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DOENÇA DIVERTICULAR DOS CÓLONS
Flávio Antonio Quilici
Lisandra Carolina Marques Quilici
INTRODUÇÃO
Os divertículos que acometem os cólons são classificados de acordo com sua
origem em congênitos e adquiridos. Os congêntios são formados por todas as
camadas da parede cólica, por isso chamados de verdadeiros, com baixa incidência e
de localização preferencial no cólon direito. Os adquiridos ocorrem pela herniação da
mucosa, por pulsão, através da camada muscular da parede cólica. São considerados
falsos divertículos e responsáveis pela enfermidade denominada Doença Diverticular
dos Cólons.
Essa doença é uma das mais freqüentes nos países industrializados do Ocidente e
pouco comum nos países subdesenvolvidos da África e da Ásia. Sua real incidência é
desconhecida no Brasil, raramente encontrados antes da terceira década de vida, com
aumento significante a partir da quinta década, atingindo até 50% dos indivíduos após
a sétima e 66% após a oitava, segundo estudos radiológicos e de necropsia. Não há
predominância em relação ao sexo.
Apesar da etiologia do divertículo adquirido estar relacionada a fatores
desencadeantes que incidem sobre o cólon, pode coexistir predisposição constitucional, pela ocorrência, em alguns doentes, da tríade de Sanit, caracterizada pela associação de divertículos cólicos com hérnia do hiato e colelitíase.
O termo diverticulite define a presença de inflamação no divertículo e o
diverticulose, a existência de divertículos sem processo inflamatório. Como são
expressões que podem causar questionamentos, a preferência atual é a denominação
genérica de Doença Diverticular dos Cólons.
ETIOPATOGENIA
Seus fatores etiopatogênicos mais aceitos são:
• idade do doente (envelhecimento)
• alterações do colágeno e de elastina na submucosa cólica
• aumento da pressão intracolônica
• modificação da motilidade dos cólons
• pouca ingestão de fibras.
O divertículo adquirido é formado por uma parte sacular, externa à parede cólica,
denominada corpo, e por um colo, que é o trajeto de comunicação deste com a luz
intestinal. Apresenta tamanho variável e localiza-se em fileira junto aos apêndices
epiplóicos, entre a tênia mesentérica e as duas antimesentéricas. O reto com
freqüência está poupado. Os divertículos podem ficar cobertos pelos apêndices epiplóicos e gordura pericólica e não serem visíveis externamente.
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A alteração muscular da parede cólica é a afecção mais importante dessa doença e
sempre precede o desenvolvimento dos divertículos, constituindo-se no fator
desencadeante da herniação da mucosa cólica, por pulsão, através da camada
muscular, com duas formas de apresentação: uma evidenciada pelo espessamento
dessa camada muscular, denominada hipertônica e outra, na qual a musculatura
apresenta-se adelgaçada, caracterizando o formato hipotônico. Com freqüência, os
doentes são acometidos pelas duas alterações, configurando a forma “mista” e
manifestando o quadro de clínico de ambas.
Os conhecimentos fisiopatológicos, a medida da pressão intraluminal dos cólons, a
visão endoscópica e os estudos da musculatura da parede cólica possibilitam
diagnosticar e diferenciar essas duas formas da diverticulose.
Diverticulose – forma hipertônica
È a de manifestação menos freqüente e, como referido, caracteriza-se pelo
espessamento da musculatura da parede cólica que se encontra aumentada em até
duas a três vezes do normal. Estudos evidenciaram que ele decorre da contração
permanente das túnicas musculares, longitudinal e circular, acarretando inclusive seu
encurtamento. Se permanente, ocasiona a segmentação cólica e a formação de
câmaras de hipertensão, separadas entre si por diafragmas musculomucosos. A
medida da pressão intracolônica revela, nestas áreas, ondas de contração muito
elevadas. O aparecimento das câmaras de hipertensão pode produzir maior pressão
intraluminar, a qual provoca a ruptura das fibras musculares da parede cólica e,
através dessa, pela força de pulsão existente, acontecer a herniação da mucosa,
originando os divertículos hipertônicos. Estes têm seu corpo externo em formato de
pêra ou raquete e se comunicam com a luz cólica por um óstio pequeno, através de
um colo estreito e alongado por entre as fibras musculares espessadas.
A forma hipertônica da diverticulose está restrita ao cólon esquerdo, em especial,
ao sigmóide, apresentando diminuição importante da luz intestinal e redução do seu
comprimento, ficando o segmento como que “sanfonado”.
Apesar de sua etiologia ser controversa, há uma forte relação entre a dieta pobre
em fibras e da influência dos fatores emocionais, com o aparecimento dessa forma
diverticular e suas crises de agudização. A falta de fibras na dieta aumenta o tempo
do trânsito intestinal, maior absorção de água e endurecimento das fezes, que
requerem contração intestinal mais intensa para serem movimentadas e defecadas,
podendo estimular a excessiva segmentação do cólon e, como conseqüência, o aparecimento dos divertículos por pulsão.
Esses divertículos têm maior tendência à complicação por apresentarem colo estreito, o que possibilita a impactação fecal no interior do corpo diverticular,
dificultando seu esvaziamento e ocasionando sua obstrução (Quadro 1).
QUADRO 1 – Doença diverticular dos cólons: complicações
Forma hipertônica
• Perissigmoidite
• Abscesso intramural ou pericólico
• Fístulas internas – Colovesical
– Coloentérica
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– Colovaginal
• Fístulas externas – Colocutânea
– Coloperineal
• Obstrução intestinal
• Perfuração em peritônio livre
Forma hipotônica
• Hemorragia diverticular
• Perfuração em peritônio livre
Na hipótese de obstrução persistente desses divertículos, pode ocorrer a
microperfuração do seu corpo, dando origem a um processo inflamatório
peridiverticular, confinado à gordura pericólica e, com freqüência, evoluindo para
perissigmoidite, que é o seu primeiro estádio. Raramente acontece perfuração diverticular para peritônio livre.
O processo inflamatório perissigmóideo tende a progredir e originar um abscesso
intramural ou pericólico. Quando este se propaga aos tecidos circunvizinhos, produz
periviscerite, possibilitando o aparecimento de fístulas internas do cólon com órgãos
adjacentes, como bexiga, intestino delgado e vagina ou externas, com a parede abdominal ou perineal.
Outra complicação da forma hipertônica é a obstrução intestinal, causada pela
estenose fibrótica com diminuição da luz cólica por episódios repetidos de
perissigmoidite, edema e inflamação de abscesso pericólico, com compressão
extrínseca ou por angulação do intestino delgado por bloqueio e aderência no
sigmóide inflamado. Habitualmente, essa obstrução é incompleta, caracterizando um
quadro de suboclusão intestinal.
Diverticulose - forma hipotônica
É a de ocorrência mais freqüente. As camadas musculares, longitudinal e circular,
da parede cólica, encontram-se adelgaçadas e as pregas mucosas frouxas e pouco
salientes, provavelmente resultante do enfraquecimento do intestino devido às
alterações no tecido conjuntivo e ao depósito de elastina na camada muscular,
observados nos idosos. Essa deficiência muscular dificulta a progressão das fezes que,
na maioria das vezes, encontram-se endurecidas e desidratadas pela dieta e hábitos
de vida inadequados. Alguns autores sugerem que a forma hipotônica da doençaé
meramente um processo degenerativo, concomitante ao envelhecimento do indivíduo.
O orifício anatômico de penetração da artéria na camada muscular da parede cólica
pode encontrar-se alargado, devido à própria fraqueza muscular ou associado à
aterosclerose, especialmente nos idosos. Qualquer aumento de pressão intracolônica,
como a constipação crônica característica do paciente com idade avançada ou o
provocado pelo uso prolongado de laxativos, pode ocasionar uma força de pulsão, que
provoca a herniação da mucosa pelo orifício de penetração da artéria, originando os
divertículos, chamados hipotônicos. São encontrados difusamente em todos os
segmentos cólicos e têm o corpo com formato arredondado, globoso, que se comunica
com a luz intestinal por meio de um óstio amplo, através de um colo curto e largo.
Essa forma de manifestação da diverticulose pode estar relacionada ao
envelhecimento fisiológico do indivíduo, que ocasiona o adelgaçamento da muscu-
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latura cólica, deixando-a tênue e hipotônica e, por esta razão, com maior incidência
nas faixas etárias mais altas.
Suas complicações são hemorragia e perfuração (Quadro 1). O sangramento é
atribuído à lesão das arteríolas que acompanham a herniação da mucosa que forma o
divertículo hipotônico. Devido ao seu óstio amplo, é comum a impactação fecal no
interior do corpo diverticular e esse fecalito pode provocar lesão em sua mucosa e
pela proximidade anatômica, também da arteríola que o acompanha, ocasionando seu
sangramento. A perfuração é rara e relacionada à compressão de um fecalito,
impactado no interior do corpo diverticular, levando à ulceração isquêmica da mucosa
e conseqüente perfuração para peritônio livre.
QUADRO CLÍNICO
A simples presença dos divertículos no cólon é assintomática. Quando presentes, as
queixas são conseqüência das mesmas causas que os originam, assim como das suas
complicações.
Forma hipertônica
Inicialmente, quando há contração permanente da musculatura cólica, há referência
de dor em cólica na fossa ilíaca esquerda ou região suprapúbica, de intensidade
variável, que normalmente aumenta após as refeições e alivia com a eliminação de
gases ou fezes. Pode estar ou não associada à dificuldade de evacuar e o bolo fecal
nas formas de fita ou em cíbalos.
Ao exame físico, à palpação profunda abdominal da fossa ilíaca esquerda, pode-se
reconhecer o cólon sigmóide doloroso, porém de paredes normais. Alguns pacientes
chegam a apresentar sintomas crônicos e intermitentes, com dor, desconforto
abdominal e alteração do hábito intestinal, sendo comum a obstipação que irá tornarse mais freqüente e prolongada, de acordo com o grau de diminuição da luz do cólon
e acompanhada de distensão abdominal.
Numa fase posterior, após o aparecimento das câmaras de hipertensão na parede
intestinal (sigmóide), acentuando a segmentação cólica, a dor é mais intensa e
constante, localizando-se no quadrante inferior esquerdo do abdome, podendo
irradiar-se à parte inferior das costas, aos órgãos pélvicos e ao períneo. Nesta fase,
há grande número de divertículos que, devido ao seu formato, têm chance de
acumular secreções e/ou fecalitos em seu interior, obstruir seu cólo estreito,
originando um processo inflamatório pericólico, que acentua a dor e favorece a fixação
da víscera à pelve, à parede abdominal, à bexiga ou até mesmo ao útero e à vagina,
na mulher. Anorexia, náusea, vômito ou distensão abdominal são sintomas que se
associam ao íleo ou a obstrução colônica parcial, resultantes da pericolite.
O aparecimento de sintomas geniturinários ou ginecológicos pode levar à confusão
diagnóstica com doenças dessas áreas. A fixação do sigmóide ao fundo-de-saco de
Douglas causa tenesmo constante retal e dor irradiada ao períneo anterior. O toque
do reto é freqüentemente doloroso.
A perissigmoidite aguda é a complicação mais comum, até mesmo o primeiro
sintoma da doença em até dois terços dos pacientes. É suspeitada pela presença de
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um ou mais dos sintomas: dor intensa na fossa ilíaca esquerda, febre, calafrio,
taquicardia e reação peritoneal. No exame hematológico o número de leucócitos
polimorfonucleares está aumentado e o índice de sedimentação se eleva. A dor
tende a ser constante e pode irradiar-se para as costas, para o flanco esquerdo,
virilha e pernas. Alteração do ritmo da evacuação, diarréia ou a parada de eliminação
de gases e fezes, costuma estar presente. A intensidade e a duração dos sintomas são
variáveis, dependendo se o processo inflamatório é localizado ou difuso.
Com a evolução da doença diverticular hipertônica, o cólon esquerdo encurta, a luz
intestinal quase desaparece e as câmaras de hipertensão podem levar à suboclusão
cólica. A intensificação do processo inflamatório pericólico pode transformar o
sigmóide em uma grande massa inflamatória. Como esse cólon já se encontra fixo à
pelve ou à fossa ilíaca esquerda, essa tumoração é facilmente palpável e
extremamente dolorosa.
Na sequência, esse processo inflamatório pode evoluir para um abscesso intramural
ou pericólico, sendo este último mais freqüente. A drenagem espontânea desses
abscessos para a cavidade abdominal é rara e produz peritonite bacteriana de alta
morbimortalidade. Entretanto, como geralmente essa inflamação é lenta e o cólon
esquedo, em especial o sigmóide, já se encontra aderido às estruturas circunvizinhas,
pode haver a drenagem do abscesso para elas, originando as fístulas do sigmóide
para a bexiga, colovesicais e as coloentéricas, colovaginais, colocutâneas ou
coloperineais. Seu quadro clínico é geralmente grave, com dor intensa e contínua,
sinais de irritação peritoneal, disúria, tenesmo, dismenorréia e obstipação. Os pacientes podem estar em condições gerais razoáveis, ou se encontrar em choque
séptico, de acordo com o tipo e tempo de perfuração e a idade do doente.
As fístulas colovesicais são as mais freqüentes, sendo as mulhéres menos afetadas,
devido à posição anatômica do útero e seus anexos dando proteção à bexiga. O início
dos seus sintomas é geralmente insidioso, com queixas leves de disúria e
pneumatúria, podendo evoluir para um quadro agudo com febre alta, dor abdominal,
infecção urinária e fecalúria. As fístulas coloentérica e colovaginal são raras. A
colovaginal ocorre quase exclusivamente em mulheres que se submeteram à
histerectomia e manifesta-se com secreção fecalóide vaginal, além dos gases
intestinais expelidos pela vagina.
O quadro clínico do abscesso perissigmóideo pode acontecer subitamente ou ser
precedido por alguns dias de crise de perissigmoidite aguda menos intensa, em que os
sintomas não cederam ou aumentaram, apesar do tratamento clínico. A demora no
diagnóstico e no tratamento é acompanhada de alta taxa de morbimortalidade.
É comum haver suboclusão intestinal em pacientes portadores da forma hipertônica
de longa evolução, sendo raro seu agravamento para a obstrução aguda. Quando
ocorre, deve-se sempre diferenciar do carcinoma do cólon.
A perfuração do divertículo hipertônico para peritônio livre é infreqüente e produz
peritonite fecal grave. Comumente, os doentes desenvolvem choque séptico.
A diverticulose hipertônica raramente acarreta lesões na mucosa cólica e, portanto,
é incomum episódios de sangramento intestinal.
Forma hipotônica
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A doença hipotônica é freqüentemente assintomática e, quando existem sintomas,
eles são decorrentes de enfermidades concomitantes. Os mais referidos são distensão
ou incômodo abdominal e dificuldade evacuatória ocasionados pela constipação
intestinal, particularmente no idoso.
Apesar de não existir um quadro clínico característico para a forma hipotônica, pode
haver, conforme já exposto, dois tipos de complicações: hemorragia e perfuração. A
real incidência dessas complicações é desconhecida e não existe qualquer sinal que
possibilite prever qual paciente é suscetível a elas.
A hemorragia parece depender da concomitância de outras enfermidades, tais como
a aterosclerose, hipertensão arterial e diabetes. É um sangramento do tipo arterial e
atribuído à lesão da arteríola que acompanha a herniação da mucosa que forma o
divertículo hipotônico. Essa enterorragia é freqüentemente copiosa, indolor e sem
pródromos. O quadro clínico do sangramento é de um episódio agudo, em alguns
casos com sangue vermelho rutilante, podendo ou não haver coágulos, e em outros
com melena. Habiualmente, o doente permanece relativamente estável, o que
possibilita sua avaliação criteriosa. Habitualmente a hemorragia cessa espontaneamente, fato que ocorre em aproximadamente 95% dos pacientes. No entanto
suas recidivas são comuns. São poucos os que necessitam de transfusão sanguínea.
Os casos de sangramento maciço são raros e, quando ocorrem, podem levar o doente
ao choque hipovolêmico e considerar indicação para cirurgia de urgência.
Vários estudos angiográficos e de peças cirúrgicas verificaram que o sangramento
mais comum era proveniente de divertículo localizado no cólon direito.
A perfuração do divertículo na forma hipotônica da moléstia é rara e pode acontecer
em qualquer localização cólica. Ela ocorre em peritônio livre e causa peritonite fecal,
extremamente grave, com choque septicêmico precoce e mortalidade elevada.
DIAGNÓSTICO
No diagnóstico da doença diverticular deve-se valorizar a anamnese, o exame físico
geral e especializado, os exames laboratoriais, e por imagem que facilmente
diferenciam suas formas hipotônica, hipertônica ou mista, suas complicações e as
possíveis doenças concomitantes (Quadro 2).
QUADRO 2 – Doença diverticular dos cólons: diagnóstico
• Anamnese
• Exame físico geral e especializado
• Exames laboratoriais
• Exames endoscópicos
• Exames por imagem
Forma hipertônica
Por ser enfermidade que produz alterações morfológicas ao cólon, o método
propedêutico de escolha é o radiológico, por exame contrastado (enema opaco). Ele
demonstra na sua fase inicial as mudanças típicas da diverticulose hipertônica, com
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deformidade segmentar e espasmo acentuado do cólon esquerdo e, em especial, a
irregularidade do cólon sigmóide. Normalmente, evidencia os divertículos hipertônicos
em forma de pêra ou raquete e nas fases avançadas, a presença de trajetos fistulosos
entre o cólon e órgãos circunvizinhos. A presença de abscesso perissigmóideo e da
perfuração diverticular bloqueada é, raramente, diagnosticada por esse método.
Nessa forma hipertônica, a radiografia dos cólons nem sempre permite uma
avaliação adequada da luz intestinal, devido ao espasmo existente, ocasionando
resultados falso-negativos, principalmente em pacientes com doenças concomitantes
como pólipos e/ou câncer.
Alguns autores sugerem poder-se diagnosticar a moléstia em um estádio prédiverticular, caracterizado pela presença, no enema opaco, de serrilhamento fino ou
mesmo irregularidade grosseira da parede cólica.
A radiografia simples do abdome é indicada nos doentes com abdome agudo e
suspeita de perfuração diverticular não-bloqueada (presença de pneumoperitônio) ou
com sinais de obstrução intestinal.
Ao toque retal pode-se sentir a presença de tumoração pélvica. A
retossigmoidoscopia é geralmente difícil, devido às alterações do cólon sigmóide que
dificultam a progressão do aparelho além da junção retossigmoideana. Entretanto,
sua realização é importante para a exclusão de enfermidade anorretal associada.
A colonoscopia, no paciente com a forma hipertônica, freqüentemente, mostra uma
mucosa de coloração e aspecto normais. A progressão do aparelho é lenta e as
manobras de introdução, geralmente mais dolorosas. É no cólon sigmóide que se
observam as alterações mais significativas, com a presença de estreitamento da luz
intestinal e a mucosa formando dobras para o interior do lúmen, septando-a. Os
óstios diverticulares apresentam-se pequenos não sendo observados com facilidade.
Sua importância está em possibilitar o diagnóstico diferencial com doenças
inflamatórias localizadas, especialmente a colite de Crohn, e a concomitância com
lesões vegetantes, como pólipos e câncer. Nos pacientes com a forma hipertônica que
apresentam sangramento intestinal, diminuto ou copioso, a colonoscopia é o primeiro
procedimento a ser realizado, pois permite a adequada avaliação da mucosa cólica
para identificação do sangramento.
Com a progressão da enfermidade e intensificação da segmentação cólica, o exame
radiológico demonstra um cólon de aspecto endurecido, com paredes rígidas, e os
divertículos facilmente identificáveis.
A colonoscopia, nesta fase, mostra um cólon de luz estreitada, com membranas
mucosas espessas e endurecidas, sendo a progressão do colonoscópio dolorosa,
mesmo com o uso de antiespasmódicos. Estando o sigmóide aderido ao fundo-de-saco
de Douglas ou à fossa ilíaca esquerda, o aparelho progride com muita dificuldade e as
manobras mais abruptas ocasionam dor intensa e podem esgarçar o ângulo
retossigmóideo, com alto risco de perfuração. Os óstios diverticulares permanecem
pequenos e a mucosa pode apresentar áreas de enantema ao seu redor.
Na suspeita de abscesso intramural ou pericólico, a ecografia pode ser útil, mas é o
exame de escolha é a ressonância magnética. A colonoscopia e o enema opaco, nesse
momento, estão contra-indicados devido à morbidade que podem acarretar. A
ecografia e, em especial, a ressonância magnética abdominal são métodos que
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permitem detectar a presença do processo inflamatório diverticular, a hipertrofia da
parede cólica e do abscesso, sua extensão e volume. Porém, a ressonância é,
também, eficaz para detectar abscessos entre as alças intestinais ou abscessos com a
presença de gases e sua infiltração retroperitoneal e sua relação com o músculo
psoas. A tomografia computadorizada proporciona informações menos precisas nesses
casos.
Esses métodos por imagem dão informação não apenas sobre o diagnóstico da
doença, mas também permitem distinguir os pacientes com inflamação moderada,
limitada ao cólon, daqueles com extensão perivisceral ou abscessos que necessitam
de drenagem percutânea ou cirúrgica.
O enema opaco, sem duplo contraste, permite diagnosticar os casos de suboclusão
da moléstia e os trajetos fistulosos do cólon para o delgado, bexiga vagina, parede
abdominal ou perineal.
A colonoscopia raramente possibilita a visão do orifício da fístula no cólon. Nas
fístulas colovesicais, o diagnóstico poderá ser feito pela observação, à luz do cólon, de
corante introduzido na bexiga (azul-de-metileno), ou pela presença de bile ou suco
entérico nas fístulas colojejunais e coloileais. Mesmo nessa fase crônica da moléstia,
em que não existe abscesso, é necessário realizar a endoscopia de maneira
cuidadosa, evitando as complicações, como a perfuração ou a laceração cólica, que
podem ocorrer devido ao processo inflamatório perivisceral que fixa o cólon às estruturas circunvizinhas.
O enema opaco e a colonoscopia, apesar de importantes no diagnóstico, mostram
apenas alterações da doença intramural ou do relevo mucoso; já as informações
relacionadas ao grau da doença pericólica e sua extensão inflamatória extracolônica
são melhor obtidas pela ressonância magnética.
A classificação mais usada para identificar o paciente com diverticulite aguda
complicada é a de Hinchey que se divide em estadios de I a IV, onde:
• Estadio I: abscesso pericólico;
• Estadio II: presença de abscesso pélvico ou retroperitoneal, subdividido em
o IIa com drenagem percutânea e
o IIb associado a fístula;
• Estadio III: presença de peritonite purulenta
• Estádio IV: presença de peritonite fecal
Forma hipotônica
A radiologia contrastada (enema opaco) revela a presença de divertículos globosos,
esparsos por todos os segmentos cólicos.
A colonoscopia permite ver os óstios diverticulares amplos, suas localizações e a
presença de fecalitos no seu interior. Como os óstios são amplos, deve-se tomar
cuidado para não se introduzir o colonoscópio no interior de um divertículo, confundindo-o com a luz cólica e assim perfurá-lo.
Nos casos de hemorragia da forma hipotônica, o enema opaco é de pouca valia no
sentido de revelar o local do sangramento, diagnosticando somente a presença dos
divertículos. Deve-se ainda ressaltar que sua realização dificulta e até mesmo impede
a feitura de outros exames, pela presença do contraste baritado na luz cólica.
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A colonoscopia na vigência do sangramento, mesmo profuso, tem sido cada vez
mais indicada na urgência. Ela permite, na maioria das vezes, localizar o sítio da
hemorragia e sua etiologia. As ectasias vasculares (angiodisplasias) são também
importante causa de enterorragia no paciente idoso e a endoscopia possibilita o
diagnóstico diferencial com a doença diverticular. O sangramento ativo fluindo de um
divertículo é raramento identificado à colonoscopia. Dos pacientes com doença diverticular hipotônica com hemorragia persistente, 45% sãoportadores de lesão concomitante e causadora do sangramento.
A arteriografia seletiva mesentérica pode ser de grande valia na hemorragia
maciça, para reconhecer o local do sangramento. Ela só é efetiva quando ele estiver
ativo no momento de sua realização, com débito médio acima de 0,5 ml/minuto.
Deve-se iniciar a injeção do contraste na artéria mesentérica superior por causa da
alta incidência de sangramento do cólon direito. Os achados radiográficos incluem
extravasamento do contraste, malformação arteriovenosa e enchimento precoce da
veia. É importante ressaltar que se deve evitar a embolização por essa técnica, devido
ao grande risco de provocar isquemia e necrose da parede cólica, acompanhada, freqüentemente, de perfuração.
A cintilografia com colóide sulfurado de tecnécio ou com glóbulos vermelhos
marcados com tecnécio99 também é utilizada, com algum sucesso, para localização do
sangramento.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Várias doenças podem simular o quadro clínico da doença diverticular dos cólons, e
seu diagnóstico diferencial pode apresentar considerável dificuldade (Quadro 3).
QUADRO 3 – Doença diverticular dos cólons: diagnóstico diferencial
• Síndrome do intestino irritável
• Carcinoma colorretal
• Apendicite aguda
• Doenças inflamatórias intestinais
• Enfermidades inflamatórias pélvicas
• Colite isquêmica
• Ectasia vascular
As mais importantes são:
Carcinoma cólico: aproximadamente 20% dos pacientes com a moléstia
diverticular dos cólons têm pólipo ou carcinoma simultâneo. A associação entre ela e o
câncer colorretal ocorre pela coincidência da maior incidência nessas faixas etárias
(acima dos 50 anos de idade). Em geral, é fácil diagnosticar o carcinoma cólico
concomitante à enfermidade diverticular. Entretanto, quando o câncer está localizado
no cólon esquerdo em paciente portador da forma hipertônica da diverticulose, sua
diferenciação poderá tornar-se difícil pela alteração morfológica do cólon. Na presença
de sangramento cólico, o diagnóstico diferencial com o carcinoma é muito importante.
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O exame de escolha nesses dois casos é a colonoscopia. Quando a lesão maligna
perfura o cólon, o aspecto radiográfico pode ser indistingüível do abscesso pericólico.
Apendicite aguda: o apêndice cecal pode localizar-se na fossa ilíaca esquerda ou
na pelve e, ocorrendo apendicite aguda, esta será indistinguível da peridiverticulite do
sigmóide, em especial, em pacientes acima dos 40 anos. A apendicite aguda
também pode ser simulada pela perissigmoidite quando o sigmóide é redundante e
adere ao quadrante inferior direito do abdome.
Enfermidades inflamatórias pélvicas: a salpingite aguda pode confundir-se com
doença diverticular inflamada, mas como usualmente ocorre em mulheres jovens,
com histórico de irregularidades menstruais e secreções vaginais anormais, seu diagnóstico, em geral, não é difícil. O mesmo pode acontecer com a cistite ou prostatite
aguda, porém a freqüência urinária, disúria, piúria microscópica e os achados na
citoscopia e no exame retossigmoideano fazem a diferenciação.
Colite isquêmica: diferencia-se por apresentar, em geral, início abrupto,
freqüentemente atingindo um ponto culminante em minutos ou horas, com diarréia
sanguinolenta e dor abdominal. Suas localizações mais comuns são a flexura
esplênica, o cólon descendente e o sigmóide. Uma história de insuficiência cardíaca,
hipotensão ou hipercoagulação podem sugerir o diagnóstico, pois são fatores predisponentes da colite isquêmica. A “impressão do polegar” na mucosa cólica,
especialmente na flexura esplênica, é seu achado radiográfico característico.
Ectasia vascular: em virtude de ser importante causa de hemorragia intestinal, as
ectasias vasculares do cólon (angiodisplasias) devem sempre ser investigadas para
diferenciá-las da enterroragia diverticular. Como é freqüente a concomitância entre
ambas e, nem sempre, é possível definir-se qual a verdadeira causa do sangramento,
nestes casos deve-se sempre proceder a esclerose, alcoolização ou fotocoagulação
dessas ectasias vasculares, pela colonoscopia. Além deste exame endoscópico, a
arteriografia seletiva também possibilita seu diagnóstico.
TRATAMENTO CLÍNICO
Rotineiramente o tratamento dos pacientes sintomáticos da doença diverticular dos
cólons, mesmo quando há processo inflamatório perissigmóideo ou sangramento
intestinal é clínico. A melhora dos sintomas ocorre em cerca de 90% dos casos.
Observações radiológicas, estudos da pressão intraluminal colônica e pesquisas epidemiológicas dão apoio à inclusão de alimentos com alto teor de fibras na dieta desses
pacientes. Um conteúdo colônico volumoso, que se movimenta rapidamente, com
menor grau de segmentação da parede cólica, reduz a pressão intracolônica e, sobretudo, diminui a possibilidade de se formarem divertículos, de aparecerem sintomas
relacionados ao espasmo ou até mesmo o risco de suas complicações.
Forma hipertônica
O tratamento clínico é realizado por dieta rica em fibras, que inclui cereais (farelo
não refinado, pão integral, etc.), frutas e vegetais (por exemplo, passas ou uva sem
sementes, pêssegos frescos, laranjas, bananas, maçãs, pêras, ameixas, cenouras,
nabos, alface, etc.). Quando necessário, associam-se auxiliares da evacuação
formadores de massa, tais como metilcelulose, ágar e mucilagem. Esta dieta leva à
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formação de fezes compactas e macias, que requerem pequena pressão para serem
expelidas, além de aumentar o diâmetro do cólon. Há melhora do ritmo intestinal e
diminuição da dor. Deve-se iniciar com as fibras em pequena quantidade, sendo
aumentadas gradualmente, para se evitar a formação excessiva de gases.
Da mesma forma, os alimentos que podem bloquear o colo diverticular, obstruindo
seu óstio para a luz cólica, devem ser evitados, tais como milho, pipoca, nozes,
sementes de frutas (uva, laranja, melancia, jabuticaba, etc.) e vegetais (tomate,
pepino, etc.).
Nos casos acompanhados de dor, prescrevem-se antiespasmódicos, como
escopolamina, hioscina ou brometo de otilonium, anticolinérgicos, como brometo de
propantelina, fosfato de codeina ou cloridrato de papaverina, que reduzem a
contração intestinal pela diminuição da pressão intraluminal, aliviando o espasmo. Os
derivados da morfina são contra-indicados pelo risco de perfuração e drogas
antiinflamatórias não-esteróides são evitadas por aumentar o risco de sangramento.
Os pacientes com processo inflamatório perissigmóideo têm sido tratados com
sucesso, utilizando-se de antibióticos de amplo espectro. Poucos são os que
necessitam de hospitalização nesta fase.
Na crise aguda, com dor abdominal intensa, em geral, na fossa ilíaca esquerda,
febre e leucocitose, o paciente deve ser hospitalizado e confinado ao leito. É
necessário repouso intestinal completo, freqüentemente incluindo sucção nasogástrica. A nutrição é mantida pela administração intravenosa de líquidos contendo
glicose e eletrólitos. A dor é aliviada pelo uso de meperidina. É fundamental a
administração parenteral de antibióticos e quimioterápicos associados para atingir um
amplo espectro de ação, visando especialmente aos microorganismos de presença
comum no lúmen cólico, como os gram-negativos e os bacilos anaeróbicos.
Mesmo os doentes com diagnóstico clínico de peritonite secundária à
perissigmoidite podem ser tratados conservadoramente, evitando-se a cirurgia de
emergência e, na sua maioria, respondem positivamente entre 3 e 7 dias. Após a crise
inicial, tratada clinicamente, sua recidiva pode ocorrer em cerca de 25% desses casos,
nos primeiros cinco anos. Com episódios múltiplos, as possibilidades de se
desenvolverem complicações se triplicam. Além disso, a recorrência aumenta a
probabilidade da necessidade de intervenção cirúrgica. Segundo várias publicações,
há
uma
tendência
maior
de
complicações
nos
pacientes
jovens
ou
imunocomprometidos e nestes a opção é pelo tratamento cirúrgico.
Na presença de abscesso perissigmoideu bem delimitado, quando à tomografia
computadorizada seu tamanho for menor que 3 cm o tratamento inicial poderá ser
com antibióticos de amplo espectro. Nos maiores que 3 cm deve-se efetuar, sempre
que possível, sua drenagem por cateteres guiados pela ecografia ou pela tomografia
computadorizada, evitando-se a cirurgia na urgência. Essa drenagem pode ser
realizada pelas vias trans-abdominal, trans-retal, trans-vaginal ou trans-ciática.
Sendo o procedimento bem-sucedido, o estado geral do paciente melhora, permitindo
a realização eletiva da cirurgia, em melhores condições clínicas, em geral, 4 a 8
semanas após a drenagem.
Forma hipotônica
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Como é normalmente assintomática, não se emprega tratamento algum. Nos
pacientes que apresentam constipação intestinal, freqüente nos idosos, deve-se
utilizar a dieta rica em fibras associada aos auxiliares da evacuação, como exposto
anteriormente.
Quando complicada com sangramento diverticular, mesmo que profuso, seu tratamento inicial será clínico, com ou sem hospitalização, de acordo com a intensidade da
hemorragia. Faz-se o restabelecimento hemodinâmico e, se necessária, transfusão de
sangue. O sangramento diverticular cessa espontaneamente na maioria dos pacientes.
TRATAMENTO CIRÚRGICO
A indicação do tratamento cirúrgico na doença diverticular dos cólons é pouco
freqüente, tanto eletivo quanto na urgência. A cirurgia eletiva deve ser
cuidadosamente programada e seus resultados, em geral, são bons, com baixa
morbimortalidade. Entretanto, o emprego da cirurgia de emergência pode atingir
mortalidade de 20% a 30%, segundo várias publicações.
Os cuidados pré-operatórios consistem na correção dos distúrbios hidroeletrolíticos
ou metabólicos e da avaliação cardiopulmonar, da extensão da enfermidade
diverticular e do possível acometimento de outros órgãos. O uso de antibióticos com
finalidade profilática é rotina e sua manutenção, ou não, pós-operatória será de
acordo com o grau do processo inflamatório encontrado. O preparo mecânico do cólon
é fundamental e deverá ser realizado sempre que possível.
Forma hipertônica
A cirurgia da enfermidade hipertônica está indicada como no Quadro 4:
QUADRO 4 – Doença diverticular dos cólons: indicações cirúrgicas da forma hipertônica
• Crônica persistente
• Abscesso perissigmóideo
–
–
–
–
Sem
Com
Sem
Com
suboclusão
suboclusão
massa palpável
massa palpável
• Fistulização
• Obstrução intestinal
• Perfuração diverticular
• Carcinoma concomitante
Pode ser realizada eletivamente ou na urgência como vista no Quadro 5.
QUADRO 5 – Doneça diverticular dos cólons: tratamento cirúrgico na urgência
Abscesso perissigmóideo sem peritonite ou com obstrução intestinal
• Ressecção sem anastomose
– Operação de Hartmann
– Operação de Mikulicz
• Ressecção com anastomose primária
Abscesso perissigmóideo com peritonite ou na perfuração diverticular
• Drenagem com colostomia ou exteriorização da perfuração
• Ressecção sem anastomose
– Operação de Hartmann
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– Operação de Mikulicz
• Ressecção com anastomose primária e colostomia de proteção
Hemorragia diverticular com área sangrante localizada
• Colectomia segmentar com anastomose primária
Hemorragia diverticular sem localização da área sangrante
• Colectomia subtotal com anastomose ileorretal
• Colectomia subtotal com ileostomia terminal
Forma hipotônica
A cirurgia na forma hipotônica é indicada somente nas suas complicações (Quadro
6).
QUADRO 6 – Doença diverticular dos cólons: indicações cirúrgicas da forma hipotônica
• Hemorragia incontrolável
• Hemorragia recidivante
• Perfuração diverticular
É importante enfatiizar que, na maioria dos pacientes com sangramento diverticular, a hemorragia cessa espontaneamente (95%). Entretanto, nos casos em que
ela é profusa e não responde ao tratamento clínico, havendo necessidade de
transfusão de 2.000 ml ou mais de sangue total em um período de 24 horas ou
ocorrendo continuamente por 72 horas ou mais, ou acontecendo nova perda
sanguínea intensa na primeira semana após o sangramento inicial, a opção
terapêutica é cirurgica.
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