Blanca Núñez - Luis Rodríguez
Os irmãos das pessoas com deficiência: uma questão pendente
AMAR é uma associação civil sem fins de lucro, fundada em 1974 por um grupo de pais de pessoas
com deficiência preocupados com o futuro de seus filhos. Sua missão é prestar total atendimento a
pessoas com deficiência, bem como apoiar e orientar suas famílias.
FUNDACIÓN TELEFÓNICA DE ARGENTINA tem como missão promover melhorias na qualidade de
vida da comunidade em que o Grupo Telefónica opera, preferencialmente através da aplicação social
das nova tecnologias em informática e comunicação, favorecendo a igualdade de oportunidades
entre as pessoas.
Os irmãos das pessoas
com deficiência:
uma questão pendente
Blanca Núñez - Luis Rodríguez
Blanca Núñez - Luis Rodríguez
Os irmãos das pessoas com deficiência:
Uma questão pendente
© 2004, Blanca Núñez – Luis Rodríguez
Asociación AMAR
Cochabamba 3243, Buenos Aires (1252) - Argentina
Tel./Fax: (54-11) 4931-5227 / 7251
[email protected] - [email protected]
www.asociacionamar.org.ar
COORDENAÇÃO EDITORIAL E DESIGN:
Gustavo Arcángelo - [email protected]
ILUSTRAÇÕES:
Conrado Giusti
FOTOGRAFIAS:
Asociación AMAR
ISBN: 987-21447-1-0
Queda hecho el depósito que previene la ley 11.723
Impreso en Argentina. Printed in Argentina
Primera edición: junio de 2004
Segunda edición: mayo de 2005
Nuñez, Blanca
Los hermanos de personas con discapacidad : una asignatura pendiente / Blanca Nuñez y Luis
Rodríguez. - 2a ed. - Buenos Aires : Asociación AMAR, 2005.
85 p. ; 23x23 cm.
ISBN 987-21447-1-0
1. Relaciones Interpersonales. 2. Hermanos de Personas Discapacitadas. I. Rodríguez, Luis II. Título
CDD 158.2
Todos los derechos reservados. Esta publicación no puede ser reproducida, ni en todo ni en parte, ni registrada en,
o transmitida por un sistema de recuperación de información, en ninguna forma ni por ningún medio, sea mecánico, fotoquímico,
electrónico, magnético, electroóptico, por fotocopia o cualquier otro, sin el permiso previo por escrito de los autores.
Editorial
Guiados pelo objectivo de impulsionar as actividades daquelas organizações do terceiro sector que trabalham para os mesmos fins sociais da Fundación Telefónica, levamos a cabo desde 2002 conjuntamente com a Asociación Amar o projecto de ajuda a irmãos de
pessoas com deficiência, através de workshops de reflexão.
Até esse momento, os irmãos tinham sido relegados perante a prioridade de atender às
pessoas com deficiência e, em segundo lugar, aos pais. Mas os sentimentos ambivalentes
em relação ao irmão com deficiência e aos seus pais, ao seu contexto social e em relação
a eles mesmos, justificavam um cuidado especial que facilitasse a integração familiar, objectivo dos nossos workshops.
Foi assim que uma equipa de psicólogos especializados da Asociación AMAR, apoiados
por organizações locais, chegou a várias localidades do país para orientar estes encontros,
onde participaram até 2004 quatrocentos e noventa irmãos com idades compreendidas
entre os seis e os sessenta anos, prosseguindo este año noutras cidades do país.
A grande aceitação destas reuniões motivou-nos a publicar com a Asociación AMAR o
livro que agora lhes apresentamos: Os Irmãos de pessoas com deficiência: Uma Questão
Pendente, que conta as ricas experiências e vivências dos workshops e as aproxima de um
público mais amplo, igualmente necessitado do seu conteúdo, ou simplesmente interessado pelo tema.
Neste livro os protagonistas são os irmãos participantes dos workshops. Contam a suas
experiências no ãmbito familiar e fora dele, avaliam os encontros e analisam o intercãmbio de experiências; outros, não só encontraram informação, como também desabafo e
apoio; não poucos incentivaram os seus companheiros com as suas vivências e uma larga
maioria integrou-se fortalecida na sua família.
Carmen Grillo
Directora da Fundación Telefónica de Argentina
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Agradecimentos
A todos os irmãos que participaram nos workshops de reflexão, e a todos aqueles com
quem temos tido algum tipo de contacto profissional ou informal. Eles transmitiram-nos
a riqueza de suas experiências pessoais, que se encontram nesta obra.
A todos os pais que nos confiaram o seu mais precioso tesouro: seus filhos.
À Fundación Telefónica que desde o primeiro momento acreditou ser imprescindível para o desenvolvimento da qualidade de vida da família com deficiência não esquecer o
papel do irmão. Graças à sua colaboração pudemos desenvolver, compilar, editar e financiar este livro: sem o seu apoio, não teria sido possível.
A Carmen Grillo, Jorge Leiva, Mónica Lencina e Beatriz Pellizzari que sempre estiveram presentes em todos os detalhes, com os seus conselhos e todas as suas contribuições.
À G.A.E (Pergamino), A.P.A.DIS (San Luis), I.R.I.M Nuestra Señora de la Esperanza (Haedo),
J.A.DIS (Morón), Fundación Un Camino (Gral. Pico, La Pampa), Down is Up (San Isidro),
APANDO (Mendoza), A.P.P.A.DI (Río Gallegos) e à Direcção de Educação Inclusiva do Ministério da Cultura e Educação (La Pampa) que contribuiram com todo o seu trabalho,
esforço e compromisso para criar um espaço para os nossos workshops e para os irmãos.
À A.S.D.R.A. e à A.E.D.I.N. que nos possibilitaram tirar as fotografias às familias Ramírez
Vilches e Olmedo, que ilustram muitas páginas do livro. E a todos aqueles que nos abriram as portas de suas casas.
A Lucía Frangella que nos possibilitou a publicação de uma carta íntima que dirigiu à
sua irmã com deficiência.
À Comissão Directiva da Asociación AMAR que desde sempre apoiou e acreditou na
importãncia do projecto e a missão que cumpriria.
E um agradecimento muito especial às nossas colegas e companheiras Silvia Lanciano
e Ana Paula Vitelli que trabalharam intensamente nos workshops das diferentes cidades
que visitámos, na classificação do material, nas transcrições dos encontros e na avaliação
de todos e cada um dos questionários. Esse exaustivo trabalho permitiu-nos analisar en
detalhe o material recolhido. Além disso, ambas colaboraram intensamente na elaboração
do livro e acompanharam-nos nesta cruzada.
Blanca Núñez - Luis Rodríguez
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Los Autores
Blanca Núñez
Licenciada em Psicologia. Universidade de Buenos Aires.
Orientou o seu trabalho clínico para o atendimento de crianças e adolescentes com
deficiência e seu grupo familiar, desempenhando funções nos hospitais: Manuel Roca,
de Crianças Ricardo Gutiérrez, Italiano e Alemão.
Membro do Comité Executivo do Comité de Deficiências. Sociedade Argentina de Pediatria.
Coordenadora do curso de Mestrado “Família e Deficiência”. Universidade do Museo
Social Argentino.
Coordenadora do Programa de Apoio Psicológico a Famílias com um Filho com Deficiência. Departamento de Pediatria. Hospital Alemão.
Assessora de instituições em temas de Família e Deficiência.
Autora de numerosas publicações sobre a temática, entre elas: A Criança Surda e sua
Família, Editorial Troquel; A Criança Deficiente, sua Família e seu Professor, Grupo
Editor Multimedial (Geema); Colecção de Cadernos e Videos sobre Temas de Família
e Deficiência, Editorial Cendif.
Luis Rodríguez
Licenciado en Psicologia. Universidade de Buenos Aires.
Especialista em organizações sem fins de lucro. Universidade de San Andrés, Torcuato
Di Tella e Cedes.
Trabalhou como terapeuta no atendimento de crianças e adolescentes com deficiência e suas famílias. Hospital de Clínicas e Hospital Alemão.
Coordenador geral dos grupos de ajuda mútua a familiares de pessoas com Síndrome
de Down de A.S.D.R.A.
Actualmente é Director Executivo da Asociación AMAR.
Autor de diferentes artigos e trabalhos sobre a temática publicados em revistas especializadas.
Co-autor de Os Irmãos. Colecção de Cadernos e Videos sobre Temas de Família e
Deficiência, Editorial Cendif.
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l
Índice
Prólogo
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.............................................................
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Esquecidos por todos?
.............................................................
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A nossa proposta: entendê-los para os acompanhar no seu desenvolvimento
.............................................................
Um mundo de emoções opostas
l A dificuldade de impõr limites ao filho com deficiência. Que sentem os irmãos? ...........
l A raiva, o ciúme, a rivalidade e o sentimento de injustiça estão sempre presentes .......
l A pressão pelas responsabilidades e as exigências ................................................................
l O irmão sente-se só, isolado e à margem ................................................................................
l A preocupação por ter o papá e a mamã contentes ...............................................................
l A criança sente-se bem quando os pais desfrutam da vida ..................................................
l As dúvidas relacionadas com o amor dos pais .........................................................................
l Porquê a culpa? ...............................................................................................................................
l Quantos sentimentos surgem ao expõr-se com o irmão lá fora! ........................................
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34
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43
O não saber, as dúvidas, os temores
e a incerteza por falta de informação ........................................................................................
l As preocupações pelo futuro .........................................................................................................
l O enriquecimento pessoal e as aprendizagens que a experiência deixa ............................
..........................................................
l
46
50
52
...
57
A expressão das emoções
.............................................................
61
Grupos de apoio para irmãos
.............................................................
67
A voz da experiência: propostas para pais feitas por ”Irmãos Experientes“
l Algumas conclusões ........................................................................................................................ 70
.............................................................
73
A carta de uma irmã
.............................................................
75
Algumas actividades para crianças e adultos
l Para os adultos .................................................................................................................................. 75
l Para as crianças ................................................................................................................................ 77
l Para crianças e adultos partilharem ........................................................................................... 77
.............................................................
79
Informações de interesse geral
.............................................................
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Prólogo
Este livro tem como principais destinatários os pais e os profissionais da saúde e educação interessados em conseguir uma maior aproximação emocional ao irmão da pessoa
com deficiência. Sabemos que muitos destes adultos estão preocupados e desejosos de se
aproximar desta criança ou jovem, e não sabem como fazê-lo; tentaremos neste livro
propõr alguns recursos para ajudá-los.
O objectivo central do livro é possibilitar aos destinatários descobrir através da leitura os sentimentos, as necessidades, interesses, preocupações e as diferentes vicissitudes
vividas pelos irmãos das pessoas com deficiência.
Muitas das páginas desta obra podem ser também de leitura partilhada entre os adultos e os irmãos. Esperamos que dela retirem alguns temas que sirvam como disparadores
de reflexão, comunicação e intercãmbio entre eles.
Aspiramos a que este trabalho contribua para estabelecer pontes entre os adultos e o
irmão, para facilitar a compreensão de comportamentos e do seu mundo emocional, para estimular a comunicação, para fortalecer os vínculos já existentes e, se possível, para
criar novas formas de intercãmbio.
O projecto deste livro foi nascendo lentamente através do tempo no exercício da nossa
função de psicólogos interessados na problemática deste tipo de familiares.
Neste caminho fomos descobrindo que há muitas formas de apoiar estes grupos que
não se esgotam na realização de reuniões ou workshops de pais que girem em torno da
problemática do filho com deficiência. Fomos compreendendo que era também necessário
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implementar recursos para ajudar o outro filho, já que as observações nos demonstravam
que habitualmente se desconheciam as suas necessidades afectivas, quase esquecido pelos
adultos significativos que o rodeiam.
É assim que começamos a organizar workshops para irmãos com diferentes modalidades
de funcionamento, de técnicas e tempo de duração.
Quisemos também chamar atenção sobre a problemática destes irmãos no ãmbito profissional, introduzindo o tema em espaços de congressos, jornadas, reuniões e em todos
os eventos científicos a que eramos convidados a participar.
Com este mesmo objectivo de fazer uma aproximação geral à temática dos irmãos e
lançar um alerta sobre a sua situação vital, sobre os sentimentos mais comuns que vivem
e sobre as suas necessidades, publicámos em 1998 um conjunto de caderno e video, entitulado “Irmãos”.
Os principais destinatários deste material foram familiares, docentes e profissionais,
para quem se tornou material de difusão do tema, usando-se como recurso disparador de
reflexão em workshops de pais e irmãos.
O nosso compromisso com esta tarefa foi-se tornando cada vez mais intenso ao ter
como meta o contribuir para o bem estar destes membros da família que, provavelmente,
têm a relação de mais longa duração com a pessoa com deficiência.
Hoje estamos perante esta nova realização: um livro basicamente dedicado ao irmão
que atravessa a infãncia e a adolescência. Desejamos que a sua leitura ajude a entendê-lo.
Porquê e para quê entendê-lo? Para conseguir uma maior aproximação emocional a
ele, acompanhá-lo e ajudá-lo da melhor maneira possível no seu crescimento, para que
desenvolva ao máximo as suas possibilidades e se sinta satisfeito com isso.
Isto responde a um objectivo último: promover a saúde mental nesta extensa população.
Para cumprir esta tarefa recorremos sobretudo aos testemunhos de muitos irmãos que
participaram num Programa de Wokshops de Reflexão de Irmãos que realizámos em 2002
e 2004 a partir da Asociación AMAR e em aliança com a Fundación Telefónica de Argentina, nas cidades de Buenos Aires, Morón, San Isidro, Pergamino (Província de Buenos Aires), San Luis (Província de San Luis), Gral Pico, Santa Rosa (Província de La Pampa), Mendoza e Rio Gallegos (Santa Cruz) e que abarcou uma população de 490 irmãos, de idades
compreendidas entre os seis e os sessenta anos. Em 2004, este programa segue vigente
em novos destinos.
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Se bem que os irmãos foram os protagonistas centrais deste programa, também se
possibilitou a participação de pais e outros familiares, profissionais, docentes e comunidade em geral, para dialogar, reflectir e trocar ideias à volta desta problemática.
Nestes enontros gerais, favoreceu-se além de tudo a participação de irmãos adultos
na sua qualidade de experientes .
Todas estas actividades nos trouxeram um valioso caudal de testemunhos, parte do
qual faz parte deste livro.
O nosso trabajo está ainda enriquecido com as porções dos mundos privados trazidas
por outros irmãos, crianças e púberes, que integraram encontros de reflexão que coordenámos em etapas prévias à execução do programa anteriormente mencionado, e pelas
múltiplas abordagens psicoterapêuticas com irmãos que nos consultaram enquanto psicólogos clínicos.
Todas estas actividades nos ofereceram um riquíssimo leque de histórias, testemunhos
e experiências de vida, que aparecem nas páginas do livro, e nos permitem escrever a partir
de uma posição de experiência pessoal profunda, em vez de fazê-lo somente apoiados na
teoria.
O leitor poderá ir tomando posse dessa rica e ampla gama de conteúdos, à medida que
percorre esta caminho aqui partilhado.
Sabemos que o tema não se esgota com estes contributos, cada reflexão abrirá certamente um espaço para continuar a aprofundar, mas pelo menos abriu-se o caminho.
Pensamos que, quando o leitor terminar o livro poderá contar com mais elementos para
alargar a sua visão do irmão e isto, sem dúvida, constituirá uma ferramenta para, por sua
vez, ajudá-lo no seu desenvolvimento, para fortalecer o vínculo com ele e consolidar a
comunicação, recursos fundamentais para a prevenção em saúde mental.
Os autores
Buenos Aires, Março de 2005
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foto byn
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Esquecidos por todos?
A partir do momento em que a família enfrenta a deficiência, os irmãos são os menos
atendidos dentro do grupo, são mesmo preteridos como consequência das exigências de
atenção por parte da criança que tem a limitação.
Na maioria das vezes, os familiares consideram erradamente que os irmãos têm mais
recursos para enfrentar sózinhos todas as vicissitudes que se lhes apresentam e, no entanto, são talvez os que mais necessitam do apoio de todos.
Os profissionais de reabilitação também constribuem para este descuido já que, treinados para a assistência ao deficiente, põem-no no centro do palco da trama familiar e
os pais muitas vezes os enchem de exigências e pressões à volta do que “há a fazer” para satisfazer as necessidades especiais de só um dos filhos, o deficiente.
Por outro lado, os irmãos ficam à margem das visitas aos centros de reabilitação e,
quando são convocados, é só em função da ajuda que podem dar ao deficiente a partir do
seu papel de irmão.
É assim que aos irmãos se lhes oferecem muito poucas oportunidades para conhecê-los,
para saber o que pensam, o que sentem, o que os preocupa, quais as suas necessidades, quais
os obstáculos que enfrentam e quais as suas possibilidades de desenvolvimento pessoal.
Os pais, pelo contrário, contam com maiores oportunidades de ajuda e apoio por parte
dos diferentes profissionais que assistem à criança com deficiência. Por outro lado, é frequente que se encontrem de forma informal (em salas de espera) ou formal (grupos de pais)
com outros pais que vivem situações semelhantes e, deste modo, troquem e partilhem experiências, se apoiem mutuamente e se beneficiem com isso.
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O irmão tem habitualmente menos oportunidades de contacto com profissionais e de
partilhar com pares que atravessam experiências parecidas; assim, fica numa situação de
maior isolamento e desamparo.
Foi com surpresa que recolhemos os testemunhos de irmãos, inclusivé adultos, que participaram no nosso Programa de Workshops de Reflexão, que manifestaram ser a primeira
vez a ter contacto com outro irmão e que para eles esta era uma situação verdadeiramente
impactante: o sentir que “não era o único a viver esta experiência” e que podia “partilhar
vivências similares com outros que falavam a mesma língua”.
Beatriz, de 45 anos, dá-nos o seguinte testemunho:
“Teria adorado ter este espaço quando tinha dez anos”.
A nível mundial, também os programas de intervenção para pais (grupos de reflexão,
programas de informação e orientação, de treino, de apoio pai a pai, etc.) são muito mais
numerosos que os feitos para irmãos. Foi na década de 80 que se gerou, em diversos países,
um maior interesse em entender e acompanhar os irmãos a partir da implementação de
diferentes programas para eles.
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A nossa proposta: compreendê-los para
acompanhá-los no seu desenvolvimento
Propomo-nos entender os irmãos, sobretudo os que estão a viver a sua infãncia e
puberdade, por ser os mais desconhecidos e “esquecidos”, já que os poucos programas
existentes no nosso meio foram destinados a irmãos adolescentes e adultos.
Procuramos compreender este colectivo mergulhando nos seus mundos interiores para
conhecer as suas vivências, o que os preocupa, o que temem, quais as suas necessidades e
interesses e as contrariedade que enfrentam pela sua condição de irmãos.
Isto possibilita-nos uma maior aproximação emocional a eles e, a partir daí, acompanhá-los e ajudá-los para que o seu crescimento seja o mais harmonioso posível.
De todas as formas, no livro só desenvolvemos generalidades.
Cada irmão é único e singular, e a sua resposta à situação é influenciada por múltiplos
factores que actuam em complexas interacções: a forma como a família respondeu perante o que lhe tocou viver, o tipo e grau de deficiência, a idade do irmão, a ordem de
nascimento, o intervalo de idade entre ambos irmãos, o número de filhos da família, etc..
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Um mundo de emoções opostas
As alegrias, a força que permite enfrentar desafios e o enriquecimento pessoal misturam-se com a preocupação, a excessiva exigência, a culpa, a dor, a vergonha, a raiva e o
ciúme.
A presença de sentimentos encontrados é típica de toda relação entre irmãos. Se se
acrescenta uma deficiência a um deles, estes sentimentos ambivalentes parecem intensificar-se.
O poder reconhecer estas emoções e sentimentos por parte dos irmãos da pessoa com
deficiência e poder comunicá-los, partilhá-los no seio familiar, com pares ou com outros
em geral, sempre é benéfico para poder fazer-lhes frente.
Habitualmente, as crianças encontram pouca tolerãncia por parte dos adultos à expressão,
sobretudo aberta, dos seus sentimentos negativos, como a hostilidade, a vergonha e o ciúme.
Requere muita energia o manter a fachada de somente experimentar sentimentos positivos para com o irmão.
A criança fica só, escondendo, negando o que sente, cheio de culpa, pensando talvez
que é “um mau filho”, “um mau irmão”, “um menino mau”, por sentir o que sente.
Sabemos que todo este acumular de sentimentos negativos, que não encontram uma
via de expressão directa, se pode virar contra ele mesmo e manifestar-se sob a forma de
determinados sintomas, como por exemplo afecções psicossomáticas.
Os irmãos precisam de uma autorização para não negar estes sentimentos, para não suprimi-los mas expressá-los, partilhá-los, compreendê-los e lidar com eles.
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As dificuldades de impõr limites ao filho com deficiência
Que sentem os irmãos?
Tivemos em tratamento psicológico uma família (que chamaremos L.) integrada pela
mãe, Susana (44 anos); o pai, Juan (45 anos); e seus três filhos, Karina (14 anos), Ezequiel(13
anos) e Nicolás (11 anos) que sofria de uma surdez profunda.
Apresentamos um fragmento de uma das entrevistas terapêuticas a partir da qual podemos mergulhar na dinãmica deste grupo familiar e perceber a dificuldade dos pais em impõr limites ao filho com deficiência e as ressonãncias deste facto nos irmãos.
Juan: Reconheço que com Nicolás, por ser o mais pequeno e pela sua surdez,
fomos muito permissivos. Não sabiamos como falar-lhe para que nos entendesse e fomos deixando passar muitas coisas. Ele é esperto e abusou de todos.
Com os mais velhos, temos sido mais severos. São bastante obedientes, embora com as suas coisas, pela idade que têm.
Susana: Desde bébé que foi uma criança cheia de exigências ... passava a vida
entre a escola, a professora, as audiometrias. Houve uma época em que chegámos a tomar oito transportes diários. Além de que tinha sempre trabalhos a
fazer. Dava-me pena; enquantos os mais velhos saíam a passear de bicicleta,
Nicolás tinha que memorizar textos. Quando acabávamos, não podia exigir-lhe
mais coisas e assim fui deixando passar as suas birras.
Ezequiel: Nicolás é um caprichoso. Passa a vida a gritar e a chorar para conseguir as coisas. Faz-se de coitadinho. Está sempre a incomodar-me. Quando
está aborrecido vem e provoca-me. Chateia-me, chama-me “tonto”, “gordo”,
“dizes disparates”. Adora chatear todos. Procura os defeitos dos outros para gozar.
Na rua está sempre a apontar quando vê alguém gordo, ou com qualquer defeito.
Se lhe chamo “surdo”, irrita-se e grita. A minha mãe ralha-me mas a ele não
lhe diz nada, para não o enfurecer. Além disso, é um metediço. Não posso levar amigos a casa porque se mete no meio.
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Karina: Também se mete com as minhas amigas. Sempre que vem alguma,
faz-se de palhaço e invade o meu quarto. Com ele não se pode estar em paz,
só estamos tranquilos quando não está.
Mais confusão provoca quando estou a ver televisão ou vem alguma amiga
ver um video. Põe-se à nosa frente para não vermos, ou pergunta-me a todo
instante que está a passar no filme e não me deixa vê-lo.
Ezequiel: Faz birras. O outro dia passámos uma vergonha num restaurante:
queria pizza à viva força e não havia. Põs-se com esses gritos dele ... eu morria de vergonha.
Karina: Parece ser o rei lá de casa. Ele diz que é o “chefe” e eu acho que é verdade. Deixaram-no mandar em casa e ninguém lhe exige nada. Nunca faz nada em casa, passa o tempo todo a jogar no computador ou a ver televisão, e
nós temos demasiadas responsabilidades desde pequenininhos. Sobreprotegem-no e estão a torná-lo um inútil, ele pode fazer muito mais.
Ezequiel: De nós sempre se espera que compreendamos e aguentemos tudo e
pouco nos ligam. A minha mãe sempre passou a vida a fazer os deveres com
ele e nem sequer podemos falar com ela porque, quando Nico nos vê a falar
com ela, mete-se e interrompe.
Karina: Nós devemos ser os filhos “cinco estrelas” e poucas vezes nos dão
uma palavra de incentivo, parece que é nossa obrigação ser maduros, bons
alunos, não dar trabalho nenhum.
As queixas de Ezequiel e Karina nesta entrevista, frequentemente as escutamos por parte dos irmãos mais pequenos (em geral, diminuem nos irmãos adultos) e são expressão do
mal-estar que experimentam pelo lugar de privilégio, de poder (“é o chefe, o que manda”,
afirma Karina) que parece ocupar a criança com deficiência no seio familiar. Não se lhe exige nenhum tipo de obediência a normas, é liberado de responsabilidades, sobreprotegido.
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Os pais costumam mostrar dificuldades no exercício da sua autoridade com este filho.
Custa-lhes impõr limites ou controlá-los. Em troca, fazem recair mais normas sobre o filho
sem deficiência. A este podem ralhar, limitar, exigir e repreender. É o que expressa Juan nesta entrevista quando diz: “ ... fomos deixando passar muitas coisas (em relação ao seu filho
Nicolás). Ele é muito esperto e abusou de todos. Com os mais velhos fomos mais severos”.
Susana acrescenta que em consequência de tantas exigências pedagógicas com Nicolás
para aprender a falar, “... quando acabávamos, não podia exigir-lhe mais coisas, e assim fui
deixando passar as sus birras”.
Habitualmente, os pais esperam, inclusivé, que os irmãos “compreendam” e cedam perante as diferentes exigências e caprichos da criança com deficiência.
Ouvem-se com frequência dizer: “Dá-lhe o brinquedo que assim não grita!”, “Ele não
compreende, tenta entendê-lo”; “Deixa-o ver o programa de televisão que quer, assim evitamos cenas”; Não importa se te rasgou a folha do caderno, podes escrevê-la outra vez”.
Os irmãos ou se submetem a estas exigências paternas ou protestam contra estas injustiças, como o fizeram Karina e Ezequiel nesta entrevista.
Muitas vezes alternam entre um e outro comportamento.
Os grupos de irmãos costumam ser ãmbitos muito apropriados à expressão do mal-estar
dos irmãos perante esta situação de falta de limites, do lugar de certo despotismo que a
criança com deficiência vai ocupando no seio da família e perante a ausência do exercício
da autoridade paterna.
Facilita ao grupo o escutar um primeiro membro que lança o seu protesto pela situação
particular que atravessa; isto estimula, por sua vez, os outros a expressar a sua realimentando deste modo, entre todos, a expressão de situações de mal-estar sofridas na relação com o
irmão, numa legitimação de sentimentos partilhados.
A título de exemplo, transcrevemos o fragmento de um encontro de irmãos de dez a catorze anos; este grupo autodenominou-se “Os Melhores”. Este nome recebeu a máxima votação entre outras opções propostas: “Os Invadidos”, “Os Golpeados”, “Os Saqueados”.
Lucía: Fico fula quando me bate e não posso bater-lhe porque os meus pais
me ralham.
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Sebastián: Comigo é o mesmo. Faz disparates e não se lhe pode ralhar porque
acabam por me ralhar a mim, sempre fico com as culpas e não é assim.
Gastón: Dá-me raiva que se arme sempre em vítima ... E faz birras e tem os
meus pais dominados.
Macarena: Sempre me culpam a mim. A minha irmã culpa-me de tudo e a
minha mãe acredita sempre nela.
Luciano: A mim irrita-me que toque nas minhas coisas, vai ao meu quarto e
tira-me tudo e não lhe ralham, parece um reizinho.
Daniela: A minha irmã também vai sempre ao meu quarto e tira-me o verniz
e não gosto que toque nas minhas coisas.
Macarena: Irrita-me que me interrompa quando estou a estudar ... ele não
pode tocar-me, sou intocável. Ele sabe que não me pode tocar porque a minha mãe o põe de castigo e não aguenta nem um minuto de castigo. Por sorte,
a minha mãe defende-me.
Coordinador: Parece-me que muitos gostariam de ser intocáveis, assim não
vos batem, “invadem” ou “saqueam” (como referência aos diferentes nomes
propostos para denominar o grupo).
Diego: Podemos chamar-nos o grupo dos irmãos “Invadidos”.
Coordenador: E porquê esse nome?
Diego: Porque os invasores destroem tudo e é como a minha irmã que parte as
minhas as minhas coisas. Somos atropelados pelos nossos irmãos invasores.
Daniela: Mas temos sorte em tê-los, podes aprender com eles, como eles
aprendem contigo... um complemento.
23
Diego: Enfurece-me que toque em tudo e pegue no telefone.
(Começam a falar todos ao mesmo tempo).
Daniela: Mas também é preciso que os pais lhes ralhem, porque senão pensam que podem bater e fazer o que querem. Há que ensinar-lhes, eles não sabem.
Coordenador: Estás a põr a questão dos pais imporem limites aos irmãos para
que aprendam a viver em família.
Daniela: Se ele vem e te bate, tens que impõr-lhe limites; ele não deve baterte porque vai fazer o mesmo no colégio, vai bater no companheiro, ou vai portar-se assim em qualquer lugar e há que ensinar-lhe, e isso têm os pais que
fazê-lo e nós também. Pelo facto de serem deficientes, não se deve deixá-los
fazer tudo.
24
Micaela, no quarto do pai, tirando a roupa do armário. Essa é uma das suas melhores brincadeiras.
(Ezequiel, 9 anos)
A raiva, os ciúmes, a rivalidade e o sentimento
de injustiça estão sempre presentes
Nestes testemunhos os irmãos reclamam aos pais defesa, cuidados e protecção. Pedem um tratamento mais justo e igual.
Há um pedido para que imponham limites ao irmão. Este é um apelo constante e muito repetido por parte de todos os irmãos com quem tivemos contacto (leiam o ponto referente às propostas que os “Irmãos Experientes” fazem aos pais para ajudar os filhos no
seu desenvolvimento).
Os testemunhos apresentados deixam entrever os sentimentos de raiva, ciúmes e rivalidade pela situação de privilégio que habitualmente tem o irmão com deficiência na
atenção, na posse de coisas materiais e protecção paterna.
A ausência de ralhos e normas para com a criança com deficiência, aumenta esta sensação de que “são uns reizinhos”, como o manifestou um dos integrantes do grupo “Os
Melhores”.
O irmão sem deficiência fica por momentos dominado por sentimentos de raiva e injustiça perante a situação de gozo de todos os privilégios por parte da criança com a deficiência e pela sua situação, sentida, de desvantagem: vítima de murros, maus tratos,
usurpação de pertences e por falta de protecção dos pais.
Os integrantes do grupo “Os Melhores” sentem-se “ como que “invadidos” pelos irmãos
“invasores”.
Em relação à situação de ocupar este lugar de maltratados face ao irmão com a deficiência, estará encoberta uma atitude masoquista de deixar-se bater e ser invadidos por
eles, pondo-se numa posição de passividade? Obedecerá esta atitude a uma tentativa de
diminuir sentimentos de culpa por possuirem tudo aquilo que falta aos irmãos?
Os sentimentos de injustiça pelo tratamento preferencial dos pais para com o deficiente estão também presentes quando os irmãos dizem: “Tem os meus pais comprados”; “Faz
disparates e não se lhe pode ralhar”; “Dizem-me sempre que a culpa é minha”; “Entra no
meu quarto e tira-me tudo e não lhe ralham”, etc..
Alguns testemunhos de crianças entre seis e nove anos, participantes de um grupo,
reflectem as rivalidades e ciúmes presentes nesta relação fraterna:
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Matías: O meu mano pede sempre coisas estranhas e sempre as compram. Eu às vezes peço coisas caras o baratas e nunca me compram nada. A ele compram-lhe tudo.
Mariela: Comigo é o mesmo. A minha avó compra tudo ao meu irmão e a mim nada.
Diego: Um amigo do meu pai que tem imenso dinheiro, comprou-me a mim um
par de sapatos e ao meu irmão uma aparelhagem gigante.
Javier: A mim compraram-me um avião que se bates com ele parte-se, e que ainda
por cima não se pode dobrar, e ao meu mano ofereceram-lhe esse que se enche
e anda.
Giselle: Eu estava a jogar no computador. O meu irmão estava a brincar com o
pau da vassoura. Fez assim, deu uma volta e bateu neste sítio; ficou-lhe uma nódoa negra e culparam-me a mim. E eu estava no computador. A minha mãe não
nos trata igual.
Andrea: Uma vez estava a brincar com ele a persegui-lo, eu tinha que agarrá-lo
e levá-lo. Olhou para trás, havia uma porta, empurrou-a e pum. Deitaram-me as
culpas a mim. Isso não está bem!
O fragmento de uma conversa de grupo de crianças de dez a catorze anos contribui com
reflexões neste mesmo sentido:
Macarena: Quando o meu irmão está a brincar e eu lhe pergunto: “Deixas-me
brincar?”, el diz-me que não. Então conto à minha mãe e ela não lhe diz nada.
Quando estou eu a brincar e lhe digo “não”, vai contar à minha mãe e, aí sim, a
mãe obriga-me a deixá-lo brincar. Não é justo! A minha mãe faz diferenças. Ele
é o preferido.
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Fabián: Por exemplo, acontece-me o mesmo para ir à frente no carro. Ela vai
sempre à frente e eu digo ... “Mamã, posso ir eu à frente?” e a minha mãe responde-me sempre: “Deixa-a, porque senão chora”.
As atitudes paternas de tratamento desigual entre os filhos podem incentivar a competição entre os irmãos e ser fonte de sentimentos de ciúme, rivalidade e injustiça. Por outro
lado, os sentimentos hostis para com o irmão aumentam a culpa que motiva a mostrar atitudes contrárias, como por exemplo, cordialidade, excessiva bondade ou demasiada ajuda
solícita.
Se o irmão tem a possibilidade de expressar e partilhar estes sentimentos negativos presentes na relação fraterna, aliás comuns a toda relação entre irmãos, isso ajudá-lo-à a não sentir-se um “menino mau”.
A pressão das responsabilidades e exigências
Todos os testemunhos transcritos mostram atitudes parentais de sobreprotecção para
com o deficiente que está isento de cumprir responsabilidades, enquanto os filhos sem limitação estão sobrecarregados de exigências. É o que expressam os irmãos na entrevista da família L: “Não lhe exigem nada. Ele nunca faz nada em casa, passa a vida a jogar no computador ou a ver televisão e nós temos demasiadas responsabilidades desde muito pequenos”.
O irmão é levado a assumir responsabilidades quando colocado desde muito pequeno
num lugar de adulto. Muitas vezes vê-se obrigado a crescer de repente, a desenvencilhar-se
sozinho numa idade em que outras crianças são apoiadas e acompanhadas pelos adultos.
A mim, falsificaram-me a certidão de nascimento e comecei a primária com
cinco anos e acabei a primária com cinco anos. Fantástico porque terminei
tudo super cedo, mas isso põs-me sempre em ambientes de pessoas mais velhas do que eu. Evidentemente que os meus pais não devem ter feito de propósito, mas inconscientemente fizeram-me a crescer mais depressa.
(Graciela, 32 anos)
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Eu aprendi desde pequena, creio que com sete anos, a viajar sozinha de autocarro para ir para o colégio. Também ia sozinha ao inglês que ficava a dez
quarteirões de casa. Fazia sempre os trabalhos sem ajuda. Não me lembro de
alguém em minha casa ter visto um caderno meu. Uma vez até assinei o boletim porque a minha mãe se tinha esquecido.
(Fabiana, 35 anos)
A criança sem deficiência assume também desde pequena muitas responsabilidades
quanto ao cuidado e atenção para com o irmão diferente. Age com mais maturidade do
que a sua idade ou possibilidades lhe permitem. Ouve-se nestas familias: “Vai lá, vê o que
está a fazer”; “Ajuda-o nisto ou naquilo”.
Nos relatos que figuram no seguinte momento de reflexão de um grupo de crianças
entre os seis e nove anos, encontram-se referências a estas exigências familiares com o
cuidado para com o seu irmão.
Florencia: Porque tenho de brincar com o meu irmão se não gosto? Interrompem-me sempre quando estou a fazer algo para ir jogar à bola com ele.
Coordenador: Quem é que te interrompe?
Florencia: O meu irmão e também a minha mãe. O Agustin quer que brinque
com ele e a mãe também. Às vezes não me apetece e tenho de fazê-lo.
Matías: A mim também me chateia que tenha de deixar de fazer os trabalhos
para tomar conta dele.
Os testemunhos de outros irmãos adolescentes integrantes de um grupo de reflexão
mostram-nos também a sobrecarga de responsabilidades que lhes recai sobre ombros,
muitas vezes como consequência de uma delegação paterna explícita; outras, assumidas
pela exigência pessoal.
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Néstor: A minha mãe diz-me sempre que eu sou o único rapaz e que tenho de
tomar conta das minhas irmãs, sobretudo de Marina (irmã com surdez). Estou
sempre com ela; a minha mãe diz que eu sou quem mais a entende quando fala e que tenho de cuidá-la quando vamos a qualquer lado, porque por vezes as
pessoas não a compreendem e ela reage mal.
Gastón: Quando vou ao cinema tenho sempre de o levar, porque se ele não vai , eu
também não vou. O que mais me chateia é que quando vamos ao cinema, ele sabe
que há uma geladaria e ... mal chegamos, já ele está dentro da geladaria.
Ricardo: Tenho medo de que não liguem a meu irmão, ele é carinhoso e também tem sentimentos ... Muitas vezes põem-no de lado e eu tenho de ir dizer
aos miúdos que ele também tem que entrar no grupo. Isso acontece no recreio
do colégio; ele está no mesmo colégio que eu e durante o recreio não deixo que
o ponham de lado e fique sozinho; como ele é mais lento em tudo, não o convidam para brincar com eles.
Gastón: Sou eu que tenho de levar o meu irmão aos aniversários dos meus
amigos porque já o conhecem. Só em alguns dias é que posso ir sozinho. Tenho de ficar ao lado dele, a tomar conta. Ás vezes fico preocupado quando está com algum amigo meu porque fica chato e começa a incomodar, até pode
cuspir e puxar o cabelo. Estou quase sempre cansado.
Coordenador: Isto de ter de cuidar dos irmãos cansa!
Gastón: O pior é que os meus pais dizem que não estou com ele e que está sempre
sozinho. O que se passa é que, como não estão com o meu irmão, começam a dizer
que não tomo conta dele e não se apercebem que estou sempre a cuidar dele.
Marcela: A mim não me incomoda cuidar da minha irmã, mas fico chateada
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que se ponha com birras quando estou a tomar conta dela, porque os meus
pais podem pensar que não a cuido bem e culpam-me.
Geralmente, os pais consideram o filho sem limitação, comparado com o filho deficiente, “maduro”, “autónomo”, “grande” (mesmo que seja mais jovem que o deficiente), “capaz de entender e
raciocinar”, “capaz de encarregar-se do cuidado e protecção do irmão”, muitas vezes prematura e
excessivamente em relação aos desejos e possibilidades reais deste filho. Quer dizer, as necessidades deste em comparação com a incapacidade do outro filho aparecem sobrevalorizadas e, por
tanto, exigem-lhe demasiado no que respeita ao cumprimento de muitas responsabilidades.
Em certas ocasiões, é o próprio irmão que se auto-exige um excesso de responsabilidades a
cumprir dentro e fora da família.
A super-exigência quanto ao cuidado da criança com a limitação é expressada na carta de Lucía que apresentamos mais adiante, quando nos diz:
“Então tomei a meu cargo o seu suposto sofrimento e decidi protegê-la da “gente e do mundo ameaçador”.
Ao princípio, quis ser como ela. Olhava-me ao espelho, fazia os olhos achinesados e assim eu também tinha o síndrome de Down. Seria mais fácil estar perto
dela ou, melhor ainda, “dentro dela”. Interiorizei-a e andei sempre à sua frente,
tapando cada buraco que aparecia como dificuldade.
Adoptei uma posição defensiva, todos eram inimigos, tanto de Inês como meus, e
eu ... a sua salvadora. Sentia-a incapaz de aguentar frustações, de ser feliz com o
seu destino. Deixei de lado as minhas coisas para a acompanhar. A dependência
crescia e a nossa relação limitava-se a um cuidado excessivo de ambas partes.
Não conseguiamos ser nós próprias. A outra impedia-o. Isto sucedeu durante anos.
A motivação destes excessos de cuidados pode ser a imagem de um irmão desvalido,
indefeso e sofredor em relação ao qual deve tornar-se “o salvador”.
Noutros casos é a culpa que faz assumir o peso de tantas responsabilidades ou o identificar-se de tal forma com o irmão com déficit, que se perdem os limites com ele. Ainda
podem estar presentes outras razões por detrás de tanta exigência e renúncia.
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Os irmãos adultos que participaram nos workshops, ao reflectir sobre as próprias fortalezas assinalaram que desde crianças foram muito lutadores, auto-exigentes, perseverantes,
sobreadaptados, solidários, sempre dispostos a resolver os problemas dos outros, etc..
As palavras directas de alguns deles são muito eloquentes:
Desde muito pequeno que gosto de fazer as coisas pelos outros, talvez tenha
descuidado parte das minhas coisas.
(António, 35 anos)
No colégio sempre ajudo todos com os trabalhos. Empresto tudo ... Oiço os
problemas dos meus colegas, dou-lhes conselhos para se sentirem melhor.
Poucas vezes peço ajuda ... não sabem o que se passa comigo.
(Vanessa, 10 anos)
O irmão requer dos adultos autorização para diminuir a auto-exigência e sentir que
tem direito a ocupar-se de si mesmo.
O difícil é encontrar um ponto de equilíbrio entre a super exigência com um destino
identificatório com o deficiente e a renúncia à própria vida, e o afastamento e a omissão
total da situação.
Preocupa-me que meu irmão atravesse a rua de minha casa no momento em que passe um carro.
(Juan, 6 anos)
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O irmão sente-se só, isolado e à margem
Noutras circunstãncias, os pais adoptam um comportamento de superprotecção para
com o irmão sem limitação, sendo este dispensado de responsabilidades e preocupações
em relação a todas as situações diárias que exigem a atenção do filho com deficiência.
Também não se dão explicações sobre a problemática do irmão. O tema da deficiência
instala-se como um segredo de família.
Neste caso, são os adultos que dispõem da informação e se encarregam exclusivamente de toda a responsabilidade de educar. O filho sem deficiência sente-se marginalizado,
desinformado, isolado e confuso. Não é envolvido usando-se o argumento de que, deste
modo, o poupam dos problemas que a complicada situação familiar acarreta.
Esta atitude parental não favorece o estabelecimento de um vínculo fraterno.
Não entendi qual era realmente o problema do meu irmão, pensei que ia ficar
curado porque sempre o levavam a médicos e a especialistas. Fazia imensos
tratamentos dos quais eu ficava sempre à margem. Estava totalmente isolado fazendo a minha vida.
(Sebastián, 57 anos)
A minha mãe sempre se ocupou sózinha de tudo quanto se relacionava com a
minha irmã Fátima; quando a minha mãe morreu, senti de repente esta noção
de que nada sabia, nem os nomes dos médicos que a atendiam, nem dos remédios que tomava. Foi um golpe fortissimo para mim ter que assumir de repente toda a responsabilidade de uma irmã que me era desconhecida.
(Beatriz, 41 anos)
Relatos como este repetem-se uma e outra vez mostrando situações muito mais frequentes do que se poderia supõr sobre um irmão que é mantido à margem de todas as
exigências que pesam sobre a família, no que respeita ao cuidado do elemento com deficiência.
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A preocupação em fazer papai e mamãe felizes
Os irmãos desde pequenos, percebem o clima familiar de preocupação, angústia ou tristeza.
Sentem a vulnerabilidade de seus pais e “que não são felizes” pelo qual desde bem pouca idade
(ou bem pequenos), assumem certas condutas com o fim de dar alegrias ao papai e a mamãe.
Ficam expostos a carregar o peso, de dar suporte aos pais, se sentem impulsionados a cumprir
com a missão heróica de compensar-los pela ferida e a dor através de conquistas e satisfações
permanentes.
Assim se apresentam como crianças maduras, competentes, responsáveis, brilhantes, inteligentes, bons alunos, alegres: “crianças nota dez”. Esforçam-se para se resolverem sozinhos,
evitam acudir a seus pais para transmitir a eles suas preocupações e dificuldades, não querem
trazer-lhes complicações, “eles já tem muitos problemas com seu irmão”. Sentem-se orgulhosos de demonstrar estas condutas “não dar nenhum trabalho” e fazer a família feliz.
Em resposta a uma consigna que damos nos grupos para que reflitam em relação a aspectos
positivos sobre sí mesmos, as crianças e adolescentes dizem de forma enfática: “Sou bom aluno”; “Sou estudioso”; “Me comporto bem em casa”; “Ajudo meus pais”; “Cuido do meu irmão”;
“Gosto de ver meus pais felizes”, etc.
Esse lugar “de filho que traz satisfações” tende a ter como motivação o alto nível de expectativas que os pais depositam nele na procura de compensação por tudo que o outro filho, com
deficiência, não pode oferecer.
Recordo que uma vez tirei dez no boletim de qualificações; era muito importante
para mim. Entrei correndo pela porta da frente da minha casa para mostrar-lo a
minha mãe; ela estava muito feliz nesse momento porque Lucas havia feito bem
um exercício que lhe havia ensinado. Nem olhou para o meu boletim.
(Martina, 29 anos)
Entre as propostas que um grupo de crianças de seis a nove anos fazem aos pais em
uma parte do livro, se apresenta o seguinte: “Não nos peçam que sempre tiremos dez!”.
Um grupo de irmãos adultos aconselha aos pais: “Não esperem do filho saudável o
que o deficiente não lhes pode dar, ele não pode compensar-los das insatisfações que
lhes produz o outro filho”.
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A criança sente-se bem quando os pais desfrutam da vida
Testemunhos de irmãos adultos
Magalí: Sempre me preocupou a vida que a minha mãe levava, ela dedicou toda a vida a minha irmã e não põde desfrutar de nada ... nem de mimí.
Estela: A minha mãe também deixou de fazer um montão de coisas para ela.
Sacrificou-se pelo meu irmão.
Matul: Passou o mesmo com a minha mãe.
Joana: Creio que o pior da nossa infãncia foi não podermos desfrutar de uma
mãe que gozava a vida.
Rafael: Sucedeu o mesmo comigo e meus irmãos, nunca vimos a mamã feliz,
excepto nos períodos em que a minha irmã estava bem. Esta era como que o
termómetro do estado de ãnimo de minha mãe.
Na idade adulta os irmãos, ao recordar os pais da sua infãncia, referem que teriam precisado de sentir que eles desfrutavam da vida.
Para as crianças é um alívio saber que os pais encontram alguma fonte de felicidade na
sua vida que não passa somente pelo que eles são o fazem pelos seus progenitores. Isto dispensa-os do esforço de ter que permanentemente fazer coisas para tê-los contentes.
Por outro lado, para os irmãos é uma fonte de grande mal-estar ver que os pais sentem uma constante infelicidade em consequência da incapacidade do irmão e que, muitas vezes, apesar do que lhes podem oferecer, não conseguem diminuir essa dor.
Em geral, há uma referência à “mãe infeliz” da infãncia mais do que à figura do pai.
Abundam as recordações infantis de uma mãe que se sacrificou, renunciou à vida, se imolou pelo filho deficiente e deixou de procurar motivos de gozo e felicidade próprios.
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Numa sessão de psicoterapia individual, Analía conta uma recordação infantil que lhe
continua a martelar a cabeça até hoje, já com quarenta e um anos:
Um dia, estavamos eu, a mamã e Martin, o meu irmãozinho deficiente, em
Mar del Plata. Eu teria uns oito anos ... lembro-me que a mamã disse olhando
o mar: “Para acabar com este sofrimento, eu atirava-me ao mar com o teu irmão desde que tivesse a garantia de que morriamos os dois ao mesmo tempo”.
Imagina como me devo ter sentido, tão pequena a ouvir isto ... Para ela eu estava ali mas não existia, a minha existência não lhe dava qualquer motivação
para viver.
Em todos estes relatos de experiências de vida está latente uma questão: Eu não significo ou não signifiquei nada para os meus pais ou para minha mãe?; a minha presença
não é ou não foi motivo de felicidade?; ou, como equaciona Analía, “a minha existência
não dava qualquer motivação à vida da minha mãe”.
As dúvidas em relação ao amor dos pais
Nos relatos das páginas anteriores ficam expressas as dúvidas constantes em relação
a se estes irmãos são realmente amados pelos pais, ou se só há lugar no coração dos pais
para o irmão com deficiência.
Há outros comentários neste mesmo sentido:
Os meus pais não gostam de mim, estão sempre com o meu irmão.
(Martina, 7 anos)
Eu tiro boas notas e nem me ligam, a ele felicitam-no por tudo. É o preferido.
(Sandra, 8 anos)
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Nem olha o meu caderno. A minha mãe está todo o tempo a fazer os deveres
com a minha irmã. Gosta mais dela.
(Favio, 8 anos)
Muitas vezes os irmãos interpretam a atenção e os cuidados especiais que a criança
com deficiência recebe como consequências de falta de afecto em relação a eles. Têm dúvidas, sentem que não são queridos.
Em certas ocasiões, o irmão pode chegar a sentir que não consegue ter o amor paternal “por não ser bom” e, por isso, dele merecedor.
Este caso seguinte é o de uma criança de nove anos que, face ao pedido para desenhar a família, não se inclui a ele embora coloque Filipe, o irmão que tem uma deficiência,
num lugar de preferência junto da mãe.
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De entre as propostas feitas pelos irmãos de dez a quatorze anos figura a seguinte:
“Demonstrem que nos amam, talvez gostem de nós, mas não o demonstram”.
Um grupo de adultos dá de entre uma série, a seguinte sugestão aos pais: “Exteriorizem o seu amor por ele (referindo-se ao filho sem a deficiência), ele necessita disso. Não
o tornem um deficiente emocional.
Em relação a esta procura de sinais de reconhecimento e afecto dos pais, há um pedido para partilhar com eles momentos exclusivos. Isto costuma ser tomado como uma prova de amor: se os meus pais querem estar comigo é porque me amam.
Muitos adultos ao recordar a sua infãncia fazem-nos os seguintes relatos:
Lembro-me que na minha infãncia nunca pude estar a sós com os meus pais,
ou seja, partilhar com eles momentos exclusivos. Em minha casa, alguém tem
sempre que ficar a cuidar do meu irmão, ele não pode ficar sózinho. Então,
nunca pude sair com os meus pais em simultãneo porque, se meu pai ficava
com ele, eu podia sair com a minha mãe e, se ficava a mãe, só podia sair com
o meu pai, mas juntos com os dois, nunca. Sempre tive a dúvida se meus pais
queriam estar comigo. Eu pensava que não gostavam de mim.
(Mirta, 56 anos)
Nunca tinha a possibilidade de estar sózinha com a minha mãe e eu adorava
estar com ela, falar com ela, contar-lhe as minhas coisas, sair, ser acompanhada a qualquer lugar ... mas ela ficava sempre a cuidar da minha irmã; meu pai
nunca se aventurou a ficar sózinho com ela. Ainda hoje tenho dúvidas se a mamã gostava de estar comigo, pelo menos nunca o demonstrou.
(Susana, 37 anos)
O irmão precisa que os seus familiares lhe dediquem um tempo próprio e exclusivo,
não as sobras que restam. Requer que nem sempre tenha de partilhar os seus familiares
com o irmão especial.
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Porquê a culpa?
A atitude egocêntrica das crianças mais pequenas pode levá-las a pensar que o
que se passa com o irmão, mesmo que não saibam exactamente o quê, se pode dever
a algo mau que eles fizeram, por exemplo, em algum momento ter-lhe batido, ou ter
tido um mau pensamento em relação a ele. Desde muitos pequenos que costumam
sentir culpa pelo irmão com deficiência, ou pelos pais porque os vê tristes e preocupados.
Desde miúdo me senti culpado pela doença do meu irmão. Por um lado, sabia
que não era culpa minha porque a minha mãe o dizia, mas mesmo assim sentia que ele poderia ter sido saudável se o tivesse tratado de forma diferente.
(Gerardo, 51 anos)
Quando são mais crescidos, surge também o sentimento de culpa ao aperceber-se das
capacidades de que o seu irmão carece. É a culpa por ser o “saudável”. Perguntam-se de forma culposa “porque sou saudável e o meu irmão não?”; “porque é que ele não pode fazer as
mesmas coisas do que eu?”; “porque tem de ir a uma escola especial?”; “vai-se curar?”.
Os irmãos necessitam de ser reassegurados quanto ao facto de que a deficiência não tem
qualquer ligação com o que eles fizeram ou deixaram de fazer, mesmo que esta confirmação externa, tal como acontecia a Gerardo, não apague totalmente a culpa.
No outro dia fui dançar. Os meus amigos passaram por casa a buscar-me.
Quando nos iamos embora, vi como Carlitos nos olhava ... deu-me pena porque, pela sua dificuldade motora, nunca vai poder sair para dançar.
(Brain, 16 anos)
Quanto mais coisas se conseguem fazer, mais ressalta o que o irmão não pode fazer
e habitualmente maior a culpa que acompanha estas conquistas. Os irmãos costumam,
inclusivé, sabotar conquistas pessoais para diminuir a culpa.
Em determinadas alturas, a própria familia pode retirar oportunidades a esta criança
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sem limitação a fim de não deixar em evidência a incapacidade do irmão, “diminuindo”
as diferenças. E ao fazê-lo, parece culpabilizá-lo pela sua evolução.
Numa ocasião, veio à consulta uma família com dois filhos gémeos de seis anos; um
deles tinha surdez mas o outro ouvia. À criança com audição tinham retardado a sua entrada na primeira classe, apesar de estar em condições pedagógicas para fazê-lo, com o
objectivo de dar tempo ao seu irmão surdo para adquirir maior capacidade linguística e
poderem entrar os dois ao mesmo tempo; deste modo, “a criança surda não sofreria por
ver o irmão adiantar-se-lhe”. O irmãozito com audição carregava com muitos sentimentos de culpa por possuir capacidades que o seu gémeo não tinha.
Outras vezes, a culpa aparece também ao sentir que não fazem o suficiente pelo irmão e que estão em falta para com ele.
Às vezes ponho-me a ver televisão ou a jogar PlayStation e não brinco com
ela, então fica sózinha e aborrecida
(Mariana, 10 anos)
Nos adolescentes e adultos, a culpa aparece perante situações de desprendimento e
afastamento da família.
É uma constante que os sentimentos de raiva e rivalidade presentes neste vínculo fraterno sejam acompanhados de culpa. É como se a criança se dissesse a si própria: “Como
posso ser tão mau com o meu irmão tão limitado e desprotegido!”
Às vezes zango-me com o meu irmão e dou-lhe um murro ... tal como os meus
amigos fazem com os irmãos deles que não são deficientes, mas sinto-me mal
... penso que talvez lhe faço mal ou que sou um mau irmão ... ainda que ele se
saiba defender, e tenha mais força do que eu.
(Dario, 13 anos)
Os pais podem contribuir para estes sentimentos de culpa quando lhes ralham, ou
chamam a atenção culpabilizando-os por algo que fizeram ou deixaram de fazer.
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Estas são as queixas constantes nos testemunhos de crianças de dez a catorze anos:
No final é a ti que te ralham. Sempre ficamos como os que têm a culpa e não é
assim.
(Sebastián)
Dizem-me sempre “tudo por tua culpa”.
(Macarena)
Não me incomoda ter de tomar conta da minha irmã, mas detesto sim que se
ponha com birras quando cuido dela porque os meus pais podem pensar que
não o estou a fazer bem e me culpem.
(Marcela)
Coitadinho de meu irmão, não pode brincar.
(Julián, 8 anos)
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Quantos sentimentos surgem ao expõr-se com o
irmão lá fora!
Testemunhos de grupos de crianças de dez a catorze anos
Mauro: É horrível quando o olham na rua ... vejo-lhes a cara quando passam na rua,
olham-no de alto a baixo e ficam assim ... Magoa-me porque o põem de lado, olham-no de outra maneira. Às vezes os miúdos chamam-lhe “baboso” porque lhe
cai a baba. E eu tenho que ir e dizer-lhes: “Porque lhe disseste isso?”.
Marcelo: A mim incomoda-me que chamem “doentinha” à minha irmã, e eu
desato aos murros para defendê-la.
Anita: As minhas amigas não lhe chamam “doentinha”, já sabem que tem um
problema.
Cristián: A mim uma vez aconteceu que lhe chamaram “atrasada mental”, depois
não lhe chamaram mais nada porque desatei aos murros; porque não gosto que se
metam com a minha irmã.
Diego: Às vezes uns miúdos grandes batem à minha irmã, aproveitam-se porque está doente.
Matias: Tinha um amigo mas não me apercebia que se aproveitava da minha irmã.
Quando ela estava a beber uma cola, tirava-a, quando estava a comer um bolo, tirava-o e comia-o. Ou então, fazia-lhe este gesto (gesto de cornos) e a minha irmã
sempre que lhe fazem este gesto desata a chorar porque não gosta. E então quando eu virava costas, ele fazia-lhe este gesto e a minha irmã desatava a chorar e eu
não me apercebia de nada. Um dia eu estava de olho no meu amigo e vi que era ele
que lhe tirava a cola. Dei-lhe um murro e nunca mais fui amigo dele.
Sebastián: Se os nossos amigos gozam com os nossos irmãos, os nossos pais
deveriam falar com os pais desses miúdos.
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Crianças de seis a nove anos que integraram um grupo de irmãos compartilharam reflexões semelhantes:
Ana Maria: Não gosto que o olhem e me olhem e digam coisas ... Quando saio
com ele ou coisas assim.
Coordenador: Incomoda-te que te olhem?
Ana Maria: E que o olhem a ele.
Mauro: Incomoda-me que no bairro se metam com ele
Diego: Detesto ... quando vamos a algum lugar e o olham com má cara.
Sebastián: Não gosto que usem a palavra “deficiente” como insulto.
Leandro: Por aí quando estás com os amigos talvez digas algo a que eles não
acham graça e chamam-te: “ estúpido”, “ atrasado mental”. Muitos miúdos
dizem isso ... como insulto. Eu não gosto.
As pessoas externas à família têm diferentes reacções: olham com curiosidade, perguntam, gozam, podem aproveitar-se da falta de defesa do deficiente, discriminam, e isto é fonte de várias resposas emocionais nos irmãos.
A vergonha a expõr-se perante o olhar dos outros, o receio da pena ou do gozo são
algumas das suas respostas face ao exterior.
A criança não só se envergonha pela aparência do seu irmão, como também pelos seus
comportamento: birras, gritos, impulsividade e outras atitudes inoportunas. Muitas vezes
o irmão pensa que os outros poderiam supõr que ele também tem alguma deficiência, como é expressado por Carina de onze anos:
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No outro dia, quando fomos ao Shopping, Alejo fez uma birra grande porque a
mamã não quis comprar-lhe um bolo; todos olhavam; eu queria desaparecer,
que a terra me engolisse, porque pensei que todos iam acreditar que também
eu poderia ser como ele ou, por aí pensavam: “pobre miúda, que desgraça ter
uma irmão assim”.
A vergonha pode dominar o irmão no momento de o apresentar aos amigos ou companheiros do colégio.
De todas as formas, converte-se no seu grande defensor quando capta o menor sinal
de gozo ou discriminação. Então, recorre ao confrontamento com os outros, ao desafio,
ao insulto e até “aos murros”.
(Jorge, 16 anos)
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O não saber, as dúvidas, os receios
e a incerteza por falta de informação
Quando perguntamos às crianças sobre o que se passa ou o que tem o irmão, em geral não sabem responder, ou então respondem com o nome da deficiência mas sem saber
explicá-la.
A minha maninha (com Síndrome de Down) tem um pequenino sopro.
(Anita, 7 anos)
Não sei o que tem; a minha mamã disse-me mas não me lembro.
(Maria Cecilia, 8 anos)
O meu irmão não pode andar mas não sei como se chama a doença
(Rubén, 8 anos)
Esta desinformação dá-se não somente com as crianças de menor idade, mas também
com os jovens.
São muitas as dúvidas e preocupações em torno das limitações, das causas, dos tratamentos, do prognóstico.
Deparamo-nos com crianças com déficit de informação ou com falhas de compreensão face às explicações recebidas.
Mauro de trinta anos diz-nos:
Agora que sou mais velhp vejo que ninguém se sentou comigo a explicar o
que se passava com o meu irmão. Quando me diziam que era “doentinho”
pensava que se ia curar. Só na minha adolescência entendi a causa do que se
passava com ele, ao ler um livro de biologia no secundário. Que bom seria que
alguém me tivesse falado sobre o Síndrome de Down, muitas coisas teriam sido
mais fáceis para mim!
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Por vezes, os familiares podem não dar a informação numa tentativa de proteger este filho.
Às vezes, estão tão sobrecarregados com as exigências do filho com deficiência, que
parecem não encontrar tempo ou energias para se sentarem com os outros filhos a fim de
lhes dar explicações ou desfazer-lhes dúvidas.
Outras vezes, querem informar mas não o fazem porque não sabem como. E outras tantas vezes, falaram em alguma ocasião com a criança, mas não actualizaram o
assunto.
Muitas famílias se orientam segundo uma regra, mais ou menos explícita: “não se fala disto”; a deficiência fica instalada como um tema tabú, como se existisse a fantasia de
que aquilo de que não se fala, não existe.
Via que os meus pais saíam com o meu irmão, andavam de médido em médico
... era uma confusão em minha casa. A mim deixavam-me sempre com a empregada. Tudo tinha mudado em casa e ninguém me explicava o que se passava ... eu também não perguntava. E assim foi passando o tempo, em silêncio.
(Mário, 37 anos)
A questão é que as crianças, por carência informativa, ficam sós e confusos com interpretações pessoais elaboradas com os poucos elementos que viram ou ouviram. Podem
ficar dominados por excessivos receios que não condizem com a realidade. Em consequência da falta de informação e das dificuldades de compreensão associadas à vigência do
pensamento egocêntrico, as crianças mais pequenas costumam fazer interpretações erróneas sobre o que tem ou o que se passa com o irmão. Entre estes equívocos é frequente
encontrar-se interpretações do perigo de contágio da deficiência.
A partir da sua experiência quotidiana, as crianças registam que estão expostas a muitas doenças que se contagiam tirando, então, como conclusão que a deficiência se pode
adquirir por contágio; portanto, ele está exposto a contrai-la e tornar-se surdo, cego, deficiente motor, etc..
Além disso, a falta de informação leva a temores em relação à possível morte do irmão
ou a fantasias sobre uma cura mágica.
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Frente à falta de informação, muitas crianças ficam passivas; outras iniciam uma busca
de dados para esclarecer o que se está a passar, como recorda Gladys no relato seguinte:
A minha irmã sofreu o primeiro episódio psicótico aos doze anos, coincidindo com
a primeira menstruação. Eu teria onze anos e era consciente de que algo se passava porque a minha mãe chorava e chorava. Queria entender o que se passava ...
Lembro-me que revistava os papéis da mamã até que encontrei a história clínica
e li a palavra “esquizofrenia”, era a primeira vez que a ouvia.
É indubitável que as crianças precisam de saber sobre a deficiência, dos seus efeitos
sobre o irmão, a sua escolaridade, o futuro.
Numa altíssima percentagem, os pais das crianças que participam nos workshops responderam que só deram informação aos filhos quando estes perguntaram directamente.
Muitas vezes, as crianças pedem informação aos adultos com uma mensagem entre
linhas, sem conseguir formular uma pergunta clara. Questionamo-nos, então sobre quantas
vezes um irmão está a pedir informação e não lhe é dada. Está claro que há que estar alerta
para responder a estas dúvidas ocultas.
Toda a informação que possuirem vai ser-lhes útil para responder às suas próprias inquietações, às perguntas feitas por estranhos, amigos, companheiros de colégio, etc..
É benéfico para o desenvolvimento destes irmãos o poder ser acompanhados por
adultos atentos, compreensivos e sempre disponíveis para dar o esclarecimento oportuno em cada fase evolutiva.
A informação requere-se dosificada, adequada a cada etapa e que seja renovada e actualizada, já que à medida que a criança cresce, surgem novas dúvidas e inquietações.
Também se deve atender ao pedido encoberto de informação, aquele que não vem formulado através de uma pergunta directa.
Para ele é prejudicial a ocultação ou o engano a respeito do que se está a passar.
Para poder entender uma situação e a ela adaptar-se, qualquer criança necessita de
saber qual é a realidade, ou seja, requere uma informação clara e real.
49
As preocupações com o futuro
Se bem que o futuro é uma preocupação que surge nos irmãos adolescentes e adultos,
registámos em alguns púberes certa inquietação relacionada com a etapa em que os pais
já não estão.
Acima de tudo tenho medo do que possa passar quando os meus pais morrerem. Que vamos ter que fazer? ... A mamã deixou-lhe a melhor casa - que é a
que temos na cidade - e dividiu as outras duas casas entre nós. A ela já lhe deixou a casa para que possa viver aí com o marido, ela namora há dois anos. O
namorado tem outra casa.
Preocupa-me que sejam os dois surdos e lhes entre alguém para roubar, que
não tenham ninguém para tratar deles ... Agora está tudo bem porque os meus
pais estão vivos, mas depois não sei o que se vai passar.
No final, eles poderão viver em minha casa ... faço-lhe um quarto ou uma casa
nos fundos e que vivam aí. Não sei, tenho medo que estejam sós e desprotegidos.
(Néstor, 14 anos; irmão de Vanessa, uma jovem surda de 17 anos)
As preocupações com o futuro aumentam quando se vê que os pais sobreprotegem o
deficiente a tal ponto que o criam abaixo das suas possibilidades e que, portanto, não o estão
a preparar para o que está por vir. Na entrevista com a família L, Karina diz: “Sobreprotegem-no e estão a torná-lo um inútil; ele pode fazer mais”.
Também é eloquente o que se segue:
A minha mãe trata-o como se fosse um bébé ... quando ela não estiver, como
me vou ver com ele? Vou ter que fazer tudo?
(Luli, 13 anos)
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O enriquecimento pessoal e as aprendizagens que a experiência deixa
As experiências seguintes são testemunho do enriquecimento que pode significar para as crianças o ter que enfrentar uma situação de adversidade.
Um grupo formado por crianças pequenas de oito e nove anos reflexionaram deste modo, quando se lhes perguntou a cerca das aprendizagens deixadas pela experiência de ser
irmãos:
Rubén: Com o meu irmão aprendi a entender melhor as pessoas diferentes
porque é muito difícil ter um irmão assim. Então, já posso entender muitas
pessoas ... que também têm problemas.
Coordenador: Então aprenderam a escutar, a entender. Que aprenderam a
ouvir dos outros? Que aprenderam a entender?
Macarena: Aprendemos a ajudá-los com os problemas que têm ... talvez um
miúdo tenha um problema com um irmão que também tem uma deficiência.
Aprendemos aajudar toda gente que tem problemas, a dar-lhes conselhos.
Pelo seu valor testemunhal, partilhamos com o leitor as seguintes palavras de muitos
irmãos recolhidas em diferentes fontes:
O meu irmão tem problemas nos pés e não pode andar; tem de usar aparelhos.
Ele ensinou-me a não ofender as pessoas que são deficientes.
(Nicolás, 8 anos)
O meu irmão é surdo ... e ensinou-me a jogar com a PlayStation.
(Sandra, 9 anos)
Aprendi a não dizer “atrasado mental”.
(Darío, 9 anos)
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Antes chateava as outras crianças que tinham deficiência e agora pûs-me no
lugar daqueles de quem sempre me ria e entendi que são como nós. Já não gozo
com ninguém.
(Sebastián, 14 anos)
A mim, a minha maninha deixou-me como ensinamento a paciência, aprendi
a ter muita paciência com as pessoas em geral.
(Mariela, 13 anos)
Se nao fosse pelo meu irmão, seria um superficial que estaria só a pensar na
marca das calças ou do carro; ensinou-me a ter outros valores menos materiais.
(Alejo, 14 anos)
O meu irmão ensinou-me com o seu próprio exemplo, como se segue adiante
com um problema. Ele aguenta, não se queixa, é valente, tem força ... e está
sempre de bom humor. Aliás, creio que os nossos irmãos, para além da raiva
que possamos ter, ensinaram-nos o que é o amor.
(Guadalupe, 15 anos)
A mim o que mais me ensinou é como seguir em frente passe o que passar. A
ela custa-lhe fazer uma coisa mas pode fazer outras. A minha mana tem muita dificuldade em falar, por exemplo ...mas tem capacidade para nadar e nada
optimamente, e faz muitas coisas de que ela gosta. Ensinou-me que se não se
pode fazer uma coisa, pode-se fazer outra. Então, cada um tem as suas coisas
para fazer e, bom ... que as faça da melhor maneira. Ensinou-me que não devemos estar a pensar unicamente no que não se pode fazer. Também aprendi a
valorizar tudo o que tenho, que posso falar bem, que posso fazer coisas que ela
não pode, aprendi a valorizar-me a mim mesma observando-a.
(Magalí, 14 años)
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É indiscutível que o confrontamento com uma situação difícil na vida das crianças
pode permitir-lhes sair fortalecidos e enriquecidos. A experiência mostra a capacidade
que as crianças têm de transformar as debilidades em fortalezas.
O ter tido um irmão com a grave deficiência que tem, foi um treino muito forte na dificuldade, foi como ter-me preparado para a vida num exército de infantaria. Tirei muito partido disto em vez de ter ficado paralizado.
(Hugo, 38 anos)
Vivemos todos os dias a experiência de “deslumbramento ao conhecer crianças que
superam a adversidade”, diz-nos Cyrulnik. Estas histórias de vida dão conta do “triunfo do
ferido”, acrescenta o autor.
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55
l
A expressão das emoções
Os pais esforçam-se por esconder os seus sentimentos relativos à situação que vive a
família e por mostrar-se fortes, de bom humor, como se nada se estivesse a passar. Habitualmente, o filho sem deficiência recebe esta mesma mensagem de dissimulação e encobrimento das emoções: “Não deverias ter vergonha dele”; “Como vais ter ciúmes, ele
precisa muito de nós ... e tu és sãozinho”; “Destrói-te os brinquedos porque não entende.
Não deverias zangar-te ... tenta entendê-lo”.
Contudo, a manifestação das diferentes vivências não é sinal de debilidade, nem de
ser maus pais ou irmãos.
A possibilidade de expressar e partilhar os sentimentos no seio familiar tem uma importãncia crucial para a saúde de todos os membros, obviamente que também para o irmão.
As palavras dos irmãos presentes em cada uma destas páginas, possibilitou-nos aprofundar o seu mundo interno, invadido de emoções profundas e ambivalentes, como em
qualquer vínculo de irmãos, neste caso talvez intensificadas.
Há amor, também raiva. Há ciúmes e rivalidade, também sentimento profundo de cuidado e preocupação por este irmão percebido como tão indefeso. Há vergonha perante o
olhar dos outros, e intensa força na defesa contra qualquer atitude externa de discriminação.
Sente-se o peso de muitas responsabilidades, e também a gratidão pelo saldo quanto
à riqueza interior e à aprendizagem de valores humanos.
Os irmãos vivem habitualmente situações que não são experimentadas por outras
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crianças: chacota, alcunhas, conviver na rua com o olhar curioso dos outros, responder a
perguntas de companheiros do colégio, tomar a seu cargo muitas responsabilidades que
outros miúdos não têm.
Todo este mundo emocional de experiências especiais requer ser expressado sem dramatização, mas também sem minimizá-lo. Necessita ser partilhado e nada melhor que sê-lo
no seio da própria família onde todos os seus membros vivem diariamente muitas situações
parecidas.
Quando o irmão sente no seu íntimo estas emoções e vivências, sobretudo os sentimentos negativos, geralmente confunde-se , assusta-se, sente-se culpado. Pode considerar-se como um “mau irmão” ou um “mau filho”, definitivamente, uma má pessoa. Por
outro lado, a raiva, a tristeza, a vergonha escondidas acumulam-se, intoxicam e desencadeiam diferentes problemas físicos e psíquicos. Que alívio produz poder entendê-los como
sentimentos normais!
Necessita, sobretudo, que os seus familiares lhe dêem a oportunidade de não calar ou
ocultar estas emoções encontradas mas, antes pelo contrário, de poder expressá-las, partilhá-las e, desta forma, geri-las e fazer-lhes frente.
Os meus pais sempre nos apoiaram para que pudéssemos falar do que sentíamos. Também eles falavam de seus medos e angústias ... mas hoje percebo que
não nos carregavam nem confundiam, não tinhamos que ser os seus psicólogos
como noutras famílias que conheço. Não tive que esconder nada do que sentia.
Depois de conversar com eles, sentia-me aliviada.
(Esther, 32 anos)
Participar de experiências de grupos com outros irmãos também oferece a oportunidade de compartilhar estas vivências, sentimentos comuns, e sentir que não são os únicos que atravessam uma situação deste tipo.
58
Sentiste
vergonha?
l
Grupos de apoio para irmãos
A nossa experiência como coordenadores de muitos workshops e grupos de irmãos
permite-nos afirmar enfaticamente que estes espaços oferecem possibilidades de:
conhecer outros irmãos de pessoas com deficiência;
falar e partilhar histórias, episódios, experiências de vida, risos, alegrias, tristezas, desafios, raivas, vergonhas, etc.. Descobrir que eles têm em comum um
tipo de relação com outros irmãos e irmãs que sentem da mesma maneira e
que compreendem os altos e baixos da vida com um irmão;
l expressar e reflectir sobre os sentimentos para com cada um dos integrantes do grupo familiar;
l legitimar sentimentos;
l aprender como outros gerem as situações dificeis que se vivenciam pela sua
condição de irmãos;
l facilitar a experieêcia tranquilizadora de “não ser o único no mundo com essa problemática”;
l reduzir o sentimento de isolamento ao descobrir que há outros que vivem o
mesmo;
l aceder a informação e orientação que também alivia ou facilita canalizar diferentes questionamentos.
l
l
61
Os irmãos que participaram nos workshops de reflexão realizaram, depois de terminada a actividade, uma avaliação desta experiência. A seguir, apresentamos os comentários
de cada grupo:
Crianças de seis a nove anos
Gostei de vir para encontrar alguma solução para que o meu irmão deixe de
ter essa mania de tirar coisas.
A mim serviu-me pensar um pouco mais em cuidar do meu maninho.
Eu tinha vontade de vir.
Aprendemos todos juntos as coisas que fazem os deficientes.
Crianças de dez a catorze anos
Foi bom reflectir e foi bom o jogo do puzzle porque deu para entender que há
que procurar as soluções e que não tas vão oferecer ... depois adorei deitar fora as minhas raivas.
Eu vou muito satisfeito porque o grupo foi fantástico e todos pensamos de forma parecida.
Gostei porque conheci gente igual a mim.
A mim também me ajudou a conhecer miúdos como eu, porque tinha tido contacto mas não assim, tanto tempo ... pensar que não somos os únicos e que não
é tão grave ter um irmão com deficiência.
Estes grupos são bons porque às vezes temos um problema e não encontramos a solução, e os outros têm o mesmo problema e, talvez, já a encontraram.
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Eu percebi que não sou a única ... e gostei.
Há coisas que não podes falar com os pais porque te dá vergonha, e aqui sentes-te à vontade, talvez porque não conheces a gente com quem falas, talvez
porque não se vão lembrar de tudo o que disseste, não sei.
A minha irmã tem birras ... e serviu-me saber que não sou a única que tem de
suportar coisas diferentes.
Gostei porque entramos em confiança, todos contamos ... desabafamos e descobrimos que todos têm um problema diferente e aprendemos com os outros.
Os grupos deram-nos a oportunidade de poder falar.
Estas oportunidades de encontro com outros irmãos não acontecem todos os dias.
Irmãos adolescentes e adultos
Sentia-me mal e isto de poder partilhar o que se sente, as raivas ou as
angústias a mim fez-me muito bem pessoalmente, porque não gosto de
compartilhar as minhas angústias com outra gente. Ou seja, porque não
tenho a possibilidade de expressar os sentimentos que tenho com outras
pessoas; agora ao estar com pessoas que sentem coisas parecidas às
minhas ... sei que me vão escutar e não se vão cansar do que lhes estou a
dizer.
Fez-me muito bem, é verdade, fez-me muito bem. Sinto-me muito satisfeita, sinto-me muito bem e, na verdade, isto de poder desabafar, digamos
que me tranquilizou bastante, e de saber que há outra gente com quem
posso começar a contar desde hoje, não? Penso eu, se me aguentam.
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Eu não falo muito com os outros sobre a minha irmã, nem com os meus amigos,
nem com ninguém. E aqui pode-se falar e pode-se expressar mais, depois quando te vais embora, sentes-te mais aliviado. Pesas dez quilos menos. Encontras-te
com outros a quem parece que passa o mesmo, e é diferente de falar com um
psicólogo, ou um namorado, ou uma esposa, digamos, porque se sente mais afinidade com quem vive uma situação parecida à tua. Os outros acabam por não
te entender.
Os grupos permitem confrontar experiências e além do mais, o facto de ouvir
outros e ver como cada um resolveu a situação, serve de aprendizagem mesmo que cada um reaccione de maneira diferente ou o preocupem coisas diferentes, há muitos pontos comuns. Então, nestas situações não me senti nem
bicho raro, nem nada.
Mas a verdade é que gostei muito. Parece-me bom que se repita ou que se
continue com isto desde outro ponto de vista, porque há mais coisas de que
tirar proveito. Esta experiência alivia e dá apoio.
Dados todos os benefícios que oferecem estes grupos de apoio aos irmãos, acreditamos na necessidade de que sejam fomentados por profissionais, instituições, pais e
associações de pais ou irmãos mais velhos.
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65
l
A voz da experiência: propostas para pais
feitas por “Irmãos Experientes”
O leitor que até aqui tenha chegado na leitura deste livro, que tenha já mergulhado
na tentativa de compreender os sentimentos e diferentes desafios que o irmão enfrenta
na travessia da sua existência, deve estar a perguntar-se agora como ajudá-lo no seu desenvolvimento.
A proposta apresentada a todos os que fizeram esta leitura era entender o irmão para
poder acompanhá-lo da melhor maneira possível no seu crescimento e possibilitar o seu
máximo desenvolvimento.
E então, que recursos põr em prática para poder ajudá-lo?
Para encontrar respostas a esta questão, damos a palavra novamente aos protagonistas, os irmãos, como temos feito até agora.
E neste caso, vão orientar-nos neste caminho com sugestões e propostas irmãos de
idades entre quinze e sessenta anos, a quem chamamos “Irmãos Experientes”, que participaram no nosso Programa de Workshops de Reflexão.
Estes irmãos foram convidados como colaboradores aos encontros de pais de crianças
pequenas que integraram o mesmo projecto; aí leram pessoalment estes conselhos, comentaram-nos, relataram as suas experiências e partilharam as suas vivências numa tentativa de que outros pais não cometam os mesmos erros que seus pais cometeram com
eles, talvez sem querer ou por ignorãncia.
Que sejam eles, então, que sugiram e aconselhem outros pais sobre como consideram
que os irmãos mais pequenos deveriam ser ajudados.
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Buenos Aires, Novembro de 2003
Queridos pais:
Reconforta-nos poder ajudar pais e profissionais para que, por sua vez,
possam ajudar os irmãos da melhor forma possível. A lista de conselhos, que
a seguir elaboramos, resulta de sermos irmãos de pessoas com deficiência,
das nossas vivências e experiência. Uma família é uma equipa, todos podemos
desde o nosso lugar contribuir para que o grupo esteja bem.
As nossas propostas como irmãos jovens de quinze a vinte e cinco anos:
3 Não eduquem mal o filho com deficiência, porque depois ninguém o vai
conseguir deter;
3 Formem o filho com deficiência em autonomia para que no futuro não
seja uma carga para os vossos outros filhos;
3 Não creiam que os únicos a poder ajudar e cuidar do deficiente são vocês.
Há outros fora da família que podem ajudá-los. Não sejam auto-suficientes.
3 Não igualem para baixo.
3 Os vossos filhos sem deficiência têm direito à sua própria vida.
As nossas propostas como irmãos adultos maiores de vinte e cinco anos:
3 No esperen del hijo sano lo que el discapacitado no les puede dar; él no
puede compensarlos de las insatisfacciones que les produce el otro hijo.
3 Não esperem do filho são o que o deficiente não lhes pode dar; ele não
pode compensá-los das insatisfações que o outro filho vos produz.
3 Não sobreprotejam o deficiente para não prejudicar os irmãos no futuro.
3 Não depositem no filho sem deficiência responsabilidades que não lhes
competem ou que não estão em condições de cumprir, respeitem a sua
idade. Não lhes confiram funções de pai.
3 Não o tomem como apoio. Não o sobrevalorizem: é uma criança, é vosso filho; não é um amigo, nem um igual, nem psicólogo.
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3 Tão pouco sobreprotejam o filho sem deficiência. Não o afastem da
problemática do irmão com deficiência, façam-no participante desde
criança.
3 Informem-se de como ajudar esse filho; além do deficiente, ele também
merece atenção.
3 Aprendam a conseguir recursos para descomprimir situações familiares.
Não centralizem a vida familiar no deficiente.
3 Não lhe digam: “Arranja-te sózinho porque és saudável”. Ele também
necessita de ajuda.
3 Ofereçam-lhe qualidade de tempo quando estão com ele.
3 Ofereçam-lhe um lugar igual em amor ao do filho com deficiência. Exteriorizem também o amor para com o irmão, ele precisa. Não façam dele
um deficiente emocional.
3 Não escondam os sentimentos e demonstrem-nos no grupo familiar. Não
censurem os sentimentos negativos. O negativo também merece diálogo!
3 Não se vitimizem.
3 Não criem culpas no filho sem deficiência.
3 Nem todos os irmãos podem aceitar o deficiente como vocês querem.
3 Ajudem-no a ultrapassar a vergonha.
3 Ajudem os irmãos a relacionar-se entre si.
3 Não o sobrecarreguem com a vossa ansiedade em relação ao futuro. ¬¬
3 Planifiquem o futuro dando-lhe participação, não o deixem à margem.
3 Tentem levar uma vida o mais plena possível. Desenvolvam a vossa
identidade. Sejam mulheres, homens, sejam casal. Tenham vida própria para além do filho com deficiência.
3 Não se esqueçam deles, nem de vocês!
Esperamos que as nossas contribuições lhes sejam úteis.
Irmãos Experientes
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Algumas conclusões
Enquanto psicólogos e coordenadores dos grupos de reflexão queremos ressaltar, da
leitura dos conselhos oferecidos pelos Irmãos Experientes, as seguintes propostas:
l
gerar espaços para o intercãmbio familiar e com pares;
l
que os adultos estejam atentos às questões colocadas pelos irmãos;
l
informar-se, formar-se e saber pedir ajuda;
l
a importãncia dos tempos de dedicação exclusiva a estas crianças;
l
planificar o futuro entre todos;
cuidar do espaço de cada integrante da família, de modo a que a criança com deficiência não absorva toda a energia familiar.
l
70
l
A carta de uma irmã
Buenos Aires, 22 de Outubro de1996
Como começou tudo?
Com a alegria de receber em casa uma nova irmãzinha, para mim a mais linda do mundo.
Eu tinha seis anos e eramos quatro irmãos. Quando a mamã e o papá me disseram “é diferente”, não entendi o que significava isso.
Dias depois, pela boca de outros, ouvi a palavra “Síndrome de Down”; embora não soubesse muito sobre isso, percebi que era grave. Foi agressivo sabê-lo dessa maneira e de imediato
fechei as minhas portas a todos, menos a Inês.
Tomei então a meu cargo o seu suposto sofrimento e decidi protegê-la da “gente e do
mundo ameaçador”.
Tive muito medo que pudesse morrer mas os meus pais explicaram-me melhor a situação:
ia custar-lhe aprender certas coisas, fá-lo-ia mais lentamente que as outras crianças. Ao
princípio quis ser como ela, olhava-me ao espelho, achinesava os olhos e assim eu também tinha
o Síndrome de Down. Seria mais fácil estar perto ou, melhor ainda, “dentro dela”. Absorvi-a e
caminhei à sua frente, tapando cada buraco que aparecia como dificuldade. Adoptei uma
posição defensiva, todos eram inimigos, tanto de Inês como meus, e eu ... a sua salvadora.
Sentia-a incapaz de aguentar frustações, de ser feliz com o seu destino.
Pus de lado as minhas coisas para a acompanhar. A dependência crescia e a nossa relação
limitava-se a um cuidado excessivo de ambas partes. Nenhuma conseguia ser autêntica. A
outra impedia-o
Isto passou-se durante muitos anos. Até que senti a necessidade de conhecer verdadeiramente a minha irmã, que ela própria me mostrasse as suas necessidades.
Inês também desejava e deseja diferenciar-se e ser independente.
Com o tempo fui aprendendo várias coisas:
Inês procura ser feliz (como todo o mundo).
Inês é simples e não questiona a complexidade das coisas.
É generosa, pensa sempre nos outros, é humilde.
E, pouco a pouco, pusémos distãncia, essa distãncia que aproxima e enriquece.
Cada uma está a tentar ter a sua vida.
Lucía
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Desenha o que quiseres ou cola uma foto de que gostes (tua, tua com o teu irmão, ou com os teus pais, etc..). Como este
livro fala do irmão, ou seja, que em grande medida é teu, esta página está destinada ao desenho ou à foto.
74
l
Algumas actividades para pequenos e grandes
Pareceu-nos que o livro estaria incompleto se não fizessemos algumas propostas de
actividades com um objectivo básico: promover a reflexão individual ou partilhada sobre a temática abordada ao longo do caminho que percoremos.
Podem encontrar-se, em seguida, actividades orientadoras dirigidas aos adultos, às
crianças e algumas para ser realizadas em conjunto.
Para os adultos
Sugerimos que, após concluir estas actividades que propomos, a fim de promover uma
reflexão individual, se comenta o que é escrito com outros integrantes da família, com
outros pais, ou com amigos.
l Qual a sua opinião sobre o tema abordado no título do livro?
l Tem dificuldade em impõr limites ao seu filho com deficiência? Se a resposta é afirmativa, reflicta sobre os efeitos desta situação no irmão.
l Pensa que tem um tratamento igual com todas as crianças ou faz muitas
concessões ao filho com deficiência? Que diz a esse respeito o irmão sem deficiência?
l Analise um comportamento do filho “são” que acha preocupante. Pensa
que possa ter alguma relação com a problemática familiar da deficiência do
irmão?
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Que atitude tem face ao irmão deficiente? (sobreprotege-o, ignora-o, agride-o,
sente vergonha, defende-o, ajuda-o, etc.).
l Observe a criança e anote os sentimentos que ele expressa mais frequentemente.
l Como manifesta estes sentimentos: de forma verbal; no comportamento
consigo, com o irmão, com outras pessoas; nos jogos; nos desenhos, etc?
l Crê que a nível familiar se estimula a expressão das emoções?
l Especificamente o irmão tem oportunidade de expressar sentimentos como
vergonha, raiva, ciúme, culpa, tristeza perante a problemática da criança
com deficiência?
l Mencione três necessidades do irmão que considere não estar satisfeitas.
l Falou com o irmão sobre o tema da deficiência? Que informação lhe deu?
Falou uma só vez ou a conversa repetiu-se? A criança fez comentários ou
perguntas em relação à deficiência do irmão? Quais?
l Tem momentos exclusivos com esta criança? Se não, sabendo o benefício
disso, pense em como gerá-los?
l A criança teve oportunidade de conhecer ou conviver com outros irmãos
em igual situação?
l Participou de algum workshop ou grupo de irmãos?
l Desde a sua perspectiva, como poderia estimular a criação de grupos de
apoio ou outra actividade de irmãos? Informou-se ou aconselhou-se a esse
respeito?
l Assinale de entre as propostas dos “Irmãos Experientes” três que lhe tenham
parecido mais relevantes.
l Pense e acrescente à lista três novas propostas que considere beneficiar o
crescimento emocional da criança.
l No último anexo vai encontrar uma lista de filmes nos quais se equaciona
a problemática da família com um filho com deficiência e, especificamente,
a relação fraterna. Sugerimos que os veja e, depois, reflicta sobre a contribuição do filme para entender melhor a criança.
l
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Paras crianças
Sugerimos ao adulto que estimule e acompanhe a criança a fim de que possa levar a
cabo as actividades propostas em seguida.
Uma vez concluidas, consideramos que seria enriquecedor que a criança seja estimulada a partilhar com os outros membros da família o que pensou, escreveu ou desenhou.
Relato três situações em que me senti bem com o meu irmão.
Relato três situações em que me senti mal com o meu irmão.
l Protestando. Incomoda-me:
em relação ao meu irmão que ...
em relação aos meus pais que ...
l Alegro-me quando ele ...
l Se me perguntam sobre a deficiência de meu irmão, sei responder? Que
respondo?
l Se tenho alguma dúvida em relação a este tema, que faço? Pergunto aos
meus pais?
l Que aprendi com a experiência de ser irmão?
l
l
Para crianças e adultos partilharem
Sugerimos que as actividades seguintes sejam levadas a cabo em conjunto por adultos e crianças para favorecer a reflexão e a comunicação.
Leia com a criança alguns dos testemunhos que figuram no livro. Procure
que funcionem como disparadores para que a criança expresse e partilhe
consigo sentimentos, emoções e vivências. Registe sei:
a) o irmão se sente identificado com algum dos testemunhos;
b) faz comentários a partir dessa leitura. Quais?
l
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Observem juntos os desenhos e as fotografias do livro. Tente que estes funcionem como disparadores para que a criança expresse e compartilhe consigo
sentimentos próprios, emoções e vivências. Registe se:
a) a criança se sente identificada com alguma das ilustrações;
b) formula comentários a partir desta observação. Quais?
l
Veja com a criança o albúm de fotografias familiares e incentive o comentário em torno delas.
l
Depois, converse com ele para saber que situações da família o incomodam
e que propõe para sentir-se melhor.
l
Podem ler juntos o livro de contos “Les Belles Histoires”, de Marie Helene Delval
(Marzo, 1991). Pode-se ter acesso a ele através de A.S.D.R.A., Asociación Síndrome de Down de la República Argentina.
Após a leitura, sugerimos-lhe que estimule a reflexão da criança a partir dos
items seguintes:
a) Que problemas tem Dudú?
b) Que sente Lili em relação a Dudú?
c) O que é que no irmão de Lili a faz enfurecer?; O que é que a põe contente?; sente
vergonha?; que se passa com ela quando compara o irmão com o dos amigos?
d) Qual é a atitude dos outros irmãos de Dudú e dos pais para com ele?
e) Que expectativas tem Lili em relação ao tratamento que Dudú inicia?
f) Quais são as reacções dela e do resto da família face às manifestações de cansaço
de Dudú? Qual é a vossa opinião?
g) Que acham do conselho do Mocho?
l
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l
Informações de interesse geral
Filmes para a familia
Quem ama Gilbert Grape
Realizador: Lasse Hallstrom
O protagonista desta história é Gilbert Grape, um jovem de vinte e quatro anos que vive
numa pequena cidade rural dos Estados Unidos, imperturbável na sua rotina. O rapaz tem
de cuidar da mãe, uma mulher de duzentos quilos que há sete anos não sai de casa, cujos
alicerces estão em perigo por causa do excesso de peso; cuiuda também de seu irmão
adolescente com um atraso mental, sequela de uma doença, cujo passatempo preferido
e perigoso é subir aos sítios mais altos do lugar. Tem ainda duas irmãs que pouco colaboram. Todos estão a seu cargo desde que o pai se enforcou, há já muitos anos. A chegada
de uma jovem à cidade modifica o micromundo de Gilbert, cujo enorme coração estava
até então reservado só para os seus. Ela também vai trazer esperança à sua vida e fá-lo-á
compreender que existem horizontes diferentes.
Um retrato de seres desamparados, mas que não se vergam perante a adversidade e,
sobretudo, o mostrar o amor como força redentora.
Meu pé esquerdo
Realizador: Jim Sheridan
A história passa-se em Dublin, 1932. Christy Brown, o menor de treze filhos, nasce com
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paralisia cerebral. Ainda que o pai se recuse a aceitar a doença do filho, a Sra. Brown dá
as boas vindas ao bébé no seio de uma família numerosa.
Graças à coragem e à fé da mãe, Christy consegue demonstrar que, apesar do seu corpo
defeituoso, é um ser amoroso, muito inteligente e com um agudo sentido de humor. Usando
o pé esquerdo, Christy pode canalizar palavras e imagens para convertê-las em obras de
arte, nas novelas e poesias mais vendidas.
No filme abordam-se com profundidade o vínculo pais-filho com deficiência e o vínculo
fraterno.
Interpretada majestosamente e aclamada pela crítica, Meu pé esquerdo relata uma comovedora e optimista história verídica, a de Christy Brown, cuja paixão e amor pela vida
triunfaram sobre o trágico destino que ameaçou marginá-lo para sempre.
O oitavo dia
Realizador: Javo Van Dormael
Harry é um yuppie que se acaba de divorciar e Georges é um miúdo con Síndrome de
Down que está internado, por decisão da irmã, desde a morte da mãe. Um dia, Georges, com
a certeza de que a mãe está viva, foge do lugar onde está internado para procurá-la; como
única bagagem, leva uma mala. Harry encontra-se com Georges e nasce uma amizade que tudo
transcende. O filme tem cenas comoventes do reencontro com a irmã mais velha, já casada.
O duche
Realizador: Z. Yang
É um filme japonês que narra a história do reencontro de duas gerações, de um pai com seus
dois filhos. Enquanto jovem, o filho mais velho deixa família para ir em busca de fortuna e estabelecer-se numa região com melhor desenvolvimento económico. Entretanto, o pai –aferrado
à sua velha profissão como dono de uma casa de banhos e massagens– fica em Pequim a criar
o seu filho mais novo, que tem um atraso mental. Pensando que o pai já morreu, o filho mais
velho regressa a Pequim. Aí reencontra-se com o seu progenitor que acaba por morrer, e com
seu irmão, com quem irá construindo um vínculo afectivo rico e profundo.
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Rain man
Realizador: Barry Levinson
Com a morte do pai, o jovem Charlie Babbit fica a saber que tem um irmão, cuja existência lhe tinha sido ocultada pela família. Este irmão, Raymond, estava internado desde
há muitos anos numa instituição especializada em consequência do seu autismo. Charlie
descobre Raymond na instituição e rapta-o para poder roubar-lhe a parte dos bens de família que lhe pertence. O que começa como uma viagem por todo o país sem nenhum tipo
de sentimento, converte-se numa mística odisseia de amor e revelação à medida que
Raymond leva Charlie para além dos limites do seu coração ferido. Neste filme, faz-se
uma análise muito profunda da dinãmica vincular entre dois irmãos, um deles com deficiência. Ganhou o Oscar de melhor filme em 1988.
A cor do paraíso
Realizador: Majidi Majad
Começam as férias de verão no Irão, e os pais passam a buscar os filhos à saída de um
internato para crianças cegas. Mas o jovem Mohammad fica só esperando longamente o
pai, um homem viúvo e pobre que trabalha nas minas de carvão. Quando este finalmente chega, ambos iniciam uma viagem para as terras do norte.
Este verão será para Mohammad o começo de uma madura meditação sobre a natureza e a vida. O seu triste e melancólico pai é a antítese absoluta da enorme e brilhante
paisagem de flores silvestres em que vivem com as suas duas irmãs e avó. Ele gostaria de
voltar a casar-se, mas considera que carregar com um filho cego é um obstáculo na sua
vida.
“A cor do paraíso” está narrada simples e magistralmente, com uma fotografia vibrante que capta o arrebatamento da paisagem com a qual Mohammad se encontra profundamente ligado, apesar de não a poder ver. Majidi expressa esta comunhão entre esta
criança de oito anos e o mundo natural que o rodeia de uma maneira subtil e, ao mesmo
tempo, poderosa.
Também neste filme iraniano aparecem abordados, de modo profundo, o vínculo da
criança com as irmãs e a avó.
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Livros
Jordi Sierra I Fraba, Caruncho, I: Mis hermanos y yo. Barcelona, Grupo Editor Fundació
Catalana Síndrome de Down y Grupo edebé. 2004.
Kew, S.: Los demás hermanos de la familia. Minusvalía y crisis familiar
Madrid, Inserso, 1978
Lobato, D.: Hermanos y hermanas de niños con necesidades especiales
Madrid, Inserso, 1992
Meyer, D.; Vadasy, P.: Sibshops. Worshops for siblings of children with Special Needs
Baltimore, London, Toronto, Sydney, Paul H. Brookes Publishing Co., 1994
Núñez, B.: El niño discapacitado, su familia y su docente
Buenos Aires, Grupo Editor Multimedial (Geema), 1998
Núñez, B.; Rodríguez, L.: Cuadernillo y video Nº 4: Los hermanos. Colección de Cuadernillos y Videos sobre Temas de familia y discapacidad. Editorial Cendif, 1998
Powell, T.; Ogle, P.: El niño especial. El papel de sus hermanos en la educación
Colombia, Grupo Editorial Norma, 1991
Páginas web
www.thearc.org/siblingsupport
www.cshcn.orgjas
www.seattlechildrens.org/departmt/sibsupp/
www.pasoapaso.com.ve
www.asociacionamar.org.ar
www.fundacion.telefonica.com.ar
www.integrared.org.ar
www.asdra.com.ar
www.aedin.org
www.feaps.org
www.sid.usal.es
www.cedd.net
www.mtas.es
www.discap.net
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Blanca Núñez - Luis Rodríguez
Os irmãos das pessoas com deficiência: uma questão pendente
AMAR é uma associação civil sem fins de lucro, fundada em 1974 por um grupo de pais de pessoas
com deficiência preocupados com o futuro de seus filhos. Sua missão é prestar total atendimento a
pessoas com deficiência, bem como apoiar e orientar suas famílias.
FUNDACIÓN TELEFÓNICA DE ARGENTINA tem como missão promover melhorias na qualidade de
vida da comunidade em que o Grupo Telefónica opera, preferencialmente através da aplicação social
das nova tecnologias em informática e comunicação, favorecendo a igualdade de oportunidades
entre as pessoas.
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com deficiência:
uma questão pendente
Blanca Núñez - Luis Rodríguez
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