que a Poesia nasceu,
são nas veias mortais que propagam os seus
olímpicos rivais, confinados ao breu.
Zeus se tornara Deus. E à fé plural, adeus!
Ah! Filha ancestral da guerra imortal, clamo eu:
aos punhos magros da juventude irrisória,
dotai-nos do labor que eleve sua glória.
V.
Não. Heráclita és tu, Arte primacial.
Falsa diplomacia é ilusão que não topas;
qual a força motriz por detrás do arsenal?
A essência da guerra é que move tuas tropas!
Na incidente fronteira entre o bem e o mal, qual
é a espinha dorsal em que montas? Galopas?
Nos corcéis da Poesia aos coevos me oponho,
só há paz onde há guerra e virtude onde há sonho.
VI.
Não! Não ter pés no chão, sim dar asas às sinas!
Mesmo que as rédeas do Sol nos custem a Vida.
Desbravamos o Mar!... Gaia, tu que abominas
toda inércia mordaz, dê-nos dom que a transgrida.
Como astrônomo a olhar muito além das retinas,
onde a ciência cai, a Poesia é erguida.
Poética Função da Linguagem, coragem!
O Quinto Império nos legou sua Mensagem.
VII.
Não basta 'ser ou não ser' – sê! Eis a missão.
Enquanto centenas de valsas sem som
decaem em triunfos que serão
poeiras no tempo – vibrai trom!
Dos hinos de guerra a avançar
a humana grandeza, com
o seu ávido olhar
pro zênite ao fim.
Morrer a par
d'Elmo afim,
então
sim.
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VIII.
Versai!
Quebrai os pilares!
Destronai as rimas, vencei as leis físicas!
Sobre os Ombros de Gigantes
paira o jardim da evolução.
Sobre um sonho de estátua
paira a Montanha a ser subida – vá!
Contra impérios metais luta a escrita.
Contra Babel,
nossa Língua.
IX.
X.
Retomemos a marcha,
cada verbo que escarcha a
geração que falia...
(Pós-Moderna golpista,
vosso túmulo à vista e...)
À Poesia, eurritmia!
Se a linha evolutiva dos tratados
no hostil tempo tratante
cessa truncada – ó verve soberana,
tecemo-na adiante!
Imprescindível é buscar o bosque
da inspiração, do torque adentro à Foz que
gravite toda força e nos embosque
com versos de diamante.
XI.
Se as armas e os barões assinalados,
que da oriental praia Lusitana,
por mares muito dantes navegados,
calharam na Latino-Americana...
No prélio cultural tão triunfados,
mas derrotados pela gana insana,
um Gigante maior que despertaram
cobra do Velho Mundo o que roubaram!
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XII.
Se n'Arte primacial reina a Lei do mais forte,
Novo Mundo há de ser visto de Sul a Norte.
Contra a prole acaciana e apoética malácia,
Nova Hoste se alevanta e proclama estopim!
Rapsodos do futuro hão de orar pertinácia
da Mavórcia Missão, alvorecida em mim.
Mortal inconfidente e semideus da audácia,
FINDO os tempos do Não. FENDO o Tempo de... Sim.
EQUINÓCIO VERNAL – SOLSTÍCIO AUSTRAL,
2013
Astrônomo (graduado pelo Observatório do Valongo - UFRJ, em 2012), Mestre em História das
Ciências, das Técnicas e Epistemologia (HCTE - UFRJ, 2014). Nascido em Belo Horizonte, MG.
Reside em Niterói desde 2004. No dia 15 de maio de 2014, foi pré-publicada sua obra poética
primacial - FINGERE (de Carlos Faetonte, Ulisses de Azevedo e Paulo Peta); onde Carlos Faetonte,
um dos personagens/heterônimos do livro, é o criador da Nova Ode Mundial.
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Descriação
Branco Di Fátima
Minas Novas - MG
No primeiro dia,
A dúvida pairou sobre o nada,
E confuso com a chuva sonhada,
Inventou os andarilhos de estrada.
No segundo dia,
Criou as aves noturnas.
Horizontes em decomposição.
O vento exalou sintomas de completude.
No terceiro dia,
Criou as encostas e latas enferrujadas.
Formigas, rãs e lagartos de papo-amarelo.
Igarapés, tracajás, caiapós e árvores maturadas.
No quarto dia,
Inventou caracóis, lesmas, palafitas e flores saturadas.
Raízes, benzidos, reisados e meninas transfiguradas.
Tontos nefelibatas e poetas de enseada.
No quinto dia,
Criou corredeiras, rios e caboclos d'água.
Zombarias, maritacas e seixos de tilápia.
Cacimbas de jacu e fissuras perfumadas.
O sexto dia foi marcado por aguaceiros.
Criou as cores, a altura, os lados e o peso.
E todas as coisas se fizeram querentes desse guisado.
Garrafas de vinho e tabaco. Quitandas da roça e mormaço.
No sétimo dia,
Já cansado das traquinagens,
Contemplou as faces partidas de um tomate
E foi para a primeira estrebaria festejar a descriação.
Jornalista e escritor mineiro, pós-graduado em Produção e Crítica Cultural. É mestre e
doutorando em Comunicação pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). É autor do livro
‘’Ruas vazias de gente’’ (2007). Organizou as obras ‘’Internet - Comunicação em Rede’’ (2013) e
‘’Outros Olhares - Debates contemporâneos'' (2008). Tem poemas em importantes coletâneas.
Foi premiado em mais de dez concursos nacionais e internacionais.
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Estação da mão esquerda
Giulia Barão
Porto Alegre - RS
Meu avô era o suco de laranja sem falta
no café da manhã, o silêncio
de quem não diz um décimo do que pensa
porque sabe demais, desde 1915 sabendo
o século vinte, a bipolaridade
da minha avó, que persiste além do casamento
além da morte do avô, sobressalto.
Todo dia lembrar que vive apesar dele
apesar de sessenta anos às metades,
aos pedaços que se perdem nas discussões noturnas
sobre a tinta branca na parede da sala,
que nunca é branca no catálogo das tintas
tanto branco flexionado ao plural torna difícil
decidir se o branco é branco na cama,
o lençol conjunto, a conta conjunta, os pedaços
conjuntos, montanhas, montanhas e campos fecundos
de histórias vividas sob o amparo do dedo anelar,
acumulando geografias, linguísticas, silêncios duplos.
Teia de vidro embaçado estendida
sobre as mãos de antes incomunicáveis,
como a criança que se foi
e não se acha, debaixo da terra
agulha no palheiro em que se escondem adultos
solteiros de antes perdidos na criança
misturados no sangue dos filhos
misturados no laço de metal fundido.
18
Dicotomia de mãos esquerdas,
que se estendem transversalmente radicais,
atravessam abismo de mãos dadas,
atravessam os mesmos pedaços de filhos
a mesma terra, a mesma parede branca,
o mesmo nome, o mesmo domingo, sessenta anos
atravessam meu avô e minha avó
separam meu avô e minha avó de si mesmos,
sessenta anos na cama, na sala, na trincheira,
a guerra fria que os unia na viagem à Tchecoslováquia,
que os unia em campos fecundos, em filhos,
a mesma terra em dois mil e treze
são sete palmos e cinzas frias
e separam minha avó do meu avô.
A mão esquerda atravessada sobre o leito vazio
não pode cavar o espaço de sessenta anos
entre minha avó e o seu nome de solteira,
entre minha avó e sua mão esquerda
não pode enterrar a si mesma,
porque perdeu os pedaços em discussões sobre a cama
perdeu meu avô onde se tinha e a si mesma
onde tinha meu avô, sessenta anos
separam minha avó da possibilidade
de sobreviver no singular e decidir sozinha
se o branco é branco na parede da sala.
Giulia tem 23 anos e publica seus poemas desde 2008 no blog “Navegação de Intervalos" agora transformado em website. Em 2013, começou a buscar a divulgação ampliada de seu
trabalho, iniciativa que gerou resultados positivos como a publicação do poema “Stand By” na
Revista Cult, e a seleção entre os vinte finalistas do VII Prêmio UFF de poesia. Além disso, passou
em primeiro lugar no Mestrado em Escrita Criativa da PUCRS (2014), onde agora desenvolve o
projeto de seu segundo livro.
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deborai uma cancao
Felipe Figueira
Paranavaí - PR
escrever com sangue e sentir angustia
e nesta angustia
nao se encontrar
por so enxergar o vazio
“cale a boca
e nao cale na boca
noticia ruim...”
parece nao ter fim
o que eu sinto
ai de mim
ad eternun
e nao temer
mas logo em seguida temer
e tremer
e ter medo da morte
por perda da vida
e nao ter um so santo no peito
e cuspir no prato em que [o que] ja comeu
e nao ter mais nada
a dizer
e isso por seu [sem] querer
[nao ha de que
nao ha por que
nao ha “pra que”
mas por que
por que]
e decifrar
e ser devorado
e sendo devorado
ainda assim dilacerar
para degustar o que o tempo
nao pode trazer
[e assim que me saboreio
como se todo o suor fosse doce
20
e todo doce fel
a meu bel-prazer
“e a alegria a unica indizivel emoçao”]
e estar em varios lugares
mas estar sozinho
e em um moinho
se perder
e ainda assim sorrir
sela
e o desencontro
o conflito
o deserto
o aperto
o apelo
o choro
e a dor cada vez mais perto
e abraçar
e exagerar
sem dar espaço
sem medo de que
se o amanha nao vier
nao exista mais sangue
para se esvair
e se lamentar
e nisso exagerar o tempo todo
e rir do meu drama
como se nao fosse meu
mas de um viandante
que
ao fim
desde o principio
ri
e vagueia
com a sua sombra
quando estou feliz
so escrevo coisas tragicas
nao sei por que
“e claro que a vida e boa”
talvez isso seja uma dialetica
falta de pontuaçao [in]consciente
21
para evitar a [in]compreensao
talvez eu seja “triste”...
“e claro que te amo”
um jargao
um clichê
um sinonimo
no bom sentido
a vida
sem amor
sem amizades
sem musica
seria um erro
seria um duelo sem espadas
que em poucos segundos
a morte
se tornaria bem vinda
[na batalha contra um peixe
so ficaram os tubaroes
e a minha espinha a deriva]
“nao me importo em ver a idade
em mim”
um fotografo
um viandante
um vendedor
um cirurgiao
um malabarista
ah
se nao fosse
a bossa-nova
e o chorinho
[nao ha de que
nao ha por que
nao ha “pra que”
mas por que
por que]
o arrependimento limpa
enobrece
enlouquece
e o que poderia ser simples
torna-se complexo
22
porque o complexo nao esta fora
mas dentro
[bem perto]
“o abismo olha para voce”
uma guilhotina resolveria tudo
eu te amo
por que o meu vicio
esta sempre a minha frente
de tanto esmurrar facas
acabei calejando meu sague
e agora nao sei mais sair
do labirinto
que eu mesmo fiz
sem por que
onde esta a seta
onde esta a reta
onde esta o que e reto
pelo sexo
a vida foi criada
e milhares de vezes
exterminada
uniao discordante
do “gozo antes da cautela”
vem o “castigo”
e no final das contas
so sobram migalhas
umbigos
inimigos
e a vida se vai
para que em breve
outra tambem
se va
sem memorias postumas
tristeza e
um deserto
[cada vez mais perto]
de um lado
e do outro
e para o outro
e o som do silencio
23
o medo do redemoinho
o tilintar dos cristais
o quebrar dos diamantes
um brincar de sosselliar
em partes
sem norar amanhaii
a delicia
a dor
o amor
sem ilusoes
“cada um sabe a dor
e a delicia
de ser o que e...”
e o amor
um motor
que gira
e gira
e gira
“voce esta
voce e
voce faz”
e viver
e receber a morte
e lutar com sisera
e mostrar dez mil espadas
e gritar ainda ha vida
[e sempre havera]
se a angustia
um dia passar
terei um filho
plantarei uma arvore
e destruirei esse poema
que de amor
nada
tem
mas se eu acordar
tornarei a escrever
um pouco mais
do meu menos multiplicado
desde sempre
24
“desperta desperta” minha juiza
“e claro que te acho linda”
sela
debora uma cancao [parte ii]
no enigma do espelho
quero me conhecer
e nao mais ser devorado pela esfinge
e nao ser mais um papagaio
que come esterco
e espanca a irmaiii
[o meu “rastro de infancia”
minha pobre e parca homenagem
depois que so restarem ossos
e uma foto no cemiterio
nao adianta mais
sorrisos]
e acha isso legal
e acha isso moral
e acha isso banal
eu devo ser uma pessoa horrivel
para nao ter um so sorriso
definitivo
eis meu objetivo
dormir
depressa
uma hora e trinta e nove minutos
acordar para ir ao banheiro tres vezes
e ter sete sonhos
e
nao “convem gloriar-me”
mas caminhar
e encontrar
e sorrir
e tocar [flauta]
e cantar
debora uma cancao
a todos os “assassinos”
porque [“onde havia pranto
jubilo surgiu”]
a esperança nao morre
25
e assim sorrir
e ver surgir
[bem perto]
cinzas e carnes
nao corvos
sem crimes
nem castigos
em minha caravela
em meu porto [in]seguro
sim
todos os caminhos levam a roma
mas alguns demoram demais
e o que era vida
sem menos nem mais
nem paz
perde o por que
e perder a saida
e perder o amor
e ver tudo se tornar enfado
e a morte se tornar bem vinda
[des]prazer
[des]canso
[des]graça
[in]feliz
um beijo
uma festa
e [outra] festa
surpresa
e ainda assim tristeza
o que fazer
depois da meia-noite
o que fazer
ao meio-dia
no manto de penelope
so me desfaço
sem esforço
e a minha vida
ad eternun
entre dez e
e
26
e
repito
repito
incompleta a criaçao
e me maravilho de minha
imperfeiçao
e fico forte
em que
ao decifrar o enigma
acordar com grilos
e gritos de bebados
prostitutos
todo tipo de viciados
e deixar de lado
o que antes
incomodava
crendo que tudo aquilo
nem esterco e
sem ressentimentos
mas o que e e
“quanto mais me elevo
menor eu pareço”
desapareço
apareço
desapareço
sobram-me horas
para de novo
“voce esta
voce e
voce faz”
debora uma cancao
nao e uma fossa nova
mas vinicius em ipanema
e niteroi
debora uma cancao
e uma ponte bem feita
debora uma cancao
e uma aula bem preparada
debora uma cancao
e um cantico de salvaçao
27
sela
um olhar
um vazio
um esquivo
um esquema
um vicio
desprezar da muito trabalho
[e tentar desviar o olhar
o tempo todo]
mas mendigo nao quero ser
[“para nos mesmos nos fazemos mais simples do que
somos
assim descansamos do proximo”]
na “simplicidade” alheia
o escravo se cre senhor
e esse o dom de iludir
do senhor [do engenho]
metaforas a parte
eu so quero viver
dane-se
que va a merda o resto
algumas coisas simplesmente estao
sao sempre a frente
“a gente vai contra a corrente
ate nao poder resistir”
gira
e gira
e gira
as almas surdas
que esta poesia interprete
os vossos silencios
as almas vendidas por prata
que esta poesia resgate
em ouro
e tenha troco
as portas fechadas
que esta poesia seja uma chave
e o que for aberto
ninguem feche
“o que pedires
28
te darei”
compaixao
sela
e preciso parar
de escrever
e se o amanha nao vier
que nao haja mais sangue
para se esvair
e se lamentar
amo
durmo
extermino
um
dois
tres
acordo
i
forte de aparencia formosa justa e baixa mas ninguem e perfeito “em ti bendigo o amor das coisas
simples”
ii
referencia ao poeta minimalista paranavaiense sergio rubens sossella que pouco pontuava seus
poemas e pouco destacava as iniciais maiusculas e ao poema nao norarei amanha vencedor do
festival de musica e poesia de paranavai [femup] de 1975
iii
uma familia um pai triste e honesto uma mae alegre e sem foco uma filha bonita e vazia um filho
intelectual e burro
Professor do Instituto Federal do Paraná (Campus Paranavaí). Suas poesias já foram selecionadas
em vários concursos literários, como o FEMUP, o Varal Literário e o de Campos dos Goytacazes.
29
diário de bordo de uma mulher em
desespero
Graça Carpes
Rio de Janeiro - RJ
quase um história para gente grande
☼
____________________________________________________________________
Havia tempo que sentia a umidade no ar.
Salas, quartos, paredes, em tudo parecia brotarem verdes folhas de avenca.
Pensou que esse estado de ver a água das coisas fosse depressão, mas não.
As ruas em vertical continham entidades.
Sobre as escadas havia sombras.
Entre os paralelepípedos, olhos agudos.
As noites lhe eram soturnas.
Somente o horizonte sonha.
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chove assim constantemente
e as enguias
iluminam a noite
sonoros
os carros espumam feito marés
chamo constelações de todos os
universos
poesiam
todos os seres
.
____________________________________________________________________
Alto Mar
____________________________________________________________________
Hoje, 13 de fevereiro de...
Tenho resistido arduamente aos sacolejos da embarcação.
30
O horizonte hoje, despertou o sol. Mas, é agora no entardecer que as fortes
tormentas manifetam-se no céu. Fecho todas as escotilhas e recolho-me ao
ponto onde determino ser o eixo central. A tripulação há muito não existe,
saltaram todos em ancoramentos de distâncias anteriores.
Tanto céu...
Tanto mar...
Resta-me agora, a imensidão do vazio.
* Recolhida eu em posição fetal,
cantava um mantra em pulsação.
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11 de fevereiro de...
Árduamente enfrento o sol da tarde refletido nas águas desse dourado mar.
Quantas gotas o mar contém ?
Sim, agora sei porque há pessoas que se afogam em um minúsculo copo de
água: toda gota contém um mar.
Hoje, construí um barco de papel.
Talvez ele possa nadar no céu...
Quem sabe ele possa voar no mar
...sem se afogar.
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12 de fevereiro de...
Seria meu aniversário, se em terra eu estivesse.
Mas, no mar...
O mar não sabe do tempo. O mar flutua nos ventos.
O mar espuma oceanos.
Os golfinhos acompanham a embarcação e cantam e dançam em alegria
juvenil.
Parece, descobriram o segredo da eternidade e o manifestam ao sol.
O verde de meus olhos acompanha o espumante rastro;
mar de champanhe anunciando o novo tempo.
Eu brindo a todos os seres,
brindo ao que sou!
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31
22 de março de 2010.
Fiquei em silêncio por imenso tempo. Entretanto, nesse tempo, o sol e as
águas trocaram guarda com noites e estrelas, e mergulharam ao mar em
busca da lua.
E as marés invadiram as ruas em suas cheias.
E os humanos não sabiam nadar.
Vazia de mim... Navego.
Tenho tanto mar sobre a cabeça... Às vezes, penso ser um céu.
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14 de abril de...
Explicações às dores:
Agora era noite e se afastava da costa a embarcação.
Doía minha cabeça por falta de alimento. – às vezes, em alto mar os
mantimentos acabam e não há como repor.
Ao longe avisto as luzes da cidade; contemplo seus reflexos sobre a
escuridão.
Contemplar... Contemplar.
Me doem os olhos, talvez , pela choradeira da claridade diurna azul do céu
sobre esse verde marejar.
Azul mais sol reflete mar. E tudo é tanto verde...
* Pensamentos de mar:
Agora, será preciso descartar a confiança e ser intérprete.
E, no que resolveria terapia para o que não sou?
Presos ao vazio do que não existe, eu e o mar conversamos com o nada.
* solfeja um vento noroeste.
____________________________________________________________________
21 de maio de...
Coisas da natureza
as coisas parecem ocas
longa extensão de ponte sobre o mar
32
louca é a lua
mergulha cheia nesse estado de afogamento
um banho nua um
batismo aos braços do vento
senhor dos movimentos
senhor dos movimentos
me invento então iluminar a mente
portas e janelas escancaro
para que entre
e
areje-me
!
____________________________________________________________________
29 de maio...
meu verde olhar
iluminado à inconstância das marés
(pássaro pousado em musgo âncora)
aconchega a tarde
solitária
e
bela
ao infinito que se estende
.
____________________________________________________________________
14 de agosto de...
Ai... É tanto mar a inundar o tempo! Um acúmulo de ventos interpôs os dias.
Alquimia de memórias e sóis de meio-dia. Diluí-me entre abril até agosto. O
marejar do barco pulsava o corpo, fazendo na dança dos dias uma mistura
líquida. Não sei se aqui estou; me afoguei entre as folhas faltantes deste
diário. Percebo sobre mim um gris céu de domingo. E as águas em
cumplicidade me acenam em crespas ondas.
Diz-se inverno no mundo e estar no mar parece com o “salvar-se do inferno”.
Quanta água a cercar meu corpo; nenhum fogo soprando culpas. Agoniza o
passado sem escafandro.
Abarco em terra firme?
____________________________________________________________________
33
15 de agosto de 2010
ter de cruzar o mar
até chegar
em mim
ter de chegar
em
mim
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25 de agosto de ...
Diz-se líquido o tempo.
Dizem líquido o amor. E como não o ser quando 70% do humano é líquido?
Formação aminiótica; recheio e ótica de mar.
Navega a embarcação.
Olho para todos os lados.
Flutuante... Flutuante...
Norte ou sul, leste ou oeste... ?
O horizonte afoga-se ao longe e o sol,
o sol caminha para seu líquido suicídio.
Amanhã sei... Um novo sol.
*Ao lado de poucos
outro...
?
____________________________________________________________________
28 de agosto de 2010.
Ligo os motores – preciso ganhar tempo.
O mar, essa imensidão sem ponteiros.
O tempo é meu e se faz necessário, sobrepor - me.
As marés acenam feito sereias – ondulados cabelos.
Dourados reflexos à memória do útero, afloram.
Há ondas que se contorcem entre o mar e o que sou - contrações do parir.
Cinzas são as nuvens e brancos os pássaros que acompanham a navegação.
És uma silhueta ancorada sempre em ilhas vazias na busca do outro.
- Não me venha com seus tridentes: não sou carente! Meu tempo é gasto
em outras alegorias. Depois, ainda que em agonia, gosto da solidão. Meu
escrever é solitário tal solitária o é a palavra e o teu verdejar.
34
Eu vi o amor sentado à minha frente. Mas, era todo tão feito de mar... Diluído
e distante; um esvaziar.
*Amor próprio – eus apropriados para serem amados.
____________________________________________________________________
setembro – tarde
Surto – deleto o susto.
Apalpo as ondas feito nuvens.
Às vezes, sofro gelados pesadelos. Desacorrento a espera,
desespero e grito retinas de sol; um suicídio de luz, intento.
Imenso é o mundo e sua terceira visão. Faço do impossível o real.
Meu circo tem teto de lua; meu picadeiro é a lua bocejando solidão.
Mas sei, um diamante sempre há de brilhar, preciosa vida.
____________________________________________________________________
Sábado - 11 de setembro
- tarde na barca - avanço ao continente.
Quem me acompanha...
Cruza o céu com nós de aço, um sonho de papel – pipas de Volpi.
Anda a onda à beira da barca; senhora das janelas.
Frente à porta marcada do céu, nem azul nem sol.
Chegamos.
De volta.
Comprei quatro batatas e precisei outra vez cruzar o mar.
Além, léguas e léguas de terra.
Cai a lua, sobre.
estronda o vento
balançam
as
ondas
perdido o medo
os olhos
marejam pérolas
.
____________________________________________________________________
35
05 de outubro de...
Atiro ao mar as águas que adormecem no convés.
Meu dedal tão minúsculo... Quanto mais lágrimas, maior inundação.
A cabine principal parece tomada por volumoso dolor de memórias.
Acontece de ser ao norte onde as luzes, feito estrelas piscam.
Metade de mim é mar
Metade outra, oceano.
e quando choro um rio, inundo o mundo com molhado riso.
____________________________________________________________________
8 de dezembro de 2010
atenta às ondas
marejo
sonhos
a memória inventa
versos
abrem-se encostas de esvedeadas esperanças
.
( entre o breu da noite )
____________________________________________________________________
distante e meditativo
admira o horizonte
o suicídio das ondas
nas pedras
do
mar
.
____________________________________________________________________
somente o mar
não tem direção oposta
____________________________________________________________________
Escritora e poeta; atriz e clown. Nasceu no sul do Brasil, na cidade de Rio Grande. Atualmente
reside no Rio de Janeiro. Faz da palavra... Seu norte.
36
Poema pra um café passado
Karina Limsi
Ilha Solteira - SP
Prelúdio
Chamei-o como quem chama vela
Velava-me como se fora morta
Morteiros eram os sons da fronte
A encastoar ideias de balão
/meus rimos remosos são quadriláteros
Os desejos não.
Arremedei o Rosa nos escritos
Falei do nada e das condições
Lembrei teu grão talento em coadores
Das dores que seguras com a mão.
/de agruras adormeço em boa noite
Os ensejos não.
Café é sempre boa desculpa,
Até que se passe a gostar de chá,
E passa o tempo...
...depois dos passageiros: borra e pó
E só bater solas como Carlota,
E é só passar toda uma noite só:
/pretéritos momentos dóceis
Os bocejos não.
Primeiro ato: Meu café com Dó
Olho a miudeza de botar mesa
Ao firmar olhos na chave da porta
37
Faço em mim porto de jangadas tortas,
Vejo imensidão de queixas,
Tem dó.
No rádio lamúrias,
Versos dados, querer furioso,
Pão requentado, mamão, teu chá, Astúrias,
Onde meu Cabo Verde azul-oleoso
Tem pó?
Viajei, revisitei a língua,
Joguei toalha, cereal
Fervi leite derramado,
Peguei talhado o queijo, faca na mão,
Aqui, Parí, Mogi, Lisboa, tudo vão,
Você não veio: café não.
Segundo ato: Uma tarde de Sol
Lerda, lesma, tarde,
Arde erma perdida.
Calor, furor, inquietude.
Ataúde do dia
Senhora do tempo, fodida.
Sorrateira, alarde,
Arde besta, erguida.
Torpor, sonsa corrida.
Alaúde no dia,
Tempo pra merda nenhuma, foi-se.
Terceiro ato: A madrugada em Si
Algumas pessoas são melhores nuas
Que vestidas
Já outras vão mais longe descalças
Que as calçadas.
Gozei quando ele se despiu da máscara
Sambei quando ela descalçou os saltos
Saltei asfalto afora
Horrores,
Sorri diante das verdades sujas.
Algumas pessoas são melhores frias
38
Que quentes
Já outras vão mais longe caladas
Que as queixosas.
Sofri quando não me odiou na injúria
Parti quando o dizer era menos que arma
Armei barraca e barraco
Hospícios,
Cantei diante das mentiras brandas.
Às três, a noite adormece os dedos
De tanto tocar as mesmas mandingas
Falanges que arranham meios fios,
Meios veios nas restingas,
Fios que nos postes serpenteiam ontologias,
Magias, orgias,
Molambos da madrugada em si.
Nascida em Ilha Solteira em 1988, é Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, autora do blog "Alfarrábio Falciforme" e da antologia de contos e poemas
intitulado "Contos dos que plantam árvores", com o selo da editora Patuá (São Paulo), já tendo
sido premiada/publicada na antologia do 48º Femup, no ano de 2013 - Categoria Contos - com
"Soneto suicida".
39
Pequeno tratado sobre a lucidez
Júlia Zuza
Belo Horizonte - MG
...
Disseram que eu era louca. Eu que apenas amo.
Eu que colho a presença das coisas; frontais, intactas.
Dei nome às coisas invisíveis que estão prestes a arrebentar em nós, papai.
Carrego um cavalo de patas afiadas no peito, caminho sem leme.
...
Levo o dinheiro junto ao seio, dentro do sutiã.
Tudo é perto do coração, te digo.
Tudo é demais e estranho, e eu estou só e quero me confundir com a noite.
Meus irmãos, papai e mamãe: o infinito é uma ideia fácil.
...
Choque. Choque. Choque. Vagalumes, pirilampos.
Objeto finito e sem limite: a realidade é meramente ilustrativa, não vê?
Siempre-que-te-pregunto-cuándo-como-y-donde-tú-siempre-merespondes-quizás-quizás
Padre Eustáquio e Deus também: cuidem de mim, dos meninos e da mamãe.
Amém.
...
Estou só e estou aqui, diante de vocês: eu sou o outro e o próprio.
Choque-choque-choque-choque. Sono. Choque. Quem ela essa eu?
...
É desventura o curso do mundo sem amor. Aurora dele.
Olá visitante, entre sem bater. Mas limpe muito bem os pés antes.
A minha casa sempre esteve aberta: a vida me cerca.
Sou capaz de oferecer minha única água para você matar sua sede.
...
Corro a minha espera – sempre fui quem eu era.
O motorista de ônibus me olhou nos olhos. E me viu. Ele me adivinhou.
Eu sinto esse homem aqui, aqui no peito. Desde a primeira vez, a presença
dele é inteira.
40
É uma chuva, sabe, uma chuva que não refresca. Me frutifica.
...
Nessa noite prenhe de violência, eu estou só, dentro de mim. Vou fugir daqui
sem me levar.
Minha irmãzinha, minha menina. 50 cruzeiros pro lanche que você está
muito magrinha.
...
Joaquim, meu amor. O amor me fez clara, inteira e nítida como uma mulher,
mamãe.
Eu trago o pólen da loucura, eu sigo na Verdade.
Se podes olhar, ame. Se podes ver e amar, repara.
Essa sensação estranha de existir, esse lugar e esse nome que sempre foram
meus.
...
Itajubá. Criar galinhas e cozinhar. Finalmente me sou eu.
Joaquim e a vida concreta. Não se pode viver nesse abismo da razão,
mamãe.
Amar é mergulhar de olhos abertos.
Entra, pode sentar. Meu nome é Lourdes.
Mestre em Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade de Coimbra (Portugal) e graduada
em Relações Públicas (Puc- MG). Possui poemas publicados em antologias e foi a vencedora do
concurso nacional de redação 'Meu primeiro tchibum!' promovido pela editora Cosac Naify em
2010. Ganhou o primeiro lugar nacional na categoria poesia no XXXVI Concurso Literário Felippe
D'Oliveira em 2013. Selecionada para publicação de poema no Suplemento Literário de Minas
Gerais em 2014.
41
OBRA DE FÉ [SEM LUTO]
Éder Rodrigues
Porto Velho - RO
“Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel.”
Hilda Hilst
Desde que você partiu
Eu tenho retirado
meus vestidos do guardado
e estampado o corpo
de cirandas curtas.
Não sei
se o cheiro de mofo vem deles
ou desta moldura de mulher
que agora se despe
sem temer espelhos.
Sem disfarçar o cio dos olhos
com pó compacto
e nenhum rímel.
As veias à mostra tatuam na perna,
o pesar das luzes
onde minguou prazer
e até o sentido doce
onde faltou café.
Meus pés ensaiam uma dança solo
no improvável da cama
que largo desfeita,
nesse chão sem mácula
e já sem nós.
Tenho misturado menos ingredientes
e sentido mais o açúcar
que mina de dentro.
42
Hoje num dia de missa
retirei aquele vestido preto,
próprio para vigílias
e tantas rezas.
Cortei metade dele com a tesoura
e na fúria das mãos
arranquei dois botões de cima
decotando a fartura
de solidão e seios.
Impróprio ele foi se ajustando.
Disfarçando a gordura dos anos,
a mornura dos sonhos,
os dedos que agora avançam
e até a febre que nunca
tinha usado rendas.
Esqueci um pouco de deus
Joguei os comprimidos de dormir fora
Quero estar viva
quando o vestido chorar
águas que não serão de morte.
Pinto a boca com um viço de carne.
Sinto o gosto do batom,
provo dele com a língua.
Os saltos que achava
não servir por desuso
me mostram o perto das estrelas.
Não sinto saudade de casa.
Não tenho notícia dos filhos.
Sou eu esta mulher que parte.
Agora-instante bendita sois!
É minha a voz que arde
por nenhum romance
Pela herança dos vestidos
que deixo para ninguém.
Tenho preparado menos confeitos
e desejado mais o doce
que açucara por dentro.
43
Sigo sozinha, deserta pois.
Sem um véu
que escureça meus presságios.
Sem nenhuma lágrima de mulher
pingando no tecido.
Com um sentimento caseiro
no fundo de mim,
acaso o mundo costure as faltas
que você deixou
Ou borre
no meu lábio pintado
este gosto sereno
em dizer a-deus.
Escritor com trabalhos de difusão da literatura e do teatro pelo país. Atua como poeta,
ficcionista e dramaturgo. Premiado em certames do Brasil e do exterior.
44
Tese, antítese e síntese... (apenas fragmentos)
Ludymila Johann Borges
Paranavaí - PR
I–
Eu sou triste.
O que eu tenho não me vale de muita coisa.
Eu fracassei.
Eu queria voltar no tempo
para poder rir mais do meu testamento.
E que desperdício o dos meus pais...
me deram todos os sonhos do mundo
e eu os transformei em pesadelos.
Quanto mais eu queria viver fora,
mais eu me pregava nas três paredes
de um asilo.
Diziam que eu tinha conteúdo,
mas,
era pura forma,
fantasia.
E a cada palma que eu recebia,
mais doía o barulho do meu vazio,
do meu rio
(seco).
O som (quase...?) se propagou
no vácuo.
Para quem é triste,
tudo é noite,
mulher,
cerveja
e whisky.
Tabacaria.
45
Mas, agora, tanto faz sol ou lua,
já estou bem velho e já me alegra
o fim do meu açoite.
Antes eu estivesse na rua
da amargura,
ou que eu fosse um “peão de trecho”.
Há um perfume e uma música que...
Que saudade
do que não era para ser meu...
“Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer”.
“Crer em mim? Não, nem em nada”.
II A saudade é sentimento maldito
que troca a felicidade pela tristeza,
(pois o presente não pode voltar!)
e que não reconhece que para tudo há um tempo,
até um tempo para, a exemplo do vento,
ser simplesmente um sopro.
“A saudade é a boa mascara da maldade”
que sempre dá o troco,
que sempre chega atrasada
e diz:
“v o c ê j á f o i f e l i z”.
A saudade recolhe as migalhas de um caminho
e com um giz hipnotiza
aquele que não pode dar um pequeno voo.
E ao estrangular o nosso pescoço
observa calmamente a nossa agonia
e grita baixinho:
“lembra-te um pouco mais D A Q U E L A alegria”.
46
Amigo,
a saudade é entulho,
é coisa de mendigo.
Para a saudade,
tudo é alegria.
Para a alegria,
tudo é cego
(ou cinza).
A saudade não consegue ver nada.
A saudade nada é.
III –
Olha,
se vivêssemos apenas o “hoje”,
o horizonte não marcaria a eternidade
como uma medida inalcançável.
Não haveria céu,
não haveria inferno,
não haveria flores,
não haveria saudade,
e
“mais o sistema solar
e a Via Láctea
e o Indefinido”:
e o “mau tempo e os temporais”
estariam entre as “circunstâncias mais favoráveis”
ao amadurecimento!
Dia disso,
dia daquilo,
dia daquilo outro,
eterno retorno
(da mesma)
tortura.
A música,
a roda,
os números,
enfim.
47
Síntese:
depois que tantas árvores se secaram,
só me resta aguardar...
sorrindo.
É novembro.
Fragmentos.
Flores.
Alegria agora,
e
“enquanto o Destino mo conceder”.
Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados, apreciadora da Arte,
participa eventualmente de concursos de poesias. Premiada no FEMUP 2013 na categoria
poesia.
48
nu (ou tudo que eu tentava dizer era verso)
Roberto Gonçalves
Paranavaí - PR
"a pintura é poesia muda; a poesia, pintura cega”.
(leonardo da vinci)
(i.) “non omnis moriar” (1)
nu
escrevo versos
devo
(d) escrevê-los?
(talvez)
me . . . . .
.
.
.
.d
.e
.r
.r
.a .m .o
cada gota de tinta
(sem cor)
flameja
o sopro quente
que ainda queima...
pinto
(em palavras)
o sorriso enigmático de gioconda
que se esconde
por entre a vida
que ainda gera morte
(e insiste arder dentro de mim)
“não faço mortalha colorida.” **
(ii.) “rari nantes in gurgite vasto” (2)
nu
escrevo
diluo pensamentos
em doses
................................… h... o... m... e... o... p... á... t... i... c... a... s....................................
49
em preto
de palavras
para serem ingeridas
gota
.
.
.
a
.
.
.
gota
pensamentos que alumiem
a escuridão dos olhos
e aqueçam os corações
repudio
a devastação bélica
que pablo concebe
e
e traços amarelados
guernica!
a minha pintura
sombria
dramática
suja
corresponde
a verdade mais profunda
que habita
no íntimo
que cobre a miséria do dia a dia
com o colorido das orgias
profanas
“debruço-me sobre este misterioso poço,
insondável,
que existe em cada homem.” **
atordoado
previno
evito
o salto
50
(em trevas)
branco
(em palavras)
no
ab
is
m
o
da vida
que ainda gera morte
(e insiste arder dentro de mim)
“our life is made by the death of others”*
(iii.) “semel emissum volat irreparabile verbum” (3)
às vezes sou isso
um lixo
para os padrões
não pinto o que vejo, mas o que sinto
amanhã nem sei
se era isso que eu queria escrever
mas agora
quero!
posso me sentir blasé?
posso achar as estrelas podres?
o luar insuportável?
o mar enojador?
o canto da sereia irritante?
posso?
eu escrevo pra mim!
pra mim?
(ledo engano...)
quer ler?
que leia, então!
palavras sem nexo
baseadas no léxico
são apenas um reflexo
deste paradoxo da vida
que ainda gera morte
(e insiste arder dentro de mim)
sob o céu
vermelho-sangue
diSFoRmE
exprimo
51
o que atormenta
a minha alma
gritO!
toque em mim
sinta em minha pele
todo furor
das palavras
que saem pelos poros
e
s
c
o r r e m
pelo papel...
eu sei sussurrar palavras
mas agora
quero apenas
vomitá-las!
“eu não nasci para enfeitar o mundo...” **
(iv.) “consummatum est!” (4)
não espere que eu seja
molde para moldura
do seu quadro predileto
...
:pa:
:ra:
:ficar ali pregado:
:pen:
:du:
:ra:
:do:
...
(maldito!)
na parede
da sala de estar
(do seu ego)
toda vez que passar por ali
eu!
(como você quer)
olhando
sigo-te passo a passo, quase como a tua sombra
52
sangrando...
(como quem salva a tua alma)
não!
quero fugir da mesmice
de ser o mesmo
todo santo dia!
quero deixar
de ser escravo
dos pensamentos alheios!
homem que come gente
(sugam mentes)
aba
pora
ú
quero viver
a consciência vívida
que impus
aos meus próprios ombros
na berlinda que me expõe
ao escárnio
ao sarro
ao gozo
ao delírio...
fracassos expostos
à vergonha da vida
que ainda gera morte
(e insiste arder dentro de mim)
“eu pinto porque a vida dói” **
(v.) “tempus edax rerum” (5)
ah o tempo...
(olho na ampulheta: ainda há tempo!)
o tempo
(!!flácido??)
se curva sob a gravidade
enquanto relógios
(que persistem em minha memória)
derretem
ante o mar...
53
o tempo é um andarilho
que nunca para
guardião da vida e da morte
sempre a espreita
cheio de enigmas indecifráveis
destrói fantasias
desafia o poeta
exposto
nu
quer devorar-lhe a emoção
ele
(o poeta)
pinta o que esvoaça em sua mente
(o poeta é um pintor
pinta sua tela
com palavras)
ilude a realidade
“ela é a esfinge que nos devora.” **
ele
(o poeta)
édipo
imobiliza o tempo
celebra a vida
que ainda gera morte
(e insiste arder dentro de mim)
“o pintor é o mágico que imobiliza o tempo.” **
(vi.) “veritas odium parit” (6)
gosto de escrever
(verdade!)
é só pintar
tudo em cores
alegres
ou.........................................................................................................não!
sou
antiestético
antiético
tétrico
(talvez)
mas sou todo eu
aqui
agora
54
eu!
“hic et nunc” (7)
não!
não vou rasgar o papel
vou rasgar o verbo!
não adianta insistir
vai do jeito que está
explícito!
(ame ou odeie)
a massa cresceu
(assou por baixo)
a forma pequena
não suportou
(tanta coisa dentro)
transbordou...
(e ninguém poderá cortar em fatias)
comam!
sem sal (insossa) sem tempero
comam!
“é preciso que o que está dentro do artista amadureça no vagar do
tempo.” **
(vii.) “verba volant, scripta manent” (8)
dispo-me de conceitos
avaliações
tempestuoso
dispo-me de seriedades
nu
brinco de amarelinha
atiro a pedra
atinjo o céu
paciente
na vigília
do ácido que modela
imagens interiores
insone
frente à tela
55
(evito o inferno?)
no frenesi da criação
sou a minha própria nota
correndo
por entre
os girassóis de van gogh
sem roupa
sem adorno
sem adereços
sem tinta
simplesmente...
nu
exposto a vida
que ainda gera morte
(e insiste arder dentro de mim...)
“quidquid tentabam dicere versus erat” (9)
“eu não nasci para enfeitar o mundo. eu pinto porque a vida dói” **
*leonardo da vinci
** iberê camargo, professor, gravurista e pintor
- expressões em latim: (1) ”não morrerei inteiramente”; (2) “poucos nadando no imenso abismo”;
(3) “a palavra uma vez pronunciada voa irreparável”; (4) “tudo está consumado”; (5) “tempo
devorador das coisas”; (6) “a verdade gera ódio” ; (7) “aqui e agora” ; (8)“as palavras voam, os
escritos permanecem” ; (9) “tudo que eu tentava dizer era verso”.
Servidor Público Estadual. Formado em Letras e Pós-graduado em Língua Portuguesa e
Literatura. Faz parte da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Participou da 1ª Coletânea
Literária de Paranavaí com o conto “O Tato e o Laço de Fita”. Sua primeira vez em concursos foi
no Varal Literário/FAFIPA em 1999 no qual foi premiado em conto e poesia. Participa do Femup
desde 2000 sendo premiado algumas vezes em conto e poesia, além de música e declamação.
56
Relatório (poético) de mortes vividas (!)
Mario Lousada de Andrade
Terra Rica - PR
Estou rodeado de mortes
(Ferreira Gullar)
1 - Da infância e cores...
[ Tinha n´alma
uma sonora
aquarela
e vivia
a tonalizar
utopias...]
Era uma vez
num tempo bastante ausente
um corpo presente
a combater com cores
as “elegias-dores”
que se espalhavam
(ecoavam)
em“ventos-prantos”
criando “moinhos de vento”
e me exigindo ter um domQuixote [!]
a nutrir nas veias a
fantasia
e a plantar bem lá no raso do peito
sementes de poesia
57
Era uma vez
uma “Infância-ânsia”
que entre pincel e tinta descobria formas e
construía fórmulas
reformuladas a cada dia
pela inalcançável busca de uma Quimera
[distante...]
“homo fictus”
Era uma vez
uma “criança-homem”
amamentada
pelo leite da ficção
(coloria sonhos
coloria
todos os moinhos
de vento...)
Era uma vez
(portanto)
uma sonora aquarela
e sonhos
(utópicos)
que a morte impiedosamente
um dia
ousou arrebatar(...)
Era(tudo)
- uma vez...
2 - Da juventude e amores...
um grande vício da
juventude
era riscar o chão
com corações abarrotados
de desejos
58
e cravar-lhes flechas
repletas
de
pretensões...
:: :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: ::
Amadurecia-me
[escandalosamente]
o corpo
enrijecendo a carne que
[inopinadamente]
se estabelecia a cada dia:
cálida
pálida
e fria (!)
Nutria
versos rítmicos e
melancólicos
saltando
soltos
e loucos
no outonizado jardim do peito.
Então eu amanhecia de noites
densas
deliradas
em primaveras largas
suando
cantigas
suavemente
amorizadas.
E salgava-me em serenatas
(in)completas
soletrando
os hipnotizantes sorrisos que
me aprisionavam
59
em campos floridos por versos
(íntimos)
compostos no latente eufórico
dos suspiros
poéticos
- e desconfortante saudade
Nutria a incompletude
de um corpo
pagão
afogado em amores sem cores
Nutria um pecado sem culpa
e coleções de corações
mutilados
(MORTOS)
podres e
silenciados Sentia as dores
dos amores
se deslocando
e adormecendo em túmulos
- sem flores!
Nutria visões, tensões
tesões
[A-LU-CI-NA-ÇÕES]
e triturava o próprio corpo
(em vão)
no são segredo
embriagado (!)
(No chão
os corações que rabisquei
se apagaram
restando somente
as flechas
que os cortavam ao meio)
60
3 - Das composições e outonos...
[Amareleciam
as folhas em estado já
de maturidade
e, como que fartas,
desciam...
tocavam o chão e
(num gesto final de movimento)
se incorporavam...]
Os outonos compunham tônicas
reverberantes
sinfonias rimadas e saltitantes
deixando em cada canto um
Dó
carregado de nostalgias
agudas (!)
Os outonos compunham
sílabas aéreas
plantavam no ar teias bem
tecidas
de distorção
e, localizando brecha,
envenenava poesia no duro
peito
E, no tapete das folhas outonizadas,
minhas lembranças pisavam tangos
em passos lentos,
sincronizados
extraordinariamente bem cravados...
“Os outonos vinham sempre carregados de sussurros”.
Como demoníacos feiticeiros
faziam renascer todas as cores já sepultadas
materializavam
todos os “moinhos de vento” e
61
sonorizavam outra vez
todas as serenatas da juventude
e seus (mal)ditos amores...
Ah,os outonos...
Tiravam
de mim
os versos mais
tolos e ridículos [!]
- De cada outono carrego uma morte!
4 - Das conclusões (?)
A morte se faz tragável
(!)
A morte espreita a vida
e a alimenta
- por puro interesse!
“A vida é o emprego da morte”.
Das minhas mortes
vividas
carrego as dívidas
impagáveis
das permissões...
E meus mortos são vingativos
se levantam de suas tumbas e me
cobram,
assombram,
eles se “auto-ressuscitam”
(sobretudo nos outonos)
E me iludem,
me infernizam
e, em pungentes gargalhadas,
morrem...
62
Meu relatório não passa de uma psicose
inconclusa.
Estou vivendo e,
assim espero,
ainda tenho muito para morrer...
Formado em Letras. Atualmente cursa mestrado em Letras (Estudos Literários) e desenvolve
pesquisas relacionadas a figura do leitor no atual contexto da convergência. Foi classificado na
46ª edição do FEMUP na categoria Poesia - fase regional. Durante a graduação teve três contos
e quatro poemas classificados no Varal Literário, evento organizado pela Universidade Estadual
do Paraná, campus Paranavaí (UNESPAR/FAFIPA).
63
CONTOS
64
COMISSÃO JULGADORA
PAULO MARCELO SOARES DA SILVA, Curitiba - PR
Bacharel em Direito. Licenciado em Geografia. Participante ativo e vencedor de alguns dos
primeiros Festivais de Poesias de Paranavaí. Vencedor do 1º Concurso de Contos de Paranavaí.
Menção Honrosa nos 15º Jogos Florais e nos 19º Jogos Florais de Barreiro – Portugal. Menção
Honrosa no 1º Concurso de Romances Juvenis da Academia Paranaense de Letras. Contos
publicados pela Empresa Tipográfica Casa Portuguesa de Lisboa e pela Casa da Cultura dos
Trabalhadores da Quimigal, Barreiro, Portugal. Autor do livro História de Paranavaí, publicado pela
Prefeitura Municipal de Paranavaí (1988), e dos livros O Lendário Capitão (2012) e Xondó e o Furto
da Vassoura (2013).
ANDERSON POSSANI GONGORA, Marilena - PR
Possui Graduação em Letras (2002) pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de
Paranavaí - FAFIPA - atual UNESPAR (Universidade Estadual do Paraná - Campus de Paranavaí), Pósgraduação em Intertextualidade nas Literaturas de Língua Portuguesa (2003) pela mesma
instituição, Mestrado (2007) e Doutorado (2014) em Letras pela Universidade Estadual de Londrina
- UEL. É professor no Colégio Estadual Princesa Izabel - E.F.M. Tem experiência na área de Letras,
com ênfase em Língua Portuguesa, Inglês e Literatura, atuando principalmente nos seguintes
temas: imagem, violência, identidade, sexualidade, cidade, teatro-ficção e literatura
contemporânea.
ANA CLAUDIA PASCHOAL, Paranavaí - PR
Professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Formada em Letras pela FAFIPA (atual
UNESPAR, campus Paranavaí=PR), em 1998., com especialização em Literatura Brasileira pela
UNESPAR e com mestrado em Literatura Brasileira pela UEM – Universidade Estadual de Maringá.
Foi professora colaboradora da disciplina de Literatura Latina no curso de Letras da Unespar (2000 a
2007) e professora de Análise Literária de Textos Bíblicos no Curso de Teologia da PUC – Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (2008-2011). Atualmente, lecionando no Colégio Paroquial Nossa
Senhora do Carmo.
ANDREIA DO NASCIMENTO, Paranavaí - PR
Graduada em Letras (FAFIPA/2005), especializada em Métodos e Técnicas de Ensino – Tópicos
Especiais de Metodologia de Ensino de Comunicação e Artes (UTFPE/2009), ganhadora do premio
no VIII Varal Literário (FAFIPA/2005) na categoria “Crônicas”. Apreciadora de todas as belas-artes,
contudo obcecada pela sexta arte: a literatura, pois acredita que essa seja uma ciência que leva o
saber.
RAFAEL PETERMANN, São Carlos do Ivaí - PR
Graduado em Letras pela FAFIPA e aluno do mestrado em Estudos Linguísticos na Universidade
Estadual de Maringá. Professor de Língua Portuguesa e Literatura no Grupo Educacional Fatecie e
no Colégio Sesi, ambos em Paranavaí. Participou do projeto “Literatura, Memória e Oralidade:
práticas narrativas da região noroeste do Paraná”, coordenado pela Professora Elmita Simonetti
Pires. Integrou a comissão julgadora do FEMUP em 2010 (conto) e em 2013 (poesia).
65
CONTOS - FASE NACIONAL
CONTOS - FASE REGIONAL
Cristina de Abreu
Cristina Leite
O amolador de facas
Niterói - RJ
O sangue da rosa
Paranavaí - PR
Roberto Gonçalves
Renato Benvindo Frata
In manus tuas
Paranavaí - PR
Azarinho e o Caga-fogo
Paranavaí - PR
Antonio Neto
André Van Dal
Bestiarii
Santa Maria de Jetibá - ES
Metamorfose floral
Paranavaí - PR
André Moreira Felix
Como Bukowski ao estilo Hitchcock
Paranavaí - PR
Tanussi Cardoso
Sobre o sangue
Rio de Janeiro - RJ
66
Como Bukowski ao estilo Hitchcock
André Moreira Felix
Paranavaí - PR
Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia o analista que a
espera é uma das coisas que faziam as pessoas ficarem loucas?
Esperavam para viver, esperam para morrer. Esperavam para comprar
papel higiênico. Esperavam na fila para pegar dinheiro. E se não
tinham dinheiro, precisavam esperar em filas mais longas. A gente
tinha de esperar para dormir, e esperar para acordar. Tinha de esperar
para se casar e para se divorciar. Esperar pela chuva e esperar pelo sol.
Esperar para comer e esperar para comer de novo. A gente tinha de
esperar na sala de espera do analista com um monte de doidos, e
começava a pensar se não estava ficando doido também.
– Pulp; Charles Bukowski
I
Deus está morto. Mas eu não tive nada a ver com isso. Ele já estava
morto quando acordei essa manhã. Apenas não recolhi os seus pedaços
enquanto me levantava. E o que posso dizer? Acho que ficamos quites com isso.
Mas era mais uma manhã de calor insuportável e eu não tinha nada para fazer.
Poderia arranjar um emprego, mas ninguém arrumava um emprego naquela
época. Não que me importasse muito, só que a cerveja estava acabando e,
talvez eu já tenha dito, estava insuportavelmente quente. De algum lugar
empoeirado da espelunca aonde estava morando faziam algumas semanas,
minha velha máquina de escrever queria ter uma palavrinha comigo. Desculpe
querida, não consigo escrever de estomago vazio, preciso beber algo. Por isso
apenas sai de casa naquela manhã.
No corredor do cortiço encontrei um jornal de três dias atrás jogando
em um canto para servir de cama aos gatos nojentos que vinham dormir ali.
Não me entendam mal, não tenho nada contra gatos, mas se vinte gatos vêm
namorar e defecar na porta de sua casa você também teria sérias ressalvas
quanto a gatos. Apanhei-o e a primeira página já me disse tudo o que existia de
errado com o mundo. Você nunca precisa ler o jornal inteiro para saber que está
no pior lugar do universo, basta as manchetes. A notícia mais quente era de um
grã-fino sustentado pela mulher que tentou contratar um amador para matar a
infeliz, só que o cara se deu mal, e a mulher (nada feia por sinal) acabou
enfiando uma tesoura no assassino. Isso já seria uma reviravolta suficiente, mas
o desgraçado do marido tentou fazer o assassino se passar por amante da
67
mulher e transformou o crime de legitima defesa em um homicídio qualificado.
Felizmente para a dona, pulando alguns fatos inúteis, o investigador ( junto com
o verdadeiro amante da esposa!) conseguiu pegar o marido com as calças na
mão. Agora me diga: você lê algo assim logo depois de acordar nos jornais e
como pode não precisar de uma bebida? Joguei o jornal em frente a uma porta
qualquer, outra pessoa pode fazer bom proveito, e atravesso a entrada
correndo antes que o dono me veja: estou há quatro dias atrasado com o
aluguel.
No mercado quase precisei sair nos socos com o caixa que não me
queria vender fiado até eu pagar minha dívida. O mandei para o inferno e além
das cervejas apanhei uma garrafa de whisky para mostrar quem manda. Ele
chamou o gerente e eu xinguei sua mãe. O gerente era um judeu baixo, que
falava mais baixo ainda, e deve ter ficado com medo da minha cara de louco,
porque me deixou levar a bebida desde que nunca mais voltasse. Não me
deram nem uma sacola para pôr a bebida quando sai e por isso cuspi na porta.
O dia avançava e a droga do calor ia aumentando. Abri uma lata de
cerveja e peguei um desvio pelos becos, onde era sempre úmido e sombrio. E
foi quando eu a vi. Um anjo, no meio das garrafas vazias e dos sacos de lixo que
se espalhavam com seu cheiro podre por toda parte. Uma loira com um vestido
que dizia “não sou daqui”, um bom corpo e aqueles dentes brancos serrados
que nunca tinham tido uma carie na vida.
Ela se contorcia histérica, balançando os braços freneticamente e
tentando afastar os pombos nojentos que por algum motivo estavam furiosos
com ela. Vi que ela estava à beira das lágrimas. Retirei a camisa e corri na direção
dela e daqueles ratos com asas, balançando a camisa no ar como um idiota e
gritando algum coisa estupida feito “saiam, saiam”. Não sei porque fiz isso,
normalmente não ligo para os outros e definitivamente não faço o tipo do
príncipe na merda dum cavalo branco. Provavelmente foi por causa do
contorno dos seios dela, volumosos, que eu divisei balançando assustados.
Quando finalmente afastei aqueles animais malditos não tive
coragem de olhar para ela, percebendo o tamanho da situação ridícula em que
estava e sem camisa. Não sou atlético, odeio caras atléticos com seu visual que
esbanja saúde e dinheiro. Sou doentiamente magro, com centenas de cicatrizes
costuradas nas costas por causa das espinhas monstruosas que tive na
adolescência. Entretanto, algo no som da respiração me fez virar depois de um
tempo. Ela me olhava, lágrimas realmente caiam de seus olhos e existia um tipo
de curiosidade aliviada misturada com um temor de ter topado com um louco
me julgando naquele olhar. Quis manda-la para o inferno, mas percebi que
estava sangrando na testa e naquele que era o rosto mais lindo que eu já vira em
toda minha vida. O vestido também tinha buracos de bicadas. Era um anjo
68
machucado e perdido no lixo. Não sei o que me deu. Burrice momentânea
talvez, mas eu disse:
– Vem comigo.
II
Eu não pedi para nascer. Se alguém tivesse me dito que a vida era isso
eu teria socado o saco de meu pai por dentro ou passado a vez para algum
outro infeliz. Lamentavelmente o mundo está cheio de cretinos que pensam
como eu, e como eu, não podem fazer coisa nenhuma quanto a isso. Nem todos
têm a sorte de nascer do jeito certo como ela: linda e rica, ou apenas linda, o que
é o suficiente para atrair um idiota rico, ou seja, a mesma coisa. Ela não me disse
que era rica quando eu a enfiei no meu quarto mofado, pequeno e com
infiltração, mas a forma como seu olhar acusava cada centímetro ao seu redor e
o vestido caro que usava lhe entregaram. Ela sentou na única cadeira do quarto
e eu lhe dei um pano que molhei no banheiro para limpar o sangue. Depois abri
o whisky e joguei algumas gotas nas feridas. Ela gemeu de dor e foi o gemido
mais lindo que ouvi na vida. Precisei sentar na cama para ela não perceber
minha “felicidade” com aquilo.
– Você não é daqui – eu disse depois de um silêncio constrangedor. É,
eu também não sou muito esperto.
– Estou de passagem – respondeu baixinho, quase tímida, não fosse
pelos olhos.
– De quem está fugindo? – Perguntei de uma vez, abrindo outra
cerveja.
– Não estou fugindo de ninguém – respondeu ela assustada. – É
melhor eu ir embora. – Foi dizendo, se levantando.
– Não vai me agradecer por ter salvo você? – Indaguei irônico, estava
começando a ficar com raiva dela.
Ela hesitou parada no mesmo lugar, parecia confusa.
– Obrigada – de novo a voz baixa.
– O que diabos aconteceu? Pombos simplesmente não atacam
pessoas.
– Eu não sei, foi de repente – ela estava novamente assustada. – Eu...
nunca estive para esse lado. Devem ter me estranhado.
– Os pombos estão literalmente cagando para a gente, dona. A
humanidade inteira é estranha para um pombo.
– Eu... eu... já vou embora. Obrigada de novo – ela se encaminhou para
a porta. Parte de mim queria que ela fosse, outra parte, por outro lado, a burra,
se apressou, antes que ela desse os dois passos e meio que levavam até a porta.
69
– Você pode ficar aqui.
Ela estacou indignada.
– O que?!
Aquela vaca burra, me deixou constrangido.
– Eu quero dizer... se esconder aqui. Seja lá de quem esteja fugindo,
nunca vão pensar em procurar alguém como você em um lugar como esse.
Ela abriu a boca para me mandar a merda, quando pareceu pensar
melhor. Realmente um anjo entre o lixo é algo que ninguém espera.
– Por que acha que eu estou fugindo?
– Você é boa demais. Nem prostitutas de luxo aparecem por aqui.
– Deveria ficar lisonjeada?
– Sim.
Ela pensou.
– Seria estranho eu ficar na casa de um desconhecido.
– Não sou estranho, eu salvei você dos pombos. Estranho foi o que
aconteceu com o Charles.
– Quem é Charles?
– Um infeliz que morou aqui. A polícia o confundiu com um bandido
que roubava lojas. Ele ficou vários meses preso sendo inocente, perdeu
trabalho, arrumou problemas com a esposa. Só foi solto quando pegaram o
verdadeiro culpado.
– Por que está me contando isso?
– Porque sim, droga. Absurdos acontecem, esse seria só mais um. – Ela
pareceu hesitar, e hesitou por tanto tempo que me irritou de verdade. – Sentese e pegue uma cerveja ou vá embora de uma vez, maldição!
E para minha surpresa, quem diria?, ela sentou!
III
Não importa se você já foi para França, se viu o pôr-do-sol de
centenas de praias pelo mundo, se têm uma tela original do Van Gogh na sua
sala para exibir para seus amigos metidos, nem se seu filho tem o sorriso mais
puro do mundo, nada, absolutamente nada é mais bonito que uma mulher sem
roupa.
Eu não cansava de observa-la se mover. Quando não estava em cima
dela ou era ao contrário, eu a seguia com os olhos pelo quarto, enquanto ia até
o banheiro ou pegava mais bebida para nós, sempre pelada. E se eu achava que
seus seios era perfeitos não cheguei nem perto da verdade. Ela era toda peito,
toda bunda, e toda dura. Ficávamos na cama o dia inteiro e quase toda a
70
semana.
Ela não saia de casa mais. Nos primeiros dias houveram algumas
breves e esporádicas saídas, mas ela ficava sempre apreensiva e não demorou
para que eu ficasse também. Alguns novos moradores chegaram ao cortiço e
eu os evitava. Quando não era possível eu os encarava como se quisesse matar
sua família inteira. Na rua sentia olhares me seguindo, embora nunca houvesse
encontrado nenhum. Entretanto, sei que não foi mera paranoia os carros pretos
que peguei deslizando quase mais devagar que os pedestres pelo bairro nos
últimos tempos e com muita frequência. Algo estava acontecendo. Algo
grande. Algo que ela não me contava. E com o tempo parei de perguntar. Não
queria perdê-la. Cara, nada deixa um homem mais burro que um belo par de
tetas.
Depois de algumas semanas diminuímos o sexo: eu já estava ficando
esfolado. Passamos a observar pela janela o que acontecia nos quartos
pequenos e abafados dos cortiços vizinhos para passar o tempo. Esse é o
problema dos cortiços: construções aglomeradas, mal iluminadas e que
abrigam todo tipo de louco. Gostávamos de tentar adivinhar a vida dos
moradores e inventar histórias emocionantes que com certeza eram mais
interessantes que suas vidas miseráveis e bizarras. Vimos muita esquisitice, mas
a única realmente interessante que chegamos a testemunhar foi o assassinato
da mulher de um cacheiro viajante que morava bem em frente à nossa janela.
Ouvimos seus gritos, ainda que a luz tivesse apagada e no dia seguinte
encontramos o jardim revirado. A pobre mulher nunca mais foi vista. Não fomos
os únicos que ouvimos os gritos, mas ninguém chamou a polícia. A polícia
nunca aparecia por essas bandas, e no fundo, a polícia queria mais é que
morrêssemos todos.
IV
Não se passou nem um mês que eu havia conhecido o paraíso,
quando a realidade veio novamente esfregar sua língua sifilítica na minha cara.
O dono do cortiço vinha cada vez com mais frequência esmurrar minha porta
pedir a droga do aluguel atrasado, de modo que não tive escolha a não ser sair
para procurar um trabalho. Mas já devo ter comentado que trabalho é algo raro
por essas bandas, e dia após dia eu ia lamber o sapato engraxado de esnobes
que me chutavam por diversão os fundilhos. Ela ficava mais apreensiva com o
passar do tempo. Sair da segurança do cortiço era algo que a apavorava, e foi
quando eu percebi que se não arrumasse um emprego logo ela me deixaria,
fugiria em busca de outro lugar seguro.
E foi o que aconteceu. Ironicamente, descobri que ela me abandonara
71
no final de um dia de cão, quando finalmente havia encontrado trabalho em um
matadouro e sido obrigado a carregar as carcaças ensanguentadas de vacas
por todo o maldito dia. O quarto estava vazio, apenas um bilhete dizendo adeus
ao lado de minha velha máquina de escrever naquele mesmo canto
empoeirado em que eu a havia esquecido. O estranho é que não fiquei triste. Eu
nunca tive a ilusão de que um avião daquele ficaria encalhada com um
perdedor como eu. Foi o melhor para ela. Continuei no matadouro até ter o
bastante para pagar a porra do aluguel e nunca mais voltei para aquela droga
de emprego.
Mas a reencontrei algumas semanas depois. Ou melhor, reencontrei
sua foto, em um jornal que também era usado pelos gatos do cortiço.
Novamente a notícia de primeira página. Meu anjo havia sido morta em um
chuveiro por facadas em um motel qualquer no meio de lugar nenhum. Ela
estava sendo procurada por roubar o marido, um figurão ligado ao crime
organizado. Preciso admitir, eu até fiquei triste em saber da morte dela, mas
fiquei ainda mais puto do que triste. A vadia tinha uma grana enorme escondida
em algum lugar e nunca dissera uma palavra enquanto eu me matava para
arrumar um emprego para pagar o aluguel.
E que droga de calor insuportável fazia naquela manhã!
André Moreira Felix é graduando do curso de Letras, na UNESPAR\FAFIPA e
Paranavaíense desde sempre. Essa é a terceira vez que participa do Femup. Escritor por teimosia,
deve sua formação nas palavras por ser um leitor por vocação.
72
O Sangue da Rosa
Cristina Leite
Paranavaí - PR
1
A tez lívida sorria, deixando o passado em meio a terra no estio.
Lágrimas não mais vertiam dos olhos. Somente as do coração.
Vermelhas.
Desenhava no ar o sonho de ser professora, viver com a mãe e cuidá-la
para sempre. Comprar doces de todas as cores.
Pela primeira vez sentia a brisa de um vento suave roçando seu corpo
árido.
Partiu sem olhar para traz.
2
Dezoito meses antes
Ninha. Era assim que ele lhe chamava enquanto alisava com as mãos
grossas os cachinhos cor de ouro dos cabelos e os braços, subindo pelos
ombros delgados. E por sua inocência.
O homem de cinquenta e poucos anos, com a boca entreaberta arfava
suorento.
Em instantes pedia que a pequena sumisse rápido dali, lhe entregava
um saquinho de doces enquanto pigarreava o fumo de rolo suspirando o prazer
frente a pequena desconcertada.
3
E lá ia ela, correndo corada, nos seus doze anos, se escondendo do
mundo e de si mesma . Lembrava de quando o conheceu, e ele prometeu
plantar uma arvorezinha de rosas só para ela. Chamou-a de santinha.
A menina havia deparado com seu casebre solitário enfeitado apenas
por uma roseira, quando colheu uma flor e o matuto lhe trouxe leite quente na
caneca, afagou seu abandono pela mãe, e aquietou sua melancolia.
4
Antonia voltava silente ao seu lar, tocava com fé a santa na parede
rogando que trouxesse sua querida mãe de volta, e não a deixasse morrer.
Todos os dias.
73
Os olhos da santa pareciam incendiar a prometer-lhe um clarão de luz.
Morava com a tia Aurora desde que mãe havia partido para cuidar da
vida jurando para a santa que voltaria.
Deitava pensando em não mais ver o velhote. Algo lhe corroia dizendo
que aquilo não era bom, mas o aconchego que ele lhe dava parecia feitiço.
Expurgo da dor.
Adormecia o conflito com o temor da surra que a tia lhe daria se
descobrisse.
5
Aurora, antes que o sol raiasse saia para lavoura. Trabalhava feito
homem, e só deixava o serviço por chuva. Mas por lá pouco chovia.
Aos sábados comprava uma garrafa de bebida e passava horas em
baixo da frondosa mangueira a folhear antigos livros com ar de fastio, como
quem honra a própria amargura.
Antonia bulia no fogão à lenha, aquecendo nacos de pão e recheando
com carne de porco conservada em latas de banha.
No fim do dia Aurora recolhia tudo cambaleante, falando sozinha.
Deitava, revirava na cama e quase sempre vomitava o excesso da bebida
ingerida.
O quarto cheirava mal, mas a pequena quedava-se inerte, com medo
da reação da tia.
No dia seguinte Aurora limpava o rancho, fazia comida e sentava-se a
contar histórias esquisitas. Dizia que quem entrasse no mato vizinho da casa
desaparecia, pois lá haviam cobras de metro que engoliam pessoas inteiras.
Levava-a para tomar banho de cachoeira e era a única hora em que se
via ela sorrir. Contava que nunca iria ter filhos e um dia compraria batom de
todas as cores. Antonia lhe abraçava com os olhos úmidos, agradecendo por ter
com quem ficar.
A tia enquanto secava o corpo, também a alma secava. E dizia que
rezassem pela volta da mãe, pois promessa não cumprida vira castigo. E dos
feios.
6
Nova semana, Antonia em suas andanças a visitar João Gabriel.
Contava-lhe fantasias, a saudade da mãe, o sonho de ser professora.
Tinha pouco estudado, mas guardava sua primeira cartilha. Com
devoção.
O matuto pouco se importava com isto, mas dava-lhe trela e prometia
trazer-lhe livros de histórias encantadas. E protegê-la.
74
7
Numa tarde ela chegou ofegante, encontrou-o estranho, com um
brilho diferente no olhar. Logo pegou-a no colo, acarinhando suas magras
pernas com rapidez.
Ela não entendendo o que estava acontecendo e paralisada pelo medo
do desconhecido, não correu e nem gritou. Mesmo porque ninguém ia ouvir se
gritasse.
O ébrio em instinto animal, repetia com a voz enrolada: - Perdoa
Ninha, perdoa minha menina... culpa de quem deixa mocinha bonita igual você
solta por aí... É perigoso.
Ela assustou com a respiração do homem, enquanto ele sussurrava que
ela tinha o provocado e ia merecer uma surra de sangrar as pernas se alguém
descobrisse ou a tia ia lhe soltar na mata das cobras.
Aproveitou o momento e perguntou se ela já tinha sangrado alguma
vez, e ela não sabendo o que era isto assustou ainda mais.
Ele desatou um saquinho e ofertou-lhe uma corrente com um pingente
prateado. Por um segundo, um laivo de ternura pareceu perpassar sua
expressão. Mas não era homem de remorsos.
Ela se foi, ele deitou e roncou, para acordar mais tarde extasiado ao
lembrar o mal feito.
8
No dia seguinte amanheceu apreensivo.
“Sei que a pequena gosta de tudo isto... afinal, vem aqui todo dia...”,
divagava se absolvendo de qualquer culpa e fazendo jus a sua ignorância.
Passou na venda do Anastácio, pediu chocolates. O vendedor desta
feita estranhou:
- O amigo não é de doces... estou curioso. Mora sozinho, tem
comprado muitos suspiros.
E o malandro sem titubear respondeu: - Segredo, amigo. Me avizinha
há alguns dias uma dona casada... - respirava longamente enquanto ia
inventando – .... quando o varão sai para a roça, vai lá me procurar - falava em
tom de confidencia. - Mas Anastácio... falou suplicante: - Se este homem
descobre me estrebucha... Sou homem morto.
E Anastácio, ouvindo desconfiado a proeza colocou umas balas a mais.
E lá se foi o infeliz, feliz esperar a menina.
9
Antonia chegou mais calada desta vez, e ele temendo qualquer risco
deu-lhe um abraço fraterno. Avisou que podia sempre contar com ele, com o
75
João Gabriel, mas que o respeitasse muito , pois senão ele poderia ficar nervoso
e romper o segredo. Colocou-a no colo como sempre e ela com o coração
apertado sentiu uma espécie de nojo, mas não ousou demonstrar.
10
E se passaram meses neste vai e vem. Até que um dia ela não apareceu.
E nem no outro. As ideias do matuto se confundiram e ele passou a devanear. Vai ver começou se sangrar e tá apavorada ou das vezes volta amanhã madura
e vai até ser melhor. É... também pode ter furado o trato.
Decidiu acabar logo com esta agonia. Contornou a mata, como quem
fareja a espreitar o casebre da menina. Viu um carro em baixo da mangueira e se
acovardou, saindo de soslaio.
- Foi melhor assim. Vieram buscar a menina pra ser vadia igual a mãe.
Agora ela me deixa em paz e acaba logo essa folia - arrematava como se a folia
fosse dela.
João, que inventara o composto Gabriel para enfeitar seu nome, não
tinha consciência das doenças que lhe atormentavam, e tampouco da solidão
que lhe assolava naquela terra seca.
11
Anastácio havia encontrado a mãe da menina numa casa de messalinas
da cidade e contado-lhe o fato, omitindo somente o autor.
12
Antonia acariciava a mãe que tinha vindo buscá-la, dizia que era bonita.
Sem saber que o amargo segredo havia acabado beijava e agradecia a santinha.
Antes da partida, num repente saiu em disparada, sentindo as pernas
esfriarem por um vento que parecia zunir nervoso por entre elas. Sem perceber
trilhou mais uma vez o caminho rotineiro. Suas entranhas pareciam vazar.
13
Lá chegando, viu uma rosa vermelha aberta no pé. Lembrou quando ele
havia plantado especialmente para ela. Tocou-a por um momento, enternecida.
Entrou e o viu de costas roncando com uma garrafa de aguardente caída ao
lado. Logo adiante uma caixa de lápis de cor e uns doces já ressecados.
As pernas tremeram, e um sentimento estranho lhe invadiu a alma. Um
furor se apossou dela e sem fazer ruído sequer apanhou a faca de cozinha, e
por um segundo lhe passou a idéia de enterrá-la no coração do homem, como
se suas forças bastassem. E ele não daria leite quente para mais ninguém.
76
14
Antonia não era disso. Atordoou e acordou em um sem fim de
lembranças daquele lugar, dos ecos da tia passando mal e da voz da mãe
voltando para buscá-la.
Com os olhos secos perdoou o infeliz. Quebrou a caneca, como a não
deixar um pedaço de sua alma ali. Feriu-se mas não deu importância. Saiu sem
voltar o olhar.
Passou pela roseira, catou sua rosa deixando o sangue que escorria de
sua mão misturado ao dela.
Nascida em Campinas (SP), é mãe de Renato Antonio e Otavio Antonio, jovens poetas
trovadores. Jornalista, contista e cronista. Poeta e declamadora membro do Movimento Poético
Nacional (SP), trovadora associada à União Brasileira de Trovadores – UBT, membro honorário do
InBrasCI (RJ), Embaixadora Universal de SIPEA (México). Membro correspondente da Academia
Paranaense da Poesia. Membro fundador da ALAP. Artilheira da Cultura do Museu Conde de
Linhares e CL Forte de Copacabana (RJ).
77
In manus tuas*
Roberto Gonçalves
Paranavaí - PR
“Beijo a mão do padre/ a mão de Deus/ a mão do céu”
(Carlos Drummond de Andrade)
O sonho de minha mãe era me ver com uma batina. Acho que carregava
este sonho desde o momento que soube de sua gravidez...
Mamãe sempre foi meio quieta. Nunca pedia. Sempre mandava. Nunca
ouvi sair de seus lábios a frase: Por favor! Seja para quem fosse.
Lembro-me que costurava o dia todo. Trabalhar, ela trabalhava, isso
não posso negar. Sentada em frente a sua Vigorelli, pedalava o dia todo. Às
vezes eu ficava ali sentado observando, parecia que ela se transformava,
cantava alegremente ao trabalhar em suas costuras. Costurava. E nem notava
que eu estava lá, costurando ideias...
Na parede da casa de madeira havia um prego. Ah, lembro-me como
fosse hoje! E nesse prego, pendurado, um relho. Isso mesmo, um “chicotinho”
feito das correias arrebentadas da Vigorelli...
Quando eu escapulia para o quintal, dava pra ouvir o cantarolar de
minha mãe. Eu não tinha brinquedos comprados em lojas. Me virava com latas
de óleo Rouxinol ou Salada , várias latas, nas quais eu fazia tiro ao alvo, com
meias velhas em forma de bola. Quando minha mãe se enervava pelos barulhos
das latas caindo, dava um berro e eu tinha que trocar de brincadeira. Lá ia eu
recolher os retroses de linha espalhados pelo chão para inventar carrinhos e o
que minha imaginação ousasse naquele momento. Não sem antes de requisitálos, com todo cuidado, a senhora minha mãe.
Mas, apesar de me entreter nos devaneios das minhas brincadeiras,
nunca, eu disse nunca, ousaria me esquecer de deixar meus ouvidos antenados
a sua voz. Quando a cantiga silenciava, logo ela gritava: “Menino, (era assim que
ela me chamava) vem já pra cá!”
Ao ouvir este chamado não esperava nem um minuto. Largava logo o
que estava fazendo e corria exasperadamente para ver o que queria daquela
vez. Jamais poderia dizer: “Já vou! Espera um pouco!”. Jamais! Se porventura
isso acontecesse, ela vinha ao meu encontro já com o relho em punho, assim eu
apanhava sem saber o porquê. Argumentum baculinum!(1)
78
E lá estava eu diante daquela senhora. Ela tão grande... Eu olhando para
cima... Lembro-me que não perdia um episódio de um seriado que passava na
TV. Terra de Gigantes... Pra mim, naquele momento, eu era um daqueles
homenzinhos e minha mãe a maior de todos os gigantes. Eu em pé, olhando
para cima. Ela com o dedo em riste apontado em minha direção. Em meio às
broncas eu tentava enxergar seus olhos. Pura perda de tempo. Lembro-me até
hoje, daquele ângulo de homenzinho eu só conseguia ver... O buraco do nariz
de minha mãe!
Buraco de nariz... Hoje fico imaginando, como é feio um buraco de
nariz! Já encontrei narizes até bonitos, mas buraco de nariz, isso nunca!
Principalmente os da minha mãe. A cada grito os buracos de seu nariz latejavam
ficando ainda maiores. Meu coração acelerava e eu, quieto, apenas tentava
encontrar os seus olhos... Cum brutis non est luctandum.(2)
****
“beijo a mão do medo de ir para o inferno.”
Todas as tardes o padre Nicolau dava uma passadinha lá em casa.
Rapidamente mamãe deixava seus afazeres para recebê-lo. “Menino vem cá!”
Lá ia eu beijar a mão do padre, não sem antes passar no banheiro e lavar
minha boca e mãos sujas... Sinite parvulos venire ad me.(3)
Padre Nicolau já era velho. Cabelos brancos. Mãos trêmulas.
Beijar a mão do padre. Trêmula. Todos os dias. Toda santa vez que
passava pela minha casa, lá ia eu beijar a sua mão. Se acaso o visse passar pelo
outro lado da rua, mamãe gritava para eu ir lá correndo beijar-lhe a mão.
- A bença, padre!
Naquela sala, beijava-lhe a mão e tinha que ficar sentadinho ouvindo a
conversa dos dois. Invariavelmente o assunto era eu.
- Seu padre, meu menino quer ser coroinha e eu aprovo a vontade dele.
O padre olhava pra mim e só meneava com a cabeça, “sim, sim...”
- Depois de coroinha ele vai ser um acólito, se Deus quiser. E Ele quer! E
depois... Ah, seu padre ele vai ser o melhor coroinha que o senhor já viu!
Educado este menino. Imagina ele de túnica vermelha com sobrepeliz branca?
Acólito, o que é isso? Sobrepe... o quê? Não podia fazer perguntas.
Sentado ali, só olhava para o relho pendurado na parede e a correia já
bem gasta na máquina Vigorelli...
****
“o perdão de meus pecados passados e futuros.”
Tinha medo de desobedecer minha mãe, mas o que eu menos queria
79
era ser um coroinha. Sei lá, até que podia ter suas vantagens, além de usar
aquelas roupas bonitas, com certeza eu ganharia um par de sapatos. Claro, meu
primeiro par de sapatos! Afinal, coroinha de chinelos não ficaria bem...
Ia à igreja, assistia toda a missa. Tudo era fascinante. Olhava aquela cruz
e nela podia ver Jesus crucificado. Por que ainda estava ali?
Ouvi certa feita o padre dizer que Jesus morreu na cruz para o perdão
dos nossos pecados e depois de três dias ressuscitou. Perguntei a minha mãe o
que queria dizer “ressuscitou”. Brandamente, como raramente a mim se dirigia,
ela me explicou.
- Menino, Jesus venceu a morte, no terceiro dia Ele ressuscitou, reviveu.
Isto, reviveu é a expressão certa para você entender.
Então, se reviveu, pensei comigo, por que ainda está pendurado? Não
tive coragem de fazer-lhe esta pergunta...
Nas missas eu ficava olhando os coroinhas, segundo minha mãe, eles
estavam fazendo as vezes dos anjos. Ser coroinha era adentrar o céu ainda aqui
na terra, dizia ela.
Olhava ao redor e podia notar as menininhas e seus olhares servis aos
coroinhas. Percebia quando se cutucavam e sussurravam acerca dos anjinhos
terrestres. Naquele momento a vontade de realizar o desejo de minha mãe
ficava quase incontrolável. Aquelas menininhas olhando pra mim, isso sim, seria
o céu aqui na terra! Eita, mãe eu ainda serei um coroinha! Fiat voluntas tua!(4)
Ao findar a missa, minha mãe ia até o padre beijar-lhe a mão. Quantas
vezes me fiz de esquecido e fiquei estrategicamente para trás, sentado no
banco. Mas de longe ela me fulminava com o seu olhar e eu saía correndo ao
encontro da mão do padre, para evitar um encontro com o buraco do nariz de
minha mãe.
****
“a garantia de salvação quando o padre passa na rua”
Aquele dia foi especialmente infeliz na minha vida. Vi o padre Nicolau
passar no outro lado da rua e, como de costume, corri para beijar-lhe a mão.
Disse que estava com pressa e pediu para eu dar a notícia a minha mãe. Eu iria
ser coroinha. Eu ficaria mais próximo do céu.
Minha mãe não cabia em si. Sem notar, me pegou no colo e beijou
minha face... Osculum pacis.(5) O beijo de minha mãe em minha face, este era
verdadeiramente um milagre! O milagre de ser coroinha...
Aquele beijo me incentivou, momentaneamente, a querer ser o melhor
coroinha de toda a existência daquela paróquia.
Minhas tarefas não eram complicadas. Levar a bacia para o padre
80
Nicolau lavar as suas mãos trêmulas e tocar o sininho na hora da eucaristia. Ao
lado da cadeira do padre ficava eu atrás do altar observando tudo o que
acontecia na nave da igreja. Meus olhos percorriam todos os lados até
encontrar aquelas menininhas. Ah, aquelas joiazinhas! Olhando para mim como
quem olha para um anel na vitrine! Eu podia sentir seus suspiros. Eu até que não
era de se jogar fora. Estava me sentindo o máximo. No céu!
Não podia me desligar da missa, mas aquelas anjinhas com aqueles
cachos me faziam viajar por toda a igreja. Além daqueles cachinhos, meus olhos
procuravam fitar timidamente as suas perninhas. Spiritus promptus est, caro
infirma...(6) A viagem só terminava ao olhar para minha mãe fuzilando-me com
os olhos. Aquele olhar resgatava-me do inferno me acudindo de pensamento
tão pecaminoso! Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.(7)
****
“e meu destino passa com ele, negro, sinistro, irretratável. se eu não beijar a sua
mão.”
Naquele domingo eu pulei da cama num estalo. Hei, mas o padre
Nicolau não tem esposa! Os padres não têm mulher! Ah, eu não quero ser
padre, eu não quero este destino para mim! Admiro muito o padre Nicolau, mas
eu não quero ser padre!
O padre Nicolau me escalara para ficar ao seu lado para segurar a
bandeja na hora da comunhão. Devia segurar a bandeja enquanto ele distribuía
a hóstia santa... Não teria muito tempo para ficar olhando para as menininhas.
Para suas perninhas... Será que o padre, ou Jesus, havia me feito aquilo como de
castigo? Ou seria para me livrar do inferno?
Ficava observando cada um dos fiéis colocarem a língua para fora para
receber a hóstia santa.
- Corpo de Cristo, dizia o padre.
- Amém!
Inclusive minha mãe, toda orgulhosa, fechava os olhos e colocava a
língua pra fora e recebia cerimonialmente a hóstia. Língua que jamais me
dissera uma palavra de carinho. Língua, que na ira, borrifava palavrões em meio
às cusparadas... De ore tuo te judico.(8)
Ali estava ela recebendo o corpo de Cristo da mão trêmula do padre. A
mão que beijávamos. A mão que, mesmo trêmula, era um cartão postal para o
Paraíso...
Medo do inferno... Vontade de ir para o céu... Mors ultima ratio.(9)
Saí dali me perguntando: tenho vontade de ir par o céu ou mais medo
de ir para o inferno? E minha mãe? E todas aquelas pessoas com a língua de
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fora? O que haviam feito com suas línguas antes de receberem nelas a hóstia
das mãos trêmulas do padre Nicolau?
Nunca quis ser coroinha mesmo... Multi sunt vocati, pauci vero
electi.(10)
A partir daquele domingo perdi totalmente a pouca vontade que ainda
tinha de ser coroinha. De ir à igreja. Nem mesmo as menininhas me animavam ir
à missa.
Comecei a ter problemas intestinais aos domingos... Minha mãe ficava
preocupada. No primeiro domingo me deu um remédio e foi para missa, no
segundo domingo, ficou meio desconfiada... Omnis homo mendax!(11)
Na segunda-feira à tardinha o padre Nicolau veio nos visitar. Tranqueime no quarto, não queria beijar-lhe a mão. Não era digno de beijar a mão do
padre. Mãos santas. Trêmulas, mas santas...
Minha mãe batia na porta desesperada. Abre menino! Vem beijar a mão
do padre, menino!
De dentro do quarto eu podia ouvir sua respiração ofegante.
Aquela missa mexeu com a minha cabeça. Ao tirar a bacia de água das
minhas mãos e passar o sininho para outro coroinha tocar, o padre Nicolau
expôs-me a algo que nunca tinha percebido. Sei lá, se foi mesmo o padre ou se
foi o próprio Jesus, para não me deixar ficar olhando para as pernas das
menininhas... Mas o fato é que vi, naquela missa, algo bem pior que belas
perninhas: vi línguas!
Vi a língua do seu Alfredo, que se refestelava naquele bigode grande e
despenteado enquanto atendia os fregueses no balcão de sua mercearia.
Vi a língua da Verônica, a qual eu gostava de ficar espiando a noitinha
pela janela do meu quanto, enquanto ela e seu namorado se despediam com
beijos de língua, escondidos no escuro da sombra de uma árvore. No domingo,
lá estavam eles com a língua de fora... Felix Culpa!(12)
Estava decidido não seria mais um coroinha! Enfrentaria o buraco do
nariz de minha mãe, olharia como nunca seus olhos assustados e ouviria sair de
sua boca, por aquela língua, na qual o padre depositava algo tão sagrado, os
maiores impropérios e palavrões enquanto o relho esvoaçante descansaria nas
minhas costas. Argumentum baculinum!(1) Mas uma coisa era certa:
Enfrentaria minha mãe. Enfrentaria o inferno. Escolheria as menininhas e suas
perninhas. E, se necessário, desistiria do céu... In dubio libertas!(13)
Escolheria, assim, o destino negro, sinistro, irretratável. Nunca mais
beijaria a mão do padre...
Fili, dimittuntur tibi peccata!(14)
****
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- * “Nas tuas mãos” (em latim)
- Excertos do poema O Padre Passa na Rua - Carlos Drummond de Andrade
- Expressões em latim: (1) Argumento do porrete; (2) Não se deve lutar com os brutos; (3) Deixai vir a
mim os pequeninos; (4) Seja feita a tua vontade; (5) Ósculo santo; (6) O espírito é pronto, a carne é
fraca; (7) Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós; (8) Julgo-te pela
tua boca; (9) Morte, razão final; (10) Muitos são chamados, porém, poucos escolhidos; (11) Todo
homem é mentiroso; (12) Feliz culpa; (13) Na dúvida, liberdade; (14) Filho, os teus pecados te são
perdoados.
Servidor Público Estadual. Formado em Letras e Pós-graduado em Língua Portuguesa e
Literatura. Pertence a Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Participou da 1ª Coletânea
Literária de Paranavaí com o conto “O Tato e o Laço de Fita”. Sua primeira vez em concursos foi
no Varal Literário/FAFIPA em 1999 no qual foi premiado em conto e poesia. Participa do Femup
desde 2000 sendo premiado algumas vezes em conto e poesia, além de música e declamação.
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O Amolador de Facas
Cristina de Abreu
Niterói - RJ
Fausto puxava o carrinho. Alinhava-o ao meio fio, paralelo à calçada, e apitava
de novo para avisar de sua chegada. Enfiou o apito no bolso da camisa, ajeitou
sua boina e esfregou as mãos uma na outra.
Ali, naquele bairro, clientela não faltava. Aquela era a quinta rua em que parara
naquele dia: Rua Elídia. Estava sendo um dia bom. Dois minutos parado e o
pessoal já vinha aparecendo, trazendo algum utensílio à mão para afiar. Era
público cativo. Contavam coisas para Fausto, enquanto ele trabalhava a peça e
perguntava sobre qualquer assunto cotidiano: “E a escola dos pequenos? Seu
pai melhorou de saúde? Conseguiu comprar o cachorrinho?”. Fausto era figura
conhecida pelas adjacências.
Naquela rua onde estava agora, havia uma casa muito antiga, velha, cinza,
empoeirada. Do muro baixo se desprendiam cascas de reboco e havia um
pequeno portão enferrujado, com uma das dobradiças um pouco danificada,
que se prendia desalinhado com uma corrente e cadeado. A cobertura tinha
telhas quebradas, e notava-se o acúmulo de galhos e folhas de uma árvore
enorme que havia ao lado da casa. O telhado, como um todo, tinha um aspecto
escuro. Será que aquelas telhas algum dia haviam sido vermelhas? As janelas da
casa, de vidros foscos e imundos, estavam sempre fechadas. O jardim da
entrada não era propriamente um jardim, mas um acumulado de capim alto em
suas jardineiras, plantadas certamente pelos pássaros e pelo vento.
Julgava Fausto, antes, que era uma casa abandonada. Mas naquele dia, tendo
acabado de atender o último cliente da rua, e enquanto arrumava o carrinho
para sair, percebeu que a porta da sala daquela casa de abriu, com um rangido
pesado. Ele viu um homem carregando algo na mão. O homem se posicionou
na varanda, trancou a porta da sala – todas as três trancas – testou se estava
bem trancada, e em seguida dirigiu-se ao portão do muro, olhando para Fausto.
Fausto ficou surpreso. Arriou o carrinho no chão, entendendo que o morador
queria amolar algo. Teve que esperar o morador abrir aquele portãozinho
empenado do muro baixo exterior. O morador saiu, fechou a corrente com
cadeado e veio até ele.
Era um homem na faixa dos trinta anos, de aspecto muito magro e pálido, de
olheiras fundas. Seu cabelo era oleoso, de aspecto sujo e desgrenhado, com
uma franja ajeitada para o lado com as mãos. Tinha penugens suadas,
principalmente perto das orelhas, grudadas na pele do rosto. As sobrancelhas
eram muito finas e ralas, e dentro das olheiras pulsavam dois olhos azuis muito
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pequenos e sem brilho. Vestia uma blusa encardida branca de mangas
compridas, embora fizesse calor naquele dia, e usava uma calça preta surrada.
Nos pés, sapatos pretos por engraxar, cheios de vincos que hospedavam poeira.
Fausto percebeu que o utensílio que trazia para seu serviço era um grande
facão.
O homem chegou perto de Fausto e falou com ele sem algum cumprimento:
- Quanto cobra pra amolar este facão?
- Cinco reais.
O homem estendeu as mãos entregando-lhe a peça. Fausto pegou o facão na
mão e sentiu o peso. Tinha excelente empunhadura. Era uma peça belíssima,
mas ao mesmo tempo carregava algo de sinistra. No punho, que era de marfim,
havia esculpidos adornos florais e anjos com caras estranhas, cujas mãozinhas
apontavam para uma única figura central, na extremidade do punho - uma
caveira. Fausto julgou haver certa semelhança com o proprietário. Afastou o
pensamento. Na lâmina, a figura daquela caveira se repetia, em baixo relevo.
Fausto sentiu um arrepio estranho.
Começou a afiar o facão com muito cuidado e tentou puxar assunto, intrigado
com aquele objeto admirável.
- Facão muito raro. É bonito. O senhor é colecionador?
- No.
- Este facão é de onde? – continuou Fausto notando o sotaque hispânico do
homem.
O morador demorou a responder. Parecia cansado. Enfim, falando um
português mal falado, soltou um suspiro e disse:
- Es espanhol. Mi família era de lá.
Houve um silêncio de alguns minutos e Fausto continuou tentando um diálogo.
- Tem alguém de sua família aqui no Brasil? Ou moram todos lá?
- Se murieron todos.
- Sinto muito. O senhor mora sozinho nessa casa tão grande?
- Si. Já acabo?
Fausto, constrangido sem saber se ele se referia às suas perguntas ou ao
serviço, apressou-se por terminar a amolação daquela peça. Entregou-a com
cuidado ao homem. Ele lhe deu na mão um canivete muito bonito, com cabo de
osso trabalhado.
- Fique com ele como garantia. Eu no tenho dinero trocado agora. Quando eu
encontrar com o senhor otra vez, le pago e o senhor me devolve o canivete.
- Mas não é preciso... o senhor me paga depois.
- Eu insisto. No lo despreze.
Fausto assentiu com a cabeça e um sorriso.
- Tudo bem. Qual é o seu nome?
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- Lúcio.
- Obrigado, Seu Lúcio. Às ordens. Passo sempre por aqui.
“Que figura estranha”, pensou Fausto. Ele observou Lúcio voltar para sua
residência, abrindo aquele cadeado que fechara tão cautelosamente sem
nenhuma necessidade, pois estava ali ao lado, praticamente. Trancou
novamente o cadeado, ao entrar. Andou até a varanda, subiu três pequenos
degraus. Viu-o abrir as três trancas da porta da sala. Ao entrar, olhou para
Fausto por prolongados segundos, estático, e adentrou, trancando a porta.
Ficou imaginando por que o homem amolara o facão. Certamente não o
utilizava na cozinha – aquele facão não era do tipo culinário. E ele não parecia
do tipo aventureiro, que fosse fazer alguma caminhada ou desbravar alguma
mata. Se era uma peça decorativa, para que amolar? Estava com um sentimento
estranho.
Durante esse pensamento, percebeu que estava segurando o canivete com
muita força. Estava tenso. Não entendia o porquê - não havia motivo. Abriu a
mão e o canivete descansava equilibrado na palma, que estava vermelha com a
pressão. Ficou marcada com a bordadura dos adornos. Observou novamente o
cabo de osso. Os adornos eram, ele percebeu, muito bem trabalhados para um
cabo de osso. Olhou do outro lado do cabo. Havia novamente a figura da
caveira tal qual esculpida no facão. Colocou seus óculos de leitura para poder
observar melhor os detalhes. Liberou a lâmina e viu que estava impecável.
Fechou-a. Olhou de novo para a casa cinza, tirando os óculos. Guardou o
canivete na gaveta de seu carrinho, e preparou-se para ir embora.
:::::
Dois meses depois, já era época de Fausto repetir o circuito naquelas
adjacências, e chegou novamente à Rua Elídia. Era sábado. A primeira coisa que
fez foi olhar para a casa cinza. Ficou observando-a por alguns minutos. Era uma
casa morta. Não havia vida ali, a não ser a do mato que preenchia as jardineiras
do quintal e brotava inclusive entre as rachaduras do cimento. Olhando para a
janela principal da casa, pegou seu apito e o soprou, anunciando-se para a
clientela. Achou ter visto um vulto na janela. Mas o vulto passou rápido. Não
teve certeza de tê-lo visto.
Os clientes começaram a aparecer.
Quando chegou a Dona Fernanda, que era sempre quem sabia das coisas por
ali, ele perguntou.
- E essa casa, hein? Da outra vez conheci Seu Lúcio. Mas essa casa é estranha,
né?
- Minha Nossa Senhora! O Senhor não brinca comigo, seu Fausto!
Seu Fausto parou de amolar a tesoura da Dona Fernanda e olhou para ela com
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um sorriso, esperando algo como a conclusão de alguma piada. Ela também o
fitava. Então ela continuou:
- O senhor está é brincando comigo, né?
Fausto desfez o sorriso. Entendeu que ela falava sério. Respondeu intrigado:
- Não, de verdade, pois eu conheci ele na última vez que vim aqui!
- Seu Fausto, por favor. Fico até arrepiada. Pare de brincar assim!
- Dona Fernanda, agora eu fiquei preocupado. A senhora é que está brincando
comigo? Eu conheci o Seu Lúcio, um rapaz magro, cabelo preto, uns 30 anos. Ele
amolou um facão comigo.
Nesse momento haviam chegado perto deles mais alguns clientes que se
envolveram na conversa. Fausto e Dona Fernanda, assustados, tentavam
entender o que podia ter havido. O outro vizinho esclareceu o porquê do susto
de Dona Fernanda:
- Seu Fausto, essa casa está fechada desde o assassinato dele!
Contava-se que há mais de quarenta anos, a Rua Elídia recebera um estranho
morador chamado Lúcio. Boatos apontavam que era foragido da polícia. Veio
da Espanha, segundo diziam. Tinha uma vida de hábitos noturnos. Às vezes
chegava com uma moça qualquer em sua casa. Depois se soube que ele fugira
da Espanha porque havia matado toda sua família. Certo dia, menos de um ano
depois da chegada daquele morador, alguém invadiu sua casa para fazer
vingança. Lúcio foi encontrado morto no chão da cozinha, degolado.
- Seu Fausto, o senhor viu mesmo esse Lúcio? Será que não era alguém
brincando com o senhor? Dizem que ele aparece quando alguém vai ser morto!
Por favor, seu Fausto, nem brinque com isso!
Após todos os relatos, Fausto estava pálido e suando. Ele tremia. Não tinha
condição de amolar mais nada. Não sabia o quanto daquilo era apenas lenda.
Não sabia se era alguma troça com ele. Abriu a gavetinha de acessórios de seu
carrinho e pegou de lá o canivete. Sentiu frio. Chegou-se para perto da mureta
da casa cinza e atirou-o no quintal. Escutou o barulho da peça batendo no
cimento. Saiu transtornado, com passos apressados, dando uma última olhada
naquela casa e abaixando a cabeça, ajeitando a boina, balbuciando qualquer
coisa.
:::::
Fausto dormia em seu colchão e estava suando, imerso num pesadelo de cenas
escuras, das quais não conseguia se lembrar ao abrir os olhos de madrugada.
Foi até a cozinha e serviu-se de um copo água. Sentado à mesa, observou as
gotículas que se formavam no copo, e passou a ponta do dedo indicador, com
delicadeza, na superfície de vidro para fazer algum desenho indefinido. Estava
com pensamento fixo na casa cinza, no facão de Lúcio, no que os vizinhos
falaram. Deve ter sido esse o pesadelo, mas ele não conseguia se lembrar.
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Passou as mãos na cabeça e olhou para o copo. Viu no vidro o desenho de uma
caveira. Ele segurou o copo e passou o polegar rapidamente, com gestos largos,
para apagar aquelas marcas nas gotículas do copo gelado.
- Foi só impressão. – disse para si mesmo. Mas seu coração estava alterado,
acelerado.
Ele estava com um arrependimento muito grande, associado a um pavor, por ter
jogado o canivete no quintal. Sentia sua cabeça latejando. Sentiu que ouvia o
barulho do sangue pulsando por dentro de seu cérebro.
Bebeu o resto da água do copo num gole grande. Olhou mais uma vez para o
copo. Um copo normal. Não havia nada de estranho, só seus pensamentos.
Deixou o copo sobre a mesa e se levantou.
E o canivete no quintal? Aquilo estava errado. O canivete jogado no quintal...
Ele foi até a janela olhar o tempo. Não estava chovendo. Mas havia o sereno. Iria
estragar aquele canivete.
“Ele disse que ia me encontrar de novo.” – pensava. “Quando eu encontrar com
o senhor outra vez...”
Deitou-se na cama e tentava racionalizar as coisas. Pode ser um novo morador,
simplesmente. Eles podem não ter percebido que a casa fora ocupada de novo.
Mas por que um espanhol? Coincidência? Talvez fosse um descendente, um
herdeiro. Ele poderia estar aqui para resolver questões sobre a venda do imóvel.
“Será que ele me viu jogar o canivete no quintal?”
:::::
Alguns dias haviam se passado e Fausto não estava tendo noites tranquilas de
sono. Havia pesadelos dos quais não conseguia se lembrar, onde havia
escuridão e penumbra. Havia angústia crescente. Havia um pensamento fixo
em Lúcio. No facão amolado. No cabo do facão. Nos detalhes da lâmina do
facão. No canivete atirado ao quintal, ao relento. No momento do encontro. – “E
meu canivete?” – ele diria. Havia um pressentimento ruim em relação àquilo
tudo. Estava ficando com ojeriza à Rua Elídia. Estava ficando irracional em
relação a isso.
No fim de um dia de trabalho, Fausto estava naquelas redondezas.
Rumaria para sua casa - já havia anoitecido. Mas ele decidiu passar pela Rua
Elídia.
:::::
Arriou o carrinho como sempre fazia, alinhado ao meio fio. Seus movimentos
eram cautelosos, como se não quisesse que ninguém o ouvisse.
- Por que estou me comportando assim? Qual o problema se alguém perceber
que estou aqui? – falava pra dentro de si. Susurros. Suor.
À noite, a casa cinza parecia, ainda mais, uma casa abandonada. Não havia
iluminação, não parecia haver nada lá dentro. Fausto se aproximou do muro
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baixo. Antes de encostar suas mãos nele, olhou para a janela da casa
novamente. Agora havia uma tênue luz. E percebeu, só naquele momento, que
a porta principal estava aberta. Estranhou que estivesse aberta, dada a fixação
que Lúcio parecia ter demonstrado em trancar tudo. Então olhou para o portão
do muro e notou que não havia cadeado.
Voltou sua atenção para o quintal. Pegou uma lanterna de bolso e apontou-a
para o chão, tentando encontrar o canivete. A luz da lanterna estava fraca, mas
naquele pedaço do quintal não havia muito mato. Encontrou facilmente aquele
cabo de osso, adormecido e abandonado, aguardando há dias por um resgate.
Fausto dirigiu-se vagarosamente até o portão pequeno e deu um passo para
dentro. Dirigiu-se sem ruídos para onde estava o canivete. Recolheu-o do chão.
A peça estava muito fria. Parecia ser toda de metal - estava gelada. Ele apertou o
canivete com força dentro da palma da mão direita e sentiu um certo conforto.
Havia fechado os olhos. Sacudiu a cabeça e os abriu.
Voltou-se para a casa cinza e deu passos silenciosos em direção a ela. Subiu os
três degraus ante a porta aberta. Colocou o canivete no bolso e entrou.
A sala estava envolvida em uma atmosfera amarelada da luz de uma vela no
aparador. Era uma iluminação insuficiente, fraca. Muitos cantos estavam
obscuros. Havia um cheiro de mofo no ambiente, misturado ao cheiro de
fumaça e cera e a um cheiro metalizado e cítrico que Fausto não soube
reconhecer. Fausto aspirou profundamente. Parecia que aquilo era familiar.
Estava absorto. Viu um quadro na parede. Uma foto de família, trajes da década
de sessenta. Costeletas. Bigodes. Franjas. Quadriculados. Crianças sorridentes.
A vela se apaga.
Fausto se vira em direção ao aparador onde estava a vela. “Foi o vento?”
Pegou a lanterna em seu bolso e a apontou para a vela. Viu a fumaça se
despedindo do pavio. Apontou a lanterna para o corredor, para o quadro, para
a mesa. Algo brilhou. Aproximou-se da mesa e viu o conhecido facão
repousando na madeira rústica, talhada. Pegou o canivete no bolso e o colocou
ao lado do facão. Passou a mão sobre as duas peças, numa carícia de admiração.
Olhou-as, atenciosamente - eram belas peças. Ele era um amolador de facas.
Sabia apreciar peças de cutelaria. Sentia-se satisfeito em restituir o canivete.
Voltou-se para apreciar o quadro mais de perto, para identificar se aquelas
peças apareciam na foto. Colocou a lanterna na altura de seu rosto e
aproximou-se da moldura.
Observando a foto, viu, no segundo plano, uma parede. Começou a identificar
algo...
A luz da vela se acendeu e ele ouviu a voz de Lúcio, com seu sotaque espanhol.
- Você gosta das facas.
Ele se virou-se num pulo, assustado, apontando a lanterna para o vulto. Ele viu
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os olhos fundos de Lúcio refletindo a luz. A luz da lanterna se apagou.
Talvez a pilha fraca.
A lanterna caiu de suas mãos, confusa por entre os dedos trêmulos.
A sala era penumbra, mal iluminada pela vela. Lúcio pairava atrás da mesa.
Estava lá o tempo todo? Fausto não sabia dizer. Fausto não sabia como agir.
- De-desculpe, e-eu vim devolver o canivete.
- Você gosta de facas, no es verdad?
A luz da vela se apagou.
:::::
Tempo se passou e os moradores estranharam e comentavam entre si sobre a
visão de Fausto, contada naquele sábado em que os atendeu amolando facas e
tesouras. Rapidamente a narrativa ganhou novos detalhes que não existiram na
narrativa original de Fausto à Dona Fernanda.
O fato é que o amolador de facas nunca mais foi visto.
Sonia Cristina de Abreu Pestana, moradora de Niterói – RJ, casada, casal de filhos pequenos, 43
anos. Fez Comunicação Social da UFF, onde se formou em 1992. É publicitária e servidora
pública. Trabalhou com Comunicação Social/Marketing no BANERJ, Banco Bozano Simonsen, na
CNEN, foi Oficial da Marinha do Brasil e atualmente trabalha na Justiça Federal do Rio de
Janeiro. Decidiu começar a escrever contos e estórias em 2014.
90
BESTIARII
Antonio Neto
Santa Maria de Jetibá - ES
Pão e circo. É isso o que Roma oferece para os seus pobres. Pão para o
estômago faminto. Circo para as almas vazias.
Andar pelas ruas da cidade é o que fazem milhares de molambos
humanos. Aprígio é só mais um . Seu corpo come o pão. Seu espírito esvazia-se
no circo. No circo ele aprendeu que a vida vale um polegar apontando para
cima ou para baixo. Nem abdomens abertos, nem cabeças decapitadas, nem
corpos mutilados ou um oceano de sangue conseguem sensibilizá-lo mais. A
primeira morte foi difícil segurar no peito. As dezenas de outras, não o
incomodam nem um pouco.
Não quer ser gladiador porque teme a inteligência humana. O
gladiador experiente luta com a mente, não com os músculos, como a multidão
acredita. Ele ainda é muito jovem para ser um gladiador. Seria morto nas
primeiras lutas. Por isso prefere ser um bestiarii. Os animais pensam com os
músculos, por isso é tão fácil matá-los.
Apesar de ser filho da miséria, Aprígio é alto e muito forte. A primeira
coisa que aprendeu na vida foi mendigar. Na infância, pediu esmolas
incansavelmente, seu estômago parecia ser maior do que uma arena. Quando
atingiu a puberdade, ele foi convidado a deixar a mendicância. Começou a
passar as noites nas residências de mulheres e homens solitários. Ganhou
roupas, boa e farta comida. Mas as extravagâncias noturnas dessas mulheres e
homens o assustavam. Eles eram mais feras do que as bestas das arenas. De
manhã, mesmo entorpecido pelo vinho, sentia náuseas ao lembrar-se do que
fizera. Sentia-se um pano sujo toda manhã, quando tinha que sair pela porta
dos fundos, antes que o sol raiasse.
Ele sempre chora quando o sol encontra a sua face. Antes chorava
porque tinha fome, agora chora porque conhece outra fome. Uma fome de ser
alguém. Ter pai, mãe, irmãos. Quem era a sua mãe? Uma das muitas que fugiram
com um desconhecido. E o seu pai? Um dos muitos que se esqueceram de ir
buscar os filhos na Praça do Mercado. Por dez dias e dez noites ele esperara o
pai ir buscá-lo. Ele vira as mães abandonarem os seus recém-nascidos na
calada da noite. Vira homens rasgarem a roupa de mulheres que dormiam na
praça e usá-las de um modo que ele não entendia. Por dez dias longos e dez
noites intermináveis ele chorou, mas ninguém o ouviu. Comeu os restos que
caíam no chão. Ninguém percebeu. Fez suas necessidades em público, apenas
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se desviaram da sua presença incômoda. O frio o aconchegou. O medo o
envolveu com suas mãos tenebrosas. Fugiu dali, antes que algo pior
acontecesse.
Agora, ele não sabe qual é a sua idade. Dezesseis? Dezoito? Quem
sabe?
O circo está cheio, a plateia grita. O sangue tinge a arena. Um leão da
Núbia já estraçalhara um bestiarii. Gritos! Aplausos! O sangue humano
embriaga mais a alma do povo do que o vinho! Homens aplaudem, mulheres
gritam em êxtase. Roma inunda-se na histeria. O leão arranca um braço do
cadáver e os uivos humanos atingem o céu! A fera arrasta os restos daquele
corpo que já esteve de pé, falou, cantou, dançou, sonhou... Quem sabe até
amou?
Amar: o que seria isso?
Aprígio repete:
- Amor!
Prepara-se. Hoje enfrentará um tigre. Ele prefere enfrentar leões, ursos
e tigres do que as bestas humanas que superlotam a cidade dos Césares. Dentro
da arena, perto das feras, ele se sente mais seguro. As ruas de Roma é que são
perigosas. Elas roubam a chama que as pessoas trazem dentro de si. As pessoas
ficam escuras por dentro. Na face, os olhos desaparecem. Ficam apenas dois
buracos profundos.
Mais um dia no circo. Mais um tigre para matar. Ele entra na arena,
avança. A lança em riste. O escudo bem posicionado. A multidão delira! Quem
será que ela quer ver morto: o bestiarii ou o tigre?
Acima de tudo, impassível, o azul do firmamento e o deus-sol. Deus Sol
Invictus! A fera também avança. A multidão se cala. O bestiarii olha para o céu. A
turba acompanha-o. O que esse jovem vê no céu?
O tigre prepara-se para o salto. Aprígio deixa o escudo cair. A multidão
mergulha num silêncio que grita. A lança no chão. O circo todo está perplexo.
Aprígio, olhar fixo no céu, sorri. O imperador levanta-se. Roma o acompanha.
Os deuses romanos abandonam o seu ócio para ver o que se passa na Terra.
Aprígio sorri. E se existir um lugar além da vida? A morada dos deuses
ou o Paraíso dos hebreus? Ele já ouvira, na Praça do Mercado, um velho hebreu
falando de um “Reino”. O ancião falara num Latim quase incompreensível, mas
ele entendera a parte do “Reino”.
- Apolo, meu pai!
O tigre salta.
Se quiser, ele apanhará a lança e acertará o coração do grande felino. Se
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quiser, ele se esquivará e o golpeará por trás. Se ele quiser...
Mas o céu é azul. Talvez esse azul seja a porta da Morada dos Deuses ou
do “Reino” dos hebreus. Em Roma todos os povos falam de um lugar para se
viver depois dessa vida. Ele já ouvira tantas versões da mesma história...
O hálito da fera é quente. As suas presas, de perto, são bem mais
pontiagudas...
Se ele quiser, ainda poderá se esquivar. É o melhor bestiarii de todo o Império!
Só basta ele querer viver. Continuar enchendo o estômago. Continuar
respirando. Dormindo e acordando. Deitando-se com mulheres desconhecidas
para aliviar a pressão dos testículos. Lavando o corpo para retirar o pó e o suor.
Isso é viver!
Aprígio, Roma quer que você viva! Aprígio, a multidão grita o seu
nome! Ela quer que você viva e a fera morra! Aprígio! Aprígio! Aprígio! A
multidão sabe o seu nome! O Imperador grita o seu nome para acordá-lo da sua
paralisia. O tigre está suspenso no ar...
Aprígio, você é forte! Não é bonito, mas o seu corpo é um monumento!
Você venceu a fera da fome, comeu todo quanto é tipo de resto de comida.
Comeu ratos mortos. Matou ratos vivos para comê-los. Comeu baratas! Elas
até que são apetitosas! Lembra-se? Quando era criança, você comia centenas
de baratas numa única noite. O seu corpo, nutrido pelo lixo de Roma, por
centenas de ratos e incontáveis baratas, tornou-se colossal. E você ainda não
tem nem vinte anos!
Aprígio, não deixe Roma órfã de seu melhor bestiarii. Reaja, Aprígio! A
fera está suspensa no ar. Congelada no tempo. Apolo parou o tempo para você
abaixar-se, pegar a lança e cravar no coração do belo animal africano. Basta
você querer!
O golpe das patas quebra a clavícula e inúmeras costelas. Os dentes
penetram na face, esfacelando os ossos do crânio, que se parte como um melão
que fosse arremessado ao solo. Massa encefálica espalha-se pelo chão. As
artérias partidas ejetam o líquido precioso, mantenedor da vida. As garras
dilaceram a pele, desvendam o segredo do corpo humano: o fígado, o
emaranhado dos intestinos, o estômago... Ah! O estômago que fez você sofrer
tanto, Aprígio!
Meu nome, Antonio da Silva Pereira Neto. Nasci em 11 de outubro de 1970, em Poá – SP. Vivi a
vida dos proletários da periferia da Grande São Paulo: um horizonte muito limitado. A Literatura
era a minha janela. Meus pais, Geraldo Silva Pereira e Maria das Graças Florentino Pereira,
trabalhavam para sustentar os três filhos: eu, Noel e Elisabeth. Agarrei-me aos estudos como
forma de superar as limitações impostas pelo ambiente sociocultural. Hoje estou casado com
Zilda Maria Totola Pauli Pereira.
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SOBRE O SANGUE
Tanussi Cardoso
Rio de Janeiro - RJ
Eu tinha oito anos. Chovia.
A imagem da mãe envelhecendo, olhos no chão, envergonhados,
vergado o corpo no tempo, cresceu comigo, enraizara-se na pele.
Aquele homem – o pai – na rua enorme e, nós, cinco irmãos e a mãe,
abraçados em frente à casa.
Não voltou mais.
Desde então, a vida passou a ser a imagem da chuva nos cabelos da
mãe.
A mãe nunca permitiu nem porquês nem senões. Qualquer dúvida,
cortava no ar a resposta. Bastava o silêncio de um gesto, o olhar perdido na
janela, e entendíamos o clamor dos nãos, que a boca não ousava pronunciar.
A mãe forte, na vida em que durou. Morreu aos sessenta. Nunca mais
outro homem, nunca outra língua, nunca outro sexo, nunca mais amor. Nunca
mais mulher.
Agarrava-se aos filhos, às vezes sorriso nos cantos dos lábios;
gargalhadas não mais permitidas. Uma vizinha ali, uma tia acolá, cada vez mais
escassas as visitas.
Mas foram os dias nas janelas que ficaram em minha memória. Ela, o
rádio na Ave-Maria das seis da tarde, a calmaria barulhenta e íntima que não
passava, a vista esquecida nos postes, nas moscas que brincavam na luz. Perdiase em si mesma, calada, atenta aos passos do vento, rezando por algo que nem
ela mesma entendia. Dizia nada. Como se aguardasse o tigre, o cão, o anjo e seu
bote. Toda casa olhava o mundo através daquelas retinas úmidas.
Morreu aos sessenta, fisicamente. Na janela. Depois de tanta roupa
lavada a pagar por nossas vidas. Antes, enterrara dois filhos. Restaram-me dois
irmãos menores.
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Aquele homem – o pai – não sumira de mim no tempo. Estava comigo,
dormia comigo. Era sombra que teimava pra me sentir vivo. Como se pele,
mãos, corpo. Encobria-me nos lençóis, mastigava minha comida, bebia meu
vinho envenenado. Aquele homem – o pai – não sumira de mim no tempo. Mas
não era um fantasma. Era quase minha alma, quando entrava nos sonhos sem
rosto, olhos na nuca, meu destino, minha razão. Meu ódio. Lembrá-lo passou a
ser uma maneira de me vingar do tédio e do tempo. Uma maneira de regurgitar
prazer e nojo.
Cresci com ele. A imagem retorcida nos passos sem volta pela rua.
Cresci num adeus. Talvez por isso não consiga ficar, fincar raízes, construir
família, amigos, casa. Tenho pés no vento, no ar que me leva sempre para algo
não pronunciado, para uma palavra nunca dita. Sou uma fuga.
Os dois irmãos se casaram, família, filhos. Só eu só. Refém.
Poucas notícias, depois daquele vulto sumindo na rua. Soube que
construíra nova família, outros filhos, numa cidade vizinha.
Como perdoá-lo, depois da chuva nos cabelos da mãe? Como
esquecê-lo, perdido?
Agora, essa vontade de vingança que não sei bem onde explodira. Essa
faca na mão – como explicá-la? Por que, depois de tanto tempo, a vontade de
encontrá-lo? A vontade do confronto, do duelo? O desejo de abrir esse vulcão?
Essa querença de vida e de morte?
Nada me respondia. Nem o espanto. Nem a cegueira. Nem Deus nem o
diabo. Era ele e eu – e um adeus no meio.
Cheguei cedo à cidadezinha. Uma rua principal asfaltada, outras ruelas
que se esgarçavam, em barro e lama.
Pedi água num boteco. As mãos no bolso do paletó tremiam. O objeto
cortante furava o pano e quase rasgava minha pele. Como voltar? Por que
continuar? Por que razões a vida me escolhia para esse jogo de dados?
Pensei que os poucos olhares da cidade imaginassem sobre minha
chegada. Saberiam de tudo. Senti calafrios. Mas a voz da mãe na janela da casa,
com os cabelos e o rosto molhados de chuva, perguntou:
- O senhor conhece por aqui o Seu Malaquias?
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A pergunta me soava como gelo no sol. Me sentia derreter, pequeno,
arrependido, querendo voltar. Mas a vida não é uma luta de boxe. No boxe,
pode soar o gongo antes da derrota. A vida é abismo sobre abismo.
- Seu Malaquias? O enfermeiro? E quem não conhece aquele santo
homem por aqui, meu Deus! Aqui na cidade é ele na terra e Cristo no céu!
Aquele dali só sabe fazer o bem. Sai por aí, de casa em casa, a cuidar dos
velhinhos e das crianças, cuida da saúde delas, dá remédio, até abriu uma
creche para ensinar o povo a ler e a escrever... Seu Malaquias é mesmo um
santo, seu moço!... Mas quem é que pergunta?!
O suor de um vento frio me passou no rosto, as pernas tremeram.
Pensei que fosse desmaiar. E agora?! Que merda eu tô fazendo aqui?!
- Eu sou filho dele, disse, sem muita certeza.
- Filho?! O senhor disse filho?! O moço é filho do Seu Malaquias? Meu
Deus do Céu, que coisa boa! Me dê um abraço, moço! Filho dele é como se fosse
meu filho também...
Abraçou-me, realmente, emocionado.
- Venha, vou lhe mostrar onde fica a casa dele.
A casa amarela era simples, bem cuidada, com jardim e portão de
madeira. Fiquei bom tempo parado, na calçada em frente. A faca no bolso, olhar
vidrado à espreita. Um adeus no peito. Uma dor que vinha de imemoriais
poeiras.
Um velho surgiu na varanda, caminhando lento, arrastando chinelos.
Era como se eu quisesse fugir da realidade, e ela me chegasse em sombras e
espelhos. E nunca o sonho se fizesse tão real!
Abriu o portão e dirigiu-se à rua. Calça listrada feito pijama. Camisa
branca de botões. Pele morena. Caminhava devagar sob o peso dos ombros. O
pai!
Aos poucos, segui-o. Corpo em febre, olhos em fogo. Coração
estilhaçado. O sangue nos dedos.
Bati em seu ombro.
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Todos os deuses dos anos perdidos, todos os santos dos tempos
passados, todas as músicas não mais ouvidas, todos os latidos dos cães, todos
os ventos bravios, todos os amores esquecidos, todas as vergonhas das virgens,
todas as ruínas, todos os risos dos demônios, enfim, todas as dores ali se
aplacaram.
O corpo voltou-se vagarosamente.
Fixou seus olhos nos meus. Não precisou um gesto a mais.
- Adalberto, meu filho!
Uma lágrima de mais de trinta anos rolou em meu rosto.
Carioca, formado em Jornalismo e em Direito. Poeta, crítico, contista e letrista de MPB. 10 livros
de poesias publicados. Recebeu inúmeros prêmios, nacionais e internacionais, e participa de
dezenas de antologias, inclusive, no exterior. Representou o Brasil no México, por duas vezes, e
no Peru, em encontros internacionais de poesia. Tem poemas publicados em diversos países, e
traduzidos para outros idiomas. É membro do Pen Clube do Brasil e Presidente do Sind. Esc. RJ
(SEERJ).
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Metamorfose floral
André Van Dal
Paranavaí - PR
Certa vez, como muitas outras vezes, eu estava pensativo e vagando sem
direção fixa… De corpo quente, suado, cansado e quase morto, encontrei num
local inesperado uma “coisa” mais inesperada ainda. Ali no meu quintal, um
local tão próximo que ainda é inacreditável! Sempre passei por ali… Sempre o
via e nunca percebia nada. Acho que agora percebi que o ato de ver se divide
em dois: ver algo e nem notar que ele existe e ver algo e perceber a importância
que aquilo tem pra você.
Meu quintal não tinha muita coisa… Na verdade era todo bagunçado. Como a
minha casa estava em construção, ele acabou virando o depósito de entulhos.
Entretanto, em meio a tanto lixo jogado, um ramo de algo, que até então eu não
sabia do que era, começou a brotar. Pena que só o via de maneira correta
quando ele já estava crescido o suficiente para não precisar de mim… Deve ser
lindo acompanhar o crescimento de perto de algo tão belo assim.
Cheio de arrependimento, já que não acompanhei o seu nascer, decidi-me a
fazer tudo o que estivesse em minha competência e até além para que ele não
morresse e não fosse embora! Coloquei um pequeno cercadinho envolta dele e
uma placa de “afastem-se” pra que ele tivesse espaço e ficasse seguro. Arrumei
caçambas para retirar o entulho do quintal… Limpei e organizei todo o quintal
com as minhas próprias mãos.
Depois de tanto esforço para manter algo por perto que eu mal conhecia, ele
começou a desabrochar numa flor… Senti-me como se esse fosse um presente
pra mim, uma recompensa. Sim, me senti MUITO especial! (Você não se sentiria
se uma flor desabrochasse pra você e por sua causa?) Egocentrismo meu ou
não, isso me motivara ainda mais a continuar a cuidar daquela pequena
florzinha.
Ainda não era capaz de classificar aquele pequeno projeto de flor… Porém, a
ponta exposta de suas pétalas era um tipo de vermelho-rosado e o seu caule
engrossava cada vez que eu ia vê-la. Pensei que ela se sentisse muito sozinha
por eu não estar ao seu lado o tempo todo… Tinha muitas coisas a fazer, mas,
enquanto eu podia, eu estava mais próximo dela do que nunca.
Então, peguei algumas sementes que eu tinha comigo e semeie pelo quintal a
fim dela jamais se sentir só e sempre se lembrar de mim. As demais sementes,
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germinaram e floresceram… Tornaram-se lindas flores e puderam embelezar
ainda mais meu quintal medíocre. Ainda assim, o que mais me importava era a
minha flor que não florescera nem assim.
Gastei todo o meu tempo, até tempo que eu não tinha, para pensar em alguma
maneira de fazê-la florescer… Testei todas as minhas estratégias e nada deu
certo. Com o passar do tempo, acabei perdendo o gosto por fazê-la especial…
De que adianta eu me dedicar tanto se ela não vai desabrochar nunca? Tempo
perdido… Não há motivos para ficar.
Assim, comprei passagens para qualquer lugar e me afastei… Eu podia fazer
qualquer cosia e estar em qualquer lugar com qualquer pessoa, entretanto, eu
ainda me lembrava da minha flor que ainda não tinha desabrochado. Que
sentimento horrível achar que se fez todo o possível e depois desistir e, ainda
assim, querer voltar por estar repleto de arrependimento e de saudade. Não
demorou muito e eu voltei pra casa… A casa, em si, estava pronta do jeito que eu
tinha planejado, porém, não era para isso que eu estava lá, não é?
Atravessei tudo até chegar no meu quintal e quando cheguei lá, me assustei!
Entrei em pânico e comecei a chorar… O local estava cheio de flores… Muitas
flores… De vários tipos, tamanhos, cores e etc. Todavia, onde estava a minha
preciosa flor? Voltei por causa dela… Larguei tudo o que me preencheu pra
esquecê-la… Aí quando eu chego, ela nem mais estava lá.
Como não queria mais nenhum arrependimento, com cuidado procurei dentre
todas as flores a MINHA flor. Dias passavam, mas eu não conseguia sair dali sem
achá-la… Mesmo que só os restos delas, eu queria ela de qualquer maneira de
volta pra mim. Passaram-se um pouco mais de quatro dias, todavia, repleto de
alegria, encontrei-a quase da maneira que eu a deixei.
Em um primeiro momento, senti pena dela ter se desgastado… Porém, logo
depois, me senti orgulhoso por ela ter conseguido seguir sua vida sem mim,
sem que eu estivesse por perto.
O tempo foi passando e eu compreendi a maneira que eu deveria tratá-la… Por
mais que ela fosse muito especial pra mim, ela podia cuidar-se de si mesma e se
eu pudesse, compartilhar um pouco da minha vida com ela (como ela já fazia
me alegrando apenas por existir), teríamos o melhor um do outro. Desta forma,
com muito esforço e ardor, ela começou a desabrochar! Ela acabou se tornando
numa forma belíssima e exótica.
Independentemente das visões alheias, a minha era bem clara: jamais tinha
visto tamanhas características que pareciam ser feitas pra mim num corpo só!
Pelas classificações que as outras pessoas fizeram, ela era uma rosa-do-deserto,
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porém, pra mim, ela sempre seria e será a minha flor.
A minha rosa de pétalas em degrade, de baixo pra cima, de branco ao róseo até
o vermelho puro, com seu caule grosso, longo e resistente e repleta de folhas a
decorar a sua volta. Um contraste que não consigo esquecer… A combinação
parecia perfeita. Não via defeito algum naquela que eu tanto fiz tantas coisas
boas e ruins e, mesmo assim, ela ainda estava ali pra mim.
Ao mudar de estação, suas folhas começaram a mostrar buracos, ficar pela
metade e algumas até sumirem. Eu não entendi aquilo! Será que ela estava
morrendo e iria me deixar? Será que ela faria por mim o que um dia eu fiz por
ela? Não queria mais me arrepender de nada! Portanto, fiquei ao lado dela sem
retirar um segundo a minha visão. Nada encontrei… Decepcionante!
Deixei alguns dias de vê-la, quando voltei a dúvida sumiu. Num de seus ramos,
que pela aparência seria considerado morto, estava um grande casulo… Tão
grande que quase encostava no chão. Percebi, naquele momento, que a minha
flor tinha sacrificado suas folhas para que aquela larva, um dia, virasse uma
borboleta linda. E assim se foram mais de meus dias… Eu cuidava do casulo e da
minha flor para que ambos não fossem embora.
De repente, depois de alguns dias numa de minhas visitas matinais para conferir
o estado de quem estava aos meus cuidados, o casulo tinha se rompido! Eu não
encontrava mais nenhum traço de existência da borboleta que nascera da
minha flor… O ódio completou o meu coração oco! Como ela pode se alimentar
da minha flor e sumir sem dar satisfação alguma? Não conseguia entender
tamanha maldade!
Desta maneira, quanto mais os dias se passavam, mais a minha flor perdia suas
cores… Ela parecia tão cansada. Não tinha mais aquela vida e alegria que eu
presava tanto. A tristeza começou a tomar conta de mim… Não queria que ela
fosse embora. Jamais desejaria isso… Porém, se ela estava indo era direito dela
ir, já que uma vez eu fui, mesmo voltando, eu já abandonei ela uma vez e dou
essa liberdade a ela.
Sem muita demora, a minha linda, exótica, perfeita, importantíssima,
amavelmente bela flor acabou secando e morrendo. Creio que aquele foi o dia
mais triste da minha vida! “Eu a amei tanto e ela me retribuiu de formas tão
pequenas! A maioria delas devem ser coisa da minha cabeça… Ela nem deveria
se importar comigo!”, disse a mim mesmo. E, logo depois, “Como pude pensar
algo tão rude da minha flor? Perdoe-me minha flor. Deixarei você ir como você
me deixou ir, porém, isso não significa que um dia eu te esquecerei”.
Sem a minha flor no meu quintal, parei de visitá-lo. Tinha mil e um motivos para
100
lembrar dela… Eu sempre ficava triste. Queria tê-la pra mim… Pra sempre!
Entretanto, ela tinha partido e eu ficado aqui. Pensei em partir também… Mas e
as lembranças que eu tinha? As outras flores do meu quintal que eu não dava
atenção? Jogaria tudo o que já tinha feito fora?
Em memória a minha linda flor, passei a cuidar de todas as outras flores do meu
quintal independentemente de suas características… Agora sim, o meu quintal
já não era um quintal, ela era um jardim, um memorial! Passei a me entreter e me
alegrar apenas em manter a memória da minha flor viva apenas cuidando do
legado que ela me deixou.
Depois de tudo isso, enfim, vi algo voar sobre meu jardim… Amedrontado por
minhas flores que eu tanto cultivei, fui correndo até lá. Quando cheguei, dei-me
de cara com uma gigantesca borboleta, a maior que eu já vi. Como num cair de
ficha, percebi que aquela grande borboleta de asas em tons de roxo, era, nada
menos, do que a borboleta que foi gerada a partir de MINHA flor.
Aquela fúcsia borboleta era feita da minha flor! Então, a MINHA flor nunca tinha
me deixado! Ela apenas mudou de forma… Ela sempre esteve por aí me
procurando. E agora me encontrou!!! Felicidade plena numa imagem só. De
novo, me arrependi dos meus pensamentos sobre minha linda flor que me
deixou, como legado, meu lindo jardim e essa linda borboleta para que eu me
lembre de todo o meu esforço que eu fiz não foi só por ela… Foi por mim, foi
pelas outras, foi por nós.
Hoje, o meu jardim é melhor do que qualquer outro… Não por ser bonito e
repleto de vida, mas por me relembrar a MINHA flor! Do que ela me fez, do que
eu fiz a ela e, principalmente, do que eu não quero mais fazer para ninguém…
Seja a minha flor a qual preencheu-me de tudo que eu não achei necessário um
dia, seja meu jardim fonte de cultivo para tudo aquilo que renderá frutos a
qualquer pessoa, seja minha vida feita de arrependimentos, pedidos de
desculpa e perdões.
No dia 17 de setembro de 1996 André César da Costa Van Dal. Apoiado pela melhor família do
mundo, aos 4 anos já imerge no mundo computacional. Aos 9, apaixona-se pelo racionalismo.
Em 6 de março de 2013, numa quarta-feira, sem estar atento, se encanta pela inspiração de seus
pensamentos, apaixona-se por aquela sublime sensação. Desde então, desenvolve uma íntima
relação com suas palavras e escreve compulsoriamente. Hoje, cursa Ciência da Computação na
UEM e mantém seu blog Lenyeg.me.
101
Azarinho e o Caga-fogo
Renato Benvindo Frata
Paranavaí - PR
Envolvido por inteiro na viagem da imaginação enquanto seus dedos
martelavam as teclas do computador, o menino disputava um jogo de ninjas e
monstros que se digladiavam. A cada vida que ganhava na batalha, os ninjas
ficavam fortes e acumulavam pontos sobre os monstros que ressuscitavam
compondo outras dificuldades, para depois receberem saraivadas de golpes
marciais e jatos esponjosos que os deixavam molengas, sendo abatidos de vez
por explosões.
O avô se aproximou, olhou esticando o pescoço, passou a mão num
afago e falou: - Diferença do meu tempo, nessa hora estaria na rua, e não
enfiado em casa perdendo a cor em frente a essa máquina de loucos... Largue
isso, menino... E vá brincar de verdade...
- Vô, - respondeu sem deixar que os dedos parassem de computar
vidas - é que no seu tempo não tinha os brinquedos de agora...
- Pode ser, mas a gente tomava sol, suava, furava os pés nas pedras,
trepava em árvores, caía delas, vivia ralado dos tombos... A considerar como
você brinca, meu tempo era mais agitado. Ah, se era! Quando o vejo entalado a
essa cadeira, nem sei o que pensar. É perda de tempo, menino.
- Mas não posso sair; a mamãe não deixa...
- O que fazer? – Resmungou, sem saber a resposta.
A conversa passou, o jornal foi dobrado e repousava do lado, até que o
neto gritou: - Ah-ah! Cambada, peguei vocês... – E se virando: - Quer comparar
meu jogo com os seus? Quer? – Insultou. – Fiz mais de trinta mil pontos.
Quantos ganhou subindo em árvores?
- Desse jogo nada sei, você é imbatível, mas garanto que nunca viu um
caga-fogo.
- Caga-fogo? – Tapou a boca com a mão em concha. - É nome feio? Ah,
se a mamãe sabe que a gente está falando isso, vai ficar muito das brabas...
- Não é feio, não. Quando souber de que se trata verá que é muito
bonito e interessante.
- Mas péra aí, o que tem ele de importante?
- O caga-fogo nada, mas o Azarinho tem.
- É história do seu tempo?
- Azarinho existiu sim, sofreu muito, mas deu a volta por cima...
- Então conta, antes de iniciar a outra fase. – E se ajeitou no sofá.
- Foi assim: A cidade era pequena, com apenas uma venda, dois ou três
102
botecos, o posto de gasolina para os caminhões da usina, a igreja, a escola de
madeira, o campinho de futebol, o casario das pessoas. Ali quase todos
trabalhavam na usina e eram pessoas rudes, de gestos grosseiros, sem
educação esmerada.
- Faz tempo?
- Tinha o seu tamanho, mas me lembro bem. Não havia esse trânsito de
agora que impede as crianças de brincar na rua, os caminhões eram poucos e
passavam devagar, gemendo com o peso da cana. As pessoas andavam a pé, a
cavalo ou com carroças, e as ruas eram extensão dos quintais, tínhamos
liberdade de nadar no ribeirão, soltar pipa no campinho e até de surrupiar
frutas. Uma Delícia. Só não era bom quando chegava o boletim escolar e aí a
seriema cantava... Vinham puxões de orelha e promessa de castigo se as notas
não subissem...
- Ah! Ah! Ah! Você era safado na escola? - Ajeitou-se no sofá se
agarrando às suas pernas e o acompanhava na narrativa complementada de
gestos, e à medida que contava desenhava com as mãos a história.
- Pois bem, um dia quando o sol mal nascia o dono do posto de
combustível foi abastecer um caminhão e estranhou um embrulho largado no
pé da bomba. Ao agachar para se certificar, algo nele se mexeu e gemeu. Parecia
um gatinho procurando as tetas da mãe. Seu Raul desfolhou a ponta do pano e
se arrepiou por inteiro.
- Puta que pariu! – Gritou assustado. - Não era um gato, mas uma
criança que gemia e tremia de frio, coitada.
- Ela foi esquecida?
- Abandonada. Não se sabe se por maldade ou doidura. Então seu Raul
pegou o embrulho com cuidado, escarafunchou um pouco os panos e... – Valha
me Deus, não acredito nisso! – expressou quase a jogando para cima.
- Ele teve medo do bebê?
- Virgem Santa, o que tenho nas mãos? E se arrepiou dos pés à cabeça
qual ouriço raivoso...
- Por que do medo, vô?
- O susto foi tão grande porque não esperava encontrar àquela hora
um bebê em seu posto de gasolina.
- Ô loco! E o pai dela não apareceu? – Indagou curioso.
- Acho que não tinha pai, nem irmãos. Aí a notícia invadiu a cidade na
velocidade do vento provocando foi um corre-corre danado, e em minutos
juntou um mundaréu de gente para ver. Homens com ferramentas que se
desviaram do trabalho; mulheres com trouxas de roupas que não foram à mina;
moçoilas arrumadas para a escola, crianças remelentas de chupeta na boca,
cachorros sarnentos e gatos chorões, todos curiosos com a novidade.
103
- Você foi ver a confusão, vô?
- Não, eu dormia. E o pior é que cada qual que ali chegava, indagava de
onde saíra a criatura.
- Quem viu, quem não viu? Como foi? De onde veio? De quem é? - E o
seu Raul ali com o embrulho nas mãos, a mostrá-lo como um troféu.
- Eles também ficaram com medo?
- Receosos. Isso deve ser filho do Cão – disse um. – Outro opinou: - É
extraterrestre, é algum marciano que se perdeu. Já vi na revista que são assim... –
Essa criança é muito feia para ser gente – disse outro. – Olhe só o tamanho da
cabeça dela, parece uma bola! Nenhuma criança tem cabeça de bola...
- Mas – continuou - antes que alguma coisa de ruim acontecesse, umas
mulheres se juntaram, tomaram o embrulho e o desembrulharam: - É só um
menino, gente, nunca viram um? Tá certo que não é uma belezura, mas é só um
menino... - Feio desse jeito, não. Parece até filhote de cruz credo! - Respondeu
alguém.
- Que confusão, meu!
- Infelizmente foi uma demonstração de bobagens, porque a criança
era diferente da maioria dos bebês que são lindinhos, cheirosinhos. Só depois é
que o povaréu se acalmou e tomou o rumo da vida, e nesse vai-que-vai, vemque-vem cada qual inventou uma história sobre o aparecimento ali no posto,
coisas que o povo atrasado diz do que não conhece.
- Aí lhe puseram o nome de Caga-fogo?
- Não. O Padre o chamou Batista, mas sabe de uma coisa? Podia ter
escolhido o mais bonito dos nomes que mesmo assim não pegaria. - Que
Batista o quê, é Azarinho! – E quando viam o menino, falavam: - Lá vai o azarado!
– Cai fora, caipora! – Xite coisa feia! - Chimba, cara de cachimba! – Coisas burras
que nunca se deve dizer de alguém, porque são preconceituosas. Para o povo
ficou sendo Azarinho, um diminutivo de azarão, eu acho.
- O apelido dele, né vô?
- A isso se dá o nome de bulliyng, que é a exposição de pessoas ao
ridículo, repetidas vezes, tudo besteira.
- Por que faziam isso?
- Por ignorância. Não se atinaram que a deformidade do menino vinha
de malformação dos ossos, e que pode acontecer com qualquer pessoa.
- Mas ele era tão feio mesmo? Não tô acreditando...
- Escute, o bonito e o feio não existem. O que pode ser bonito para mim,
poderá ser feio para você. Não vê os monstros do seu jogo como são
horripilantes? No entanto você lida naturalmente com eles, não é? Assim é que
104
aprendemos, mas que infelizmente com o passar do tempo criamos conceitos e
pré-conceitos. Feio e bonito são frutos de sugestões das nossas cabeças. O
moleque foi tido como horrendo porque tinha uma cabeçorra redonda como
uma bola de basquete, com três cores de cabelo: um chumaço preto que
tomava quase a metade, outro ruivo que descia do cocuruto até o pé do
pescoço e outro loirinho que completava o lado esquerdo da cabeça. Fosse
hoje seria chamado Punk.
- Então era até engraçado...
- Pensando assim era, e em vez de falar mamã, papá, essas coisas; falava
cantando numa língua que ninguém compreendia; nem o padre, nem o
fonoaudiólogo para onde foi levado. Era como se fosse uma língua estrangeira
que ninguém sabia decifrar. Talvez um dialeto antigo, perdido no tempo, mais
um motivo para ser evitado. Ninguém gostava dele.
- Por isso era o caga-fogo?
- Não, logo chego lá. O padre, sem saber o que fazer para dar ao
menino uma vida digna e evitar que continuassem a zombaria, entregou-o a
um casal a quem cedia seu pequeno sítio lá no cume de um morro, a um
quilômetro dali. Eles aceitaram a incumbência até como retribuição ao favor
pela cessão do sítio, e foi a maneira mais acertada, porque ali estaria protegido
do falatório. Então, dividindo o tempo e as tarefas da roça, Azarinho foi
crescendo... foi crescendo magro de um lado e gordo do outro, até virar um
moleque que seria igual aos outros da mesma idade não fossem seus aleijões e
a cabeça colorida.
- Ele sabia brincar?
- Claro! Brincava com formigas, mariposas, borboletas, galinhas,
coelhos, cachorros, gatos, bezerros, animaizinhos que viviam no sítio, e se
identificava, pois eles não tinham preconceito; aceitavam-no como era com seu
canto de encantamento.
- Legal...
- E aí, certa manhã, depois do café, Azarinho se pôs loucamente a
cantar. Não sabiam por que cantava mais alto que as outras vezes. E cantou, e
cantou, e cantou a quase estourar a garganta uma melodia longa e triste, mas
linda, naquela língua que ninguém entendia.
- Ele ficou doido, João, assustou-se penalizada dona Maria com a
cantoria.
- Sabe Deus o que faz Maria, - respondeu - Ele sabe o que faz...
- E o Azarinho sentado na soleira da porta não parava de cantar, até que
dali a pouco quando ninguém esperava um bando de rolinhas sentou nuns
arvoredos próximos, e todas passaram a arrulhar. Depois chegaram papagaios
que grazinavam, corujas que crujavam, bem-te-vis que estridulavam, pardais
105
que pipilavam. E foi chegando passarinho e foi juntando passarinho ali perto,
mais perto, ocupando a cozinha e a sala, até que dona Maria se assustou e disse:
- Menino, que diabo de tanto passarinho você está chamando? Nunca vi coisa
igual nessa minha vida, Virgem Maria!
- O que ele respondeu?
- Nada. Apenas sorriu e continuou cantando. Depois chegaram
galinhas cacarejando, porcos grunhindo, cabritas berrando, bezerros mugindo,
coelhos guinchando varando ou pulando a cerca; gatos miando em compasso,
cachorros uivando e até um carcará crocitando baixou do céu com as asonas
abertas no maior espetáculo de lindeza, encantados com o canto do menino; e
foi nesse momento que o Azarinho se levantou e sem parar de cantar, com
gestos se pôs a organizar a cantoria dos animais, de acordo com a extensão
vocal de cada espécie, os separando em grupos pela tessitura das vozes em
tenores, contraltos e sopranos; incluindo outros com vozes intermédias de
barítonos e mezzo-sopranos, com possibilidade de toques em falsetos, e até os
filhotes com vozes de tenorinos e contraltinos ganharam espaço naquela
sinfonia inusitada. E assim arrumados, cada qual do seu jeito e em posição
definida, continuaram a cantar com ele, dirigindo ao céu as suas vozes em
agradecimento à vida, à amizade, à compreensão, ao respeito e seguiram se
expressando com notas de uma orquestra bem afinada num salão imenso,
fazendo de conta que o terreiro do sítio era a mais esplendorosa catedral...
- Nossa, vô, o que é isso de baríto?
- Diz-se barítono, a voz aguda no canto lírico e no coral. A diferença
entre as vozes é a capacidade da intensidade de cada uma. Por exemplo, a
contralto alcança tons bem baixos, a mezzo-soprano é uma voz intermediária
que alcança tons baixos e altos, mas não tão baixos quanto uma contralto e nem
tão altos quanto uma soprano. Entendeu? E assim ele distribuiu os animais
observando a intensidade de suas vozes. Os mais agudos ficaram como
barítonos, os mais graves como sopranos, e assim por diante.
- Esse Azarinho era fela, em vô? Como conseguiu fazer tudo isso sem
parar de cantar?
- Ele era muito inteligente. Pena que ninguém tenha se atinado para
isso antes.
- O que ele cantava?
- Vá saber... Nunca se soube como ele conseguiu reunir os animais e
separá-los pelas vozes com tanta facilidade, mas cantavam uma canção tão
melodiosa, tão encantadora que enternecia a todos, até o jardim ficou florido
de uma hora para outra como num passe de mágica.
- Ô louco!
- É, virou um tapete de flores com orquídeas, alpineas rosa, amarílis,
106
angélicas, antúrios, rosas, cravos, begônias, copos de leite e uma infinidade
delas, plantadas no chão ou em vasos que se abriram em flor de uma só vez
como nunca havia acontecido, e como nunca mais se repetiu. E um perfume
intenso tomou conta do ambiente e se impregnou em todos. O vento que
soprava manso se encarregou de espalhar o perfume pela redondeza e o
quintal de dona Maria se transformou de tal forma que ela, meio atarantada e
sem saber o que falar, agarrou-se nas mãos do seu João, ajoelhou-se e se pôs a
rezar:- Virgem Maria Santa, eu lhe ofereço essa beleza de quintal pelo muito
que a senhora tem feito por nós. Agradecida por nos ter dado o Batista, esse
menino tão bom...
- Era uma tarde calorenta, mas o menino em êxtase nem se importava,
até que o sol se pôs e a noite caiu trazendo estrelas e uma lua linda no céu,
combinando com os bichos cantores e com as flores abertas ao deleite do
tempo.
- Legal. – Agitou-se o menino.
- E aí aconteceu o mais interessante e que ninguém poderia imaginar:
enquanto cantavam e a noite chegava, o terreiro da casa em vez de escurecer
com a noite foi ficando mais claro, mais claro, mais claro e um clarão de ofuscar
a vista chamou a atenção do seu João e de dona Maria que ficaram perplexos,
paralisados parecendo estátuas. – Não é possível -, disseram – isso não é
normal, é surreal...
- O que era, vô?
- Olhem gente, caiu uma estrela no sítio do padre! Olhem, olhem, está
no sítio, sim! Corram, vamos ver... - Alguém da cidadezinha gritou a plenos
pulmões, e logo um tropel de gente se ouviu na estrada para assistir à maior
resplandecência que reinava sobre o sítio e clareava a casa, o quintal e os
arredores...
- Virge nossa! Devia ser mesmo bonito de ver.
- Pois não é que uma nuvem de caga-fogos chegou fascinada pela
cantoria e ficou iluminando tudo num acende-apaga que não terminava?
Piscava, piscava, piscava a chamar a atenção.
- E o que é caga-fogo? É um pedaço de estrela?
- Não, é vagalume. São animaizinhos que enfeitam o céu com luz
fosforescente e encantam a vida de quem mora no campo. Uma nuvem com
centenas, milhares deles, sei lá de insetos que chegou e ficou ali, grandões,
barulhentos com suas asas e com seus faroletes ligados tingindo tudo com a luz
amarela.
- Iluminaram tudo mesmo?
- Foi a coisa mais linda que jamais se viu. O sítio ficou um esplendor de
aceso... Parecia um parque de diversões, ou melhor, um altar de igreja em noite
107
de Natal tão iluminado... Parecia que Deus havia projetado naquele canto de
mundo sua luz espessa em um farol enorme, tão grande a beleza das luzes dos
vagalumes acompanhando as canções do menino e dos bichos.
- Como os caga-fogos fazem isso de iluminar?
- Os órgãos que clareiam se chamam bioluminescentes e a luz é de
luciferina, uma substância que se oxida e provoca luzes no tórax com luz
esverdeada, e na bunda dele com luz amarelo-alaranjada, só ativada quando
voa. Solta um facho de quase um metro de diâmetro – assim, ó. - Agora imagina
uma nuvem de caga-fogos iluminando num só tempo um só lugar. Foi
resplandecente, lindo! Muito lindo!
- Tá legal! – E cá pra nós, o caga-fogo caga fogo mesmo?
- Não, apenas emite luz e esse é o nome popular do pirilampo, mas
vamos em frente: o Azarinho cantava, cantava e o sítio se encheu de bicho de
tudo quanto era espécie, e os caga-fogos iluminando tudo em pisca-pisca, uma
lindeza de olhar, até que pessoas começaram chegar e se enfiar curiosas entre
os arames.
- Que coisa linda, - seu João, - disseram. Isso é coisa de Deus? O
Azarinho virou anjo? Ele fala com os santos? Ele faz milagres? Por que esses
animais estão aí? E esses caga-fogos?
- Nada disso! - Esta é a resposta que ele pode dar pelos absurdos que
escuta. Batista é um menino especial que tem o dom de se comunicar com os
animais, e esse encantamento que vocês presenciam é a prova. Ele é sábio, não
o monstro que vocês desenharam. Já o ofenderam demais o expulsando do seu
convício.
- E daí, vô?
- Daí a cantoria continuou como havia começado e a noite foi
passando, passando, o dia foi amanhecendo com o povaréu espremido na
cerca, e quando o sol apontou no fundo do vale Azarinho diminuiu a
intensidade do canto, pediu que os animais retornassem às suas casas, bateu
palmas chamando atenção dos que permaneceram e falou como um doutor,
com palavras que todos entenderam:
“- Por esse tempo ouvi infâmias e preferi o silêncio. Quando a ofensa
não encontra eco se perde no vento. Minhas deformidades são as de
todos, como a cegueira de quem faz juízo de valor por causa da
aparência; a maledicência pela aspereza da língua; a pouca razão por
atos e omissões ao semelhante. “A deficiência prende por dentro e não
por fora, pois até incapacitados de andar podem voar”. Do outro lado
existe o perdão, e ”o arrependimento é divino que não tem efeito
apenas anti-séptico, mas cura e remove a cicatriz.” O desamor não me
provocou revolta, mas compaixão que é essência do bom. Peço que me
108
aceitem como as teclas do piano. Enquanto as brancas não são hábeis
para fazer a música completa, as pretas sozinhas também não, mas se
usadas em conjunto se sintonizam e compõem as melhores sinfonias
para ouvidos e almas. Nossas diferenças é que devem fazer nossa
igualdade“
- Ué, vô, mas ele sabia falar?
- Pois não há de ver que sabia? Só que guardou segredo até que
acontecesse o encontro dos bichos e da gente do lugar, para mostrar que não
há diferença alguma, pois todos têm um lugar no mundo, por isso é que estão
aqui.
- Hã...
- Aí ele se voltou para dentro e se sentou para descansar, e
envergonhadas, as pessoas baixaram as cabeças e se retiraram em silêncio,
compreendendo que haviam errado e que deveriam fazer algo para se
desculpar. Todos nós temos deficiências, por isso não devemos nos ater a
preconceitos, e como já disse, ninguém é bonito e nem feio, melhor ou pior. As
dificuldades são feitas para que as vençamos, e os espinhos antes de espetar
protegem a flor. Assim é que é.
- E o Azarinho Batista, como ficou?
- A professora o submeteu a vários testes de conhecimento e correu
fazer sua matrícula na escola. O tempo que havia perdido nos primeiros anos do
ensino não traria prejuízo, pois compensou com sua sabedoria inata. E passou,
veja só como são as coisas, a ensinar crianças que tinham dificuldade de
aprender. O Azarinho, agora Batista, sabia de um tudo, das contas de aritmética,
das lições de português e dos conhecimentos gerais. Ele era um craque!
- Caramba, vô, o cara era legal, mesmo!
- O padre chamou o povo numa grande reunião e lhes deu um pito dos
brabos, era hora de tomarem juízo, de respeitarem o próximo, de entenderem
que ninguém é perfeito. Então montou um belo altar ao ar livre e passou levar o
Batista para cantar nas missas. Enquanto ele cantava com a língua que ninguém
compreendia, as demais crianças ou tocavam instrumentos ou lhe faziam coro.
Assim, quando abria a goela transformava o pátio da igreja num verdadeiro
jardim zoológico sem grades, cercas, gaiolas ou divisas, com os animais tendo
acesso para chegar e sair quando quisessem. Conseguiu com humildade provar
que não basta ser bonito externamente, porque o que vem do fundo do
coração é que embeleza a pessoa, independente da sua altura, da cor dos olhos
ou da pele, dos cabelos, da sua magreza ou da sua gordura.
- Vô, onde você aprendeu isso, vô?
109
- Sobre caga-fogos?
- Não, sobre tudo.
- Nos livros, meu querido. Não há parque de diversão e nem jogo de
computador que se compare ao mundo de uma biblioteca. Tudo de bom está
ali.
O menino o interrompeu batendo-lhe na perna: - Tenho um pedido,
posso?
- O que quiser.
- Me leva à biblioteca?
A pergunta fez brotar um sorriso, gerar um carinho no cocuruto e um
envolvente abraço de avô. E assim apertados languidamente na amizade
aconchegante, o velho respondeu:
- Já, já, moleque. Vou lhe mostrar um mundo de conhecimento e
alegria, onde os amigos se encontram e se deliciam.
- Puxa, que história legal, será que um dia vou conhecer um caga-fogo
de verdade?
- Talvez, quem sabe a gente possa passar as férias num resort. Aí
sairemos à noite para observar o céu e descobrir algum vagalume. Combinado?
- Combinadérrimo. Vou ver como ele é e conferir se caga fogo mesmo,
ou se só tem faroletes na bunda!
- Vá avisar sua mãe que iremos sair. O mundo das letras nos espera!
...
Renato Benvindo Frata, professor universitário aposentado, contador e advogado, é
titular da coluna Falando Sério, no Jornal Panorama, de Paranavaí, editou os livros: A Pá de
Polenta (Conto), Reflexão dos Cinquenta (Conto), O sapo Chorão (Infantil), o Cavalariço e a
Rainha Roxa (Contos e crônicas), Quarto de Solteiro e Outras Crônicas (Crônicas), Ipê-Amarelo
(Contos e crônicas), Histórias Alegres (Infantil). É presidente de honra da Academia de Letras e
Artes de Paranavaí.
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MÚSICAS
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COMISSÃO JULGADORA
TOM SOUZA
Curitiba - PR
Ganhou prêmios literários com contos, crônicas e poesias. Prêmio de “Uma das Três Melhores
Músicas do Paraná” e “Melhor Conto Regional”, FEMUP em 2001 e prêmio de 2º lugar na categoria
nacional em música no FEMUP de 2003. A letra da música “Badulaques” foi classificada como uma
das cinquenta melhores poesias do Concurso da Câmara Brasileira de Jovens Escritores e editada
em sua 1ª Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos.
JORDANA SOLETTI
Curitiba - PR
Formada em Bacharelado em Música Popular pela Faculdade de Artes do Paraná (Unespar). Gravou
seu primeiro disco aos 13 anos junto com Uyara Torrente, com composições de Paulo Cesar de
Oliveira (Grupo Gralha Azul). Desenvolveu um trabalho vocal com o grupo Bayaka e gravou 3
álbuns. Morou 3 anos na Espanha onde fez shows em Pubs e bares. Vencedora do Concurso Lady
Rock, de Curitiba. Está gravando seu primeiro disco solo com previsão de lançamento para meados
de 2015.
GISELE SILVA
Londrina - PR
Atriz e intérprete da MPB, natural de Paranavaí-PR, bacharel em Artes Cênicas pela Universidade
Estadual de Londrina. Em meados de 2000, começou a frequentar os palcos da boemia londrinense
interpretando canções de compositores da Bossa Nova. Neste passeio pelos bares foi inevitável o
encontro com músicos imprescindíveis para os trabalhos musicais aos quais atua, ou atuou como
cantora: Banda Wave, MPB voltada ao repertório da Bossa Nova; Mama Quilla, em turnê com seu
terceiro trabalho autoral, o disco "Segue reto toda vida"; Soul Brasil, projeto que divulga a MPB na
Dinamarca; Sambulantes, há 8 anos ilustrando os palcos​​, cantando a história do samba e Bloco Bafo
Quente, que com sua quente batucada tem botado os pés vermelhos para dançar ao som dos
diversos ritmos brasileiros.
JUCA FERREIRA
Paranavaí - PR
Cantor e compositor, integrante do Grupo Gralha Azul. Já foi premiado em várias edições do FEMUP
e outros festivais pelo Brasil. Formado em Direito (UNIPAR). Gerente da agência dos Correios, em
Paranavaí.
IVO PESSOA
Japão
Começou a cantar e tocar por volta dos dez anos de idade. Cada vez mais interessado pela música e
suas vertentes debruçou-se inteiro sobre o blues, o rock e o jazz, tem um carinho e uma emoção
muito especiais quando o assunto é música popular brasileira. Dono de uma voz inigualável, Ivo
Pessoa arranca suspiros e aplausos por onde passa.
112
MÚSICAS - FASE NACIONAL
Caio Martinez e Fernando Leitzke
Anderson Torga
Sapato furado
Porto Alegre - RS
Cantador
Belo Horizonte - MG
Donna Duo
Flávia Ellen
Previsível
Porto Alegre - RS
Quase sem vergonha
Belo Horizonte - MG
Valéria Pisauro e Daniel Conti
Ruthe Glória
Braile
Campinas - SP
Quando disse adeus
Praia Grande - SP
Sandro Dornelles e Zeca Barreto
Robson Luiz
Segunda divisão
Várzea Paulista - SP
Sina dos esquecidos
Alegrete - RS
Raul Misturada
Leo Aprato
Festim em festa
Curitiba - PR
Branditt
Porto Alegre - RS
Wolf Borges
Zebeto Corrêa
Boca de forno
Poços de Caldas - MG
Outro lado da noite
Belo Horizonte - MG
113
MÚSICAS - FASE REGIONAL
Marquinhos Diet
Irmãos Bellanda
Tropeço
Paranavaí - PR
Caribe paranaense
Paranavaí - PR
Chico Ramos
Gisele Tanaka
Passaredo
Paranavaí - PR
Todos um só
Paranavaí - PR
Sirley Leonardo
Jhonatan Aguido
Deixando a vida acontecer
Paranavaí - PR
Entre luz e escuridão
Paranavaí - PR
Willian Nazário
Marcos Henrique
Minha ancestralidade
Paranavaí - PR
Liberté (1789)
Paranavaí - PR
Beto de Sá e Tonho Marques
Guilherme Rebelo
Gaiteiro toca uma vaneira
Paranavaí - PR
Chico Baiano e o Samba-Enredo
do Cotidiano
Tamboara - PR
João Henrique
Mandela
Paranavaí - PR
Larsen
Balada para ver o céu
Paranavaí - PR
114
BRAILE
Valéria Pisauro e Daniel Conti
Campinas - SP
Chega de manhas,
Artimanhas, aspas.
Dispenso ladainhas,
Lero-lero e interrogação.
Quero o contato, o tato,
O flashback e o olfato
Da reticência em vão.
Não venha com histórias,
Memórias, nem exatidão.
Busco o indiscreto,
Infinitivo concreto,
Que transforma
Ardentes ais
Em interjeição!
Quero o sujeito composto,
Predicado do corpo,
Objeto em transição.
Locuções livres,
De palavras mudas,
Afogadas em salivas,
De verbos de ligação.
Busco o braile de suas mãos
Cicatriz adverbial,
Sem esquema,
Algo que eu gema,
E durma apaixonado,
Acorde frase completa
E com ponto final.
115
Busco o braile de suas mãos
Cicatriz adverbial,
Sem esquema,
Algo que eu trema,
E durma apaixonado,
Acorde frase completa
E com ponto final.
Daniel Conti é compositor, cantor e violonista da nova geração de grandes artistas brasileiros.
Formado em Violão Popular pela UNICAMP, em Canto Popular pela EMESP e pós-graduado pela
FASM. É dono de um timbre doce, porém encorpado e potente e de um repertório de muita
qualidade, garantindo destaque em renomados festivais de música. Seu primeiro CD chamado
pluralidade foi lançado em 2008. Em 2014, mais maduro e experimentado, está lançando o seu
segundo CD, Estadia.
116
Quando disse adeus
Ruthe Glória
Praia Grande - SP
Alta e clara noite em vermelho a aveludar
Sou a silhueta indo a qualquer lugar
O que foi que aconteceu?
Os sinos já não tocam
E os pássaros pararam de cantar pra mim
Longas caminhadas e horas a pensar
Eu te amei, eu te entreguei até meu ar
Como um rio que perde o seu encanto eu me esvaí
Rosa sem perfume
Estrela que caiu do céu
Beira precipício e fel
Sangue sem virtude
Grito sem nada a alcançar
Traz o que levou quando disse adeus .....
Rosa sem perfume
Estrela que caiu do céu
Beira precipício e fel
Sangue sem virtude
Grito sem nada a alcançar
Traz de volta as cores,
Traz o seu sorriso e acende o meu
Formou-se em canto pela ULM em São Paulo sendo uma das musicistas mais atuantes no
circuito festivaleiro nacional, totalizando mais de 70 prêmios nos festivais mais importantes do
Brasil, além de atuar na área didática, shows e jingles para emissoras como Nickelodeon entre
outras. Elogiada por compositores como Walter Franco, maestro Agenor Ribeiro e Maria Gadú,
Ruthe Glória foi uma das 5 cantoras brasileiras que representaram o Brasil num evento nos EUA
em 2013.
117
Quase sem-vergonha
Flávia Ellen
Belo Horizonte - MG
Quando eu negar, disser besteira, tentar não dar bandeira pra você não notar
Então vai lá, me diz por que usar esse perfume só pra me provocar
Não vai querer se eu me entregar, desvio então
Olhares pra você não se achar
Não vai saber se eu não falar que todo dia em
Você penso, já não dá pra negar
Ah mas se você me olha dizendo que rola e me dá bola,
Pego a viola e canto um samba só pra te cantar
E te pego de jeito, ao pé do ouvido, com todo respeito
Delicadeza, digo com certeza, você vai gostar
Me vê de banda e faz um charme, realça a vaidade pra atrair meu olhar
Não perde a pose, nem sai da linha, me disse o que
Não tinha só pr´eu te agradar
Fica atiçando e me esnobando, a culpa é sua por aumentar meu querer
E se não der pra me segurar, juro me comportar, sei que vai me entender
Ah mas se você me olha dizendo que rola e me dá bola,
Pego a viola e canto um samba só pra te cantar
E te pego de jeito, ao pé do ouvido, com todo respeito
E delicadeza, digo com certeza, você vai gostar
E se entregar no meu abraço, meu colo, cansaço
Juras até faço se a mim quiser se juntar
E já que gostou desse nosso caso, de ontem em diante
Te faço um instante. Ixi, só não te levo pro altar.
Compositora e cantora desde os 14 anos, violonista desde os 7 anos e futura pianista.
Apresenta-se em bares, eventos, centros culturais e teatros desde os 17 anos. Indicada ao
Prêmio Nova Canção de 2013, do Canal Multishow, com sua música Quase Sem-Vergonha,
parceria com o carioca Erler Gomes. É um dos destaques de um dos maiores sites de música
independente do país, o Palco MP3, com mais de 200 mil visualizações. Participou do quadro
Mulheres Que Brilham deste ano, no Programa Raul Gil.
118
Cantador
Anderson Torga
Belo Horizonte - MG
Ser um grande cantador, na alma te encontrar
Com brilho e com amor, sem ódio e sem rancor
Fazer brotar o som, dar vida a quem cantar
Sim, eu quero te encontrar
Compor lindas canções
Pro mar e o ribeirão
Pro rio, a flor e o irmão
O amigo, o sonho e a paz
O amor de nossas mães
Ser um cantador
É mais que cantar
É tocar em ti
É fazer brotar
Uma lágrima em seu olhar
Ser um cantador
É mais que cantar
É fazer sorrir
Buscar refletir
Renovar a alma e amar
Nas estradas que andei, veredas que cruzei
Cantei pra lua irmã, estrela aldebarã
Pro vento nas monções, pra chuva nas manhãs
As mulheres que amei, cantei, sofri, chorei
Compus e recompus, abri, cicatrizei, a alma e o coração
De amores me inspirei
Iniciou na música em sua adolescência, compondo desde os 16 anos de idade. Estudou canto e
violão, toca na noite de Belo Horizonte e faz shows pelo Brasil desde 1986. Participa de festivais
de música pelo país sendo premiado em vários deles, já tocou e gravou com vários artistas e
compositores, tendo como parceiros Rogério Guedes, Fran Oliveira, Will Mendonça entre outros.
Sua mais forte influência vem do “Clube da Esquina”, de artistas como
Beto Guedes e Milton Nascimento.
119
Boca de forno
Wolf Borges
Poços de Caldas - MG
Chá de cozinha, de cadeira e viaduto
Lá na cozinha tem travessa, tem trabuco
Não vem menino palpitá
Nem vai antes exprimentá
Na mesa que ocê vai prová
Olho no peixe, outro no gato e no pirão
O ponto certo, fogo baixo no fogão
O bolo pode embatumá
A água não pode secá
Colher de pau pra misturá
Lenha, faísca de pedra
Pega um chumaço de palhinha
Faz a cabaninha
E fogo ateia
Feijão tá pronto quando o cheiro denuncia
Café tá novo quando o povo anuncia
Colhe chumaço de cidreira
Faz um cozido a macaxeira
Maço de couve à quarta-feira
Compota esfria na janela e no alpendre
Só toma tento se os moleque pega e vende
Toca panela na moleira
Seca avental na frigideira
Vai no sorriso a cozinheira
120
Pega o tempero tudo fresco na colheita
O alecrim, a hortelã e a massa feita
Bate o fermento devagar
Ponta de sal pra compensar
Pertoso doce a intemperar
Toda raiz bota de molho no latão
Pra defumar mede 3 palmos do fogão
Amendoim pode soprar
Pé-de-moleque a esfriar
A fome vai pr'outro lugar.
30 anos de carreira, tem forte traço de resgate de ritmos brasileiros. Participou por duas
edições do Prêmio Rumos, (Fundação Itaú Cultural). Discografia: 2012 - PDQJO Soul, 2009 –
Circo dos Sonhos, com de Fátima Guedes, Toninho Horta, Toninho Ferragutti. 2007 teve seu
musical 1984, uma leitura musical gravado por Jucilene Buosi, baseado em George Orwell. Em
2003 Singular com a Leila Pinheiro, Cláudio Nucci, Paulinho Pedra Azul. 2003 lançou
o livro Catedrais de Vidro, 1998 - CD Ímpar.
121
Previsível
Donna Duo
Porto Alegre - RS
Previsível, previsível, previsível, previsível...
Você é uma milonga em lá menor,
É uma garoa em Curitiba, é uma caneta preta pra vender na papelaria.
Você é um veneno de matar, doer, é erro de ortografia
E é redundante isso acontecer, você se refazer.
E faz de novo tudo o que já fez, errar de novo aonde já errou mais de uma
Vez e acreditar em ti é concordar em andar na esteira sem parar.
Você é uma milonga em lá menor,
É roupa branca no ano novo, é pé de figo não nascer, caqui.
Água, que tanto bate até que fura, já me dá asco até tontura,
Ao ver você eu penso no que fiz pra ser tão infeliz.
E faz de novo tudo o que já fez, errar de novo aonde já errou mais de uma
Vez e acreditar em ti é concordar em andar na esteira sem parar.
Duas mulheres, duas vozes, duas cidades e muita música dentro desta simetria. O que une as
capitais Porto Alegre e Curitiba é exatamente este Duo, formado por Dani Zan e Naíra
Debértolis. Dani e Naíra são cantoras, compositoras e multi-instrumentistas. Trazem ao público
um repertório irreverente, feminino e jovem. Donna Duo traz suas músicas autorais e de
parceiros de maneira irreverente e natural, com ritmos que iniciam na milonga, passeiam pelo
pop e acabam por flertar com samba.
122
Outro lado da noite
Zebeto Corrêa
Belo Horizonte - MG
Fazer a noite, tocar a vida, cantar o chão
No brilho manso de quem destila o mundo no seu violão
Trazer nas mãos o riso, o pranto, o joio e o trigo, o jogo e a sedução
Prazer à noite, tocar o vinho, cantar o pão
Ser o silêncio da madrugada, ser o rumor da manhã
Pra despertar nos corações adormecidos novas emoções
Amiga, somos personagens esquecidas de um filme qualquer
Cantando temos água, terra, fogo e vento pra sobreviver
(E quando raiar o dia leva um pedaço de mim
Mesmo que o tempo já tarde, e que nem lembres meu nome)
Saber da noite os sentimentos, as sensações
Trilhas e sombras, luas eternas, ternos momentos de luz
Olhos e almas se tocando nesse ritual de comunhão
Fazer da noite o alimento, carne de sol
clave de sonhos, como se a terra compreendesse a canção
feito semente a germinar no incerto do sertão...
Amiga somos personagens esquecidas...
Cantor, compositor, instrumentista e produtor cultural, Zebeto Corrêa tem 12 cds gravados e
prepara atualmente o lançamento de seu mais novo Cd, “Poemas para cantar e dançar”.
Participante ativo dos festivais de MPB por todo o país tem mais de uma centena de premiações
seja como compositor, seja como intérprete. Foi também semi-finalista do Prêmio
Visa-Compositores.
123
Branditt
Leo Aprato
Porto Alegre - RS
Sei, eu sei que vou ter que ficar aqui por mais um tempo
Até tocar você de novo
Ter o teu gozo sem fim
Desde o começo, o teu gozo sem fim
Mas e no fim, quando a fumaça do teu cigarro não me tocar diferente
Quem vai ficar velho comigo e tonto?
Já sou um fósforo apagado, somos nós
Sem ninguém a falar
Nem hoje, nem ontem, muito menos há manhã
Pra curar minha ressaca de ti
Toca violão desde pequeno e não é um poeta, mas enquanto poeta é um inconformado por natureza e
um questionador dos valores e das convenções sociais. Nas suas canções, os versos nem sempre são
diretos e os caminhos que usa pra gritar ao mundo seu descontentamento nunca são os óbvios. O seu
primeiro EP, “Minha Confusão”, tem quatro canções. "Branditt" abre o disco com um arranjo
surpreendente e traz, numa narrativa atemporal, a perspectiva dramática da desilusão de uma grande
paixão.
124
Festim em festa
Raul Misturada
Curitiba - PR
Gente que vai e vem
Na noite escura lua nova que vai e traz
Mudanças simples importantes que você não vê
Conglomerados de energias infernos astrais
É na espreita que o couro pode gemer
É na roleta que o mundo vai te lançar
É a lapada do bilhar que vai te marcar
E o caminho da caçapa a te abocanhar
Pra onde vai de onde vem o querer saber?
Se questionar não aceitar a imposição
Roleta russa de emoções quer te ver moer
O que é puro inovador versus tradições?
Quem erra um tiro de canhão não vê
Que um festim cairia bem
Um pinote em Jerusalém
Pra beijar a outra face
Vem do nada! Tomando tudo a soco!
Um quilo de farmácia, um kilobyte em brasa.
Vem do tudo! na contramão do mundo!
Farrapos glamorosos fazendo “vandevour”
Cantor, compositor, multinstrumentista, arranjador e produtor musical. Esses são os atributos
que compõem as várias facetas do pernambucano Raul Misturada, nascido em 1986.
Atualmente reside na cidade de Curitiba (PR) e desenvolve diversos trabalhos no sul e sudeste
do país. Até o presente momento lançou 5 discos e já recebeu diversos prêmios por seu
trabalhos, dentre eles, o Prêmio Nacional de Excelência em Viola Caipira, pelo disco Quântico,
promovido pelo IBVC.
125
Sina dos esquecidos
Robson Luiz
Alegrete - RS
Despertou junto ao sol da manhã
Ele cedo plantou seu destino nas mãos
Com seus calos nos pés
Passos frágeis no chão
Que nunca vai ser seu
Somente esta canção!
Carregou todo o peso da cruz
Pelo pão e um sorriso
De seu único filho
Que nasceu do amor que o tempo levou
Só ficando a semente
Que um dia brotou
Que um dia raiou
E o poeta cantou
A ciranda da vida é que nos faz assim!
Trabalhou sempre horas a fio
Ele nunca ganhou o ouro que o sonho viu
Das promessas de pé
Só sobrou um tostão
Que o patrão lhe cobrou
Pela sua oração
Descansou seu corpo encharcado
O alimento que tem é um choro engasgado
E o menino acordou
E o choro secou
Por sua bela semente
Leonardo Palau é intérprete, residente na cidade de Alegrete-RS. Já trabalhou com diversas
vertentes musicais e atualmente trabalha em parceria com o compositor Robson Luiz, de BelémPA, representando-o em festivais de Música Popular. Com esta parceria, já classificaram músicas
em diversos festivais nacionais, tendo sido recentemente premiados no
27º FUC, em Ponta Grossa-PR.
126
Sapato furado
Caio Martinez e Fernando Leitzke
Porto Alegre - RS
Sapato furado, aluguel atrasado
Uma mão no sonho outra na ferida
Sou bêbado equilibrista
E nesse descompasso vai a vida
Quem era pra defender puxa o tapete
O governo furando o meu olho
Tô matando a caspa do cabelo
Pra economizar piolho
O pouco que havia no prato sumiu
Um dia sem nada no outro vazio
Salário de otário, o rico ao contrário
O não-milionário que a luta pariu
Um olho no peixe o outro no gato
O Tom e o Jerry morreram de fome
Pro rato, coitado, aqui não tem queijo
Tem nada pro bicho, tem nada pro “home”
Reviram meu (mil) lixo, tem nada, tem nada
O rato foi embora do porão
E o Tom sem o Jerry mia pelos cantos
Meu gato vai entrar em depressão
Usar a voz com requinte para cantar seresta e samba-canção ou jogar com balanço quando o
samba é mais ritmado. As várias facetas deste intérprete de música popular retratam o estilo
com que incorpora as histórias do samba para transmiti-las de forma envolvente, através de sua
singular interpretação.
127
Segunda Divisão
Sandro Dornelles e Zeca Barreto
Várzea Paulista - SP
Não tem mais de onde tirar ah! Então trata de inventar
Acha um lugar,dá teu nada prum cada não morrer na praia
Pra filho, cachorro e mulher, tem mais nada pra quem quiser
Se não der pé, desafoga um na sobra arrecadada e dá.
Nem rabada, nem Papai Noel pra ninhada
De ovo de páscoa nem casca
Que coisa feia, ta com a boca cheia, nada de falar
Nem palavra pra pôr no papel
Embrulhada na trouxa nem raspa mas acha lá
Faz um mexido que o que é de bandido tem que preservar.
Pra no dia em que te faltar, ter mais nada de onde tirar
Pro teu cantinho no céu.
Enquanto a tua hora não vem bem
Dá pra quem não tem, tu inda tem muito nada pra dar
Vibra no gol mas cuidado pra voz não falhar
Grão de feijão, segunda divisão de nada.
(Yo no tengo nada que dar
Puedo dar tudo lo que tengo)
Sandro Dornelles é compositor, cantor, violonista e blogueiro, de Cachoeira do Sul (RS).
Nos últimos 13 anos residiu nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, lugares onde se
apresentou em diversas casas de shows. Formou-se em Letras (Bacharelado) pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Publica desde o dia 1º de janeiro textos diários no blog “365 Dias de
Dor”. Sandro tem composições de sua autoria gravadas por diversos artistas e que já
participaram de vários festivais pelo país.
128
Balada para ver o céu
Larsen
Paranavaí - PR
Voa vento e o carrossel desenho de lua
Voe enquanto seus cabelos se agitam ao dançar
Quero os teus lábios de mel, em minha boca suja
Enquanto eu me perco pensando em ir te encontrar, pra ver o céu
Voa tempo passa logo pra eu vê-la na rua
Voe dia, vá pra longe, é com a noite que eu encontrar
Passo tanto tempo inventando tantas coisas tolas
Ensaio todas elas, talvez te entrego numa hora ‘’H’’, ao ver o céu
Confesso que nem sempre digo
Tudo o que escrevi pra dizer
Faço coisas idiotas
Mas juro! São todas pra você
Até canções ruins, com rimas rasas
Fiz questão de escrever
Não é fácil, a gente sabe
Ninguém joga pra perder
Voa vento e o carrossel desenho de lua
Voe enquanto seus cabelos se agitam ao dançar
Quero teus lábios de mel, em minha boca suja
Enquanto eu me perco pensando em ir te encontrar, pra ver o céu
Mora em Paranavaí, onde nasceu, e segue trabalhando com desenho e música. Escreve e toca
no projeto Causa Própria, onde tem desenvolvido seus mais recentes trabalhos.
129
Chico baiano e o Samba-enredo do cotidiano
Guilherme Rebelo
Tamboara - PR
Chico baiano acorda cedo todo dia
Toma banho de água fria pra poder se despertar
E vai correndo aloprado pro coletivo bem lotado, espremido,
A condição que é popular.
Não que ele seja um sujeito de "sucesso"
Mas a ordem e o progresso, honras a ele devem dar
Trabalhou duro de janeiro a janeiro,
Amassando o dia inteiro a massa pro cão cozinhar!
O, o, o é o samba-enredo do cotidiano.
Criou dez filhos na miséria violenta
Com o bucho na costela, aprendeu a se virar
Agora que já está chegando nos setenta
Não sabe se vai aos oitenta, por que a dor é de lascar
É na cidade que se aprende a ser ninguém
Bem diferente de onde eu vim lá do fundo do Ceará
Criava pato, cabrita, bode e galinha
Tinha ao menos a terrinha que dava pra me "virar"
Num sonho tolo de TV dos "homí" gringo
Vim correndo me iludindo só queria "enricar"
Depois de tudo que vivi na realidade foi uma triste verdade,
Até minha mente se apaga
Fui um pedaço pequeno da manobra
Que se encaixa nessa roda e faz o mundo girar
130
A memória é tinta que pinta a tela da eternidade
Em memória daqueles que trabalharam duro
Para fazer a roda do mundo girar
E no fim morreram de desilusão.
Tem 20 anos, é estudante de Direito na Universidade Estadual de Maringá, começou a se
interessar por música aos 10 anos quando iniciou as aulas de teclado. Participou do FEMUP em
2012, com a música Revolucionário, ficando entre os 12 selecionados. Suas principais influências
são bem variadas, indo de Jorge Ben, Chico Buarque a Chico Science & Nação Zumbi e Planet
Hemp, entre outros nomes da música brasileira.
131
Mandela
João Henrique
Paranavaí - PR
Salve o negro sofredor que luta pela África do Sul
Mandela, Mandela
A minoria branca não quis lhe escutar
Muito sofrimento eu vi
Nas lágrimas do sul
Oh, oh, oh
Na África do Sul
Nas lágrimas do sul
Mandela, Mandela
Mas nossos irmãos não vão desistir de lutar
A guerra não terminou
E o sonho
Ainda pode vingar, oh, oh, oh, oh
Mandela, Mandela, negro sofredor
Mandela, Mandela, negro vencedor
Mandela, Mandela, salve Mandela
Salve Mandela!
Nasceu em João Pessoa, Paraíba. Chegou ao Paraná em 1991. Em João Pessoa participou da
cena punk local e começou a compor em 1988. Formou bandas de punk rock. Em Paranavaí
começou a tocar em barzinhos e continuou compondo. Formou a Banda Tio João que toca
composições próprias e a Banda Los Clandestinos que toca pop rock. Participou do Femup em
2003 e 2013. Este ano revive uma composição antiga para homenagear um ano de morte do
líder Nelson Mandela.
132
Liberté (1789)
Marcos Henrique
Paranavaí - PR
Carnificina diária, horário comercial
Criando ponto de aceno submersão social
Alguns ajustes, reajuste salarial
Pequenos concertos salvando um tal capital
Um conta-gota pingando milhares de sonhos
Possibilitando alguém viver do trivial
Já foi pro chão a bastilha e não se seguiu a tal trilha
De liberdade e igualdade universal
Todos nascem iguais só não no mesmo berçário
Alguns tem fralda de pano outros tem seda no armário
E a maioria sustenta a valia de um partidário
Que se diz tão bondoso mas não aumenta o salário
Liberdade, Igualdade, Fraternidade...
Desde que tudo corra em ordem e não se altere a verdade!
Democracia é palavra que soa só poesia
Na falta desta a nós só resta a revelia
Trocamos reis por senhores dos burgos
De pequenos avanços eu vejo um triste futuro
Parece uma piada mas é realidade
Cobrar o que é direito e não nos dão em verdade
Na papelada tudo é bom e corre bem
Mas na vida real isso é bom para quem?
O inciso primeiro do artigo segundo
Se apropria por direito de lhe chamar vagabundo
A lei é nossa mas alguém a redigiu
O problema é o sistema não é só o Brasil!
Marcos Henrique Guimarães, 22 anos de Paranavaí, guitarrista da banda Sub-Versão.
133
Caribe paranaense
Irmãos Bellanda
Paranavaí - PR
Ah! Não da pra acreditar no paraíso que eu vivo, na beleza da natureza
Presente no meu Paraná, e é aqui na beira do Rio onde a água cristalina
Reflete o imenso azul do céu, e no chão, estrelas brilhantes de areia reluzem
Aos raios do sol... em Porto Rico. No Paraná!
Sentado na areia, tomando cerveja, comendo petisco
Numa praia de água doce melhor do que o mar
Aqui não tem pirata só tem pirangueiro
Porto Rico é o Caribe do meu Paraná
E se você quiser vir “pra qui” eu te ensino como chegar
Fica perto do Avaí, mas não “Para no Avaí”.
E para navegar, a voadeira te leva depressa cortando o espelho até a
Praia de Porto Rico, no Paraná!!
Filhos de Adroaldo e Sônia, os Irmãos Bellanda são o Arthur e o Lucas.
O Arthur é compositor, produtor musical no Estúdio Garagem, e atualmente músico guitarrista
da Banda Elemento Principal, a qual Lucas também atua como Baterista e compositor. Estiveram
juntos esse ano com a Banda no Webfestvalda, o maior festival de Bandas Independentes do
Brasil, que aconteceu no Circo Voador, Lapa, Rio de Janeiro. Também já participaram de algumas
edições do Femup e do Fepam, ambos de Paranavaí-PR.
134
Deixando a vida acontecer
Sirley Leonardo
Paranavaí - PR
Nem todo dia é dia de Maria
Nem toda hora é hora de João
Quem casa quer casa
Quem dança quer festa
Quem rouba tostão
Ou falta vergonha na cara ou virou ladrão
Que atire a primeira pedra quem não tem nada a temer
Quem fala da vida alheia não tem nada pra fazer
Marimbondo voa depressa e não adianta correr
Água parada só fede se alguém mexer
Se eu não quiser eu não vou por a mão na massa
Se eu não quiser eu não te dou da minha cachaça
Você pode gritar, xingar, falar mal de mim por aí
Eu perdi o medo da sua língua
Relaxa e vai dormir
Hoje eu não vou passar na sua casa
Eu não quero mais viver sob as suas asas
Ninguém é pra sempre nem nunca será
Tive que aprender, vou vivendo e cantando e deixando a vida acontecer.
Sirley é compositora e intérprete, com trabalhos premiados em vários festivais pelo Brasil, além
de violonista, professora de canto e violão.
135
Tropeço
Marquinhos Diet
Paranavaí PR
Cada vez que eu me desvio
Acabo perdendo o fio
O fio que me conduz
Rodeado de psiu
Um convite ao desvario
Epa! Apagaram a luz
Cada vez que eu não resisto
Logo depois eu assisto
Minha novela de dor
Sempre que eu enfraqueço
Eu quase sempre me esqueço
Como sair desse horror
Se eu já sei que errar tem preço
Quanto custa o meu tropeço
Se eu já sei que errar tem preço
Quanto custa o meu tropeço
Por favor desconta
No que eu tiver de amor
Cantor e compositor paranaense, tem 25 anos de carreira musical, com 3 discos gravados: "Vai
Dizer Que Não" (1995), "Habitantes do Planeta (1999) e "Somos Lagartas" (2003). Foi vencedor
de vários festivais, sozinho e também com sua irmã, a cantora Luciana Niehues. Marquinhos está
colecionando novas composições que estarão reunidas num novo CD, em 2015.
136
Entre luz e escuridão
Jhonatan Aguido
Paranavaí - PR
A procura de uma luz pra mim
Nem que seja lá no fim do túnel, eu tento ir
Que me faça os olhos dilatar
Entre cores alucinantes
Ela vai, vai brilhar
Acontece que a escuridão me persegue
E não me faz alcançar, almejar
Ofuscando o meu pensar
É fácil dizer que as cores passam!
E que me faz desdenhar sem notar
Sem perceber a luz a me esperar
É uma briga constante enfim
Guerreando combatendo
Mais nunca vem pra mim
A luz que eu quero tanto alcançar
Ela vai, vai brilhar
Participou de dois Femup, um Fepam e outros festivais de música. Por mais que busque outras
profissões a música sempre correrá em sua veia.
137
Gaiteiro, toca uma vaneira
Beto de Sá e Tonho Marques
Paranavaí - PR
Gaiteiro, toca uma vaneira para esse povo balançar
Mete um balanço e um tranco de primeira
O povo ta na sala e ta doidinho pra dançar
No toque dessa gaita vamos cantar a noite inteira
A gaita me chama e pra sala eu vou
Dançar com morena mais linda que eu vi
Cai a madrugada e nos vamos dançando
Quando amanhecer eu saio daqui
Deixa amanhecer, deixa clarear
Nos braços dessa morena a noite é pequena pra gente se amar
Pode até chover, pode relampear
Gaiteiro abre o fole da gaita, mais uma vaneira e que eu quero dançar
Beto de Sá é músico, compositor e co-fundador da Banda Herança, a mesma que, com mais de
25 anos de carreira, já gravou várias de suas composições. Hoje atua como contrabaixista da
banda. Tonho Marques é músico, cantor, compositor e integrante da Banda Garrafão, que tem,
com ela, vários sucessos gravados.
138
Minha ancestralidade
Willian Nazário
Paranavaí - PR
Meu samba espelha
O que ao espelho
Meu coração sente...
Poente...
Olhos que me vêem
Desnudo do dissabor
Sou negro...
Minha ancestralidade africana
Além mar...
Minha gente é que é bamba
Vim ao mundo não para o açoite
Sim para a noite
Sou a origem do batuque e do amor
Do meu povo vem a esperança
A resistência...
A militância...
Vencemos...
A bonança.
Salve nossos orixás...
Nosso samba é a benção de pai Oxalá.
Samba, cultura maior brasileira de origem africana e europeia, fruto da mestiçagem social e
cultural, característica da formação do Brasil. O samba “Minha ancestralidade” apresenta a
presente consciência da negritude quanto às transformações sociais que vêem ocorrendo nos
últimos anos no Brasil, em que as pessoas negras, cada vez mais, entende-se como agentes da
história de nosso país, e percebem a si e aos demais numa perspectiva histórica de longa
duração onde os nossos antepassados são africanos, logo a nossa própria origem.
Sambista, compositor, professor, pai do João e do Rafael , os novos sambistas do pedaço.
Fundou junto a outros amigos o projeto Filosofia do Samba em 2004, um marco na História de
Paranavaí, defendendo o samba da antiga, o Samba na Vila (Operária) e o Projeto Mojubá (Nova
Aliança do Ivaí-PR), pois o samba nasceu no seio do povo e a ele deve retornar. Desde de 2005
participa de festivais de música do Paraná como FEMUP (o melhor de todos), FEMUCIC, FUM e
Samba do Compositor paranaense (Curitiba).
139
Todos um só
Gisele Tanaka
Paranavaí - PR
Nas poesias de uma criança existe a simplicidade.
Claro foco em seu ideal.
Lugar que emana inspiração.
Céu estrelado, lua cheia ao som das ondas do mar.
Mantemos viva a sua história.
Produzimos o nosso melhor.
Sábios surgirão no amanhã. Todos um só.
O orgulho não deixará
Que você encontre o lugar
Do eterno poder do saber.
Pare e pense! Livre em viver.
Atitude pra conquistar.
Aprender a compartilhar.
Respeitar o outro alguém.
Sem preconceitos sonhos vão além.
Neste lugar eu aprendi a apreciar a natureza,
Pois nela encontrei a paz.
O sol aquece o coração daquele que anseia por educação.
Paraná sempre a ensinar.
Inspiramos os seus contos.
Expiramos conhecimentos.
O amanhã será intelectual. Todos um só.
Aos 3 anos de idade, Gisele fez aula de canto. Participou de campeonatos de música japonesa.
Foi professora de coral infantil. Formada em Tecnologia em Estética e Cosmética. Especialista em
Gestão Financeira, Auditoria e Contabilidade. Hoje, Gisele Tanaka continua participando de
eventos artísticos realizados pela Unimed, seu atual local de trabalho.
140
Passaredo
Chico Ramos
Paranavaí - PR
O rio calmo vai formando correnteza,
Vai molhando a natureza e as belezas do lugar,
O passaredo revoando campo afora,
Gorjeando pra aurora, faz a mata despertar
No céu sereno, o sol em raios chamejantes,
Vem surgindo atrás dos montes, maravilha de se ver
E o arco íris faz moldura pra cascata,
Refletindo a cor da mata, abrilhantando o amanhecer
O arvoredo agreste parece que chora,
Em sincronia, com os ponteiros a bailar,
O vento envolve com seu manto a mata, a flora,
Vai embalando, qual criança pra ninar
E da encosta a água despenca das nascentes,
Formando véus prateados que, em dispersão,
Tornam-se chuva de orvalho reluzente
Que aparentam ser cortinas pro sertão
A tardezinha é poente o sol recua,
Reverente a deusa nua que vem para ornamentar,
De alvo celeste, branco ouro, prata pura,
Que com o verde se mistura e faz noite de luar
Sou um sertanejo em meio a este paraíso
E de mais nada eu preciso a não ser agradecer,
Ao Pai Celeste que criou essa riqueza,
Concedeu-me a natureza como abrigo pra viver
Começou a participar do Femup em 1974. Ao longo de 40 anos, classificou dezenas de
trabalhos, com diversas premiações. É jornalista, membro do Conselho Municipal de Política
Cultural e presidente da Academia de Letras e Artes de Paranavaí
141
DECLAMADORES
142
DECLAMADORES
CARLA MAZZIN
Atriz profissional e também atua em animação de festas infantis com números
de clown. Já participou de espetáculos teatrais como: “Síndromes – Loucos
como nós”, de Miguel Falabella e “Deu quiprocó”, adaptação do grupo Cia.
Oficinas, entre outras.
nu (ou tudo que eu tentava dizer era verso)
Roberto Gonçalves
Paranavaí - PR
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GISLAINE PINHEIRO
Atriz profissional; Bacharel em Serviço Social pela UNESPAR/FAFIPA; Presidente
do Conselho Municipal de Política Cultural de Paranavaí; Integrante do GT de
Artes Cênicas de Paranavaí; Atua como atriz na Caiuá Cia. de Teatro e participa
das edições do FEMUP desde 1997.
Diário de bordo de uma mulher em desespero
Graça Carpes
Rio de Janeiro - RJ
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RAMIRO PALICER
Bacharel em Serviço Social pela UNESPAR/FAFIPA; Integrante do GT de Artes
Cênicas de Paranavaí. Atuou como ator no Grupo TASP e atualmente na Caiuá
Cia. de Teatro. Participa das edições do Femup desde 2010.
Obra de fé [Sem luto]
Éder Rodrigues
Porto Velho - RO
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HIGOR FONSECA
De Santo Antonio do Caiuá - PR, tem 16 anos e se descobriu artista em 2014
com o GT Os Protagonistas, por convite de amigos. Já interpretou a adaptação
livre “O enterro da cachorra”, como Antônio Morais e “O casamento
suspeitoso”, como Dona Guida. Em sua primeira participação no Festival Zé
Maria de Declamação, foi um dos 12 selecionados para participar do FEMUP
2014.
Poema pra um café passado
Karina Limsi
Ilha Solteira - SP
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RAÍZA MEDEIROS
Fez parte do Núcleo Teatral da Vila, que era coordenado pelo professor Marcos
da Cruz, ficando entre os 12 selecionados nos anos de 2011 e 2012 no Festival
Zé Maria.
Descriação
Branco Di Fátima
Minas Novas - MG
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ANDRÉ FABRÍCIO
Acadêmico de Ciências Sociais, pesquisa drama social, rituais estéticos e
performances. Ator profissional. Participa pela nona vez do FEMUP, na categoria
declamação.
Pequeno tratado sobre a lucidez
Júlia Zuza
Belo Horizonte - MG
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144
DANIELA BONETTI
Atua no teatro há 14 anos e foi diretora de um grupo de artes cênicas ao longo
de sete anos. É poeta, declamadora, segunda secretária da Associação de Pais e
Mestres e Filhos do Centro Educacional Cecília Giovine e empregada
juramentada no Cartório da Segunda Vara Cível da Comarca de Paranavaí.
Também é acadêmica do curso de Direito da Universidade Paranaense (Unipar).
Relatório (poético) de mortes vividas (!)
Mario Lousada de Andrade
Terra Rica - PR
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GABRIEL ROQUE
De São Carlos do Ivaí - PR e atualmente residindo em Paranavaí, iniciou nas
artes cênicas ainda criança, interpretando alguns esquetes e peças para
apresentações escolares e espetáculos. Já escreveu textos teatrais educativos e
institucionais e encenou clássicos como “O auto da Compadecida”, de Ariano
Suassuna. Desde 2010 é membro do Grupo de Teatro Os Protagonistas e pela
terceira vez é um dos 12 selecionados para participação no FEMUP.
debora uma cancao
Felipe Figueira
Paranavaí - PR
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JOSÉ VALDIR JR.
Passou a se interessar pela arte e por suas expressões já nas primeiras séries do
ensino fundamental. Em 1993, com apenas 9 anos, declamava com o grupo de
alunos do projeto pedagógico da Prof. Elmita Simonetti na Escola Estadual
Newton Guimarães de Paranavaí. Em 1997 formou-se em teclado, pelo
Conservatório de Música e Artes Vitória de Paranavaí, tendo como mestre a
Profª Lúcia da Silva Barbosa. Participou pela primeira vez do FEMUP no ano de
2012, como declamador. Em 2013, ficou em 2º lugar no FESTIVOZ. Casado com
Simara Manso, desde 2006. Tornou-se o homem mais rico do mundo com a
chegada do seu filho Felipe, em julho de 2013.
Bioque Mesito's Series
Bioque Mesito
São Luís - MA
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LETÍCIA BRAMBILA
Cursa atualmente o Ensino Médio no curso Técnico em Saúde Bucal; Faz parte
desde 2013 da Oficina de Teatro da Casa da Cultura Carlos Drummond de
Andrade, onde atua em diversas performances cênicas e espetáculos como
“História meio ao contrário” e atualmente “Alice no País das Maravilhas”.
Participou como declamadora no FEMUP/2013.
Estação da mão esquerda
Giulia Barão
Porto Alegre - RS
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JEFERSON DOUGLAS BICUDO
19 anos, acadêmico de Letras, amante do teatro e literatura, paixão que veio por
intermédio da avó. Apaixonado pela profissão, trabalha em 3 Escolas de
Paranavaí. Sente-se honrado em poder participar mais uma vez do FEMUP,
agradecendo a Deus e a todos que sempre estão ao seu lado.
Nova Ode Mundial
Carlos Faetonte
Niterói - RJ
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PAULO ALMEIDA
Declamou em diversas edições do Concurso Zé Maria de Declamação e do
FEMUP, fez parte da Cia. Oficinas de Paranavaí, onde atuou em espetáculos
como “O mágico de Oz”, “A saga da pirâmide”, “Folia” e outros. Atualmente é
gerente de eventos da Casa de Show Lexus Club.
Tese, antítese e síntese... (apenas fragmentos)
Ludymila Johann Borges
Paranavaí - PR
146
COMISSÃO JULGADORA
21º FESTIVAL ZÉ MARIA DE DECLAMAÇÃO
Os objetivos do ‘’Zé Maria’’ incluem divulgar a arte de declamação de poemas, homenagear o
artista e declamador José Maria Cavalcanti, classificar declamadores de Paranavaí e Região para o
FEMUP, além de revelar novos talentos
ARLETE DELESPORTE, Campo Mourão, PR
Formada em Pedagogia pela UNESPAR Campus de Campo Mourão. Faz teatro há 6 anos. Ganhou
prêmio de melhor atriz no Festival de Teatro FETACAM 2013. Participou de diversas oficinas teatrais
relacionadas a expressão corporal, vocal e maquiagem artística. Trabalha como atriz no Grupo
Experimentos de Teatro e Cia. Casa do Verbo e ministra aulas de iniciação teatral no Projeto de
Extensão Cultural da UNESPAR. Principais espetáculos: Sara Kane (2010); O grande dia (2011); Os
fantasmas de Sônia (2012); Homem de fábrica (2013); O lado escuro do muro (2014) e Reino da
Impostolândia (2014).
LEIZA MARIA DA SILVA, Maringá, PR
Atriz, diretora é sócia fundadora da ATua Companhia de Teatro. Em 1997 estreou nos palcos
maringaenses. Fez parte da Cia Trianon de Teatro, TUM - Teatro Universitário de Maringá, Circo
Teatro sem Lona e Grupo de Teatro O Porão do Rio do Janeiro. No Rio de Janeiro, foi professora de
acrobacia e teatro, além de Gerente no Teatro Miguel Falabella e Teatro Maria Clara Machado. Em
sua trajetória como atriz mais de 12 peças profissionais e dois prêmios na categoria. Atualmente
atua e dirige o espetáculo “Balada de Um Palhaço” da ATua Companhia de Teatro.
LUCIANA GUEDES, Curitiba, PR
Atriz, performer, figurinista, encenadora, arte-educadora e gestora cultural. Iniciou seus trabalhos
artísticos na Cia. Oficinas e Tasp, da Casa de Cultura e do SESC de Paranavaí. Graduada em Artes
Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná.
TATIANA DIAS, Curitiba, PR
Atriz, técnica em Teatro e gestora cultural. Em Paranavaí participou como atriz da Cia. Oficinas da
Casa da Cultura e do Grupo TASP, do SESC. Hoje atua em Curitiba, onde fez o curso Técnico de Teatro
no Colégio Estadual do Paraná e trabalha na Companhia Ave Lola Espaço de Criação.
LUCAS FIORINDO, Maringá, PR
Ator profissional, iniciado e há 6 anos no TUM - Teatro Universitário de Maringá. Já participou de
diversas montagens, como A Visita da Velha Senhora e de diversos festivais, como o Festival
Internacional de Teatro Universitário de Blumenau. Ele também é poeta e músico, acumula dois
prêmios de melhor letra no Festival Acorde Universitário que ocorre na Universidade Estadual de
Maringá.
147
LEITURA DRAMÁTICA DOS CONTOS
SESC/Paranavaí – Projeto Futuro Integral
Direção: Tânia Mara Volpato
Azarinho e o Caga-fogo
Renato Benvindo Frata – Paranavaí/PR
Grupo Traça de Biblioteca
Direção: Maria Esther Ferezin Camargo
Bestiarii
Antonio Neto – Santa Maria do Jetibá/ES
Grupo de Teatro Unipar/Campus Paranavaí
Direção: Jhonatan Aguido
Como Bukowski ao estilo Hitchcock
André Moreira Felix – Paranavaí/PR
GT de Artes Cênicas
Direção: Marcos da Cruz
Metamorfose floral
André Van Dal – Paranavaí/PR
Caiuá Companhia de Teatro
Direção: Rosi Sanga
Sobre o sangue
Tanussi Cardoso – Rio de Janeiro/RJ
GT Os Protagonistas – SESI/Paranavaí
Direção: Reinaldo Marques
O amolador de facas
Cristina de Abreu – Niterói/RJ
Cia. Oficinas
Direção: Rosi Sanga
O sangue da rosa
Cristina Leite – Paranavaí/PR
Médicos do Humor
Direção: Talise Schneider
In manus tuas
Roberto Gonçalves - Paranavaí/PR
148
AGRADECIMENTOS
Prefeitura de Paranavaí
Rogério José Lorenzetti - Prefeito
Thais Matias - Diretora Especial de Expediente
Provopar
Drª Cristina Marques Dias Lorenzetti
Acácio Torres da Silva
Cleuza Cyrino Penha
Elvio Pizatto
Márcio Catiste
Maurício Gehlen
Podium Alimentos
Projeluz
Club Saúde
Sesi
Aciap
Casa do Soldador
Pama Print
Fiep
Secretaria de Comunicação Social
Jorge Roberto Pereira da Silva
Herikson Souza
Diego Plaça
149
HINO DO FEMUP
Luzes que emanam do alto
Iluminando nobres ideais
São jovens que querem crescer
E um dia hão de vencer
Nosso festival se expande
Projeta talentos, brados culturais
Pois seu campo de batalha é a cultura
Poemas e canções, de corações a sonhar
O FEMUP é um festival
Que há de sempre brilhar mais
Nossos jovens são assim
Decididos a vencer
Letra: Cleuza Cyrino Penha
Música: Carlos Cagnani
A letra foi atualizada em 1996
150
FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ
Diretor presidente
Paulo César de Oliveira
Técnica em expressões artísticas e
professora de teatro
Graciele Rocha
Diretor geral
Amauri Martineli
Voluntário (Casa da Cultura Carlos
Drummond de Andrade)
Gerente de desenvolvimento cultural
Júnior Guimarães
Talise Schneider
Professor de desenho e pintura
Assessor de eventos
Kreslen Matsumoto
José Elias Sobrinho (Cidão)
Professor de percussão
Agente administrativo
Glau Ribeiro
Amanda Caetano Ruiz
Professor de percussão
Recepcionistas
Nathália Merlin
Letícia Cardoso
Iluminador e cenógrafo
Adauto Soares
Hugo Ubaldo
Professor de percussão, bateria e Coordenador
da Escola Municipal de Música Luzia
Guina Machado
Rafael Torrente
Professores de capoeira
Assistente de palco
Marcos Paulo Gomes (Gerê)
Comunicação e jornalismo
David Arioch
Coordenadora da
Biblioteca Júlia Wanderley
Vanderli Pinto Dias (Coco)
Leandro Felipe de Jesus (Cabelo)
Henrique de Oliveira (Porão)
Professores de violão
Cristiano Brun
Fernando Bana
Maria Esther Ferezin Camargo
Coordenadora de atividades artísticas e
museológicas; Coordenadora da Casa da
Cultura Carlos Drummond de Andrade e
professora de teatro
Rosi Sanga
Professor de teoria musical, flauta-doce e
Coordenador da Banda Sinfônica Clave de Luz
Manoel Feliciano
Professor de clarinete, saxofone e
flauta transversal
Phernando Campos
Técnica em atividades artísticas e sociais
Elza Pavão
Professor de trombone
Eduardo Amaral
151
Professor de trompete
Maestrina do Coral Municipal Adulto e Infantil
Cidade Poesia
Marcinho Souza
Ester Cristina Back Schulz
Professora de circo e dança
Banda de Apoio do Femup 2014
Karina lima
Rafael Torrente
Gabriel Zara
Arnaldo dos Santos
Maurício Bana
Tânia Prado
Professores de dança
Ellen Lúcia Barbosa Augusto
Patrícia Romera
Dhow Brito
Professora de ballet
Tayna Mateus
Professor de violino
Mário dos Santos Silva
Professor de acordeom
José Alfredo Diniz Braga
Professor de violão, coordenador do
Grupo Eu e Minha Viola e Camerata de Violões
Arnaldo dos Santos
Atendentes de biblioteca
Esmeralda de Oliveira
Luísa Antonia Gerez Grolli
Suzana Cristina de Freitas
Tamara Spínola
Equipe de apoio
Charlene Pinheiro
Elisângela Araújo
Letícia Castro
Sueli Matias Lopes
Maestro da Orquestra de Sopros Paranavaí
Vitor Hugo Gorni
Maestro adjunto da Orquestra de
Sopros Paranavaí
Luciano Torres
152
FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ
Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa
Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade
Museu Histórico, Antropológico e Etnográfico de Paranavaí
Biblioteca Pública Municipal Júlia Wanderley
Biblioteca Cidadã Boulivar Penha
Escola de Música Luzia Guina Machado
Orquestra de Sopros Paranavaí
Coral Municipal Cidade Poesia (adulto e infantil)
Grupo Eu e Minha Viola
Camerata de Violões
Cia. Oficinas de Teatro
Cia. do Circo
Rua Guaporé, 2080 - Cx. P. 511
CEP 87705-120 Paranavaí - PR (44) 3902-1128
www.paranavaicidadepoesia.com.br
www.femup.com.br
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49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí
46º Concurso Literário de Contos
Promoção
Apoio cultural
Secretaria Municipal de
Comunicação Social
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Antologia 49º Femup – 2014 - Fundação Cultural de Paranavaí