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Documentação,
História &
Memória
Ensino Religioso ou Educação Moral e Cívica?
A participação de Guaraci Silveira na Assembléia
Nacional Constituinte de 1933/1934
Religious Education or Moral and Civic Education?
Guaraci Silveira’s participation in the National
Constitutional Assembly of 1933/1934
Vasni de Almeida
Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista –
UNESP/Franca
R e s u m o
Este estudo apresenta a atuação do deputado Guaraci Silveira enquanto representante das igrejas protestantes,
consideradas denominações minoritárias numa cultura religiosa de hegemonia católica. Contrapondo-se às propostas
articuladas pela Liga Eleitoral Católica, o reverendo metodista foi apoiado por lideranças políticas que pretendiam
garantir no texto constitucional discutido entre novembro de 1933 e julho de 1934 a laicidade do ensino conquistada
com o sistema republicano implantado no país em 1889.
Unitermos: Constituição; debate; protestantismo; catolicismo
Synopsis
The present study presents Deputy Guaraci Silveira’s work as a representative of Protestant Churches, which were considered minorities in a religious culture of Catholic hegemony. In opposition to the proposals articulated by the Catholic
Electoral League, the Methodist preacher was supported by political leaderships that intended to insure in the constitutional text discussed between November 1933 and July 1934 the educational laicity achieved with the Republic System
established in the country in 1889.
Terms: constitution; debate; protestantism; catholicism
Resumen
Este estudio presenta la actuación del diputado Guaraci Silveira como representante de las iglesias protestantes,
consideradas denominaciones minoritarias en una cultura religiosa de hegemonía católica. Al contraponerse a las
propuestas católicas articuladas por la Liga Electoral Católica, el pastor metodista fue apoyado por líderes políticos que
pretendían garantizar en el texto constitucional discutido entre noviembre de 1933 y julio de 1934 la enseñanza laica
conquistada con el sistema republicano implantado en el país en 1889.
Términos: Constitución; debate; protestantismo; catolicismo
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Introdução
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uando se debruça sobre os percursos das igrejas Presbiteriana,
Batista, Metodista, Congregacional e
Episcopal, as chamadas igrejas de
missão, segundo terminologia adotada por Gouvêa Mendonça 1 que estaremos adotando nesse trabalho, o
enfoque recai, via de regra, sobre o
seu agressivo proselitismo, sua
filantropia e principalmente sobre
suas atividades educacionais escolarizadas. As atuações políticas na área
parlamentar, ou mesmo nos diferentes estágios do poder executivo não
alcançam ainda relevo, mesmo porque não foram muitos os protestantes que assumiram compromissos
nesse campo de interação social. Os
protestantes pouco se preocuparam
em ocupar espaços na vida política
partidária do país antes de 1950, passando a disputá-los, de forma mais
incisiva, somente a partir do final da
década de 1970, quando pastores e
leigos das igrejas pentecostais visualizaram na ação política, sobretudo
no legislativo, uma possibilidade de
sustentar um status religioso cada vez
mais significativo. O jogo de forças travado na Assembléia Nacional Constituinte brasileira, reunida de novembro
de 1933 a julho de 1934, apresenta-se
como uma das poucas possibilidades
de se percorrer e analisar a postura dos
protestantes frente aos acontecimentos e fatos que marcaram a conjuntura política, econômica e religiosa brasileira nos primeiros cinqüenta anos do
século passado.
As emendas, os discursos e os
questionamentos apresentados pelo
reverendo e deputado Guaraci Sil1
2
A atenção voltada
para o Ensino
Religioso não se
restringia à laicidade
na educação escolar
Os protestantes pouco
se preocuparam em
ocupar espaços na
vida política
partidária do país
antes de 1950
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veira, quase todos voltados para a
questão do Ensino Religioso nas escolas públicas, apontam para a preocupação dos protestantes históricos
em participar mais intensivamente
da vida política nacional. A atenção
voltada para o Ensino Religioso não
se restringia à laicidade na educação
escolar, mas à possibilidade de uma
participação política ampla, estendida a temas instigantes e densamente
interligados. Os embates nos quais o
deputado se envolveu demonstram
que era possível ao protestantismo
requisitar o seu quinhão na intrincada teia política do país. Havendo
conquistado prestígio por meio da
atuação educacional, a ação políticopartidária poderia se consubstanciar
em garantias para sua manutenção.
Discorrer sobre soluções para problemas há muito tempo presentes na
sociedade brasileira – e apresentá-las
– era concebido como uma grande
oportunidade de espraiar e consolidar
uma religião que tinha dificuldades em
ser aceita somente pelo proselitismo
nas igrejas e nas escolas. Compreender a atuação protestante na questão
das “emendas religiosas” requer perceber a circularidade das intenções
sociais na especificidade de um tempo em transição.
Um período de grandes
mudanças: os elementos
em conflito
Sendo uma religião minoritária no
cenário religioso nacional, segundo
considerações de Paul Freston 2 , o
metodismo encetava grandes esforços na consecução e representação
de sua identidade religiosa, e, nesse
Antônio Gouvêa Mendonça; Prócoro Velasques Filho. Introdução ao protestantismo no Brasil , 1990, p. 27-46.
Paul Freston. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao Impeachment, 1993, p. 56-63.
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sentido, a elaboração da Constituição
Federal se apresentava como uma
rara oportunidade de angariar prestígio e respeitabilidade por meio da
ação parlamentar, ainda que as ações
políticas não se resumissem à defesa dos interesses institucionais. Os
acordos, os conflitos, as derrotas
sofridas são interpretadas aqui como
uma configuração capaz de visualizar
os protestantes como integrantes ativos de uma sociedade em fase de
transição, que sofria as tensões e
desequilíbrios que acometem grupos
e indivíduos ante os processos de
mudanças iminentes. O Ensino Religioso nas escolas públicas, tema que
suscitou e possibilitou a um reverendo falar em nome do protestantismo,
manifesta as diferentes intenções das
instituições sociais brasileiras em
conflito na conturbada década de
1930. As celeumas que colocaram, de
um lado, positivistas, socialistas,
maçons e grande parcela dos liberais
e, de outro, os religiosos e intelectuais
católicos giraram em torno da proposta de se instaurar o Ensino Religioso facultativo nas escolas públicas,
sendo que, no conteúdo do enunciado, residem os elementos de discórdia: a laicidade do ensino e a consolidação do Estado republicano,
compreendido como autônomo em
relação à religião. Anísia de Paula
Figueiredo lembra que as polêmicas
eram ainda instigadas ideologicamente por dois grupos comprometidos com os rumos da educação no
país: os “Pioneiros da Educação”,
movimento agregador tanto de liberais quanto de positivistas e socialistas, e os intelectuais defensores do
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A elaboração da
Constituição Federal
se apresentava como
uma rara
oportunidade de
angariar prestígio e
respeitabilidade
As celeumas giraram
em torno da proposta
de se instaurar o
Ensino Religioso
facultativo nas
escolas públicas
Os socialistas e
comunistas
procuravam atrair os
operários e os
trabalhadores rurais
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pensamento católico, dentre eles
Jackson de Figueiredo, Sobral Pinto,
Jonathas Serrano, Everardo Backreuser
e Alceu Amoroso Lima, ardorosos críticos do liberalismo e do positivismo3 .
Os interesses emblematizados na
proposta evocam uma disputa filosófica e religiosa, há tempos rondando
o livre pensamento brasileiro, com os
desdobramentos nela ocultos respingando nas diversas esferas do poder.
Para a compreensão das polêmicas
instauradas na Constituinte é necessário ter em mente a conjuntura política e religiosa do período em foco.
Em 1930, o país passara por um movimento revolucionário que diminuíra a influência dos grandes cafeicultores, introduzindo em cena camadas
sociais urbanas dispostas a participarem das tomadas de decisões políticas, entre elas os operários, os
comerciantes, os industriais e os profissionais liberais. Em 1932, a sociedade brasileira presenciou a “guerra
paulista”, extensão dos descontentamentos das camadas médias e de
antigos cafeicultores com a crescente concentração de poder do Governo
Provisório comandado por Getúlio
Vargas4 . Capitaneando o descontentamento com as tendências autoritárias
do novo governo, os socialistas e comunistas procuravam atrair os operários
e os trabalhadores rurais, enquanto os
partidos liberais, nacionalistas e mesmo as antigas agremiações republicanas tentavam atrair os empresários urbanos e os profissionais liberais5 .
No campo religioso, é preciso não
esquecer as reformulações e reafirmações teológicas da Igreja Católica
quanto às transformações sociais e
Anísia de Paulo Figueiredo. Ensino religioso: tendências, conquistas, perspectivas
perspectivas, 1995, p. 51-52.
Boris Fausto. História concisa do Brasil , 2001, p.192.
Vamireh Chacon. História dos partidos brasileiros: discursos e praxis de seus programas , 1998, p. 115-134.
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econômicas em curso desde o final
do século XIX. Sabe-se que as mudanças nas relações sociais, no trabalho,
na ciência traziam grandes preocupações para a hierarquia do catolicismo, traduzidas em constantes ressalvas contra a “modernidade” ou
“modernismos” 6 .
O protestantismo brasileiro estava atento aos temas que circundavam
instituições que debatiam os rumos
a serem tomados pelo país, atenção
essa que levou Guaraci Silveira a se
aliar aos adversários históricos do
catolicismo, já que a quebra da
hegemonia católica implicava a
fomentação de uma diversidade religiosa que em muito os beneficiava.
A atuação de um protestante em conjunto com socialistas, maçons e
positivistas buscava romper o predomínio cultural católico do período.
Esse rompimento apontava para um
tempo em que a pluralidade religiosa teria presença marcante.
A diversidade religiosa, há várias
décadas proporcionada por meio da
organização do espiritismo, das religiões afro-brasileiras e do protestantismo, ganhou um pouco mais de
visibilidade política quando as
“emendas religiosas” começaram a
passar pelo crivo dos parlamentares, quando as sessões constituintes
foram iniciadas no final de 1933. A
celeuma quanto ao Ensino Religioso nas escolas públicas durante a
Constituinte de 1933/1934 revela-se
uma janela na qual é possível
visualizar uma disputa encetada na
tentativa de se apresentar a crença
religiosa que seria mais viável para
a sociedade.
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A emenda apresentada
Isnard Rocha informa
que Guaraci Silveira
nasceu em Franca, SP,
em setembro de 1893
O protestantismo
brasileiro estava
atento aos temas que
circundavam
instituições que
debatiam os rumos a
serem tomados pelo
país
Segundo Paul Freston,
Guaraci Silveira foi o
único deputado
protestante eleito
para a Constituinte de
1933/1934
Isnard Rocha informa que Guaraci
Silveira nasceu em Franca, SP, em
setembro de 1893. Seus primeiros
estudos foram realizados em Ribeirão Preto, SP, onde também trabalhou em diversas casas comerciais.
Mudando-se com seus pais para
Lorena, no Vale do Paraíba, SP, fez o
curso secundário, posteriormente
ingressando num “seminário católico romano a fim de se preparar para
a carreira sacerdotal e chegou mesmo a ser seminarista maior”. Convertido ao metodismo, formou-se em
Ciências e Letras e em Teologia na
escola metodista “O Granbery”. Ordenado pastor em 1921, atuou em
várias igrejas da capital e do interior
do Estado de São Paulo. Em 1933, foi
eleito deputado federal pelo Partido
Socialista Brasileiro (PSB), o que o
levou a “ausentar-se por algum tempo do trabalho pastoral ativo”. Aposentado do trabalho pastoral em
1937, foi “nomeado funcionário do
Departamento Estadual do Trabalho”, exercendo atividades públicas
em Taubaté, Sorocaba e Santos, SP.
Em 1945, foi novamente eleito deputado federal, dessa vez pelo Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB). Foi
membro da Associação Paulista de
Imprensa e por muitos anos redator
do jornal “O Expositor Cristão, órgão
oficial da Igreja Metodista”. Faleceu
em agosto de 1953.7
Segundo Paul Freston, Guaraci
Silveira foi o único deputado protestante eleito para a Constituinte de
1933/1934. Embora sem ser o candidato “oficial” das igrejas, soube cana-
José Comblin. Cristãos rumo ao século XXI
XXI, 1996, p. 23-24.
Isnard Rocha. Pioneiros e bandeirantes do metodismo no Brasil , 1967, p. 207-211.
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lizar o potencial eleitoral dos protestantes, ainda que estes representassem pouco mais de 2% da população
do país. Os jornais denominacionais
prestaram um excelente serviço na
divulgação do seu nome, publicando
artigos em que polemizava com a bancada paulista na Assembléia Constituinte, apoiada pela Liga Eleitoral Católica (LEC). Freston afirma que em
“termos constitucionais, sua presença provavelmente fortaleceu o elemento anti-clerical que conseguiu não
derrubar, mas atenuar”. De 1945 a
1951, quando novamente ocupou a
cadeira de deputado federal, a esfera
político-partidária brasileira conheceu um “Guaraci Silveira menos laico
e mais religioso”, com suas preocupações migrando do campo das questões religiosas denominacionais para
o da justiça social.8
Se nos últimos anos de vida pública Guaraci Silveira amainara sua
crítica ao poderio cultural, social e
político do catolicismo, o mesmo não
acontecera na Constituinte de 1993/
1934. O reverendo estava bem atento em 16 de novembro de 1933, quando foi apresentado em plenário o texto do Anteprojeto da Constituição
Brasileira sobre o Ensino Religioso
nas escolas públicas, elaborado pelos técnicos do Governo Provisório.
No Título XI (Da cultura e do ensino),
Inciso 8º, o Presidente da Mesa, deputado Antônio Carlos, leu a seguinte redação a respeito:
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A comissão encarregada de esboçar o texto relativo ao Ensino Religioso nas escolas públicas justificou os
termos empregados e as intenções
explícitas e implícitas por meio do
Programa da Liga Eleitoral Católica. As
propostas da LEC sobre a educação,
que no fim se transformaram no anteprojeto constitucional, afirmavam que
o restabelecimento do Ensino Religioso se traduziria num “simples respeito à vontade da maioria da população,
que reclama a doutrinação do catecismo católico a todos os alunos, cujos
pais não tenham declarado expressamente outra crença no ato da matrícula dos filhos”, sendo “indispensável
que os princípios morais e religiosos
do catolicismo informem todo o ensino, desde os cursos primários até os
universitários, vedada, portanto, a
propaganda contra a religião do povo
brasileiro”.10
Para a LEC, a questão era óbvia:
se a maioria dos alunos das escolas
públicas era católica, era natural que
fosse garantido a ela um ensino religioso segundo os cânones do catolicismo. Quem não professasse o credo
católico apostólico romano poderia se
recusar a permanecer na sala de aula,
porém deveria ser garantida a possibilidade desse ensino aos que por ele
fizessem opção. Ressalta-se que essa
garantia incluía pagamento com verbas públicas aos professores ligados
às igrejas. O que a LEC pretendia era
resguardar na Constituição uma
hegemonia há muito tempo conquistada, contrariando os socialistas, os
positivistas convictos, os maçons e,
sobretudo, Guaraci Silveira. Esses, aos
poucos formavam uma aliança na ten-
O reverendo estava
bem atento em 16 de
novembro de 1933
A religião é matéria facultativa de ensino, nas escolas públicas, primárias, secundárias, profissionais ou normais, subordinada à confissão religiosa dos alunos.9
8
○
Paul Freston. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment
impeachment, 1993, p. 154-158.
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, p. 161.
Justificativas ao Anteprojeto Constitucional, Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1933, vol. IV, p. 325.
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Não demorou para que os protestos dos deputados católicos o interrompessem. Entre eles figuravam as
vozes de Luiz Sucupira, Frederico
Wolfenbutell e Juarez da Távora, os
seus mais ferrenhos adversários. Alegavam que aquilo não passava de um
discurso sobre Teologia e História da
Igreja e que a Constituinte estava destinada às discussões políticas. Guaraci
Silveira prontamente respondeu:
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inconveniente o que eu disser.
E continuou:
Nesse período, que teve início em
Constantino, o poder secular, sabendo que a Igreja era forte instrumento
em suas mãos, para oprimir as consciências, a ela se uniu.13
A batalha verbal contaminou a plenária a partir dessas palavras iniciais,
provocando a troca de insultos entre
os deputados afinados com o catolicismo e os socialistas, maçons e
positivistas. O fato de, logo na primeira defesa de uma emenda contrária ao
texto proposto pela LEC, Guaraci
Silveira ter trazido à baila temas como
os processos inquisitoriais, os benefícios oriundos da relação Igreja Católica e Estado e o poder do Vaticano
nos assuntos internacionais, muito
irritou os católicos que, a partir de
então, nas oportunidades que tinham
em discorrer sobre qualquer matéria,
encontravam sempre um jeito de retrucar suas afirmações.
Para Guaraci Silveira, o anteprojeto constitucional sobre o Ensino
Religioso nas escolas públicas poderia ser compreendido como palavras
“inocentes”. Na sua visão, o anteprojeto não passava de “uma forma de
opressão à consciência das crianças” 14 . Alegou que o Ensino Religioso facultativo tinha sido experimentado no Estado de São Paulo e se
revelara um “engodo”, com os professores católicos utilizando os horários de aula para a catequização, o
que contrariava a liberdade religiosa
dos alunos.
Os católicos
encontravam sempre
um jeito de retrucar
suas afirmações
No exercício do meu mandato de
Constituinte tenho a liberdade para me
dirigir à Assembléia como entender,
respeitando tão somente as observações do sr. Presidente, quando achar
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tativa de barrar os privilégios requisitados pelos católicos.
Na 24ª sessão, reunida em 13 de
dezembro de 1933, Guaraci Silveira
apresentou e defendeu uma emenda
de sua autoria relativa ao texto sobre o Ensino Religioso. Quando iniciou sua defesa, as atenções dos deputados reunidos em torno da LEC
estavam sobre ele, bem como a de
deputados socialistas, positivistas e
maçons. Com a intenção de realizar
um breve histórico sobre os primórdios do cristianismo o reverendo metodista salientou que naquele
tempo...
... o Cristianismo progrediu, destruiu a superstição, a idolatria e se
impôs. Baseando-me na frase de grande teólogo, direi que, então, os cálices
eram de madeira e os homens eram
de ouro... Era a fase gloriosa do Cristianismo. 11
○
Anais da Assembléia Nacional Constituinte
Constituinte, 1933, vol. I, p. 268.
Idem, Ibidem, p. 268.
Idem, Ibidem, p. 268.
Idem, Ibidem, p. 279.
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Guaraci Silveira receava o fato
dessa modalidade de ensino ser regularizada em escolas dominadas por
diretores e professores de crença religiosa católica, o que se traduziria
num ensino católico apostólico romano de fato. Ele não se cansava de lembrar que os protestantes, em minoria no país, não teriam como atender
os requisitos básicos para formar,
dentro das escolas, turmas de alunos
que justificassem a presença de um
religioso protestante para ministrar
as aulas de religião. Para evitar que
as religiões transformassem o Ensino Religioso em catequese, elaborou
a seguinte emenda em substituição
à proposta da LEC:
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Defendeu a idéia de
que um país moderno
somente seria
construído por meio
de um Estado e de um
ensino leigo
A partir dessa proposta, a polêmica se instaurou de vez na Assembléia Constituinte, com os socialistas,
positivistas, maçons e parcela dos liberais defendendo-a e os católicos
capitaneados pela LEC tudo fazendo
para suprimi-la.
Os signatários do texto da facultatividade gritaram que “sem religião
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não há moral”, e que essa significava
catolicismo16 . Insistiam, numa infinidade de pedidos de aparte, alegando que Guaraci Silveira era contra a
religião e que estranhavam um pastor protestante negar os ensinamentos religiosos 17 .
Tomaz Lôbo, um positivista convicto, saiu em defesa da tese de Silveira,
afirmando que a moral não era prerrogativa de católicos e defendeu a idéia
de que um país moderno somente seria construído por meio de um Estado
leigo e de um ensino leigo18 . Não demorou muito para que o católico professo Fernando Magalhães respondesse, em discurso inflamado, que ouvia
nas ruas os gritos contra “quarenta
anos de República inútil, que desperdiçou a riqueza e inutilizou a cultura,
que preparou doutores sem conta e
ensino sem crédito”19.
Na 28 ª sessão, foi a vez do então
ministro Juarez Távora defender a
interdependência entre os poderes
temporais e espirituais, afirmando ser
o “espírito religioso” necessário na formação de uma sociedade civilizada. Na
sua compreensão, os “espíritos modernos” se atiravam na fogueira “à procura de qualquer coisa nova, que os liberte das dúvidas e angústias”
provocadas pela “civilização contemporânea”20 . É Jamil Cury quem alerta
que, para a Igreja Católica da fase republicana, uma fase em que ela se viu
separada do Estado, era condição básica atuar em consonância com a lei,
desde que a lei fosse banhada pela fé21 .
Onde se diz: “A religião é matéria
facultativa nas escolas, etc”, diga-se:
“Educação Moral e Cívica é matéria
de ensino obrigatório nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais ou normais, de acordo com o
plano e texto estabelecido pela
União.”15
As polêmicas instauradas
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Eracondiçãobásica
atuaremconsonância
com a lei, desde que a
lei fosse banhada pela fé
Expositor Cristão , 06 jan.1934
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , vol. I, p. 274.
17
Idem, Ibidem, p. 277.
18
Idem, Ibidem, p. 279.
19
Idem, Ibidem, p. 282.
20
Idem, Ibidem, p. 365.
21
Carlos Alberto Jamil Cury. “Igreja Católica/educação: pressuposto e evolução no Brasil”. In Catolicismo, educação,
ciência 1991, p. 113)
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O deputado Gweyer de Azevedo,
católico de mentalidade positivista,
posicionou-se, contudo, contrariamente às propostas da LEC. Em defesa explícita da ciência enquanto elemento de inovação social, destacou
que, no conhecimento científico, algo
sempre visto com reserva no catolicismo brasileiro, residia um possível
vínculo de aproximação entre as religiões, porque esmagava “toda sorte
de superstições, na busca da verdade, que é o legítimo verbo divino,
constante na idade teocrática, na
metafísica ou na positiva”. Na sua percepção, caberia à ciência instalar o
progresso, banir o atraso e as crenças sobrenaturais, o que elevaria a
moral da sociedade. Durante o seu
discurso, os maçons e os socialistas
o interromperam com aplausos, provocando os que não concordavam
com tal ponto de vista. Denotava-se
uma cumplicidade, ainda que circunstancial, entre o pensamento protestante e a mentalidade positivista, que
acreditava repousar na ciência a solução para os males sociais que afligiam o país. O orador finalizou seu discurso afirmando ser o texto do
anteprojeto, tal como fora apresentado, uma armadilha para fortalecer a
presença católica no ensino secularizado. 22
Frederico Wolfenbutell, católico
do Partido Liberal Republicano, médico do Rio Grande do Sul e exímio
orador, saiu em defesa do Ensino Religioso nas escolas públicas, fazendo
um retrospecto da presença do catolicismo na sociedade brasileira depois
de proclamada a República. Lembrou
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No conhecimento
científico residia um
possível vínculo de
aproximação entre as
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Na década de 1930 o
metodismo brasileiro
estava envolvido num
complexo processo de
autonomia em relação
à Igreja Episcopal do
Sul, dos EUA
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que em 40 anos de republicanismo os
privilégios da Igreja Católica tinham
cessado, porém o povo brasileira era
“o que sempre foi e continuará a ser,
um povo genuinamente católico”.23
Na continuidade de seu discurso,
favorável à manutenção do texto
como fora apresentado, destacou ser
legítima a aspiração católica, pois os
protestantes, além de serem minoria,
eram “obedientes às determinações
estrangeiras”. Essa afirmação irritou
Guaraci Silveira, que o interrompeu
diversas vezes para estabelecer
contrapontos à sua argumentação.
Utilizando todos os apartes a que tinha direito, desdobrava-se para explicar que o estrangeirismo no protestantismo brasileiro estava amainando,
pois há vários anos as igrejas protestantes brasileiras estavam se separando das igrejas norte-americanas 24 , o
que de fato vinha ocorrendo com freqüência desde o início do século XX25 .
Há que se lembrar que na década de
1930 o metodismo brasileiro estava
envolvido num complexo processo de
autonomia em relação à Igreja Episcopal do Sul, dos EUA, no qual se destacavam suas lideranças nacionais:
Guaraci Silveira e César Dacorso. O
primeiro era o que mais radicalizava
quando se tratava de criticar o predomínio dos missionários norte-americanos na vida da igreja independente. O
segundo, primeiro bispo brasileiro
depois da autonomia da igreja, era
mais cauteloso quanto à postura dos
norte-americanos, porém não menos
contundente na defesa do metodismo
nacional. Depois de muitas divergências quanto aos encaminhamentos
Idem, Ibidem, p. 490.
Idem, Ibidem, p. 497.
Idem, Ibidem, p. 498.
Duncan Alexander Reily. História documental do metodismo no Brasil, 1993, p.167.
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políticos e administrativos na Igreja
Metodista autônoma, a relação entre
os dois durante muito tempo ficou
estremecida26 .
Depois de Guaraci Silveira ressaltar o processo de nacionalismo que
tomava conta das igrejas protestantes, Frederico Wolfenbutell voltou a
se manifestar criticando os contrários ao Ensino Religioso nas escolas
simplesmente por desconfiarem das
intenções da hierarquia católica.
Evocando o direito de todas as religiões de ensinar suas doutrinas e
crenças, procurou alinhavar o Ensino Religioso à moralidade social.
Destacou que não pedia nenhum
privilégio para o catolicismo, “senão
o direito, igual para todos, de infundir no povo brasileiro, desde a sua
segunda infância e através de sua
mocidade, o espírito religioso, para
levantar e consolidar o nível moral
de sua sociedade...” 27 . A imbricação
entre o espírito religioso e moralidade
defendida por Wolfenbutell remete às
considerações de José Scampini
quando este destaca que a tentativa
dos católicos não era realmente vincular Estado e Igreja, mas deixar claro a futuros legisladores o direito das
religiões no ensino da esfera pública, o que tinha sido tolhido em
189128 .
Apesar de o texto do anteprojeto
traduzir as intenções religiosas e culturais do catolicismo brasileiro, os
deputados com ele identificados procuravam aprimorá-lo, tanto para acalmar os seus críticos quanto para ga-
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rantir o máximo de direitos públicos.
Coube a Wolfenbutell apresentar o
seguinte substitutivo para contemplar interesses não inseridos na redação inicial:
Frederico
Wolfenbutell voltou a
se manifestar
criticando os
contrários ao Ensino
Religioso nas escolas
A modificação visava
contornar aquilo que
poderia se tornar um
problema para os
católicos
O ensino religioso é ministrado de
acordo com os princípios da confissão
religiosa dos alunos, sendo a sua freqüência facultativa.29
O substitutivo trocava a frase “A
religião é matéria facultativa de ensino...”, proposta na redação inicial da
LEC, pela frase “O ensino religioso é
ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa...”. A modificação visava contornar aquilo que
poderia se tornar um problema para
os católicos. Caso o texto continuasse como antes, daria margem para
que diretores de escolas discordantes das suas orientações optassem
ou não pelo Ensino Religioso enquanto disciplina específica e não era isso
que a hierarquia católica almejava. O
que ela pretendia era o Ensino Religioso enquanto disciplina obrigatória na grade curricular de todas as
escolas, sendo a freqüência dos alunos facultativa, segundo as orientações religiosas.
Os católicos cuidavam para que
os serviços que a igreja prestava ao
país desde o Período Colonial fossem
garantidos em sua plenitude na Constituição a ser promulgada, o que revelava um desejo de “reordenar a
Nação dentro do projeto de cristandade” 30 . Estavam convictos de que,
26
Rui de Souza Josgrilberg. “O movimento de autonomia: a perspectiva dos nacionais”. In: Duncan Alexander Reily, (org.).
História, metodismo, libertações , 1990, p.112-118.
27
Anais da Assembléia Nacional Constituinte, 1933, vol. I, p. 517.
28
José Scampuri. A liberdade religiosa nas constituições brasileiras
brasileiras, 1978, pp.154/155.
29
Idem, Ibidem, p. 524.
30
Carlos Roberto Jamil Cury. “Igreja Católica/educação: pressupostos e evolução no Brasil. In: Vanilda Paiva (org.). Catolicismo, educação, ciência , 1991, p 112.
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pelo fato desses direitos serem estendidos às outras religiões, sua influência cultural não seria diminuída, já
que era a religião hegemônica do
país. Para os protestantes, por outro
lado, os textos sobre religião, caso
fossem aprovados do jeito que foram
enviados pelo Governo e aprimorados pelas emendas dos deputados
católicos, trariam prejuízos para suas
igrejas, pois, ao possibilitar por lei a
presença religiosa católica em escolas, presídios e hospitais, de acordo
com a opção do público presente
nestas instituições, perpetuava-se
uma hegemonia que não permitia
muitas brechas para suas ações. O
que estava em curso na Assembléia
Constituinte, tanto do lado dos católicos quanto do lado de Guaraci
Silveira, era uma vigorosa investida
para garantir espaços de influência
na cultura brasileira.
Depois de ouvir atentamente as
propostas de Wolfenbutell, Guaraci
Silveira solicitou a palavra para responder aos inúmeros apartes que o
impediram de finalizar o seu discurso inicial em defesa de sua emenda
sobre a Educação Moral e Cívica
como disciplina a substituir o Ensino Religioso. Como sempre ocorria
com qualquer um que discordasse
dos interesses católicos, a fala de
Guaraci Silveira foi entrecortada de
apartes e pedidos de considerações,
o que o impedia de continuar a estratégia de defesa de suas intenções.
Para conseguir ir adiante, sem cair na
armadilha de responder todas as indagações, o que certamente o desviaria do objetivo principal, o deputado
aproveitava todas os questionamen31
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tos para polemizar com os deputados
da LEC, e, com a ajuda dos adversários políticos dos que com ele discutiam, discursava sobre temas caros aos
protestantes no período, como a liberdade de crença, a separação Igreja/
Estado, o ensino leigo, razão e modernidade. Guaraci Silveira, que teve ao
seu lado o socialista Zoroastro Gouveia
provocando os católicos, separou e leu
em plenário textos de historiadores da
Igreja Católica que criticavam a incidência do poder civil no cristianismo
nascente, o que deixava irritados seus
adversários, eternos defensores da
imbricação entre religião e Estado.31
Depois de apresentar sua proposta de substituição da disciplina Ensino Religioso pela Educação Moral e
Cívica e muito discutir com os deputados católicos, Guaraci Silveira novamente externou o seu receio com
a predominância religiosa católica no
sistema de ensino público brasileiro:
Podereis vós compreender, Sr.
Presidente, Srs. Constituintes, a humilhação de um aluno, de um
pequenino brasileiro que merece
toda a atenção de seus maiores, ao
ter que se retirar da sala de aula onde
a professora dele irá ensinar religião,
afrontando a cólera da mesma professora e adversidade dos alunos do
credo da maioria. 32
A fala de Guaraci
Silveira foi
entrecortada de
apartes e pedidos de
considerações
A preocupação de Guaraci Silveira
estava fundamentada na experiência
negativa do Ensino Religioso no Estado de São Paulo, onde, segundo o decreto governamental, a mesma professora que ministrava o ensino
formal seria a encarregada dessa
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1933, vol. I, p. 532.
Idem, Ibidem, p. 535.
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disciplina, quase sempre aulas sobre
os valores religiosos católicos. A não
obrigatoriedade ficava por conta da
retirada por livre e espontânea vontade do aluno que não professava o
credo no qual se baseava a aula. Na
visão do reverendo, isso poderia
constranger o aluno não católico,
dado que a simples retirada do aluno poderia expô-lo às brincadeiras
dos que na classe permaneciam.
Esse era um pequeno ponto a que
se agarrava, na esperança de convencer os indecisos na questão, porém o grande receio do deputado
protestante estava relacionado ao
perigo de o catolicismo voltar a ter
status de religião civil.
Depois de Guaraci Silveira usar a
palavra, foi a vez de Almeida Camargo, representante do governo
paulista, responder às alegações sobre o decreto regulamentador do
Ensino Religioso nas escolas do Estado de São Paulo. Explicou que a lei
permitia aos professores protestantes ministrarem aulas de religião no
período de aula, bastando que, para
tanto, fizessem chegar até a Diretoria de Ensino uma lista com, no mínimo, 20 alunos inscritos para a aula
oferecida. Não chegando nenhum
pedido de autorização nesses termos, as aulas aos protestantes não
seriam franqueadas. Essa era a dificuldade criada pelo decreto e a geradora das reclamações de Guaraci
Silveira. Sendo os protestantes minoria na sociedade, numa unidade escolar pública dificilmente estariam
matriculados os 20 alunos necessários para a requisição de uma disciplina específica. Os alunos protestan33
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A não obrigatoriedade
ficava por conta da
retirada por livre e
espontânea vontade
do aluno que não
professava o credo no
qual se baseava a aula
Sucupira terminou
seu discurso
afirmando que o
protestantismo
brasileiro se escondia
atrás dos dólares
norte-americanos
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tes e outras religiões ficariam sem
opção na hora da aula de religião
destinada aos católicos. Finalizando
sua participação, Almeida Camargo
declarou que votaria a favor das
“emendas religiosas” porque entendia “que a religião, o sentimento de
religiosidade, a moral cristã constituem um dos fundamentos, um dos
lastros da nação brasileira. 33
Luiz Sucupira também refutou a
tese de Guaraci Silveira sobre a
vinculação do Ensino Religioso à disciplina escolar de Educação Moral e
Cívica, amparando-se inclusive em
estudos de teólogos protestantes
europeus. Depois de sua refutação,
uma longa discussão foi travada entre os parlamentares sobre o sentido
da moral; a polêmica girou em torno
de se ela estava ou não ligada aos
princípios básicos do cristianismo, o
que posicionava novamente de um
lado Guaraci Silveira, os socialistas
e os maçons e de outro, os católicos.
Sucupira terminou seu discurso afirmando que o protestantismo brasileiro se escondia atrás dos dólares
norte-americanos, assim o fazendo
para retrucar as insinuações de
Guaraci Silveira de que o Brasil nunca fora um país cristão e sim “católico” 34 . O clima ficou ainda mais pesado quando o mesmo deputado
insistiu e leu o texto da encíclica do
papa Leão XIII, tratando da divisão
entre o poder civil e o da Igreja Católica. Sua argumentação se assentava
no fato de que aprovar a medida que
instituía a disciplina nas escolas públicas não significava a volta ao passado, mas a garantia de que a religião
seria o alicerce do Estado35 .
Idem, Ibidem, p. 539.
Idem, Ibidem, p. 552-554.
Idem, Ibidem, p. 577.
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O debate em torno da religiosidade do povo brasileiro tomou conta da
Constituinte. As polêmicas passaram
a ser constantes quando se tratava
dos assuntos religiosos, com Guaraci
Silveira quase sempre envolvido nas
celeumas. Os pedidos de esclarecimentos, considerações e apartes se
multiplicavam, com os parlamentares se municiando de textos de teólogos, decretos judiciais, cânones
religiosos, notas de jornais, na tentativa de refutar ou propagar determinado ponto de vista.
O Ensino Religioso facultativo nas
escolas públicas servia de esteio para
uma disputa em que estava em jogo a
visibilidade religiosa, desta vez expressada no palco de decisões políticas do
país. Os protestantes históricos, mesmo enquanto grupo minoritário, sabiam manejar os diferentes interesses
que se contrapunham, construindo um
leque de apoio que os confirmava
como agentes sociais participativos do
processo histórico em curso.
Na 32ª sessão, o deputado católico Furtado de Meneses pediu autorização da Presidência para discorrer
sobre o Ensino Religioso, o que fez,
lendo um longo discurso no qual se
preocupou em ressaltar a trajetória
dessa modalidade de ensino nas escolas públicas no Estado de Minas
Gerais. Afirmou que, em cinco anos
do decreto instituindo a disciplina em
caráter facultativo, nenhuma reclamação oficial chegou até o poder
público, o que na sua compreensão
significava que nenhuma religião estava sendo agredida. Pediu aos demais deputados não recearem aprovar o texto que introduzia o Ensino
Religioso, sugerindo que os abusos
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O deputado Costa
Fernandes discursou
sobre a matéria
suscitadora de tanta
polêmica
Os protestantes
históricos sabiam
manejar os diferentes
interesses que se
contrapunham
Afirmou que nenhuma
reclamação oficial
chegou até o poder
público, o que na sua
compreensão
significava que
nenhuma religião
estava sendo agredida
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poderiam ser coibidos através da elaboração de leis complementares. 36
No calor do debate, já no final de
dezembro de 1933, Luiz Sucupira leu
uma nota enviada pelo Cardeal D. Sebastião Leme, assegurando que jamais insinuara que a intenção da Igreja Católica era voltar a ser novamente
a religião oficial do Estado, o que seria iniciado com a aprovação do Ensino Religioso nas escolas públicas,
como denunciara Guaraci Silveira e
seus aliados em plenário. Aproveitando a oportunidade, o deputado Costa
Fernandes discursou, até com certa
tranqüilidade, sobre a matéria
suscitadora de tanta polêmica. Bastante astuto, não enveredou suas palavras para o ataque às crenças políticas e religiosas rivais; antes,
sustentou sua defesa do Ensino Religioso com freqüência facultativa por
meio de citações de Constituições de
países europeus de cultura religiosa
protestante, o que inibia a intervenção de Guaraci Silveira e seus aliados.
Com boa eloqüência, insistia em que
os alunos católicos brasileiros, tais
quais os alunos de países de maioria
protestante, tivessem direito às aulas
de religião na perspectiva da crença
que professavam. A articulação do discurso de Costa Fernandes, justificando o direito do catolicismo brasileiro
por meio dos direitos das religiões de
maioria, desarmou os adversários,
que pouco retrucaram. No final de sua
exposição, acentuou que era favorável ao artigo sobre o Ensino Religioso
e se opunha à aprovação da emenda
que prescrevia “o ensino leigo, por
considerá-lo nocivo ao país”.37
Gweyer de Azevedo salientou que
era um direito dos católicos instruí-
Idem, Ibidem, p. 573/574.
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. V, p. 113.
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rem seus filhos nos fundamentos
doutrinários da sua igreja, o que não
poderia ocorrer era uma pressão
para que todos os alunos assistissem
à catequese católica, uma prática
muito comum no país. Alegou que os
termos do texto tal como fora apresentado estavam sendo decantados
em vários jornais como uma vitória
do catolicismo, contrariando as outras religiões e os defensores de posições divergentes, e que o clima de
divergência não estava sendo relatado ao Cardeal D. Sebastião Lemes.
Encerrou sua participação naquela
sessão plenária narrando que um
padre de Belo Horizonte, MG, instruía
seus fiéis a manter severa vigilância
sobre as crianças do bairro, especialmente sobre aquelas que estavam
vivendo em lares sem casamentos
legalizados e sem o devido batismo
na Igreja Católica. Na visão de deputado, essa era uma intromissão na
individualidade das pessoas, que
poderia se estender às escolas, caso
o ensino religioso fosse instituído
dentro dos interesses da LEC. 38
Plínio Tourinho, do Partido Liberal do Estado do Paraná, ponderou
não aceitar “o ensino religioso, mesmo sob a forma facultativa”, porque,
apesar de ser profundamente religioso, julgava que assegurar o texto sobre a laicidade, tal qual fora elaborado na Constituição de 1891, era uma
forma de manter a “absoluta liberdade de consciência religiosa – base da
fraternidade brasileira” . 39
O liberal Mário Ramos, na sessão
de 22 de janeiro, ante a pressão dos
católicos em declarar sua posição,
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O clima de
divergência não
estava sendo relatado
ao Cardeal D.
Sebastião Lemes
Se os protestantes
insistiam em separar
catequese e instrução
escolar, os católicos
optaram por fazer o
discurso da integração
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recusou-se a defender a tese da LEC,
por considerar o Ensino Religioso
matéria a ser contemplada pelas leis
complementares, não sendo este o
papel da Constituinte.40
Adroaldo Costa, na 63ª sessão, alardeou que os debates acalorados entre Guaraci Silveira e seus aliados e
os católicos se davam pela incompreensão dos parlamentares quanto
às intenções do catolicismo brasileiro. Declarando-se um “filho espiritual
da Igreja Católica Apostólica Romana”, insistia na idéia de que os católicos não procuravam restaurar a união
Igreja/Estado, o que buscavam resguardar na Constituição era o direito
de ensinar aos alunos católicos, a
maioria nas escolas públicas. O parlamentar novamente utilizou o eficaz
recurso de citar os artigos que
normatizavam o Ensino Religioso nas
escolas públicas de países de maioria
protestante, na tentativa de acuar os
seus adversários. Se os protestantes
insistiam em separar catequese e instrução escolar, os católicos optaram
por fazer o discurso da integração.
Nesse sentido, o discurso de
Adroaldo Costa, um legítimo representante da religião hegemônica,
acentuava a necessidade de fazer do
espaço público um pólo irradiador
dos princípios religiosos. Se a maioria dos pais que enviavam seus filhos
à escola pública era de origem católica, na compreensão do deputado
seria natural que ela solicitasse uma
fatia no horário oficial das aulas para
o Ensino Religioso, inclusive com o
poder público se incumbindo de gerar recurso para tal fim.41
Idem, Ibidem, p. 242.
Idem, Ibidem, p. 340.
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. VI, p. 324.
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. VII, p. 188-193.
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Na sessão de 20 de março de 1934,
Frederico Wolfenbutell voltou a refutar a tese de Silveira, de substituição
do Ensino Religioso pela Educação
Moral e Cívica. Lançando mão do recurso de concordar para discordar,
afirmou que o termo “ensino leigo”
era na verdade uma manifestação dos
autoritários, dos ateus e dos que não
toleravam o cristianismo católico. Sua
reiterada defesa foi empreendida em
nome dos “interesses da integridade
pedagógica e em nome da tradicional
religiosidade do povo brasileiro”.42
Se não bastasse a perplexidade de
protestantes, socialistas e maçons
com a influência cultural do catolicismo estavam ainda mais intrigados
com a insistência dos seus deputados
em estabelecer no texto constitucional o compromisso do Estado com o
ônus que tal disciplina acarretaria.
O eco das polêmicas
e o desenlace da trama
Os socialistas, alguns liberais, os
maçons e Guaraci Silveira, sentindo
a facilidade com que os deputados
comprometidos com a LEC aprovavam pedidos de extensão do tempo
regimental para a defesa de suas propostas e a facilidade com que indicavam seus membros para as comissões de redação dos textos a serem
aprovados, iniciaram uma ação conjunta para que telegramas, moções e
protestos contra o Ensino Religioso
fossem lidos em plenário, uma tentativa de impressionar os deputados indecisos. O Presidente da
Constituinte, na sessão seguinte,
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leu em plenário mensagem da Coligação Pró-Estado Leigo, solicitando
às comissões que não incluíssem nos
textos a serem votados as emendas
relacionados ao ensino religioso. 43
Na 82ª sessão, realizada em 28 de
fevereiro de 1934, Tomaz Lobo foi
autorizado a ler um ofício da Grande
Loja do Estado de São Paulo, na qual
os maçons solicitavam a manutenção
da laicidade do ensino tal como estava expressa na Constituição de
1891. A maçonaria engrossava o coro
dos que procuravam diminuir a área
de influência católica44 .
Guaraci Silveira, uma espécie de
líder dos descontentes com o predomínio católico, leu, na 86ª sessão, um
comunicado da Confederação das
Sociedades Auxiliadoras Femininas
do Presbitério de Minas Gerais, uma
entidade que agregava as mulheres
protestantes da Igreja Presbiteriana
daquele Estado. A intenção do comunicado, além de parabenizar o deputado pela oposição aos representantes católicos, era deixar registrada a
apreensão das mulheres protestantes
quanto ao perigo da aprovação do
Ensino Religioso. Guaraci Silveira
procurou dar relevo às preocupações
dessa entidade com a tendência dos
deputados em aprovar as emendas
que fortaleceriam a presença do catolicismo nas escolas públicas. Nesse sentido, leu em plenário a mensagem que anunciava essa apreensão.
A intenção do
comunicado era deixar
registrada a apreensão
das mulheres
protestantes quanto ao
perigo da aprovação
do Ensino Religioso
Somos 490 mulheres, na sua maioria esposas e mães. Somos protestantes
e, por conseguinte, estamos sempre em
minoria. A maioria é católica. Os nos-
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. XII, p. 64.
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. VIII, p. 424.
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. IX, p. 11.
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sos filhos ficarão expostos ao menosprezo do mestre da religião e à zombaria
dos colegas da religião da maioria (...).45
O receio residia no que poderia
acontecer nos grandes centros urbanos:
Nos centros urbanos mais civilizados, não haverá tanto o que temer, aí
se encontram os jornais e as autoridades esclarecidas. Mas o Brasil é muito
grande. Transportai-vos conosco,
Exmo. Sr., para o interior de Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco, ou da
maioria dos estados onde o sectário
padre, frade ou qualquer outro beato
impera com absolutismo. Aí acenderse-ão as fogueiras de martírio, e ninguém ousará gritar, e, se gritarmos,
quando os nossos brados vierem a alcançar os que tudo podem, já as nossas almas terão passado pelo cadinho
das mais acerbas aflições.46
As mulheres presbiterianas externavam o receio de um predomínio religioso que poderia implicar na educação dos seus filhos. A possibilidade de
vê-los novamente constrangidos pelas
orientações religiosas católicas, sendo
educados em princípios que em nada
se identificavam com os recebidos em
suas igrejas e em suas famílias, as deixavam amedrontadas. A lembrança de
episódios contrários à liberdade de
crença do período anterior à Proclamação da República motivaram essas mulheres no questionamento dos rumos
dos debates constituintes, remetendoos ao cotidiano dos protestantes espalhados pelo país.
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As mulheres
presbiterianas
externavam o receio
de um predomínio
religioso que poderia
implicar na educação
dos seus filhos
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Outros pedidos de exclusão do polêmico artigo chegaram à mesa da Presidência, entre eles os dos professores católicos de Alfenas, MG, da Liga
Espírita de Campos, RJ, do Partido
Autonomista de Juruá e os da Liga Maçônica de Regeneração Campinense47 .
Do lado da LEC, telegramas enviados
pelos diretores dos colégios e demais
entidades católicas eram lidas, tendo
em vista impressionar os parlamentares oposicionistas.
Os debates em plenário nos quatro primeiros meses da Constituinte
revelavam que na votação das emendas os deputados católicos levariam
expressiva vantagem. Restavam aos
seus adversários utilizar todos os recursos regimentais possíveis para diminuir, no que fosse possível, a vitória anunciada. Em 26 de março de
1934, Guaraci Silveira entrou com pedido de supressão da medida que instaurava novamente o Ensino Religioso. Na redação esclarecia que a
aprovação de recursos públicos a
ministração das aulas de Ensino Religioso restabeleceria novamente a ligação entre o Estado e a Igreja Católica. Sua justificativa, como sempre
longa, alertava para os perigos que ela
representava de fazer do catolicismo
a religião oficial nas escolas. Como a
tendência era aprovar o Ensino Religioso com freqüência optativa e a
obrigatoriedade do poder público em
garantir recursos para a implantação
da disciplina, bastando para tanto que
numa escola houvesse a adesão de,
no mínimo, 20 alunos, Guaraci Silveira
gritou contra a separação que ocorreria entre os discentes, o que tinha
Idem, Ibidem, p. 218-219.
Idem, Ibidem, p. 218-219.
Idem, Ibidem, p. 371.
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sido evitado na Constituição de 1891.
Seu compromisso e engajamento no
protestantismo transformou seu pedido de supressão num duro ataque à
Igreja Católica:
Se a Igreja não conseguiu a
cristianização do Brasil, não venceu
o jogo que às vezes arma suas barracas na frente dos templos, não subjugou o alcoolismo, não produziu a fidelidade conjugal nos homens, não
deu à mocidade brasileira pureza varonil, não se pense que isso será conseguido com o ensino do catecismo
nas escolas.48
Continuou sua missiva alegando
que se o Estado não poderia entrar
igreja adentro, o catolicismo não poderia enveredar pelas portas das escolas, sob o risco de prejudicar as
crianças que não rezavam pelos seus
credos 49 . A supressão não foi conseguida, restando ao deputado discursar contra o artigo todas as vezes que
alguém se propunha a defendê-lo.
Porém a sua aprovação era coisa certa. Um dos últimos recursos para
uma votação favorável à recusa da
redação proposta pelos católicos seria o pedido de encaminhamento da
votação da matéria, momento em que
um bom discurso poderia conquistar
alguns votos.
Em 29 de maio de 1934, dia da votação do artigo, foi concedido a
Guaraci Silveira o encaminhamento da
matéria, o que ele fez em veemente dis-
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curso contra o que considerava uma
tentativa de retorno do catolicismo
enquanto religião oficial do Estado. Sua
voz foi entrecortada de aplausos dos
seus aliados e muito barulho por parte dos deputados afinados com a proposta elaborada pelo católicos. No entanto, na 158ª sessão, em 30 de maio
de 1934, os contrários ao ensino religioso nas escolas públicas foram derrotados, o que veio a ocorrer também em
votação de segundo turno.50
Finalizado os trabalhos da Constituinte, Guaraci Silveira continuou
atento aos pronunciamentos dos deputados católicos na tribuna da Câmara Federal, por certo na intenção de
não deixar sem resposta qualquer
palavra manifestada no sentido de
desconsiderar as religiões minoritárias. Em novembro de 1934, insistiu,
junto ao Presidente da Casa, para que
um discurso proferido pelo deputado
Raul Fernandes, em nome de todos os
deputados, para homenagear o “Cardeal Pacelli”, fosse ratificado. Contestou veementemente o fato de o orador se referir ao povo brasileiro como
um povo “compactamente católico”,
declarando trabalharem, naquele plenário, representantes das associações
espíritas, proletárias, liberais sem convicção religiosa e protestantes. Sua
preocupação era não deixar a ata do
dia registrar um posicionamento que
em muito contrariava a presença protestante no país, no período tudo fazendo para ser inclusa enquanto tendência religiosa diferenciada.51
Sua voz foi
entrecortada de
aplausos dos seus
aliados e muito
barulho por parte dos
deputados afinados
com a proposta
elaborada pelo
católicos
Guaraci Silveira
continuou atento aos
pronunciamentos dos
deputados católicos
na tribuna da Câmara
Federal
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. XIX, p. 449.
Idem, Ibidem, p. 450.
Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. XXII, p. 321, 334.
Expositor Cristão , 14 nov.1934.
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Conclusão
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nal, apresentou-se aos protestantes,
durante os primeiros cinqüenta anos
de século XX, como um promissor
espaço de pluralidade religiosa. Na
Constituinte de 1933/1934, os protestantes, por meio da voz e da capacidade de articulação de Guaraci
Silveira, puderam compreender a dimensão e a complexidade das forças
políticas que se contrapunham nas
esferas de tomadas de decisões do
país. Era possível integrá-las com
mais visibilidade.
As manifestações sobre o Ensino
Religioso, sempre acompanhadas de
trocas de insultos e acusações, envolviam temas caros ao catolicismo e ao
protestantismo brasileiro: estrangeirismos, ateísmos, atraso social,
anarquismo, democracia, superstição, razão e outros mais. Os lados
envolvidos procuravam a todo custo convencer os demais da veracidade de suas propostas, sinalizando o
papel da habilidade política na representação de crenças filosóficas e religiosas.
O resultado sobre a votação do
Ensino Religioso nas escolas públicas
em si era esperado, ficando para o
protestantismo brasileiro o saldo de
ter assumido o palco das atuações
político-partidárias como espaço de
atuação social, algo pouco comum no
período. As discussões, as estratégias
e os acordos costurados por Guaraci
Silveira e seus aliados apontaram os
percursos políticos possíveis de serem trilhados pelos representantes
de religiões minoritárias.
As adversidades nos encaminhamentos políticos sobre temas ligados
a religião sinalizavam para a participação cada vez mais incisiva das igrejas protestantes nos espaços de poder. A participação política, ainda que
apenas de um representante saído
das fileiras do protestantismo, permitiria a propagação do que elas tinham a oferecer enquanto proposta
de organização social. A esfera política, tanto quanto a esfera educacio-
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