O Plano de Integração Nacional de 1970 e as rodovias na Amazônia: o
caso da região amazônica na política de integração do território
Nacional.
Aluno Bernardo Pacheco Loureiro N USP 4355431 AUP 270 – A formação do espaço nacional 2010, primeiro semestre Professora Andreína Nigriello Síntese
Este trabalho busca estudar de modo crítico a visão do governo federal no que
diz respeito às políticas de integração nacional, tendo o período dos governos
militares na década de 1970 como foco. Mais especificamente, analisa o caso do
Plano de Integração Nacional e suas relações com a política de integração da
Amazônia ao território nacional e com o sistema de transportes rodoviário proposto.
***
Em 1970, durante o mandato do presidente Médici, o governo brasileiro fez
uma promessa de construir 15 mil quilômetros de rodovias na região amazônica, dos
quais 3.300 km pertenceriam a BR-230, ou rodovia Transamazônica. Tal projeto fazia
parte do Plano de Integração Nacional (PNI), instituído pelo Decreto-lei número
1.106 em 16 de junho de 1970 e tinha como principais objetivos (BRASIL, 1970, p
31):
“1) Deslocar a fronteira econômica, e, notadamente, a fronteira agrícola, para as
margens do rio Amazonas [...];
2) Integrar a estratégia de ocupação econômica da Amazônia e a estratégia de
desenvolvimento do Nordeste [...];
3) Criar as condições para a incorporação à economia de mercado [...] de amplas
faixas de população antes dissolvidas na economia de subsistência [...];
4) Estabelecer as bases para a efetiva transformação da agricultura da região semiárida do Nordeste;
5) Reorientar as emigrações de mão-de-obra do Nordeste, em direção aos vales
úmidos da própria região e à nova fronteira agrícola;
6) Assegurar o apoio do Governo Federal ao Nordeste, para garantir um processo de
industrialização tendente à auto-sustentação [...].”
Esses poucos itens, embora sintéticos, dão um quadro geral do que se
pretendia através de tal “Integração Nacional”. Essa integração seria feita, na visão do
plano, através de três projetos prioritários (Ibid., p. 32):
“a) a construção da Rodovia Transamazônica e da Cuiabá- Santarém [...];
b) o plano de colonização associado às citadas rodovias;
c) a primeira etapa do Plano de Irrigação do Nordeste; programas de colonização de
vales úmidos do Nordeste.”
Buscava-se, em primeiro lugar, a expansão da fronteira econômica para o
Norte, aproveitando a região amazônica, correspondente à 42% da área do território
nacional, vista à época como um vasto território com potencial econômico mas ainda
2 pouco explorado. Apesar dos ciclos econômicos da região, baseados sobretudo na
economia de extração, como o da borracha, minerais e madeira, a Amazônia, no
período, era responsável por somente 2% do produto interno bruto (COSTA, 1979,
apud SMITH, 1982, p. 10).
Tal expansão econômica era vista, na realidade, sobretudo como expansão
agrícola, como é apontado no item 1, supracitado. Experiência semelhante vinha
sendo feita desde 1964, com a abertura da rodovia Belém-Brasília, que possibilitara a
exploração de terras férteis ao longo da sua construção, mas em menor escala do que
se pretendia na Amazônia (BRASIL, 1970, p. 31). O plano de ação do governo
federal via os espaços ainda não cultivados como “[...] espaços vazios, no CentroOeste (na zona dos ‘Cerrados’), no Norte e nos vales úmidos do Nordeste [...]”
(BRASIL, 1970, p. 89), destinados a serem ocupados para a realização de uma
“renovação” no setor agrícola. O deslocamento da fronteira agrícola para o Norte do
território estava de acordo com a meta de expansão do produto agrícola em 26%,
entre 1969 e 1973, e com a meta de ampliação das exportações de arroz, milho e soja,
de 388%, 213% e 62%, respectivamente, no mesmo período (BRASIL, 1970, p. 93).
Logo percebe-se um conflito entre essas propostas e metas e um discurso de
“Integração Nacional”. No item 3 do PIN, fala-se em incorporar as populações da
região Amazônica a uma economia de mercado, denegrindo a situação econômica em
que viviam, apontada como economia de subsistência, “[...] condenada à estagnação
tecnológica e a perpetuação de um drama social intolerável.” (BRASIL, p. 31). Essas
populações, somadas a novas levas de migrantes, seriam os colonos dos
assentamentos criados em faixas de terra de até dez quilômetros de largura, em cada
uma das laterais das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém, cujos núcleos de
colonização deveriam dispor de “escola primária, posto de saúde, igreja, escritório do
Banco do Brasil, posto de comunicações e posto do Ministérios da Agricultura.”
(BRASIL, 1970, p. 32). No entanto como verificou Smith (p. 15-29), poucos de tais
equipamentos foram construídos e o suprimento de infraestrutura básica prometida,
como água, eletricidade e comunicações, funcionava apenas esporadicamente.
O esquema de colonização desenvolvido pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) buscava uma ocupação de baixas
densidades nos 2,2 milhões de quilômetros quadrados que haviam sido
desapropriados com a abertura da rodovia Transamazônica. Os lotes estabelecidos nas
estradas principais possuíam cem hectares de área, com uma testada de 500 metros e
3 2000 metros de fundo. A cada cinco quilômetros, havia uma estrada lateral que
levaria aos outros lotes, de 400 metros de frete por 2500 de profundidade (SMITH,
1982, p. 17).
De acordo com o plano de ocupação estabelecido pelo INCRA, haveria três
tipos de núcleos urbanos. O menor, chamado de agrovila, abrigaria, 48 ou 38 casas,
com os equipamentos básicos descritos anteriormente. Já as agrópolis seriam
constituídas por seiscentas famílias e estariam dispostas a cada 20 km nas rodovias.
Por fim, as rurópolis abrigariam até 20 mil habitantes, e estariam espaçadas em 140
km. Na prática, somente uma rurópolis havia sido construída mais de uma década
após o plano original, e somente três das quinze agrópolis planejadas haviam sido
feitas no trecho entre Marabá e Itaituba no mesmo período.
Percebe-se que o discurso de incorporar essas populações à economia de
mercado na verdade está focado na sua função como produtores agrícolas, cuja
produção se voltaria para a exportação, e que não há o interesse do desenvolvimento
de tal força produtiva. Os equipamentos e a infraestrutura fornecida, quando
presentes, são voltados somente para a reprodução dessa força de trabalho e para o
escoamento da sua produção agrícola. A rede de transportes proposta, composta
basicamente pelo eixo leste-oeste da Transamazônica e norte-sul da Cuiabá-Santarém,
buscam a ligação das terras a serem exploradas com a rede de rodovias então
existentes no país, não significando necessariamente a integração desse território, nem
o desenvolvimento de uma infraestrutura que atendesse a um mercado regional.
Quanto ao processo de industrialização descrito no item seis, podemos
observar que a responsabilidade do mesmo é transmitido exclusivamente à iniciativa
privada, cabendo ao governo apenas suprir as necessidades de infraestrutura e
fornecer incentivos fiscais para as empresas (BRASIL, 1970, p. 233). A indústria
madeireira, por exemplo, que poderia ter sido amplamente desenvolvida na região,
encontrou dificuldades de início, tanto pela ausência de serrarias na região quanto
pelo alto custo do transporte e do combustível na região (SMITH, 1982, p. 177). Já a
atividade mineradora também encontrou dificuldades, pois não havia de início rota de
exportação para seus produtos. Mesmo depois de construído o sistema de transporte
para a exportação dos minérios, mantém-se a lógica do escoamento direto da
produção, não contribuindo para um desenvolvimento das forças produtivas e
verdadeira integração do território nacional.
4 Podemos observar também uma relação entre a proposta de integrar a
ocupação da Amazônia com o desenvolvimento do Nordeste e de reorientar os fluxos
migratórios desta mesma região. Tal relação significa basicamente deslocar os
migrantes nordestinos, que constituíam fluxo migratório intenso à época, para as
terras a serem colonizadas na Amazônia, “[...] evitando-se o seu deslocamento no
sentido das áreas metropolitanas superpovoadas (sic) do Centro-Sul;” (BRASIL,
1970, p. 31). A seca intensa que atingiu o Nordeste em 1970 causou a migração de
cerca de 3,5 milhões de pessoas, fator de provável grande influência na decisão de se
construir a rodovia Transamazônica (HALL, 1978, apud SMITH, 1982, p. 13).
Dessa maneira, o plano buscava solucionar dois problemas relativos à
integração nacional; o primeiro, da colonização da Amazônia, a qual se desejava
explorar economicamente e ocupar, e o segundo, dos fluxos migratórios, causados,
entre outros fatores, pela disparidade de oportunidades oferecidas entre as regiões
Nordeste e Sudeste. A região Amazônica, com bom suprimento de água e baixas
densidades populacionais, que se tornaria acessível através da Transamazônica, podia
ser vista como válvula de escape para os movimentos migratórios do Nordeste
(SMITH, 1982, p.13). No entanto, não se ataca o cerne da questão da integração
nacional, mas desloca-se somente um problema de uma região à outra.
De acordo com Smith (1982, p. 15), o governo federal levou, além dos
colonos do Nordeste, que fugiam da seca, agricultores de minifúndios do Rio Grande
do Sul e Paraná. Esperava-se que tais colonos introduzissem técnicas mais
sofisticadas de cultivo que aumentassem a produtividade da região. No entanto, tal
aumento de produtividade não foi observado, um dos fatores que levou uma mudança
de estratégia por parte dos programas de desenvolvimento do governo.
No segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), projetado para os
anos de 1975-79, reconhece-se a necessidade de aumentar a oferta de energia aos
assentamentos já realizados na região amazônica, além de intensificar a prospecção
por recursos naturais. Planeja-se o crescimento das atividades exportadoras, em
especial dos produtos carne, minérios, madeiras e celulose, a serem exportados
através de “corredores de exportação”, com direção ao porto de São Luís do
Maranhão (BRASIL, 1974, p. 58). Observa-se a permanência do mesmo discurso
encontrado no PIN de 1970, que vê a região Norte como um território a ser integrado
ao resto do país através da sua exploração agrícola e de recursos naturais, ocupação
5 rural e ligação por eixos de transportes, sobretudo viários, que buscam principalmente
o escoamento de sua produção e o ingresso de migrantes.
Conclusão
Pudemos observar uma visão, discurso e ações específicas do governo federal
no período trabalhado no que diz respeito à integração nacional, no caso da região
Amazônica. Era proposta, através dos planos estudados, uma integração através da
ligação por rodovias às outras regiões do país, e a ocupação do território amazônico
por meio do esquema da colonização. Esperava-se que esse território, convertido em
produtivo agrícola, suprisse as necessidades e abrigasse a população do Norte e do
Nordeste, ao mesmo tempo em que se produzia mais para atingir as otimistas metas
de exportação elaboradas nos anos 70. Além disso, buscava-se que tais projetos
absorvessem os fluxos migratórios para o sudeste e que, através do desenvolvimento
da região amazônica, se reduzissem as disparidades nacionais.
No entanto, verifica-se que esse discurso e essas ações não refletiram em uma
verdadeira maior integração nacional. Pouco conseguiu-se desenvolver da região
mantendo o modelo agrícola de exportação, e a infraestrutura foi realizada de acordo
com essas necessidades, e não com as de o desenvolvimento do mercado regional e
das forças produtivas. Observamos, portanto, um deslocamento entre o discurso
apresentado pelo governo federal à época e o que realmente configuraria uma política
de integração nacional.
6 Anexo
Programa de Integração Nacional. Extraído de BRASIL, 1970, p. 33.
Atividades rodoviárias na Amazônia e Rotas de Penetrações da Tranzamazônica e da CuiabáSantarém. Extraído de REIS, 1972, p. 173.
7 Referências bibliográficas
BRASIL. Presidência da República. Metas e bases para a ação de governo.
Brasília, 1970.
BRASIL. Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Transamazônica.
Brasília, 1972.
BRASIL. Presidência da República. Projeto do II Plano Nacional de
Desenvolvimento, PND. Brasília, 1974.
DEÁK, Csaba. Acumulação entravada no Brasil / E a crise dos anos 80 In:
Espaço & Debates 32:32-46, 1991.
NIGRIELLO, Andreina. Planos Nacionais de Viação. Disponível em:
<http://www.usp.br/fau/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie
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REIS, Arthur Cesar Ferreira. Impacto amazônico na civilização brasileira.
Rio de Janeiro: Paralelo, 1972.
SMITH, Nigel J. H.. Rainforest Corridors. Berkeley and Los Angeles,
Califórnia: University of California Press, 1982.
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