○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Documentação, História & Memória Ensino Religioso ou Educação Moral e Cívica? A participação de Guaraci Silveira na Assembléia Nacional Constituinte de 1933/1934 Religious Education or Moral and Civic Education? Guaraci Silveira’s participation in the National Constitutional Assembly of 1933/1934 Vasni de Almeida Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista – UNESP/Franca R e s u m o Este estudo apresenta a atuação do deputado Guaraci Silveira enquanto representante das igrejas protestantes, consideradas denominações minoritárias numa cultura religiosa de hegemonia católica. Contrapondo-se às propostas articuladas pela Liga Eleitoral Católica, o reverendo metodista foi apoiado por lideranças políticas que pretendiam garantir no texto constitucional discutido entre novembro de 1933 e julho de 1934 a laicidade do ensino conquistada com o sistema republicano implantado no país em 1889. Unitermos: Constituição; debate; protestantismo; catolicismo Synopsis The present study presents Deputy Guaraci Silveira’s work as a representative of Protestant Churches, which were considered minorities in a religious culture of Catholic hegemony. In opposition to the proposals articulated by the Catholic Electoral League, the Methodist preacher was supported by political leaderships that intended to insure in the constitutional text discussed between November 1933 and July 1934 the educational laicity achieved with the Republic System established in the country in 1889. Terms: constitution; debate; protestantism; catholicism Resumen Este estudio presenta la actuación del diputado Guaraci Silveira como representante de las iglesias protestantes, consideradas denominaciones minoritarias en una cultura religiosa de hegemonía católica. Al contraponerse a las propuestas católicas articuladas por la Liga Electoral Católica, el pastor metodista fue apoyado por líderes políticos que pretendían garantizar en el texto constitucional discutido entre noviembre de 1933 y julio de 1934 la enseñanza laica conquistada con el sistema republicano implantado en el país en 1889. Términos: Constitución; debate; protestantismo; catolicismo Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 25 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Introdução ○ Q ○ ○ uando se debruça sobre os percursos das igrejas Presbiteriana, Batista, Metodista, Congregacional e Episcopal, as chamadas igrejas de missão, segundo terminologia adotada por Gouvêa Mendonça 1 que estaremos adotando nesse trabalho, o enfoque recai, via de regra, sobre o seu agressivo proselitismo, sua filantropia e principalmente sobre suas atividades educacionais escolarizadas. As atuações políticas na área parlamentar, ou mesmo nos diferentes estágios do poder executivo não alcançam ainda relevo, mesmo porque não foram muitos os protestantes que assumiram compromissos nesse campo de interação social. Os protestantes pouco se preocuparam em ocupar espaços na vida política partidária do país antes de 1950, passando a disputá-los, de forma mais incisiva, somente a partir do final da década de 1970, quando pastores e leigos das igrejas pentecostais visualizaram na ação política, sobretudo no legislativo, uma possibilidade de sustentar um status religioso cada vez mais significativo. O jogo de forças travado na Assembléia Nacional Constituinte brasileira, reunida de novembro de 1933 a julho de 1934, apresenta-se como uma das poucas possibilidades de se percorrer e analisar a postura dos protestantes frente aos acontecimentos e fatos que marcaram a conjuntura política, econômica e religiosa brasileira nos primeiros cinqüenta anos do século passado. As emendas, os discursos e os questionamentos apresentados pelo reverendo e deputado Guaraci Sil1 2 A atenção voltada para o Ensino Religioso não se restringia à laicidade na educação escolar Os protestantes pouco se preocuparam em ocupar espaços na vida política partidária do país antes de 1950 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ veira, quase todos voltados para a questão do Ensino Religioso nas escolas públicas, apontam para a preocupação dos protestantes históricos em participar mais intensivamente da vida política nacional. A atenção voltada para o Ensino Religioso não se restringia à laicidade na educação escolar, mas à possibilidade de uma participação política ampla, estendida a temas instigantes e densamente interligados. Os embates nos quais o deputado se envolveu demonstram que era possível ao protestantismo requisitar o seu quinhão na intrincada teia política do país. Havendo conquistado prestígio por meio da atuação educacional, a ação políticopartidária poderia se consubstanciar em garantias para sua manutenção. Discorrer sobre soluções para problemas há muito tempo presentes na sociedade brasileira – e apresentá-las – era concebido como uma grande oportunidade de espraiar e consolidar uma religião que tinha dificuldades em ser aceita somente pelo proselitismo nas igrejas e nas escolas. Compreender a atuação protestante na questão das “emendas religiosas” requer perceber a circularidade das intenções sociais na especificidade de um tempo em transição. Um período de grandes mudanças: os elementos em conflito Sendo uma religião minoritária no cenário religioso nacional, segundo considerações de Paul Freston 2 , o metodismo encetava grandes esforços na consecução e representação de sua identidade religiosa, e, nesse Antônio Gouvêa Mendonça; Prócoro Velasques Filho. Introdução ao protestantismo no Brasil , 1990, p. 27-46. Paul Freston. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao Impeachment, 1993, p. 56-63. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 26 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ sentido, a elaboração da Constituição Federal se apresentava como uma rara oportunidade de angariar prestígio e respeitabilidade por meio da ação parlamentar, ainda que as ações políticas não se resumissem à defesa dos interesses institucionais. Os acordos, os conflitos, as derrotas sofridas são interpretadas aqui como uma configuração capaz de visualizar os protestantes como integrantes ativos de uma sociedade em fase de transição, que sofria as tensões e desequilíbrios que acometem grupos e indivíduos ante os processos de mudanças iminentes. O Ensino Religioso nas escolas públicas, tema que suscitou e possibilitou a um reverendo falar em nome do protestantismo, manifesta as diferentes intenções das instituições sociais brasileiras em conflito na conturbada década de 1930. As celeumas que colocaram, de um lado, positivistas, socialistas, maçons e grande parcela dos liberais e, de outro, os religiosos e intelectuais católicos giraram em torno da proposta de se instaurar o Ensino Religioso facultativo nas escolas públicas, sendo que, no conteúdo do enunciado, residem os elementos de discórdia: a laicidade do ensino e a consolidação do Estado republicano, compreendido como autônomo em relação à religião. Anísia de Paula Figueiredo lembra que as polêmicas eram ainda instigadas ideologicamente por dois grupos comprometidos com os rumos da educação no país: os “Pioneiros da Educação”, movimento agregador tanto de liberais quanto de positivistas e socialistas, e os intelectuais defensores do 3 4 5 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A elaboração da Constituição Federal se apresentava como uma rara oportunidade de angariar prestígio e respeitabilidade As celeumas giraram em torno da proposta de se instaurar o Ensino Religioso facultativo nas escolas públicas Os socialistas e comunistas procuravam atrair os operários e os trabalhadores rurais ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ pensamento católico, dentre eles Jackson de Figueiredo, Sobral Pinto, Jonathas Serrano, Everardo Backreuser e Alceu Amoroso Lima, ardorosos críticos do liberalismo e do positivismo3 . Os interesses emblematizados na proposta evocam uma disputa filosófica e religiosa, há tempos rondando o livre pensamento brasileiro, com os desdobramentos nela ocultos respingando nas diversas esferas do poder. Para a compreensão das polêmicas instauradas na Constituinte é necessário ter em mente a conjuntura política e religiosa do período em foco. Em 1930, o país passara por um movimento revolucionário que diminuíra a influência dos grandes cafeicultores, introduzindo em cena camadas sociais urbanas dispostas a participarem das tomadas de decisões políticas, entre elas os operários, os comerciantes, os industriais e os profissionais liberais. Em 1932, a sociedade brasileira presenciou a “guerra paulista”, extensão dos descontentamentos das camadas médias e de antigos cafeicultores com a crescente concentração de poder do Governo Provisório comandado por Getúlio Vargas4 . Capitaneando o descontentamento com as tendências autoritárias do novo governo, os socialistas e comunistas procuravam atrair os operários e os trabalhadores rurais, enquanto os partidos liberais, nacionalistas e mesmo as antigas agremiações republicanas tentavam atrair os empresários urbanos e os profissionais liberais5 . No campo religioso, é preciso não esquecer as reformulações e reafirmações teológicas da Igreja Católica quanto às transformações sociais e Anísia de Paulo Figueiredo. Ensino religioso: tendências, conquistas, perspectivas perspectivas, 1995, p. 51-52. Boris Fausto. História concisa do Brasil , 2001, p.192. Vamireh Chacon. História dos partidos brasileiros: discursos e praxis de seus programas , 1998, p. 115-134. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 27 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ econômicas em curso desde o final do século XIX. Sabe-se que as mudanças nas relações sociais, no trabalho, na ciência traziam grandes preocupações para a hierarquia do catolicismo, traduzidas em constantes ressalvas contra a “modernidade” ou “modernismos” 6 . O protestantismo brasileiro estava atento aos temas que circundavam instituições que debatiam os rumos a serem tomados pelo país, atenção essa que levou Guaraci Silveira a se aliar aos adversários históricos do catolicismo, já que a quebra da hegemonia católica implicava a fomentação de uma diversidade religiosa que em muito os beneficiava. A atuação de um protestante em conjunto com socialistas, maçons e positivistas buscava romper o predomínio cultural católico do período. Esse rompimento apontava para um tempo em que a pluralidade religiosa teria presença marcante. A diversidade religiosa, há várias décadas proporcionada por meio da organização do espiritismo, das religiões afro-brasileiras e do protestantismo, ganhou um pouco mais de visibilidade política quando as “emendas religiosas” começaram a passar pelo crivo dos parlamentares, quando as sessões constituintes foram iniciadas no final de 1933. A celeuma quanto ao Ensino Religioso nas escolas públicas durante a Constituinte de 1933/1934 revela-se uma janela na qual é possível visualizar uma disputa encetada na tentativa de se apresentar a crença religiosa que seria mais viável para a sociedade. 6 7 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A emenda apresentada Isnard Rocha informa que Guaraci Silveira nasceu em Franca, SP, em setembro de 1893 O protestantismo brasileiro estava atento aos temas que circundavam instituições que debatiam os rumos a serem tomados pelo país Segundo Paul Freston, Guaraci Silveira foi o único deputado protestante eleito para a Constituinte de 1933/1934 Isnard Rocha informa que Guaraci Silveira nasceu em Franca, SP, em setembro de 1893. Seus primeiros estudos foram realizados em Ribeirão Preto, SP, onde também trabalhou em diversas casas comerciais. Mudando-se com seus pais para Lorena, no Vale do Paraíba, SP, fez o curso secundário, posteriormente ingressando num “seminário católico romano a fim de se preparar para a carreira sacerdotal e chegou mesmo a ser seminarista maior”. Convertido ao metodismo, formou-se em Ciências e Letras e em Teologia na escola metodista “O Granbery”. Ordenado pastor em 1921, atuou em várias igrejas da capital e do interior do Estado de São Paulo. Em 1933, foi eleito deputado federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), o que o levou a “ausentar-se por algum tempo do trabalho pastoral ativo”. Aposentado do trabalho pastoral em 1937, foi “nomeado funcionário do Departamento Estadual do Trabalho”, exercendo atividades públicas em Taubaté, Sorocaba e Santos, SP. Em 1945, foi novamente eleito deputado federal, dessa vez pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Foi membro da Associação Paulista de Imprensa e por muitos anos redator do jornal “O Expositor Cristão, órgão oficial da Igreja Metodista”. Faleceu em agosto de 1953.7 Segundo Paul Freston, Guaraci Silveira foi o único deputado protestante eleito para a Constituinte de 1933/1934. Embora sem ser o candidato “oficial” das igrejas, soube cana- José Comblin. Cristãos rumo ao século XXI XXI, 1996, p. 23-24. Isnard Rocha. Pioneiros e bandeirantes do metodismo no Brasil , 1967, p. 207-211. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 28 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ lizar o potencial eleitoral dos protestantes, ainda que estes representassem pouco mais de 2% da população do país. Os jornais denominacionais prestaram um excelente serviço na divulgação do seu nome, publicando artigos em que polemizava com a bancada paulista na Assembléia Constituinte, apoiada pela Liga Eleitoral Católica (LEC). Freston afirma que em “termos constitucionais, sua presença provavelmente fortaleceu o elemento anti-clerical que conseguiu não derrubar, mas atenuar”. De 1945 a 1951, quando novamente ocupou a cadeira de deputado federal, a esfera político-partidária brasileira conheceu um “Guaraci Silveira menos laico e mais religioso”, com suas preocupações migrando do campo das questões religiosas denominacionais para o da justiça social.8 Se nos últimos anos de vida pública Guaraci Silveira amainara sua crítica ao poderio cultural, social e político do catolicismo, o mesmo não acontecera na Constituinte de 1993/ 1934. O reverendo estava bem atento em 16 de novembro de 1933, quando foi apresentado em plenário o texto do Anteprojeto da Constituição Brasileira sobre o Ensino Religioso nas escolas públicas, elaborado pelos técnicos do Governo Provisório. No Título XI (Da cultura e do ensino), Inciso 8º, o Presidente da Mesa, deputado Antônio Carlos, leu a seguinte redação a respeito: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 9 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A comissão encarregada de esboçar o texto relativo ao Ensino Religioso nas escolas públicas justificou os termos empregados e as intenções explícitas e implícitas por meio do Programa da Liga Eleitoral Católica. As propostas da LEC sobre a educação, que no fim se transformaram no anteprojeto constitucional, afirmavam que o restabelecimento do Ensino Religioso se traduziria num “simples respeito à vontade da maioria da população, que reclama a doutrinação do catecismo católico a todos os alunos, cujos pais não tenham declarado expressamente outra crença no ato da matrícula dos filhos”, sendo “indispensável que os princípios morais e religiosos do catolicismo informem todo o ensino, desde os cursos primários até os universitários, vedada, portanto, a propaganda contra a religião do povo brasileiro”.10 Para a LEC, a questão era óbvia: se a maioria dos alunos das escolas públicas era católica, era natural que fosse garantido a ela um ensino religioso segundo os cânones do catolicismo. Quem não professasse o credo católico apostólico romano poderia se recusar a permanecer na sala de aula, porém deveria ser garantida a possibilidade desse ensino aos que por ele fizessem opção. Ressalta-se que essa garantia incluía pagamento com verbas públicas aos professores ligados às igrejas. O que a LEC pretendia era resguardar na Constituição uma hegemonia há muito tempo conquistada, contrariando os socialistas, os positivistas convictos, os maçons e, sobretudo, Guaraci Silveira. Esses, aos poucos formavam uma aliança na ten- O reverendo estava bem atento em 16 de novembro de 1933 A religião é matéria facultativa de ensino, nas escolas públicas, primárias, secundárias, profissionais ou normais, subordinada à confissão religiosa dos alunos.9 8 ○ Paul Freston. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment impeachment, 1993, p. 154-158. Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, p. 161. Justificativas ao Anteprojeto Constitucional, Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1933, vol. IV, p. 325. 10 Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 29 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Não demorou para que os protestos dos deputados católicos o interrompessem. Entre eles figuravam as vozes de Luiz Sucupira, Frederico Wolfenbutell e Juarez da Távora, os seus mais ferrenhos adversários. Alegavam que aquilo não passava de um discurso sobre Teologia e História da Igreja e que a Constituinte estava destinada às discussões políticas. Guaraci Silveira prontamente respondeu: 12 13 14 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ inconveniente o que eu disser. E continuou: Nesse período, que teve início em Constantino, o poder secular, sabendo que a Igreja era forte instrumento em suas mãos, para oprimir as consciências, a ela se uniu.13 A batalha verbal contaminou a plenária a partir dessas palavras iniciais, provocando a troca de insultos entre os deputados afinados com o catolicismo e os socialistas, maçons e positivistas. O fato de, logo na primeira defesa de uma emenda contrária ao texto proposto pela LEC, Guaraci Silveira ter trazido à baila temas como os processos inquisitoriais, os benefícios oriundos da relação Igreja Católica e Estado e o poder do Vaticano nos assuntos internacionais, muito irritou os católicos que, a partir de então, nas oportunidades que tinham em discorrer sobre qualquer matéria, encontravam sempre um jeito de retrucar suas afirmações. Para Guaraci Silveira, o anteprojeto constitucional sobre o Ensino Religioso nas escolas públicas poderia ser compreendido como palavras “inocentes”. Na sua visão, o anteprojeto não passava de “uma forma de opressão à consciência das crianças” 14 . Alegou que o Ensino Religioso facultativo tinha sido experimentado no Estado de São Paulo e se revelara um “engodo”, com os professores católicos utilizando os horários de aula para a catequização, o que contrariava a liberdade religiosa dos alunos. Os católicos encontravam sempre um jeito de retrucar suas afirmações No exercício do meu mandato de Constituinte tenho a liberdade para me dirigir à Assembléia como entender, respeitando tão somente as observações do sr. Presidente, quando achar 11 ○ 12 tativa de barrar os privilégios requisitados pelos católicos. Na 24ª sessão, reunida em 13 de dezembro de 1933, Guaraci Silveira apresentou e defendeu uma emenda de sua autoria relativa ao texto sobre o Ensino Religioso. Quando iniciou sua defesa, as atenções dos deputados reunidos em torno da LEC estavam sobre ele, bem como a de deputados socialistas, positivistas e maçons. Com a intenção de realizar um breve histórico sobre os primórdios do cristianismo o reverendo metodista salientou que naquele tempo... ... o Cristianismo progrediu, destruiu a superstição, a idolatria e se impôs. Baseando-me na frase de grande teólogo, direi que, então, os cálices eram de madeira e os homens eram de ouro... Era a fase gloriosa do Cristianismo. 11 ○ Anais da Assembléia Nacional Constituinte Constituinte, 1933, vol. I, p. 268. Idem, Ibidem, p. 268. Idem, Ibidem, p. 268. Idem, Ibidem, p. 279. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 30 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Guaraci Silveira receava o fato dessa modalidade de ensino ser regularizada em escolas dominadas por diretores e professores de crença religiosa católica, o que se traduziria num ensino católico apostólico romano de fato. Ele não se cansava de lembrar que os protestantes, em minoria no país, não teriam como atender os requisitos básicos para formar, dentro das escolas, turmas de alunos que justificassem a presença de um religioso protestante para ministrar as aulas de religião. Para evitar que as religiões transformassem o Ensino Religioso em catequese, elaborou a seguinte emenda em substituição à proposta da LEC: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Defendeu a idéia de que um país moderno somente seria construído por meio de um Estado e de um ensino leigo A partir dessa proposta, a polêmica se instaurou de vez na Assembléia Constituinte, com os socialistas, positivistas, maçons e parcela dos liberais defendendo-a e os católicos capitaneados pela LEC tudo fazendo para suprimi-la. Os signatários do texto da facultatividade gritaram que “sem religião ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ não há moral”, e que essa significava catolicismo16 . Insistiam, numa infinidade de pedidos de aparte, alegando que Guaraci Silveira era contra a religião e que estranhavam um pastor protestante negar os ensinamentos religiosos 17 . Tomaz Lôbo, um positivista convicto, saiu em defesa da tese de Silveira, afirmando que a moral não era prerrogativa de católicos e defendeu a idéia de que um país moderno somente seria construído por meio de um Estado leigo e de um ensino leigo18 . Não demorou muito para que o católico professo Fernando Magalhães respondesse, em discurso inflamado, que ouvia nas ruas os gritos contra “quarenta anos de República inútil, que desperdiçou a riqueza e inutilizou a cultura, que preparou doutores sem conta e ensino sem crédito”19. Na 28 ª sessão, foi a vez do então ministro Juarez Távora defender a interdependência entre os poderes temporais e espirituais, afirmando ser o “espírito religioso” necessário na formação de uma sociedade civilizada. Na sua compreensão, os “espíritos modernos” se atiravam na fogueira “à procura de qualquer coisa nova, que os liberte das dúvidas e angústias” provocadas pela “civilização contemporânea”20 . É Jamil Cury quem alerta que, para a Igreja Católica da fase republicana, uma fase em que ela se viu separada do Estado, era condição básica atuar em consonância com a lei, desde que a lei fosse banhada pela fé21 . Onde se diz: “A religião é matéria facultativa nas escolas, etc”, diga-se: “Educação Moral e Cívica é matéria de ensino obrigatório nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais ou normais, de acordo com o plano e texto estabelecido pela União.”15 As polêmicas instauradas ○ Eracondiçãobásica atuaremconsonância com a lei, desde que a lei fosse banhada pela fé Expositor Cristão , 06 jan.1934 Anais da Assembléia Nacional Constituinte , vol. I, p. 274. 17 Idem, Ibidem, p. 277. 18 Idem, Ibidem, p. 279. 19 Idem, Ibidem, p. 282. 20 Idem, Ibidem, p. 365. 21 Carlos Alberto Jamil Cury. “Igreja Católica/educação: pressuposto e evolução no Brasil”. In Catolicismo, educação, ciência 1991, p. 113) 15 16 Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 31 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O deputado Gweyer de Azevedo, católico de mentalidade positivista, posicionou-se, contudo, contrariamente às propostas da LEC. Em defesa explícita da ciência enquanto elemento de inovação social, destacou que, no conhecimento científico, algo sempre visto com reserva no catolicismo brasileiro, residia um possível vínculo de aproximação entre as religiões, porque esmagava “toda sorte de superstições, na busca da verdade, que é o legítimo verbo divino, constante na idade teocrática, na metafísica ou na positiva”. Na sua percepção, caberia à ciência instalar o progresso, banir o atraso e as crenças sobrenaturais, o que elevaria a moral da sociedade. Durante o seu discurso, os maçons e os socialistas o interromperam com aplausos, provocando os que não concordavam com tal ponto de vista. Denotava-se uma cumplicidade, ainda que circunstancial, entre o pensamento protestante e a mentalidade positivista, que acreditava repousar na ciência a solução para os males sociais que afligiam o país. O orador finalizou seu discurso afirmando ser o texto do anteprojeto, tal como fora apresentado, uma armadilha para fortalecer a presença católica no ensino secularizado. 22 Frederico Wolfenbutell, católico do Partido Liberal Republicano, médico do Rio Grande do Sul e exímio orador, saiu em defesa do Ensino Religioso nas escolas públicas, fazendo um retrospecto da presença do catolicismo na sociedade brasileira depois de proclamada a República. Lembrou 22 23 24 25 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ No conhecimento científico residia um possível vínculo de aproximação entre as religiões Na década de 1930 o metodismo brasileiro estava envolvido num complexo processo de autonomia em relação à Igreja Episcopal do Sul, dos EUA ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ que em 40 anos de republicanismo os privilégios da Igreja Católica tinham cessado, porém o povo brasileira era “o que sempre foi e continuará a ser, um povo genuinamente católico”.23 Na continuidade de seu discurso, favorável à manutenção do texto como fora apresentado, destacou ser legítima a aspiração católica, pois os protestantes, além de serem minoria, eram “obedientes às determinações estrangeiras”. Essa afirmação irritou Guaraci Silveira, que o interrompeu diversas vezes para estabelecer contrapontos à sua argumentação. Utilizando todos os apartes a que tinha direito, desdobrava-se para explicar que o estrangeirismo no protestantismo brasileiro estava amainando, pois há vários anos as igrejas protestantes brasileiras estavam se separando das igrejas norte-americanas 24 , o que de fato vinha ocorrendo com freqüência desde o início do século XX25 . Há que se lembrar que na década de 1930 o metodismo brasileiro estava envolvido num complexo processo de autonomia em relação à Igreja Episcopal do Sul, dos EUA, no qual se destacavam suas lideranças nacionais: Guaraci Silveira e César Dacorso. O primeiro era o que mais radicalizava quando se tratava de criticar o predomínio dos missionários norte-americanos na vida da igreja independente. O segundo, primeiro bispo brasileiro depois da autonomia da igreja, era mais cauteloso quanto à postura dos norte-americanos, porém não menos contundente na defesa do metodismo nacional. Depois de muitas divergências quanto aos encaminhamentos Idem, Ibidem, p. 490. Idem, Ibidem, p. 497. Idem, Ibidem, p. 498. Duncan Alexander Reily. História documental do metodismo no Brasil, 1993, p.167. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 32 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ políticos e administrativos na Igreja Metodista autônoma, a relação entre os dois durante muito tempo ficou estremecida26 . Depois de Guaraci Silveira ressaltar o processo de nacionalismo que tomava conta das igrejas protestantes, Frederico Wolfenbutell voltou a se manifestar criticando os contrários ao Ensino Religioso nas escolas simplesmente por desconfiarem das intenções da hierarquia católica. Evocando o direito de todas as religiões de ensinar suas doutrinas e crenças, procurou alinhavar o Ensino Religioso à moralidade social. Destacou que não pedia nenhum privilégio para o catolicismo, “senão o direito, igual para todos, de infundir no povo brasileiro, desde a sua segunda infância e através de sua mocidade, o espírito religioso, para levantar e consolidar o nível moral de sua sociedade...” 27 . A imbricação entre o espírito religioso e moralidade defendida por Wolfenbutell remete às considerações de José Scampini quando este destaca que a tentativa dos católicos não era realmente vincular Estado e Igreja, mas deixar claro a futuros legisladores o direito das religiões no ensino da esfera pública, o que tinha sido tolhido em 189128 . Apesar de o texto do anteprojeto traduzir as intenções religiosas e culturais do catolicismo brasileiro, os deputados com ele identificados procuravam aprimorá-lo, tanto para acalmar os seus críticos quanto para ga- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ rantir o máximo de direitos públicos. Coube a Wolfenbutell apresentar o seguinte substitutivo para contemplar interesses não inseridos na redação inicial: Frederico Wolfenbutell voltou a se manifestar criticando os contrários ao Ensino Religioso nas escolas A modificação visava contornar aquilo que poderia se tornar um problema para os católicos O ensino religioso é ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa dos alunos, sendo a sua freqüência facultativa.29 O substitutivo trocava a frase “A religião é matéria facultativa de ensino...”, proposta na redação inicial da LEC, pela frase “O ensino religioso é ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa...”. A modificação visava contornar aquilo que poderia se tornar um problema para os católicos. Caso o texto continuasse como antes, daria margem para que diretores de escolas discordantes das suas orientações optassem ou não pelo Ensino Religioso enquanto disciplina específica e não era isso que a hierarquia católica almejava. O que ela pretendia era o Ensino Religioso enquanto disciplina obrigatória na grade curricular de todas as escolas, sendo a freqüência dos alunos facultativa, segundo as orientações religiosas. Os católicos cuidavam para que os serviços que a igreja prestava ao país desde o Período Colonial fossem garantidos em sua plenitude na Constituição a ser promulgada, o que revelava um desejo de “reordenar a Nação dentro do projeto de cristandade” 30 . Estavam convictos de que, 26 Rui de Souza Josgrilberg. “O movimento de autonomia: a perspectiva dos nacionais”. In: Duncan Alexander Reily, (org.). História, metodismo, libertações , 1990, p.112-118. 27 Anais da Assembléia Nacional Constituinte, 1933, vol. I, p. 517. 28 José Scampuri. A liberdade religiosa nas constituições brasileiras brasileiras, 1978, pp.154/155. 29 Idem, Ibidem, p. 524. 30 Carlos Roberto Jamil Cury. “Igreja Católica/educação: pressupostos e evolução no Brasil. In: Vanilda Paiva (org.). Catolicismo, educação, ciência , 1991, p 112. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 33 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ pelo fato desses direitos serem estendidos às outras religiões, sua influência cultural não seria diminuída, já que era a religião hegemônica do país. Para os protestantes, por outro lado, os textos sobre religião, caso fossem aprovados do jeito que foram enviados pelo Governo e aprimorados pelas emendas dos deputados católicos, trariam prejuízos para suas igrejas, pois, ao possibilitar por lei a presença religiosa católica em escolas, presídios e hospitais, de acordo com a opção do público presente nestas instituições, perpetuava-se uma hegemonia que não permitia muitas brechas para suas ações. O que estava em curso na Assembléia Constituinte, tanto do lado dos católicos quanto do lado de Guaraci Silveira, era uma vigorosa investida para garantir espaços de influência na cultura brasileira. Depois de ouvir atentamente as propostas de Wolfenbutell, Guaraci Silveira solicitou a palavra para responder aos inúmeros apartes que o impediram de finalizar o seu discurso inicial em defesa de sua emenda sobre a Educação Moral e Cívica como disciplina a substituir o Ensino Religioso. Como sempre ocorria com qualquer um que discordasse dos interesses católicos, a fala de Guaraci Silveira foi entrecortada de apartes e pedidos de considerações, o que o impedia de continuar a estratégia de defesa de suas intenções. Para conseguir ir adiante, sem cair na armadilha de responder todas as indagações, o que certamente o desviaria do objetivo principal, o deputado aproveitava todas os questionamen31 32 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ tos para polemizar com os deputados da LEC, e, com a ajuda dos adversários políticos dos que com ele discutiam, discursava sobre temas caros aos protestantes no período, como a liberdade de crença, a separação Igreja/ Estado, o ensino leigo, razão e modernidade. Guaraci Silveira, que teve ao seu lado o socialista Zoroastro Gouveia provocando os católicos, separou e leu em plenário textos de historiadores da Igreja Católica que criticavam a incidência do poder civil no cristianismo nascente, o que deixava irritados seus adversários, eternos defensores da imbricação entre religião e Estado.31 Depois de apresentar sua proposta de substituição da disciplina Ensino Religioso pela Educação Moral e Cívica e muito discutir com os deputados católicos, Guaraci Silveira novamente externou o seu receio com a predominância religiosa católica no sistema de ensino público brasileiro: Podereis vós compreender, Sr. Presidente, Srs. Constituintes, a humilhação de um aluno, de um pequenino brasileiro que merece toda a atenção de seus maiores, ao ter que se retirar da sala de aula onde a professora dele irá ensinar religião, afrontando a cólera da mesma professora e adversidade dos alunos do credo da maioria. 32 A fala de Guaraci Silveira foi entrecortada de apartes e pedidos de considerações A preocupação de Guaraci Silveira estava fundamentada na experiência negativa do Ensino Religioso no Estado de São Paulo, onde, segundo o decreto governamental, a mesma professora que ministrava o ensino formal seria a encarregada dessa Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1933, vol. I, p. 532. Idem, Ibidem, p. 535. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 34 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ disciplina, quase sempre aulas sobre os valores religiosos católicos. A não obrigatoriedade ficava por conta da retirada por livre e espontânea vontade do aluno que não professava o credo no qual se baseava a aula. Na visão do reverendo, isso poderia constranger o aluno não católico, dado que a simples retirada do aluno poderia expô-lo às brincadeiras dos que na classe permaneciam. Esse era um pequeno ponto a que se agarrava, na esperança de convencer os indecisos na questão, porém o grande receio do deputado protestante estava relacionado ao perigo de o catolicismo voltar a ter status de religião civil. Depois de Guaraci Silveira usar a palavra, foi a vez de Almeida Camargo, representante do governo paulista, responder às alegações sobre o decreto regulamentador do Ensino Religioso nas escolas do Estado de São Paulo. Explicou que a lei permitia aos professores protestantes ministrarem aulas de religião no período de aula, bastando que, para tanto, fizessem chegar até a Diretoria de Ensino uma lista com, no mínimo, 20 alunos inscritos para a aula oferecida. Não chegando nenhum pedido de autorização nesses termos, as aulas aos protestantes não seriam franqueadas. Essa era a dificuldade criada pelo decreto e a geradora das reclamações de Guaraci Silveira. Sendo os protestantes minoria na sociedade, numa unidade escolar pública dificilmente estariam matriculados os 20 alunos necessários para a requisição de uma disciplina específica. Os alunos protestan33 34 35 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A não obrigatoriedade ficava por conta da retirada por livre e espontânea vontade do aluno que não professava o credo no qual se baseava a aula Sucupira terminou seu discurso afirmando que o protestantismo brasileiro se escondia atrás dos dólares norte-americanos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ tes e outras religiões ficariam sem opção na hora da aula de religião destinada aos católicos. Finalizando sua participação, Almeida Camargo declarou que votaria a favor das “emendas religiosas” porque entendia “que a religião, o sentimento de religiosidade, a moral cristã constituem um dos fundamentos, um dos lastros da nação brasileira. 33 Luiz Sucupira também refutou a tese de Guaraci Silveira sobre a vinculação do Ensino Religioso à disciplina escolar de Educação Moral e Cívica, amparando-se inclusive em estudos de teólogos protestantes europeus. Depois de sua refutação, uma longa discussão foi travada entre os parlamentares sobre o sentido da moral; a polêmica girou em torno de se ela estava ou não ligada aos princípios básicos do cristianismo, o que posicionava novamente de um lado Guaraci Silveira, os socialistas e os maçons e de outro, os católicos. Sucupira terminou seu discurso afirmando que o protestantismo brasileiro se escondia atrás dos dólares norte-americanos, assim o fazendo para retrucar as insinuações de Guaraci Silveira de que o Brasil nunca fora um país cristão e sim “católico” 34 . O clima ficou ainda mais pesado quando o mesmo deputado insistiu e leu o texto da encíclica do papa Leão XIII, tratando da divisão entre o poder civil e o da Igreja Católica. Sua argumentação se assentava no fato de que aprovar a medida que instituía a disciplina nas escolas públicas não significava a volta ao passado, mas a garantia de que a religião seria o alicerce do Estado35 . Idem, Ibidem, p. 539. Idem, Ibidem, p. 552-554. Idem, Ibidem, p. 577. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 35 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O debate em torno da religiosidade do povo brasileiro tomou conta da Constituinte. As polêmicas passaram a ser constantes quando se tratava dos assuntos religiosos, com Guaraci Silveira quase sempre envolvido nas celeumas. Os pedidos de esclarecimentos, considerações e apartes se multiplicavam, com os parlamentares se municiando de textos de teólogos, decretos judiciais, cânones religiosos, notas de jornais, na tentativa de refutar ou propagar determinado ponto de vista. O Ensino Religioso facultativo nas escolas públicas servia de esteio para uma disputa em que estava em jogo a visibilidade religiosa, desta vez expressada no palco de decisões políticas do país. Os protestantes históricos, mesmo enquanto grupo minoritário, sabiam manejar os diferentes interesses que se contrapunham, construindo um leque de apoio que os confirmava como agentes sociais participativos do processo histórico em curso. Na 32ª sessão, o deputado católico Furtado de Meneses pediu autorização da Presidência para discorrer sobre o Ensino Religioso, o que fez, lendo um longo discurso no qual se preocupou em ressaltar a trajetória dessa modalidade de ensino nas escolas públicas no Estado de Minas Gerais. Afirmou que, em cinco anos do decreto instituindo a disciplina em caráter facultativo, nenhuma reclamação oficial chegou até o poder público, o que na sua compreensão significava que nenhuma religião estava sendo agredida. Pediu aos demais deputados não recearem aprovar o texto que introduzia o Ensino Religioso, sugerindo que os abusos 36 37 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O deputado Costa Fernandes discursou sobre a matéria suscitadora de tanta polêmica Os protestantes históricos sabiam manejar os diferentes interesses que se contrapunham Afirmou que nenhuma reclamação oficial chegou até o poder público, o que na sua compreensão significava que nenhuma religião estava sendo agredida ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ poderiam ser coibidos através da elaboração de leis complementares. 36 No calor do debate, já no final de dezembro de 1933, Luiz Sucupira leu uma nota enviada pelo Cardeal D. Sebastião Leme, assegurando que jamais insinuara que a intenção da Igreja Católica era voltar a ser novamente a religião oficial do Estado, o que seria iniciado com a aprovação do Ensino Religioso nas escolas públicas, como denunciara Guaraci Silveira e seus aliados em plenário. Aproveitando a oportunidade, o deputado Costa Fernandes discursou, até com certa tranqüilidade, sobre a matéria suscitadora de tanta polêmica. Bastante astuto, não enveredou suas palavras para o ataque às crenças políticas e religiosas rivais; antes, sustentou sua defesa do Ensino Religioso com freqüência facultativa por meio de citações de Constituições de países europeus de cultura religiosa protestante, o que inibia a intervenção de Guaraci Silveira e seus aliados. Com boa eloqüência, insistia em que os alunos católicos brasileiros, tais quais os alunos de países de maioria protestante, tivessem direito às aulas de religião na perspectiva da crença que professavam. A articulação do discurso de Costa Fernandes, justificando o direito do catolicismo brasileiro por meio dos direitos das religiões de maioria, desarmou os adversários, que pouco retrucaram. No final de sua exposição, acentuou que era favorável ao artigo sobre o Ensino Religioso e se opunha à aprovação da emenda que prescrevia “o ensino leigo, por considerá-lo nocivo ao país”.37 Gweyer de Azevedo salientou que era um direito dos católicos instruí- Idem, Ibidem, p. 573/574. Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. V, p. 113. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 36 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ rem seus filhos nos fundamentos doutrinários da sua igreja, o que não poderia ocorrer era uma pressão para que todos os alunos assistissem à catequese católica, uma prática muito comum no país. Alegou que os termos do texto tal como fora apresentado estavam sendo decantados em vários jornais como uma vitória do catolicismo, contrariando as outras religiões e os defensores de posições divergentes, e que o clima de divergência não estava sendo relatado ao Cardeal D. Sebastião Lemes. Encerrou sua participação naquela sessão plenária narrando que um padre de Belo Horizonte, MG, instruía seus fiéis a manter severa vigilância sobre as crianças do bairro, especialmente sobre aquelas que estavam vivendo em lares sem casamentos legalizados e sem o devido batismo na Igreja Católica. Na visão de deputado, essa era uma intromissão na individualidade das pessoas, que poderia se estender às escolas, caso o ensino religioso fosse instituído dentro dos interesses da LEC. 38 Plínio Tourinho, do Partido Liberal do Estado do Paraná, ponderou não aceitar “o ensino religioso, mesmo sob a forma facultativa”, porque, apesar de ser profundamente religioso, julgava que assegurar o texto sobre a laicidade, tal qual fora elaborado na Constituição de 1891, era uma forma de manter a “absoluta liberdade de consciência religiosa – base da fraternidade brasileira” . 39 O liberal Mário Ramos, na sessão de 22 de janeiro, ante a pressão dos católicos em declarar sua posição, 38 39 40 41 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O clima de divergência não estava sendo relatado ao Cardeal D. Sebastião Lemes Se os protestantes insistiam em separar catequese e instrução escolar, os católicos optaram por fazer o discurso da integração ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ recusou-se a defender a tese da LEC, por considerar o Ensino Religioso matéria a ser contemplada pelas leis complementares, não sendo este o papel da Constituinte.40 Adroaldo Costa, na 63ª sessão, alardeou que os debates acalorados entre Guaraci Silveira e seus aliados e os católicos se davam pela incompreensão dos parlamentares quanto às intenções do catolicismo brasileiro. Declarando-se um “filho espiritual da Igreja Católica Apostólica Romana”, insistia na idéia de que os católicos não procuravam restaurar a união Igreja/Estado, o que buscavam resguardar na Constituição era o direito de ensinar aos alunos católicos, a maioria nas escolas públicas. O parlamentar novamente utilizou o eficaz recurso de citar os artigos que normatizavam o Ensino Religioso nas escolas públicas de países de maioria protestante, na tentativa de acuar os seus adversários. Se os protestantes insistiam em separar catequese e instrução escolar, os católicos optaram por fazer o discurso da integração. Nesse sentido, o discurso de Adroaldo Costa, um legítimo representante da religião hegemônica, acentuava a necessidade de fazer do espaço público um pólo irradiador dos princípios religiosos. Se a maioria dos pais que enviavam seus filhos à escola pública era de origem católica, na compreensão do deputado seria natural que ela solicitasse uma fatia no horário oficial das aulas para o Ensino Religioso, inclusive com o poder público se incumbindo de gerar recurso para tal fim.41 Idem, Ibidem, p. 242. Idem, Ibidem, p. 340. Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. VI, p. 324. Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. VII, p. 188-193. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 37 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Na sessão de 20 de março de 1934, Frederico Wolfenbutell voltou a refutar a tese de Silveira, de substituição do Ensino Religioso pela Educação Moral e Cívica. Lançando mão do recurso de concordar para discordar, afirmou que o termo “ensino leigo” era na verdade uma manifestação dos autoritários, dos ateus e dos que não toleravam o cristianismo católico. Sua reiterada defesa foi empreendida em nome dos “interesses da integridade pedagógica e em nome da tradicional religiosidade do povo brasileiro”.42 Se não bastasse a perplexidade de protestantes, socialistas e maçons com a influência cultural do catolicismo estavam ainda mais intrigados com a insistência dos seus deputados em estabelecer no texto constitucional o compromisso do Estado com o ônus que tal disciplina acarretaria. O eco das polêmicas e o desenlace da trama Os socialistas, alguns liberais, os maçons e Guaraci Silveira, sentindo a facilidade com que os deputados comprometidos com a LEC aprovavam pedidos de extensão do tempo regimental para a defesa de suas propostas e a facilidade com que indicavam seus membros para as comissões de redação dos textos a serem aprovados, iniciaram uma ação conjunta para que telegramas, moções e protestos contra o Ensino Religioso fossem lidos em plenário, uma tentativa de impressionar os deputados indecisos. O Presidente da Constituinte, na sessão seguinte, 42 43 44 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ leu em plenário mensagem da Coligação Pró-Estado Leigo, solicitando às comissões que não incluíssem nos textos a serem votados as emendas relacionados ao ensino religioso. 43 Na 82ª sessão, realizada em 28 de fevereiro de 1934, Tomaz Lobo foi autorizado a ler um ofício da Grande Loja do Estado de São Paulo, na qual os maçons solicitavam a manutenção da laicidade do ensino tal como estava expressa na Constituição de 1891. A maçonaria engrossava o coro dos que procuravam diminuir a área de influência católica44 . Guaraci Silveira, uma espécie de líder dos descontentes com o predomínio católico, leu, na 86ª sessão, um comunicado da Confederação das Sociedades Auxiliadoras Femininas do Presbitério de Minas Gerais, uma entidade que agregava as mulheres protestantes da Igreja Presbiteriana daquele Estado. A intenção do comunicado, além de parabenizar o deputado pela oposição aos representantes católicos, era deixar registrada a apreensão das mulheres protestantes quanto ao perigo da aprovação do Ensino Religioso. Guaraci Silveira procurou dar relevo às preocupações dessa entidade com a tendência dos deputados em aprovar as emendas que fortaleceriam a presença do catolicismo nas escolas públicas. Nesse sentido, leu em plenário a mensagem que anunciava essa apreensão. A intenção do comunicado era deixar registrada a apreensão das mulheres protestantes quanto ao perigo da aprovação do Ensino Religioso Somos 490 mulheres, na sua maioria esposas e mães. Somos protestantes e, por conseguinte, estamos sempre em minoria. A maioria é católica. Os nos- Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. XII, p. 64. Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. VIII, p. 424. Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. IX, p. 11. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 38 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ sos filhos ficarão expostos ao menosprezo do mestre da religião e à zombaria dos colegas da religião da maioria (...).45 O receio residia no que poderia acontecer nos grandes centros urbanos: Nos centros urbanos mais civilizados, não haverá tanto o que temer, aí se encontram os jornais e as autoridades esclarecidas. Mas o Brasil é muito grande. Transportai-vos conosco, Exmo. Sr., para o interior de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, ou da maioria dos estados onde o sectário padre, frade ou qualquer outro beato impera com absolutismo. Aí acenderse-ão as fogueiras de martírio, e ninguém ousará gritar, e, se gritarmos, quando os nossos brados vierem a alcançar os que tudo podem, já as nossas almas terão passado pelo cadinho das mais acerbas aflições.46 As mulheres presbiterianas externavam o receio de um predomínio religioso que poderia implicar na educação dos seus filhos. A possibilidade de vê-los novamente constrangidos pelas orientações religiosas católicas, sendo educados em princípios que em nada se identificavam com os recebidos em suas igrejas e em suas famílias, as deixavam amedrontadas. A lembrança de episódios contrários à liberdade de crença do período anterior à Proclamação da República motivaram essas mulheres no questionamento dos rumos dos debates constituintes, remetendoos ao cotidiano dos protestantes espalhados pelo país. 45 46 47 As mulheres presbiterianas externavam o receio de um predomínio religioso que poderia implicar na educação dos seus filhos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Outros pedidos de exclusão do polêmico artigo chegaram à mesa da Presidência, entre eles os dos professores católicos de Alfenas, MG, da Liga Espírita de Campos, RJ, do Partido Autonomista de Juruá e os da Liga Maçônica de Regeneração Campinense47 . Do lado da LEC, telegramas enviados pelos diretores dos colégios e demais entidades católicas eram lidas, tendo em vista impressionar os parlamentares oposicionistas. Os debates em plenário nos quatro primeiros meses da Constituinte revelavam que na votação das emendas os deputados católicos levariam expressiva vantagem. Restavam aos seus adversários utilizar todos os recursos regimentais possíveis para diminuir, no que fosse possível, a vitória anunciada. Em 26 de março de 1934, Guaraci Silveira entrou com pedido de supressão da medida que instaurava novamente o Ensino Religioso. Na redação esclarecia que a aprovação de recursos públicos a ministração das aulas de Ensino Religioso restabeleceria novamente a ligação entre o Estado e a Igreja Católica. Sua justificativa, como sempre longa, alertava para os perigos que ela representava de fazer do catolicismo a religião oficial nas escolas. Como a tendência era aprovar o Ensino Religioso com freqüência optativa e a obrigatoriedade do poder público em garantir recursos para a implantação da disciplina, bastando para tanto que numa escola houvesse a adesão de, no mínimo, 20 alunos, Guaraci Silveira gritou contra a separação que ocorreria entre os discentes, o que tinha Idem, Ibidem, p. 218-219. Idem, Ibidem, p. 218-219. Idem, Ibidem, p. 371. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 39 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ sido evitado na Constituição de 1891. Seu compromisso e engajamento no protestantismo transformou seu pedido de supressão num duro ataque à Igreja Católica: Se a Igreja não conseguiu a cristianização do Brasil, não venceu o jogo que às vezes arma suas barracas na frente dos templos, não subjugou o alcoolismo, não produziu a fidelidade conjugal nos homens, não deu à mocidade brasileira pureza varonil, não se pense que isso será conseguido com o ensino do catecismo nas escolas.48 Continuou sua missiva alegando que se o Estado não poderia entrar igreja adentro, o catolicismo não poderia enveredar pelas portas das escolas, sob o risco de prejudicar as crianças que não rezavam pelos seus credos 49 . A supressão não foi conseguida, restando ao deputado discursar contra o artigo todas as vezes que alguém se propunha a defendê-lo. Porém a sua aprovação era coisa certa. Um dos últimos recursos para uma votação favorável à recusa da redação proposta pelos católicos seria o pedido de encaminhamento da votação da matéria, momento em que um bom discurso poderia conquistar alguns votos. Em 29 de maio de 1934, dia da votação do artigo, foi concedido a Guaraci Silveira o encaminhamento da matéria, o que ele fez em veemente dis- 48 49 50 51 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ curso contra o que considerava uma tentativa de retorno do catolicismo enquanto religião oficial do Estado. Sua voz foi entrecortada de aplausos dos seus aliados e muito barulho por parte dos deputados afinados com a proposta elaborada pelo católicos. No entanto, na 158ª sessão, em 30 de maio de 1934, os contrários ao ensino religioso nas escolas públicas foram derrotados, o que veio a ocorrer também em votação de segundo turno.50 Finalizado os trabalhos da Constituinte, Guaraci Silveira continuou atento aos pronunciamentos dos deputados católicos na tribuna da Câmara Federal, por certo na intenção de não deixar sem resposta qualquer palavra manifestada no sentido de desconsiderar as religiões minoritárias. Em novembro de 1934, insistiu, junto ao Presidente da Casa, para que um discurso proferido pelo deputado Raul Fernandes, em nome de todos os deputados, para homenagear o “Cardeal Pacelli”, fosse ratificado. Contestou veementemente o fato de o orador se referir ao povo brasileiro como um povo “compactamente católico”, declarando trabalharem, naquele plenário, representantes das associações espíritas, proletárias, liberais sem convicção religiosa e protestantes. Sua preocupação era não deixar a ata do dia registrar um posicionamento que em muito contrariava a presença protestante no país, no período tudo fazendo para ser inclusa enquanto tendência religiosa diferenciada.51 Sua voz foi entrecortada de aplausos dos seus aliados e muito barulho por parte dos deputados afinados com a proposta elaborada pelo católicos Guaraci Silveira continuou atento aos pronunciamentos dos deputados católicos na tribuna da Câmara Federal Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. XIX, p. 449. Idem, Ibidem, p. 450. Anais da Assembléia Nacional Constituinte , 1934, vol. XXII, p. 321, 334. Expositor Cristão , 14 nov.1934. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 40 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Conclusão ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ nal, apresentou-se aos protestantes, durante os primeiros cinqüenta anos de século XX, como um promissor espaço de pluralidade religiosa. Na Constituinte de 1933/1934, os protestantes, por meio da voz e da capacidade de articulação de Guaraci Silveira, puderam compreender a dimensão e a complexidade das forças políticas que se contrapunham nas esferas de tomadas de decisões do país. Era possível integrá-las com mais visibilidade. As manifestações sobre o Ensino Religioso, sempre acompanhadas de trocas de insultos e acusações, envolviam temas caros ao catolicismo e ao protestantismo brasileiro: estrangeirismos, ateísmos, atraso social, anarquismo, democracia, superstição, razão e outros mais. Os lados envolvidos procuravam a todo custo convencer os demais da veracidade de suas propostas, sinalizando o papel da habilidade política na representação de crenças filosóficas e religiosas. O resultado sobre a votação do Ensino Religioso nas escolas públicas em si era esperado, ficando para o protestantismo brasileiro o saldo de ter assumido o palco das atuações político-partidárias como espaço de atuação social, algo pouco comum no período. As discussões, as estratégias e os acordos costurados por Guaraci Silveira e seus aliados apontaram os percursos políticos possíveis de serem trilhados pelos representantes de religiões minoritárias. As adversidades nos encaminhamentos políticos sobre temas ligados a religião sinalizavam para a participação cada vez mais incisiva das igrejas protestantes nos espaços de poder. A participação política, ainda que apenas de um representante saído das fileiras do protestantismo, permitiria a propagação do que elas tinham a oferecer enquanto proposta de organização social. A esfera política, tanto quanto a esfera educacio- Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 41 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Referências bibliográficas Anais da Assembléia Nacional Constituinte Constituinte. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934, 1935, 1936, 1937. CHACON, Vamireh. História dos partidos brasileiros brasileiros: discursos e praxis de seus programas. Brasília: Editora da UNB, 1998. COMBLIN, José. Cristãos rumo ao século XXI XXI. São Paulo: Paulus, 1996. CURY, Carlos Roberto Jamil. “Igreja Católica/educação: pressupostos e evolução no Brasil. In: PAIVA, Vanilda (org.). Catolicismo, educação, ciência ciência. São Paulo: Loyola, p. 99-116, 1991. FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil Brasil. São Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2001. FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Ensino religioso religioso: tendências, conquistas, perspectivas. Petrópolis/RJ: Vozes, 1995. 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Pesquisa realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, sob a orientação do Prof. Dr. Eduardo Basto de Albuquerque. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 42 ○ ○ ○ Ano 11 - n 0 21 - dezembro / 2002