Capítulo 3. Tópicos de Orientação a Objetos
correr o risco de cair na armadilha da quebra de encapsulamento e alto acoplamento. Repare que, desta forma, o acoplamento é bem menor, nenhuma das
classes precisa conhecer o funcionamento interno das outras.
Porém, se for necessário o uso de herança, alguns cuidados são importantes
para minimizar a possível quebra de encapsulamento. Joshua Bloch, no Effective
Java, fala de Design for Inheritance,4 com diversas práticas como evitar invocações
entre métodos públicos, para que a sobrescrita de um não mude o comportamento
de outro.
Ao mesmo tempo que desejamos evitar herança, temos interesse em permitir
mudança no nosso comportamento sem a necessidade de alterar ou copiar o código
original. Mantendo pontos de extensão, permitimos que classes que implementam
uma determinada interface sejam capazes de modificar o comportamento de outras
classes. Através de interfaces e composição, podemos criar desde um novo driver
JDBC para um determinado banco de dados, ou flexibilizar trabalhos simples, como
ordernar listas com Comparators implementando diferentes critérios de comparação. Este princípio, de manter suas classes abertas para extensão sem a necessidade
de alteração no código original, é chamado Open Closed Principle.13
Evite herança, favoreça composição é um de dois princípios fundamentais
de design do livro Design Patterns, com frequência referenciado na literatura.6,3
3.4. Favoreça imutabilidade e simplicidade
Dois clientes com a mesma data de pagamento não podem compartilhar instâncias de Calendar, pois, se um deles alterar o vencimento, essa mudança resultaria em um efeito colateral provavelmente indesejado: o outro também sofre
a alteração. A classe Calendar permite mudança no estado de suas instâncias
e, portanto, diz-se que a classe é mutável, como o exemplo a seguir demonstra:
Calendar data = new GregorianCalendar(2004, 2, 13);
cliente.setVencimento(data);
Calendar doisDiasDepois = cliente.getVencimento();
doisDiasDepois.add(Calendar.DAY_OF_MONTH, 2);
outroCliente.setVencimento(doisDiasDepois);
// efeito colateral:
System.out.println(cliente.getVencimento());
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3.4. Favoreça imutabilidade e simplicidade
A classe String tem comportamento diferente. Quando começamos a programar com Java, passamos por um código semelhante ao que segue:
String s = “java”;
s.toUpperCase();
System.out.println(s);
Este código, que aparece com frequência nas provas de certificação, imprimirá
java em letras minúsculas. Isso porque a classe String é dita imutável. Todo método invocado em uma String, que parece modificá-la, sempre devolve uma nova
instância com a alteração requisitada, mas nunca altera a instância original. Ao
tornar uma classe imutável, uma ampla gama de problemas comuns desaparece.14,4
Simplicidade e previsibilidade
Objetos imutáveis são muito mais simples de manipular que os mutáveis, tendo
um comportamento bem previsível:
String s = “arquitetura”;
removeCaracteres(s);
System.out.println(s);
Não importa o que o método removeCaracteres(s) faça, a saída apresentará
arquitetura. Objetos imutáveis não sofrem efeitos colaterais, pois têm comportamento previsível em relação ao seu estado. Compare com um código semelhante,
mas passando uma referência a um objeto mutável; no caso, um Calendar:
Calendar c = Calendar.getInstance();
verificaFeriado(c);
System.out.println(c.get(Calendar.YEAR));
Por mais explícito que seja o nome do método, não é possível afirmar,
apenas com este trecho de código, qual é a saída no console, pois o método
verificaFeriado pode alterar algum dado desta instância de Calendar. Os próprios engenheiros da Sun admitiram alguns erros de design das APIs antigas, como
a classe java.util.Calendar ser mutável.15 Por isso, muitas vezes recorremos às
APIs de terceiros, como a Joda Time, nas quais encontramos entidades de datas,
horários e intervalos imutáveis.
Quando o objeto é mutável, para evitar que alguém o modifique, temos que tomar alguma precaução. Uma solução, frequentemente usada com coleções através do
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Capítulo 3. Tópicos de Orientação a Objetos
Collections.unmodifiableList(List) e seus similares, é interfacear o objeto
e embrulhá-lo de tal forma que os métodos expostos não possibilitem modificação.
Em vez de passar a referência original adiante, passamos essa nova referência, cuja
instância lança exceções em qualquer tentativa de modificação.
Outra solução para objetos mutáveis é criar cópias defensivas do objeto. Em
vez de devolver o objeto original que se deseja preservar, criamos uma cópia, por
exemplo, através do método clone, e devolvemos esta cópia. O usuário, desta forma,
não tem como alterar o objeto original, mas recebe uma cópia para uso próprio, que,
se alterar, afetará apenas a si mesmo.
Objetos imutáveis são mais simples de se lidar. Depois de sua criação, sempre
saberemos seu valor e não precisamos tomar cuidados adicionais para preservá-lo.
Objetos mutáveis, em contrapartida, com frequência necessitam de um cuidado
adicional, cujo objetivo é evitar alterações inesperadas.
Otimizações de memória
Podemos tirar proveito da imutabilidade de outras formas.14 Como cada objeto
representa apenas um estado, você não precisa mais do que uma instância para
cada estado. A própria API da linguagem Java usa a imutabilidade como uma
vantagem para fazer cache e reaproveitamento de instâncias.
É o caso do pool de Strings da JVM, que faz com que Strings de mesmo conteúdo possam ser representadas por uma única instância compartilhada. O mesmo
acontece em boa parte das implementações das classes wrapper como Integer. Ao
invocar Integer.valueOf(int), a referência a Integer devolvida pode ser fruto
de um cache interno de objetos com números mais frequentemente solicitados.16
Esse tipo de otimização só é possível com objetos imutáveis. É seguro compartilhar instâncias de Strings ou Integers com diferentes partes do programa,
sem o risco de que uma alteração no objeto traga efeitos colaterais indesejados
em outras partes do sistema.
E há mais possibilidades ainda para otimizações graças à imutabilidade. A
classe String ainda se aproveita dessa característica para compartilhar seu array
de char interno entre Strings diferentes. Se olharmos seu código fonte, veremos
que ela possui três atributos principais: um char[] value e dois inteiros, count
e offset;17 estes inteiros servem para indicar o início e o fim da String dentro
do array de char.
Seu método substring(int,int) leva em conta a imutabilidade das
Strings e os dois inteiros que controlam início e fim para reaproveitar o array
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3.4. Favoreça imutabilidade e simplicidade
de char. Quando pedimos uma determinada substring, em vez de o Java criar
um novo array de char com o pedaço em questão, ele devolve um novo objeto
String, que internamente compartilha a referência para o mesmo array de char
que a String original, e tem apenas os seus dois índices ajustados. Ou seja,
criar uma substring em Java é muito leve, sendo apenas uma questão de ajustar
dois números inteiros (Figura 3.3).
Figura 3.3 – Compartilhando o mesmo array entre duas Strings distintas.
Essa otimização é uma implementação um pouco mais simples do design pattern
flyweight, em que se propõe reaproveitar objetos com objetivo de diminuir o uso da
memória.4 O próprio pool de Strings pode ser considerado um flyweight. E poderíamos ir mais longe com o flyweight, implementando a concatenação de Strings apontando para diversas outras Strings internamente ao invés de copiar os dados para seu
próprio array de char. Neste caso, a API do Java prefere não chegar a este ponto, pois,
apesar de um ganho de memória, haveria o trade-off do aumento de processamento.
É válido também ressaltar o perigo de certas otimizações em alguns casos.
Na otimização do substring, por exemplo, uma String pequena pode acabar
segurando referência para um array de chars muito grande se ela foi originada
a partir de uma String longa. Isso impediria que o array maior fosse coletado,
mesmo se não possuirmos referências para a String original.
Há também um excesso de memória consumida temporariamente. Com imutabilidade, cada invocação de método cria uma nova cópia do objeto apenas com alguma alteração e, se isto estiver dentro de um laço, diversas cópias temporárias serão
utilizadas, mas apenas o resultado final é guardado. Aqui, o uso do pattern builder
pode ajudar, como é o caso da classe mutável StringBuilder (ou sua versão
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Capítulo 3. Tópicos de Orientação a Objetos
thread safe StringBuffer) com seu método append em vez de String.concat
(ou o operador sobrecarregado +) em um laço.
Acesso por várias threads
Definir regiões críticas com synchronized é ainda uma solução repetidamente
encontrada ao manipular memória compartilhada. Desta forma, evitamos que
duas escritas concorrentes se entrelacem e que leituras sejam capazes de acessar
dados inconsistentes ou intermediários.
A tarefa difícil é definir todas as regiões críticas e quais são mutuamente exclusivas; definir uma região muito grande gera perda de vazão (throughtput), enquanto
uma de tamanho insuficiente implicará os mesmos problemas de não tê-las.
Em vez de recorrer aos recursos das linguagens, pensemos nesses objetos de
forma diferente, evitando esse estado intermediário, não permitindo a mudança
de valores. A vantagem é a thread-safety, pois, como não existem estados intermediários, não há como acessar nem modificar dados em momentos de inconsistência. O estado inconsistente fica escondido na lógica de construção, e o novo
estado só estará disponível quando terminar de ser construído, para então ter sua
referência compartilhada por mais de uma thread.
As linguagens funcionais mais puras, como Erlang e Haskell, estão sendo utilizadas em ambientes de grande concorrência, dada sua característica de trabalhar
quase que apenas com valores imutáveis. Perde-se o conceito de variável como
o conhecemos, já que os valores não mudam; nascem e morrem com o mesmo
estado. Você é obrigado a programar apenas de maneira imutável, o que é uma
enorme mudança de paradigma. Muitas dessas linguagens podem rodar sobre
a JVM, como Scala, que, apesar de suportar mutabilidade, tem fortes raízes em
programação funcional e recomenda o uso de imutabilidade.
Imutabilidade e encadeamento de invocações de métodos
Uma vez que as classes são imutáveis, os métodos não possuem efeitos colaterais e, portanto, devem devolver uma referência a um novo objeto (Figura 3.4).
Logo, é natural encadear invocações de métodos (method chaining), viabilizando a criação de código mais legível:
Data vencimento = new Data();
Calendar proximaParcela = vencimento.adicionaMes(1)
.proximoDiaUtil()
.toCalendar();
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3.4. Favoreça imutabilidade e simplicidade
Figura 3.4 – Cada invocação de método que cria uma situação nova,
cria um estado novo, devolve a referência para um objeto novo.
O mesmo acontece com outras classes imutáveis do Java, como BigDecimal,
BigInteger e String:
String valor = “arquiteturajava.com.br”;
String resultado = valor.toUpperCase().trim().substring(6);
Method chaining é uma prática simples que permite a criação de interfaces
fluentes (fluent interfaces)18 que, junto com outros padrões e aplicada a domínios
específicos, permite a criação de DSLs.
Criando uma classe imutável
Para que uma classe seja imutável, ela precisa atender a algumas características:4
•
•
•
•
•
Nenhum método pode modificar seu estado.
Ela deve ser final, para evitar que filhas permitam mutabilidade.
Os atributos devem ser privados.
Os atributos devem ser final.
Caso sua classe tenha composições com objetos mutáveis, eles devem ter
acesso exclusivo pela sua classe, devolvendo cópias defensivas quando
necessário.
Uma classe imutável ficaria como:
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Capítulo 3. Tópicos de Orientação a Objetos
public final class Ano {
private final int ano;
public Ano(int ano) {
this.ano = ano;
}
public int getAno() {
return this.ano;
}
}
Este código seria mais complicado se nossa classe imutável fosse composta de
objetos mutáveis. Uma classe Periodo imutável, implementada com Calendars,
precisará trabalhar com cópias defensivas em dois momentos. Primeiro, quando receber algum Calendar como parâmetro e, depois, quando devolver algum
Calendar que faça parte da composição do objeto. Se não copiarmos os objetos,
é possível que algum código externo à classe Periodo altere os Calendars em
questão, gerando inconsistência.
Note as cópias defensivas no construtor e nos getters no seguinte código:
public final class Periodo {
private final Calendar inicio;
private final Calendar fim;
public Periodo(Calendar inicio, Calendar fim) {
this.inicio = (Calendar) inicio.clone();
this.fim = (Calendar) fim.clone();
}
public Calendar getInicio() {
return (Calendar) inicio.clone();
}
public Calendar getFim() {
return (Calendar) fim.clone();
}
}
Aproveitamos aqui o fato de Calendar implementar Cloneable, caso contrário precisaríamos fazer a cópia manualmente, criando um novo objeto e alterando
os atributos pertinentes um a um.
Como nossa classe é imutável, se precisarmos calcular alguma informação que
exija qualquer modificação, clonamos o objeto. É o caso de um método que adie
o período em uma semana, ou seja, some sete dias ao fim do período:
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3.5. Cuidado com o modelo anêmico
public Periodo adiaUmaSemana() {
Calendar novoFim = (Calendar) this.fim.clone();
novoFim.add(Calendar.DAY_OF_MONTH, 7);
return new Periodo(inicio, novoFim);
}
E, com uma pequena modificação, podemos implementar o design pattern
flyweight em nossa classe, compartilhando a instância do Calendar de início do,
período entre o objeto original e o novo, com uma semana adiada. Para tanto,
precisaríamos de um outro construtor privado para ser chamado no adiaUmaSemana
que não fizesse o clone.
Utilizar classes imutáveis traz um trabalho a mais junto com os diversos
benefícios descritos. Você deve considerar fortemente criar sua classe como
imutável.
3.5. Cuidado com o modelo anêmico
Um dos conceitos fundamentais da orientação a objetos é o de que você não deve
expor seus detalhes de implementação. Encapsulando a implementação, podemos
trocá-la com facilidade, já que não existe outro código dependendo desses detalhes, e o usuário só pode acessar seu objeto através do contrato definido pela sua
interface pública.19
Costumeiramente, aprendemos que o primeiro passo nessa direção é declarar
todos seus atributos como private:
public class Conta {
private double limite;
private double saldo;
}
Para acessar esses atributos, um desenvolvedor que ainda esteja aprendendo
vai rapidamente cair em algum tutorial, que sugere a criação de getters e setters
para poder trabalhar com esses atributos:
public class Conta {
private double limite;
private double saldo;
public double getSaldo() {
return saldo;
}
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