Caderno do II Encontro Nacional de Agroecologia
Financiamento da
Transição Agroecológica
Grupo de Trabalho de Financiamento
da Transição Agroecológica
Articulação Nacional de Agroecologia
Junho de 2007
Editor:
Jean Marc von der Weid
Revisão técnica:
Jean Marc von der Weid
Revisão gramatical:
Rosa Peralta
Projeto gráfico e diagramação:
I Graficci
Tiragem:
1000 exemplares
SUMÁRIO
Apresentação .........................................................................................5
Capítulo 1 – Questões sobre o financiamento da transição para a
agroecologia e para a produção agroecológica ..........................................7
Capítulo 2 – Subgrupo de trabalho sobre o Pronaf....................................15
Relatório...................................................................................................................15
Resumo das experiências apresentadas: .......................................................................20
Pronaf Agroecologia – CTA-ZM.......................................................................................20
Pronaf Semi-Árido – Pólo da Borborema..........................................................................25
Pronaf Agroflorestal – Copatiorô....................................................................................32
Capítulo 3 – Subgrupo de trabalho sobre o Proambiente...........................37
Relatório...................................................................................................................37
Resumo das experiências apresentadas: .......................................................................40
Pólo Baixada Maranhense – Coospat ..............................................................................40
Pólo Noroeste de Mato Grosso – Ajopam .........................................................................43
Capítulo 4 – Subgrupo de trabalho sobre Fundos Não-Governamentais .......47
Relatório...................................................................................................................47
Resumo das experiências apresentadas: .......................................................................50
Fundos Rotativos Solidários – ASA-Paraíba ......................................................................50
Fundo Rotativo Banco da Mulher – Assema-MA.................................................................56
Fundo de Crédito Solidário – CTA-ZM...............................................................................57
Fundo Dema – Fase-Amazônia .......................................................................................63
Cooperativa de Crédito da Agricultura Familiar de Araponga (Ecosol) – CT.............................69
Capítulo 5 – Subgrupo de trabalho sobre Compra Antecipada (Conab)........73
Relatório...................................................................................................................73
Resumo das experiências apresentadas: .......................................................................79
Merenda Escolar – Pólo Sindical da Borborema .................................................................79
Banco de Sementes Comunitárias – AS-PTA .....................................................................83
Capítulo 6 – Oficina de debate sobre o Crédito Pronaf com os
representantes da Secretaria de Agricultura Familiar/MDA,
Banco do Brasil e Banco do Nordeste do Brasil.........................................93
Capítulo 7 – Conclusões ......................................................................101
Apresentação
Financiamento da Transição Agroecológica
Caderno do II Encontro Nacional de Agroecologia
(ENA)
Este caderno do II ENA apresenta os resultados do Grupo de Trabalho sobre
o Financiamento da Transição Agroecológica da Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA) que fundamentaram a preparação e a realização dos seminários e oficina sobre o tema durante o encontro.
O GT Financiamento deriva do GT Crédito criado logo após o I ENA. Durante
os dois primeiros anos do governo Lula, o GT atuou fortemente polarizado pelas
iniciativas, demandas e oportunidades de participação criadas pela Secretaria
de Agricultura Familiar (Pronaf/SAF) e teve papel significativo nas negociações
que levaram à criação dos Pronaf Agroecologia e Pronaf Semi-Árido. Além disso, o GT influiu nas modificações normativas que buscaram facilitar o acesso
dos agricultores agroecológicos às modalidades convencionais do Pronaf (A, B,
C, D e E), eliminando condicionantes do uso do pacote agroquímico.
O GT revisou essas normativas e as novas modalidades de crédito junto
com a SAF em 2004, mas sem conseguir resolver alguns problemas de fundo que
vieram a aflorar e se explicitaram na preparação e realização do II ENA.
Em 2005, o GT reconfigurou-se para incorporar entidades com experiências
de financiamento diferenciadas incluindo, além do crédito Pronaf, os Fundos
Não-Governamentais, os Fundos Rotativos Solidários e o Proambiente.
A participação no GT envolveu entre oito e onze entidades? e voltou-se
para a identificação de experiências de referência, a formulação de uma matriz
de sistematização e a discussão da pedagogia a ser utilizada no seminário
temático durante o II ENA.
Financiamento da Transição Agroecológica
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Sem dúvida, as limitações de tempo e recursos deixaram de fora um grande
número de experiências que foram sendo identificadas, algumas das quais se
fizeram representar no II ENA. Por outro lado, a orientação da Coordenação da
ANA de restringir o número de participantes por entidade levou a que, em não
poucas vezes, os portadores das experiências na área de financiamento não
pudessem estar presentes.
Este caderno se inicia com a apresentação de abertura do seminário que
buscou discutir algumas questões de fundo no financiamento da transição
agroecológica. Em seguida, cada um dos quatro capítulos apresenta o relatório
das discussões dos subgrupos e um resumo das experiências que serviram de
referência em cada um deles. Nem todas as experiências apresentadas foram
reproduzidas no caderno, pois algumas não chegaram a ser sistematizadas por
escrito.
No capítulo 6, apresentamos uma síntese dos debates realizados na oficina
que confrontou as bases da ANA com representantes da SAF, do Banco do Brasil
e do Banco do Nordeste do Brasil.
Finalmente, o capítulo 7 procura fazer um balanço desse processo, muito
embora seja um texto de autoria do coordenador do GT e voltado para provocar
o debate sobre os desdobramentos do II ENA e não exprima uma posição do GT.
AS-PTA, coordenação do GT; Centro Ecológico; Fetraf; Capa; Fase-Pará;
CTA-ZM; Pólo da Borborema; Patac; ASA-Paraíba; Tijupá; Fórum do Centro-Sul do Paraná.
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Financiamento da Transição Agroecológica
Capítulo 1
Questões sobre o financiamento da transição
para a Agroecologia e da produção
agroecológica
Jean Marc von der WeidAS-PTA
As necessidades de financiamento de custeio e investimento na transição para sistemas agroecológicos
Quanto custa produzir com base nos princípios da agroecologia? A questão
tem que ser olhada por dois ângulos: o do custo de produção de um sistema já
convertido para a agroecologia e o do custo de converter um sistema, convencional ou tradicional, para os princípios agroecológicos.
Costuma-se afirmar que os sistemas agroecológicos são mais caros e
que, por isso mesmo, necessitam de um sobrepreço para poder remunerar o
agricultor devidamente. Como os produtos vendidos como orgânicos (muitas vezes confundidos com os agroecológicos) costumam ter esse sobrepreço,
acredita-se que, de fato, os custos de produção da agroecologia sejam maiores dos que os da agricultura convencional. A verdade, porém, é que as
coisas não são assim.
Por que produtos que não usam insumos químicos e sementes melhoradas
por empresas custariam mais caro para produzir? A única explicação para um
maior custo dos produtos agroecológicos seria ou uma produtividade mais baixa ou custos de mão-de-obra ou maquinário mais altos. No entanto, em um
sistema agroecológico pleno e equilibrado, a produtividade total por hectare
não é menor do que em um sistema convencional. Explicando melhor: um hectare produzido em sistema agroecológico deve ter um conjunto de produtos
Financiamento da Transição Agroecológica
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variado, já que esses sistemas funcionam melhor em culturas combinadas, com
alta diversificação em um mesmo espaço. O total de produção obtido nesse
hectare será maior do que qualquer cultura solteira no mesmo espaço.
Esses sistemas com alto grau de diversificação em um mesmo espaço colocam problemas para a mecanização, mas, por outro lado, exigem pouca mãode–obra, já que várias operações, como aração, gradagem e subsolação, simplesmente não são necessárias nos sistemas agroecológicos, assim como as
operações de limpeza de ervas invasoras ou de aplicação de agrotóxicos. Uma
operação que é difícil de mecanizar e que requer uma mão-de-obra mais intensiva é a colheita, dependendo do grau de complexidade dos sistemas em questão. Já o plantio pode ser mecanizado, pelo menos em parte e dependendo do
tipo de sistema.
Assim, as experiências mostram que os sistemas agroecológicos na verdade têm custos menores que os sistemas convencionais e usam muito menos
insumos externos à propriedade. Além disso, mesmo quando necessários, os
custos em insumos externos tendem a ser episódicos e não recorrentes, isto é,
não se trata de um custeio anual obrigatório. Eventualmente as propriedades
manejadas segundo princípios agroecológicos têm que comprar sementes de
adubos verdes, esterco, calcário ou pós de rocha, além de micronutrientes ou
insumos para preparar caldas para controle de pragas ou fungos. Entretanto,
em uma propriedade bem equilibrada, o agricultor tirará suas próprias sementes de adubos verdes, terá criações que permitirão utilizar o esterco nas culturas, etc. Na agroecologia é o manejo que importa, mais do que os insumos.
Os preços mais altos dos produtos orgânicos não se devem, em geral, por
eles terem custos mais altos, mas porque há pouca oferta para muita demanda.
Além disso, a oferta está dispersa no espaço, aumentando o custo de condução
ao mercado, a não ser que sejam comercializados nos mercados locais.
O exposto anteriormente aponta para sistemas que têm pouca necessidade
de custeio, nos casos mais avançados de aplicação dos princípios da agroecologia,
ou moderada necessidade de custeio, nos casos menos avançados. De qualquer
forma, os valores são muito inferiores aos custos recorrentes dos sistemas convencionais. Tudo isso aponta para uma necessidade pequena de crédito de custeio, mas e quanto ao crédito de investimento?
No caso do investimento, a situação varia de região para região. No Sul do
país há pouca necessidade de investimentos que estejam intrinsecamente ligados às práticas agroecológicas. Afinal, pequenas infra-estruturas e equipamentos para produzir composto, adubo da independência, pós de rochas ou caldas
não chegam a ser investimentos vultosos. No entanto, verificou-se que a agri-
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Financiamento da Transição Agroecológica
cultura familiar na região está muito descapitalizada e necessita de investimentos significativos em equipamentos e infra-estruturas que não têm a ver
especificamente com as práticas agroecológicas, mas com a eficiência do sistema produtivo de maneira geral. Esses investimentos seriam os mesmos de qualquer propriedade convencional (silos, secadores, equipamentos de tração, animais de tração, microtratores, estábulos, apriscos, chiqueiros, paióis, carroças,
mudas de árvores, cercas, eletrificação, etc).
Já na região Nordeste, para se conseguir operar uma propriedade em sistemas agroecológicos, é precisa haver mais investimentos, embora se use poucos
recursos de custeio. Não só as propriedades estão ainda mais descapitalizadas
que nas regiões Sul e Sudeste, como também as práticas agroecológicas requerem infra-estruturas mais pesadas devido à necessidade de se enfrentar os riscos de seca com obras de retenção das águas de chuva para diferentes fins, do
uso humano ao animal, passando pelos cultivos. Também no Nordeste é essencial haver infra-estruturas de criação de animais para se poder equilibrar os
sistemas em base agroecológica.
Esses investimentos nas duas regiões não são recorrentes, são pontuais e
não se repetem, a não ser com largos intervalos, e nem todos ao mesmo tempo.
De toda forma, um processo de conversão agroecológica cobrará, tanto num
caso como no outro, um investimento inicial que pode chegar até R$ 25 mil,
dependendo do tamanho da propriedade, do projeto do agricultor e do nível de
descapitalização em que ele estiver.
Os Pronafs Semi-Árido e Agroecologia
Como conseguir esses recursos de investimento? Em princípio, os Pronafs
de investimento chamados agroecológico e semi-árido podem financiar esses
Financiamento da Transição Agroecológica
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montantes, em dois projetos que podem se suceder a partir do pagamento da
primeira parcela do primeiro deles. Como o prazo de carência é de três anos, o
agricultor pode distribuir seus investimentos ao longo de seis anos, se quiser.
No entanto, ele receberá a totalidade dos recursos a investir em cada projeto
no primeiro ano, mesmo que só pense em usar parte dos recursos mais adiante.
Isso coloca um problema de eficiência no uso dos recursos e encarece o crédito
para o agricultor. O ideal seria o agricultor poder planejar seus investimentos
ao longo de seis ou mesmo oito anos, no caso do semi-árido, e os recursos irem
sendo liberados ano a ano pelos bancos segundo as necessidades definidas pelo
agricultor. Assim, a dívida só passaria a contar para fins de carência e de prazo
de pagamento a partir do momento do desembolso de cada parcela pelos bancos. Isso permitiria escalonar a dívida de forma bem mais suave, em até onze
anos, se o prazo de carência de cada parcela for, por exemplo, de cinco anos.
Por que os prazos da transição são tão longos? Na verdade, os prazos acima
sugeridos, de seis ou oito anos, podem ser estendidos ou encolhidos de acordo
com a situação do agricultor, mas é prudente regulamentar o crédito com prazos tão longos quanto possível para que diferentes tipos de agricultor possam
ser contemplados. Afinal, a transição para um sistema agroecológico não pode
ser pensada em prazos curtos e acelerados, pois não se trata de aplicar um
pacote, mas sim de elaborar um sistema específico para cada agricultor.
Os agricultores que se engajam em processos de conversão agroecológica
vão definindo aos poucos as diferentes técnicas que vão utilizar, testando-as
primeiro em pequena escala e uma de cada vez. Para estender as práticas para
a propriedade como um todo o agricultor pode tanto aumentar a escala de cada
técnica individualmente como montar um minissistema integrado experimental
para depois reproduzi-lo na escala da propriedade. De uma ou de outra forma, a
implantação do novo sistema na escala da propriedade será paulatina e tão
longa quanto a complexidade da proposta adotada. A seqüência de técnicas a
serem introduzidas na escala da propriedade também não pode ser prevista de
forma rígida, pois a prática pode cobrar ajustes e mudanças a partir de problemas encontrados ou devido a questões climáticas. Por essas razões a proposta
do Pronaf Agroecologia, que obriga o agricultor a apresentar um plano de transição rígido de três anos com indicações de que técnicas vai abandonar e quais
vai introduzir a cada ano, é inviável. Seria necessário flexibilizar muito os
procedimentos para que o agricultor possa efetivamente chegar a usar o Pronaf
Agroecologia. O mesmo vale para o Pronaf Semi-Árido.
Além de problemas de ajuste nas regras dessas modalidades de Pronaf, há
inúmeros problemas na operacionalização do crédito para os agricultores familiares.
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Financiamento da Transição Agroecológica
Em primeiro lugar, é difícil montar um sistema computadorizado com
planilhas em que os dados fornecidos pelos agricultores vão sendo alimentados
e o apertar de uma tecla permite dizer se o projeto vai ou não dar certo (se vai
ficar no azul ou no vermelho, numa avaliação de rentabilidade). Essa normatização
responde bem aos pacotes técnicos simplificados dos sistemas convencionais, mas
com sistemas complexos e altamente diversificados ela não funciona.
Em segundo lugar, os gerentes dos bancos ficam inseguros com essas
tecnologias que não estão certificadas pelos manuais da Embrapa e criam as
maiores dificuldades para aceitar esses projetos. Os gerentes questionam o poder
germinativo das sementes crioulas, a eficiência dos adubos orgânicos e dos pós de
rochas, a eficácia das caldas como controles de pragas e doenças, etc.
Finalmente, há uma resistência dos sistemas financeiros a operar com
muitos pequenos projetos que dão muito trabalho e acarretam baixo rendimento para o banco.
Para completar esta análise da situação atual do financiamento da transição agroecológica por meio dos mecanismos do Pronaf, devemos apontar o
baixo nível de informação dos agricultores sobre essas oportunidades e a pouca
capacidade das organizações de apoio para facilitar o acesso dos agricultores
em uma escala significativa.
Os fundos rotativos
Outros mecanismos de financiamento da transição agroecológica têm se
mostrado mais adequados para os ritmos do cuidadoso processo de experimentação que precede qualquer alteração dos sistemas de produção da agricultura
familiar. Os fundos rotativos, muito comuns na região Nordeste, têm operado
com alta eficiência, ainda que, na grande maioria dos casos, funcionem como
Financiamento da Transição Agroecológica
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apoios pontuais para a adoção de uma tecnologia específica. Esses fundos, de
modo geral, financiam infra-estruturas hídricas, como cisternas e barragens
subterrâneas, silos, sementes, mudas, cercas, esterco, etc. Em princípio, nada
impede que se organizem fundos de tipo mais complexo que incorporem várias
dessas opções de uma só vez, mas isso tornará a gestão mais difícil de realizar
e aumentará os riscos do empreendimento. Financiar vários equipamentos, infraestruturas e insumos simultaneamente não parece ser um imperativo, como
vimos anteriormente na discussão sobre os Pronafs, mas combinar alguns dos
investimentos pode ser uma necessidade.
Se o agricultor, por exemplo, quiser construir uma cisterna de placas ele
pode entrar em um fundo rotativo específico e não precisará de nenhum outro
investimento complementar para operar essa infra-estrutura, a não ser, eventualmente, uma bomba d’água. Já para operar uma barragem subterrânea ele
vai precisar de outros insumos e, eventualmente, equipamentos. Os fundos
rotativos que financiam barragens não disponibilizam recursos para outros fins
e, para explorar essa infra-estrutura, o agricultor precisará recorrer a outros
tipos de financiamento. Essa questão do escopo dos fundos rotativos, no entanto, pode ser objeto de novos arranjos segundo a vontade e capacidade de
gestão dos grupos de agricultores, e não de empecilhos estruturais para que
esse instrumento não venha a se complexificar e responder a situações de
maior exigência de recursos para diversos fins.
A grande vantagem dos fundos rotativos é que eles permitem uma transição paulatina dos sistemas, seguindo o ritmo da capacidade técnica e de pagamento dos agricultores. Além disso, essa modalidade não tem burocracias nem
intimida os agricultores, já que são eles mesmos que a gerem.
As compras antecipadas da produção da Conab
Embora operando ainda em pequena escala e de forma experimental, essa
forma de financiamento é das mais promissoras por interligar financiamento
com escoamento da produção. As regras são claras e bem mais simples do que
as complexas planilhas dos contratos de crédito oficiais do Pronaf. Os limites
de valor das operações, entretanto, colocam problemas em algumas regiões
onde os agricultores têm mais produtos ou maior volume para entregar. Por
exemplo, R$ 2,5 mil por agricultor significa 33 sacos de feijão a R$ 75,00 o
saco. Na região Sul do país, um agricultor com boa eficiência em sistemas
agroecológicos tira essa produção com 2/3 de hectare. Fica claro, portanto, que
seria preciso um volume maior de recursos por agricultor para responder às
necessidades de comercialização de boa parte dos produtores daquela região.
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Financiamento da Transição Agroecológica
Já na região Nordeste,
onde as produtividades são
mais baixas nas condições
de sequeiro, o rendimento
mais comum entre os agricultores familiares e as propriedades também é de
menor porte, mas 33 sacos
de feijão ainda é um volume irrisório para a maioria
dos produtores. De qualquer maneira, o sistema de compra antecipada representa um grande avanço
em termos de modo de acesso aos recursos de financiamento da produção combinado com a garantia de escoamento do produto. A questão é ampliar o número de agricultores com acesso a essa modalidade e ampliar o limite de recursos
por agricultor.
Os fundos de financiamento da produção
Existem inúmeros fundos, públicos e privados, que financiam tanto a produção agroecológica como a transição para sistemas agroecológicos. Esses fundos ainda são pouco conhecidos e estudados e não se sabe muito sobre seus
prós e contras. Entretanto, pelo menos um deles apresenta características da
maior relevância para o futuro da agroecologia. Trata-se do fundo de financiamento Proambiente – Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural –, centrado, até agora, na região amazônica. O Proambiente
tem um conceito inovador e revolucionário do ponto de vista dos paradigmas
do desenvolvimento agrícola que é o pagamento de uma compensação ao agricultor por adotar práticas de conservação dos recursos naturais e do meio ambiente. A aplicação desse princípio de remuneração aos chamados serviços
ambientais prestados pelos sistemas de tipo agroecológico, se combinada com
uma taxação dos agricultores que produzem impactos negativos sobre os mesmos recursos, liquidará com eventuais vantagens econômicas das grandes
monoculturas predadoras do meio ambiente. Como já foi dito antes, a
agroecologia produz com maior rendimento físico e econômico por hectare,
mas não permite cultivos em grande escala, sendo portanto ideal para as dimensões da agricultura familiar. O que os grandes monocultores-predadores do
meio ambiente perdem em lucratividade por hectare eles ganham pelo número
de hectares que conseguem cultivar. Uma dupla taxação positiva e negativa aos
Financiamento da Transição Agroecológica
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protetores e destruidores do meio ambiente poderá, assim, ser a forma mais
adequada de se garantir a sustentabilidade da agricultura e a eliminação dos
grandes produtores insustentáveis.
Perspectivas para o Encontro Nacional de Agroecologia (ENA)
Esses temas serão debatidos no ENA, em quatro subgrupos que tratarão da
questão do financiamento da agroecologia e da transição para sistemas
agroecológicos. Através da apresentação e discussão de experiências concretas
de agricultores com vivência de cada uma dessas várias modalidades de financiamento se procurará estabelecer uma visão crítica dos vários aspectos positivos e negativos de cada uma delas e formular propostas de melhoramento que
permitam fazer avançar a agroecologia tal como é praticada pelos diferentes
tipos de produtor que participarão do ENA.
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Financiamento da Transição Agroecológica
Capítulo 2
Subgrupo de trabalho sobre o Pronaf
Coordenadores: Ivo Macagnan do Centro de Apoio ao
Pequeno Agricultor (Capa) e Gilmar Pastorio da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf)
1. Relatório do subgrupo Pronaf
2. Resumo das experiências apresentadas
2.1. Pronaf Agroecologia – Centro de Tecnologias Alternativas da Zona
da Mata (CTA-ZM) – Minas Gerais
2.2. Pronaf Semi-Árido – Pólo da Borborema - Paraíba
2.3. Pronaf Florestal – Cooperativa de Serviço e Apoio Humano e Sustentável Atiorô – (Copatiorô) - Pará
1. Relatório do subgrupo Pronaf
Relator: Pablo Renato Sidersky
a. Apresentação
Setenta pessoas participaram da reunião desse subgrupo, realizada na tarde do dia 4 de junho de 2006.
Os trabalhos começaram com a apresentação de seis experiências:
• Pronaf Agroecologia (Zona da Mata, MG)
• Elaboração de projetos para o Pronaf Semi-Árido (Agreste da Borborema,
PB)
Financiamento da Transição Agroecológica
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• Pronaf Mulher (Apodi, RN)
• Pronaf Florestal (Altamira, PA)
• Cooperativa de Crédito Rural com Interação Solidária – Cresol Central
(vários municípios de SC e RS)
• Cooperativa de Economia e Crédito Solidário – Ecosol (Araponga, Zona
da Mata, MG)
Seguiu-se uma discussão. As principais conclusões do subgrupo foram sintetizadas e apresentadas para a plenária do GT Financiamento, realizada na
manhã do dia 5, o que propiciou outro rico debate sobre o tema.
O presente relatório inclui, para além dos resultados dos trabalhos do subgrupo,
alguns elementos da discussão da oficina sobre Pronaf, realizada no próprio II ENA
no dia 3 de junho, e as contribuições colhidas a partir da discussão plenária.
b. Análise da concepção de diversas modalidades do Pronaf
De um modo geral, viu-se que a Agricultura Familiar (AF) leva uma fatia
pequena do total de crédito direcionado para a atividade agropecuária. E, analisando aquilo que vai para AF, percebeu-se que, na sua quase totalidade, o
Pronaf está apoiando a agricultura convencional. Isso permite dizer que uma
fatia enorme dos recursos não vai efetivamente para a AF e sim acaba indo para
a Monsanto, Bayer, etc.
Permanece no seio do Pronaf uma contradição de fundo, quando ele é
analisado do ponto de vista da agroecologia: é a contradição produto x sistema.
Em algumas modalidades, ela não aparece muito, como no caso do Pronaf
Agroecologia. Também em um dos casos apresentados no subgrupo, o fato de
se tratar de café facilitou a relação com os bancos. Já em outros casos, a
contradição é gritante. Talvez o melhor exemplo seja o Pronaf Florestal. Na
experiência de Altamira discutida no subgrupo, foram necessárias longas negociações com o banco para que este aceitasse financiar um sistema agroflorestal
diversificado. E é por isso que essa modalidade é vista por muitos como o
Pronaf eucalipto ou pinus, ou seja, incentivadora de monoculturas.
Quanto ao Pronaf Mulher, foi dito na discussão no subgrupo que, do ponto
de vista da concepção, tem significado um avanço, sobretudo no sentido de
abrir maior espaço para as mulheres. No entanto, a discussão também mostrou
que a exigência de que o esposo ou companheiro não esteja inadimplente para
a mulher poder acessar essa linha a transforma em Pronaf Esposa. Porém, viuse que essa questão é de difícil solução, já que o embasamento jurídico dessa
exigência está no código civil.
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Financiamento da Transição Agroecológica
Outra conclusão tirada da discussão foi que a única coisa que realmente distingue o Pronaf Agroecologia da modalidade Crédito de Investimento convencional,
por exemplo, é a existência do sobreteto (ou seja, da possibilidade de se obter uma
soma um pouco maior). Foi visto que é necessário sair dessa situação, buscando a
criação de uma modalidade de crédito diferenciado para incentivar a agroecologia.
Finalmente, foi dito que o formato da modalidade recém-criada Pronaf
Comercialização é realmente muito ruim. É apenas um “Pronaf capital de giro
para as cooperativas”. Não era nada disso que as organizações dos agricultores
estão propondo.
c. Sobre as dificuldades operacionais
Nesse ponto cabe diferenciar as dificuldades que se referem à relação entre
as famílias que buscam crédito e os agentes financeiros daquelas que não se
situam nesse campo.
Sobre a relação com os agentes financeiros
As discussões evidenciaram a existência de muitas dificuldades na
operacionalização do Pronaf, que têm como principal efeito prático a limitação
do número de famílias atendidas pelo programa. A seguir listamos algumas.
• Em muitos lugares criam-se dificuldades com respeito à Declaração de
Aptidão ao Pronaf (DAP), dizendo, por exemplo, que ela venceu de um
ano para outro e exigindo uma nova, quando na realidade a DAP tem
validade de cinco anos, a não ser que a família tenha mudado de categoria (de C para D, por exemplo).
• Há demoras inexplicáveis na análise das propostas.
• Em certos casos, as planilhas apresentadas pelos bancos para formular
os projetos dificultam a elaboração dos projetos.
• Outro problema importante é a relação entre o Pronaf e o zoneamento
da Embrapa, que impõe limitações no que se refere às atividades que
podem ser financiadas em uma determinada região.
Essas dificuldades multiplicam-se quando se trata dos Pronaf específicos:
Agroecologia, Florestal, Mulher e Jovem. Um companheiro do Ceará exemplificou
dizendo que, na região dele, “se for para destruir a natureza, o Pronaf sai
rapidinho”, mas ele estava esperando há um ano pela aprovação da sua proposta agroecológica. Embora não tenha sido dito explicitamente durante as discussões, é provável que isso também aconteça no caso dos Pronafs Agroindústria,
Produção Orgânica, etc.
Financiamento da Transição Agroecológica
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Em certos casos parece que as exigências burocráticas são maiores (são
solicitados mais documentos, etc.). Em outros casos, a lentidão e a má vontade
podem estar ligadas ao fato de que existe um profundo desconhecimento por
parte dos funcionários dos bancos sobre essas modalidades. Nessas circunstâncias, os bancos (ou melhor, esses funcionários) preferem lidar com as modalidades mais conhecidas. Assim, chega a acontecer que falta dinheiro, quando,
depois de muita luta, os projetos dessas modalidades são finalmente aprovados: é que ele já foi todo gasto com os Pronafs convencionais.
As apresentações das experiências das cooperativas de crédito deixaram a impressão de que, nesses casos, os problemas operacionais são menores. Evidentemente, como elas dependem, em grande parte, de liberação de verba dos bancos,
nem todos os problemas podem ser evitados. Mas a proximidade das cooperativas
com o público delas tende a favorecer uma relação bem mais tranqüila.
Outras dificuldades operacionais
Constatou-se que uma parte enorme do público da AF sabe pouco ou
nada sobre o Pronaf. Essa situação é ainda pior quando se trata das modalidades especiais. Nesse quesito as mulheres estão numa situação pior do
que os homens.
Em vários momentos da discussão foi levantado o problema da assistência
técnica. Por um lado, em muitos locais, os técnicos das Ematers não têm afinidades com a agroecologia e, portanto, só fazem preparar propostas de crédito
com pouca conversa com os interessados. Em contraste, muitos técnicos do
nosso campo fazem muitas reuniões, sendo muito bons de conversa, mas não
elaboram projetos, como disse uma companheira da Bahia. Além disso, muitos
destes últimos praticamente não conhecem o Pronaf.
Duas das experiências apresentadas (MG e PB) mostraram um esforço grande para mudar a forma em que são elaborados os projetos. Tentaram, por exemplo, garantir uma participação intensa das famílias na elaboração da proposta.
Também buscaram construir a proposta a partir de uma visão do conjunto da
unidade familiar. Mas ambas concluíram que o esforço demandado para
implementar esse enfoque diferenciado na elaboração de propostas era muito
grande. A tal ponto que, em uma das experiências, o processo de elaboração
nem conseguiu chegar até o fim. Dessa maneira, fica ainda a pergunta no ar:
como resolver esse dilema?
Outro problema da assistência técnica é que, em geral, ela é muito masculina. Isso estabelece uma dificuldade a mais que as mulheres devem enfrentar
no processo de elaboração a apresentação de propostas de crédito.
18
Financiamento da Transição Agroecológica
d. Propostas
Diante do quadro descrito, foram apresentadas diversas propostas.
Sobre a concepção e o desenho das diversas modalidades
Diante dos problemas identificados na concepção das diversas modalidades do Pronaf, vai ser necessário formular propostas de mudança e negociá-las
junto à Secretaria de Agricultura Familiar (SAF).
• Nesse sentido, no caso do Pronaf Semi-Árido, propõe-se acabar com a
obrigatoriedade de que 50% do crédito seja para infra-estrutura hídrica.
• Uma segunda proposta é juntar essa modalidade com o Pronaf
Agroecologia, o que passaria a dar ao Pronaf Semi-Árido uma cara explicitamente agroecológica, coisa que não tem hoje.
• Propõe-se também que seja bem demarcada a especificidade do Pronaf
Agroecologia, fazendo dessa modalidade algo que incentive a expansão
da AF agroecológica. Uma primeira medida seria a redução da taxa de
juros para 1% ao ano. A segunda seria o alongamento da carência e do
prazo para pagar. Nesse ponto a proposta seria de até cinco anos de
carência e mais oito para pagar (num máximo de treze anos). Uma
terceira especificidade dessa modalidade seria a possibilidade de que a
liberação dos recursos fosse paulatina, se for interessante para a família, em lugar da prática atual que obriga a gastar tudo no primeiro ano.
• Seria importante garantir que o leque de possibilidades abertas para
uma proposta de crédito nessa modalidade seja o mais amplo possível.
Nesse ponto, a questão do zoneamento da Embrapa, que hoje limita
este leque, precisa ser revista.
• Também não basta ter um Pronaf com um grande volume de recursos. É
precisa orientá-lo para a transição e produção agroecológica.
• Finalmente, propõe-se a criação de uma modalidade específica de Pronaf
para atender a agricultura familiar urbana, já que atualmente ela não
tem acesso.
Sobre os problemas operacionais
• Uma boa parte das dificuldades operacionais não poderá ser superada
se não desenvolvermos uma atitude de cobrança mais ativa. Poder-seia falar da necessidade de desenvolver uma cultura do 08001... Também
será necessário mais diálogo e pressão junto aos diversos níveis da
estrutura de administração dos bancos. E, quando necessário, “pôr um
porquinho na agência”...
Financiamento da Transição Agroecológica
19
• Poder-se-ia propor a reserva de recursos para as modalidades especiais
(descendo até o nível da agência), para evitar a situação de “acabou o
recurso”.
• No caso dos bancos que usam planilha, propor a sua substituição por
instrumentos mais simples, do tipo roteiro, para orientar a montagem
de propostas.
• Diante da constatação de que é necessária uma reciclagem profunda dos
funcionários dos bancos, propõe-se que as direções dessas entidades
façam isso maciçamente.
• Também se propõe que as direções dos bancos criem oportunidades de
discussões cara a cara entre gerentes e funcionários de um lado e lideranças e agricultores do outro, com o objetivo de aparar arestas.
• Montar iniciativas mais sistemáticas de busca e divulgação ampla de
informações sobre as diversas modalidades do Pronaf. Nesse ponto, dar
especial atenção ao público feminino, tradicionalmente ainda menos
informado.
• Diante do problema levantado de que, em certos casos, a DAP poder ser
emitida pelo sindicato patronal, propõe-se que se reivindique junto à
SAF que essa medida seja revista, já que ela tem implicações bastante
sérias.
• Mesmo com uma necessária simplificação da forma de apresentação dos
projetos será importante desenvolver uma metodologia participativa
para a elaboração dos mesmos de modo a diminuir a dependência do
apoio de técnicos.
2. Resumo das experiências apresentadas
2.1. Pronaf Agroecologia
Sistematização: Sérgio da Silva Abrahão (CTA-ZM)
a. Localização
• Estado: Minas Gerais
• Região: Zona da Mata
• Municípios: Divino, Orizânia, Espera Feliz, Caparaó, Tombos, Pedra Dourada, Eugenópolis, Araponga, Ervália, Guidoval e Paula Cândido
• Bioma/região ecológica: Mata Atlântica
20
Financiamento da Transição Agroecológica
b. Público
Os participantes da experiência se identificam como agricultores(as) familiares.
O grupo foi composto por representantes de 82 famílias, dos quais quatro
jovens participaram como proponentes do projeto. Essas famílias estão classificadas dentro dos Grupos C e D, estabelecidos pelo Pronaf.
c. Papel das organizações
Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM)
• Buscar informações sobre a documentação necessária para a elaboração
e negociação dos projetos junto aos bancos.
• Propor metodologia para elaboração coletiva dos projetos.
• Formatar os projetos após a elaboração coletiva.
• Assessorar as organizações parceiras (associações e STRs) na negociação dos projetos com os bancos.
• Assessorar as famílias na implementação dos projetos.
Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zona da Mata
• Definir, juntamente com o CTA-ZM, o grupo de famílias que participarão
da experiência.
• Validar a metodologia proposta pelo CTA-ZM para a elaboração dos projetos.
• Contatar instâncias superiores responsáveis pelo Pronaf (Superintendências do Banco do Brasil, Pronaf/DF, etc.).
Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs)
• Articular as famílias para participarem das diversas atividades necessárias
para acessar o crédito (mutirões para elaboração dos projetos, reuniões
com gerentes dos bancos, reuniões de monitoramento do processo, etc.).
• Manter as famílias informadas sobre as negociações com os bancos.
• Apresentar os projetos aos bancos e assessorar as famílias na negociação do crédito com os agentes bancários.
d. Objetivo do financiamento
O recurso acessado pelas famílias foi, em maior parte, utilizado para investimentos em infra-estrutura e aquisição de equipamentos e, em menor parte,
para custeio. Os financiamentos foram individuais. Porém, houve o caso de um
Financiamento da Transição Agroecológica
21
grupo de famílias que após o recebimento do recurso resolveu adquirir coletivamente um trator para o uso do grupo. Essas famílias já haviam previsto em seus
projetos gastos individuais com alguma forma de transporte para a produção.
As principais infra-estruturas instaladas foram: terreiros para secagem
de grãos, estruturas para armazenamento da produção, currais, chiqueiros e
melhoria de estradas.
Os principais equipamentos adquiridos foram: picadeiras, ensiladeiras e
roçadeiras.
A produção de café foi a principal atividade agroecológica beneficiada
pelos projetos. O período de carência para devolução do recurso é de três
anos e o período para pagamento do empréstimo é de cinco anos (uma
parcela por ano).
Em todos os casos o agente financeiro foi o Banco do Brasil.
e. Período da experiência
A experiência se iniciou em setembro de 2003 com a articulação das famílias e organizações para a elaboração dos projetos. A previsão de término da
devolução dos recursos emprestados é 2011.
f. Histórico
Em setembro de 2003, o CTA-ZM, juntamente com seus parceiros (STRs
e Associações de Agricultores Familiares da Zona da Mata), decidiu elaborar
e encaminhar projetos de investimento à Linha de Crédito do Pronaf
Ambiental: Agroecologia, cujos recursos seriam destinados aos seus beneficiários.
Essa foi a primeira vez que o CTA-ZM de fato se envolveu e investiu no apoio à
busca de crédito, via Pronaf, para o público que assessorava.
Como o CTA-ZM não dispunha de pessoal em sua equipe técnica para
a elaboração desse tipo de projeto, optou-se por restringir o grupo
beneficiário e utilizar uma metodologia que fosse capaz de agilizar o trabalho envolvendo o(a) proponente e seus(suas) companheiros(as) de organização na elaboração do conjunto de projetos.
Em relação ao grupo beneficiário, optou-se por trabalhar, nessa primeira
experiência, apenas com os(as) agricultores(as) que estavam diretamente envolvidos em dois projetos específicos do CTA-ZM: o Plano Estratégico do Café
Agroecológico (PEC) e o Programa de Formação de Agricultores(as) (PFA).
Para a elaboração dos projetos, a equipe técnica formulou, juntamente
com os(as) agricultores(as), um roteiro com o qual cada proponente pudesse
22
Financiamento da Transição Agroecológica
fornecer informações sobre seu sistema de produção agroecológica e dados
sobre a renda da família demandados pelas agências bancárias.
Entre os meses de novembro e dezembro de 2003 foram feitas reuniões nos
municípios de Divino, Espera Feliz, Tombos, Viçosa e Araponga, para elaboração dos projetos em regime de mutirão. Durante os mutirões, além do
assessoramento da equipe técnica do CTA-ZM, houve uma grande interação e
troca de informações técnicas entre os(as) próprios(as) agricultores(as)
envolvidos(as), possibilitando uma rápida e eficiente construção dos projetos.
De posse das informações e solicitações de cada família fez-se, com o
apoio de estudantes – estagiários(as) –, a adequação do projeto para o formato
a ser apresentado às agências bancárias.
Em janeiro de 2004, uma primeira versão dos projetos foi apresentada
para duas agências do Banco do Brasil para que estas apontassem sugestões e/
ou mudanças que deveriam ser feitas. Algumas sugestões foram propostas por
ambas as agências e, para que fossem acatadas, foi necessário promover uma
nova reunião com os proponentes, em cada um dos municípios envolvidos, para
a revisão dos projetos. Feita a revisão junto às famílias, concluiu-se a elaboração dos projetos, e cada STR encaminhou os projetos à agência do Banco do
Brasil (BB) de seu município.
A partir desse momento cada município teve uma história diferente em
relação à aquisição do crédito, dependendo da agência bancária. Apenas uma
agência do BB foi pouco exigente e, logo no final de março de 2004, liberou o
recurso, de uma só vez. Todas as outras cinco agências do BB envolvidas no
processo fizeram mais exigências e/ou solicitaram maiores informações além
das apresentadas após a revisão dos projetos. As principais solicitações foram:
apresentação de declaração do CTA-ZM afirmando que iria fazer o acompanhamento técnico do projeto, maior detalhamento dos orçamentos dos projetos
que incluíam algum tipo de construção e justificativas técnicas para o que
estava sendo solicitado. A declaração e as justificativas técnicas foram apresentadas. Porém, em relação ao detalhamento do orçamento, foi negociado
com a gerência dos bancos apenas a apresentação de planilhas genéricas com
custos de construção por metro quadrado. As próximas liberações ocorreram no
final de 2004 e as últimas só vieram a acontecer em meados de 2005.
Vale ressaltar que nem todos os projetos elaborados foram encaminhados aos bancos e que nem todos os que foram encaminhados foram aprovados.
Inicialmente foram elaborados 82 projetos. Porém, após a revisão, 11 famílias
desistiram de dar continuidade ao processo, principalmente por verificar que
não dispunham de determinados documentos. Foram então apresentados oficiFinanciamento da Transição Agroecológica
23
almente 71 projetos às agências bancárias. Durante as negociações com os
bancos, mais 26 famílias saíram do processo, algumas por desistência devido à
morosidade, outras por falta de documentos exigidos pelo banco. Por fim, apenas 45 projetos foram aprovados e tiveram os recursos liberados.
g. Gestão
De uma forma geral, a gestão financeira do recurso é feita pela própria
família. No entanto, nos momentos de dúvidas, as famílias recorrem à rede
social em que estão inseridas (comunidade, STR, CTA-ZM e associações).
Há também momentos de avaliação coletiva do desenvolvimento do processo, que normalmente ocorrem em reuniões nos municípios com a participação das organizações locais e o CTA-ZM.
Em um dos municípios houve fiscalização do banco aos projetos e surgiram
alguns questionamentos dos fiscais. Para resolver essas questões, foi necessária a assessoria do STR e do CTA-ZM.
h. Avaliação
As famílias que participam desse processo são famílias que já estão num
estágio avançado em relação à vivência agroecológica. Dessa forma, os principais resultados, para as famílias, estão diretamente relacionados com a melhoria
nas condições de trabalho, ou seja, o financiamento possibilitou a melhoria de
infra-estruturas e/ou aquisição de equipamentos que facilitaram a vida dessas
famílias na roça.
A elaboração do projeto em si é um grande entrave, que impede as famílias
de acessar o crédito, uma vez que sem ele não há possibilidade de acesso e
poucas famílias têm a oportunidade para elaborar o projeto.
O período de carência e o longo prazo para a devolução do empréstimo, por
outro lado, possibilitam melhor planejamento da propriedade e contribuem
para garantir o retorno financeiro dos sistemas de produção.
Entretanto, pior que a burocracia dos bancos, foi a falta do recurso nas
agências. Com exceção de uma agência, todas as outras tiveram dificuldades e
indisponibilidade de recursos para a imediata liberação do crédito. Em um dos
municípios envolvidos o recurso só foi liberado depois de um ano e meio da
apresentação dos projetos.
i. Políticas Públicas
Verificou-se que nenhum dos agentes bancários conhecia a proposta de
crédito do Pronaf Agroecologia. Dessa forma foi preciso gastar tempo, com
24
Financiamento da Transição Agroecológica
cada um deles, para fazer as devidas explicações. A maior parte dos agentes foi
receptiva e cooperou sem colocar grandes dificuldades. No entanto, houve casos em que foi necessário recorrer à Superintendência do Banco do Brasil para
que o processo andasse.
A questão da falta de dinheiro do Pronaf nos bancos também foi um grande complicador. Por várias vezes foi solicitado do Pronaf/DF informações sobre
a falta do recurso. Porém, o máximo que se obteve de resposta do pessoal de
Brasília foi que realmente o programa estava sem dinheiro.
j. Propostas
Capacitar as pessoas envolvidas nos processos de aquisição de financiamento –técnicos(as), lideranças, agentes bancários – para que possam auxiliar
um maior número de agricultores(as) no acesso ao crédito.
Os sistemas em transição devem ter maior subsídio e/ou rebate, assim
como maior tempo para a devolução do dinheiro, pois constituem experiências
inovadoras. No entanto, devem ser criadas regras ou formalizados compromissos entre proponentes e financiadores para que sejam cumpridos os objetivos
dos projetos.
Finalmente, o Pronaf deve garantir recursos para as linhas especiais de
crédito: Agroecologia, Mulher, Jovens, Florestal, Turismo, etc.
2.2. Projeto de crédito para a transição agroecológica no Semi-Árido:
buscando novos caminhos para a elaboração, análise e acompanhamento
Sistematização: Geovanni Medeiros (Pólo da Borborema)
a. Localização
• Estado: Paraíba
• Município: Lagoa Seca
b. Público imediato
Cinco agricultores do município de Lagoa Seca, técnicos e lideranças das
organizações citadas a seguir.
c. Organizações envolvidas
O Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, o
STR de Lagoa Seca e as ONGs Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura
Financiamento da Transição Agroecológica
25
Alternativa (AS-PTA) e Programa de Aplicação de Tecnologia Apropriada às Comunidades (Patac).
d. Introdução: é preciso inovar também no crédito
Desde 1993, um conjunto de famílias agricultoras, de organizações de agricultores (STRs, associações, Pólo), além de ONGs e grupos de igreja da região
do Agreste da Borborema, vem experimentando inovações agroecológicas, na
busca de uma maior sustentabilidade das unidades familiares da região. Diversas propostas inovadoras têm sido testadas. Assim, por exemplo, foram implantadas barragens subterrâneas, cisternas de placas, parcelas de palma consorciada com árvores forrageiras, etc. Também existem instalações (como cercas,
barreiros) e equipamentos (como a máquina forrageira) que não são propriamente inovações, mas que geralmente são elementos importantes para a
sustentabilidade das unidades familiares.
Embora a maior parte das inovações, instalações e equipamentos mencionados não tenham custos muito altos, a situação de descapitalização da grande maioria das unidades familiares é tal que impede a realização dos investimentos necessários com recursos próprios. Nessas circunstâncias, o crédito passa
a ser um elemento importante para acelerar e até possibilitar a transformação
agroecológica das unidades familiares.
Os problemas do crédito convencional
Existem linhas de crédito para a agricultura há muitos anos. Também é
verdade que, a partir dos anos 1990, foi criada uma linha específica de crédito
– o Pronaf – com o intuito de atender a Agricultura Familiar (AF). No entanto,
na região em questão, os agricultores familiares têm muitas dificuldades para
acessar esse crédito. E, para os poucos que conseguiram, o crédito assim obtido tem sido mais uma fonte de problemas que um instrumento de reforço da
economia e da propriedade familiares.
Os principais motivos disso podem ser atribuídos à própria natureza do
crédito. A seguir listaremos algumas das características do que chamaremos
de crédito convencional, que são um empecilho para o fortalecimento das
unidades familiares:
• Ele privilegia o custeio (crédito de curto prazo) e financia produtos
isolados (por exemplo, na região do Agreste da Borborema, financiou a batatinha), em lugar de privilegiar a estruturação das propriedades como um todo.
26
Financiamento da Transição Agroecológica
• É o sistema de crédito (os bancos, as normas) que define as atividades
que podem ser financiadas, muitas vezes em função de zoneamentos
opacos, desconhecidos do grande público.
• Também é o sistema de crédito que define a tecnologia que deverá ser
empregada, sendo ela sempre do padrão agroquímico.
• O processo de elaboração, a análise de viabilidade exclusivamente financeira e as regras burocráticas dos bancos, também opacas e “de
cima para baixo”, são outros tantos fatores que dificultam o acesso.
Quais podem ser as características de um crédito adaptado à AF agroecológica?
A crítica do sistema creditício vigente e a reflexão que aos poucos vem
sendo desenvolvida sobre a sustentabilidade da AF na região ajudaram a
definir alguns elementos daquilo que poderia ser um sistema de crédito
diferente, que deveria:
• Comportar e estimular a participação das famílias na elaboração das
propostas.
• Partir de uma compreensão global, sistêmica da unidade familiar, considerando ao mesmo tempo o conjunto e o funcionamento dos
subsistemas.
• Priorizar as demandas da família, ajudando-a a estabelecer prioridades.
• Financiar projetos capazes de aumentar receitas e diminuir custos, garantindo ao mesmo tempo uma maior capacidade de resistência e autonomia.
e. Um experimento metodológico
Embora o Pronaf continue sendo bastante convencional, com a chegada do
Governo Lula foram aparecendo espaços que possibilitaram o início de um debate sobre a política de crédito para a AF. Resultado disso foi a criação de
novas linhas de crédito dentro do Pronaf. A partir de 2004, foram instituídos o
Pronaf Mulher, o Pronaf Agroecologia, o Pronaf Semi-Árido, entre outros. Algumas dessas linhas tinham como ponto importante a possibilidade de financiar
a transformação do conjunto da unidade familiar.
Estimulados, por um lado, pela necessidade das famílias de ter acesso ao
crédito e, por outro, pelo aparecimento de linhas que em tese pareciam ser
mais propícias, o Pólo, a AS-PTA e o STR de Lagoa Seca decidiram se lançar num
exercício experimental de elaboração de propostas. O debate travado sobre o
Pronaf Semi-Árido no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
Financiamento da Transição Agroecológica
27
(Condraf), entre o final de 2004 e início de 2005, foi outro fator de estímulo.
Esse exercício tinha como uma das suas ambições aproximar o processo de
elaboração de propostas de crédito das famílias e das organizações. Imaginouse a possibilidade de desenhar um processo que pudesse ser reproduzido pelas
organizações com um apoio técnico mínimo.
O Pronaf Semi-Árido, em janeiro de 2005
O Pronaf Semi-Árido foi concebido para favorecer a estruturação das
propriedades para a convivência com a seca.
É um recurso de investimento. O projeto pode ter um valor entre R$
1,5 mil e R$ 6 mil. Até 35% do valor pode ser usado como custeio. É
possível solicitar um segundo empréstimo Pronaf Semi-Árido nos mesmos
limites do primeiro a partir do momento em que se fizer o pagamento da
primeira parcela do primeiro empréstimo. Ou seja, o empréstimo máximo
que o Pronaf Semi-Árido pode fazer é de R$ 12 mil, em dois contratos.
Inicialmente cada projeto podia contemplar até 65% para infra-estrutura hídrica. Durante o exercício isso mudou: cada projeto deveria prever,
obrigatoriamente, o gasto de pelo menos 40% nesse item.
Os juros são de 1% ao ano sem rebate. O prazo de carência é de até
três anos, e o pagamento deve ser feito em até sete anos. (Total: até 10
anos)
O público: agricultores enquadrados nas categorias B e C.
Exige a apresentação de projeto técnico.
Algumas dessas características foram mudando no decorrer de 2005.
28
Financiamento da Transição Agroecológica
Cinco famílias do município de Lagoa Seca, contatadas pelo STR, aceitaram ser
as cobaias. O experimento começou com a realização de um pequeno seminário (em
janeiro de 2005), que teve a participação de lideranças do STR de Lagoa Seca e do
Pólo, técnicos da AS-PTA e do Patac, além dos cinco agricultores. Foi apresentada e
discutida a linha Pronaf Semi-Árido, que seria usada como referência na elaboração
das propostas. O primeiro passo no processo de elaboração foi a análise dos sistemas produtivos das famílias participantes. Para isso cada família foi visitada por
uma equipe formada por um técnico e uma ou duas lideranças do STR.
O levantamento da realidade incluiu a elaboração de um croqui da propriedade
junto com a família. Nessa mesma visita também foi discutida a visão de futuro que
a família tinha para a propriedade, o que serviu de base para listar os investimentos
desejados pela família. Feito esse trabalho de campo, o resultado foi apresentado
ao conjunto de técnicos, lideranças e agricultores que participava do exercício. Na
discussão buscou-se sempre analisar a unidade familiar no momento atual, assim
como as idéias para o futuro, do ponto de vista da sustentabilidade2.
O caso da família de J. e V.
J. e V. têm três filhos jovens. Possuem 6,5 de hectares. Cultivam a
metade com milho, feijão, mandioca e batatinha. A principal cultura de
renda é a batatinha. O restante da área é pasto. Criam um rebanho de oito
bovinos e três ovinos, mas a maior parte do rebanho é de terceiros, criado
de meia. Há dois barreiros, que secam no verão. Atualmente, a família não
possui área irrigada, mas deve receber como doação um kit, por meio de
um projeto com a Sociedade Anônima de Eletrificação da Paraíba (Saelpa).
Esse agricultor já foi um produtor convencional de batatinha. Utilizava o crédito de custeio. Mas ele ficou endividado e teve que “vender quase
tudo” para pagar. Depois disso ele passou a cultivar uma área menor usando menos insumos. Hoje usa biofertilizante e as caldas “do STR”.
O primeiro desejo da família, em relação ao crédito, era aumentar e
estabilizar a oferta de água, através da reforma de um açude. Também
queria criar um rebanho próprio de dez bovinos. Além disso, V. queria
instalar uma pequena pocilga para criar porcos para vender. Essas idéias
iniciais foram modificadas depois do exercício de quantificação: J. decidiu
desistir da reforma do açude e se concentrar na melhoria do sistema de
criação de gado. Incluiu no projeto, fora a compra de animais, a compra de
uma forrageira, a construção de uma cocheira, etc.
Financiamento da Transição Agroecológica
29
É interessante registrar aqui que em todos os cinco casos o projeto das
famílias dava uma grande importância à criação de gado, como pode ser observado na tabela a seguir.
Tabela. Investimentos solicitados pelas cinco famílias
Família A
• Equip. irrigação p/ capineira
Família B
Família C
Família D
Família E
• Barreiro (refor- • Máquina forrama)
geira
• Máquina forrageira
• Máquina forrageira
• Cercas
• Cocheira
• Curral
• Depósito de forragem
• Cocheira
• Cercas
• Curral e cocheira
• Pastagem (braquiária)
• Aquisição de
bovinos
• Bebedouros
• Capineira
• Palma
• Carroça
• Palma
• Galpão
• Cercas
• Equipamento
• Galpão
• Tração animal
• Esterco (p/ roçado)
• Aquisição de
bovinos
• Apiário
• Pocilga (reforma)
• Pocilga
• Cercas
• Depósito de forragem
• Aquisição de
bovinos
• Aquisição de
bovinos
• Área de maracujá
• Capineira
• Barreiro
• Esterco (para
roçado)
• Galinheiro
Definidas assim as grandes linhas para a elaboração das cinco propostas, a
etapa seguinte foi a quantificação, entendida, sobretudo, como o cálculo dos
valores necessários à elaboração da proposta a ser apresentada ao banco. As
famílias foram visitadas, em alguns casos mais uma vez, com o objetivo de
calcular o custo dos investimentos que elas queriam realizar. Quando restava
uma dúvida, o agricultor ficava com a incumbência de obter as informações que
faltavam. Para algumas famílias o resultado dessa segunda etapa foi uma mudança na idéia original da família. Por exemplo, no caso do quadro sobre a
família J. e V., quando a família viu que a reforma do pequeno açude custaria
mais do que R$ 6 mil – valor máximo possível do projeto –, ela decidiu desistir
desse investimento.
Outra tarefa realizada nesse momento foi o levantamento das atividades
agropecuárias da família, dando ênfase à produção, às receitas e aos custos. Isso
permitiu, na fase seguinte, fazer um cálculo detalhado das receitas e despesas da
unidade familiar, pensando na demonstração da capacidade de pagamento.
O passo seguinte foi um exercício de tradução dos projetos assim desenhados para a linguagem das planilhas utilizadas pelo Banco do Nordeste. Para tal
contamos com a colaboração de um técnico que já tinha trabalhado nas elabo-
30
Financiamento da Transição Agroecológica
rações de projetos de crédito para esse banco. Ele conseguiu montar uma planilha
simplificada (preparada em Excel). Como foi feita tendo como referência o
software do Banco do Nordeste3, ela permitiu colocar as informações requeridas
e, entre outras coisas, fazer os cálculos da famosa capacidade de pagamento.
Entretanto, durante essa parte do exercício, apareceram problemas para
levar adiante a nossa elaboração. Um deles foi a descoberta de que não seria
possível financiar a compra de bovinos para recria/engorda (como queriam
quase todos os agricultores que participaram do exercício), ainda que os textos
normativos do Pronaf Semi-Árido não digam nada a respeito disso. Disseramnos que isso era “uma norma do banco”...4 Apareceram ainda outras dificuldades, também relacionadas às normas. Por exemplo, o banco determina que o
agricultor tem que destinar entre 30 e 60% da sua receita líquida para pagar o
empréstimo. Embora pareça natural colocar um limite máximo, qual a lógica de
colocar um mínimo? Assim como acontece no processo convencional de elaboração de propostas, essa exigência é um estímulo para quem está elaborando a
proposta fazer uma conta de chegada, colocando os dados necessários para tal.
Outro impedimento foi a dificuldade de financiar reformas, por exemplo, de um
açude, já que a norma pede obra ou implemento novo. A própria operação da
planilha, embora simplificada em relação à original, foi outro problema.
Houve então uma modificação nas diretrizes do Pronaf Semi-Árido, que
passou a exigir que no mínimo 40% do crédito fosse dedicado às infra-estruturas hídricas. Como, na maior parte dos casos envolvidos no exercício, as famílias não tinham solicitado esse tipo de investimento (no caso de J. e V., eles
tinham desistido de reformar o açude, por ser esta obra cara demais), viu-se
que seria necessário retomar o exercício, pelo menos em parte.
Foi nesse momento que o experimento foi interrompido. Não se chegou a
levar as propostas elaboradas para serem discutidas com o Banco do Nordeste.
As dificuldades relatadas tiveram uma certa influência nisso, já que criaram um
certo desânimo nos participantes. Mas também houve outros problemas relacionados com a agenda e as prioridades dos envolvidos.
f. Lições e desafios
Embora não tenha sido levada a bom término, essa experiência foi bastante rica em ensinamentos.
O processo aqui descrito permitiu uma participação bastante intensiva das
famílias. Destaque especial nesse ponto para as visitas feitas pelas equipes às
propriedades, que permitiram assegurar uma contribuição mais plena do casal e
também dos filhos.
Financiamento da Transição Agroecológica
31
Por outro lado, a seqüência completa do processo relatado consumiu muito
tempo e esforço, não somente por parte da família agricultora, mas também da
equipe encarregada da preparação das propostas. A pergunta que fica, nesse
quesito, é como acelerar o processo sem sacrificar a participação. Isso é uma
equação de solução difícil. Por exemplo, as visitas mencionadas são um instrumento de participação ampliada para a família e, ao mesmo tempo, uma atividade que consome muito tempo.
O que pode ser dito sobre a metodologia usada para analisar a
sustentabilidade? Embora nenhuma proposta tenha saído concentrada num produto único, de certa maneira, a importância da criação de bovinos nas propostas não deixa de ser instigante. Em um caso, a propriedade já tinha sido muito
diversificada, mas a evolução em curso, que buscava apoio na proposta desenhada pela família, era de pecuarização acentuada. Certamente as famílias tinham boas razões para isso, mas caberia uma discussão mais profunda sobre a
questão.
Na época em que foi feito o exercício, a planilha e as normas representaram dificuldades significativas. Conforme vimos, a planilha, mesmo com a simplificação construída, é de difícil manuseio. O exercício mostrou que, mantido
esse formato, a idéia de um processo de elaboração de propostas de crédito
implementado pelas próprias famílias com apoio das organizações seria muito
difícil de realizar.
Algumas normas, como já foi dito, também foram um obstáculo importante. Mas entendemos que nesse quesito houve, posteriormente, uma evolução
positiva. Por exemplo, parece que as normas de 2005/2006 aceitam as atividades de recria e engorda de bovinos. Nesse ponto o desafio é, por um lado,
manter-se atualizado. Por outro lado, seria necessário identificar as dificuldades que permanecem para reivindicar as mudanças necessárias.
2.3. Implantação e ampliação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) na
região sul do Pará com recursos do Pronaf Florestal
Sistematização: Antônio Carlos Cavalcante Pereira e
Roberto Araújo de Lima (Copatiorô)
a. Localização
• Estado: Pará
• Região: Sul do estado
32
Financiamento da Transição Agroecológica
• Município: Conceição do Araguaia
• Bioma/região ecológica: Zona de transição entre os biomas do Cerrado
e da Amazônia.
b. Público
Participaram da experiência 17 famílias que se identificaram como de agricultores familiares, sendo que em 15 delas o proponente do financiamento
eram homens e 2 eram mulheres.
c. Organização
A Copatiorô, juntamente com alguns movimentos sociais da região – Associação do P.A. Canarana, Grupo do MPA do Projeto de Assentamento Padre
Josimo Tavares, Grupo do P.A. de Curral das Pedras –, mobilizou algumas famílias e está implantando e ampliando Sistemas Agroflorestais (SAFs) com recursos do Pronaf Florestal.
A Copatiorô teve o papel de assessoria na qualificação da demanda dos
grupos de agricultores familiares para a elaboração dos projetos técnicos para
financiamento no Pronaf Florestal.
As organizações dos agricultores familiares participaram do processo de discussão do crédito e selecionaram as famílias que participaram da experiência.
d. Objetivo do financiamento
Implantação e ampliação de SAFs com recursos governamentais. A maior
parte do valor do crédito concedido às famílias se destinou, sobretudo, para a
produção de mudas de espécies frutíferas e madeireiras, aquisição de materiais
e equipamento e custeio de parte da mão-de-obra, principalmente para o aceiro,
visando evitar acidentes provenientes de queimadas descontroladas.
e. Período da experiência
A região já vem discutindo há algum tempo a necessidade de se ter um modelo
de desenvolvimento com um menor impacto ambiental. Em 2005, essa discussão
tomou maiores proporções devido o alto índice de desmatamento dos últimos anos
ocasionados principalmente pela pecuária, pelos grandes plantios de soja, pela
venda de madeira para as serrarias e pela produção de carvão para as guseiras.
Os movimentos sociais, juntamente com a Copatiorô, Copserviços e o Banco da Amazônia (Basa), discutiram a implantação do Pronaf Florestal para algumas famílias da região. A formulação dos projetos e sua contratação foi
realizada em dezembro daquele ano.
Financiamento da Transição Agroecológica
33
A experiência está em andamento, pois a implantação dos SAFs na forma
em que se trabalha na região leva de três a quatro anos.
f. Histórico
A maioria dos agricultores familiares da região segue o sistema convencional que é feito da seguinte forma: desmatando as áreas de lavouras com
queimadas para logo em seguida transformá-las em pasto para a pecuária. Tal
prática tem ocasionado um alto índice de desmatamento na região.
A venda de madeira (magno, castanha, candeia-da-noite, aroeira, cedro,
favão, jatobá, entre outros) e a produção de carvão foram elementos importantes da economia da Agricultura Familiar (AF), mas todas essas atividades levaram a um intenso desmatamento e degradação ambiental, devastando a maioria das florestas do sul do Pará.
Os lotes da maioria dos AFs não cumprem a legislação ambiental, que
exige 80% de áreas preservadas com florestas. Além disso, as crescentes dificuldades dos sistemas em processo de degradação suscitaram uma discussão
envolvendo várias entidades da região amazônica, como o MDA/SAF e o Basa,
para identificar formas viáveis de reflorestamento. A adoção de SAFs foi aceita
como a opção mais promissora e decidiu-se promover uma série de experiências
de implantação de SAFs com recursos do Pronaf Florestal, operacionalizadas
pelo Basa.
A pressão das entidades ambientais na região e a intensificação da fiscalização do Ibama têm gerado uma crise nas serrarias e indústrias de ferro gusa.
Estas, por sua vez, têm pressionado para que o reflorestamento da região seja
feito em monocultivo com espécies energéticas (eucalipto) e madeireiras (Teça),
justificando assim o seu passivo ambiental. Com isso, essas empresas que não
têm áreas de reflorestamento se beneficiariam com a produção de matériaprima para as mesmas no futuro. No entanto, por entendermos que o reflorestamento em monocultura e com culturas exóticas não é sustentável, temos
trabalhado somente com SAFs.
Na região sul do Pará, a Copatiorô, entidade de apoio técnico à AF baseada em
Conceição do Araguaia, ficou responsabilizada pela condução da experiência.
A Copatiorô, em diálogo com técnicos da SAF/MDA e do Basa, elaborou
uma proposta básica de SAF que foi apresentada aos agricultores relacionados
por suas organizações para participar da experiência. Após acordo em relação à
proposta técnica básica, houve uma série de reuniões de esclarecimento sobre
o Pronaf Florestal de modo a que ficassem bem claras para os agricultores as
questões relativas aos juros, carências e prazos de pagamento.
34
Financiamento da Transição Agroecológica
A proposta técnica foi então elaborada com cada uma das famílias em seus
lotes, por meio do diálogo entre estas e os técnicos, observando-se as áreas
onde o SAF iria ser implantado e a aptidão das famílias, elaborando-se assim
arranjos específicos de SAF para cada situação particular.
Nos SAFs elaborados foram incluídas espécies frutíferas comerciais da região e espécies madeireiras dos biomas Cerrado e Amazônia. A maioria das
famílias implantou seu SAF em áreas de roça, somente duas famílias implantaram o seu sistema na capoeira.
Não houve dificuldades na aprovação dos projetos, já que técnicos do Basa
participaram do processo de elaboração. E, em janeiro de 2006, as famílias
começaram a preparar as áreas para a implantação dos SAFs.
A Copatiorô assessorou a implantação dos SAFs com cursos de produção de
mudas a partir de manejo florestal e de outras adquiridas no mercado com os
recursos dos projetos.
Os agricultores familiares introduziram vários tipos de fruteiras, tais como:
o cupuaçu, laranja, tangerina, murici, manga, coco, açaí, pequi, acerola, cajá,
banana e outras. Dentre as espécies madeireiras, a maioria das famílias está
plantando espécies nativas da região como: mogno, aroeira, candeia da mata,
paricá, castanha-do-pará, frutão, entre outras.
A Copatiorô vem trabalhando com essas famílias a integração do sistema
de produção introduzindo, além dos SAFs, a venda residual de madeira extraída
dos remanescentes florestais e a criação de pequenos animais, como porcos,
aves, abelhas (apicultura) e peixes (piscicultura).
A lavoura branca também tem sido incentivada de forma que a segurança
alimentar dos AFs seja restabelecida em todos os níveis em roças com milho,
arroz e feijão. Enfatizamos que essa parte da produção é dirigida sobretudo
para o consumo das famílias com manejo de leguminosas e rotação de culturas
em uma mesma área evitando assim novas áreas de desmatamento.
g. Avaliação
A implantação dos SAFs tem apresentado um bom desenvolvimento. As
mudas e as sementes das plantas semi-perenes e perenes já foram plantadas.
Apesar de este ano ter tido um menor índice pluviométrico, as plantas têm
resistido bem à essa situação.
As famílias têm apresentado um bom grau de satisfação com a atividade,
visando principalmente a melhoria da segurança alimentar e a geração alimentar a médio prazo e a espécies florestais a longo prazo. Todas estão participanFinanciamento da Transição Agroecológica
35
do das capacitações e estão implantando o seu sistema inserindo até outras
espécies, conforme observação in loco pela equipe técnica, embora haja uma
exceção, em que a família vendeu a terra e desistiu de seu financiamento ocasionado pela desagregação da família.
Apesar de ter havido a desistência de uma das famílias a equipe tem
avaliado que os trabalhos têm tido um bom resultado, pois as demais têm
demonstrado um bom interesse, principalmente por já termos implantado
alguns SAFs com outros recursos e estes apresentarem uma boa produção já
estando com oito anos.
Esperamos que o Pronaf Florestal se apresente como uma alternativa de
implantação de SAFs e também venha a incentivar/facilitar as famílias, fato
esse que já vem ocorrendo, pois a região encontra-se com uma demanda qualificada de 96 famílias para o próximo ano agrícola.
1
Uma referência ao número de telefone criado pela SAF especialmente para receber
reclamações ligadas ao Pronaf: 0800 787000.
2
Essa análise valeu-se de quatro“atributos da sustentabilidade”: a) produtividade(ou
seja, a capacidade do agroecossistema prover o nível adequado de bens, serviços e
retorno econômico para a família); b) estabilidade (a capacidade de o sistema manter ou aumentar a produtividade ao longo do tempo); c) resiliência ou resistência (a
capacidade do sistema em absorver os efeitos de perturbações graves, retornando
ao estado de equilíbrio, mantendo o potencial produtivo); d) autonomia: (a capacidade de o sistema regular e controlar suas relações com agentes externos - bancos,
atacadistas, etc.).
3
Na época, o Banco do Nordeste era o único banco que operava com o Pronaf no
estado da Paraíba. Atualmente o Banco do Brasil também passou a operar com o
Pronaf.
4
Soubemos que essa questão foi resolvida no Plano Safra 2005/2006: atualmente é
possível o Pronaf financiar as atividades de recria e engorda.
36
Financiamento da Transição Agroecológica
Capítulo 3
Subgrupo de trabalho sobre proambiente
Coordenadores: Fábio Pacheco (Tijupá) e Vânia de Carvalho (Fase)
1. Relatório
2. Apresentação do Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção
Familiar Rural (Proambiente)
3. Resumo das experiências apresentadas
3.1. Pólo Baixada Maranhense – Cooperativa de Serviços, Pesquisa e Assessoria Técnica (Coospat)
3.2. Pronaf Semi-Árido – Pólo da Borborema - Paraíba
2.3. Pólo Noroeste do Mato Grosso – Associação Juinense Organizada
para a Ajuda Mútua (Ajopam)
1. Relatório do subgrupo Proambiente
Relatores: Vânia de Carvalho e Fábio Pacheco
Participantes: 59 pessoas de 33 entidades de 16 estados,
com a participação de quase 50% de mulheres
Após uma apresentação do Proambiente e de três experiências de Pólos
Piloto do programa, a plenária discutiu tanto as apresentações como outras
experiências e chegou às seguintes conclusões:
1.1. Avanços
• Superação da visão economicista da “remuneração dos serviços ambientais”.
Financiamento da Transição Agroecológica
37
• Envolvimento das mulheres (família) nas discussões.
• Disseminação dos princípios da agroecologia e crescimento do nível de
consciência ambiental das famílias envolvidas, o que levou à diminuição imediata do uso de pesticidas; a uma visão integrada da propriedade; a que cada família envolvida fizesse o planejamento, a longo prazo,
da propriedade; e à conservação e recuperação de áreas degradadas,
principalmente de Áreas de Preservação Permanente (APPs).
•
Maior presença da assistência técnica nas propriedades.
•
Melhora na comercialização da produção.
1.2. Problemas
• Falha no cronograma de recursos financeiros.
• Falta de garantia de recursos para compensação financeira (a não
operacionalização do fundo socioambiental devido à falta de legislação), criando expectativa entre as famílias.
• Programa ainda não priorizado pelo Governo Federal devido à ausência
de um marco legal para garantir recursos para o fundo.
1.3. Propostas
• Definição legal dos princípios dos serviços ambientais a partir do Programa Proambiente.
• Regulamentação dos serviços ambientais.
• Definição legal das fontes do orçamento público para efetivação da
constituição do fundo.
• Definição de uma linha de crédito diferenciada dentro do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) que preveja o rebate e um tempo maior de pagamento para o público do
Proambiente, tendo como referência os cadastros e planos de utilização
das Unidades de Produção Familiares (UPFs).
• Consolidar os pólos existentes a partir das questões apontadas anteriormente tendo como prazo até 2007, efetivando a nacionalização do
programa.
• Dar prioridade ao Proambiente na pauta da Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA) e dos diversos atores sociais amazônicos, provocando uma ampla mobilização, em caráter estadual, regional e nacional, com manifestações e elaboração de documentos públicos.
38
Financiamento da Transição Agroecológica
1.4. Questões gerais
A falta de profissionais com formação em agroecologia gera dificuldades
na comunicação e falta de garantia de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Ater). Diante disso, a proposta seria haver maior intercâmbio (elo de comunicação) entre técnicos e agricultores e entre os pólos.
2. Apresentação do Proambiente
Shigeo Shiki: gerente do Proambiente (Ministério do Meio Ambiente)
O Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural da Amazônia (Proambiente) surge por uma demanda da sociedade civil –
organizações de agricultores(as) familiares, extrativistas e pescadores(as) – de
uso dos recursos naturais para a geração de renda com um menor impacto
ambiental. Essa proposta de programa nasceu do Grito da Amazônia/2000, organizado pelos movimentos sociais liderados pela Federação dos Trabalhadores
e Trabalhadoras da Agricultura (Fetag); pelo Movimento Nacional dos Pescadores (Monape) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira (Coiab).
A partir de 2004, o Proambiente passa a incorporar o Programa Plurianual
(PPA) de 2004-2007 do governo Lula, adquirindo assim um caráter nacional.
O Proambiente visa tanto a construção de modelos de produção de menor
impacto ambiental (agroecológicos) como também a recuperação e conservação do ambiente natural pelos(as) próprios(as) produtores(as), sendo esses
serviços reconhecidos pelo poder público e pela coletividade como um serviço
de importância para a melhoria da qualidade de vida geral. Por adotarem práticas agroecológicas, esses produtores são considerados como prestadores de
serviços ambientais que devem ser remunerados de alguma forma (financeira,
prestação de Ater, crédito diferenciado, apoio à comercialização, etc.).
Entre os mencionados serviços ambientais, podemos citar: a redução do
desmatamento, conservação do solo, conservação da água, preservação da
biodiversidade, redução do risco do fogo, redução do uso de agrotóxicos e
absorção do carbono atmosférico. Essas atividades podem tanto buscar o aumento da renda como dirigir-se à recuperação ambiental.
O Proambiente por enquanto somente está sendo experimentado em doze
projetos chamados pólos, localizados nos nove estados da Amazônia legal. O
Proambiente é um projeto piloto que tem a perspectiva de ser expandido para
outros biomas brasileiros, mas que dependerá da experiência amazônica para
Financiamento da Transição Agroecológica
39
ganhar mais força, pois atualmente encontra muitas dificuldades na execução,
principalmente com relação ao repasse dos recursos para os pólos.
3. Resumo das experiências apresentadas
3.1. Proambiente: valorização dos serviços ambientais nos espaços de
produção rural – Pólo da Baixada Maranhense
Laurilene Muniz da Cooperativa de Serviços, Pesquisa e Assessoria Técnica
(Coospat) - Pólo da Baixada Maranhense
A primeira ação do Proambiente no Maranhão acontece em 2002, quando
foi realizado o I Encontro Estadual de Agricultura Familiar e Extrativismo em São
Luís. O evento, promovido por representantes das instituições idealizadoras da
proposta, tinha como objetivo a divulgação e socialização do programa, bem
como a criação do Conselho Estadual do Proambiente (Conges) e, principalmente, a indicação da região na qual seria implantado o programa no Maranhão.
Por meio de votação, e em virtude de apresentar uma maior representatividade
de lideranças locais, a região da Baixada Maranhense foi escolhida para ser o
Pólo Pioneiro do Proambiente, abrangendo, inicialmente, os municípios de Viana,
Matinha, Penalva, Vitória do Mearim e São João Batista.
O Conges teve como atividade inicial a definição de uma entidade executora que obedecesse a um perfil de trabalho junto à agricultura familiar com
enfoque nos princípios agroecológicos. Atendendo a esses requisitos, a Cooperativa de Serviços, Pesquisa e Assessoria Técnica (Coospat) foi eleita para execução do programa, responsabilizando-se pela elaboração do projeto e pela
formação da equipe de assessoria técnica, implantando dessa forma o Pólo
Proambiente Baixada Maranhense.
O Pólo Proambiente Baixada Maranhense começa suas atividades na região
por meio de seminários de nivelamento nos municípios, com o objetivo de
promover o entendimento e a compreensão do público-alvo como também das
lideranças locais. Posteriormente ocorre no município de Viana um seminário
regional para a formação do Conselho Gestor do Pólo (Congep), composto por
lideranças sindicais, membros da sociedade civil e poder público municipal.
No primeiro ano de atuação do pólo, considerado como de estudo para
conhecimento da realidade local (estudo macro) de execução do programa, é
elaborado o Diagnóstico e Plano de Desenvolvimento Sustentável do Pólo, com
enfoque em quatro pontos temáticos de organização, infra-estrutura, sistemas
de produção e processo de comercialização, utilizando uma metodologia
40
Financiamento da Transição Agroecológica
participativa respeitando-se as questões de gênero, geração e etnia. O Plano de
Desenvolvimento Sustentável do Pólo Proambiente Baixada Maranhense foi
aprovado durante a Assembléia dos 500, quando se fizeram presentes agricultores e agricultoras dos cincos municípios que compõem o pólo, além de lideranças sindicais, representantes da sociedade civil, entidades parceiras e membros
das esferas municipal, estadual e federal.
O segundo ano de estudo (micro) iniciou-se com o cadastro e seleção das
famílias, estruturando-se o pólo em sete núcleos comunitários englobando os
municípios de Viana, Matinha, Vitória do Mearim e Penalva e totalizando 210
famílias até o final de 2005. Posteriormente foi feita a elaboração dos Planos
de Utilização (PUs) das Unidades Produtivas Familiares (UPFs) respeitando-se a
proposta de prestação dos serviços ambientais.
Atualmente o programa encontra-se em processo de assessoria técnica junto
às famílias, tendo como metas a elaboração e revisão de PUs, a construção de
Acordos Comunitários, visitas técnicas de monitoramento e orientação para execução dos PUs nas unidades de produção.
Nesse processo participativo a equipe de assessoria técnica passa a ser
formada, também, por agricultores e agricultoras escolhidos pelas famílias dos
núcleos comunitários para exercerem a função de agentes agroecológicos, facilitando, dessa forma, o processo de assessoria junto às famílias.
Entre as categorias participantes da experiência, estão agricultores familiares, mulheres agricultoras e assentados. Os primeiros caracterizam-se por explorar a terra com roçado, num sistema de derruba e queima representado,
principalmente, pelas culturas da mandioca, arroz, milho e feijão. Eventualmente, atividades como a pesca artesanal e fabrico do carvão também têm um
papel na economia familiar.
Já as mulheres agricultoras, em sua grande maioria, participam da atividade de
roça nas tarefas de plantio, capinas e colheitas e beneficiamento. Contudo, vale
ressaltar que, apesar de fazerem uma leitura de que apenas ajudam nas tarefas, as
mulheres se encarregam das atividades domésticas, da criação de pequenos animais
(galinha caipira), da coleta e quebra do coco babaçu, bem como do fabrico do
carvão a partir das cascas do coco. O extrativismo do coco babaçu, para algumas
famílias, representa aproximadamente 50% da renda familiar.
Com relação ao grupo dos assentados provenientes de reforma agrária do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), estes se assemelham à categoria dos agricultores familiares, apresentando como diferencial
atividades de bovinocultura, em virtude de serem beneficiários do Pronaf A
com investimento para gado.
Financiamento da Transição Agroecológica
41
As atividades de produção nas UPFs são desenvolvidas em áreas de capoeira com tempo médio de pousio de três a quatro anos, demonstrando fragilidade
do sistema de cultivo por ser baseado no trinômio derruba-queima-pousio. É
comum as atividades ultrapassarem os limites de capoeiras, utilizando também
áreas destinadas a Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente (APPs),
sobretudo as matas ciliares.
No que tange a questão fundiária, as UPFs do pólo são caracterizadas, em
sua maioria, por terras de herança e terras do Estado. Apresentam-se, também,
como terras de reforma agrária, compreendendo três núcleos em dois municípios. As famílias estão inseridas em um contexto organizacional estruturado por
relações de parentesco e associativismo formal por meio dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e associações comunitárias de produtores.
Principais pontos de conversão de uso da terra das atuais unidades de produção
√ Conversão do sistema de roçados de corte e queima em sistema de
transição com queimada controlada e iniciativas de conversão em sistema sem queima e adubação verde a partir do segundo e terceiro ano.
√ Pousio de capoeiras por três a cinco anos, objetivando a implantação
futura de roçados já numa perspectiva de não uso do fogo.
√ Recuperação de mata ciliar, predominando o açaí como espécie a ser
inserida e/ou replantada.
√ Consórcio de plantas perenes com arranjos que permitam a estruturação de
sistemas agroflorestais. Essa conversão, em geral, objetiva também a
complementação do percentual relativo à reserva legal da unidade familiar.
√ Definição da Reserva Legal, adotando práticas que permitam a recuperação e/ou consolidação do ecossistema. As práticas mais dominantes
rumam na perspectiva da sucessão natural, do extrativismo do babaçu,
do manejo da madeira para uso doméstico e na agroindústria, do manejo da fauna, destacando-se o manejo da abelha.
√ Criação de pequenos animais, como peixes (piscicultura) e cabras
(caprinocultura).
√ Construção de açudes para atender a atividade de piscicultura e como
reservatório para abastecimento da criação, sobretudo dos bovinos.
O processo de conversão de uso da terra das atuais unidades de produção
na perspectiva de manejo ecológico dar-se-á de forma gradativa, pois ainda
estão presentes entre as famílias a expectativa e práticas na linha do manejo
42
Financiamento da Transição Agroecológica
tradicional e/ou convencional. Por isso, as capacitações e trocas de experiências serão de fundamental importância logo no primeiro ano. Os conteúdos dessas capacitações devem atender as demandas das famílias e abordar: o manejo
ecológico do solo, o manejo e uso múltiplo da floresta, a criação ecológica, a
produção de mudas florestais, bem a agroecologia, gestão participativa e
comercialização coletiva.
Estratégias políticas para fortalecimento do Programa no Pólo Baixada Maranhense
Pelo próprio caráter desafiador do programa, que busca redesenhar o espaço rural numa perspectiva de mudança de cenários, a sua sustentabilidade e
continuidade passam pelo empoderamento das famílias a partir de uma compreensão política e técnica, visando o envolvimento efetivo das entidades de
base, iniciando pelos STRs. Nesse contexto, é de vital importância que o Conselho Gestor do Pólo, funcionando como interface desse processo, possa inteirarse do seu papel a partir do entendimento de gestão autônoma capaz de promover interlocuções tanto no campo específico com as famílias quanto na esfera
pública municipal.
Portanto, para que haja o fortalecimento do programa, torna-se necessário
reverter o atual quadro de não envolvimento integral de algumas prefeituras
municipais e órgãos estaduais. E será assim que poderá tornar-se uma política
pública capaz de instrumentalizar a execução e consolidação de ações apontadas no Plano de Desenvolvimento do Pólo, gerando com isso melhoria de qualidade de vida para as famílias.
Outro aspecto a ser destacado é a importância da criação de uma rede de
articulação de parceria com entidades governamentais e não-governamentais
que possam dar suporte às capacitações e treinamentos das famílias em práticas agroecológicas, bem como possam promover intercâmbios e visitas técnicas para que os agricultores e agricultoras consigam visualizar e conhecer experiências concretas e auto-sustentáveis como proposta de mudanças para as
atuais atividades agropecuárias desenvolvidas nas UPFs.
3.2. Proambiente – Pólo pioneiro noroeste de Mato Grosso
Sistematização: Eder Luiz Weber (Ajopam)
O Proambiente é um programa piloto que começou a ser discutido na região Noroeste de Mato Grosso no primeiro semestre do ano de 2001, pólo que
abrange o município de Juína e seus distritos. Já nesse período, a Associação
Financiamento da Transição Agroecológica
43
Juinense Organizada para Ajuda Mútua (Ajopam) foi escolhida como entidade executora do programa no pólo pelas demais entidades parceiras que compõem o Conselho Gestor do Pólo (Congep), sendo elas: Secretaria Municipal de Agricultura e
Meio Ambiente (Samma), Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), Ibama,
Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), Instituto de Defesa Agropecuária (Indea), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Associação
Municipal dos Produtores Feirantes de Juína (Aprofeju), Pastoral da Saúde, Pastoral
da Criança, Associação Agrossocioambiental (Aasa) e STR.
Em 2004 foram liberados os primeiros recursos para a contratação da equipe técnica.
Entre as primeiras atividades realizadas no pólo, esteve a divulgação do
programa nos meios de comunicação do município, com o objetivo de despertar
o interesse nos produtores.
Em seguida foi realizado um seminário, a fim de apresentar melhor o programa
aos agricultores e realizar o cadastramento das 300 famílias interessadas.
As famílias foram distribuídas em doze grupos com aproximadamente 25
famílias. Cada grupo elegeu um agente comunitário, que deveria apresentar um
certo perfil, já que passaria a fazer parte da equipe técnica do programa no
pólo juntamente com quatro Técnicos de Nível Médio (TNM) e um Técnico de
Nível Superior. Desta forma, cada TNM ficou responsável por acompanhar três
grupos de famílias.
Logo no início do programa, foram realizadas, em campo, oficinas de
agroecologia junto aos grupos. Em seguida, os técnicos realizaram uma atividade que chamamos de diagnóstico das Unidades de Produção Familiares (UPFs),
que foi realizada pelo técnico, pelo agente comunitário e pela família. A
metodologia de desenvolvimento e construção desse produto foi participativa,
envolvendo toda a família, e as principais ferramentas utilizadas foram: caminhada transversal pela UPF, construção do croqui atual da propriedade e coleta
de dados sobre renda, atividades e situação dos diferentes subsistemas de produção e conservação de APPs e Reserva Legal.
No intervalo entre uma visita e outra da equipe técnica, as famílias ficaram
responsáveis por construir um croqui futuro da UPF, ou seja, colocar no papel
todos os sonhos de transformação da propriedade. Esse croqui serviu de base
para o planejamento das UPFs, que foi realizado em seguida, e também para
identificar os pontos de conversão necessários em cada unidade.
Quando todas as famílias já tinham seus planejamentos, foi o momento
dos grupos de famílias formularem seus Acordos Comunitários, nos quais cada
família assume com o grupo algumas medidas possíveis de serem mudadas em
44
Financiamento da Transição Agroecológica
benefício da conservação e reposição de ecossistemas, além de se comprometer
a utilizar práticas de manejo na produção menos agressivas ao solo, à água, ao
ar e ao meio ambiente.
Paralelamente a essas atividades, outras foram acontecendo nos grupos,
tais como:
• Oficinas de produção de compostagem.
• Oficinas de produção de caldas e biofertilizantes.
• Oficina para disseminação e uso de controle biológico para pragas e doenças.
• Assistência técnica às UPFs.
Todo esse trabalho tem surtido vários efeitos positivos. Dentre eles podemos destacar alguns:
√
√
√
√
√
√
√
√
Crescimento do nível de consciência ambiental das famílias envolvidas.
Envolvimento da família nas discussões.
Diminuição imediata do uso de pesticidas.
Disseminação da agroecologia.
Diversificação da produção.
Assistência técnica nas propriedades.
Comercialização da produção.
Cada família envolvida tem o planejamento a curto, médio e longo
prazo da propriedade.
√ Conservação e recuperação de áreas degradadas, principalmente APPs.
Porém, nem tudo foi conquistado nesse período. Temos algumas limitações a serem superadas:
• Recursos para a manutenção da equipe técnica.
• Profissionais habilitados em agroecologia.
• Comunicação deficiente entre vários cenários.
• Execução das atividades de acordo com o planejamento das UPFs.
• Difícil acesso às linhas de crédito.
• Vizinhança (divisa) com produtores convencionais.
Para resolver essas situações, enxergamos algumas possíveis saídas:
• Capacitar cada vez mais os profissionais envolvidos, bem como as
famílias.
Financiamento da Transição Agroecológica
45
• Criar maior elo de contato entre produtores e entre produtores e a equipe técnica.
• Articular meios para que as famílias executem os planejamentos.
• Buscar a regularização fundiária das Unidades de Produção Familiares.
• Estimular as famílias do entorno a aderirem às novas técnicas de produção.
• Articular momentos de formação também para os demais membros da
comunidade.
Os principais objetivos do programa são unir e desenvolver os lados social,
econômico e ambiental nas UPFs. Todos devem estar em equilíbrio, visando a
fixação do homem no campo, a geração de renda e a preservação e conservação
dos recursos naturais.
1
Entende-se por núcleo comunitário o agrupamento de famílias que aderiram à proposta do Proambiente, apresentando uma distribuição espacial, respeitando a proximidade das unidades de produção familiar (escala de paisagem). Em 2006,
tem-se a perspectiva de inclusão de mais um núcleo comunitário.
46
Financiamento da Transição Agroecológica
Capítulo 4
Subgrupo de trabalho sobre fundos não-governamentais
Coordenador: José Camelo da Rocha (AS-PTA PB)
1. Relatório do subgrupo Fundos não-governamentais
2. Resumo das experiências apresentadas
2.1. Fundos Rotativos Solidários da Articulação do Semi-Árido (ASA) Paraíba
2.2. Fundo Rotativo Banco da Mulher no Maranhão
2.3. Fundo de Crédito Solidário da Zona da Mata de Minas Gerais
2.4. Fundo Demana Amazônia
2.5. Cooperativa de Economia e Crédito Solidário (Ecosol) de Araponga/
Minas Gerais
1. Relatório do subgrupo Financiamentos por fonte nãogovernamental
Relatora: Ghislaine Duque (UFCG)
a. Apresentação
O grupo, composto de cerca de 30 pessoas, analisou quatro experiências
de financiamento da agricultura familiar agroecológica por fontes não-governamentais.
Financiamento da Transição Agroecológica
47
Os Fundos Rotativos Solidários (FRS) praticados pela Articulação do SemiÁrido (ASA) na Paraíba para todas suas ações. Iniciados em 1993 pelas ONGs
que compõem a ASA, os FRS são administrados por cada comunidade que decide coletivamente a seleção dos participantes e as formas de organização e
gestão. Apresenta diversas modalidades de reembolso. Não se cobram juros,
mas certas comunidades prevêem o reajuste da devolução pelo valor do material. Os FRS vêm cumprindo o objetivo de fortalecer a agricultura familiar
agroecológica, reforçando a organização comunitária e a auto-estima das famílias. As organizações de assessoria cumprem um papel na formação técnica e
política mediante intercâmbios, encontros, etc.
O Fundo Rotativo do Banco da Mulher, organizado pela Associação em Áreas de
Assentamentos (Assema) no Maranhão, favorece o empoderamento das mulheres e
a integração entre os membros da família, a partir do financiamento das atividades
dirigidas pelas mulheres (por exemplo, pequena criação e horticultura orgânica). O
valor do crédito (hoje R$ 700,00), os prazos de reembolso (dois anos) e os juros
(5,4% nos dois anos) são fixados pela Assema que gerencia o fundo.
Os Fundos de Crédito Solidário (FCS), organizados pela Associação Regional dos
Trabalhadores Rurais da Zona da Mata de Minas Gerais, têm como objetivo fomentar
a geração de renda e a organização das agricultoras e agricultores. O projeto, individual ou em grupo, é apresentado pela associação local ou pelo STR filiado à
associação regional e é analisado e liberado por uma Comissão de Gestão composta
de dois representantes da associação, dois representantes do Centro de Tecnologias
Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM), enquanto parceiro, e um representante da
Comissão Regional de Mulheres. Os valores (R$ 5 mil para grupos e até R$ 1,5 mil
para projetos individuais), a taxa de juros (6% ao ano) e o prazo de reembolso (até
20 meses, com oito meses de carência) são fiscalizados pelo Conselho Regional,
que dá grande atenção ao acompanhamento técnico do projeto. São previstas normas quanto ao tipo de atividade financiada, à análise da gestão dos FCS, à representação das associações regionais na Comissão de Gestão, etc.
O Fundo Dema na Amazônia, cuja gestão é assegurada pela Fase-Amazônia, foi criado a partir da venda do mogno apreendido pelo Ibama, cujo valor
formou um capital depositado em banco. São os rendimentos desse capital que
financiam, a fundo perdido, projetos a favor das populações prejudicadas pelos
danos ambientais. O capital permanece intocado.
b. Análise
O grupo observou que, das quatro experiências apresentadas, três são na
modalidade de fundos rotativos solidários, sendo um gerido pela comunidade e
48
Financiamento da Transição Agroecológica
dois pelas organizações. A gestão pela comunidade favorece a
auto-estima e o empoderamento
dos agricultores e das agricultoras familiares.
Quanto à quarta experiência, a do Fundo Dema, trata-se
de uma doação do poder público. O capital é mantido e controlado pelo banco segundo procedimentos burocráticos bancários próprios, mas a gestão é feita pela organização, no caso a Fase. Não se trata de um fundo rotativo, pois o financiamento
é a fundo perdido. Cabe ressaltar um aspecto interessante, que é o fato de a
punição dos prejuízos ambientais se tornar uma fonte de benefícios a favor das
comunidades das áreas devastadas.
c. Alcance das quatro experiências
Os FRS da Paraíba têm capilaridade em todo o estado. Atingem aproximadamente 22 mil famílias em 147 municípios. Já os dois outros fundos são mais
localizados na área de abrangência da organização responsável.
Quanto ao Dema, ele atinge uma área bastante grande, mas tem limitações
quanto às famílias beneficiadas em função das exigências burocráticas do banco (por exemplo, documentação necessária).
d. Propostas
Reconhecendo a importância dos Fundos Rotativos Solidários geridos pelas comunidades como forma de organização que contribui eficientemente para
a auto-estima, o empoderamento e a cidadania dos agricultores e das agricultoras
familiares, recomenda-se que seja criada, no quadro da política pública de financiamento da agricultura familiar agroecológica, uma modalidade de financiamento que alimente a poupança comunitária mediante esses fundos, permitindo a autonomia da comunidade na gestão dos recursos. Que a avaliação dos
fundos leve em conta não apenas aspectos financeiros, mas também os impactos sobre o progresso da agroecologia, a capacitação das comunidades camponesas em termos de gestão e o empoderamento das famílias. Que todas as
multas aplicadas em decorrência de danos ambientais sejam destinadas ao financiamento de projetos em beneficio das populações prejudicadas e administrados por elas na forma de fundos rotativos solidários.
Financiamento da Transição Agroecológica
49
2. Resumo das experiências apresentadas
2.1. A ASA Paraíba e os Fundos Rotativos Solidários
Sistematização: José Waldir Costa (Patac)
a. Caracterização da região do Semi-Árido
A agricultura familiar no semi-árido brasileiro é caracterizada por diversidades
nos cultivos, nas espécies de criação animal e até nos costumes e
(inter)relacionamentos, sejam individuais ou coletivos. Também manifesta historicamente, no trato com as finanças, ricas e variadas formas de relação e lógicas para
otimização do trabalho, bem-estar familiar e garantia da produção, num sentimento mútuo de cumplicidade. Todos contribuem e igualmente recebem, sejam
benfeitorias, respeito, apoio à produção e mesmo afirmação e reprodução da cultura de relações que amenizam flagelos e permitem a convivência técnica, social e
organizativa. Assim, podemos dizer que a solidariedade, na agricultura familiar, é
uma importante manifestação de crédito, vivenciada, no geral, no sentimento de
pertencimento à localidade onde se vive – entre os vizinhos, amigos e familiares –
, onde cada um demonstra preocupações para com todos.
Essa cultura – viva expressão de resistência das comunidades empobrecidas
por muito tempo – ficou isolada nos grupos, que a desenvolvem mesmo sem
diálogo entre eles, assim como sempre foi sufocada e sofreu pressões do sistema financeiro predominante, que a considera ineficaz por não gerar lastro e
dispensar o uso de papéis como moeda. Com o passar do tempo, muitas das antigas
práticas de organização e socialização do trabalho têm sido desvalorizadas, embora
lembradas com certo saudosismo. Outras foram esquecidas e poucas têm permanecido e/ou se moldado para atender as atuais exigências das comunidades. Assim é
que afirmamos que as relações estabelecidas pela comunidade, seja com pessoas
estranhas à lógica de solidariedade – como os fazendeiros –, seja com chefes políticos ou comerciantes dos aglomerados urbanos, sempre foram conflituosas e desfavoráveis às iniciativas de fortalecimento organizativo e mesmo econômicos das
famílias agricultoras. A perspectiva do lucro, da produtividade e da acumulação de
capital auxilia o descrédito no potencial local e traz consigo desvantagens à agricultura familiar e à identidade organizativa, desestruturando as dinâmicas sociais
por décadas construídas.
As famílias agricultoras, portanto, convivem em um espaço de rica afirmação existencial, mas também repleto de contraditórios desdobramentos. Para
ilustração, basta analisar que as famílias do semi-árido têm a água como escassa, uma verdadeira “dádiva divina”, e, assim sendo, quem tem água é guardião
50
Financiamento da Transição Agroecológica
de um patrimônio com significado imensurável: “água não se nega”. Mas a lógica da
especulação – reforçada por políticas públicas governamentais – inunda vastas
áreas com represas que simbolizam poder e dominação. Represas cercadas para não
darem acesso logo a essa população, que contempla a divindade na chuva que cai,
e vê-se desprovida dela que está logo ali, fora de seu alcance. Isso quebra toda
simbologia que sua cultura de ser integrado foi capaz de absorver.
Com essa percepção, as organizações de apoio à agricultura familiar com
enfoque agroecológico, no semi-árido paraibano, vêm motivando as comunidades a descreverem por meio de gravuras, desenhos, mapas, linha cronológica ou
mesmo textos expressões de sua identidade histórica, cultural, produtiva e de
sociabilidade. Além disso, as incentivam a resgatarem sua história de cumplicidades e vivências solidárias.
Uma das dinâmicas que melhor tem assimilado essa motivação é a
mobilização para a formação e gestão dos Fundos Rotativos Solidários para
apoio às iniciativas de experimentação técnica e produtiva e ao fortalecimento
organizacional.
b. Os Fundos Rotativos Solidários (FRS)
A experiência com Fundos Rotativos Solidários (FRS) no Brasil e, em especial, no Nordeste, tem sido estimulada desde a década de 1980, apostando de
forma incisiva na perspectiva de quebra das estruturas geradoras de dependência e empobrecimento das trabalhadoras e trabalhadores. Apesar dos tantos
desafios e do muito a conquistar para o fortalecimento dessa dinâmica, já
constatamos significativas mudanças no comportamento e estruturação entre
as pessoas, suas comunidades/localidades e nas políticas públicas governamentais e suas amarrações de fortalecimento à reprodução do sistema de dependências e concentração.
A experiência com FRS, relatada a seguir, está em aproximadamente mil
comunidades distribuídas por 147 municípios do semi-árido paraibano, articulada na ação da ASA estadual. Participam desses FRS famílias agricultoras que
se inserem em processos comunitários sócio-organizativos, com residência na
área rural e produção caracterizada pela diversidade de cultivos agrícolas e
criação animal voltada, primordialmente, para a auto segurança alimentar e
nutricional. Pessoas de todas as idades se inserem na experiência, embora os
homens e as mulheres responsáveis pelas famílias estejam em grande maioria,
mesmo que os resultados contemplem toda a família.
Nessa dinâmica envolvem-se 350 organizações representativas e de apoio
da agricultura familiar que interagem do espaço comunitário ao estadual, pasFinanciamento da Transição Agroecológica
51
sando por comissões municipais e regionais. As iniciativas com FRS presentes
no estado se encontram e se retroalimentam nas dinâmicas da ASA Paraíba por
suas comissões de manejo da água, sementes e agrobiodiversidade, rede abelha
e outras, sem que haja um espaço próprio para tratar de finanças solidárias
isoladamente. Participam, no entanto, no apoio e motivação aos FRSs, organizações juridicamente formalizadas e grupos informais nos diversos espaços (comunitário, municipal e regional), contribuindo da mais variadas formas. A experiência é de fortalecimento dos processos sócio-organizativos, técnicos e
políticos junto às famílias agricultoras e suas organizações na construção e
gestão de um modelo de desenvolvimento pautado nos princípios da solidariedade e respeito ao meio ambiente. Iniciou em julho de 1993 – ano de seca em
todo Nordeste brasileiro – com apoio financeiro da ONG Patac captado junto à
cooperação internacional para experimentações de armazenamento da água de
chuva, sem ter o propósito inicial de estar motivando a formação dos Fundos
Rotativos Solidários.
De fato, em 1993 centenas de municípios no semi-árido foram abastecidos
por carros-pipa com água vinda de lugares de até 100 km de distância. Algumas
comunidades não dispunham de reservatório adequado para receber a água,
Caiçara, no município de Soledade, por exemplo, era uma delas. A saída
emergencial para a comunidade foi a escavação de um buraco em frente ao
grupo escolar: “Era um buraco no chão batido sem revestimento nem cerca ao
redor e os animais disputavam a água com as pessoas; os porcos se lambuzavam dentro”, lembra José Maciel, morador de Caiçara. A prefeitura municipal
havia sido procurada anteriormente e transformara a fossa céptica da escola
numa cisterna para receber o carro-pipa, mas esta não resistiu e rompeu-se no
primeiro abastecimento.
Caiçara, no entanto, uma comunidade muito populosa e composta por agricultores familiares com pouquíssima terra, havia aprendido há bastante tempo
a partilhar esforços, organizar mutirões e até um banco de sementes comunitário “ já em 1983, com apoio da ONG Pracasa. A Igreja Católica e o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Soledade também estavam, desde 1989, motivando
ações junto às comunidades para ampliação da capacidade de captação e
armazenamento da água. Foi assim que no início de 1993 a igreja e o sindicato
formaram parceira com o Patac na execução do projeto Água é Vida, com apoio
financeiro da Catholic Relief Service (CRS) e da Misereor, experimentando algumas tecnologias para reforçar o abastecimento das famílias com água de beber
e cozinhar, como barreiros trincheira e cisternas de placas. O município de
Soledade foi contemplado com 17 cisternas que foram encaminhadas para re-
52
Financiamento da Transição Agroecológica
forçar as ações junto a quatro comunidades, entre elas Caiçara, por seu acúmulo
de iniciativas e organização e pela fragilidade no abastecimento.
A comunidade formou um grupo com dez famílias interessadas nas cisternas para abastecimento familiar com água captada do telhado das próprias
residências. Havia uma cisterna para cada duas famílias envolvidas. As dez
famílias resolveram trabalhar em conjunto para a construção das cinco cisternas, o que motivou a formação de um consórcio entre elas para garantir que
cada uma ficasse com sua cisterna após determinado tempo. Assim, sortearamse as famílias a serem contempladas com as cisternas recebidas da cooperação
e todas se comprometeram em ratear o valor de uma nova cisterna a cada ano
conforme a capacidade de contribuição de cada uma delas. Com os valores
arrecadados em apenas três dos cinco anos previstos inicialmente, as dez famílias estavam contempladas. A comunidade contava com onze cisternas, sendo
dez familiares e uma construída no salão comunitário para receber o carropipa, se necessário.
A partir daí outros grupos de famílias foram estimulados na comunidade e
na vizinhança, recebendo as primeiras cisternas das famílias já contempladas.
Aos poucos essa idéia foi sendo incorporada a diversas iniciativas, tanto coletivas quanto familiares. Hoje Caiçara tem 87 cisternas construídas, sendo 67
delas fruto dos rateios nos FRS, e aplicou sua experiência com esses fundos em
ações como cercas de tela para o sistema de criação animal, plantio de palma
forrageira, barragem subterrânea, tanques de pedras, animais e poços amazonas, entre outras.
O exemplo de comunidades como Caiçara sempre foi partilhado nos espaços de discussão regional com famílias agricultoras e mesmo na formação e
primeiros passos da ASA Paraíba. Muitas organizações de dentro e de fora do
estado visitaram essas comunidades e motivaram a iniciativa em suas localidades, sempre integrando os FRS aos processos de construção de cisternas. Como
no caso do Centro de Educação Popular e Formação Sindical (CEPFS), que adotou a idéia no médio sertão. A partir do CEPFS, essa metodologia se estendeu
no sertão. E assim a irradiação foi muito rápida por todo o estado.
A cisterna de placas ainda é responsável pela inserção da grande maioria
dos integrantes na dinâmica dos FRS na Paraíba, mesmo com a diversidade de
atividades que os fundos têm motivado. Hoje podemos afirmar que os FRS são
alimentadores de dinâmicas e ações que se refletem na transição da propriedade para produção agroecológica. Assim sendo, não há uma predeterminação de
atividades a serem trabalhadas nem limites para apoios e experimentações. O
que existe são princípios e acordos que reforçam as dinâmicas - inclusive tradiFinanciamento da Transição Agroecológica
53
cionais –, valorizam as formas organizativas e de relações respeitosas entre as
pessoas e das pessoas com o meio ambiente onde vivem, produzem e constroem um modelo de desenvolvimento endógeno.
Esse estágio se deve à total autonomia de gestão que vem sendo construída
nas comunidades há mais de uma década. A idéia inicial (1993) consistia em
que haveria um retorno dos recursos repassados às comunidades a uma conta
comum gerida pelo Patac ou por outras organizações de apoio regional. No
entanto, a experiência de Soledade e de algumas outras comunidades com gestão físico-financeira e organizativa compartilhada entre as famílias envolvidas
demonstrou que as ações para reforçar a organização e os processos emancipatórios das comunidades são facilmente por elas apropriadas. Aliás, percebeuse que as próprias comunidades têm melhor capacidade de gestão do que uma
organização que, ainda que as apóie, não viva seu cotidiano.
c. Gestão
A forma de gestão que melhor tem respondido ao anseio de autonomia,
autogestão e auto-estima é construída com base nos seguintes indicativos:
– Existem comissões comunitárias formadas por membros de cada grupo
nas localidades para gestão do fundo, que assume formato de integração
das várias ações articuladas na comunidade. Então se organizam grupos
de trabalho e de interesses, se discutem formas de repasse dos apoios
às ações e se estabelecem critérios e normas adequadas para serem
localmente apropriadas.
– Nos municípios, as várias comissões comunitárias e as organizações de
apoio e da agricultura familiar, como Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) e igrejas, formam comissões de acompanhamento das experiências. Esse é um espaço de troca entre os vários grupos onde a problemática vivenciada por um deles alimenta o processo junto aos demais. Também é um espaço onde se pensa o município a partir da ação
distribuída em cada localidade e se planejam as realizações e apoios
junto aos vários grupos.
– Um conjunto de municípios próximos tem dinâmicas de interação com as comissões municipais e/ou de várias comunidades de municípios distintos. São
espaços regionais de discussão e monitoramento das ações tendo como foco a
reflexão das experiências e a aproximação das políticas públicas como
alimentadoras da dinâmica. Nesse espaço também estão presentes organizações
não-governamentais que apóiam e articulam as iniciativas, além de prestarem
assessoria técnica e organizativa de promoção agroecológica.
54
Financiamento da Transição Agroecológica
– Nos espaços organizativos e eventos da ASA Paraíba, as várias experiências têm dialogado. Esse também tem sido um espaço onde há reflexão sobre algumas questões de ordem jurídico-administrativa e onde se
faz a leitura dos princípios que norteiam essa teia de dinâmicas e fortalecimento da agricultura familiar agroecológica.
A gestão não tem, portanto, ficado limitada à quantia de dinheiro arrecadado em um dado momento. Às vezes é estimulada pelos recursos disponíveis,
mas tem se dado de verdade a partir das demandas e dos acúmulos das famílias
na própria localidade.
d. Conclusão
A motivação inicial para a formação dos Fundos Rotativos Solidários se deu
pela necessidade de ampliar o acesso de novas famílias às iniciativas de organização e estruturação dos meios de produção, de forma apropriada. Os fundos
cumpriam, portanto, a função de alimentadores das iniciativas julgadas estratégicas para contribuir na construção de uma nova sociedade. Com o passar do
tempo, a estratégia de constituição dos FRS foi ganhando expressão e vida
própria, conquistando, em particular, um dinamismo organizativo. Os FRS passaram então a ser considerados também como uma iniciativa de promoção e
estruturação comunitária, e não mais só alimentadores delas. Foi assim que,
em 2003, a ASA Paraíba, por ocasião do lançamento do Programa Um Milhão de
Cisternas (P1MC), compreendeu a necessidade de inversão da perspectiva de
tê-los como multiplicadores de cisternas junto a um número maior de famílias,
embora tenha continuado a estimular a constituição dos fundos como estratégia de fortalecimento comunitário. Porém, como não houve investimento estratégico para a qualificação dessa ação, a conseqüência foi que mesmo os
grupos e comunidades com experiência em FRS anteriores ao P1MC têm manifestado dificuldades para tratamento do tema e cumprimento dos acordos localmente assumidos.
A abrangência de um grande número de famílias em um curto espaço de
tempo, com a expansão da dinâmica dos FRS para novos municípios e novas
comunidades (possibilitada pelo P1MC, a partir de 2003), tem sido, surpreendentemente, uma das oportunidades de aproximação da temática com setores
do governo, proporcionando a quebra de limites para que os fundos sejam
assumidos por políticas estruturantes, capazes de gerar processos emancipatórios
nas comunidades. Prova disso é que está em pauta a Constituição do Programa
Nacional de Apoio aos FRS, que deverá ser assumido pelo governo federal.
Financiamento da Transição Agroecológica
55
2.2. Banco da Mulher
Sistematização: Graciléia de Brito Sousa (Assema)
a. Localização
Região do Médio Mearim, no estado do Maranhão, incluindo os municípios
de Lago do Junco, Lago dos Rodrigues, Esperantinópolis, Lima Campos, Peritoró,
São Luiz Gonzada e Capinzal do Norte. A região encontra-se na Pré-Amazônia,
com predominância dos babaçuais.
b. Público
Participam dessa experiência 36 famílias, sendo: 31 homens adultos, 38 mulheres
adultas, 28 homens jovens e 25 mulheres jovens que se identificam como extrativistas.
c. Organizações que participam da construção da experiência
• Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema)
– entidade de apoio.
• Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco e Lago
dos Rodrigues (AMTR).
• Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de
Esperantinópolis (Coppaesp).
• Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (Regional
Médio Mearim).
d. Objetivo do financiamento
• O Banco da Mulher oferece microcrédito para diversas atividades produtivas das famílias visando garantir a segurança alimentar e nutricional.
e. Histórico da experiência
A partir da conquista da terra ocorrida entre as décadas de 1970 e 1980, as
famílias dessa região organizaram-se de várias formas, criando associações de
produtores, cooperativas, Escolas Família Agrícola (EFAs) e grupos de mulheres.
As trabalhadoras quebradeiras de coco protagonizaram um dos mais significativos processos de organização, rompendo com os vínculos que as subordinavam aos proprietários dos babaçuais e a comerciantes. A autonomia conquistada pelo movimento se deu tanto no plano político como no econômico.
As organizações das quebradeiras de coco voltaram-se para investir na
agregação de valor ao produto do extrativismo, passando de vendedoras de
56
Financiamento da Transição Agroecológica
matéria-prima (a amêndoa do coco) a produtoras de óleo orgânico e, mais
tarde, processando o óleo para produzir sabonetes naturais. O investimento em
beneficiamento de produtos diversificou-se, incluindo doces e licores.
Visando fortalecer os grupos de quebradeiras de coco, a Assema desenvolveu, a partir de 2002, a iniciativa de criar um fundo rotativo intitulado Banco
da Mulher. Esses microcréditos tiveram por objetivo financiar pequenos projetos das mulheres organizadas com o fim de garantir a segurança alimentar e
nutricional das famílias.
Os projetos levaram à diversificação das unidades de produção familiar,
melhorando e ampliando a produção de hortaliças, de várias criações e de grãos.
O Banco da Mulher empresta um valor máximo de R$ 700,00 por família,
iniciando em 2002 com créditos para projetos produtivos de 15 mulheres. O
crédito tem dois anos de carência e juros de 1% ao ano. No ano de 2006, 21
novos projetos foram financiados em parte com o retorno de 85% dos recursos
dos primeiros empréstimos e outro com novos recursos mobilizados pela Assema.
f. Gestão
As organizações das trabalhadoras quebradeiras de coco gerem os recursos
do banco, selecionando os projetos e verificando os pagamentos.
g. Avaliação
A experiência provou a viabilidade de se financiar projetos de segurança
alimentar sem burocracia e a custos baixos assumidos pelo trabalho voluntário
das organizações de mulheres que gerem os fundos. É um crédito ao alcance da
capacidade de pagamento das mulheres e de fácil acesso pelas interessadas na
escala em que está operando.
h. Políticas públicas
O Estado deveria fortalecer e multiplicar esse tipo de crédito provendo,
através de doações, as condições para que esses fundos rotativos deslanchem.
2.3. Fundo de Crédito Rotativo (FCR)
Sistematização: Sérgio da Silva Abrahão (CTA-ZM)
a. Localização
• Estado: Minas Gerais
• Região: Zona da Mata
Financiamento da Transição Agroecológica
57
• Municípios: Divino, Orizânia, Espera Feliz, Caparaó, Tombos, Pedra Dourada, Carangola, Acaiaca, Visconde do Rio Branco, Araponga, Ervália,
Guidoval e Paula Cândido
• Bioma/região ecológica: Mata Atlântica
b. Público
Os participantes da experiência se identificam como agricultores(as)
familiares.
O FCR é destinado a agricultores(as) filiados às associações locais e STRs associados à Associação Regional de Trabalhadores Rurais da Zona da Mata (MG).
c. Papel das organizações
O trabalho de gestão do FCR é executado por uma comissão denominada
Comissão de Gestão do Fundo de Crédito Rotativo.
Composição da Comissão:
– Dois representantes da Associação Regional dos Trabalhadores Rurais
da Zona da Mata.
– Dois representantes do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da
Mata (CTA-ZM).
– Um representante da Comissão Regional de Mulheres da Zona da Mata.
Principais funções da Comissão:
– Analisar e selecionar os projetos apresentados ao FCR.
– Acompanhar e orientar a gestão administrativo-financeira dos recursos do FCR.
– Contribuir na resolução de dificuldades técnicas que venham a ocorrer
na implementação dos projetos financiados pelo FCR.
– Promover encontros e eventos de capacitação com os beneficiários do FCR.
– Acompanhar e monitorar os projetos financiados pelo FCR
Especificamente, as organizações que atuam nesse trabalho exercem as
seguintes funções:
Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zona da Mata
– Executa a contabilidade do FCR (repassar e receber empréstimos, emitir
documentos aos beneficiários, controlar o fluxo de caixa, etc).
– Mantém informadas as organizações associadas.
58
Financiamento da Transição Agroecológica
Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM)
– Promove os eventos de capacitação.
– Assiste tecnicamente os projetos.
Associações locais e STRs
– Divulgam o FCR nos municípios.
– Articulam os(as) agricultores(as) para a participação nos eventos do FCR.
– Respaldam os(as) proponentes dos projetos.
– Colaboram na elaboração dos projetos.
d. Objetivo do financiamento
O principal objetivo do FCR é fomentar iniciativas de geração de renda de
famílias e organizações de agricultores(as) a partir de crédito devolutivo. A
prioridade é dada ao financiamento de atividades de beneficiamento,
agroindustrialização e comercialização. Entretanto, nos casos de propostas coletivas, são também financiados projetos para compra de insumos, capital de
giro e produção de artesanato.
e. Histórico
O Fundo de Crédito Rotativo (FCR) é um fundo de financiamento devolutivo
criado no ano de 2000 pela Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zona
da Mata em parceria com o CTA-ZM. Seu objetivo principal é fomentar iniciativas de
geração de renda das famílias e organizações de agricultores(as) vinculadas à associação regional. Tem como prioridade financiar atividades de beneficiamento,
agroindustrialização, comercialização e compra coletiva de insumos.
A gestão do FCR é feita por meio de uma comissão formada por membros
da associação regional e do CTA-ZM. Para aquisição do financiamento, os(as)
proponentes apresentam um pequeno projeto. Em caso de dificuldade para escrever o projeto, o(a) proponente procura a organização a que pertence, ou
mesmo a associação regional ou o CTA-ZM, para obter auxílio na elaboração do
projeto. A proposta do projeto deve ser sustentada nos aspectos sociais,
ambientais e de gênero.
Os recursos para composição do FCR foram adquiridos a partir de doações
de projetos do CTA-ZM e também da Cáritas/MG. O montante de recursos movimentado entre empréstimos, devoluções e aplicações está em torno de R$ 100
mil. Desse montante, 30% se destinam exclusivamente a projetos administrados e executados por mulheres e os 70% restantes podem ser utilizados pelos
Financiamento da Transição Agroecológica
59
grupos, organizações, homens e mulheres. Para projetos coletivos, o valor emprestado é em torno de R$ 5 mil, e para projetos individuais o valor é de R$ 1,5
mil. A taxa de juros é de 6% ao ano, mas, se for pago em dia, será de 4% ao
ano. O prazo para pagamento é de 20 meses, sendo de até oito meses o tempo
de carência. Até abril de 2006, o FCR beneficiou, diretamente, 270 famílias e,
entre os resultados do FCR, podemos destacar: a geração de serviços na propriedade contribuindo para a manutenção da família na roça; a oportunidade de
financiamento de atividades que muitas vezes não podem ser financiadas pelo
crédito formal; o incentivo à diversificação e/ou ampliação da produção; e o
incentivo financeiro para projeto de mulheres.
f. Gestão
Existem vários espaços de discussão e de tomada de decisão (reuniões da
Comissão de Gestão do FCR, Encontros de Avaliação do FCR, reuniões da Associação Regional, etc) onde se dá todo o processo de gestão do FCR. Cada um
desses espaços segue um cronograma próprio, sendo alguns especificamente
criados com a função de gerir o FCR.
g. Avaliação
De uma forma geral, o aporte financeiro aplicado ao projeto, via FCR, tem
contribuído para manter ou ampliar os postos de trabalho e as formas de geração de renda das famílias e/ou grupos de agricultores(as), pois essa injeção de
recursos cria novos serviços ou incrementa os já existentes na propriedade.
Uma análise mais qualitativa, levando em consideração algumas formas de
condução dos projetos e alguns fatores que influenciam o seu percurso, indica que:
– Quando a atividade proposta no projeto já estava em andamento, antes
do aporte financeiro do FCR, há uma maior chance de sucesso e normalmente esse recurso potencializa a atividade;
– As experiências anteriores da família ou grupo com atividades iguais ou semelhantes à proposta do projeto garantem uma maior possibilidade de êxito;
– O grau de conscientização do(a) proponente em relação aos fatores de
risco e de oportunidades que podem influenciar no desempenho do
projeto, associado à forma de gestão do recurso emprestado, tem relação direta com o sucesso ou insucesso do projeto;
– A forma de ver ou quantificar o lucro, ou seja, o conceito de lucro para
muitos(as) agricultores(as) familiares, leva em consideração elementos
que normalmente não fazem parte da contabilidade clássica. A percep-
60
Financiamento da Transição Agroecológica
ção desses elementos como forma de renda leva-os a afirmar que o
apoio financeiro do FCR contribui para aumentar a renda da família.
h. Políticas Públicas
Dependendo do olhar, esta atividade pode ser considerada ilegal. Políticas
públicas que, de alguma forma, possam abonar essa atividade dariam mais
segurança para as organizações envolvidas e incentivariam o crescimento desse tipo de iniciativa.
Regras gerais do FCR
Quem pode usar o FCR?
O projeto poderá ser apresentado individualmente, em grupo ou pela associação local ou STR, desde que filiados à Associação Regional dos Trabalhadores Rurais
da Zona da Mata e em dia para com suas obrigações de associado. Os projetos
deverão ser encaminhados com uma carta de apresentação da associação ou STR do
respectivo município, os quais se responsabilizarão como avalistas pelo pagamento
do projeto e farão o acompanhamento junto com a Comissão de Gestão do FCR.
Que atividades financia?
Atividades de beneficiamento, agroindustrialização e comercialização.
Compra de insumos, capital de giro e para produção de artesanato.
• Para capital de giro e aquisição de insumos (calcáreo, adubo, semente,
biofertilizante), só serão financiados projetos coletivos, para as associações, STRs ou grupos vinculados a essas organizações.
• Projetos para compra de insumos deverão abranger um número mínimo
de cinco famílias, tendo como teto o valor de R$ 300,00 por família.
• Não serão financiadas atividades de custeio para plantio e culturas anuais
e permanentes como arroz, feijão, cana e milho.
• O FCR deverá ter uma linha específica para o financiamento do café orgânico.
Como é o projeto?
Para conseguir o financiamento do FCR a pessoa ou organização deverá
apresentar um projeto que demonstre que a atividade não vai dar prejuízo e que
aponte as datas de devolução do dinheiro.
No caso de dificuldade para escrever o projeto, a pessoa ou organização
poderá enviar uma carta dizendo o que pretende financiar com o dinheiro do
fundo e solicitando apoio para escrever o projeto.
Financiamento da Transição Agroecológica
61
Agrotóxico não!
A proposta deve apresentar a sustentabilidade da atividade, nos aspectos
sociais, ambientais e de gênero. Sendo assim, o FCR não financiará projetos em
propriedades que utilizem agrotóxicos.
Como e quando o dinheiro sai?
A liberação do dinheiro e a assinatura do contrato serão feitas em uma
reunião marcada na sede da associação local ou do STR do município onde o(a)
beneficiário(a) será esclarecido(a) sobre o funcionamento do FCR.
Nessa reunião deverão estar presentes, pelo menos, um membro da Comissão de Gestão do FCR, uma pessoa responsável pelo projeto e um(a) representante da entidade que indicou o projeto.
Nesse momento também será agendada pelo menos uma visita da Comissão de Gestão, juntamente com a entidade local responsável, ao local do projeto para acompanhamento técnico.
Quanto de dinheiro e que juros a gente paga?
Para associações e STRs, o valor por projeto será em torno de R$ 5 mil. O
número de pessoas envolvidas vai pesar na avaliação do projeto.
A taxa de juros é de 6% ao ano (meio por cento ao mês) e as despesas com
CPMF serão por conta do(a) beneficiário(a).
Prazo para pagar e atraso de pagamento
• Prazo de 20 meses, tendo até oito meses de carência de acordo com a
atividade proposta e mais 12 meses para o pagamento.
• Após a carência, a primeira parcela deverá ter um valor mínimo de 1/12
do valor total do projeto.
• No caso de dificuldade de pagamento das parcelas, abrir negociação
tendo como referência o tempo do projeto e os juros de 6%a.a.
• Se o atraso do pagamento for de até dez dias, será cobrada uma multa
proporcional aos dias de atraso da parcela.
• Após os dez dias a multa será de 5% ao mês sobre o saldo devedor das
parcelas vencidas. Isso quer dizer que a cada mês será calculado mais
5% sobre o saldo da dívida do mês anterior.
E se perder tudo?
A perda total ou de parte da atividade deverá ser comunicada imediatamente à Comissão de Gestão, que indicará um técnico para fazer o laudo. De
62
Financiamento da Transição Agroecológica
acordo com o laudo, a comissão decidirá sobre a anulação total ou de parte do
pagamento da dívida.
Preste atenção
O dinheiro do FCR não poderá ser usado para pagamentos de dívidas anteriores ou de dívidas que não estejam relacionadas com o projeto.
A pessoa ou organização deverá ter no mínimo 30% do valor do projeto
como contrapartida. A contrapartida pode ser na forma de dinheiro, mão-deobra, produto, equipamento, embalagem, infra-estrutura, etc.
Os projetos só serão avaliados quando o FCR tiver dinheiro na conta. Enquanto isso, os projetos ficarão arquivados na associação regional esperando as
devoluções dos empréstimos. A ordem de chegada dos projetos não será critério para a ordem de liberação dos recursos.
Terão prioridade para aprovação de projetos as organizações e pessoas que
ainda não foram contempladas com recursos desse fundo rotativo ou outras
linhas de crédito, desde que preencham todos os outros critérios.
2.4. Fundo Dema 1 - Uma conquista dos movimentos sociais na
Amazônia
Sistematização: Mateus Otterloo (FASE-Pará)
a. Os antecedentes
Contando a história...
No final da década de 1990, um conjunto de ONGs passou a realizar campanhas contra a exploração ilegal de madeira vinda, principalmente, das terras
indígenas na Amazônia. O mogno foi escolhido como madeira símbolo, por ser
uma das madeiras tropicais mais cobiçadas e de alto valor no comércio externo,
caracterizando o início das ocupações ilegais de grandes áreas. Além disso, por
ser sua extração uma exploração seletiva, chegando bem ao interior da floresta,
abrindo estradas no coração da Amazônia.
Uma característica biológica dessa espécie é que ela se dá em uma faixa
limitada da floresta amazônica. Parte das terras indígenas do Xingu, chamada
Terra do Meio, denominação local da terra entre os rios Xingu e Iriri, no Oeste
do Pará, estava nessa faixa do mogno.
Depois de várias investigações realizadas entre 1997 e 2001, em colaboração com entidades ligadas à Igreja Católica do Xingu e outras, entre as quais o
Financiamento da Transição Agroecológica
63
Greenpeace, fora diagnosticado que a exploração do mogno avançava para a
região da Terra do Meio.
Em outubro de 2001, o relatório do Greenpeace “Parceiro no Crime” denunciou o esquema criminoso envolvendo políticos, funcionários do Ibama, empresas madeireiras e engenheiros florestais na extração ilegal do mogno na região
da Terra do Meio. Uma verdadeira quadrilha foi denunciada publicamente, tendo seus nomes expostos.
Nesse mesmo ano, o Ibama, acompanhado por um jornalista e uma equipe
do Greenpeace, realizou uma das maiores operações na Amazônia, focada para
Terra do Meio, quando foram apreendidos mais de sete mil metros cúbicos de
madeira, além de caminhões, tratores e motosserras, sendo que havia mogno
nos rios Xingu, Iriri, Carajari e Curuá. Uma parte foi retirada das terras indígenas Xipaia e Curuaia.
Mesmo antes da operação do Ibama em campo, já havia um clima de guerra instalado entre os madeireiros de São Felix do Xingu ligados à máfia do
mogno e ao mega grileiro Cecílio Rego de Almeida, que reivindicava o mogno já
derrubado e em toras, apreendido por uma equipe do Ibama de Belém, usando
a Polícia Militar e seus homens. Dizia o mega grileiro que parte dessa madeira
teria saído de suas propriedades, tanto no Xingu quanto no Iriri.
O grileiro completava o discurso através de seus representantes, dizendo que
iria “doar o dinheiro do mogno depois de vendido para as famílias ribeirinhas”.
Aguardando a decisão judiciária em relação à madeira apreendida, o Ibama
nomeou um funcionário da empresa CR Almeida como fiel depositário, dando
ao mesmo a responsabilidade de trazer o mogno apreendido de todos os rios
para o rio Xingu na frente de Altamira.
b. A construção e funcionamento do fundo
Um fato que veio à tona, via imprensa, foi um acordo entre a CR Almeida e
um madeireiro da região que acabaram instalando uma serraria ao lado do
Assurini. Começaram então a testar as máquinas que estavam sendo preparadas
para serrar o mogno. Em uma dessas tentativas foi serrado jatobá, que é da
mesma cor do mogno. Esse jatobá foi colocado em um barco que veio até o
porto de Altamira, principal concentração urbana dessa região.
O Ibama de Altamira recebeu a denúncia de que o mogno apreendido estava sendo serrado. Uma equipe de Brasília do Ministério do Meio Ambiente (MMA)
e do Ibama chegou poucos dias depois em uma missão de impacto na mídia
para tirar o mogno das mãos de Cecílio e repassar para o Ibama.
64
Financiamento da Transição Agroecológica
O aparecimento da imensa jangada com milhares de toras de mogno na
frente da sede do município de Altamira deu a visibilidade necessária para os
movimentos sociais do eixo da Transamazônica, ligados ao Movimento pelo
Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX)1, se darem conta da problemática em todas as suas dimensões. A denúncia nos jornais da jogada planejada pelo grileiro e da retomada do mogno pelo Ibama criou a vontade política nos movimentos sociais de impedir que a madeira roubada voltasse de uma
ou outra maneira para os madeireiros ilegais e fosse devolvida para a região de
onde foi tirada.
Surge então a proposta da criação de um fundo para receber a doação
dessa madeira que já estava nos portos de Altamira e destiná-la às comunidades da região da Terra do Meio.
Em novembro de 2002, o então Ministro do Meio Ambiente veio para Altamira
discutir a possibilidade de fazer um leilão com as cinco mil toras de mogno. Na
ocasião, o movimento protestou contra a idéia de fazer o leilão, já que essa
forma já era conhecida como um meio indireto para os madeireiros ilegais
recuperarem a madeira de origem criminosa. O movimento então apresentou
ao ministro uma proposta pela qual o MMA doaria o mogno para uma organização regional, que transformaria o mogno em móveis para as escolas, demais
instituições públicas e instituições privadas sem fins lucrativos e desenvolveria
projetos de uso sustentável de recursos naturais.
Após muitas negociações, o MMA2 decidiu fazer a doação da madeira para
uma entidade que representasse os movimentos sociais da região. Entre os
vários critérios, constava a necessidade de que a entidade possuísse o registro
como entidade beneficente, de utilidade pública, no Conselho Nacional de Serviço Social, o que excluiu as entidades representativas da região, como a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP)3 e a Prelazia do Xingu4, que não tinham
na época o registro e, portanto, não puderam ser recebedoras, tendo de procurar uma entidade parceira para receber a doação.
A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase)5, atendendo à solicitação das entidades da região, decidiu aceitar ser a entidade
recebedora da referida doação. No dia 18 de junho de 2003 foi assinado, em
Brasília, pelo Ibama e a Fase, o termo de doação (6 mil toras de mogno6) com
encargo de 13 itens para a Fase em relação à constituição do fundo e sua
gestão democrática e participativa, colocando para a Fase toda a responsabilidade jurídica por tudo o que ocorresse com a administração desse fundo.
A partir dessa doação, já num processo participativo, tendo como os principais componentes a Fase, a FVPP, a Prelazia do Xingu, o Ministério Público
Financiamento da Transição Agroecológica
65
Federal do Pará e o Ibama, foi elaborado o regulamento interno do Fundo Dema,
aprovado em 11 de fevereiro de 2004. Com isso, constituiu-se formalmente o
Fundo Dema e o Manual de Operações, aprovado em 30 de junho de 2004. Dessa
forma a Doação com Encargo, o Regulamento Interno e o Manual de Operações
são os elementos básicos que orientam a ação atual do fundo.
O rendimento líquido da comercialização no mercado externo (fevereiro 2004)
do mogno doado formou o capital inicial do Fundo Dema de R$ 4.830.174.12 (quatro milhões, oitocentos e trinta mil, cento e setenta e quatro reais e doze centavos). Em outubro de 2005, a Fundação Ford, como reconhecimento da validade da
ação dos movimentos sociais da região, alocou uma doação de R$ 2.227.000.00
(dois milhões duzentos e vinte sete mil reais). Dessa forma, o Fundo Dema termina
o ano de 2005, tendo incorporado a correção monetária, com um capital de investimento na ordem de R$. 7.607.845,82 (sete milhões, seiscentos e sete mil, oitocentos e quarenta cinco reais e oitenta e dois centavos).
O rendimento líquido desse investimento fornece os recursos financeiros
destinados ao atendimento, em forma de doação, das solicitações provenientes
das organizações da região, sempre de caráter coletivo e formalizadas de acordo com um roteiro preestabelecido. Em função disso, estabeleceu-se uma dinâmica de publicação de um edital por semestre. Num período de dois meses, as
organizações formulam as suas propostas e enviam para o secretariado do fundo, passando mais um período para a sua habilitação documental. O Comitê
Gestor, composto por seis representantes da Fase, da FVPP e da Prelazia de
Xingu, aprecia e aprova as solicitações, as quais têm o seu teto máximo fixado
em R$ 20 mil. Além disso, 10% do rendimento líquido do capital investido
ainda é destinado para pequenas iniciativas, instantâneas, com um teto de até
R$ 5 mil e uma apreciação de mais curto prazo.
Em dois anos de funcionamento, o Fundo Dema já publicou três editais, atendeu 64 projetos, num total de R$ 855.523.42 (oitocentos e cinqüenta e cinco mil,
quinhentos e vinte e três reais e quarenta e dois centavos), e está prestes a concretizar o quarto edital, chegando, ainda em 2006, à aplicação de um milhão de reais.
A força da gestão participativa e da estrutura da base social do fundo até
hoje garantiu a aplicação das doações com 97% de aproveitamento pleno.
c. Como está estruturado o movimento social que forma atualmente a
base do Fundo Dema
A base do movimento social da Transamazônica e Xingu se estrutura organicamente por meio de associações, cooperativas, sindicatos, grupos informais, comitês, comissões e pastorais sociais. Em nível regional temos a FVPP, a
66
Financiamento da Transição Agroecológica
Federação dos Trabalhadores Rurais (Fetagri), o movimento de mulheres e de
igrejas e sua expressão no MDTX. Entre essas formas organizativas se destacam
a Prelazia de Xingu e a FVPP como os principais interlocutores no cenário que
construiu o Fundo Dema.
A Prelazia do Xingu está estruturada numa área geográfica de 332 mil km2
com sede na cidade de Altamira (Oeste do Pará). Possui aproximadamente 800
comunidades de base nas áreas urbanas e rurais da Transamazônica, no trecho
entre Anapu e Placas, e na região do Xingu, de Gurupá até a região de São Felix
do Xingu. Além disso, estende sua ação às comunidades indígenas da região.
A FVPP é composta por associações, sindicatos, cooperativas, movimentos, grupos e comitês, na BR 230, no trecho entre Pacajá e Itaituba, e na BR
163, nos municípios de Rurópolis e Novo Progresso. Essas entidades trabalham
com uma parcela da sociedade menos favorecida (agricultores familiares, negros, pescadores, ribeirinhos, sem-terras, trabalhadores rurais, vítimas de trabalho escravo em fazendas, mulheres vítimas de violência, etc.), fazendo denúncias e apoiando iniciativas de formação e construção de estratégias de
desenvolvimento sustentável junto a essas populações.
d. Estratégia da ação do Fundo Dema
O Fundo Dema foi pensado para alimentar a estratégia elaborada pelas
organizações do movimento social regional, contribuindo para o fortalecimento institucional das entidades locais e populações tradicionais, possibilitando
apoio para implementar ações de desenvolvimento local sustentável, seja na
forma de projetos pilotos, seja na difusão de resultados, além de outras iniciativas de combate ao desmatamento da floresta amazônica.
Para esse fortalecimento o fundo tem apoiado a estruturação de rádios
comunitárias, a difusão de experiências agro-ambientais e de iniciativas de
geração de renda (manejo florestal comunitário, acordos de pesca, criação de
unidades de conservação, criação de abelhas, etc.), a estrutura para as organizações locais, oficinas e cursos de formação. Nessa perspectiva se ressalta a
importância da estratégia de apoiar financeiramente a formação de redes em
que essas organizações estão inseridas: a comunicação, a partir das rádios
comunitárias; as mulheres, a partir de suas atividades de formação e iniciativas
de geração de renda e controle social das políticas públicas; os jovens, filhos de
agricultores, por meio das Casas Familiares Rurais (CFR), entre outros exemplos. São iniciativas que não estão isoladas em um único município, mas sim
em sintonia com as demais organizações da região. Além disso, fazem parte do
planejamento estratégico traçado pelas organizações regionais.
Financiamento da Transição Agroecológica
67
O Fundo Dema, portanto, em sua ação, objetiva fortalecer o conjunto dessas iniciativas que constituem a proposta de desenvolvimento sustentável de
base familiar na região. Decorrente disso, fortalece a resistência do movimento
social regional aos grandes projetos, os quais formam uma ameaça crucial para
a região, como a expansão da soja e/ou de qualquer monocultura de grande
porte; a construção de hidrelétricas; a expansão da pecuária, da grilagem da
terra e da extração ilegal dos recursos naturais; e todos os seus impactos
colaterais, como conflitos fundiários, trabalho escravo, assassinatos, entre outros. De outro lado, práticas agroecológicas e florestais sustentáveis ganharão
cada vez mais força nas prioridades do Fundo Dema como elementos estratégicos da ação dos movimentos da região, no combate ao desmatamento.
e. Considerações finais: a punição exemplar para um crime
socioambiental
Até o ano 2002, aconteceram, na Amazônia, muitas apreensões de recursos naturais
extraídos de forma ilegal, como madeira, animais silvestres, peixes, quelônios, entre
outros. Tudo que era apreendido sempre acabava sob a responsabilidade dos próprios
infratores, que ficavam como fiéis depositários. O leilão tornava-se uma forma de legalização do ilegal. Essa prática se dava na maioria dos casos com a conivência e participação
dos órgãos de fiscalização. As denúncias da sociedade civil organizada quase nunca eram
analisadas ou até mesmo divulgadas na grande imprensa.
Acreditamos que a forma de denunciar e propor alternativa viável foram
sem dúvida o diferencial do movimento social da Transamazônica e Xingu, que
nesse caso demonstrou não só sua capacidade de propor algo novo, mas também de se colocar à disposição para implantar a proposta. Algo que foi apreendido como fruto de uma ação criminosa serviu para apoiar uma alternativa de
desenvolvimento sustentável na região oeste paraense. Deu um exemplo claro
de que o exercício da punição dos crimes ambientais precisa ter horizontes
mais largos, ir além de multas, apreensões e prisões dos culpados. Isso deveria
se tornar uma política pública, visando o fortalecimento do manejo sustentável
comunitário dos recursos naturais da Amazônia.
A estrutura democrática e participativa, formulada no regulamento do
Fundo Dema, lhe permite abrir outras áreas prioritárias de atendimento,
mantendo os objetivos estratégicos formulados e formando conselhos regionais correspondentes aos movimentos sociais existentes, que têm como
garantia a gestão participativa. Nesse sentido, o seu capital de investimento permanente poderia ser reforçado com os resultados das punições
socioambientais. Também elas poderiam ser perfeitamente investidas na
68
Financiamento da Transição Agroecológica
fundação de outros fundos de caráter semelhante, em outras sub-regiões, na
imensidão da região Amazônica, fortalecendo focos de desenvolvimento sustentável articulados entre si.
2.5. Cooperativa de Economia e Crédito Solidário de Araponga (EcosolAraponga)
Sistematização: Sérgio da Silva Abrahão (CTA-ZM)
a. Público
Os participantes da experiência se identificaram como agricultores(as) familiares.
Participaram 69 famílias, sendo 54 homens adultos, 39 mulheres adultas,
19 homens jovens e duas mulheres jovens.
b. Localização da experiência
Área geográfica:
A experiência é desenvolvida no município de Araponga, região leste da
Zona da Mata de Minas Gerais que se encontra no bioma da Mata Atlântica.
c. Organizações que promovem a experiência
Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS/MG): Criada pela Central Única
dos Trabalhadores com o propósito de divulgar e incentivar o crédito solidário
entre as diferentes classes de trabalhadores através da criação de cooperativas.
A ADS promoveu vários cursos de cooperativismo para os agricultores e as
agricultoras familiares em Araponga de forma a capacitá-los no gerenciamento
de uma cooperativa de crédito, mostrando a vantagem na instalação da cooperativa na cidade.
Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zona da Mata e Associação
dos Agricultores Familiares de Araponga/MG (AFA): Contribuem na divulgação
da cooperativa nas comunidades junto a agricultores e agricultoras.
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araponga: Além de auxiliar na divulgação, disponibiliza uma sala com mesas e cadeiras na sede do sindicato para
a cooperativa funcionar.
Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM): Assessora a
cooperativa, principalmente nas questões de gestão institucional (assembléias, reuniões de planejamento, etc.).
Financiamento da Transição Agroecológica
69
d. Objeto do financiamento
Os financiamentos foram destinados à produção de café, milho, feijão,
etc., em sistemas agroecológicos ou em transição para o agroecológico. São
também usados para custeio de lavouras, comercialização e empréstimos individuais (utilizados para compra de equipamentos para a produção ou para a
residência). Os recursos são próprios da cooperativa (adquiridos por meio da
cota paga pelos filiados) e no vencimento dos empréstimos são retornados à
cooperativa com os juros.
e. Período da experiência
A experiência começou em janeiro de 2005 e não tem prazo para término.
O objetivo é ampliar os financiamentos para mais famílias que se interessarem
em investir na transição agroecológica.
f. Histórico
A partir de algumas discussões que ocorreram em 2001, diversos trabalhadores e trabalhadoras rurais participaram de vários cursos de cooperativismo e
de capacitação em gestão de cooperativas promovidos pela Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS). Esses trabalhadores e trabalhadoras rurais de
Araponga fundaram em junho de 2003 a Cooperativa de Crédito da Agricultura
Familiar Solidária de Araponga (Ecosol–Araponga), com o objetivo de administrar um fundo rotativo de conquista de terra em conjunto e por entender que os
trabalhadores conseguem produzir. Percebeu-se que o que falta em muitos casos é o recurso para aplicar na lavoura e conseguir produzir para o sustento da
família. Assim a cooperativa foi fundada, apreciada e aprovada pelo Banco
Central do Brasil e pela junta comercial no início de 2004. Em novembro de
2004, a Ecosol-Araponga abriu as portas para a filiação de novos sócios, trabalhadores e trabalhadoras rurais. Em de maio de 2005 a cooperativa começou a
financiar os associados.
Primeiro trabalhamos com empréstimos de baixo valor. Em seguida foram
criadas as linhas pró-insumo e pró-animal. Mais tarde criamos o pró-comércio.
Essas linhas ajudaram muito e alguns agricultores compraram bezerro e vaca,
outros usaram o recurso para comprar insumos para adubar e plantar na época
certa sem precisar se desfazer do seu café estocado quando o preço estava
baixo e assim esperar o produto melhorar de preço para comercializá-lo. Com a
experiência adquirida em 2005, criaram-se novas linhas em 2006 para poder
atender melhor o trabalhador e principalmente as trabalhadoras que vinham
reivindicando linhas específicas.
70
Financiamento da Transição Agroecológica
g. Gestão
A Cooperativa é composta por uma diretoria formada por cinco pessoas e
um conselho fiscal formado por seis pessoas, todos trabalhadores e trabalhadoras rurais associados(as). A diretoria se divide em um coordenador geral, um
coordenador financeiro, um secretário geral e dois coordenadores conselheiros.
O conselho fiscal se divide em três efetivos e três suplentes. O associado que
reivindica o recurso se compromete a devolvê-lo no prazo estipulado num contrato que é assinado entre a cooperativa e o sócio. Primeiramente se faz uma
avaliação do recurso disponível, depois são avaliados os pedidos de financiamento para então montar o projeto e liberar o recurso. Para acessar o recurso o
trabalhador deve ser sócio da cooperativa há pelo menos dois meses e estar em
dia com as obrigações com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araponga.
As regras para acessar o recurso são definidas nas assembléias com os sócios e,
com base no que é decidido, são lançadas as linhas (por exemplo, pro-insumos,
pro-animais, pessoal, etc.). Cada linha possui datas e prazos diferenciados de
vencimentos, sendo que o prazo de vencimento deve ser respeitado para não se
pagar multas por atraso. A Ecosol-Araponga até o momento não teve nenhum
contrato não honrado pelos tomadores. Alguns dos empréstimos são de 150
dias com 90 de carência, outros com 180 dias e 120 dias de carência. Há outros
com prazos menores e, nesses casos, o associado e a cooperativa verificam o
melhor que se encaixa para a situação do cooperado no momento.
h. Avaliação
Foi muito positiva, já que os financiamentos são destinados para culturas
que respeitam o meio ambiente. O acesso ao recurso é facilitado, tendo prazos
de pagamento que estão adequados ao período de plantio e colheita dos principais produtos no município. A cooperativa sempre orienta os agricultores na
aplicação dos recursos de forma que possam obter com a produção o suficiente
para pagar o financiamento e ainda retorno para a família.
Financiamento da Transição Agroecológica
71
i. Políticas públicas
O governo deu um grande incentivo à criação de novas cooperativas
com o propósito de ampliar o crédito aos setores produtivos. Esse incentivo
foi decisivo para criação da Ecosol-Araponga e de muitas outras cooperativas de crédito. Os trabalhadores rurais devem procurar aproveitar a chance
para criar novas formas de financiamento da sua produção, sendo as cooperativas de crédito uma ótima alternativa, já que são os próprios agricultores que vão administrá-las.
j. Propostas
Facilitar a criação de novas cooperativas de crédito, já que a grande burocracia ainda emperra e inibe o surgimento de novas cooperativas em todo o
Brasil. O governo deve dar condições às cooperativas para trabalharem com
recursos governamentais, já que elas estão mais próximas dos agricultores e,
dessa forma, podem investir melhor os recursos.
1
Articulação criada pelos movimentos sociais do Oeste do Pará nos anos 1990.
Ministério de Meio Ambiente
3
Articulação de movimentos na área da Transamazônica e Xingu.
4
Forma organizativa da Igreja Católica.
5
ONG nacional de educação e desenvolvimento com 40 anos de atuação na Amazônia.
6
Somente a madeira foi doada, os restantes dos equipamentos foram devolvidos
para os madeireiros.
2
72
Financiamento da Transição Agroecológica
Capítulo 5
Subgrupo de trabalho sobre compra antecipada
(CONAB)
Coordenador: Emanuel Dias do Programa de Aplicação
de Tecnologia Apropriada às Comunidades (Patac)
1. Relatório
2. Resumo das experiências apresentadas
2.1. Merenda Escolar – Pólo da Borborema (Paraíba)
2.2. Banco de Sementes Comunitário – AS-PTA (Paraíba)
1. Relatório do Subgrupo Compra Antecipada Especial da
Agricultura Familiar (Caeaf)Caeaf – PAA/Conab
Relatora: Vanúbia Martins
Participantes: 21
1.1. Funcionamento do PAA
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado pela Lei 10.696 de
2 de julho de 2003, como parte integrante das políticas de segurança alimentar
e combate à fome desenvolvidas pelo Governo Lula, por meio da estratégia
Fome Zero.
A lei que criou o PAA tornou possível a aquisição de alimentos produzidos
por agricultores familiares, assentados da reforma agrária, extrativistas,
quilombolas, pescadores artesanais, acampados da reforma agrária, atingidos
Financiamento da Transição Agroecológica
73
por barragens e comunidades indígenas, nas diferentes regiões do país, pelo
Governo Federal através de procedimentos simplificados.
Os produtos comprados pelo governo são distribuídos a programas sociais
de caráter governamental ou não-governamental, ou destinados à formação de
estoques públicos, sendo posteriormente repassados a bancos de alimentos,
doados a instituições assistenciais, distribuídos como cestas de alimentos a
grupos sociais em situação de risco alimentar ou vendidos a pequenos criadores
e pequenas agroindústrias. O excedente, que não tem encaminhamento social,
é comercializado pelo governo por meio de leilões públicos.
O PAA tem por objetivos:
• fortalecer a agricultura familiar, garantindo renda e sustentação de preços aos agricultores;
• promover a inclusão social no campo;
• fortalecer a segurança alimentar e nutricional das populações urbanas
e rurais;
• propiciar a formação de estoques públicos de alimentos;
• incentivar o associativismo e o cooperativismo;
• reforçar a estruturação de circuitos locais e regionais de abastecimento; e
• incentivar o manejo agroecológico dos sistemas produtivos e o resgate
e preservação da biodiversidade1.
O acompanhamento das ações do programa fica sob a responsabilidade de
um grupo gestor, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e integrado por representantes de cinco diferentes ministérios: Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (Mapa) – representado pela Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) –, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
(MP), Ministério da Fazenda (MF) e do próprio MDS.
As normas que regulamentam o PAA estabelecem um valor máximo de
acesso ao programa de R$ 3.500,00 ao ano por família, devendo os agricultores
estar enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
As aquisições podem ser feitas através de diferentes mecanismos. Encontram-se atualmente em vigor: a Compra Direta da Agricultura Familiar, a Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar (CPR Doação), a Formação de
Estoque pela Agricultura Familiar (CPR Estoque), a Compra Direta Local da Agri-
74
Financiamento da Transição Agroecológica
cultura Familiar e o Programa de Incentivo à Produção e ao Consumo do Leite.
Os três primeiros instrumentos são operacionalizados pela Conab em relação
direta com os agricultores familiares e suas organizações. Já os dois últimos
são operados pelo MDS por meio de convênios com os governos estaduais e
municipais. O quadro a seguir apresenta uma síntese desses mecanismos hoje
em operação.
Quadro 1.
Mecanismos do PAA em operação
Mecanismo
Descrição
Compra Direta da Agricultura
Familiar
Operacionalizado pela Conab, esse mecanismo possibilita aos agricultores a venda de alimentos para o
Estado na época da colheita. Os produtos são comercializados a preços de referência (situados em uma
faixa intermediária entre o preço mínimo e o preço
de mercado), cujo cálculo é feito por uma metodologia desenvolvida pela Conab. Os produtos amparados por esse instrumento (arroz, castanha de
cajú, castanha do Brasil, farinha de mandioca, feijão, milho, sorgo, leite em pó integral e farinha de
trigo) destinam-se à formação de estoques governamentais e podem ser vendidos ao governo tanto por
agricultores individuais como por grupos formais.
Compra Antecipada Especial da
Agricultura Familiar (CPR Doação)
Destina-se à aquisição de diferentes produtos alimentícios oriundos da agricultura familiar, visando à
formação de estoques ou à doação simultânea a populações em situação de risco alimentar atendidas
por programas sociais de caráter governamental ou
não-governamental. Para acessar esse mecanismo,
operacionalizado pela Conab, os agricultores precisam estar organizados em grupos formais (associações e cooperativas). Nos casos de doação simultânea, a entrega dos produtos deverá obedecer a um
cronograma apresentado pelas organizações envolvidas no projeto através da Proposta de Participação. O controle social dessas doações se dá pelo
envolvimento do Conselho de Segurança Alimentar
(municipal ou estadual) ou organismo similar.
Formação de Estoque pela Agricultura Familiar (CPR Estoque)
Tem por objetivo a compra pelo governo de produtos oriundos da agricultura familiar visando à formação de estoques pelas próprias organizações dos
agricultores. A CPR Estoque é operacionalizada por
meio de associações, cooperativas, agroindústrias
Financiamento da Transição Agroecológica
75
Quadro 1. Continuação
familiares, condomínios e consórcios, exigindo-se
comprovação de que o produto é de produção própria ou foi adquirido de agricultores familiares por
preço igual ou maior ao valor definido pelo Grupo
Gestor do PAA ou acordado entre a Conab e a organização na Proposta de Participação. A operação
deverá ser liquidada financeiramente mediante o
pagamento do valor recebido acrescido de encargos
de 3% ao ano. Se o Governo Federal tiver interesse
na compra do produto, o pagamento também poderá ser feito por meio da entrega da produção.
Compra Direta Local da Agricultura Familiar
Visa a promover a articulação entre a produção familiar e as demandas locais de suplementação alimentar e nutricional dos programas sociais, viabilizando a aquisição de produtos comercializados por
associações, cooperativas e grupos informais de agricultores, a serem distribuídos em creches, hospitais,
restaurantes populares, entidades beneficentes e
assistenciais. Esse mecanismo é bastante semelhante à CPR Doação, mas é operacionalizado pelo MDS
através de convênios com governos estaduais ou
municipais e não diretamente com as organizações
da agricultura familiar.
Incentivo à Produção e ao Consumo do Leite
Busca assegurar o consumo de leite a gestantes, crianças, nutrizes e idosos pela aquisição da produção
leiteira de agricultores familiares com produção média diária de até 100 litros de leite, com prioridade
para os que produzam até 30 litros de leite por dia.
O mecanismo é operacionalizado pelo MDS através
de convênios com os governos estaduais. Atualmente o programa atende os nove estados do Nordeste,
assim como Minas Gerais, nas regiões Norte, Vale do
Jequitinhonha e Mucuri.
O instrumento denominado Compra Antecipada da Agricultura Familiar,
implementado em 2003 e durante o primeiro semestre de 2004, principalmente
junto aos assentados da reforma agrária, encontra-se suspenso por determinação do Grupo Gestor do PAA. Esse mecanismo permitia ao governo comprar
antecipadamente a produção dos agricultores, ainda na época do plantio, possibilitando aos mesmos adquirirem os insumos necessários para a implantação
de suas lavouras, ou seja, financiando sua produção, não através do crédito,
mas por meio de um instrumento específico de apoio à comercialização. No entan-
76
Financiamento da Transição Agroecológica
to, em função de uma série de problemas relacionados a ocorrências climáticas, a
dificuldades enfrentadas pelos diferentes órgãos governamentais envolvidos na
operacionalização do mecanismo e à própria situação de vida nos assentamentos de
reforma agrária, muitos agricultores não saldaram seus compromissos com o programa, o que levou o Grupo Gestor do PAA a interromper sua execução.
Atualmente, o PAA funciona com recursos provenientes do MDA e do MDS,
que é o órgão responsável pela maioria das ações do Fome Zero, do qual faz
parte o PAA. Os recursos oriundos do MDS podem ser utilizados para a
operacionalização de todos os mecanismos do programa. Já os recursos provenientes do MDA são destinados apenas à operacionalização da Compra Direta e
Formação de Estoque pela Agricultura Familiar, pois precisam necessariamente
retornar aos cofres da União.
Dessa forma, as ações do PAA são viabilizadas pelo MDS, em convênio com
governos estaduais, municipais e com a Conab, e pelo MDA, em convênio com
a Conab.
No âmbito do PAA foram desenvolvidas, também, algumas ferramentas de apoio
ao uso sustentável da agrobiodiversidade agrícola e alimentar e à incorporação de
práticas de agricultura orgânica ou agroecológica pelos produtores familiares.
Alimentos oriundos do agroextrativismo, como a castanha do Brasil e a
castanha do baru, são adquiridos pelo PAA a preços de referência. Produtos
orgânicos ou agroecológicos comercializados através do programa recebem um
incentivo de preço de até 30%. Sementes de variedades locais, tradicionais ou
crioulas, produzidas por agricultores familiares, são compradas por meio do
mercado institucional e distribuídas a populações rurais em situação de insegurança alimentar, como forma de resgatar a produção para auto-consumo e estimular a atividade produtiva.
1.2. Principais dificuldades enfrentadas pelos agricultores e suas organizações no acesso ao PAA
As principais dificuldades apontadas pelos agricultores familiares e suas
organizações no acesso ao PAA, particularmente no que se refere ao mecanismo de Compra Antecipada da Agricultura Familiar, mas também, em alguma
medida, em relação aos demais mecanismos do programa, foram:
• desinformação por parte dos órgãos operadores e entidades apoiadoras
do programa (bancos, Conab, entidades de assistência técnica);
• falta de agilidade na operacionalização do Programa de Garantia da
Atividade Agropecuária (Proagro);
Financiamento da Transição Agroecológica
77
• plantio fora da época recomendada;
• secas no Sul e Sudeste e chuva em excesso no Norte e Nordeste (safra
2003 e 2004);
• orientação política para o não pagamento;
• volume produzido insuficiente, permitindo apenas o auto-consumo das
famílias;
• falta de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (Ates);
• atrasos na liberação dos recursos;
• falta de capacitação e divulgação da proposta;
• falta de apoio político estadual e local;
• falta de estrutura da Conab;
• falta de cultura na Conab para operacionalizar o programa;
• o fato de a proposta ser uma ação de governo e não um programa de
governo, e tampouco ser uma política pública de Estado;
• falta de organização social;
• o fato de a proposta ter sido encaminhada como substituta ao Pronaf A;
• falta de logística para operacionalizar a proposta nas comunidades.
1.3. Potencialidades
As principais potencialidades identificadas em relação ao PAA foram:
• o programa ter proporcionado o reconhecimento público das sementes
crioulas;
• o apoio do programa ter tornado possível aumentar o volume produzido, o número de bancos de sementes e o número de famílias envolvidas;
• o programa ter proporcionado crédito a famílias excluídas do Pronaf;
• o fortalecimento também da segurança alimentar das famílias beneficiadas (agricultores, principalmente).
1.4. Propostas
Foram levantadas, também, algumas proposta em relação ao programa:
• vincular o Pronaf à garantia de comercialização – doação e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com acompanhamento
técnico;
78
Financiamento da Transição Agroecológica
• transformar PAA em política de Estado, com os incrementos necessários para tal;
• manter o mecanismo de Compra Antecipada da Agricultura Familiar para
segmentos especiais (ribeirinhos, quilombolas, indígenas, recém-assentados);
• parcelamento das dívidas dos agricultores referentes ao pagamento das
operações de Compra Antecipada em quatro anos, permitindo o pagamento em dinheiro ou mediante a entrega de qualquer produto;
• produção de materiais de divulgação e capacitação.
2. Resumo das experiências apresentadas
2.1. Complemento da merenda escolar com produtos agroecológicos
por meio do PAA/Conab: a experiência do Pólo Sindical da Borborema
Sistematização: Pablo Renato Sidersky
Localização
Esta experiência, em andamento, envolve sete escolas e cinco creches, nos
municípios de Lagoa Seca, Queimadas e Soledade, localizados na região do
Agreste da Borborema, na Paraíba.
A gestação da experiência
No ano de 2004, três pessoas dos municípios mencionados visitaram a
cidade de Constantina (RS), onde conheceram a experiência de complementação
da merenda escolar com compra de produtos da agricultura familiar por parte
daquela prefeitura. Essa iniciativa tinha o apoio do PAA da Conab.
Na sua busca de instrumentos para fortalecer a agricultura familiar na
região, o Pólo da Borborema tem se interessado pela criação de novas oportunidades de mercado para os seus produtos. A visita a Constantina mostrou o
potencial da merenda escolar nesse sentido. Ao mesmo tempo, permitiu ver
que havia uma segunda vantagem: a garantia de que as crianças das escolas
tivessem uma alimentação de melhor qualidade, com produtos da culinária regional.
Assim, o Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da
Borborema tomou a iniciativa de formular uma proposta à Conab, por meio do
mecanismo de Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar (Caeaf), com
doação simultânea, do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Financiamento da Transição Agroecológica
79
Objetivos e público
A proposta busca fornecer um complemento de produtos agroecológicos
regionais, produzidos localmente, para a merenda escolar de oito escolas e
cinco creches dos municípios de Lagoa Seca, Queimadas e Soledade. Com isso,
espera-se melhorar a nutrição das crianças das escolas atendidas, além de prover uma fonte de renda para as famílias fornecedoras.
Paralelamente, a iniciativa busca valorizar os alimentos regionais, estimular a
produção agroecológica local e conscientizar os alunos e seus pais acerca da importância de uma produção agroecológica e de uma alimentação mais saudável.
A experiência envolve dois públicos. Por um lado, 31 agricultores e
agricultoras familiares (17 homens e 14 mulheres) dos três municípios mencionados fornecem mais de 50 produtos agroecológicos1 para as escolas e creches.
Por outro lado, no seu formato original, a iniciativa devia beneficiar mais
de 1.400 crianças empobrecidas em situação de insegurança alimentar de oito
escolas e cinco creches nos três municípios mencionados. No entanto, com as
dificuldades encontradas na implementação, esses números foram ajustados
para cinco escolas e quatro creches, num total de 970 crianças.
Organizações participantes
Além do Pólo acima mencionado, estão envolvidos na montagem e
operacionalização os Sindicatos de Trabalhadores(as) Rurais (STRs) e as prefeituras
dos municípios de Lagoa Seca, Queimadas e Soledade, além das ONGs Programa de
Aplicação de Tecnologia Apropriada às Comunidades (Patac) e AS-PTA. Cada um
desses parceiros tem funções, como podemos ver na tabela a seguir.
80
Financiamento da Transição Agroecológica
Quadro 2.
As responsabilidades das diversas entidades participantes
Instituições
Responsabilidades
Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da
Borborema
• Gerenciar o programa (gerir os recursos financeiros, preparar a prestação de contas, etc)
• Acompanhar a implementação
• Organizar o planejamento e a avaliação da iniciativa
Prefeituras de Lagoa Seca,
Queimadas e Soledade
• Fazer a formação dos(as) agricultores(as) envolvidos(as)
• Garantir o transporte das mercadorias
• Formação e acompanhamento nutricional dos alunos
STRs de Lagoa Seca, Queimadas e Soledade
Patac e AS-PTA
• Organizar as famílias fornecedoras
• Apoiar a formação dessas famílias e a distribuição
dos alimentos
Apoiar a produção agroecológica dos alimentos e
fornecer atestado comprovando que os produtos distribuídos foram produzidos com base nos princípios
da agroecologia
Funcionamento
A proposta original apresenta a lista dos(as) agricultores(as) fornecedores(as) e também determina quais os produtos que cada um deverá fornecer. Além disso, define as quantidades de cada produto a serem entregues, o
preço e o período durante o qual isso deverá ser feito.
O Pólo e as prefeituras ficam encarregados de organizar a entrega dos
produtos. Em cada município foi formada uma comissão para acompanhar o
andamento do projeto. Cada entrega deve gerar documentos que atestem a
própria entrega e a qualidade dos produtos. Esses documentos são consolidados
num relatório periódico para a Conab, que deposita o montante total dos recursos (R$ 64.600,00) numa conta especial, em nome do Pólo. Mas o dinheiro só
pode ser sacado após uma ordem específica da Conab, depois do Pólo fazer uma
prestação de contas periódica, como foi anteriormente mencionado.
Paralelamente, o Pólo e os STRs têm organizado reuniões e eventos de formação com os(as) agricultores(as). No caso de Lagoa Seca, também foram organizados
momentos de capacitação com as merendeiras das escolas e creches.
Financiamento da Transição Agroecológica
81
Resultados e desafios
Essa experiência é muito recente: começou a funcionar no segundo semestre de 2005, tendo completado apenas o primeiro ano.
A implementação tem encontrado problemas. Na prática, a iniciativa está
funcionando bem somente em Lagoa Seca. Em Queimadas e Soledade “a coisa
está devagar”, conforme indicou um entrevistado. Uma das razões apontadas
para isso é a questão dos preços. Acontece que os preços foram definidos no
momento em que foi elaborada a proposta. Aparentemente, a Conab não aceita
alterações nesse quesito. E, atualmente, os preços de mercado de alguns produtos estão bem acima daquilo que consta na proposta original. Pelo menos essa
tem sido a justificativa colocada pelas organizações de Soledade para não estarem utilizando os recursos disponíveis1. Por outro lado, conforme já foi dito, a
implementação da proposta requer um esforço significativo de acompanhamento, o que nem sempre tem sido possível.
Outra possível razão é que a operacionalização dessa iniciativa requer uma
contrapartida importante por parte das organizações parceiras. Em Lagoa Seca,
por exemplo, a Secretaria de Agricultura Municipal tem colocado uma pessoa
exclusivamente para cuidar dessa iniciativa. O STR também faz a sua parte. Já
os outros municípios têm tido dificuldades nesse ponto.
Um resultado bastante importante tem sido a possibilidade de que as crianças das escolas beneficiadas passem a consumir mais produtos regionais,
produzidos localmente. Em alguns casos, as crianças consomem os produtos de
seus próprios pais. Isso representa uma valorização da qualidade do alimento,
mas também da regionalidade do produto. Vale lembrar que muitas vezes a
merenda escolar tem servido refrigerante, salsicha e outros produtos de baixo
valor nutritivo. Por outro lado, como o valor da merenda escolar oferecida pela
prefeitura é muito baixo (R$ 0,22 por criança por dia), esse complemento dado
pelo programa representa muitas vezes uma melhoria no lanche dos alunos.
Para algumas das famílias fornecedoras de Lagoa Seca, esse mercado está
tendo um retorno concreto. Por exemplo, a família que fornece as polpas de
frutas decidiu tirar um crédito pelo Pronaf para se estruturar melhor e comprou
um freezer e outros equipamentos. O mercado garantido pela iniciativa foi
fundamental para isso.
No entanto, esse mercado novo ainda não tem sido determinante para incorporar novas famílias na produção e comercialização agroecológica. Sempre tomando o exemplo de Lagoa Seca, das dez famílias envolvidas, oito já participavam da
feira agroecológica existente e as duas restantes fazem parte de outros espaços de
comercialização criados recentemente. Segundo o membro do Pólo que acompanha
82
Financiamento da Transição Agroecológica
a iniciativa, há uma possibilidade de expandir o trabalho em Lagoa Seca para outras
escolas, o que implicaria a entrada de novos fornecedores. Mas nos outros dois
municípios a perspectiva não é tão promissora.
Onde a proposta funciona melhor, as organizações participantes destacam a
importância dessa experiência no que diz respeito à conscientização de grupos que,
até então, não tinham sido atingidos. Um deles é o público das escolas. Esse
projeto tem possibilitado levar a discussão sobre uma agricultura
agroecológica local para alunos, pais de alunos e funcionários (auxiliares
de serviço, merendeiras, professoras e diretoras) das escolas envolvidas. É
claro que esse universo é ainda pequeno (em Lagoa Seca a iniciativa atinge
três das 23 escolas existentes no município), mas considera-se que é um
começo promissor. Ao mesmo tempo, o STR tem discutido a proposta nas
reuniões regulares em sua sede e nas comunidades.
Outro desafio é introduzir essa prática de comprar produtos locais de qualidade no funcionamento da merenda escolar convencional, já que a iniciativa
da Conab é apenas um complemento. Sabe-se que existem dificuldades relevantes, já que para usar os recursos convencionais a licitação é obrigatória. E
para a agricultura familiar local, isso é uma barreira difícil de ultrapassar.
Finalmente cabe mencionar aqui um fato interessante. Tudo indica que os recursos
do programa da Conab podem ser usados para financiar a produção estipulada. Ou seja,
nessa modalidade é possível o pagamento adiantado dos produtos. O Pólo, porém, decidiu que isso não seria uma boa alternativa e nem se cogitou colocá-la em prática, uma
vez que avaliou-se que seria muito arriscado.
2.2. Fortalecimento dos Bancos de Sementes Comunitários (BSCs) da
Paraíba com apoio da Conab
Sistematização: Pablo Renato Sidersky
Localização e contexto da experiência
A Rede de Bancos de Sementes Comunitários contava, no início de 2006,
com 228 comunidades em 61 municípios, em praticamente todas as regiões do
estado da Paraíba (para mais detalhes ver quadro em anexo).
A área onde a Articulação do Semi-árido Paraibano (ASA-PB) atua é parte
da região do Semi-Árido nordestino, domínio do bioma caatinga. A própria
denominação de Semi-Árido põe em relevo os aspectos climáticos, dentre os
quais destaca-se a pluviometria. No Semi-Árido paraibano, as chuvas variam
entre 300 e 800 mm por ano, em média, mas caracterizam-se sobretudo por
uma extrema variabilidade no tempo (volume, freqüência das chuvas, data de
Financiamento da Transição Agroecológica
83
inicio, duração dos invernos) e no espaço (é bastante comum haver chuvas
muito localizadas), sendo freqüentes as secas prolongadas.
Os sistemas agropecuários familiares da região têm como base o policultivo
(cultivos alimentares, comerciais e forrageiros) e a criação animal. Também
fazem uso de plantas nativas. A estratégia técnica desses sistemas apóia-se na
manutenção e no uso da biodiversidade, assim como na constituição de estoques de recursos (de água, sementes, forragem, alimentos) como forma de
enfrentar os desafios colocados pelo Semi-Árido.
Caracterização da experiência
O problema a ser enfrentado
Para o agricultor paraibano, o estoque familiar de sementes é crucial para
a renovação do ciclo anual de plantio. Normalmente esse estoque é constituído
a partir da produção agrícola do ano anterior. Em geral ele é composto de
sementes de variedades locais, preferidas dos agricultores – as chamadas sementes da paixão. Às vezes ele é renovado e/ou expandido por meio da troca,
da doação de parentes e amigos ou da compra de sementes junto a outros
agricultores. O intercâmbio de materiais e de informação sobre essas sementes
é outro elemento tradicional do sistema.
Mas, não raro, esse estoque familiar fica reduzido a zero. O limitado tamanho das áreas plantadas e, sobretudo, a instabilidade climática (a ocorrência
de invernos irregulares e/ou secas) fazem com que as colheitas fiquem comprometidas. E assim, quando a colheita é nula ou muito pequena, a família não
consegue reconstituir o seu estoque de sementes. Resultado: no ano seguinte,
quando chega a hora de plantar, fica numa situação crítica.
Quais são as alternativas possíveis nesse caso? Às vezes, um empréstimo
ou doação familiar ou de vizinhos pode aliviar a situação, mas não resolve. Os
órgãos de governo, por sua vez, raramente têm a agilidade necessária para
prestar socorro, além de existir o problema do uso politiqueiro dessa semente
quando ela aparece. Por outro lado, quando acontecem, as iniciativas governamentais nesse campo trabalham normalmente com poucas variedades de sementes de fora2. Outra opção para a família é a compra, feita então numa
condição muito desfavorável, já que o momento do plantio é justamente quando o preço do milho ou do feijão atinge o nível máximo3. Quem não consegue
obter semente por meio desses mecanismos pode terminar tendo que recorrer
ao sistema de semente de meia, pelo qual o agricultor obtém semente emprestada com alguém que a possa comprar, ficando com o compromisso de pagar
com a metade da colheita.
84
Financiamento da Transição Agroecológica
Os Bancos de Sementes Comunitários (BSCs) surgem como forma de enfrentar esses problemas. Funcionam como um instrumento que possibilita a
reconstituição do estoque familiar de sementes, quando este falha, tendo também um papel na conservação da biodiversidade agrícola. Neste documento
enfocaremos mais a primeira dessas funções.
O BSC como estoque de reserva
O BSC surge como uma alternativa para quem precisa de sementes para
plantar4. Trata-se de um mecanismo através do qual uma família toma emprestada uma quantidade de sementes do estoque do banco que, em geral, é constituído a partir de uma doação externa5 feita à comunidade. A família se compromete a pagar, no momento da colheita, a mesma quantidade acrescida de
uma percentagem, segundo regras definidas na própria comunidade. Assim, o
BSC funciona como um crédito de custeio, fornecendo um insumo crucial para a
família, para pagamento posterior.
A estocagem, a entrega e a devolução da semente são todas feitas na
comunidade, sob a responsabilidade da associação ou de um grupo designado
para tal. Esse grupo é responsável por guardar a semente devolvida nos silos,
buscando armazenar o estoque em boas condições, para que possa ser usado
novamente no ano seguinte.
Mas nem sempre é possível reconstituir o estoque do BSC. Às vezes isso é
resultado da falta de organização, embora em geral o principal motivo seja o clima.
A ocorrência de veranicos pode ter um impacto importante nesse ou naquele banco. Quando vem uma seca, a quebradeira passa a ser praticamente geral. A tabela a
seguir, que apresenta dados referidos aos municípios de Solânea, Remígio e Lagoa
Seca para o período entre 1995 e 1999, ilustra o que acabamos de dizer. Note-se
que os anos de 1998 e 1999 foram anos de seca intensa em toda a Paraíba.
Diante desse quadro, foi necessário buscar formas de realimentar os BSCs
exauridos.
Financiamento da Transição Agroecológica
85
Tabela 1.
Resultados dos BSC em três municípios do Agreste paraibano
1995
1996
1997
1998
1999
17
17
17
16
25
Kg de sementes distribuídas
9.800
9.761
6.633
4.593
7.941
Kg de sementes devolvidas aos BSCs
11.511
7.279
8.723
1.394
4.233
Variação do estoque (em %)
17,5
(25,4)*
31,5
(69,7)*
(46,7)*
Nº de famílias que receberam sementes
530
416
276
143
467
Nº de famílias que devolveram sementes
441
276
266
24
258
% de famílias que devolveram sementes
83
66
96
17
55
Indicador
Nº de BSCs
Fonte: AS-PTA. * Os números que aparecem entre parênteses são negativos.
A busca de apoio para os BSCs
No início de 1999, os agricultores em todo estado da Paraíba estavam
numa situação difícil, com os seus estoques de sementes praticamente vazios.
O próprio governo estadual demonstrou preocupação e montou um programa de
distribuição de sementes1. Como os BSCs estavam também em situação crítica,
em lugar de buscar sementes junto a outras fontes, a Rede de Sementes da
ASA-PB (veja quadro ao lado) optou por questionar a política proposta pelo
governo do estado. O objetivo era fazer com que essa política contemplasse a
rede estadual de BSCs. Depois de uma série de iniciativas que culminaram uma
negociação com a Secretaria de Agricultura (Saia), a ASA conseguiu que 85
toneladas de sementes2 fossem destinadas ao fortalecimento de 130 BSCs das
regiões do agreste e do litoral3.
Ainda que essa ação tenha servido para reabastecer alguns dos BSCs, a
ASA-PB buscou aprimorar a proposta. É formulado, então, um documento
intitulado “Programa Especial de Fortalecimento e Ampliação dos BSCs da
Paraíba”. A diferença entre essa idéia e a iniciativa de 1999 está principalmente na reivindicação de que o apoio aos BSCs deveria ser também uma política
que favorecesse a diversidade. No entanto, o programa de reforço aos BSCs
forneceu mais 85 toneladas de sementes nas mesmas condições do ano anterior. Foi somente em 2001 que se conseguiu que a Saia aceitasse fazer o repasse
de 50% dos recursos do programa de fortalecimento dos BSCs para que fossem
86
Financiamento da Transição Agroecológica
compradas sementes dos agricultores. Nesse ano foram compradas dos agricultores 66 toneladas de sementes da paixão, que foram repassadas para 220 BSCs
nas diversas regiões do estado.
O papel da Conab
Com a chegada do Governo Lula, a ASA-PB lança o debate sobre o papel
dos BSCs na segurança alimentar. Com base nisso, elabora-se uma proposta
para a Conab, já em 2003.
Foi assim que foi feita uma solicitação ao Programa de Compra Direta,
parte do PAA. Nesse caso, a própria Conab foi com um caminhão aos diferentes
locais (em 26 municípios diferentes) para fazer a compra, diretamente, na
época da safra. Dessa maneira, foram compradas cerca de 80 toneladas de
milho, feijão, fava, gergelim, arroz, amendoim. Em seguida, os produtos assim
comprados foram estocados nos armazéns da Conab, para depois serem
redistribuídos como doações para os BSCs na época do plantio (no caso, no
início de 2004).
A Rede de Sementes da ASA-PB
A base da rede são os Bancos de Sementes Comunitários (BSCs) geridos
pelas comunidades. Geralmente o STR e/ou a paróquia tem um papel de
apoio e articulação dos BSCs no município.
Em praticamente todas as regiões existe uma forma de organização,
como a Rede de Sementes do Alto Sertão, que coordena e implementa
iniciativas de apoio aos municípios. Essas atividades incluem o levantamento de necessidades, a distribuição de sementes, quando isso é necessário, e a organização de encontros, cursos, visitas, etc.
No âmbito estadual existe, desde 1995, a Comissão de Sementes da
ASA-PB, que tem como função coordenar as iniciativas locais e organizar
atividades e eventos estaduais. É também essa comissão que organiza e
negocia as propostas de parceria com diferentes instituições – o governo
estadual, a Conab, os órgãos de pesquisa, etc.
O conjunto da Rede Estadual integra, além dos BSCs e STRs, várias
ONGs (Cepfs, Pracasa, AS-PTA, Patac, Sedup, etc.) e organizações regionais
(tais como o Pólo Sindical da Borborema, a Caaasp, o Coletivo do Médio
Sertão, CPT de Campina Grande, do Alto Sertão e de Guarabira, etc.). Esse
conjunto faz parte da ASA-PB.
Financiamento da Transição Agroecológica
87
Contudo, essa experiência também enfrentou dificuldades: uma delas foi o
preço pago pelos produtos. A ASA foi obrigada a fazer um projeto emergencial,
com o qual conseguiu com o governo do estado uma verba adicional para pagar
a diferença entre o preço da Conab e o preço do mercado do momento. Também
avaliou-se que o processo todo era complicado, sobretudo porque a compra, a
estocagem em armazéns da Conab e a posterior redistribuição tornavam o processo custoso.
Em 2004, formulou-se uma segunda proposta, através do programa Compra
e Doação Simultânea de Produtos, outra parte do PAA. Isso permitiu tornar o
processo bem mais ágil. Por meio desse mecanismo, uma entidade proponente
é quem se responsabiliza pelo conjunto das operações de compra, estocagem e
re-distribuição, com dinheiro da Conab. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) do estado é solicitado para dar o seu aval na
hora da apresentação da proposta.
Tabela 2.
Mecanismos da Conab e valores envolvidos para compra de sementes
Ano
2003/04
Mecanismo da Conab Valor
Quantidade de N0 de famílias
utilizado
(em R$) sementes com- fornecedoras
pradas
Compra direta
80.000,00*
80.660 kg
50
(aproximadamente)
2004/05 Compra com doação simultânea 16.735,00
12.797 kg
11
2005/06 Compra com doação simultânea 22.003,00
19.260 kg
13
* Valor estimado, já que a compra foi feita diretamente pela Conab.
88
Financiamento da Transição Agroecológica
Resultados, impactos e desafios
Abrangência do trabalho
Embora o trabalho tenha começado em 1995, só existem dados a partir de
1998. A tabela a seguir nos permite acompanhar o crescimento desse trabalho.
Tabela 3.
Abrangência da Rede de Bancos de Sementes Comunitários da ASA-PB
Ano
N0 de
BSCs
N0 de
famílias
Estoque de
sementes
N0 de
municípios
N0 de
silos
1998/99
62
1.860
15.000 kg
---
---
1999/00
129
3.838
66.419 kg
---
---
2001/02
---
---
---
---
---
2002/03
175
7.441
77.900 kg
51
---
2003/04
205
7.170
127.907 kg
60
437
2004/05
207
7.145
161.960 kg
56
344
2005/06
228
6.560
39.592 kg**
61
476
- Sem informação
* Estoque total de sementes disponível nos BSCs antes do plantio (levantamento feito nos últimos
meses do ano).
** O levantamento de 2005/06 foi feito em março, quando o plantio já tinha sido realizado em
diversas regiões do estado.
Cabe comentar o momento vivido pela rede entre 2001 e 2003. No ano 2000, houve uma expansão
dramática do número de BSCs, muito ligada a um aporte de sementes conseguido num convênio com o
governo estadual. Porém, muitos desses bancos novatos, criados às pressas, não conseguiram se firmar. A partir de 2003, no entanto, o crescimento voltou a ser mais comedido, ainda que mais sólido.
Isso aparece quando se analisa a evolução da necessidade de aquisição de sementes para o reforço dos
BSCs nos últimos três anos. Na tabela a seguir podemos observar que, enquanto entre 2003 e 2004 o
reforço da Conab foi distribuído a praticamente todas as famílias atendidas pelos BSCs (99,6%), nos
anos seguintes a proporção caiu significativamente.
Financiamento da Transição Agroecológica
89
Tabela 4.
Comparação das famílias atendidas pela Conab e pelos BSCs
Ano
A (Nº de famílias atendidas
pelo programa da Conab)
B (Nº de famílias
atendidas pelos BSCs
A/B
2003/04
7.145
7.170
99,6%
2004/05
3.224
7.145
45,1%
2005/06
2.400
6.560
36,6%
O reconhecimento da Agricultura Familiar (AF)
Entretanto, é muito importante destacar que essa iniciativa representa o
reconhecimento das sementes dos agricultores – as sementes da paixão – e,
conseqüentemente, reconhece os agricultores como produtores de sementes.
As iniciativas feitas com apoio da Conab permitiram a compra de sementes de
cerca de 50 famílias.
Destaque-se ainda que a Conab só pôde proceder dessa forma porque houve uma mudança na legislação. Anteriormente os programas governamentais
não podiam destinar recursos para a compra de sementes crioulas. Mas, com a
revisão da Lei de Sementes em 2003 (regulamentada em 2004), foi possível
reconhecer a semente de cultivar local, ou tradicional, ou crioula e, ao mesmo
tempo, fazer com que não fosse mais necessário que ela seja registrada no
Registro Nacional de Cultivares (RNC). Assim, os produtores dessas sementes
não precisam de registro para produzi-las. Com essas modificações, os programas governamentais não podem mais usar a legislação como motivo para não
incluir as sementes crioulas.
Alguns desafios
Embora possa parecer simples à primeira vista, no detalhe a operação das
iniciativas Conab é bastante complexa. Envolve, por exemplo, a identificação
de cada um dos agricultores fornecedores das sementes. Cada um precisa tirar a
sua Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). A compra precisa de nota fiscal.
Também é necessário especificar o BSC que receberá a doação, além identificar
individualmente cada uma das famílias beneficiárias (inclusive com o CPF). As
entidades proponentes é que garantem toda a operacionalização, o que inclui o
transporte, além da estocagem feita em bancos mãe em diferentes regiões. Esse
trabalho requer recursos humanos e financeiros consideráveis. Portanto, a questão
que fica é: como simplificar a operacionalização desses programas?
90
Financiamento da Transição Agroecológica
Anexo
Região
Municípios
Alto Sertão
Aguiar, Aparecida, Bonito de Santa Fé, Igaracy, Brejo dos Santos, Cachoeira dos Índios, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Coremas,
Diamante, Itaporanga, Jericó, Lagoa, Marizópolis, Mato Grosso, Paulista, Pedra Lavrada, Poço Dantas, Poço José de Moura,
Pombal, Riacho dos Cavalos, Santa Cruz, S. Domingos de Pombal, S. José da Lagoa Tapada, S. José de Piranhas, Triunfo,
Uiraúna, Vieirópolis
Cacimbas, Desterro, Maturéia, Princesa Isabel, Santana dos
Garrotes, Tavares, Teixeira
Médio Sertão
Municípios envlvidos
Aguiar, Aparecida, Bonito de Sta. Fé, Igaracy, Brejo dos Santos, Cachoeira dos Índios, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Coremas, Diamante,
Itaporanga, Jericó, Lagoa, Marizópolis, Mato Grosso, Paulista, Pedra
Lavrada, Poço Dantas, Poço José de Moura, Pombal, Riacho dos Cavalos,
Santa Cruz, S. Domingos de Pombal, S. José da Lagoa, Tapada, S. José
de Piranhas, Triunfo, Uiraúna, Vieirópolis
Alto
Sertão
Médio Sertão
Cacimbas, Desterro, Maturéia, Princesa Isabel, Santana dos Garrotes,
Tavares, Teixeira
Curimataú/
Seridó
Cuité, Damião, Juazeirinho, Olivedos, Pedra Lavrada, Seridó, Sossêgo
Cariri
Alcantil, Barra da São Miguel
Alagoa Nova, Areial, Cacimba de Dentro, Campina Grande, Casserengue,
Esperança, Lagoa Seca, Massaranduba, Matinhas, Montadas, Queimadas,
Remígio, S. Sebastião de Lagoa de Roça, Solânea
Borborema
Brejo
Areia, Pilões, Sertãozinho
1
Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Esse órgão, que andava sucateado, viu a sua importância crescer a partir de 2003, sobretudo em função do Programa Fome Zero. Um
dos seus programas é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),que busca sustentar os preços de alguns produtos básicos,além de constituir estoques de reserva
e atender a populações em situação de insegurança alimentar. Esse mesmo programa faz doações para programas sociais, sendo que os alimentos assim doados são
adquiridos da agricultura familiar.
Financiamento da Transição Agroecológica
91
2
Entre os produtos distribuídos, estão diversas hortaliças, mas a lista inclui também
xerém de milho, goma de mandioca, ovos caipira, mel, frutas in natura, sucos de
fruta, geléias, queijo de coalho, carne caprina, etc.
3
Um dos preços que se encontra defasado é o da carne de bode, produto que seria
fornecido por famílias domunicípiode Soledade.
5
Nessa época o preço pode chegar a ser quatro vezes maior que na época da colheita.
6
No Brasil, os BSCs tiveram origem na década de 1970, a partir da iniciativa da
Igreja Católica junto às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em diversas partes
do Nordeste. Na Paraíba, existem BSCs bastante antigos, a exemplo daquele da
comunidade de São Tomé (município de Alagoa Nova), fundado em 1974.
7
A maior parte dos BSCs da Paraíba foram constituídos a partir de um estoque inicial
obtido junto a diversos programas governamentais, que chegaram às comunidades
através das diversas organizações que apóiam a Rede de Bancos de Sementes. Mas
existem casos em que esse estoque inicial do BSC foi estabelecido, pelo menos em
parte, a partir de doações obtidas na própria comunidade e vizinhança.
8
Essa iniciativa foi batizada de “Programa de Distribuição de Sementes Selecionadas
a Preço Subsidiado em Tempo Hábil do Governo do Estado da Paraíba”. A Empresa
Estadual de Pesquisa Agropecuária (Emepa) devia fornecer essa semente, que seria
distribuída pela Emater.
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Foram 35 toneladas de feijão carioquinha e 50 toneladas de milho (variedade BR
106).
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O atraso na liberação dessas sementes fez com que não fosse possível atender às
áreas do sertão, onde a época de plantio começa mais cedo do que no agreste e no
litoral.
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Financiamento da Transição Agroecológica
Capítulo 6
Oficina Pronaf/ BB / BNB
Relator: Jean Marc von der Weid – AS-PTA
Coordenador : Jean Marc von der Weid – AS-PTA
Apresentações : Márcio Hirata – Pronaf/SAF
Luís Sérgio Faria Machado – Banco do Nordeste do Brasil (BNB)
Carlos Alberto Rhoden – Banco do Brasil (BB)
Oficina organizada pelo Grupo de Trabalho – Financiamento
da Articulação Nacional de Agroecologia (GT – Financiamento
da ANA)
Título: Debate sobre a operacionalização dos Pronafs Agroecologia, SemiÁrido e Floresta.
Convidados: Márcio Hirata - representante do Pronaf/SAF; Luis Sérgio Faria
Machado- representante do Banco do Nordeste do Brasil (BNB); Carlos Alberto
Rhoden – representante do Banco do Brasil (BB)
Coordenação: Jean Marc von der Weid – AS-PTA
Participantes: 47 se identificaram na abertura da oficina, vindo de treze
estados (SC, RS, PR, RJ, ES, MG, BA, SE, AL, PE, PB, CE, MT e PA). Outros 30
participantes se juntaram ao grupo durante os debates.
Entre os 47 que se identificaram, 25 eram produtores(as).
Os três convidados apresentaram a visão de suas instituições e 24 participantes levantaram questões, críticas, análises e propostas.
Financiamento da Transição Agroecológica
93
Síntese da apresentação de Márcio Hirata (Pronaf/SAF)
As novas linhas Pronaf Agroecologia, Pronaf Semi-Árido e Pronaf Florestal foram criadas em 2003 e tinham a intenção de facilitar os processos
de transição para a agroecologia em situações diferenciadas: sistemas convencionais; sistemas tradicionais na região semi-árida que necessitavam de infraestruturas hídricas; ou sistemas tradicionais na região amazônica onde os Sistemas Agroflorestais (SAFs) eram vistos como um caminho para a agroecologia.
No entanto, o desenho dessas propostas de crédito gerou problemas na
operacionalização. Em particular, a exigência de apresentação de um projeto de transição em três anos com descrição ano a ano das práticas a serem
introduzidas mostrou-se uma barreira intransponível no acesso ao Pronaf
Agroecologia.
Na prática, o Pronaf não conseguiu monitorar os acessos a essas linhas, cuja pouca transparência não permitia identificar quem e quantos as
solicitavam. Além disso, havia confusão entre agroecologia e agricultura
orgânica. Em 2005, o Pronaf corrige a formulação da linha Agroecologia
com duas portarias assinadas em setembro e novembro, eliminando a exigência do projeto de transição e liberando recursos de investimento de até
R$ 6 mil no grupo C e R$ 15 mil no grupo D. Dessa forma, não é mais
preciso especificar as práticas agroecológicas a serem adotadas ano a ano,
mas apenas apontar o objetivo final.
No Pronaf Florestal, os prazos de pagamento dos créditos foram ampliados para até 16 anos, com prazos amplos de carência, desde que bem
justificados nos projetos.
Alguns entraves foram identificados e que levaram a um baixo acesso
às linhas mencionadas. Em primeiro lugar, a ausência de uma cobertura de
seguro para esse tipo de projeto sistêmico, já que o seguro é dirigido a
culturas. Além disso, o sistema de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Ater) está pouco preparado para a elaboração dos projetos dessas linhas.
Para buscar suprir essas demandas, a SAF programou um processo de formação de 8.000 agentes de extensão das Emater, das cooperativas de técnicos
e das ONGs.
Síntese da apresentação de Luis Sérgio Faria Machado do Banco do
Nordeste do Brasil (BNB)
O BNB é um banco de investimentos para a região Nordeste, onde aplica
cerca de R$ 5 bilhões por ano, dos quais R$ 1,5 bilhão são destinados à agricultura familiar.
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Financiamento da Transição Agroecológica
O BNB considera que vários fatores contribuíram para que as novas
linhas não pegassem no Nordeste. A já mencionada questão da Ater é crítica, mas também a organização dos produtores não é suficiente para conseguir explorar as novas oportunidades – o crédito sozinho não promove o
desenvolvimento.
Para o Pronaf Agroecologia vingar, é preciso uma maior extensão dessa
cultura com economias de escala e inserção no mercado. O BNB quer ajudar
as ONGs a promoverem essas linhas por meio de parcerias, mas constata que
faltam alguns requisitos básicos, tais como maior número de organizações
de certificação de produtos agroecológicos.
O Pronaf Semi-Árido foi divulgado pelo BNB em programas de rádio e
chegou-se a aplicar R$ 30 milhões na safra 2005/2006. O banco acredita
que o teto dessa linha também impede o acesso e que as outras modalidades do Pronaf são melhores para investimentos em infra-estruturas hídricas.
Atualmente é possível acessar R$ 10 mil sem garantia e entre R$ 10 e 20
mil com aval.
O BNB procurou usar um cadastro e uma planilha de projetos simplificados para facilitar o acesso dos agricultores e disponibilizou um Gerente
Pronaf em cada agência do banco.
O crédito mais acessado no Nordeste é o Pronaf B, identificado como
micro-crédito e que teve uma Ater apoiada pelo banco com cerca de 360
técnicos em apenas uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que atua como agente de desenvolvimento.
Financiamento da Transição Agroecológica
95
Síntese da apresentação de Carlos Alberto Rhoden do Banco do Brasil (BB)
O BB distribuiu R$ 5 bilhões em créditos na safra 2005/2006, com R$ 1
milhão de contratos de custeio e de investimento. As cooperativas de crédito (Crenor, Cresol e Ascob) receberam R$ 300 milhões.
Cada estado tem uma gerência do Pronaf que dialoga com os movimentos sociais e cooperativas de crédito. O BB constata que há dificuldades
para os cerca de 260 engenheiros agrônomos do banco entenderem o tema
da agroecologia, muito embora isso varie de estado para estado. Na região
sul, por exemplo, o entendimento com a Federação dos Trabalhadores na
Agricultura Familiar (Fetraf) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
sobre o tema da agroecologia tem sido mais fácil.
O número de contratos realizados pelo BB obriga a uma simplificação
do acesso aos recursos, com planilhas de projetos mais sucintas e com
sistemas de pedidos via internet, previstos para serem implantados a partir
de julho de 2006.
Apesar do esforço de simplificação, há elementos-chave de informação
que não podem faltar nos projetos, tais como os mercados onde os produtos
financiados serão vendidos.
Síntese dos comentários e questionamentos dos participantes
1. Sobre o Pronaf Agroecologia
• É muito complicado
• Financia a transição, mas não a produção agroecológica
• Os agentes financeiros locais têm muita resistência à agroecologia
• Há poucos recursos para Ater e vincular a remuneração com o valor
do projeto é um erro
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Financiamento da Transição Agroecológica
• Burocracia ainda é grande
• Quem vai sozinho ao banco não consegue o que quer
• Os bancos orientam para o uso do pacote
• O zoneamento da Embrapa impõe restrições injustificáveis a projetos agroecológicos
• Os créditos estão orientados para uma cultura ou um animal e não
para um sistema produtivo
• Os prazos de análise dos projetos são muito longos e os recursos
chegam atrasados ou acabam faltando para os projetos agroecológicos
• O Pronaf Agroecologia foi para os tipos C e D, deixando os assentados (A) de fora
• Os bancos tendem a atender primeiro as demandas dos agricultores
do tipo D, que têm projetos com valores mais altos, fazendo com
que acabe faltando recursos para os outros
• Os prazos para a transição agroecológica são muito apertados
2. Sobre o Pronaf Semi-Árido
As observações feitas sobre essa modalidade repetem as que se referem ao
Pronaf Agroecologia com os seguintes adendos:
• A planilha de projeto do BNB inviabiliza o Pronaf Semi-Árido
• O Pronaf Semi-Árido não está orientado para a agroecologia, mas para
a infra-estrutura hídrica
• A exigência de 50% de investimento em infra-estrutura hídrica não é
adequada, uma vez que nem sempre essa é a questão mais importante
em um projeto agroecológico de convivência com o semi-árido
3. Sobre o Pronaf Florestal
O Pronaf Florestal só financia plantio de pinus e eucalipto e, portanto, é
um Pronaf monofloresta
4. Sobre o Pronaf Jovem e Mulher
Não estão chegando ao público-alvo
5. Sobre o Pronaf B
• Houve avanços: diminuiu a burocracia, facilitou o acesso dos mais pobres, inclusive de mulheres
Financiamento da Transição Agroecológica
97
• Os agentes de crédito impõem projetos técnicos direcionados para pacotes que o agricultor não quer
Síntese das respostas dos três convidados
O BNB colocou um gerente de agricultura familiar em cada banco e
é ele quem orienta os kits de projetos B, com base nos manuais e no
zoneamento da Embrapa. Luis Sérgio reconhece que o zoneamento precisa ser aperfeiçoado e que é preciso “tirar o Pronaf B de dentro das
agências” e levá-lo aos agricultores por agentes de desenvolvimento.
Já a crítica aos prazos de análise dos projetos não foi aceita, pois ele
afirma que leva-se 21 dias para essa operação.
O BB alega que a burocracia não é culpa dos bancos, mas dos manuais do Banco Central. Carlos Alberto admite que há a necessidade de
um processo de educação sobre agroecologia para os agentes financeiros e que estes estão condicionados por anos a lidar com o agronegócio.
Além disso, justifica o fato de que as operações de crédito de investimento são mais lentas porque são mais complexas.
Márcio Hirata alega que os demais problemas existem pela novidade do processo e vê grande importância em agilizar no Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) e nos bancos as respostas às questões
98
Financiamento da Transição Agroecológica
colocadas pelos agricultores. Ele vê, contudo, uma grande desinformação
também por parte da grande massa dos agricultores em relação às novas
modalidades de Pronaf.
Márcio apresenta três questões como mais estratégicas: o financiamento de sistemas produtivos e não de produtos; a simplificação/flexibilização
das planilhas de projetos; e a carimbagem de recursos para projetos de tipo
agroecológico, com uma dotação garantida.
Quanto ao Pronaf Florestal, Márcio não vê problemas em financiar culturas de pinus e eucaliptos se elas não substituírem vegetação nativa, mas
acha que a prioridade deve ser o financiamento de SAFs e de revegetação
com espécies locais.
Síntese das propostas apresentadas pelos participantes
• Os bancos devem priorizar os projetos de agroecologia
• Criar um Pronaf de produção agroecológica além do dirigido à transição
• Recursos para a agroecologia devem ser carimbados
• Dar formação em agroecologia aos técnicos e gerentes dos bancos
• Promover encontros entre técnicos/gerentes e agricultores em cada
agência para discutirem as novas linhas de Pronaf
• Simplificar e flexibilizar os projetos de crédito reduzindo as planilhas
ao mínimo
• Financiar os sistemas produtivos, ou o conjunto da propriedade, e
não produtos ou animais específicos
• Unificar o Pronaf Semi-Árido e o Pronaf Agroecologia, eliminando a
exigência de investimento em infra-estrutura hídrica
• Ampliar os prazos de transição agroecológica segundo as regiões –
até 8 anos no sul e sudeste, até 14 anos no nordeste e até 18 anos
no norte
• Permitir o Pronaf Agroecologia nos assentamentos
• Garantir o financiamento de Ater para a elaboração dos projetos
sem vincular a remuneração ao valor do projeto
• Garantir financiamento de Ater de forma continuada no longo prazo
• Ajustar o zoneamento aos conceitos da agroecologia
• Garantir o seguro para os sistemas agroecológicos com ou sem acesso ao crédito
Financiamento da Transição Agroecológica
99
• Dirigir o Pronaf Florestal para SAFs e sistemas agroecológicos
• Criar um Pronaf de Comercialização de produtos agroecológicos
• Liberar o crédito de investimento na transição agroecológica ano a
ano, conforme as necessidades do agricultor
• Vincular os prazos de carência aos prazos da transição agroecológica
• Prazos de pagamento de até 8 anos
• Juros de 1% ao ano
• Teto de R$ 30 mil independente da classe do projeto
• Possibilidade de apresentar mais de um Pronaf Agroecologia em sucessão
• Rapidez nos processos de avaliação e liberação dos recursos
• “Confiar nos agricultores familiares”
100
Financiamento da Transição Agroecológica
Capítulo 7
Conclusões
Algumas conclusões sobre o seminário do II ENA e perspectivas para o GT Financiamento da ANA
Jean Marc von der Weid
AS-PTA
O tema do financiamento da transição e da produção agroecológica foi um
dos que menos suscitou interesse entre os participantes do II ENA. Foi o seminário com menor número de participantes, cerca de 150. O número de experiências identificadas e sistematizadas também foi reduzido, embora bastante
rico. Comparado com outros temas, o do financiamento da transição
agroecológica foi ainda pouco mobilizador. Por outro lado, a maioria dos participantes dos vários subgrupos em que o tema se dividiu era de produtores e
produtoras, com baixa presença de técnicos de apoio.
Por que esse pouco interesse e pouca participação (em termos relativos, é
claro)? Penso que a grande maioria das organizações de apoio ao desenvolvimento agroecológico da agricultura familiar não se envolveu ainda com essa
temática, a não ser em pequena escala, assessorando processos experimentais
nas propriedades dos agricultores. A experiência está mais concentrada nos
processos de geração participativa de tecnologias do que na promoção de sua
adoção na escala das propriedades como um todo.
Está bastante claro que há uma grande diferença entre facilitar processos
de experimentação e o passo seguinte que é facilitar a generalização dessas
experiências para o conjunto da propriedade de cada agricultor. Esse passo
envolve não apenas ajustes nas propostas técnicas como o uso de recursos
Financiamento da Transição Agroecológica
101
humanos e materiais em outra dimensão, que talvez não esteja disponível para o produtor. É freqüente encontrar um número significativo
de agricultores envolvidos em processos de experimentação que não
chegam a se generalizar para o conjunto da propriedade. E então nos
perguntamos por que o agricultor não sai nunca da experimentação.
Os casos de agricultores que realizaram o processo de transição no
conjunto de suas propriedades correspondem, na sua maioria, a situações em que o agricultor resolveu, por conta própria, os entraves financeiros exigidos pela transição para o novo sistema. Mais de uma vez
ouvimos técnicos afirmarem que a agroecologia significa economias de
custo de produção e que, portanto, o problema do financiamento não
deveria existir. É uma verdade relativa, pois ao mesmo tempo que a
produção agroecológica economiza custos de insumos químicos e, em
certas circunstâncias, de uso de maquinário, ela tem outros custos, em
geral de mão-de-obra, pelo menos nas fases de transição. Em outros
casos, o custo das infra-estruturas capazes de dar suporte aos processos agroecológicos exige investimentos significativos, embora poucos
recursos de custeio. Finalmente, a agricultura familiar se encontra em
tal estado de descapitalização que há uma exigência não pouco significativa de investimentos em quase todas as situações, independente de
se tratar ou não de uma transição agroecológica.
Há problemas significativos identificados nas normativas e, sobretudo, na operacionalização do crédito Pronaf dirigido para a transição
agroecológica, embora seja a única modalidade que opera com um potencial de recursos disponível a altura das necessidades do público com
que trabalhamos. As outras modalidades se mostraram mais adequadas
e acessíveis (fundos não-governamentais e Proambiente), mas a disponibilidade de recursos foi ínfima. Os Fundos Rotativos Solidários (FRS)
foram a alternativa com maior potencial, quer pela sua aceitabilidade
pelo público quer pela facilidade de acesso. No entanto, foram utilizados, até agora, fundamentalmente para obras de infra-estrutura (cisternas, barragens subterrâneas) ou para alguns insumos como sementes
ou esterco. Além disso, ainda seria necessário testar a capacidade dessa modalidade de enfrentar os processos de financiamento mais complexos e de maior porte que se dão em longo prazo e que podem ser
necessários na transição agroecológica. Por outro lado, os recursos disponíveis para os FRS estão centrados no Nordeste e no Programa Um
Milhão de Cisternas (P1MC), agora em vias de se ampliar para a modali-
102
Financiamento da Transição Agroecológica
dade P1+2 (Uma Terra e Duas Águas, significando duas infra-estruturas
hídricas das quais uma é a cisterna). Seria portanto necessário pensar
uma expansão desse tipo de financiamento para outras regiões e outras
necessidades de investimento.
Entretanto, o problema da extensão das experiências em pequena
escala para o conjunto da propriedade do agricultor familiar não é só
de capital humano ou financeiro, mas também de ajustes nas próprias
propostas técnicas. Há ainda uma questão de caráter metodológico sobre como facilitar esse tipo de experiência em maior escala apoiando os
esforços dos agricultores em processos coletivos, tal como já se faz
com a experimentação em pequena escala. Essa nova modalidade de
experimentação é ainda mais complexa que a outra, pois os itinerários
técnicos para fazer a transição no conjunto da propriedade podem ser
muito diferenciados de agricultor para agricultor, dependendo da sua
disponibilidade de mão-de-obra, de recursos financeiros, de terras, etc.
Conhecer e entender esses processos de transição em escala de propriedade, verificando os tempos necessários para sua completude, os
mecanismos de financiamento dos investimentos necessários, são questões básicas para se poder identificar como será possível mobilizar recursos em apoio aos processos, quais as melhores modalidades de financiamento, em que prazos, com que tipo de pagamentos, etc.
Diante desse contexto, o GT Financiamento vai ter que se reciclar
para traçar um programa mais ajustado a essas necessidades. Mais do
que reagir às demandas e oportunidades criadas pelo governo, devemos
nos debruçar no estudo dos processos de transição para a agroecologia
e dos problemas de financiamento dos seus custos para poder formular
uma proposta mais precisa ao governo sobre a adequação das distintas
modalidades de crédito hoje disponíveis para a agricultura familiar.
Financiamento da Transição Agroecológica
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Financiamento da Transição Agroecológica
Articulação Nacional de Agroecologia
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Transição Agroecológica - Ministério do Meio Ambiente