PESQUISA QUALITATIVA: Um desafio à Ciência Social
Autores: RUDIMAR ANTUNES DA ROCHA E PAULO SÉRGIO CERETTA
RESUMO
O presente artigo aborda a relevância da pesquisa qualitativa para a ciências sociais.
Destaca-se os aspectos epistemológicos, teórico, metodológico e técnico na definição de
estudos dessa natureza. São enfatizados os principais quadros de referências
epsistemológicas que norteiam os estudos científicos. As atenções são direcionadas para os
enfoque positivista, dialético e fenomenológico. Hoje, estas correntes do pensamento
científico são consideradas como indispensáveis para o sucesso explicativo de estudos em
ciências sociais. Além disso, ressalta-se a importância de se seguir uma metodologia
científica condizente com os objetivos do investigador, visando uma transparência e
compreensão universal dos resultados auferidos na pesquisa. Vale ressaltar, que embora o
foco seja o estudo qualitativo, não se teve a intenção de apresentar graus comparativos desse
tipo de estudo com os trabalhos de cunho quantitativo. Isto porque, acredita na fusão desses
métodos em muitos estudos científicos.
INTRODUÇÃO
O homem tem se deparado, desde a remota antigüidade, com constantes desafios à sua
hegemonia entre as espécies terrestres. Na era cavernística, a sua preocupação centrava-se na
manutenção do domínio territorial e nas indagações pertinentes aos fenômenos da natureza
que lhes causava medo e assombro. Na acepção de Kneller (1980), o medo era amenizado
com o reconhecimento do “Homo Sapies” de que a natureza é ordenada e inteligível. O
assombro, por sua vez, caracterizava-se pela admissibilidade do medo. Era necessário, para
tanto, nesta etapa evolutiva do ser humano, compreender as causas que levavam a ocorrência
de fenômenos, muitas vezes vitais para eles, como: a chuva; o fogo; o frio ou o calor; a
formação dos raios e trovões, dentre outros. O que descobriam ou pressupunham explicar tais
fenômenos transformavam-se em dogmas, muitos dos quais são hoje interpretados como
fontes de estudos das civilizações antigas ou simplesmente tidas como folclóricas tradições
culturais.
Sob o ponto de vista histórico, a natureza tem sido estudada por várias razões. Os
gregos propuseram sua teoria em quatro elementos da natureza: a terra; o ar; o fogo e a água.
Defendiam que todos os fenômenos universais tinham seu espaço na natureza de modo
harmônico. Os chineses apostaram na teoria das forças naturais em constante oposição,
denominado de “YIN” e “YANG”. Era a partir dessas forças naturais que as ocorrências
fenomenológicas podiam ser explicadas. Advogavam assim, a existência de que cinco fases
teóricas e cíclicas para os fenômenos: a madeira; a terra; a água; o fogo e o metal. Grandes
invenções, norteadas neste pentágono, revolucionaram o mundo como, por exemplo, a
pólvora (Kneller, 1980; Richardson, 1985).
Mas foram os gregos os principais responsáveis pelo apogeu das ciências exatas.
Credita-se a este povo os avanços obtidos na astronomia ptolomaica, na geometria euclidiana,
na medicina galênica, na tradição matemática de Platão e Pitágoras, bem como na tradição
mais empírica de Aristóteles. Aristóteles direcionou, por exemplo, sua atenção para esclarecer
e aperfeiçoar o conhecimento. Os renascentistas europeus visavam desvendar o plano de Deus
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em sua criação. Vale ressaltar que os esforços e contribuições desses povos só não se
perderam no tempo pela preocupação dos Árabes islâmicos em aglutinar esses estudos, que
mais tarde foram popularizados na Europa, dando origem ao que conhecemos como ciência
hoje. É de se lamentar que outras civilizações não tiveram a mesma sorte, como: os Incas e os
Maias. Nesta fase, várias correntes do pensamento científico tiveram influências baseadas no
respaldo político e/ou no clero. Já nos tempos hodiernos a missão do estudo da natureza busca
a ampliação do conhecimento, tanto do amor ao saber quanto por sua utilização de cunho
social e técnico (Kneller, 1980, p.11).
QUADROS DE REFERÊNCIAS EPISTEMOLÓGICOS
A função primordial da epistemologia é estabelecer as condições de objetividade dos
conhecimentos científico, dos modos de observação e de experimentação, examinando assim
os elos que as ciências estabelecem entre as teorias e os fatos (Bruyne, 1982). O
desenvolvimento de pesquisas ao âmbito das ciências sociais tem sido ponto focal dos
analistas científicos, tanto pela relevância que estes estudos trazem para a humanidade quanto
pela metodologia que norteia as investigações nesta área do saber.
A definição de um determinado tipo de estudo científico necessita ser acompanhado de
um “ritual” metodológico que alicerce nossa investigação. A formulação do problema tem
como fito desvendar o que se decidiu estudar. A apresentação do problema de pesquisa,
geralmente, é feito na base de uma frase interrogativa direta ou indireta (Boudon, 1989;
Rudio, 1978; Triviños, 1992). Asti Veras admite ser a formulação do problema análogo a uma
fórmula que permite ao investigador subsídios ao desenvolvimento do estudo. Implícito a
formulação do problema estão hipóteses que servem para o pesquisador ter em mente
caminhos que poderão ser percorridos para solucionara a sua interrogação. O questionamento
do estudioso é, sob o ponto de vista mental, anterior a formulação do problema de pesquisa.
Triviños (1992, p. 91) ressalta que no processo mental deve-se atentar para a “(...) utilidade,
viabilidade, originalidade e importância” do que se pretende estudar.
O tema da pesquisa corresponde ao assunto que se deseja desenvolver. Ciente do tema
inerente ao estudo a ser desenvolvido, o pesquisador passa a ter clareza do percurso teórico
que deve solidificar sua investigação. Como adverte Rudio (1978, p. 72) “(...) tanto melhor
podemos definir o tema, quanto mais aptos estivermos para descrever, com acertos, o seu
campo de observação, com as respectivas unidades de observação e variáveis”. O
pesquisador poderá assim definir as variáveis e o campo de observação. É justamente na
definição do campo de observação que delimitamos a população da pesquisa, o local que
desenvolveremos nosso estudo e as circunstâncias que apoiarão a nossa investigação.
Cruzadas essas etapas, o pesquisador parte para a formulação do problema de
pesquisa. Esta é uma tarefa árdua para o cientista pois exige muito tempo para que não incorra
em falhas que possam mascarar o resultado do seu estudo. Na concepção de Rudio (1978, p.
75) “formular o problema consiste dizer, de maneira explícita, clara, compreensível e
operacional, qual a dificuldade, com a qual nos defrontamos e que pretendemos resolver,
limitando o seu campo e apresentando suas características”.
À fase da formulação do problema de pesquisa requer do estudioso um profundo
conhecimento dos aspectos teóricos que embasam o seu questionamento. Para Bruyne (1982)
o espaço metodológico científico apoia-se em quatro pólos: O pólo epistemológico, o pólo
teórico, o pólo morfológico e o pólo técnico. Estes pólos estão presentes em todos os estudos
científicos, quer estes tenham um caráter quantitativo ou um caráter qualitativo. A fronteira
entre pesquisa quantitativa e qualitativa não é clara.
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O pólo epistemológico exerce uma função de vigilância crítica, pois tem a missão de
garantir a objetivação do estudo. O autor gravita em torno de abordagens ou enfoques
epistemológicos como: o enfoque positivista, o enfoque dialético e o enfoque fenomenológico
(Bruyne, 1982; Triviños, 1992). O pólo teórico guia a elaboração das hipóteses e a construção
dos conceitos. É considerado o espaço reservado para a elaboração das linguagens científicas.
O quadro referencial positivista é, geralmente, utilizado nas ciências socias através da
observação de dados da experiência, bem como através das leis que regem os fenômenos
sociais. A posição epistemológica visa a recusa da apreensão imediata da realidade, da
compreensão subjetiva dos fenômenos e da pesquisa intuitiva. Segundo Bruyne (1982, p.136)
a atitude positivista “(...) é caracterizada, quanto ao método pela subordinação da imaginação
à observação”. Para esta corrente os fatos sociais são tratados como coisas e pouco utilizado
nas pesquisas qualitativas.
O quadro referencial da compreensão visa aprender e explicar o sentido da atividade
social individual e coletiva. Sua relevância está no fato de possibilitar a ação humana através
da expressão de uma consciência, de valores e da resultante motivacional do investigado. O
cerne desse quadro referencial é compreender as significações internas dos comportamentos
de seus investigados. Sua utilização busca a análise de fenômenos singulares ou únicos. Em
pesquisas qualitativas tem sido muito utilizado este quadro referencial.
No quadro referencial funcionalista o pesquisador adota uma concepção totalizante e
sistêmica dos fatos sociais. A preocupação do pesquisador é a investigação das formas
duradouras da vida social e cultural inerente a um grupo social. De acordo com Bruyne (1982,
p.143) mesmo tendo tido o funcionalismo precursores como “Durkheim (solidariedade
orgânica), Conte (estática social) e Maus (fenômeno social total) ele se desenvolveu pelo
impulso de etinólogos como Malinowski e Radcliffe-Brawn”. O citado autor adverte ainda
que para a identificação de uma função, o investigador se sobrepõe a compreensão das
disposições subjetivas explicitas dos atores.
O quadro estruturalista só tem valor e interesse quando se trabalha como um método.
Segundo Lévi-Strauss (apud. Bruyne, 1982) o espectro epistemológico do estruturalismo
procura “(...) aprender antes de tudo as propriedades intrínsecas de certos tipos de ordens.
Essas propriedades não exprimem nada que lhes seja exterior” (p. 146). A estrutura não se
caracteriza, nem relatando a verdade da coisa (realismo) nem relatando a verdade sobre a
coisa (nominalismo). Ela é a própria coisa como “simulacro inteligível”.
O ENFOQUE POSITIVISTA
A partir do século XIX o positivismo passou a dominar o pensamento científico, tanto
como método quanto como doutrina. Como método ele está embasado na certeza rigorosa dos
fatos de experiência com fundamento da construção teórica. Já como doutrina, apresenta-se
como a revelação da própria ciência. A palavra de ordem era desprezar a inacessível
determinação das causas, dando preferência à procura das leis. Substituía-se o método a priori
pelo a posteriori. O positivismo considera o conhecimento científico como produto de uma
atitude de metódico desinteresse pragmático diante da realidade.
A íntima solidariedade natural entre o gênio próprio da verdadeira filosofia e o simples
bom senso universal mostra a origem espontânea do espírito positivo, em toda parte resultante
de uma reação especial da razão prática sobre a teórica. Para que se conseguisse reformar a
sociedade era necessário “(...) antes de tudo descobrir as leis que regem os fatos sociais,
cuidando-se de afastar as concepções abstratas e as especulações metafísicas, que são
estéreis” (Conte, 1990, p.47). Os positivistas defendem que na lei dos fenômenos é que
consiste a real a ciência. O verdadeiro espírito positivo consiste sobretudo em ver para prever,
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em estudar o que é a fim para daí concluir o que será, segundo o dogma geral da
invariabilidade das leis naturais.
O positivismo é considerado uma filosofia determinista que professa, de um lado, o
experimentalismo sistemático e, de outro, considera anticientífico todo o estudo das causa
finais. Assim, admite que o espírito humano é capaz de atingir verdades positivas ou da
ordem experimental, mas não resolve as questões metafísicas, não verificadas pela observação
e pela experiência.
Para o positivismo, está fora de questão que a ciência progride sem cessar,
entendendo-se o progresso científico como um avanço ininterrupto em direção a uma
compreensão cada vez melhor da realidade. A ciência não é apenas verdadeira senão que seus
resultados são cada vez mais verdadeiros, no sentido de serem paulatinamente mais
adequados à realidade. Essa constante aproximação da realidade não significa porém que os
estágios ou resultados anteriores da marcha científica devam ser sempre descartados: há uma
sedimentação que faz com que o progresso científico tenha um caráter linear e cumulativo
(Cupani, 1985).
O caráter de se proceder metodicamente, bem como o aperfeiçoamento do método
seriam os fatores dos quais derivariam todas as virtudes da ciência, a começar pela sua
objetividade. Na concepção de Kuhn (apud. Cupani, 1985, p. 60-1), “o modo de proceder
cientificamente e os resultados de tal modo de proceder dependem diretamente do que se
entende por ciência, isto é, do paradigma aceito”.
Segundo o sistema de filosofia positiva, todas as nossas especulações, quaisquer que
sejam elas, estão inevitavelmente sujeitas, quer no indivíduo, quer na espécie, a passar
sucessivamente por três estados teóricos diferentes, que as denominações habituais de
teológico, metafísico e positivo poderão aqui qualificar suficientemente, pelo menos para
aqueles que lhes tiverem compreendido o verdadeiro sentido geral. Embora indispensável de
início em todos os aspectos, o primeiro estado deve doravante ser sempre concebido como
puramente provisório e preparatório; o segundo, que constitui apenas uma modificação
dissolvente do primeiro, nunca comporta senão uma simples distinção transitória a fim de
conduzir gradualmente ao terceiro; e neste estado, único plenamente normal, que consiste, em
todos os gêneros, o regime definitivo da razão humana. (Feyerabend apud. Cupani, 1985).
Para muitos, o enfoque positivista é considerado como uma visão artificial e limitada
para o contexto sociológico. Suas raízes estão plantadas no modelo das ciências naturais de
cunho cartesiano. O modo de se verificar determinado fenômeno é considerado linear para
abranger as complexidades inerentes as realidades envoltas nos indivíduos ou grupos sociais.
Como assevera Triviños (1992) o positivista “(...) isola os problemas do supervisor, denunciaos, assinala-os, mede-os, quantifica-os, mas esquece os significados dos mesmos, assim como
suas bases históricas”.
O ENFOQUE DIALÉTICO
Um dos méritos do pensamento dialético foi mostrar que o sujeito criador de toda a
vida intelectual e cultural não é individual mas social. Cada vez que estudamos, quer um
acontecimento histórico, quer as grandes obras da história da literatura, da filosofia ou da arte,
constatamos que o sujeito, essa unidade ativa e estruturada que permite explicar de maneira
significativa a ação dos homens, não é um indivíduo mas uma realidade transindividual, um
grupo humano. E deve acrescentar-se que não se trata também de uma soma de diversos
indivíduos, mas de um grupo social específico, que evidentemente se opõe a outros grupos
mas também atua em conjunto com os grupos a que se opõe, e no interior desta oposição,
sobre a natureza. Isto caracteriza uma das diferenças mais importantes entre qualquer
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sociologia dialética e o pensamento positivista, que vê ainda nos fatos imediatos, isolados e
parciais, a realidade objetiva, e nos indivíduos os sujeitos do comportamento histórico e da
criação (Goldmann, 1972).
Assim, pode-se definir a dialética como a ciência das relações gerais que existem tanto
na natureza como na história e no pensamento do modo contrário. Na acepção de Thalheimer
(19970, p. 83) “O contrário da dialética é a observação isolada das coisas, unicamente no seu
estado de repouso. A dialética somente considera as coisas em suas relações mais gerais, de
dependência recíproca, não em repouso e sim em movimento”.
A dialética é o estudo da contradição na essência das coisas mesmas: não só os
fenômenos são transitórios, móveis, flutuantes, separados por limites convencionais, mas
também o são as essências das coisas. A divisão do unitário e o conhecimento de suas partes
contraditórias é o fundo da dialética.
Ao procurar conhecer o conhecimento e o pensamento humanos se faz necessário
conservar permanentemente juntos tanto o sujeito como o objeto do pensamento, e assim
desvendar suas relações mútuas, caracterizá-los um em função do outro, dentro do conjunto
em que ambos se propõem (Prado apud. Schaefer, 1985). Schaefer adverte ainda que “O
método dialético está enraizado numa concepção ontológica, que aceita a realidade como
essencialmente dinâmica, onde inexiste a imutabilidade; a realidade é tida como um processo,
com evolução descontínua, caracterizada por saltos de uma forma qualitativa a outra mais
elevada; concepção que aceita o relacionamento de tudo com tudo; que aceita ser cada coisa
ela própria e seu contrário e que as mudanças e os movimentos existem porque as coisas
contêm em si mesmas a contradição.” Assim, a dialética pode ser entendida como a doutrina
da unidade dos opostos” (p.36).
Por outro lado, na concepção de Goldmann (1972, p. 62-3) a “Sociologia dialética e a
psicanálise partem com efeito de uma afirmação comum: a de que, no plano humano, nada é
nunca desprovido de sentido”. Neste sentido a significação no homem passa sempre através
da “(...) consciência -verdadeira ou falsa-, da comunicação, da palavra, e da linguagem, de
modo que encontramos esta consciência significante de cada vez que nos achamos, quer
perante uma realidade humana contemporânea, quer perante uma realidade humana passada
que nos deixou suficientes vestígios e testemunhos para que possamos estudá-la”.
A dialética trata das coisas em si. Mas a coisa em si não se manifesta imediatamente
ao homem. Para chegar à sua compreensão, é necessário não só fazer um certo esforço, mas
também um desvio. Por este motivo o pensamento dialético distingue entre representação e
conceito da coisa. Justamente porque este desvio é o único caminho acessível ao homem para
chegar à verdade, periodicamente a humanidade tenta poupar-se o trabalho desse desvio e
procura observar diretamente a essência das coisas. Com isto corre o perigo de perder-se ou
de ficar no meio do caminho (Kosik, 1976).
Para um pensamento dialético, o problema põe-se de maneira diferente. Compreender
é um processo intelectual: é a descrição de uma estrutura significativa no que ela tem de
essencial e específico. Revelar o caráter significativo de uma obra de arte, de uma obra
filosófica ou de um processo social, o sentido imanente de sua estruturação, é compreendêlos, mostrar que são estruturas que têm a sua coerência própria. Explicar é situar tais
estruturas, enquanto elementos, nas estruturas mais vastas que as englobam” (Goldmann,
1972, p. 78-9)
A posição da totalidade, que compreende a realidade nas suas íntimas leis e revela, sob
a superfície e casualidade dos fenômenos, as conexões internas, necessárias, coloca-se em
antítese à posição do empirismo, que considera as manifestações fenomênicas e casuais, não
chegando a atingir a compreensão dos processos evolutivos da realidade. Do ponto de vista da
totalidade, compreende-se a dialética da lei e da casualidade dos fenômenos, da essência
interna e dos aspectos fenomênicos da realidade, das partes e do todo, do produto e da
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produção. Totalidade não significa todos os fatos, mas uma realidade como um todo
estruturado, dialética, no qual e do qual um fato qualquer pode vir a ser racionalmente
compreendido ... Os fatos são conhecidos na realidade se são compreendidos como fatos de
um todo dialético, se são entendidos como partes estruturais de um todo.
Para Thalheimer (1979, p. 85), três princípios gerais regem a dialética são eles: “(...) o
primeiro e mais geral, do qual se originam os demais, é a lei da interpretação dos contrários.
Essa lei implica imediatamente outra. Encontramo-nos com o fato indiscutível de que todas as
coisas, todos os fenômenos, todas as idéias, chegam finalmente a uma unidade absoluta. Dito
de outro modo, não existe nenhuma contradição e diferença que não se possa reduzir à
unidade. Por fim, a lei de que todas as coisas são ao mesmo tempo tão absolutamente distintas
e opostas como absolutamente iguais entre si; ou lei de unidade polar de todas as coisas”.
Hegel emprega a palavra com três sentidos diferentes ao mesmo tempo. Para ele, a
superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a
conservação de algo de essencial que existe nesta realidade negada e a elevação dela a um
nível superior. A dialética hegeliana é a do logos concreto, que inclui as posições de
metafísica racionalista e lógica abstratista. Separa-se Hegel das posições abstratas por não
aceitar a subordinação do sujeito ao objeto, como o fazem os realistas; nem a do objeto ao
sujeito, como o fazem os subjetivistas, mas por coordenar ambos no ato concreto do conhecer
(Foulquié, 1949).
Já na a dialética marxista, o conhecimento é totalizante e a atividade humana, em
geral, é um processo de totalização, que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada. Assim,
qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte de um todo. A síntese é a visão
de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se
defronta, numa situação dada. E é essa estrutura significativa − que a visão do conjunto
proporciona − que é chamada de totalidade (Konder, 1992, p. 36-9).
Uma das características essenciais da dialética é o espírito crítico e autocrítico. Assim
como examinam constantemente o mundo em que atuam, os dialéticos devem estar sempre
dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar. ‘“A verdadeira tarefa do
método dialético refere-se à demolição de todos os conceitos adquiridos e cristalizados, com o
objetivo de impedir sua mumificação − devida à sua incapacidade de captar as totalidades
reais em movimento − assim como com o objetivo de considerar de forma simultânea os
conjuntos e suas partes. Por essa razão, a dialética, para dar frutos, deve ser essencialmente
antidogmática, isto é, deve eliminar qualquer tomada de posição filosófica ou científica
prévia. Enquanto método e movimento real, a dialética pertence ao domínio da existência
humana e, portanto, da existência social (Gurvitch, 1987; Konder, 1992).
Princípio metodológico da investigação dialética da realidade social é o ponto de vista
da totalidade concreta, que antes de tudo significa que cada fenômeno pode ser compreendido
como momento de todo. Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é
examinado como momento de um determinado todo.
O ENFOQUE DA FENOMENOLOGIA
A fenomenologia, diferentemente de todos os sistemas filosóficos anteriores, busca
compatibilizar-se com o mundo pela descrição acurada de todos os seus aspectos, como
aparecem na consciência do objeto. Recusa-se a aceitar, de forma cabal, a validade de
qualquer esquema conceitual, racionalista ou qualquer outro, e questiona, igualmente, os
resultados empíricos de todas as ciências positivas. É uma filosofia que duvida da veracidade
de todo conhecimento aceito, socialmente, até que seja inteiramente confirmado por um
método que enfatize a consciência dos observadores (Gorman, 1979).
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A fenomenologia surgiu como uma contestação ao método experimental. Husserl,
proponente da fenomenologia aqui apresentada, nega a existência tanto do sujeito quanto do
mundo, como puros e independentes um do outro. Afirma que o homem é um ser consciente e
que a consciência é sempre intencional, ou seja, ela não existe independentemente do objeto,
mas é sempre consciência de algo. Para Forghieri (1984, p.15) “A fenomenologia não é um
conjunto de ensinamentos, mas um método que pretende chegar ao fenômeno por visão
categorial, para captar a sua essência.”
A idéia de intencionalidade da fenomenologia exclui o idealismo. “A intenção de
Husserl com a fenomenologia foi sempre a de encontrar uma base, um fundamento, para
qualquer enunciado das ciências positivas. Esse desiderato implica a convicção de que as
afirmações das ciências precisam de um fundamento, ou seja, que não o possuem em si
mesmas. Tal coisa não quer dizer que as ciências devem ser rejeitadas, mas que no cultivo
delas se acham latentes e estão, em princípio, já respondidas muitíssimas questões, se bem
que as ciências, em si, nem sequer as possam pôr” (Luijpen, 1973, p. 109).
Na realidade, enquanto atitude livremente assumida na investigação teórica, a redução
fenomenológica não implica nem uma anulação nem uma construção: deve ser assumida pura
e simplesmente como uma modificação do olhar, dirigida para a investigação da própria
existência natural (Bonomi, 1974).
Na visão de Cupani (1985, p. 29) “A fenomenologia pode ser entendida como um
estilo de pensamento desenvolvido em função de certas objeções à visão tradicional da
ciência, particularmente quando nessa visão aparecem acentuados os pontos de vista
positivistas (...)”. A fenomenologia pretende fundamentar todas as suas afirmações em dados.
O que eqüivale dizer que ela quer ser um procedimento continuamente intuitivo, que aceita
qualquer outro recurso tão somente na medida em que se apoie na intuição. O princípio
fundamental do método fenomenológico requer que alguns processos conscientes da pessoa
sejam reconhecidos como dados genuínos, já que são frutos de percepção reflexiva.
Forghieri (1984) acredita que a fenomenologia enfrenta, a respeito do sentido da
existência, três questões fundamentais. A primeira separa a fenomenologia das filosofias do
absurdo, e a aproxima, por motivos diferentes, do positivismo e do idealismo. O pressuposto
básico da fenomenologia é que há sentido na existência; que o sentido está em questão nas
outras questões; que todas as outras questões começam por ser uma questão semântica. Com a
segunda, a fenomenologia está preocupada em evitar o reducionismo e a identificação do
sentido a uma de suas expressões. No contexto de um confronto com o materialismo histórico,
trata-se de reconhecer que não há sentido apenas no econômico ou em função dele, mas em
todos os outros elementos da estrutura sócio-cultural. A terceira questão nos leva a reconhecer
que há mais sentido além do que podemos constatar, imaginar ou desejar. Especialmente, em
relação à história, a fenomenologia não se contentará com a perspectiva do processo mas
introduz a do projeto que abre diante de nós um horizonte praticamente inatingível.
Ao investigarmos fenomenologicamente o mundo do senso comum, a realização de
uma época nas teses constitutivas do próprio mundo da vida, somos capazes de compreender,
cientificamente, o comportamento social. Tal análise, entretanto, não é realizada a partir da
realidade suprema, pois isso requer que duvidemos sistematicamente de todas as coisas que o
estilo cognitivo da realidade suprema aceita indiscutivelmente. A ciência é uma esfera de
significado alcançável por qualquer um disposto a se divorciar do mundo do senso comum.
A fenomenologia consiste numa atenção especial aos fenômenos com o propósito de
vê-los e entendê-los melhor mediante uma descrição cuidadosa. Não se propõe, porém,
explicar nada, especialmente se explicar consiste em referir os fenômenos (o dado) a
elementos que não se apresentam à consciência. Sua afirmação de uma convicção absoluta
não é científica. Além do mais baseia-se na pressuposição de um ego puro que é um postulado
metafísico. Implica uma uniformidade de vida mental que não pode ser provada. Seus
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critérios de evidência interior são apenas um teste subjetivo, que reivindica injustamente a
objetividade. Seus julgamentos que são alcançados pela contemplação da natureza das coisas,
não são suscetíveis de prova. Assim, se uma afirmação feita por um fenomenologista não é
aceita como evidente por outra pessoa, ele apenas tem que acusar o seu oponente de uma
contemplação imprecisa, mas não tem maneira pela qual convencê-lo da validade de sua
afirmação. Husserl afirma, as descobertas empíricas são irrelevantes para a fenomenologia, já
que a redução fenomenológica tem de excluir todos os julgamentos sobre a realidade empírica
(Cupani, 1985; Gorman, 1979).
A abordagem fenomenológica à ciência natural é relativamente direta e explícita,
principalmente porque os objetos de estudo não-humanos não existem num estado consciente
e capaz de atribuir significados. Os fenomenologistas aceitam, prontamente, que a maioria do
conhecimento compreende o corpo de pesquisa científica natural, de acordo com o seu valor
real: como descrições quantitativas, baseadas em critérios explícitos de mensuração de um
segmento limitado de fenômenos. “A partir da perspectiva fenomenológica, o método
científico empírico é interpretado, então, como um instrumento desenvolvido e utilizado
apenas para facilitar investigações específicas, não tendo em si mesmo nenhum valor
necessário ou a priori” (Gorman, 1979, p.153-4).
A idéia de intencionalidade da fenomenologia exclui o idealismo. A intenção de
Husserl com a fenomenologia foi sempre a de encontrar uma base, um fundamento, para
qualquer enunciado das ciências positivas. Esse desiderato implica a convicção de que as
afirmações das ciências precisam de um fundamento, ou seja, que não o possuem em si
mesmas. Tal coisa não quer dizer que as ciências devem ser rejeitadas, mas que no cultivo
delas se acham latentes e estão, em princípio, já respondidas muitíssimas questões, se bem
que as ciências, em si, nem sequer as possam pôr. Se a fenomenologia se limita a pesquisar o
dado à consciência, o que se manifesta, também é verdade que a fenomenologia concebe a
consciência como uma entidade que se refere sempre, por sua própria natureza, a outra coisa
diferente dela mesma.
A PESQUISA QUALITATIVA
O advento e interesse dos estudiosos sociais em desenvolverem estudos que lhes desse
condições reais de aprofundarem seus trabalhos desprovido de uma visão cartesiana e linear,
fez crescer o interesse pelos estudos de cunho qualitativos. O principal descontentamento
desses pesquisadores está no fato do tratamento matemático e estatístico dos problemas
sociológicos. Para tanto, passaram a administrar métodos que lhes possibilitasse cientificidade
em seus estudos, bem como a imersão nos fatores que podiam ser mascarados quando do uso
de indicadores estritamente quantitativos. A luta dos adeptos da pesquisa qualitativa recaia
diretamente na não aceitação do determinismo mecanicista de Laplace e mecanicista da física
Newtoniano, herdada do positivismo. Desta luta, que perdura até os nos dias, se deu
gradativamente o divórcio dos estudos sociológicos do enfoque positivista da ciência.
Apesar da crescente popularidade da pesquisa qualitativa ainda parecem existir muitas
dúvidas sobre o que realmente caracteriza uma pesquisa qualitativa, quando é ou não
adequado utilizá-lo e como se coloca a questão do rigor científico nesse tipo de investigação.
Outro aspecto que também parece gerar ainda muita confusão é o uso de termos como
pesquisa qualitativas, etnográfica, naturalística, participante, estudo de caso e estudo de
campo, muitas vezes empregados indevidamente como equivalentes.
A priore o método qualitativo difere do quantitativo à medida que não emprega um
instrumento estatístico como base do processo de análise de um problema. Não pretende
numerar ou medir unidades ou categorias homogêneas. Em princípio, podemos afirmar que,
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em geral, as investigações que se voltam para uma análise qualitativa têm como objeto
situações complexas ou estritamente particulares. Segundo Good e Hatt (apud. Richardson,
p.38) “a pesquisa moderna deve rejeitar como uma falsa dicotomia a separação entre estudos
qualitativos e quantitativos, ou entre ponto de vista estatístico e não estatístico. Além disso,
não importa quão precisa sejam as medidas, o que é medido continua a ser uma qualidade”.
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a
complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender
e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de
mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o
entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos.
Nas pesquisas de cunho qualitativo, tanto a delimitação quanto a formulação do
problema possuem características próprias. Ambas exigem do pesquisador a imersão no
contexto que será analisado. A análise do passado e do presente são cruciais para que haja
uma maior isenção do investigador ao fenômeno social que pretende desvendar. O problema
decorre de um processo indutivo que se define e se delimita na exploração dos contextos
sociais e ecológicos em “loco”. Para tanto, a delimitação é feita em campo onde a questão
inicial é explicitada, revista e reorientada a partir do contexto e das informações das pessoas
ou grupos envolvidos na pesquisa.
Assim, o estudioso social, na pesquisa qualitativa necessita estar isento de julgamentos
antecipados do fenômeno em pauta. Este estado de isenção facilita a visão global do
fenômeno estudado. Da mesma forma, a participação do mesmo torna-o apto para imergir no
contexto, haja vista a sua conduta participante na vida e nos problemas das pessoas,
identificando e formulando estratégias que lhe possibilite superar os obstáculos que
interferem na ação dos sujeitos.
Sob o ponto de vista dos pesquisados, a noção básica neste tipo de estudo é a imersão
dos mesmos como sujeitos ativos que elaboram conhecimentos e produzem práticas
adequadas para intervir nos problemas que se identifica. Isto se dá, geralmente, pela
percepção errônea que os pesquisados podem ter dos objetivos pelo qual estão sendo
estudados, buscando com isto, mascararem suas ações, afim de se resguardarem. O
importante, nisso tudo, é que crie um clima que possibilite o pesquisador e os pesquisados
trabalharem em sintonia de modo a se obter o sucesso desejado.
Por outro lado, os dados nas pesquisas qualitativas ultrapassam a barreira do momento
estático, indicando, sim, aspectos dinâmicos ao longo do tempo em que se realizou o estudo.
Há uma necessidade tácita de se descobrir os fatos em a sua essência, pois só assim é possível
se conseguir a participação em “loco” e integrado do fenômeno analisado. Da mesma forma,
as técnicas utilizadas, neste método de interpretação social, visam a descoberta de fenômenos
latentes, tais como observação participante, história ou relatos de vida, análise de conteúdo,
entrevista não diretiva, dentre outros.
De acordo com Lüdke (1986, p.11-3) o conceito de pesquisa qualitativa apresenta
cinco características básicas:
1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o
pesquisador como seu principal instrumento. Para tanto, a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e
prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra
através do trabalho intensivo de campo. Como os problemas são estudados no ambiente em que eles
ocorrem naturalmente, sem qualquer manipulação intencional do pesquisado, esse tipo de estudo é
também chamado de naturalistico. Assim, todo o estudo qualitativo é também naturalistico.
2. Os dados coletados são predominantemente descritivos. O materialismo obtido nessas
pesquisas é rico em descrições de pessoas, situações, acontecimentos; inclui transcrições de entrevistas
e de depoimentos, fotografias, desenhos e extratos de vários tipos de documentos. Todos os dados da
realidade são considerados importantes. O pesquisador deve, assim, atentar para o maior número
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possível de elementos presentes na situação estudada, pois um aspecto supostamente trivial pode ser
essencial para a melhor compreensão do problema que está sendo estudado.
3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto. O interesse do
pesquisador ao estudar um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos
procedimentos e nas interações cotidianos.
4. O significado que as pessoas dão as coisas e à sua vida são focos de atenção especial do
pesquisador. Nesses estudos há sempre uma tentativa de capturar a “perspectiva dos participantes”, isto
é, a maneira como os informantes encaram as questões que estão sendo focalizadas. Ao considerar os
diferentes pontos de vista dos participantes, os estudos qualitativos permitem iluminar o dinamismo
interno das situações, geralmente inacessível ao observador externo. A discussão é aberta e franca com
os participantes, podendo-se inclusive confrontar os resultado obtidos com dos outros pesquisadores
para que haja ou não a confirmação das descobertas ou constatações.
5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo. Os pesquisadores não se
preocupam em buscar evidências que comprovem hipóteses definidas antes do início dos estudos. As
abstrações se formam ou se consolidam basicamente a partir da inspeção dos dados num processo de
baixo para cima.
O fato de não existirem hipótese ou questões específicas formuladas a priori não
implica a inexistência de um quadro teórico que oriente a coleta e a análise dos dados. O
desenvolvimento do estudo aproximasse a um funil: no início há questões ou focos de
interesse muito amplos, que no final se tornam mais diretos e específicos. O pesquisador vai
precisando mulher esses focos à medida que o estudo se desenvolve.
A pesquisa qualitativa ou naturalística envolve a obtenção de dados descritivos,
obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do
que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes.
Entre as diversas formas que pode assumir uma pesquisa qualitativa, duas se
destacam: a pesquisa do tipo etnográfico e o estudo de caso. Um teste bastante simples para
determinar se um estudo pode ser chamado de etnográfico, segundo Wolcott (apud. Ludke,
p.14) “é verificar se a pessoa que lê esse estudo consegue interpretar aquilo que ocorre no
grupo estudado tão apropriadamente como se fosse um membro desse grupo”. Já para Wilson
(apud. Ludke, p. 15) “a pesquisa etnográfica fundamenta-se em dois conjuntos de hipóteses
sobre o comportamento humano: A hipótese naturalista-ecológica, que afirma ser o
comportamento humano significativamente influenciado pelo contexto em que se situa. A
hipótese qualitativo-fenomenológica, que determina ser quase impossível entender o
comportamento humano sem tentar entender o quadro referencial dentro do qual os indivíduos
interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações”. O pesquisador deve tentar encontrar
meios para compreender o significado do manifesto e latente dos comportamentos dos
indivíduos, ao mesmo tempo que procura manter sua visão objetiva do fenômeno.
Por sua vez, o estudo de caso é sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos
claramente definidos no desenrolar do estudo. O caso pode ser similar mas ao mesmo tempo
distinto, pois tem um interesse próprio e singular. O estudo de caso se destaca por se
constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo. As características do estudo de
caso, na visão de Ludke (1986) são as seguintes:
1) Os estudos de caso visam à descoberta. Mesmo que o investigador parta de alguns
pressupostos teóricos iniciais, ele procurará se manter constantemente atento a novos elementos que
podem emergir como importantes durante o estudo. O quadro teórico inicial servirá assim de esqueleto,
de estrutura básica a partir da qual o novo aspectos poderão ser detectados, novos elementos ou
dimensões poderão ser acrescentados, na medida em que o estudo avance.
2) Os estudos de caso enfatizam a “interpretação em contexto”. Um princípio básico desse tipo
de estudo é que, para uma apreensão mais completa do objeto, é preciso levar em conta o contexto em
que ele se situa. Para compreender melhor a manifestação geral de um problema, as ações, as
percepções, os comportamentos e as interações das pessoas devem se relacionadas à situação específica
onde ocorrem ou à problemática determinada a que estão ligadas.
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3) Os estudos de caso buscam retrair a realidade de forma completa e profunda. O pesquisador
procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação ou problema,
focalizando-o como um todo. Esse tipo de abordagem enfatiza a complexidade natural das situações,
evidenciando a inter-relação dos seus componentes.
4) Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informação. O pesquisador recorre a
uma variedade de dados, coletando em diferentes momentos, em situações variadas e com uma
variedade de tipos de informantes.
5) Os estudos de caso revelam experiência vicária e permitem generalizações naturalistas. O
pesquisador procura relatar as suas experiências durante o estudo de modo que o leitor ou usuário
possa fazer as suas “generalizações naturalísticas.
6) Estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista
presentes numa situação social. Quando o objeto ou situação estudados podem suscitar opiniões
divergentes, o pesquisador vai procurar trazer para o estudo essa divergência de opiniões, revelando
ainda o seu próprio ponto de vista sobre a questão. Desse modo é deixado aos usuários do estudo
tirarem conclusões sobre esses aspectos contraditórios. O pressuposto que fundamenta essa orientação
é o de que a realidade pose ser vista sob diferentes perspectivas, não havendo uma única que seja a
mais verdadeira.
7) Os relatos do estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do que os
outros relatórios de pesquisa. Os dados do estudo de caso podem ser apresentados numa variedade de
formas, tais como dramatizações, desenhos, fotografias, colagens, slides, discussões, mesas-redondas,
dentre outros. Os relatos escritos apresentam, geralmente, um estilo informal, narrativo, ilustrado por
figuras de linguagem, citações, exemplos e descrições. A linguagem busca aproximar-se do
entendimento do leitor.
O desenvolvimento de um estudo de caso caracteriza-se pelo desenvolvimento de três
fases: uma primeira aberta ou exploratória, uma segunda mais sistemática em termos de coleta
de dados e a terceira consistindo na análise e interpretação dos dados e na elaboração do
relatório (Nisbet e Watt Apud. Ludke, 1986, p. 21).
Na fase exploratória o estudo de caso começa como um plano muito incipiente, que
vai se delineando mais claramente à medida que o estudo se desenvolve. Podem existir
inicialmente algumas questões ou pontos críticos que vão sendo explicitados, reformulados ou
abandonados na medida em que se mostrem mais ou menos relevantes na situação estudada.
Na fase de delimitação do estuo - uma vez identificados os elementos-chave e os
contornos aproximados do problema, o pesquisador pode proceder à coleta sistemática de
informações, utilizando instrumentos mais ou menos estruturados, técnicas mais ou menos
variadas, sua escolha sendo determinada pelas características próprias do objeto estudado.
A importância de determinar os focos da investigação e estabelecer os contornos do
estudo decorre do fato de que nunca será possível explorar todos os ângulos do fenômeno
num tempo razoavelmente limitado.
A análise sistemática e a elaboração do relatório - nesta fase exploratória do estudo
surge a necessidade de juntar a informação, analisá-la e torná-la disponível aos informantes
para que manifestem suas reações sobre a relevância e a acuidade do que é relatado.
No que diz respeito a procedimentos metodológicos, as pesquisas qualitativas de
campo exploram particularmente as técnicas de observação entrevista devido à propriedade
com que estas penetram na complexidade de um problema. As pesquisas documentárias
exploram a análise de conteúdo e a análise histórica. A observação, quando adequadamente
conduzida, pode revelar inesperados e surpreendentes resultados que, possivelmente, não
seriam examinados em estudos que utilizassem técnicas diretivas (Richardson, 1985).
Com a observação podem-se obter informações sobre fenômenos novos e inexplicados
que, de certo modo, desafiam a nossa curiosidade. E, com respeito a esse tipo de observação,
podemos dizer que sua função é descobrir novos problemas. Outro aspecto de importante
aplicação metodológica da observação é quando se deseja compreender o campo de atividade
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humana. Para isso, deve-se organizar um conjunto de informações ligadas a um sistema
descritivo e, em seguida, aplicar categorias já levantadas por pesquisadores e proceder a
posteriores estágios de análises.
Como se pode verificar, os problemas que suscitam análise qualitativa exigem do
pesquisador trato especial na condução das observações e habilidades quanto ao uso ou
criação das categorias, pois, mesmo que se obtenha um conjunto de observações bastante
amplo e não se tomem como referencial certas categorias, é quase certo que sejam
encontradas dificuldades quando da análise ordenada das informações.
Para explicitar o ciclo do processo seguido pela pesquisa, ressalta-se, desde o início, a
necessidade de se descrever, tanto quanto possível, o produto que deve ser desenvolvido. A
descrição deve incluir narração sobre o que é o produto proposto, modalidades de sua
aplicação e, mais especificamente, seus objetivos (Richardson, 1985, p.41).
Quanto a pesquisa documentária, a análise de conteúdo é, talvez, a mais apaixonante.
A análise de conteúdo utiliza como material de estudo qualquer forma de comunicação,
usualmente documentos escritos, como livros, periódicos, jornais, mas também pode recorrer
a outras formas de comunicação, como programas de radiodifusão, música e pintura. Em sua
dimensão mais geral, a análise de conteúdo trata de descrever os conteúdos segundo a forma e
o fundo. A análise da forma estuda os símbolos empregados, isto é, as palavras ou temas que
são, inicialmente, selecionados e, então, verifica-se a freqüência relativa de sua aparição em
uma obra ou em diferentes tipos de comunicação (Richardson, 1985).
Para complementar esse trabalho, selecionou-se alguns fatores, sobre a ótica de vários
autores, que distinguem os métodos qualitativos e quantitativos de se realizar estudos
científicos, já que não um limite definido entre ambos.
Confiabilidade: esse critério indica a capacidade que devem ter os instrumentos
utilizados de produzir medições constantes quando aplicados a um mesmo fenômeno. A
confiabilidade externa refere-se à possibilidade de outros pesquisadores, utilizando os
mesmos instrumentos, observarem os mesmos fatos e a confiabilidade interna refere-se à
possibilidade de outros pesquisadores fazerem as mesmas relações entre os conceitos e os
dados coletados com os mesmos instrumentos.
No método qualitativo, existe uma relação muito próxima entre pesquisador e
imformante, o que possibilita informações detalhadas; as inferências são superficiais,
descrevendo-se em detalhe o concreto; é comum o uso de gravador para registrar entrevistas e
observações para análise posteriores. Em relação à confiabilidade interna, o método
qualitativo apresenta problemas na identificação das categorias utilizadas e na codificação dos
dados, particularmente pela complexidade do real ou concreto. No método quantitativo, a
confiabilidade é maior, pois utiliza instrumentos para padronizados e só alguns aspectos de
um fenômeno. Já no método quantitativo, as perguntas dos questionário ou entrevista são
formuladas clara e detalhadamente; mantém-se o anonimato do entrevistado para evitar
distorções nas respostas; as definições são precisas e se operacionalizam com indicadores
específicos.
A validez indica a capacidade de um instrumento produzir medições adequadas e
precisas para chegar a conclusões corretas, assim como a possibilidade de aplicar as
descobertas a grupos semelhantes não incluídos em determinada pesquisa. A validez interna
refere-se à exatidão dos dados e à adequação das conclusões. A validez externa refere-se à
possibilidade de generalizar os resultados a outros grupos semelhantes. No método
quantitativo, a validez interna pode ser assegurada pela identificação de diversos indicadores,
justificando-se a sua relação com os conceitos que serão medidos. A adequação das
conclusões tenta ser obtida relacionando estatisticamente variáveis causas (independentes) e
variáveis efeitos (dependentes). No método qualitativo, o pesquisador obtém “medições” que
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apresentam maior validez interna, pois as observações não estruturadas permitem conhecer
detalhes que os instrumentos estruturados (questionários) não podem obter.
Em relação à validez externa, o método quantitativo baseia o seu poder de
generalização na escolha de uma amostra aleatória representativa de determinada população.
O tratamento estatístico dos dados permitirá aceitar ou rejeitar as hipótese de trabalho. No
método qualitativo, este critério de validez externa é bastante questionado, pois supõe que a
conduta humana apresenta parâmetros estáveis e que populações com características
determinadas agirão de maneira semelhante.
CONCLUSÕES
Abordar a pesquisa qualitativa como um método de estudo utilizado nas ciências
sociais é sempre um desafio. Como se pode constatar neste paper as fronteiras que separam os
tipos de estudos quantitativos dos qualitativos não são claros. O que se pode afirmar é que em
algum momento na tarefa investigatória os mesmos se complementam. No entanto, é
relevante que o estudioso que mergulha num estudo com características qualitativas tenha um
cuidado maior que aquele que se lança na mensuração quantitativa.
É imprescindível neste caso que o pesquisador busque se separar dos pré-julgamentos
inerentes ao ser humano. Isto porque ele estará em contanto direto com os investigados,
podendo inclusive ser manipulado ou influenciado a pensar e concluir como estes querem.
Não devem portanto esquecer que tanto pesquisador quanto pesquisado ou pesquisados estão
representando papéis naquele momento. Além disso, é vital para o sucesso do trabalho
qualitativo que o investigador domine a corrente epistemológica que selecionou para o seu
estudo.
Outrossim, deve o pesquisador estar ciente das dificuldades que enfrentará nos estudos
qualitativos em decorrência do tempo necessário para execução dos trabalho, bem como da
disponibilidade e boa vontade dos pesquisados. Isto é válido inclusive para os estudo
qualitativos que trabalha com levantamentos históricos ou biográficos. Para finalizar é
relevante mencionar que mesmo apresentando todos tipos de dificuldade mencionadas neste
trabalho, acredita-se que os estudos qualitativos são as molas propulsoras do profundo
conhecimento sociológico das organizações.
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