CARVALHO, Felipe S. Estrela de. REGULAÇÃO PÚBLICA E EXPLORAÇÃO DO TRABALHO RURAL:
RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO. 08 de
Julho de 2011. 137 folhas. Monografia de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia, 2011.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
FELIPE SANTOS ESTRELA DE CARVALHO
REGULAÇÃO PÚBLICA E EXPLORAÇÃO DO TRABALHO
RURAL: RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA
FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO
Salvador
2011
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CARVALHO, Felipe S. Estrela de. REGULAÇÃO PÚBLICA E EXPLORAÇÃO DO TRABALHO RURAL:
RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO. 08 de
Julho de 2011. 137 folhas. Monografia de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia, 2011.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
FELIPE SANTOS ESTRELA DE CARVALHO
REGULAÇÃO PÚBLICA E EXPLORAÇÃO DO TRABALHO
RURAL: RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA
FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO
Monografia de Conclusão de Curso,
sob orientação da Prof. Dra. Isabela
Fadul de Oliveira, apresentada como
requisito parcial para obtenção do
grau de Bacharel em Direito pela
Universidade Federal da Bahia.
Salvador
2011
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RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO. 08 de
Julho de 2011. 137 folhas. Monografia de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia, 2011.
FOLHA DE AVALIAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da
Universidade Federal da Bahia, elaborado pelo graduando FELIPE SANTOS
ESTRELA
DE
CARVALHO,
sob
o
título
REGULAÇÃO
PÚBLICA
E
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO RURAL: RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO
NA FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO será
submetida em 08 de Julho do ano de 2011, às 11 horas, à banca examinadora
composta pelos seguintes docentes: (i) Samuel Santana Vida (Presidente), (ii)
Isabela Fadul (Orientadora) e (iii) Vitor de Athayde Couto (Examinador), sendo
considerada _______________ (aprovado/reprovado) com nota _______.
Salvador, 08 de Julho de 2011.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Isabela Fadul de Oliveira (Orientadora)
– Universidade Federal da Bahia/ UFBA –
Doutora em Direito – Universidade de São Paulo/ USP, Brasil
_______________________________________________________________
Samuel de Santana Vida (Presidente da Banca/ Examinador)
– Universidade Federal da Bahia/ UFBA –
Mestrando em Direito, Universidade Federal da Bahia/ UFBA, Brasil
_______________________________________________________________
Vitor de Athayde Couto (Examinador)
–Universidade Federal da Bahia/ UFBA –
Doutor em Economia, Université de Toulouse II, França
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RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO. 08 de
Julho de 2011. 137 folhas. Monografia de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia, 2011.
AGRADECIMENTOS
Pão, Terra e Liberdade. Dedico esta monografia à luta dos movimentos
populares campesinos que com sangue e suor cultivam o mundo novo.
É bem provável que ao final destas linhas eu cometa alguma injustiça,
pois, esta monografia não é resultado exclusivo desses últimos meses de
estudo, mas fruto de uma longa caminhada construída dentro e fora do espaço
acadêmico. Por isso, agradeço logo a todas as pessoas que contribuíram de
alguma maneira para a construção daquilo que sou hoje.
Não poderia deixar de agradecer a Dona Lúcia, mãe querida, pelo amor
imensurável. As horas de riso largo ficaram a cargo de Mozart, irmão e amigo.
A trajetória na Faculdade de Direito só foi possível pela caminhada
ombro a ombro junto a grandes amigos e muitos coletivos. Pelo calor vivo em
meio ao mármore frio, ao Núcleo de Educação Popular – NEP/SAJU, que já foi
GTAC junto e misturado com Assessoria, quase fora NAJEGA, quiçá Núcleo
Sem Nome (NSN). Rumo à aliança camponesa e operária.
De mãos dadas num grande MUTIRÃO, cultivamos as flores do
MANDACARU para VIRAR o MUNDO em festa, trabalho e pão. Por um CARB
dos/as trabalhadores/as.
Lugar especial para o pé-de-pau e nossa galera. Árvore da resistência
que nos rendeu sombra e bons frutos quando nada fazia mais sentido. À
amizade que ali pude cultivar com outros tropicais.
À doce degustação dos dias na forma de poemas, cores, dizeres, gritos
e amores. Paredes e balaustradas coletivas. Pinte (n) o peripatético!
A Isabela, pela orientação pedagógica no presente trabalho. Obrigado
pela disposição e por ter ajudado a dar corpo às minhas inquietações.
Como a Universidade não se restringe a nossa isolada torre de marfim,
agradeço ao coletivo LEPEL/FACED/UFBA, em especial à educadora militante
Celi Taffarel pelo exemplo e mística revolucionária.
Aos meus companheiros e companheiras do Núcleo de Estudos e
Práticas em Políticas Agrárias – NEPPA. Pelo desafio histórico que assumimos
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Bahia, 2011.
e construímos juntos nesses cinco anos. Obrigado por me mostrar que novas
práticas e valores são possíveis.
Agradeço a AATR pela oportunidade de formação crítica dentro do
Direito. Um agradecimento especial ao SINTAGRO, na figura de Domingos
Rocha, e a CPT de Juazeiro, em nome de Marina Rocha, pelo apoio à
realização da pesquisa. Exemplos de militância junto ao povo.
Aos trabalhadores e trabalhadoras da fruticultura irrigada do Pólo
Juazeiro e Petrolina. À rebeldia necessária.
Por fim, agradeço a Joice, pela maravilhosa companhia; pelas longas
conversas às vezes levadas horas a fio, e principalmente pelo nosso despertar
repleto da preguiça dos gatos.
Muito obrigado!
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“Patrão:
Meus senhores, vou lhes apresentar
uma gente não sei de que lugar,
uma coisa que imita a raça humana:
eis aqui o trabalhador da cana.
Pois agora eles só querem falar
em direitos e leis a registrar,
imagine a confusão que dá!
Eu explico pra eles a tarde inteira
esse tal de registro na carteira
atrapalha, é burrice, é besteira.
Bóia-Fria:
Mas o traquejo da lei e do direito
não degrada quem dele se apetece
pois enquanto se nutre de respeito
é o trabalhador que se enobrece.
Além disso quem chega-se à virtude
e da lei se aproxima e se convém
tá mostrando ao patrão solicitude
por querer o que dele advém.
Desse modo o registro na carteira
será nossa causa verdadeira.
Patrão:
Mas que raça de gente muquirana
me saiu esse trabalhador da cana!
ignora que a lei e a justiça
é
da
autoridade
submissa
e quando jegue se mete a gato
mestre
vai um pé pr'oeste e outro pro leste.
E assim no seu tema predileto
o diabo já passa por dileto
com esse tal de registro na carteira
que atrapalha, é burrice, é besteira.
Bóia-Fria:
Da justiça e da lei quem se aproxima
tá louvando o que vem de lá de cima
mas o luxo, o palácio, o desperdício
é com Deus que se ajusta cada vício.
Sei que a nossa caneta é o machado
mas
poetas
da
popularidade
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com sonetos e versos caprichados
já disseram por nós lá na cidade:
Que lutar por registro na carteira
será nossa causa verdadeira.
Patrão:
Não me traga cantores de protesto,
eta raça de gente que eu detesto,
só de ouvir este nome de política
eu já fico agastado e com azia,
sinto dores, a febre me arrepia
tenho a tosse a maleita e a raquítica,
pelo campo é o voto, a abertura,
já não tem mais pureza a criatura
com esse tal de registro na carteira
que atrapalha, é burrice, é besteira.
Bóia-Fria:
Pois pra mim você tá é misturando
ter pureza com ser ignorante
tá chamando a burrice de elegante a
bobeira mental advogando.
Se eu estudo é lutando na peleja
da maneira de a vida melhorar
e com isso não vou abandonar
a pureza da alma sertaneja.
Desse modo o registro na carteira
será nossa causa verdadeira”.
Desafio do Bóia-Fria, Tom Zé
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CARVALHO, Felipe S. Estrela de. REGULAÇÃO PÚBLICA E EXPLORAÇÃO DO TRABALHO RURAL:
RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO. 08 de
Julho de 2011. 137 folhas. Monografia de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal da
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RESUMO
Da colônia ao atual modelo do agronegócio, o desenvolvimento do
capitalismo na agricultura nacional teve [tem] na intensa exploração da força de
trabalho seu mote de reprodução ampliada. Nesse processo, a intervenção
estatal ocupou papel fundamental tanto na regulação das formas de acesso à
propriedade da terra como na organização social do trabalho no meio rural.
Mesmo com o advento da legislação social trabalhista, a regulação pública
encontrou dificuldades em incidir concretamente na vida dos/as trabalhadores
rurais. Nesse sentido, a presente pesquisa se propõe a analisar o processo de
regulação pública das relações de assalariamento na agricultura brasileira, a
partir da confrontação dos postulados protetivos do Direito do Trabalho (bem
como de seus instrumentos normativos) com a realidade concreta dos/as
assalariados/as da fruticultura irrigada do Pólo Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), a
fim de se problematizar a capacidade da legislação social em dar respostas
significativas às contradições impostas pela relação capital-trabalho no campo.
Palavras-Chaves:
Direito
do
Trabalho;
Emprego
Rural;
Fruticultura;
Agronegócio; Precarização do Trabalho
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CARVALHO, Felipe S. Estrela de. REGULAÇÃO PÚBLICA E EXPLORAÇÃO DO TRABALHO RURAL:
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Julho de 2011. 137 folhas. Monografia de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal da
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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
TABELA 1: Uso de Tratores no Brasil (1950 – 1985).......................................91
TABELA 2: População Desocupada em Áreas Rurais (1992 – 2009)..............99
TABELA 3: Faixa de renda: Empregados Permanentes e Temporários
(2008)...............................................................................................................100
TABELA 4: Rendimento Médio Mensal da Atividade Principal (2008)...........101
TABELA 5: Valor (em R$) do rendimento médio mensal da PEA rural por
região e por sexo (2008)..................................................................................101
GRÁFICO 1: Contingente de Pessoas Ocupadas em Atividades Agrícolas
(2008) ............................................................................................................102
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RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO. 08 de
Julho de 2011. 137 folhas. Monografia de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia, 2011.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................11
1. TERRA DE NEGÓCIO, TERRA DE TRABALHO..................................15
1.1.
A Questão Agrária: decifra-me ou devoro-te.....................................15
1.2.
“Terra à vista...” A colonização e as formas de exploração do trabalho
rural....................................................................................................17
1.2.1. A colonização do Vale do São Francisco..........................................20
1.3.
O Trabalho Cativo..............................................................................23
1.3.1. A Força de Trabalho Indígena...........................................................24
1.3.2. A Força de Trabalho Negra Africana.................................................27
1.4.
Crise e Transição do Trabalho Cativo..............................................30
1.4.1. A Transição Nordestina.....................................................................37
1.4.2. A Transição “Sudestina”....................................................................39
1.4.2.1.
A Intermediação de mão-de-obra estrangeira e as relações de
assalariamento na agricultura brasileira.......................................42
2. “O TRAQUEJO DA LEI E DO DIREITO1”: A REGULAÇÃO PÚBLICA
DO TRABALHO RURAL........................................................................46
2.1.
A Regulação Jurídica como Categoria Histórica...............................46
2.2.
A Legislação Trabalhista Rural no Período Pré-Vargas....................54
2.2.1. Leis de 1830, 1837, 1879: o contrato como expressão do trabalho
livre....................................................................................................54
2.3.
Gênese do Direito do Trabalho no Brasil...........................................59
2.3.1. A Regulação Social do Trabalho na Era Vargas...............................62
2.4.
Princípios Protetivos e os Sujeitos “Protegidos” pela CLT................70
2.5.
A
Regulação
“Social”
do
Trabalho
Rural
em
Tempos
de
Modernização....................................................................................79
2.5.1. Sujeitos Protegidos pela Lei n. 5.889/1973.......................................83
1
Trecho da música “Desafio do Bóia-Fria” do compositor baiano Tom Zé.
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RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA FRUTICULTURA IRRIGADA DO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO. 08 de
Julho de 2011. 137 folhas. Monografia de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia, 2011.
3. FRUTOS DA MODERNIZAÇÃO: RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO
E EXPLORAÇÃO CONTINUADA DO TRABALHO RURAL – O CASO
DA
FRUTICULTURA
IRRIGADA
NO
SUBMÉDIO
SÃO
FRANCISCO...........................................................................................87
3.1.
Bases da Modernização Conservadora da Agricultura no Brasil......88
3.1.1. O Agronegócio como Síntese Histórica da Modernização................94
3.2.
Modernização da Agricultura e os Impactos nas Relações de
Trabalho Assalariado Rural...............................................................97
3.3.
Relações de Assalariamento na Região Submédio do São Francisco:
exploração da força de trabalho rural na fruticultura irrigada..........103
3.3.1. A Enxurrada Modernizadora: CVSF, SUVALE, CODEVASF e Política
de Desenvolvimento da Agricultura Irrigada no Vale do São
Francisco.........................................................................................105
3.3.2. Fruticultura Irrigada e Relações de Assalariamento: entre a proteção
social e a realidade do trabalho rural...............................................108
3.4.
As
Condições
de
Trabalho
Pelos/as
Próprios/as
Trabalhadores/as.............................................................................110
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................122
REFERENCIAS..........................................................................................127
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12
INTRODUÇÃO
Dificilmente um jovem parado na sessão de frutas de um supermercado
qualquer dos países da União Européia chegaria a imaginar que por de trás
dos volumosos cachos de bolinhas rosadas e uniformes pudesse existir outra
coisa senão a mais pura candura das uvas do Vale do São Francisco. A coisa
pronta esconde o processo que a criou. Concentração fundiária, destruição da
natureza, altas taxas de informalidade, jornadas exaustivas, intoxicação por
agrotóxicos, baixos salários. A lista de violações é longa e não é necessário
cruzar o Atlântico para se verificar o grau de desconhecimento acerca da dura
realidade do trabalho rural não só na região Submédio São Franciscana, mas
nos diversos ramos da “moderna” agricultura brasileira.
O padrão intenso de exploração da mão-de-obra rural não é
exclusividade do atual modelo do agronegócio. Encontra suas bases no próprio
desenvolvimento do capitalismo na agricultura nacional, a partir da articulação
de uma diversidade de fatores como as formas históricas de apropriação da
propriedade da terra, de organização social do trabalho e principalmente na
intervenção exercida pelo Estado na mediação desse processo.
A regulamentação pública também não é fato recente na história do
trabalho rural. Desde o período colonial, a reprodução das relações trabalhistas
no setor agropecuário contou com a intensa normatização estatal. Entretanto, o
que se pode verificar ao longo da história foi o exercício estratégico da
atividade jurídico-legislativa com vistas ao atendimento dos interesses do
capital em expansão, muito mais do que garantir melhores condições de
trabalho para o homem e a mulher do campo. O movimento crescente de
industrialização das atividades agrícolas, vivenciado de maneira mais intensa a
partir da década de 1970, repercutiu diretamente nas formas de inserção da
mão-de-obra no mercado de trabalho rural, trazendo a reboque novos desafios
à ordem jurídico-trabalhista.
É justamente nesse sentido que a presente pesquisa se propõe a
analisar o processo de regulação pública das relações de assalariamento na
agricultura brasileira, a partir da confrontação dos postulados protetivos do
Direito do Trabalho (bem como de seus instrumentos normativos) com a
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realidade concreta dos/as trabalhadores/as rurais da fruticultura irrigada do
Pólo Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), a fim de se problematizar a capacidade da
legislação social em dar respostas significativas às contradições impostas pela
relação capital-trabalho no campo.
A monografia tem no materialismo histórico-dialético sua vertente
metodológica, pois se coloca a compreender as interseções entre o movimento
de regularização jurídica das relações trabalhistas e o fenômeno da exploração
continuada do trabalho assalariado no campo no interior do processo histórico,
já que essa empreitada não se dá de maneira deslocada dos movimentos
gerais da história. O método tem na incessante dialética entre o passado e o
presente sua dinâmica fundamental, enriquecendo-se com o desenvolvimento
histórico das sociedades e atualizando-se “à luz das experiências práticas das
lutas populares e das estruturas e processos que têm lugar no contexto atual
do capitalismo contemporâneo” (BORON, et al, 2006: 34).
A perspectiva adotada é a interdisciplinar, já que os debates em torno
dos direitos sociais trabalhistas, sua incidência concreta no cotidiano dos/as
trabalhadores/as e a situação da mão-de-obra rural no atual estágio da crise
estrutural de acumulação capitalista não se inserem somente como variáveis
apreendidas pela ordem jurídico-legalista. Desta forma, o fenômeno em
destaque não pode ser compreendido isoladamente, hermético às implicações
do real, já que são processos em constante transformação, dotados de
relações contraditórias e complementares, influenciados por uma dada
conjuntura política, social e econômica.
Assim, estrutura-se a pesquisa em três partes fundamentais. A primeira
se dedica à realização de um panorama histórico tanto do processo de
formação da estrutura fundiária como da exploração do trabalho rural ao longo
do desenvolvimento do capitalismo no meio rural brasileiro, pontuando as
formas de inserção da mão-de-obra rural (escrava e “livre”) no processo
produtivo agrícola, com o intuito de evidenciar a práxis construída e seus
possíveis desdobramentos na realidade atual do trabalho assalariado no
campo.
Já o segundo momento cuidará da gênese do processo de construção
da
legislação
social no
país,
abordando
elementos
fundamentais
à
compreensão de como se deu a inserção dos trabalhadores rurais nesse novo
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13
projeto de proteção social trabalhista, principalmente no que diz respeito aos
conteúdos e à abrangência dos instrumentos normativos e principiológicos à
realidade do trabalhador rurícola.
Será dada prioridade à contextualização do desenvolvimento do Direito
do Trabalho no Brasil, em sua perspectiva histórica, política, econômica e
social, caracterizando seus institutos protetivos basilares [e sua evolução] a
partir da análise do movimento real e da correlação de forças entre capital e
trabalho na sociedade brasileira. Serão analisadas ainda as especificidades da
regulação do trabalho rural, a partir do estudo dos seus instrumentos jurídicos,
problematizando
sua
compatibilidade
com
as
orientações
gerais
do
ordenamento trabalhista, com destaque à Lei n. 5889/73.
Por fim, a monografia se dedicará ao estudo da situação jurídicotrabalhista dos assalariados (diaristas, safristas) da fruticultura irrigada na
região Submédio do Vale do São Francisco, a partir da análise dos
mecanismos de compra e venda e de inserção da força de trabalho rural na
estrutura produtiva do agronegócio, a fim de se verificar a dimensão da
regulação pública e a incidência/observância dos direitos e garantias sociais na
relação estabelecidas entre empregadores e assalariados rurais. Para tanto, a
pesquisa cuidará de analisar o processo de transformação das relações
produtivas vivenciados na agricultura a nível nacional e regional, bem como as
condições concretas em que se dão a realização do trabalho do assalariado.
Do ponto de vista da abordagem, a pesquisa se apresenta num viés
qualitativo, na medida em que a verificação da relação dinâmica entre o mundo
real e os sujeitos dessa realidade é seu principal objetivo. Optou-se pela
realização de entrevistas (viabilizadas pela imensurável contribuição do
SINTAGRO2 a quem dedico os maiores votos de luta e esperança) para melhor
apresentar os fenômenos e indicadores da situação dos/as trabalhadores/as na
região em destaque.
A invisibilidade dos conflitos existentes no interior das relações de
emprego no meio rural muitas vezes encontra resposta na fragilidade e
2
As entrevistas foram viabilizadas, primeiramente pela disponibilidade e colaboração dos/as
trabalhadores que aceitaram a relatar o cotidiano dos seus processos de trabalho na
fruticultura irrigada da região; e segundo, pela imensurável contribuição do SINTAGRO Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Agrícolas, Agroindustriais e Agropecuárias dos
Municípios de Juazeiro, Curaçá, Casa Nova Sobradinho e Sento Sé – na figura de Domingos
Rocha, militante de base e presidente da entidade de representação de classe.
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14
dependência econômica dessa força de trabalho frente às grandes empresas
agrícolas, motivo pelo qual o sigilo foi uma das condições para realização dos
depoimentos. Sem delongas, está dado o desafio.
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15
1. TERRA DE NEGÓCIO, TERRA DE TRABALHO.
“Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em
terra de negócio, em terra de exploração do trabalho alheio;
quando o trabalhador se apossa da terra, ela se transforma em
terra de trabalho”. (José de Souza Martins)
O presente capítulo tem por intuito fundamental discutir o processo de
exploração da força de trabalho a partir da análise histórica da formação da
estrutura
fundiária
brasileira.
Tomar-se-á
como
ponto
de
partida,
a
contextualização do desenvolvimento do capitalismo na agricultura nacional
através da percepção crítica das mediações estabelecidas entre capital, terra,
trabalho humano e Estado. Para tanto, será dada prioridade: (i) à construção
de um panorama da estrutura agrária no Brasil ao longo da história; (ii) à
caracterização das formas históricas de inserção e exploração da força de
trabalho na unidade produtiva latifundiária; (iii) à participação do Estado na
manutenção e [re] produção de um padrão precário de relação de trabalho no
campo.
1.1.
A QUESTÃO AGRÁRIA: decifra-me ou devoro-te!
A história do/a trabalhador/a rural é a história da luta pela terra. Assim, a
realidade agrária brasileira, em toda sua complexidade, pode ser apreendida
através da ênfase dada às inúmeras variáveis que a compõem. Seja pela
relação que a concentração fundiária tem no desenvolvimento das forças
produtivas e de sua repercussão nas formas de dominação política e
econômica; pelas formas sociais de apropriação da terra e da ocupação
territorial humana; ou mesmo pela evolução da luta política e da luta de classes
na disputa pelo domínio da terra (STEDILE, 2005: 18), a “questão agrária”
assume uma dimensão dialética e multifacetária.
O presente trabalho se propõe iniciar a análise da espoliação continuada da
mão-de-obra assalariada rural a partir do resgate histórico tanto das formas de
organização das relações sociais produtivas no campo, como dos mecanismos
de acesso, utilização e exploração das terras na sociedade brasileira. A
propriedade privada rural deve ser apreendida enquanto construção social, que
no desenvolvimento intestino do modo de produção capitalista no Brasil,
configurou-se num complexo envolvendo “trocas, mediações, contradições,
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16
articulações, movimentos, transformação (MARTINS, 1981: 169) e seu controle
concentrado numa determinada classe potencializa-se a opressão políticoeconômica desta sobre os demais setores do meio social.
O modo de produção capitalista possui como característica básica a
subordinação do trabalho humano ao capital, tendo nessa relação dialética a
base da sua dinâmica. Em um dos lados dessa relação têm-se a figura do
capitalista que, detentor da propriedade privada dos meios de produção,
compra a força de trabalho necessária à expansão do capital, e do outro, o
trabalhador materialmente expropriado vende seu potencial de trabalho3 como
condição de sobrevivência. Esse movimento se realiza historicamente, portanto
não se desenvolve de forma apartada da realidade, manifestando suas
contradições a partir das especificidades de conformação histórica, ambiental e
cultural de cada sociedade, tendo na intensificação da expropriação do trabalho
“livre” seu mote de reprodução ampliada. O capital não é uma entidade
homogênea, estrutura-se a partir de uma multiplicidade de interesses e
antagonismos, “sendo o ‘capital social total’ a categoria abrangente que
incorpora a pluralidade de capitais, com todas as suas contradições”
(MÉSZÁROS, 2007:66). Assim como dialeticamente, a totalidade do trabalho
também não pode ser homogênea, na medida em que aglutina uma
diversidade de trabalhadores e pautas históricas. Cumpre destacar que o
capitalismo tem por característica sua tendência expansionista, direcionandose à apropriação progressiva de todos os setores de produção tanto na cidade
como no campo.
No meio rural, o processo de expansão do modo de produção capitalista
materializa-se,
dentre
outras
formas,
na
crescente
dissociação
dos
trabalhadores dos meios necessários à produção de sua subsistência (sejam
estes posseiros ou pequenos proprietários). Apropria-se a terra como forma de
liberar a mão-de-obra. A maior síntese dessa relação reside justamente na
transformação continuada do homem e da mulher do campo em “trabalhadores
livres, isto é, libertos de toda propriedade que não seja a propriedade da sua
força de trabalho, da sua capacidade de trabalhar” (Idem, 152). Não são
3
Segundo Marx, “a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força
de trabalho a consome ao fazer trabalhar o vendedor dela. O último torna-se, desse modo, actu
[de fato], força de trabalho realmente ativa, o que antes era potentia [em potencial]” (MARX,
1983:149)
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17
proprietários de nada, nem dos instrumentos necessários à realização do seu
trabalho; são livres para colocar as horas do seu dia à disposição das vontades
de um terceiro. A força de trabalho é a única mercadoria capaz de extrair maisvalor, criando a riqueza, cuja medida se dá pelas horas de trabalho socialmente
necessárias à produção de uma dada mercadoria. Desta maneira, o salário
aparece como contraprestação à venda da força de trabalho, cumprindo um
papel de reposição do trabalhador no cenário produtivo, sendo tal troca
processada aparentemente entre “iguais”. Contudo, ao final da relação de
subsunção do trabalho ao capital, o que se verifica são resultados distintos
para as partes envolvidas. De forma bastante simplificada, enquanto o
trabalhador, após disponibilizar sua força de trabalho, termina com o salário
que malmente o ajuda a reproduzir-se como era no dia anterior; o empregador
capitalista, com a apropriação privada dos meios de produção e dos produtos
do trabalho alheio, ao raiar o novo dia, passa a deter mais riqueza do que se
tinha anteriormente. “Isso é possível por que a desigualdade econômica entre o
capitalista e o trabalhador só pode ocorrer com base na igualdade jurídica sob
a qual eles se defrontam” (Idem, 154-5).
Em 2004, 17 813 802 milhões de pessoas tinham na agricultura sua
atividade econômica principal, sendo desse total 4 907 998 milhões de
empregados (27,6% do total de ocupados)4. Nos últimos anos essa relação tem
crescido vertiginosamente (ampliação do assalariamento via contratos
temporários) e como ela o avanço da exploração. Entretanto, as raízes da
expropriação do trabalho assalariado rural encontram-se articuladas com o
desenvolvimento das relações sociais produtivas na agricultura, cujas bases
históricas se deram nos movimentos privados e institucionais de controle sobre
a terra e a mão-de-obra. Eis o primeiro desafio.
1.2.
“TERRA À VISTA”: A COLONIZAÇÃO E AS FORMAS DE
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO RURAL
“A terra queimará e haverá grandes círculos brancos no céu. A
amargura surgirá e a abundância desaparecerá. A terra
queimará. A época mergulhará em grandes trabalhos. De
qualquer modo, isso será visto. Será tempo de dor, das lágrimas
e miséria. É o que está para vir” (Profecia Maia sobre a chegada
dos europeus às Américas).
4
Dados PNAD 2005.
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18
No caso brasileiro, a constituição das estruturas de dominação do
trabalho e da terra remonta ao período da colonização portuguesa, onde “a
organização da produção e apropriação dos bens da natureza aqui existentes
estiveram sob a égide das leis do capitalismo mercantil” (STEDILE, 2005: 22).
A
maioria
significativa
das
atividades
produtivas
e/ou
extrativistas
desenvolvidas estavam direcionadas à expansão e dinamização do capital
metropolitano europeu através do pacto colonial.
As
condicionantes
históricas
do
processo
colonialista
brasileiro
favoreceram o predomínio da grande propriedade rural como unidade central
de produção da riqueza e organização da sociedade. Para Prado Junior, “o
caráter mais profundo da colonização reside na forma pela qual se distribui a
terra”. (PRADO JR, 1980: 16)
O Direito vigorante no Brasil durante o período colonial se encontrava
fundamentado basicamente nas Ordenações Reais Lusitanas (Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas). O modelo jurídico colonial foi fortemente caracterizado
pelos princípios e normas já consolidados em nas terras portuguesas, refletindo
nitidamente a estrutura de dominação metropolitana. A constituição desse
modelo estatal garantiu a manutenção do poder político nas mãos das elites
colonialistas, na medida em que a atividade institucional (no plano executivo e
legislativo) estava orientada para a ampliação das atividades privadas, e
conseqüentemente, dos lucros repassados monopolicamente à Coroa via pacto
colonial. Assim, regula-se a terra e o trabalho como forma de maximizar os
interesses impostos pelo regime da acumulação primitiva.
Experiência adotada em larga escala nas colônias do Açores e da
Madeira, o regime das capitanias hereditárias cumpriu função dúplice para a
Coroa lusitana, pois, a política de colonização do extenso litoral, ao mesmo
tempo em que representou mecanismo de preservação do domínio português
sobre fração do “novo mundo” (combatendo constantemente as irrupções das
demais nações européias), desonerou a metrópole dos significativos gastos da
ocupação efetiva do território, pois à iniciativa privada foi dado o convite para a
execução da empreitada. Nessa linha, pontua COUTO (1998: 219):
Por carta de 28 de setembro de 1532, o rei comunicou ao
encarregado da ‘Governança da Terra do Brasil’ que decidira
demarcar o litoral sul-americano compreendido entre Pernambuco e o
rio da Prata em capitanias, cada uma de 50 léguas de costa, com o
objetivo de ocupar toda aquela orla marítima, ficando os respectivos
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19
titulares obrigados de armar os navios, a proceder ao recrutamento
da gente e a arcar com as restantes despesas.
Os beneficiários faziam parte de um seleto grupo, escolhidos em função
da combinação de uma série de requisitos, passando por gargalos como o
aspecto pessoal (convivência com a Coroa), o político (identidade de projeto), o
religioso (tinham de seguir a Ordem de Cristo) e de sua capacidade econômica
para empreender e defender as terras concedidas (FERRARO JR, 2008: 22).
Em função da ineficácia do sistema de capitanias, muito pela
onerosidade elevada do empreendimento, o processo de colonização passou a
contar com uma nova forma jurídica de regulação do uso territorial. O regime
das sesmarias, integrante do corpo de leis das Ordenações Filipinas de 11 de
janeiro de 1603, tornou-se arcabouço jurídico para a consolidação da
colonização das terras de além-mar (MOTTA, 2009: 129). Uma das
características fundamentais do instituto das sesmarias era a reversibilidade
das glebas à Coroa portuguesa no caso de improdutividade. Assim, entre os
sujeitos se firma uma relação jurídica cuja obrigação principal era o devido
aproveitamento das áreas por parte do beneficiário dentro de certo prazo.
Como sanção ao descumprimento, previa-se multa pecuniária podendo chegar
até a devolução da área concedida para exploração (PRADO JR, 1980: 16).
Para FAORO (1975: 123), o colono (beneficiário de terras) constituía-se
em agente de uma “imensa obra semipública, pública no desígnio e particular
na execução”. Quanto a sua aplicação concreta, se pouco se fazia valer no seu
cotidiano, em caso de disputas políticas, desavenças pessoais, ou por simples
vontade real, ela mostrava toda sua força cogente.
A Coroa ignorava a maior parte das terras mantidas sob seu domínio,
conhecidas ou desconhecidas. Por outro lado, abdicava de qualquer
controle sobre elas, na medida em que cedia a súditos de posses, em
troca de contribuições anuais, imensas áreas e todo o poder fiscal,
militar, judiciário e político exigida para administrá-las (FERRARO JR,
21).
Em termos jurídicos, o regime de sesmarias dividia a propriedade em
direta e útil, onde a primeira ficava com o proprietário primitivo, no caso a
Coroa Portuguesa concedente das léguas, e a última com aquele que deveria
fazê-la produzir (BALDEZ apud MOLINA et al,, 2002: 98).
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20
A imensidão foi o parâmetro para as concessões. Áreas de 10 a 100
léguas foram distribuídas por toda a colônia, “no Nordeste foram freqüentes as
concessões de terras, mais largas do que Estados de nossos dias, como as da
Casa da Torre, dos Guedes de Brito, de Certão, etc. (FAORO, 1975: 124).
1.2.1. A COLONIZAÇÃO DO VALE DO SÃO FRANCISCO
A colonização do Vale do São Francisco remonta aos idos de 1553,
quando o então monarca D. João III ordena o Governador Tomé de Souza a
explorar as terras banhadas pelo rio.
Apesar da base econômica colonial ter sido a grande produção
açucareira, coube à pecuária extensiva cuidar da interiorização das ocupações
no Nordeste brasileiro. Enquanto a zona litorânea era concentradora de
lavouras de cana, escravos e engenhos, sendo sua sociedade acentuadamente
senhorial e hierarquizada, “a sociedade pastoril tinha linhas de diferenciação
social um pouco diluídas caracterizada basicamente pelo trabalho livre do
vaqueiro, ocupando pouca gente” (MARTINS, 1981: 50). No plano da
agricultura, ao lado da produção do açúcar se tinha ainda o cultivo do algodão,
cultura agroexportadora mais “democrática” do que a canavieira. Permitia não
só aos grandes proprietários o seu plantio, mas também aos pequenos
produtores e posseiros da região, viabilizada em função dos custos reduzidos
de seu beneficiamento quando comparados com a unidade produtiva do
engenho com todos os seus encargos (ANDRADE, 1973: 151).
A criação de gado ao longo do processo de colonização sertaneja
sempre se desenvolveu subsidiariamente à lavoura da cana-de-açúcar. No seu
início, a pecuária se deu como resposta à rígida e onerosa hierarquia social da
sociedade açucareira, fixando estruturas de abastecimento de alimentos, couro
e transportes à grande propriedade senhorial (ANDRADE, 1973). Em 1701, a
Coroa portuguesa decreta a proibição da criação de gado numa faixa de 10
léguas da costa, dando calço ao processo de interiorização pecuária
(FERRARO JR, 2008: 29).
Foi no Vale do São Francisco que as maiores casas senhoriais de toda a
colônia foram desenvolvidas, com as sesmarias da Casa da Torre (pertencente
a Garcia D’Ávila) e da Casa da Ponte (pertencente a Antonio Guedes de Brito).
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21
O desenvolvimento específico dessas propriedades de currais configura-se
como caso representativo da história fundiária nacional, externalizando todo
seu caráter elitista e concentrador. Os avanços na ocupação dos territórios se
deram a base de grandes investidas militares, assassínio indígena e criação de
enormes “fazendas-currais” (concessões públicas voltadas não para produção
agrícola, mas para áreas de livre pasto para o gado), empregando
pouquíssimos trabalhadores. “Construíram assim, os maiores latifúndios da
história brasileira, em 1710, [os Ávila] tornaram-se senhores de 340 léguas de
extensão territorial, às margens do Rio São Francisco e de alguns afluentes
(ANDRARDE, 1973: 180).
Entretanto, ao contrario da historiografia oficial das elites, não foi
incumbência destes “grandes homens” a ocupação do sertão nordestino. Os
movimentos de interiorização sertaneja foram tocados pelos vaqueiros, muitos
ex-escravos, posseiros da região, cuidando da criação do gado, sofrendo os
ataques defensivos dos indígenas. As populações originárias que dominavam a
caatinga sertaneja não viam com bons olhos a vinda do homem branco, sendo
a guerra uma constante nesse processo.
A ocupação espacial se deu forma bastante singular, tendo em vista a
diferenciação dos aspectos produtivos desenvolvidos na região. Os grandes
sesmeiros mantinham seus currais nas áreas mais férteis, abundantes em
recursos hídricos, cujo comando comumente estava nas mãos de algum
escravo de confiança ou agregado mais próximo, cuja remuneração se dava,
não em pecúnia, mas no regime da quarteação, onde a cada quatro crias
vingadas, uma lhe pertencia (Ibidem). A este ainda era dado o direito de
produzir alimentos para subsistência numa pequena gleba. Do outro lado se
tinha os chamados foreiros, indivíduos que reconhecendo a propriedade do
grande senhor, submetiam-se a um regime similar ao da enfiteuse, formando
os “sítios” e obrigando-se ao pagamento de um foro anual.
A agricultura se desenvolveu em pequenas áreas, preocupadas
essencialmente com o abastecimento alimentar dos “currais”, cabendo ao
vaqueiro e sua família garantir o trabalho na terra. Com a crise da produção do
açúcar, principal mercado consumidor de carne e couro do sertão nordestino,
os grandes currais começaram a entrar em processo de decadência e suas
terras aos poucos foram sendo ocupadas por posseiros e pelos trabalhadores
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22
das próprias fazendas (escravos, libertos e livres). Gradualmente, o gado foi
sendo substituído pelos caprinos, por serem animais de pequeno porte, de
manejo mais simples e barato, mais resistentes ao clima do semi-árido. Assim,
constituiu-se uma forma “singular de ocupação, produção e gestão da vida
social na Caatinga” (AATR, 2008: 19).
A história do sertão é também a história das comunidades de fundo e
feche de pasto5. Tais grupos sociais constituem um sistema de ocupação
coletiva de terras que dentre os diversos elementos específicos de suas
trajetórias históricas, trazem como traços característicos6: (i) forte relação de
compadrio; (ii) herança da cultura indígena; (iii) presente a tradição africana;
(iv) preservação da memória dos antepassados; (v) livre utilização das áreas
pelos membros da comunidade; (vi) relação harmoniosa com o meio ambiente.
Aspectos como auto-definição coletiva, forma de organização social baseada
na solidariedade, construção tradicional de práticas agro-silvo-pastoris,
delinearam “um jeito próprio de criar, viver e fazer práticas coletivas no sertão”
(NOVA, 2007).
A resistência na luta pela terra também é uma característica marcante
dessas comunidades sertanejas que ainda hoje lutam pelo direito de reproduzir
seus modos de vida nos territórios tradicionalmente ocupados.
As formas históricas de regulação jurídica do acesso a terra guardam
relação direta com as formas também históricas de exploração do trabalho
rural. O fundamental neste processo é compreender o movimento de
segregação dos trabalhadores rurais do meio de produção básico à sua
subsistência, que é a terra. Essa paulatina dissociação amplia a conversão dos
antigos trabalhadores autônomos em assalariados rurais dos grandes
empreendimentos agrícolas, e nesse movimento, o Estado cumpre papel
protagonista contribuir para a reprodução dessas relações precárias de
5
“Existem cerca de 300 de associações de fundos de pasto na Bahia, totalizando 20 mil
famílias, e mais de 100 mil sertanejos. Até o momento foram regularizadas cerca de 60 áreas.
As comunidades de fundo de pasto integram um conjunto de forças sociais e políticas que
visam instituir um novo paradigma e olhar sobre o contexto regional, substituindo a noção de
"combate
às
secas"
pela
"convivência
com
o
semi-árido”
–
IN:
http://www.pambazuka.org/pt/category/comment/52758 acessado às 21h45min’.
6
Tais características foram definidas pelo conjunto de trabalhadores/as organizados/as na
Articulação Estadual de Fundo de Pasto da Bahia constante na seguinte publicação:
http://biblioteca.inga.ba.gov.br/phl82/img/arquivo/34_mma_02_fundodepasto.pdf
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23
trabalho, através das políticas institucionais de fomento desse padrão
produtivo, mediada pelo seu exercício jurídico.
1.3.
O TRABALHO CATIVO
A economia colonial estava estruturada a partir dos desígnios da
acumulação primitiva, com base na grande lavoura monocultora, direcionada
ao abastecimento do mercado internacional em expansão, alicerçada pela
exploração
intensiva
de
significativo
contingente
de
mão-de-obra
e
enclausurada pelo pacto metrópole-colônia. A pequena propriedade rural não
encontrou suporte para seu desenvolvimento integrado, restando-lhe papel
secundário na reprodução da ordem social vigente.
A economia colonial movimentava-se em torno da agricultura de
exportação e tinha no açúcar seu produto mais lucrativo. O processo de
implantação da grande propriedade açucareira remonta aos idos de 1530-40,
onde extensões infindáveis de terra foram destinadas ao cultivo da cana-deaçúcar, sendo a sociedade do período colonial, “reflexo fiel da sua base
material” (PRADO JR, 1980: 23-5).
Baseado em um regime de exploração permanente, a unidade produtiva
colonial encontrava-se alicerçada sobre o pilar do trabalho escravo, já que não
se mostrava possível o usufruto de um contingente consideravelmente
vantajoso (para os interesses econômicos metropolitanos) de trabalhadores
livres, disponíveis para vender sua força de trabalho a preços miseráveis. Isso
porque, mesmo marginalmente, estes, em última hipótese, poderiam promover
sua subsistência através da posse da terra (ainda livre até a lei de 1850) ou da
execução de serviços acessórios ao latifúndio monocultor. Além de cativo, o
trabalho deveria ser compulsório, devido às baixas taxas de produtividade e às
margens estreitas de lucro, fatores que obrigavam a empresa colonial a
subjugar permanente e disciplinadamente
um
grande
quantitativo
trabalhadores expropriados.
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de
24
1.3.1. A FORÇA DE TRABALHO INDÍGENA
Inicialmente, a economia açucareira se desenvolveu através do subjugo
da força de trabalho das populações que historicamente já ocupavam o
território sul-americano.
A inserção da mão-de-obra indígena nas estruturas econômicas
colonialistas, segundo SCHWARTZ (1988: 40-72), se deu, dentre outras formas
específicas, através de três estratégias mais expressivas do ponto de vista da
espoliação do trabalho, articuladas por setores diferentes da sociedade da
época, segundo seus interesses. (1) Os senhores titulares das concessões de
exploração utilizavam-se da coerção direta, escravizando as populações
originárias em função das necessidades de reprodução ampliada da produção
açucareira, já caracterizada pelo uso intenso do trabalho humano cativo. (2) Já
as ordens religiosas, onde se destaca a atuação dos jesuítas, cuidaram da
formação de pequenas unidades produtivas campesinas indígenas, orientadas
pela aculturação das comunidades em função do padrão cristão europeu de
“civilização”. E em menor escala, (3) a integração através do trabalho
assalariado, a partir de setores médios, em atividades complementares à
grande lavoura. O que todas tinham em comum: o caráter físico e culturalmente
depredatório da exploração do trabalho, embora levadas a cabo de maneiras
distintas.
A
escravidão
dos
indígenas
durou
pouco
em
termos
legais
(aproximadamente de 1500 a 1570); contudo, [a grande propriedade
açucareira] lançou mão de várias formas de coerção, bem depois dessa época,
para se obter o trabalho indígena (Idem, 40). Mesmo após a edição da
legislação que restringiu a escravidão em 1570, a exploração da mão-de-obra
originária continuou a ser utilizada. A produção açucareira era o sustentáculo
da acumulação da metrópole lusitana e a grande lavoura monocultora sua
principal
unidade
produtiva
(empreendimento
privado
dos
colonos
portugueses). O aumento dos valores recebidos como contraprestação à
concessão das sesmarias guardava relação diretamente proporcional com o
aumento
da
produtividade
agrícola.
Os
pontos
de
interseção
entre
concentração fundiária, ampliação da mão-de-obra e intensificação da
exploração do trabalho se tornam cada vez mais imbricados.
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O ritmo de trabalho no campo era tão intenso que repercutiu na
desestruturação social de vários grupos indígenas:
As novas relações de incorporação compulsória do trabalho íncola
[indígena], além de implicarem na desestruturação e inviabilização da
sobrevivência do sistema organizacional dos grupos indígenas,
também violava a divisão do trabalho tradicional das sociedades Tupi.
(...). Outras razões tornavam a nova forma de trabalho para o grupo.
Uma delas era a ruptura das suas formas de organização do sistema
produtivo e do consumo, que não se baseava nos moldes
portugueses, mas numa concepção comunitária, na qual a
preocupação com a formulação da solidariedade e das alianças era o
elemento ordenador; e inviabilizar a reprodução social do grupo por
não dispor do tempo necessária para as práticas tradicionais
(PARAÍSO, 2005: 6)
Todo esse processo não se deu livre de tensionamentos. Revoltas,
fugas, sabotagens, emboscadas, queimadas. Muitas foram as formas de
resistência indígena, obrigando a unidade produtiva a assumir também um
caráter militar. A guerra justa7 (similar ao instituto da “legítima defesa”, só que
usada para dizimar e aprisionar povos) garantia a reposição legal da mão-deobra escrava mesmo na vigência da legislação restritiva de 1570, pois,
autorizava o cativeiro dos indígenas rebeldes mobilizados contra o processo de
colonização. Brecha estratégica, pois, com um estado belicoso permanente,
fruto das contradições impostas pelo regime aos povos originários, a exceção
já nascia regra.
Em relação ao trabalho assalariado indígena, este era aplicado em
atividades específicas na indústria do açúcar, variando a remuneração
conforme a especialidade da mão-de-obra. Em 1596, a metrópole portuguesa
passa a legislar sobre o assalariamento da força de trabalho originária,
estabelecendo taxativamente que os trabalhadores indígenas não poderiam
passar mais de dois meses seguidos de prestação de serviços ao engenho.
Sem estruturas efetivas de cumprimento da lei, a norma jurídica vira letra
morta, ficando o indígena a mercê dos desígnios particulares da lavoura e sua
dinâmica destrutiva. A legislação proibia o uso desses trabalhadores a não ser
como assalariados e assim deveriam ser tratados. Todavia, o padrão de
7
Autorização do aprisionamento indígena nos casos de guerra contra os povos locais. Sobre o
tema: (PARAÍSO, 2005: 1-21).
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exploração do trabalho era bastante precário em comparação ao uso da força
de trabalho branca ou negra.
No engenho de Sergipe, um nativo [indígena] carpinteiro recebia 20%
do salário pago aos brancos pela mesma tarefa. Durante o século
XVII, os trabalhadores indígenas receberam apenas $020 por dia, e
os artesãos especializados, $030. Na década de 1630, a câmara
municipal de Salvador pagou aos trabalhadores nativos um salário
diário de $030, (...). Os escravos negros em contraste podiam ganhar
em média $240 réis por dia (SCHWARTZ, 1988: 70).
O uso da mão-de-obra indígena cativa esteve presente no processo de
gênese da economia colonial e seu sistema de relações de trabalho não pode
ser compreendido como uma fase prófuga do período de acumulação primitiva
do capital no Brasil. As formas de regulação e de inserção da força de trabalho
dos/as índios/as contribuíram para a delimitação dos aspectos sociais e raciais
que caracterizariam a sociedade colonial e marcariam profundamente a história
nacional, principalmente no que diz respeito à relação do Estado com os povos
primeiros8.
O fato da força de trabalho negra africana ter assumido dimensão
preponderante na reprodução do capitalismo mercantil no interior da colônia,
não representou obstáculo à contínua exploração dos indígenas ao longo do
desenvolvimento das relações sociais de produção no campo.
8
Predominou durante muito tempo uma visão eurocêntrica sobre a formação social das
comunidades tradicionais, sendo estas consideradas resquício de um passado remoto,
reduzidas ao rótulo pseudo-científico de primitivas, cristalizadas no tempo, prontas a serem
conduzidas ao caminho da civilidade, por meio da tutela do Estado. O Código Civil de 1916
considerava como relativamente incapazes os índios que ainda viviam em seus territórios
tradicionais e mantinham suas culturas e modos de vida, intitulando-os de silvícolas
(moradores das selvas). Fruto de uma série de políticas institucionais de “integração” (leia-se,
aculturação) desenvolvidas desde o início do século XX, com a criação do SPI – Serviço de
Proteção ao Índio (1910), em 1973 entra em vigência o Estatuto do Índio (Lei n. 6001/73),
mesmo a norma elencando como uma de suas prioridades a garantia de preservação das
culturas indígenas, ainda se verifica a política integracionista com vistas à segurança e ao
desenvolvimento nacional. Ver (AATR, 2008, p. 10-12).
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1.3.2. A FORÇA DE TRABALHO NEGRA AFRICANA.
“[...] gente toda da cor da mesma noite, trabalhando vivamente, e
gemendo tudo ao mesmo tempo sem momento de tréguas, nem
de descanso: quem vir em fim toda a máquina e aparato confuso
e estrondoso daquela Babilônia, não poderá duvidar, ainda que
tenha visto Etnas e Vesúvios, que é uma semelhança de inferno
(Pe. Antonio Vieira - 1633)
A transição do uso da força de trabalho indígena para a negra africana
se deu num processo lento e gradual, encontrando-se intimamente ligada à
ampliação e complexificação das relações sociais de produção na economia
colonial (acelerada expansão em função do crescimento do mercado europeu e
dos elevados preços internacionais do açúcar). A substituição paulatina da
mão-de-obra
não
pode
ser
compreendida
pelas
teses
[racistas]
da
predisposição natural dos/as negros/as ao cativeiro, nem pela “ociosidade” das
populações originárias, guardando relação com um leque mais amplo de
elementos sociais, políticos, econômicos e culturais.
KOWARICK (1994) pontua que enquanto o aprisionamento da força de
trabalho indígena mostrava-se como problema exclusivo a ser resolvido
internamente pela Coroa portuguesa (altos custos com as guerras justas), o
tráfico de africanos/as surgia como singular instrumento de acumulação
primitiva mercantilista, na medida em que proporcionava a extração de um
duplo excedente de capital via comercialização monopolizada tanto da mão-deobra como da produção agrícola gerada por esta9.
A escravidão dos povos africanos já se encontrava legislada num
complexo de normas (codificadas, extravagantes e gerais do reino) antes da
colonização das terras brasileiras, sendo aqui introduzida como coisa lícita,
onde o “comércio de escravos foi natural e suavemente estabelecido para a
colônia, e até protegido e promovido pelo Governo” (MALHEIRO, 1866: 24).
9
Boa parte da mão-de-obra escrava provinha da parte ocidental do continente africano, de
culturas que já dominavam o trabalho com o ferro, com pastoreio de gado e tinham
familiaridade com a agricultura em longo prazo. Todos esses aspectos tornavam a apropriação
da força de trabalho africana mais estratégica na reprodução do capital açucareiro Segundo
SCHWARTZ (1988: 72), “o preço médio de um africano arrolado com ocupações em 1572 era
de 25 mil-réis enquanto o de nativos com a mesma habilidades atingia apenas 9 mil-réis”.
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Assim, as políticas institucionais direcionadas ao trabalho agrícola tinham por
objetivo maior resguardar
O direito do senhor proprietário sobre o homem escravizado, a lei
garantia a imposição da vontade, o arbítrio do senhor sobre o
escravo. A barateza e estabilidade forçada do trabalhador agrícola
sob a garantia da lei, sua obediência à rigorosa disciplina e
submissão absoluta ao domínio e mando do proprietário (ANÄLISE
apud KIRDEIKAS, 2003: 3).
O entendimento das condições e formas de trabalho travadas entre
senhores e escravos na grande propriedade açucareira é fundamental para se
explicar a natureza das relações sociais estabelecidas nessa sociedade.
A intensa disciplina foi marca característica das relações escravocratas,
onde a força física e as punições faziam parte da jornada. Entretanto, os
senhores tinham de lidar com uma contradição: ao passo que o disciplinamento
rigoroso se mostrava fundamental para garantir a produtividade, seus excessos
poderiam representar-lhes prejuízos devido ao alto custo de aquisição da mãode-obra. Devido à severidade do tratamento no interior das relações de
trabalho, com todos seus castigos e abusos físicos, juntamente com a
intensificação da resistência dos escravos (aumento das revoltas, dos boicotes
produtivos em função das condições de trabalho) e da mobilização da Igreja, a
Coroa promulga duas leis dando a qualquer um, inclusive aos próprios
escravos, o direito de denunciar os abusos às autoridades civis ou eclesiásticas
como forma de garantir o mínimo de proteção aos trabalhadores (SCHWARTZ,
1988: 123).
Péssimas condições nutritivas, de alojamento, de vestimenta, a maioria
dos/as africanos/as passava boa parte do dia labutando nos campos de canade-açúcar, quando não se faziam jornadas noturnas. Ao analisar os processos
de trabalho nos engenhos da Bahia, o historiador detalha que se exigia de cada
trabalhador cativo sete mãos de cana por dia de lida. “Cada mão consistia em
cinco dedos, cada dedo continha dez feixes e cada feixe doze canas. Portanto
a cota diária era de 7 mãos x 5 dedos x 10 feixes x 12 canas ou seja 4200
canas o total” apontava o historiador (Idem, 129).
O canavial e o interior da manufatura açucareira representavam os
trabalhos regulares que ocupavam a maior parte da jornada da força de
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trabalho africana, afora todos os tipos de serviços eventuais orientados pelas
necessidades e desejos dos senhores de engenho a completar a jornada dos
trabalhadores.
Os aparatos de controle da produtividade e da disciplina dentro do
canavial se davam através do terror premeditado exercido pela figura do
gerente-feitor-capataz (incentivo negativo à produção). Entretanto, essa
vigilância apesar de intensa não obstava a resistência do trabalhador
escravizado dentro do processo de produção (principalmente por meio dos
boicotes10), impondo à grande lavoura latifundiária sempre um padrão baixo de
produtividade. Sem falar nos métodos precários de cultivo, na destruição da
biodiversidade, no empobrecimento do solo, na redução das áreas de
subsistência, fatores que contribuíam para a manutenção da taxa média de
produção em níveis rasteiros.
O ritmo intenso de trabalho também advinha da alta quantia investida
para se ter acesso à mão-de-obra. Assim, como o senhor de engenho aplicava
um alto custo na compra da força de trabalho, o retorno do seu investimento
somente viria ao longo da vida produtiva do escravo. A imposição de uma
rotina extenuante de trabalho surgia como forma de se tentar resgatar o
investido o mais rápido e extrair o máximo de excedente possível. A
rentabilidade da economia colônia encontra-se vinculada ao grau de
exploração do trabalho. O envelhecimento precoce da mão-de-obra ocasionado
pela intensa exploração da força de trabalho era um problema enfrentado pelos
senhores latifundiários, mais ainda pelos próprios escravizados. “Acidentes de
trabalho” eram comuns, principalmente nas atividades mais delicadas, como
nas moendas.
Um [a] escravo [a] inexperiente, ou que se tornasse desatento por
haver trabalhado demais ou se embriagado com a garapa distribuída
aos cativos durante a safra, podia facilmente ter a mão esmagada
pelos tambores, junto com a cana. Se tal acontecesse numa moenda
de grande porte, o corpo inteiro poderia seguir-se ao braço. [...] um
pé-de-cabra e uma machadinha eram mantidas próximos à moenda
para, no caso de um escravo ser apanhado pelos tambores, estes
serem separados e a mão e o braço amputado, salvando-se a
máquina [a produção] de maiores estragos (Idem, 130).
10
Destruição dos instrumentos de trabalho, controle do tempo de execução das tarefas,
incêndios nos canaviais, revoltas, dentre outras.
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30
Os incentivos positivos (prêmios e recompensas) à produção também
foram utilizados pela grande lavoura como forma de ampliar a produtividade e
para se conquistar, mesmo que temporariamente, a colaboração dos
escravizados. Porcentagens sobre a produção, distribuição de bebidas
alcoólicas, brecha camponesa11, eram algumas dessas formas que obviamente
variavam a depender de senhor para senhor, dos costumes regionais, das
demandas específicas do mercado, do grau de satisfação com o regime, mas
no geral guardavam similitudes.
A atribuição de salário por cotas de produção ou por tarefas aos
assalariados especializados também era utilizada como estímulo à mão-deobra. Através do uso combinado dos incentivos produtivos e da coerção, a
grande lavoura conformava um sistema de trabalho orientado à extração da
máxima produtividade do trabalhador a ela vinculado, regime cujas marcas
desdobram-se ainda hoje nas formas de inserção do trabalhador rural no
mercado de trabalho.
Todos esses elementos mostram que as relações de trabalho
estabelecidas entre proprietários e escravos eram mais complexas do que o
simples cativeiro. Articulavam uma série fatores visando à ampliação da
produtividade dos empreendimentos agrícolas, avançando ou recuando a
depender da correlação de força das partes envolvidas.
1.4.
CRISE E TRANSIÇÃO DO TRABALHO CATIVO
As determinações específicas tanto da unidade produtiva colonial
(latifúndio) como da organização social do trabalho (escravo e “livre”) são
partes constitutivas do desenvolvimento singular do capitalismo no Brasil. Sua
compreensão deve ser dar a partir da relação dialética, e não subordinada,
entre formações sociais distintas (metrópole e colônia), articuladas num
determinado período histórico. São estruturantes e estruturados. Por isso, a
análise combinada dos fatores endógenos e exógenos referentes à colonização
11
Possibilidade [consentida ou não] do escravo cultivar seus próprios alimentos através do
trabalho em roças de subsistência, sendo uma das pouquíssimas possibilidades de
acumulação de algum ordenado, normalmente poupado para no futuro ser despendido na
compra da sua própria liberdade e/ou de seus familiares. Na verdade além dos dias
trabalhados na grande lavoura, para o senhor era interessante que o escravo retirasse seu
sustento através da sua cona e risco.. Sobre o tema: (REIS, 2005.)
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brasileira se torna fundamental, na medida em que se busca compreender os
pontos de interseção entre o desenvolvimento das forças gerais do capital a
nível global e as especificidades do processo histórico brasileiro.
Durante a maior parte do século XIX, a economia nacional vivenciou um
forte período de expansão da lavoura exportadora, com o crescimento das
cidades e a intensificação do trabalho escravo. É também neste século que a
escravidão brasileira chega a seu ápice, “difundida como estava em todo o
território
nacional,
nos
diversos
setores
da
economia,
conformando
praticamente todas as instituições sociais” (REIS, 1995: 2).
A escravidão estruturou-se [de maneira geral e sistemática] ao longo de
quase quatro séculos e os mecanismos de resistência do povo negro à
dominação
político-econômica
estiveram
fortemente
presente
em
seu
desenvolvimento interno. Desde o boicote ao sistema produtivo a insurreições
envolvendo grande contingente de africanos/as12, as respostas populares ao
regime escravista se deram de variadas formas e por uma quantidade igual de
motivos.
As rebeliões representaram a via mais incisiva de resistência coletiva
dos escravos. Seja pela destruição completa do escravismo; pela sua simples
reforma visando corrigir excessos de tirania até um limite tolerável de opressão
ou mesmo no intuito de se conseguir benefícios em função do trabalho
prestado
os
objetivos
estratégicos
que
orientaram
as
lutas
dos/as
trabalhadores/as negros/as foram muitos (Idem). As revoltas ganharam
amplitude no século em destaque pela conjuntura favorável de expansão dos
ideais libertário-abolicionistas na sociedade brasileira, ficando a batalha de
idéias a cargo dos setores médios. Somente na Bahia, num curto período de
tempo, revoltas e rebeliões fervilharam a sociedade escravocrata podendo-se
citar as de 1798 (Revolta dos Búzios), 1807, 1809, 1810, 1814, 1816, 1822,
1826, 1827, 1828, 1830, 1835 (Revolta dos Malês), além de inúmeras outras
travadas silenciosamente no interior do regime e que não viraram registro na
historiografia brasileira (VERGER, 1987).
12
Segundo o historiador João Reis (1995), foi no século XIX que o país recebeu o maior
número de africanos, estima-se que na primeira metade do século tenham chegado mais de
um milhão e meio de africano principalmente pelo porto do Rio de Janeiro, o maior porto
escravista do Atlântico.
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32
Outro importante instrumento de luta para a derrocada do escravismo foi
o processo de formação dos quilombos. Baseando-se no reconhecimento
étnico-racial, proporcionado pela opressão política e econômica dos povos
negros, os quilombos materializavam outra forma de vida, de relação de
produção. Para João Reis (1996: 16), além dos africanos e seus descendentes,
as formações quilombolas aglutinavam uma diversidade de segmentos sociais
explorados13 direta e indiretamente pela escravidão, sendo o local onde se
administravam as diferenças, forjando novos laços de solidariedade, recriando
culturas.
O Conselho Ultramarino de 1740 definia quilombos como “toda
habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada,
ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Tal
conceito não exprimia de fato a realidade, não representando a complexa rede
de relações que envolviam os agrupamentos quilombolas. Combatendo a
historiografia oficial, REIS (1996: 18) atesta que
embora [as comunidades estivessem situadas] em lugares
protegidos, os quilombolas na sua maioria viviam próximos a
engenhos, fazendas, lavras, vilas e cidades, na fronteira da
escravidão, mantendo uma rede de apoio e interesses que envolvia
escravos, negros livres e mesmo brancos, de quem recebiam
informações sobre movimentos de tropas e outros assuntos
estratégicos. Com essa gente eles trabalhavam, se acoitavam,
negociavam alimentos, armas, munições e outros produtos; com
escravos e libertos podiam manter laços afetivos, amigáveis,
parentais e outros.
Assim, os quilombos representavam risco em potencial aos interesses
econômicos e políticos das elites agrárias, pois, concreta e simbolicamente
manifestavam para os escravos possibilidade de vida diversa ao cativeiro
imposto pelo senhorio latifundista, comprometendo a ordem social vigente. Por
isso foram tão duramente combatidos. As comunidades negras de quilombos
trouxeram na sua gênese a intensa resistência que não ficou restrita ao
passado. Mais de duas mil comunidades quilombolas disseminadas ao longo
de todo território brasileiro mantiveram-se vivas e atuantes, lutando pelo
reconhecimento do direito de reprodução sociocultural de suas formas de vida
em suas terras tradicionalmente ocupadas14.
13
“Para ali também convergiram outros tipos de trânsfugas, como soldados desertores, os
perseguidos pela justiça secular e eclesiástica, ou simples aventureiros, vendedores, além de
índios pressionados pelo avanço europeu” (REIS, 1996: 16).
14
Ver http://www.cpisp.org.br/comunidades/; Só na Bahia, de 2004 a 2009, 258 comunidades
remanescentes quilombolas foram certificadas, segundo dados da SEPROMI – Secretaria de
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As pressões pelo fim da escravidão também chegavam de além-mar.
Impulsionando o ritmo da acumulação de capitais a nível global, a Inglaterra
forjava em seu interior revoluções urbano-industriais que gradualmente foram
repercutindo nas estruturas socioeconômicas do regime escravista. As
transformações do modo de produção capitalista, por meio de sua tendência
expansionista, alavancadas pela ampliação da maquinofatura, exigiam a
ampliação do mercado de consumo como forma de absorver a produção em
larga escala e o escravismo mostrava-se como problema a ser superado. No
sistema colonial, o pagamento da força de trabalho se dava inteiramente fora
da colônia, limitando a baixos níveis o fluxo monetário consumidor interno
(GNACCARINI, 1980). Em 1845, o parlamento inglês aprova a Lei do Bill
Aberdeen15, marco [institucional] no combate internacional do tráfico de
escravos. A legislação autorizava a marinha britânica a interceptar os navios e
submeter sua tripulação à jurisdição inglesa como forma de coagir o comércio
ilegal de mão-de-obra.
No Brasil, em 1830, o tráfico de escravos já tinha sido considerado
atividade ilegal, mas é com a edição da Lei n. 581 de 4 de setembro de 1850,
mais conhecida como Lei Eusébio de Queiroz, que a política legislativa de
combate ao tráfico de escravos, pelo menos simbolicamente, assume maior
dimensão. Nesta data, o comércio de mão-de-obra escrava africana estava
[institucionalmente] proibido, entretanto, não impediu a continuidade das
práticas de submissão dos trabalhadores ao cativeiro. Uma informação
interessante é que muitos escravos de origem africana, importados após o ano
de 1831, impetraram ações contra seus proprietários, por se encontrarem em
estado de escravidão ilegal. Embora as ações de liberdade tivessem um
caráter mais individualizado de resistência à escravidão (na medida em que
não se estruturava como instrumento coletivo de enfrentamento), exerceram
grande papel na conjuntura das lutas antiescravistas, principalmente pelos
boatos generalizados através dos canais informais sobre tal possibilidade de
Promoção da Igualdade do Governo do Estado da Bahia. Destas, somente quatro tiveram
reconhecidos seus direitos de propriedade com base no art. 68 do ADCT/CF-88 e no decreto n.
4887/2003 (cuja validade constitucional deste último instrumento vem sendo atacada pelos
setores conservadores na ADIN n. 3239).
15
Texto legal na íntegra:
http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=bill-aberdeen-integralondres-1845, acessado em 08 de maio de 2011.
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ruptura com o domínio da grande propriedade, incrementando o estado de
mobilização das populações negras (SÁ, 2010).
Outra frente importante de pressão internacional pelo fim da escravidão
foi impulsionada pela força dos trabalhadores de outras terras. A metrópole
francesa amargou a tomada do poder político da ilha caribenha de São
Domingos, uma das colônias mais lucrativas [e exploradas] do “Novo Mundo”.
A Revolução Haitiana ou Revolta de São Domingos (1798-1804) marcou a
construção do primeiro Estado negro das Américas, após sangrentas batalhas
entre escravos revolucionários, elites coloniais e o Estado francês. “Os
transtornos foram fatais para os senhores, suas famílias e propriedades”
(AZEVEDO, 2008: 28). A revolução tornara-se símbolo das lutas escravas em
todo o hemisfério, mostrando que a classe senhorial não era invencível (REIS,
95: 10). Para os latifundiários brasileiros tal rumo não parecia impossível de se
reproduzir por aqui. Isso porque, elementos concretos podiam ser retirados da
realidade histórica do sistema colonial nacional como sua grande absorção de
mão-de-obra africana, forjando um imenso contingente de escravos e
principalmente pelas insurreições terem sido uma constante em seu
desenvolvimento.
Seja por fatores internos ou externos ao sistema colonial brasileiro, a
questão da transição do trabalho escravo estava colocada. No primeiro quarto
do século XIX, a escravidão já apresentava seus limites estruturais frente às
novas demandas impostas pelo capital a nível global, principalmente no que diz
respeito ao seu baixo padrão de produtividade. Num cenário crescente da
competitividade internacional e de perda de posição dos produtores nacionais,
a substituição da força de trabalho aparecia como importante elemento a ser
pensado.
As elites políticas entediam que o fim do escravismo sem a construção
de um processo planejado de reposição da mão-de-obra poderia acarretar
numa grave crise econômica, uma vez que todo o sistema de extração do
excedente se encontrava estruturado na intensa exploração de um grande
contingente de trabalhadores. Aliado a isso vinha a questão da subordinação
regular dessa nova força de trabalho, que sob novas orientações precisava ser
disciplinada.
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Assim, ao longo da segunda metade do século XIX foram promovidas
inúmeras medidas com vistas a cuidar da transição do trabalho escravo, mas
sem alterar os interesses e privilégios políticos da ordem social vigente. A
atuação do Estado no intuito de viabilizar esse processo foi crucial. Começando
pela terra.
A independência do Brasil no ano de 1822 representou juridicamente o
fim da vigência do corpo de leis lusitanas no território brasileiro. Com ela se foi
o regime de sesmarias, ficando a estrutura fundiária sem regulamentação pelas
décadas seguintes. Nesse período, multiplicaram as ocupações de pequenas
glebas por posseiros voltadas tanto para subsistência como para o
abastecimento do mercado local. Com um regime de posse aberto, o
trabalhador poderia ter acesso ao meio de produção necessário à sua
sobrevivência sem ter que se subjugar aos mandos dos latifundiários. Foi em
18 de setembro de 1850, com a edição da Lei n. 601, mas conhecida como a
Lei de Terras, que se impõe o instituto da compra e venda como mecanismo
legal de aquisição de novas terras. Legitimava-se a grande propriedade,
batizando o latifúndio, ao mesmo tempo em que liberava os trabalhadores para
venderem sua força de trabalho, já que não tinham condições de acessar
formalmente o meio de produção. A pequena posse do trabalhador rural negro
não foi reconhecida, pois, a preferência estava nas áreas adquiridas por
doações de sesmarias.
A Lei de Terras (BRASIL, 1850) cumpriu um papel estratégico num
momento de significativas mudanças na forma de organização e reprodução do
capital no campo e na cidade, afastando o trabalhador do acesso ao meio de
produção, legitimando sua condição de proletário, pronto para vender sua força
de trabalho para o projeto em ascensão.
Em 1871, a Lei n. 2040, ou Lei do Ventre Livre, extinguia o último
elemento de reposição da mão-de-obra no cativeiro (tirando o fato de que os
filhos de escravas nascidos na vigência dessa lei se mantinham vinculados ao
senhor latifundiário até os vinte e um anos completos). Dentre sua disposições
destacam-se duas mais significativas para a análise. A primeira foi a
preocupação do legislador (leia-se Estado) com a questão da disciplina para o
trabalho do liberto ao estabelecer a necessidade desse indivíduo recém saído
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da escravidão voltar a submeter regularmente sua força de trabalho aos
comandos da capital:
Art. 6.º - Serão declarados libertos: §5.º - Em geral, os escravos
libertados em virtude desta lei ficam durante 5 anos sob a inspeção
do govêrno. Êles são obrigados a contratar seus serviços sob
pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos
estabelecimentos públicos. Cessará, porém, o constrangimento do
trabalho, sempre que o liberto exigir contrato de serviço (BRASIL,
1871).
O que a transição tinha que representar era a substituição das formas de
aprisionamento do trabalho humano, passando gradualmente da coerção física
[mas sem superá-la] para os tipos de assalariamento, condicionando a
sobrevivência do trabalhador à venda da sua força de trabalho. Assim, era
fundamental que o recém liberto continuasse a subjugar seu trabalho,
continuasse a submeter-se regularmente a vida do trabalho, não podia ser
autônomo (pois não tinha condições) e nem “vadio” (pois sua força de trabalho
era indispensável para o projeto de acumulação em andamento) (KIRDEIKAS,
2003: 5).
O segundo elemento da Lei do Ventre Livre (BRASIL, 1871) foi a
autorização da formação de um pecúlio (tipo de poupança) próprio do escravo,
proveniente de doações, heranças, legados ou mesmo de remuneração por
trabalhos.
Art. 4.º - É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com o que
lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por
consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias.
O governo providenciará nos regulamentos sôbre a colocação e
segurança do mesmo pecúlio.
Esse dispositivo incidiu diretamente na configuração da situação da
mão-de-obra anos depois, no momento da abolição. O pecúlio foi utilizado em
larga escala como forma do escravo comprar sua liberdade nas mãos do seu
senhor, garantido de alguma forma a disciplina necessária ao trabalho e a
restituição do valor “investido” com a mão-de-obra, dinamizando a extração do
seu excedente. “Em seu conjunto, os escravos no Brasil eram 1.715.000 em
1864, 1.540.829 em 1874, 1.240.806 em 1884 e apenas 723.419 em 1887, às
vésperas da abolição (REIS, 95: 3).
As mesmas preocupações com a submissão regular da força de trabalho
liberta foram expressas na Lei dos Sexagenários n. 3270 de 28 de setembro de
1885, destacando-se os parágrafos 17 e 18 do artigo 3º ao disporem:
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§17. Qualquer liberto encontrado sem occupação será obrigado a
empregar-se ou a contratar seus serviços no prazo que lhe fôr
marcado pela Policia (BRASIL, 1885).
§ 18. Terminado o prazo, sem que o liberto mostre ter cumprido a
determinação da Policia, será por esta enviado ao Juiz de Orphãos,
que o constrangerá a celebrar contrato de locação de serviços, sob
pena de 15 dias de prisão com trabalho e de ser enviado para alguma
colonia agricola no caso de reincidência (BRASIL, 1885).
Bem como o parágrafo 5º do artigo 4º estabelece:
§ 5º O Governo estabelecerá em diversos pontos do Imperio ou nas
Provincias fronteiras colonias agricolas, regidas com disciplina militar,
para as quaes serão enviados os libertos sem occupação (BRASIL,
1885).
Depois de um longo período de transição, de forte atuação institucional,
onde boa parte da força de trabalho já não mais se encontrava no cativeiro,
depois de anos de sangue e suor dos povos negros, a Lei n. 3353 de 13 de
Maio de 1888, com a assinatura da Princesa Imperial Regente Izabel em nome
de sua Majestade Imperador, declara extinta [formalmente] a escravidão.
1.4.1. A TRANSIÇÃO NORDESTINA
O processo de ocupação territorial do nordeste brasileiro esteve
diretamente ligado ao desenvolvimento das atividades econômicas da grande
lavoura canavieira, desde o período colonial. Paralela à produção do açúcar, a
pecuária extensiva ocupou papel característico na conformação da estrutura
fundiária nordestina e nas formas de vida do semi-árido.
No início da produção pecuária no sertão, os primeiros senhores de
engenho assumiram a promoção de unidades de produção pecuária
subordinadas e mantidas por eles. Com o tempo, criadores
especializados foram assumindo a atividade, consolidando enormes
sesmarias dedicadas à pecuária (FERRARO JR, 2008:30)
Um fator singular no desenvolvimento socioeconômico nordestino foi o
processo de transferência da competência jurídico-administrativa das terras
devolutas16 para o domínio dos estados federados. Às oligarquias regionais foi
dada a responsabilidade pelo desenvolvimento das políticas institucionais de
concessão de terras, ampliando o domínio político local e a concentração
16
A Lei de Terras passou a estabelecer que as propriedades que não fossem regularizadas,
segundo os critérios imperativos (art. 3º e ss.) seriam devolvidas ao patrimônio do Estado, por
isso chamada de terras devolutas. Ver: (TEIXEIRA, 2008).
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fundiária (MARTINS, 1981). Esse processo contribuiu para o desenvolvimento
do fenômeno do coronelismo17, traço marcante da história política nordestina.
Um dos aspectos da diferenciação da política de terras entre nordeste e
sudeste estava na forma de inserção da força de trabalho livre nas grandes
unidades de produção.
No Sudeste, mais especificamente em São Paulo, os trabalhos
anteriormente executados pela força de trabalho negra escravizada passaram
a ser realizados por colonos europeus, sendo este trabalhador livre que recebia
salário (em espécie e/ou in natura), tinha direito a uma gleba de subsistência,
recebendo eventualmente por serviços extraordinários, sendo permitido
contratar trabalhadores avulsos para auxiliá-lo na cultura particular, trabalhando
ainda uma quantidade de dias gratuitos para o fazendeiro (Idem, 44).
Na região Nordeste, a economia canavieira já demonstrara a muito sua
derrocada como pólo dinâmico da produção nacional, muito em função das
conseqüências sociais do regime da grande lavoura, da baixa produtividade
dos empreendimentos, da alta concorrência internacional (antilhana e cubana)
e da interrupção [legal] do tráfico de escravos africanos. Com a transferência
do centro de reprodução econômica para o eixo sudestino, tendo no estado de
São Paulo seu pólo mais importante, juntos foram também boa parte dos
escravos, vendidos como forma de recompor as divisas do senhorio em forte
crise econômica. Os antigos moradores da região (ex-escravos, trabalhadores
livres), dedicados à produção de subsistência e a prestação de trabalhos
eventuais ao latifúndio, foram sendo incorporados como trabalhadores
assalariados. Para ter acesso à terra de subsistência, deveria oferecer seu
trabalho por determinados número de dias gratuitos ou mediante baixa
remuneração no canavial (Ibidem). Diretrizes históricas distintas produzem
sínteses sociais distintas.
As relações de trabalho desenvolvidas na produção agroexportadora
nordestina, em especial na cana-de-açúcar sempre tiveram na intensa
exploração da mão-de-obra sua característica fundamental, impondo ao
17
“Os chefes políticos municipais ou regionais acabaram sendo conhecidos como ‘coronéis’.
[...] O coronelismo se caracterizou pelo rígido controle dos chefes políticos sobre os votos do
eleitorado , constituindo [aquilo que se intitula pejorativamente em relação à figura do/a
nordestino/a] os ‘currais eleitorais’ e produzindo o voto de cabresto” (MARTINS, 1981: 46)
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trabalhador um ritmo de trabalho altamente degradante que ainda hoje se
reproduz. Tal tema será objeto de análise mais aprofundada no capítulo
terceiro do presente trabalho, com destaque às relações de assalariamento
temporário rural na região Submédio do São Francisco.
1.4.2. A TRANSIÇÃO SUDESTINA
O processo de transição do trabalho escravo para o trabalho “livre” no
Brasil não pode ser apreendido pela relação simplória e maniqueísta que
contrapõe um suposto negro despreparado para o trabalho livre, incapaz de
interagir com os novos padrões do capitalismo em expansão contra um
europeu racionalista, politicamente ativo, forjado pelas contradições da grande
produção agrícola e industrial (AZEVEDO, 2008: 18).
Mais do que alardear uma dicotomia entre a irracionalidade do regime
escravocrata e a racionalidade do trabalho livre ou mesmo uma hierarquização
abstrata e ahistórica de variáveis mais ou menos importantes para se explicar a
gênese do assalariamento no Brasil, o presente trabalho buscará abordar o
tema através da análise articulada das especificidades do desenvolvimento das
formas de organização da produção e do trabalho no sistema colonial brasileiro
com as transformações ocorridas no modo de produção capitalista a nível
global.
A marginalização do povo negro não pode ser explicada somente pelos
elementos internos do escravismo (polaridade senhor-escravo manifestada em
diversas dimensões da vida social), pois, sendo as relações sociais escravistas
desenvolvidas no Brasil componentes de um todo (processo de colonização
envolvendo outros atores sociais),
a desarticulação e a fragmentação desse todo opera uma amputação
do mesmo e elimina a possibilidade de conhecê-lo como tal. O
conhecimento de uma região do todo não é ainda conhecimento do
todo, porque o conhecimento de partes isolados do conjunto não é
conhecimento nem das partes e nem do conjunto (CARVALHO, 2008:
2).
O ponto de partida é a compreensão de que os rearranjos da
substituição do
trabalho
[prioritariamente]
pela
cativo
para o trabalho
manutenção
dos
privilégios
“livre” orientaram-se
classistas
da
elite
agroexportadora brasileira. A partir desse entendimento, pode-se partir para
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40
uma breve análise de como se deu a inserção da força de trabalho imigrante na
grande lavoura nacional e analisar sua dinâmica de exploração.
O desenvolvimento das relações sociais de produção no sistema colonial
brasileiro esteve baseado na concentração de recursos em grandes unidades
produtivas, no regime de plantation, explorando grande contingente de mão-deobra. Tal formação não impediu, mas obstaculizou formas de produção
alternativas ao modo imposto pelo monopólio comercial metropolitano,
relegando as pequenas propriedades e os trabalhadores livres nacionais à
execução de atividades acessórias ao latifúndio monocultor.
Com o fim do tráfico de escravos, o problema da reposição da força de
trabalho aparecia, no mínimo, como elemento preocupante para a economia, já
que a base de extração de excedente da classe senhorial se encontrava na
exploração intensa de grande quantidade de trabalhadores. Nesse sentido, a
grande lavoura precisa não necessariamente de escravos (que no período da
abolição já eram reduzidos), mas sim de mão-de-obra suficientemente barata
para que as fazendas produzissem em custos mínimos, ampliando a
acumulação.
O empresariado não tinha como se apoiar no contingente interno de
trabalhadores livres, tendo em vista a relação social específica desenvolvida
historicamente deste segmento com o trabalho, ainda mais o braçal, para quem
não era escravo.
Assim, em função da rigidez da ordem escravista colonial,
resumidamente composta pelos senhores, escravos e a burocracia cívicomilitar, a inserção produtiva fixa dos homens livres na estrutura social se
mostrou insuficiente, restando a estes o desenvolvimento de atividades
marginais nas grandes glebas senhoriais (KOWARICK, 1994).
Os negros escravizados e o conjunto dos trabalhadores livres já
conheciam e muito as “benesses” advindas dos serviços prestados à ordem
senhorial e construíram historicamente, no interior do regime escravista, seus
mecanismos de resistência à dominação política, econômica e cultural
impostos por essa ordem.
É nesse contexto que insere os movimentos de intermediação
internacional de mão-de-obra, alavancados em meados do século XIX. Nessa
política institucional, o negro foi preterido do processo produtivo, inexistindo
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41
mecanismos compensatórios às mazelas sociais produzidas pelo cativeiro
prolongado. A ação oficial proporcionou o aprofundamento da marginalização e
proletarização do povo negro. A imigração de trabalhadores estrangeiros para
os cafezais paulistas veio como estratégia das elites para dinamizar a produção
agropecuária numa conjuntura crescente de competitividade mercantil, sem
falar nos sinais claros de definhamento do regime escravista. Os grandes
produtores
necessitavam
de
trabalhadores
material
e
culturalmente
expropriados para manutenção/reprodução lucrativa dos empreendimentos
agrícolas.
Nessa transição, diversos outros aspectos perpassaram os planos
discursivos públicos e privados, tendo como idéia central a passagem de um
Brasil repleto de arcaísmos, marcado pela relação antagônica entre senhores e
escravos, para um “novo Brasil”, orientado pelas leis de mercado, onde
trabalhadores e patrões teriam liberdade e igualdade de condições jurídicas
para celebrar relações trabalhistas (AZEVEDO, 2008).
Sem dúvida, os contornos e conflitos étnico-raciais estiveram presentes
também
como
elementos
condicionantes
das
políticas
de
imigração,
alavancados pelo crescimento das teses do racismo científico tanto na Europa
como nos Estados Unidos. Disseminação de idéias como a “inferioridade
natural” dos/as negros/as, colocando os problemas estruturais do regime de
trabalho escravo como questões inerentes à própria raça foram justificativas
utilizadas para explicar a nova fase de desenvolvimento do capitalismo no
Brasil (Idem, 54).
Era necessário embranquecer a população “brasileira”, com base na
idéia de inferioridade do negro, da sua não adaptabilidade aos novos
moldes de produção (trabalho livre para o desenvolvimento do
liberalismo e capitalismo), e de decretação da sua invisibilidade
(BONFIM, 2008: 66).
Um aspecto interessante é que o problema da substituição do
trabalhador escravo exprimia-se de formas distintas tanto para o Estado
(através do exercício jurídico-normativo) como para os grandes produtores
latifundistas. Para o primeiro, inúmeros processos e interesses estavam
envolvidos (expansão do capitalismo internamente; formação de um mercado
de trabalho livre; construção de uma identidade nacional; ideal de
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42
modernização,
civilidade;
“branqueamento”
populacional).
Já
para
os
fazendeiros, “o problema tendia a ser avaliado em termos dos resultados
econômicos oferecidos pelo imigrante em confronto com o escravo” (MARTINS,
1973: 57). O fato de se comparar em termos econômicos não obstaculiza a
interferência de todo um padrão social racista a orientar as relações entre as
elites e as populações negras, que mesmo após 123 (cento e vinte e três) anos
de abolição formal ainda sofrem e resistem às conseqüências sociais da
escravidão. Considerando o objeto de estudo do presente trabalho, parte-se
agora para a análise do processo de imigração de mão-de-obra estrangeira,
suas formas de inserção na agricultura nacional e seus desdobramentos para o
trabalho livre e assalariado no Brasil.
1.4.2.1
A INTERMEDIAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA ESTRANGEIRA E AS
RELAÇÕES
DE
ASSALARIAMENTO
NA
AGRICULTURA
BRASILEIRA.
Nessa órbita, KOWARICK (1994) assinala o intenso processo de
importação de mão-de-obra estrangeira para os campos nacionais, tendo seu
ápice em meados do século XIX. A questão dos movimentos migratórios
internacionais se inseriu numa lógica de aprofundamento da exploração do
trabalho, através da ampliação da oferta de mão-de-obra como forma de
baratear/deteriorar o preço dos salários pagos aos trabalhadores do campo. O
outro desdobramento cuidou de criar as condições para desarticular a
resistência desse contingente de trabalhadores, na medida em que a
ampliação do exército de reserva incide diretamente no aumento da
concorrência intertrabalhadora.
Até 1895, cerca de 220 mil colonos, materialmente expropriados pelas
sucessivas crises vivenciadas no continente europeu, aportaram no Brasil,
mediadas através das agências patronais de importação de mão-de-obra
criadas e financiadas pelas elites agrárias da época.
Para a garantia de sucesso da estratégia adotada, o aparato jurídicoestatal foi largamente utilizado.
Semelhante forma de explorar trabalhadores livres, do ponto de vista
jurídico, deveria apoiar-se num aparato legal que coagisse os colonos
a cumprir seus contratos de trabalho. Antes de mencionar os
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43
expedientes utilizados pelos fazendeiros para atar os colonos às
fazendas [acima apresentados], convém indicar a lei votada em
setembro de 1830, logo após o tráfico africano ter sido legalmente
proibido, bem como a que foi aprovada em outubro de 1837, quando
se intensificaram as pressões inglesas sobre a importação de
escravos: ambas especificavam severas sanções penais, como
prisão com trabalhos forçados, julgadas em processos sumários para
aqueles que não cumprissem seus contratos (KOWARICK, 1994:,
67).
O imigrante europeu, por estar alheio a todo processo de conformação
histórica da relação capita-trabalho na ordem produtiva colonial, e nem ter
conhecimento das condições concretas em que os serviços se dariam, poderia
ser submetido às violências privadas e institucionais, as quais, e a todo custo, a
mão-de-obra nacional procurava combater/resistir.
O contrato de trabalho-parceria (conhecido como ‘parceria por
endividamento’) estabelecido entre o fazendeiro e os/as trabalhadores/as
estrangeiros/as consistia no adiantamento da quantia necessária a fim de
custear o transporte e a instalação das famílias trabalhadoras, além da
concessão de uma gleba vinculada à grande fazenda. Os trabalhadores além
de
realizarem
os trabalhos na grande propriedade
poderiam extrair
subsistência ou mesmo apropriar-se do excedente de sua pequena empreitada,
desde que devidamente compartilhado com o latifundiário, conforme o acordo
firmado. Salientando que sobre os empréstimos incidiam altos juros, não
podendo o colono se afastar da fazenda até finalmente quitá-las. O
endividamento foi utilizado como forma de aprisionar a força trabalho livre, e
para isso os grandes proprietários multiplicavam as formas de adiar o
cumprimento desses compromissos. Cobrança de juros, taxas, comissões,
escamoteamento de pesos e medidas da produção, etc. Cumpre destacar que
a tática tinha como objetivo fixar a mão-de-obra livre nas fazendas para que
esta, de tão livre, não fosse procurar sustento com outro empregador, deixando
para traz os dividendos adquiridos com grande proprietário que o importou.
Essa estrutura impôs ao colono um regime de trabalho altamente
espoliador, na medida em que o seu produto deveria ser na pior das hipóteses,
suficiente para saldar a cadeia de endividamento que esta mão-de-obra estava
envolvida. Por isso intensifica-se o trabalho para se extrair o máximo de valor
além daquele referente ao seu próprio custo.
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44
Com o passar dos anos, o Estado passou a custear integralmente os
gastos referentes à importação de mão-de-obra. A partir desse momento, a
classe ruralista não mais precisaria imobilizar os trabalhadores em torno das
dívidas “contraídas” como forma de garantir a regularidade da força de
trabalho, passando a estabelecer mecanismos politicamente mais eficientes e
economicamente mais viáveis para subjugar os trabalhadores, apoiados no
manejo estratégico do exército de reserva em expansão.
O processo de inserção do trabalho imigrante no campo também não se
deu de maneira uniforme. Imigrantes de diferentes nacionalidades tiveram
trajetórias distintas em contato com a sociedade brasileira, mediadas pelas
características sociais e culturais de cada grupo bem como da região de
destino.
A superexploração do trabalho esteve exemplarmente presente no
processo de constituição do mercado de trabalho livre no Brasil, sendo a
abundância de mão-de-obra um dos fatores responsáveis pela regulação do
preço a ser pago na compra desta força de trabalho. Foi próximo à abolição da
escravidão que os movimentos migratórios estrangeiros assumiram caráter de
massa, deixando de ser firmado na forma de vínculos pessoais e específicos
entre o fazendeiro e as famílias. Agora, a importação passa a se processar de
maneira generalizada, disponibilizando para as grandes lavouras mão-de-obra
livre a negociar a venda da sua força produtiva àqueles dispostos a pagar.
A atuação jurídica estatal foi intensa, principalmente no subsídio ao
custo do translado dos colonos, liberando os fazendeiros em parcela significa
dos gastos referentes à aquisição dessa força de trabalho. A imigração deixa
de ter um caráter individualizado e esporádico entre este ou aquele fazendeiro
para assumir uma dimensão de política estatal de constituição de mercado de
trabalho no Brasil, restando aos grandes produtores o manejo estratégico do
crescente exército de reserva. Estruturam-se formas politicamente mais
eficientes e economicamente mais rentáveis de se explorar o trabalho
assalariado.
A exploração desmedida foi marca característica também no trabalho
estrangeiro. A abundância de mão-de-obra possibilitou a deterioração dos
salários, além do desenvolvimento de um conjunto de práticas espoliativas que
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45
tornavam ainda mais precário o trabalho do colonato. Aplicação de multas,
taxas, juros, espancamentos públicos, alteração dos pesos e medidas, confisco
de salários, dentre outras.
Nesse sentido, a partir do delineamento das relações de trabalho
desenvolvidas historicamente na agricultura brasileira, o presente trabalho
parte para a análise do processo de gênese e desenvolvimento do Direito do
Trabalho no Brasil, abordando elementos fundamentais para o entendimento
do cenário de violação continuada dos direitos e garantias dos trabalhadores
rurais, como: a conjuntura socioeconômica em que estava inserido no
momento da sua formação; em que consistia seu discurso protetivo; o papel
específico cumprido e a dimensão dos seus instrumentos normativos e
principiológicos gerais e típicos do trabalho rural; e principalmente, como os/as
trabalhadores/as rurais se inseriram [ou não] nesse novo projeto nacional que
tinha no reconhecimento da “questão social do trabalho” a sua pedra de toque.
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46
2. “O TRAQUEJO DA LEI E DO DIREITO18”: A REGULAÇÃO PÚBLICA DO
TRABALHO RURAL
Como foi exposto no capítulo anterior, o desenvolvimento do capitalismo
na agricultura brasileira forjou formas específicas de exploração da mão-deobra rural. Da unidade produtiva açucareira colonial ao avanço do modelo do
agronegócio, o trabalho no campo foi objeto de intensa regulamentação
jurídica, tendo as relações entre assalariados e proprietários, assumido
diversos conteúdos legais no decorrer da história. O movimento de
normatização ocupou papel singular na manutenção e reprodução da
espoliação do/a trabalhador/a rurícola. Entretanto, antes de se analisar os
conteúdos históricos dessa regulação pública, suas interfaces no processo de
constituição do Direito do Trabalho no Brasil e a abrangência protetiva dos
seus institutos em relação ao trabalho rural, faz-se necessário delimitar a
compreensão da regulamentação jurídica enquanto categoria propriamente
dita.
O fenômeno jurídico da regulamentação assume ao longo da história
diversos conteúdos, sendo construído a partir dos imperativos específicos de
cada momento histórico em que se encontra inserido.
Cumpre agora
problematizar por que determinado interesse de classe passa a ser tutelado
especificamente sob a forma do direito, constituindo a regulamentação jurídica
como tal (NAVES, 2008: 45).
2.1.
A REGULAÇÃO JURÍDICA COMO CATEGORIA HISTÓRICA
O
alicerce
metodológico
para
compreensão
do
fenômeno
da
regulamentação jurídica está no reconhecimento do caráter estruturalmente
desigual da sociedade de classes, que contrapõe uma pequena parcela de
proprietários dos meios necessários à produção da riqueza material contra a
maioria dos trabalhadores, que têm na venda da força de trabalho sua única
fonte de subsistência. Assim, o Estado surge como produto e manifestação do
antagonismo inconciliável dessas classes (LENIN, 2007: 24). Nas palavras de
Engels (1884: 61),
18
Trecho da música “Desafio do Bóia-Fria” do compositor baiano Tom Zé.
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47
O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à
sociedade de fora para dentro; tampouco é "a realidade da idéia
moral", nem "a imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel. É
antes um produto da sociedade, quando esta chega a um
determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa
sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria
e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue
conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com
interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam
a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado
aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o
choque e a mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Este poder,
nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada
vez mais, é o Estado.
Nesta linha, Engels destaca que o Estado surge da necessidade
imperiosa de se conter [na medida do possível] os interesses antagônicos das
classes sociais em disputa, passando a se apresentar como instrumento da
fração economicamente dominante. É através desse intermédio institucional
que se dá a conversão do domínio já existente no plano econômico em domínio
político de classe.
Assim, o Estado antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de
escravos para manter os escravos subjugados; o Estado feudal foi o
órgão de que se valeu a nobreza para manter a sujeição dos servos e
camponeses dependentes; e o moderno Estado representativo é o
instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho
assalariado (Idem, 62).
Para MÉSZÁROS (2010: 25), o Estado moderno, caracterizado pela
“separação de poderes” em um “sistema político democrático”, com sua infinita
multiplicação de regras e componentes institucionais, desempenha um papel
dúplice, objetivando (i) manter sob firme controle o comportamento real ou
potencialmente desafiador das forças do trabalho, ao mesmo tempo em que
tenta (ii) conciliar de alguma forma os interesses distintos da pluralidade de
capitais, que conforma a totalidade do capital social, se afirmando como
entidade global.
O Estado moderno construído como duro golpe ao
Absolutismo e reflexo das necessidades de reprodução ampliada da burguesia
européia, traz como estandartes a defesa fatal da vida, da liberdade e da
propriedade privada, sendo o Direito, nos domínios da lei, espaço racional e
neutro, o principal instrumento de proteção desses “bens jurídicos” essenciais.
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48
É nesse sentido que PACHUKANIS (1988: 210) defende que a
concepção de direito deve contemplar não apenas o exame do conteúdo
material da regulamentação jurídica nas diferentes épocas históricas, mas
também examinar dialeticamente a “regulação” como forma social determinada,
guardando na realidade concreta os elementos fundamentais ao seu
entendimento. “Da mesma forma que a sociedade capitalista se apresenta
como uma ‘imensa acumulação de mercadorias’, ela também constitui uma
cadeia ininterrupta de relações jurídicas” (NAVES, 2008: 55). A ordem
capitalista se processa fundamentalmente no mundo jurídico, onde o direito
aparece como intermediador necessário às relações sociais de produção que
lhe são características.
O
processo
de
produção
social
do
direito
acompanhou
o
desenvolvimento histórico da propriedade privada desde as civilizações antigas
até a consolidação do Estado moderno. Entretanto, foi na sociedade burguesa
que a forma jurídica encontrou espaço fértil para consolidação de sua acepção
mais desenvolvida19.
Diferentemente das formações sociais pré-capitalistas, onde o direito
manifestava-se em meio às diversas formas de representação do real, é com a
consolidação do Estado moderno que a utilização da forma jurídica atinge
globalmente a sociedade, com a reprodução crescente de seus complexos
institutos e de suas formulações específicas. A concepção burguesa que reduz
o direito à vontade geral serve tanto para retratar a propriedade privada como
decorrência da vontade particular dos indivíduos como para justificar o
desenvolvimento pleno destes sujeitos num ambiente máximo de liberdade e
igualdade representado pelo mercado.
São nas relações de propriedade, nos processos de troca viabilizados na
esfera da circulação20 que se dá a criação de uma subjetividade jurídica
baseada na igualdade formal, como reflexo do seu próprio movimento (Idem,
19
No sentido de desenvolvimento global de suas formulações, universalizando o fenômeno
jurídico como mediação hegemônica das relações travadas entre os sujeitos sociais. Isso não
quer dizer que todas as relações precisem necessariamente passar pelo filtro legal para se
desenvolverem.
20
Cumpre destacar que para Marx, não existe esfera de circulação em si, que se desenvolve
de forma independente, sendo esta determinada por um padrão de produção específico.
Assim, é do modo de produção capitalista que se devem retirar os elementos para
compreensão dos processos decorrentes da circulação das mercadorias (MARX, 1983).
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49
54). Daí o caráter derivado da forma jurídica, adquirindo o direito significação
real quando corresponde à determinada relação social no plano concreto. Não
é a norma que prevalece sobre a relação, mas a relação de impulsiona a
criação da norma.
Assim falam Marx e Engels (1991), ao explicar que a jurisdição burguesa
reconhece como espontâneo o fato dos indivíduos estabelecerem relações
[gerais] entre si, sendo o contrato sua maior síntese. Propagam os juristas
burgueses que o conteúdo dessas relações reside única e exclusivamente no
arbítrio individual dos sujeitos e que estaria na vontade atomizada o elemento
fundamental à confirmação ou não dessas relações. Essa vontade só pode ser
manifestada plenamente por sujeitos livres, mediados por uma condição de
equivalência geral necessária à realização das trocas.
As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar.
Devemos, portanto, voltar a vista para seus guardiões, os
possuidores de mercadorias. As mercadorias são coisas e,
conseqüentemente, não opõem resistência ao homem. Se elas não
se submetem a ele de boa vontade, ele pode usar a violência, em
outras palavras, tomá-las. Para que essas coisas se refiram umas às
outras como coisas, é necessário que seus guardiões se relacionem
entre si como pessoas, cujas vontades reside nessas coisas, de tal
modo, que um somente de acordo com a vontade do outro, portanto,
cada um apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se
aproprie da mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem,
portanto, reconhecer-se reciprocamente como proprietários privados
(MARX, 1983: 79).
Para Marx, sem essa subjetividade jurídica que permite o intercambio
entre vontades livres, não seria possível se dar a circulação de mercadorias,
muito menos a compra e venda da força de trabalho. Desta maneira, se é na
troca que o indivíduo constitui sua liberdade plena, pode-se aferir que com a
ampliação da esfera da comercialização, “mais livre então ele pode ser, de tal
modo que a expressão a mais ‘acabada’, a mais completa, a mais absoluta de
sua liberdade, é a liberdade de disposição de si mesmo como mercadoria”
(NAVES, 2008: 67).
É na troca de si mesmo que a liberdade plena do homem aparece para a
sociedade em geral, restando para o direito “apenas” regular aquilo que já está
dado e legitimado como a maior manifestação da liberdade humana. E é na
sociabilidade burguesa que isso é levado ao extremo.
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50
Dentro dessa perspectiva, o direito, mas especificamente a lei, no
interior do modo de produção capitalista, assume uma dimensão de predomínio
[aparente, mas concreto] sobre as relações sociais e tem no Estado seu
intermediador hegemônico21. O positivismo fundamenta a práxis jurídica do
Estado, ao demarcar a lei como elemento central de definição das condições e
das orientações específicas de uma sociedade. O Direito passa a se exprimir
como norma abstrata sustentada pelo monopólio da força estatal, tendo na
estrutura ideal do dever-ser22 sua categoria teórica mais importante.
Dois pressupostos fundamentais da concepção burguesa auxiliam na
compreensão da função do direito na estrutura social. O primeiro é que o
presente real é produto da racionalidade humana e que as manifestações de
injustiças são eventuais acidentes no processo de consolidação da espécie. Já
o segundo afirma que as regras jurídicas, se respeitadas por todos, seriam
suficientes para realizar a sociedade justa (GENRO, 1988: 22).
Numa posição alienante,
O positivismo – sobretudo no ensino superior jurídico – conduziu a
um certo ‘fetichismo’ da lei e a uma atitude que, sob o pretexto da
neutralidade científica, conduzia freqüentemente à aceitação da
ordem em vigor, contanto que essa ordem seja ‘corretamente’
estabelecida, quer dizer, de acordo com os processos legais em vigor
(MIAILLE, 2008).
Tal afirmação não coloca a norma jurídica como filtro indispensável ao
desenvolvimento da totalidade das relações entre os sujeitos, existindo
formações e práticas sociais que não precisam necessariamente passar pela
chancela do Estado através de instrumentos jurídicos determinados [pelo
menos no plano imediato]. Esse cenário social marcado pela diversidade de
grupos e de formas de organizar a vida comporia aquilo que a pósmodernidade intitula de pluralidade de ordens jurídicas.
21
Hegemonia em Gramsci.
“Kelsen, maior expoente da teoria positivista jurídica, “separa fundamentalmente o dever-ser
do ser. Evidentemente, essa postura não é aceita pela perspectiva marxista, porque o ser e o
dever-ser se compõem numa relação dialética. (...) Na visão kelseniana, portanto na linha
neokantiana, se faz diferença profunda e séria entre ser e dever-ser: o ser determina o deverser , isto é, ele é condição para o dever-ser. Ou seja, Kelsen aceita que a sociedade deve
existir necessariamente para que exista o Direito, para que exista o dever-ser, a norma; mas o
dever-ser não tem por fundamento o ser, ou seja, a relação social, a sociedade, e sim tem por
fundamento um outro dever-ser, e este outro tem por fundamento um outro mais, até um deverser fundamental, que ele chama de norma fundamental” (ALVES, 2003).
22
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51
Segundo Souza Santos (2000), propondo uma melhor compreensão
acerca do relacionamento entre direito, poder e conhecimento, propaga a
relativa separação entre o primeiro e o Estado, articulando, numa perspectiva
foucaultiana, o fenômeno do direito com o poder social. Esse seria exercido
não de forma exclusiva pela via institucional, mas sim de maneira estratificada
e horizontal entre a diversidade de sujeitos componentes da sociedade civil.
Afirma que o reconhecimento dessa pluralidade é o resultado mais importante
de suas críticas, “quer ao paradigma positivista moderno do direito e do poder,
centrado no Estado, quer ao paradigma positivista do conhecimento, centrado
na ciência” (SANTOS, 2000: 261).
O fato é que o problema não está exclusivamente na [possível] falta de
reconhecimento dessa pluralidade, mas sim, na incompreensão dos elementos
estruturantes que envolvem essa “convivência” de ordenações jurídicas. O
caráter monopolista do capital, impõe como modo de reprodução ampliada, a
apropriação de todos os setores da vida social através (i) da incorporação
dessas formas alternativas de organização no seu padrão produtivo e/ou (ii) da
destruição dessas formas alternativas. Daí sua tendência universalizante.
Os impactos dessa saga monopolista podem ser verificados na
atualidade através da intensificação dos conflitos fundiários envolvendo o
Estado (exercendo a práxis jurídica como forma de legitimação), a burguesia
nacional e o capital financeiro internacional (que aglutinam os interesses do
capital em expansão centrado na produção monopolista e latifundiária) na
apropriação
dos
territórios
das
comunidades
tradicionais
sejam
elas
indígenas23, quilombolas24 ou fundos e feches de pasto25.
23
O rio São Francisco é o 3º maior do país, com cerca de 3 mil quilômetros de extensão, onde
estão distribuídos 32 povos, em 38 territórios tradicionais, aglutinando 14 milhões de pessoas,
dentre elas cerca de 70 mil indígenas. O projeto de transposição das águas do rio São
Francisco, cujo objetivo principal é a viabilização dos projetos de irrigação para o agronegócio,
representa forte ameaça à manutenção dos modos de vida dessas comunidades. Ver:
(RELATÓRIO, 2010.)
24
Na Reserva Extrativista da Baía do Iguape, recôncavo baiano, o projeto de implementação
do Pólo Industrial Naval (levado a cabo pela tríade Governo do Estado, empreiteiras e grupos
econômicos) atingirá mais de trinta comunidades quilombolas, cerca de vinte mil pessoas,
marisqueiras e pescadores artesanais que terão seus territórios, espaços de reprodução física
e cultural, ameaçados pela especulação imobiliária e pelos projetos do nacional
desenvolvimentismo. Ver: (MANIFESTO, 2009).
25
Sobre o processo de resistência das comunidades de fundo de pasto “Riacho Grande” contra
a grilagem de terras e os grandes projetos agropecuários. Ver: (SIQUEIRA, 2011).
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52
O que Souza Santos não se atenta é que a articulação das formas
específicas de direito em “constelações de juridicidade”, como idilicamente
proclama, só é possível na medida em que essas formações não representem
possibilidades de rupturas à ordem política e ideológica imposta pelo capital, e
quando sua mera existência oferecer limites à sua reprodução econômica
ampliada, essas serão atacadas tanto pela via institucional (que de alguma
maneira as reconhecem e discursivamente afirma protegê-las) como pela
iniciativa privada. A realidade está cheia de exemplo, vide a história de
Canudos, confrontando sertanejos e as forças armadas nacionais. Ao mesmo
tempo em que o Arraial de Belo Monte representava concretamente outra
possibilidade de vida, forjando novas práticas, valores e pactos sociais entre os
sertanejos, também representava a ruptura de um domínio político regional e
até nacional, indo na contramão dos interesses das oligarquias agrárias.
Antonio Conselheiro e seus adeptos foram combatidos e
praticamente exterminados pelo Exército em 1896-1897, com base na
acusação de que eram monarquistas (...). A Guerra de Canudos
constituiu-se, portanto, num desdobramento das disputas entre os
coronéis sertanejos ou entre estes e o governo. A necessidade de
derrota dos habitantes de Canudos passou a representar peça
importante na disputa pelo poder federal entre militares e civis ligados
aos interesses do café (MARTINS, 1981: 54).
É nesse sentido que para MÉSZÁROS (2010: 25-39) o capital
representa a relação social extra-parlamentar por excelência e que ao mesmo
tempo domina o parlamento [compreendido como Estado], sendo suas
instituições, num plano mediato, instrumentos de auto-interesse da acumulação
capitalista.
Contudo, o fenômeno do Direito não pode ser simploriamente reduzido
nem à instância econômica nem ao voluntarismo unilateral da classe
dominante. A formação social não se [re] produz através de um sujeito central
exclusivo, constitui-se numa unidade complexa, pois, articula “um conjunto de
estruturas próprias, com eficácias específicas, com predomínio em última
instância do aspecto econômico” (POULANTZAS, 1967: 4). Assim, para o
teórico marxista, as unidades superestruturais (formas de representação do
real que se fundam na relação dialética com a base material de produção,
citando-se o próprio Direito) não são simples produtos da esfera econômica,
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53
guardam entre si especificidades que lhe são características, constitutivas, com
objetos e pressupostos específicos.
Nesse sentido, dentro da realidade social, o Estado se manifesta
concretamente a partir da correlação de forças entre as classes sociais em
disputa. O sistema jurídico se estabelece em função do grau de pressão dos
setores organizados no intuito de imprimir positivamente suas pautas
estratégicas nas ordenações vigentes. Assim, assume um caráter mais ou
menos progressista ou conservador a depender da capacidade de intervenção
das forças sociais mobilizadas. A norma como síntese dos movimentos reais
da história. Só a título de exemplo, a Constituição de 1988, considerada a carta
constitucional mais progressista da história Brasileira foi possível, muito em
função da conjuntura da época, onde as forças sociais encontravam-se
mobilizadas, nas ruas, na luta pela garantia dos seus direitos.
Enquanto, no período de janeiro a agosto de 1988, se registraram,
segundo o DIEESE, 292 paralisações no Brasil, no mesmo período
de 1989, o número de ocorrências ascendeu a 1.346, isto é,
multiplicou-se por 4,6 a freqüência do ano anterior (PICHLER, 1990:
178).
E nesse movimento, o Direito do Trabalho apresenta-se como campo
característico. “A sua história é a história da luta de classes na formação,
desenvolvimento e maturação do capitalismo” (GENRO, 1994: 27). Ao mesmo
tempo em que representa o aprisionamento do trabalho humano através do
reconhecimento jurídico do seu caráter de mercadoria passível de compra e
venda, materializa conquistas históricas dos/as trabalhadores/as organizados
na resistência e no combate às contradições do sistema.
No Brasil, as leis do trabalho sempre estiveram presentes, desde a
colonização, mas é em meados do século XIX, período de transição do
trabalho escravo para o trabalho livre, que a legislação assume uma dimensão
estratégica na reprodução e aprofundamento das relações capitalistas no país.
Eis o novo desafio.
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54
2.2.
A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA RURAL NO PERÍODO PRÉ-VARGAS
Como foi problematizado no primeiro capítulo, a transição do escravismo
para o trabalho livre no Brasil foi caracterizada pela forte interferência estatal,
principalmente no que diz respeito à intensificação da normativização das
relações de trabalho. Viu-se que as elites agrárias, majoritariamente as do
sudeste cafeeiro, acreditavam que o processo de substituição da força de
trabalho cativo dependia de um conjunto planejado de ações institucionais, com
vista a consolidar o assalariamento, sem, no entanto, prejudicar os interesses
políticos e econômicos secularmente preservados. Nessa perspectiva, o
presente trabalho parte para o delineamento de um breve panorama de como o
trabalho assalariado rural foi regulado nesse período anterior ao processo de
constituição do Direito do Trabalho brasileiro, abrangendo meados do século
XIX até a ascensão varguista em 1930, destacando (i) os aspectos da
conjuntura histórica, (ii) a capacidade regulatória das leis do trabalho rural
frente as novas necessidades do capital em expansão no país e (iii) suas
interfaces com as formas de exploração da mão-de-obra assalariada no meio
rural.
2.2.1. LEIS DE 1830, 1837, 1879: O CONTRATO COMO EXPRESSÃO DO
TRABALHO LIVRE
Até meados do século XIX, a legislação referente ao trabalho rural, mais
especificamente ao livre assalariado, teve uma abrangência muito pequena no
que diz respeito à interferência nas formas de acesso e exploração da mão-deobra agrícola. A atividade normativa sobre tais relações ocupou um papel
residual perante a forma hegemônica de trabalho expropriado centrado nas
relações de escravidão. É com a crise do escravismo que a regulação pública
assume uma maior dimensão no cenário das relações capital-trabalho na
agricultura nacional. A expansão da produção cafeeira paulistana (pólo mais
dimanizado
do
capital
nacional)
logo
veio
encontrar
seu
limite
na
disponibilidade de grande contingente de força de trabalho, já que o acesso
irrestrito a esta representava o mote para sua reprodução ampliada. Duas
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foram as principais alternativas encontradas para o atendimento dessa
carência. Uma estava focada nos deslocamentos internos de mão-de-obra.
Uma possibilidade existente para solucionar essa restrição era a
mobilização de população da Região Nordeste para o estado de São
Paulo. Afinal, o Censo Demográfico de 1872 informava que a Região
Nordeste respondia por quase 50% da população brasileira. A grande
disponibilidade de força de trabalho livre estava ali localizada.
Ademais, grande parte dessa população encontrava-se ainda, em sua
maioria, vinculada à propriedade latifundiária em decadência do
período açucareiro (DEDDECA, 2005: 96).
A outra alternativa contou com maior dedicação do Estado. A política de
mobilização de mão-de-obra estrangeira através das ações de incentivo à
imigração de famílias de colonos teve grande dimensão no final do século XIX.
Italianos, espanhóis, portugueses chineses, dentre outros, aportaram às levas
no Brasil, com a promessa de tornarem-se pequenos proprietários ao custo de
muito trabalho.
Os primeiros imigrantes trazidos por empresas importadoras, em
geral, eram obrigados a assinar contratos de parceria com o
importador para trabalhar nas lavouras de café do Estado de São
Paulo. O contratante adiantava as despesas de transporte da Europa
às colônias e o necessário à subsistência inicial. Nas colônias, o
imigrante recebia determinado número de pés de café para cultivar.
Tinha direito à meação no resultado da venda. As dívidas contraídas
na imigração eram pagas com juros de 6% ao ano, não podendo o
colono deixar de cumprir o contrato antes de saldá-las integralmente,
além de comunicar o contratante com seis meses de antecedência
(MACHADO, 2003: 155).
O processo imigratório brasileiro, sustentado pelo sistema de parceria,
ampliou o assalariamento antes reduzido às atividades complementares à
grande produção agrícola. Colocou para o proprietário uma nova experiência
de relação com a mão-de-obra, mediada não mais pelo direito de propriedade
absoluto ou pelas complexas relações de apadrinhamento, mas por um
contrato escrito de comum acordo entre as partes envolvidas e submetido às
formalidades legais do país (LAMOUNIER, 1986: 25).
É nesse cenário de início das relações entre estrangeiros e proprietários
que a Lei de 13 de Setembro de 1830 é editada. Contando com somente oito
artigos, a lei tinha por objeto a regulação da prestação de serviços feitos por
brasileiros ou estrangeiros dentro ou fora do Império. Duas eram suas
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preocupações principais, (i) sinalizar a formalização do contrato escrito como
instrumento da relação e (ii) garantir mecanismos coercitivos de cumprimento
das obrigações, valendo-se tanto de multas pecuniárias (BRASIL, 1830, art. 3º)
como da prisão do prestador que se ousasse a não cumprir seu dever
contratual (BRASIL, 1830, arts. 4º, 5º, 6º).
A Lei de 1830 vigeu somente por sete anos, pois o Decreto n. 108 de 11
de outubro de 1837 cuidou da sua revogação. Contando com dezessete
artigos, nove a mais do que a antecessora, a nova lei tratou de regular a
locação de serviços da força de trabalho estrangeira, instituindo o contrato
escrito como componente obrigatório à regularidade da relação (BRASIL, 1837,
art. 1º). Outro aspecto importante foi a possibilidade de intermediação dessa
mão-de-obra imigrante pelas Sociedades de Colonização26. Tratava ainda da
regulação do trabalho dos menores estrangeiros (BRASIL, 1837, arts. 2º ao 6º),
a quem não se estipulara pena para os casos de não cumprimento dos
contratos, onde a responsabilidade recaía sobre o seu representante legal.
Intensifica o caráter disciplinar orientado à força de trabalho ao
estabelecer a pena de prisão para os casos de não cumprimento do contrato e
manutenção do cárcere até a restituição dobrada da dívida. Se caso o
trabalhador não tivesse como quitar o débito em pecúnia, os serviços seriam
realizados de “graça” até o tempo necessário à cobertura do montante devido.
Art. 9º. O locador [colono], que, sem justa causa, se despedir, ou se
ausentar antes de completar o tempo do contrato, será preso onde
quer que for achado, e não será solto em quando não pagar em
dobro tudo quanto dever ao locatário [proprietário], com abatimento
das soldas vencidas; se não tiver como pagar, servirá ao locatário de
graça todo o tempo que faltar para o complemento do contrato. Se
tornar a ausentar-se será preso e condenado na conformidade do
artigo antecedente (BRASIL, 1837).
Um aspecto interessante é a previsão do instituto da rescisão contratual
por justa causa cometida pelo proprietário-locatário da mão-de-obra, nos casos
de não cumprimento das condições do contrato, agressões, insultos ou mesmo
exigência de serviços não pactuados entre as partes podia o trabalhador26
Sociedade de proprietários agrícolas destinadas à importação de mão-de-obra estrangeira.
Sobre o tema (LAMOUNIER, 1986); (MARTINS, 1973)
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locador declará-lo extinto. Por fim estabelece as regras para processamento
dos litígios oriundos da Lei de Locação de Serviços (BRASIL, 1837, arts. 14,15
e 16), estabelecendo o foro do locatário como o competente para as
demandas.
Sobre a Lei n. 108 de 1837, resta destacar ainda seu caráter
“protecionista”, tendo em vista o amplo rol de garantias concedidas ao
locatário-proprietário, com o intuito de se prevenir o retorno do investimento
feito com a viabilização da vinda dos trabalhadores estrangeiros. A repressão e
a coerção apareciam como instrumentos de aprisionamento da força de
trabalho livre, forma de se garantir o retorno econômico.
No sistema de parceria, cada família de colonos estrangeiros ficava
responsável por uma quantidade determinada de pés de café, devendo tratálos, cultivá-los, beneficiá-los e colhê-los. Após a venda, o fazendeiro deveria
pagar ao colono metade do valor líquido da produção. Assim, o regime de
parceria foi a forma encontrada pelas elites agrárias para regular a organização
do trabalho dos imigrantes, garantindo estabilidade e continuidade da oferta de
mão-de-obra estrangeira, justamente por fixá-la na própria fazenda, sob o
controle direito do proprietário.
Com o passar dos anos, a legislação foi mostrando sua debilidade em
regular os conflitos, pois, num cenário econômico de intensa concorrência, a
maximização da exploração da força de trabalho surgia como única variável
possível de ampliação da lucratividade, tornando as violações contratuais
regras do cotidiano dos trabalhadores livres assalariados.
A resistência vinha das paralisações, piquetes, organização coletiva dos
trabalhadores, brigas. As conseqüências mais expressivas se deram no plano
da produtividade, repercutindo diretamente na queda dos rendimentos gerais
da produção agrícola. Por isso as greves eram tão temidas e reprimidas pelos
latifundiários. Os fazendeiros pressionavam por um corpo de leis que
garantisse o retorno dos investimentos feitos com a mão-de-obra. Daí a
preocupação com o aspecto formal da relação trabalhista, em se ter garantias
jurídicas tanto de que o contrato seria cumprido como da previsão de
restituição dos investimentos nos casos de inadimplemento contratual.
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Após dez anos de longos debates, foi enfim editado o Decreto n. 2.820
de 22 de março de 1879, com seus oitenta e seis artigos, regulamentando os
contratos de locação de serviços efetivados na agricultura, abrangendo
trabalhadores nacionais, libertos e estrangeiros. A Lei Sinimbu, como ficou
conhecida, foi o primeiro instrumento normativo destinado a regular
amplamente a organização social do trabalho no campo, constituindo-se numa
peça legal extremamente complexa. Cuidava principalmente das garantias
necessárias ao perfazimento dos contratos de trabalho, prevendo com
”acuidade as faltas e negligências dos contratantes e dispunha detalhadamente
do processo e das penalidades competentes” (LAMOUNIER, 1986: 102). Uma
das
novidades
eram
as
disposições
anti-greves,
estabelecendo
o
processamento individual dos trabalhadores envolvidos para aferição de sua
pena. Os contratos de locação de serviços e de parceria podiam ser feitos por
nacionais, libertos e estrangeiros, tendo por forma necessária a escritura
pública, devidamente registrada na Câmara Municipal. Tinham em média
duração de seis anos para os nacionais, cinco para estrangeiros e sete para os
libertos (MACHADO, 2003: 156). Em relação à pena de prisão, era aplicável
nos casos de afastamento sem justo motivo, ou se permanecendo na fazenda
se recusasse a trabalhar.
A Lei de 1879 expressou o esforço institucional em assegurar aos
fazendeiros
o
rígido
controle
sobre
a
mão-de-obra
assalariada,
operacionalizada através de complexas relações obrigacionais.
Nesse movimento, a legislação do trabalho assalariado teve na
formação do contrato individual de trabalho seu elemento central, mediando a
relação
contraditória
entre
a
libertação
histórica
dos
trabalhadores
escravizados com o aprisionamento e disciplinamento da força de trabalho livre
através de manobras legislativas e contratuais.
Segundo LAMOUNIER (1986), as condições diversas com que a lei
tratava os trabalhadores nacionais e estrangeiros já revelavam os interesses
específicos e os tipos de relações privilegiadas.
E são as garantias dos fazendeiros para o cumprimento dos contratos
aquelas que compõem a fisionomia mais marcante da lei, no eu diz
respeito aos estrangeiros. E isto bem o atestam, a minuciosidade dos
capítulos sobre a matéria penal e o processo, o agravamento das
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penalidades e os artigos anti-greves. Nesse sentido, a lei
providenciava principalmente para que houvesse ordem e
regularidade nos serviços contratados, assegurando a manutenção
de um nível razoável de produtividade e a recuperação em tempo
previsto dos investimentos feitos (Idem, 111).
Melhorias também foram conquistadas em relação à Lei de 1837, fruto
das intensas rebeliões que assolaram o período pré 1879. A proibição de
transferências sem o consentimento do colono; a não incidência de juros sobre
a dívida inicial do locador de serviços [trabalhador]; a permissão para o
rompimento do contrato no primeiro mês no Império; a permissão para o
casamento fora da área da fazenda, inúmeras garantias foram reconhecidas no
interior do ordenamento jurídico nacional, servindo de base para os diversos
institutos que mais tarde se incorporariam no Direito do Trabalho.
2.3.
GÊNESE DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL
O Direito do Trabalho é fruto das relações sociais oriundas da luta dos
trabalhadores organizados contra a expropriação do capital, trazendo como
fontes materiais de sua produção diversas experiências históricas que
acumularam vitórias da classe trabalhadora no estabelecimento de limites a
esta exploração. “As insurreições proletárias de Paris, em 1848; a Comuna de
Paris, em 1871; as lutas sociais na Espanha, em 1889; a Revolução Mexicana
de 1912 que inspirou a constituição de 1917; a Revolução Russa de 1917”
(BIAVASCHI, 2007: 110), foram algumas dessas.
As mudanças estruturais no sistema de reprodução do capitalismo, com
o advento da Revolução Industrial, trouxeram à tona novos conflitos, além de
potencializar os já existentes.
Muitas vezes a história do Direito do Trabalho no Brasil é comumente
retratada como obra exclusiva do voluntarismo dos governantes e/ou de forma
linear/cronológica, sem articular a diversidade de fatores que o compõem.
Nesse sentido, a retomada de alguns aspectos relevantes sobre a formação do
mercado de trabalho nacional e o próprio desenvolvimento das relações de
assalariamento no país é indispensável à compreensão aprofundada sobre o
surgimento da legislação trabalhista brasileira.
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A história da regulação do trabalho anterior ao trabalho livre assalariado
encontra pouquíssimas páginas na historiografia oficial. “Esse silêncio do
direito do trabalho na verdade é eloqüente. (...) revela que não tivemos grandes
rupturas na regulamentação do trabalho, senão renovados processos de
recomposição no modo de produção” (MACHADO, 2003: 152). A abordagem
histórica das permanências e mutações sofridas no trabalho rural e na sua
regulação jurídica permite melhor compreender a situação atual de exploração
da mão-de-obra campesina e seu cenário continuado de expropriação de
direitos.
Primeiramente, como já fora explicitado, a Lei de Terras (1850) cumpriu
papel singular para viabilização das relações de assalariamento no Brasil ao
regulamentar os mecanismos de acesso à propriedade da terra. Essa forma
particular de estabelecimento da propriedade privada, forjada no período de
passagem para o trabalho livre, garantiu estrategicamente a cisão entre
trabalhadores e os meios produtivos, liberando a força de trabalho para se
submeter ao latifúndio como quase única forma de subsistência. Como garantir
mão-de-obra suficiente para atender as demandas colocadas pelo capital
expansionista se o trabalhador poderia prover autonomamente seu sustento e
o de sua família através do uso livre da terra? Libertam-se os trabalhadores, na
medida em que se aprisiona a terra.
Outra instrumento legal importante que interferiu no cenário de formação
do Direito do Trabalho brasileiro foi a de Locação de Serviços (BRASIL, 1879).
A lei reconhecia o caráter privado das relações de trabalho, concedendo a
autonomia aos proprietários para estabelecerem e extinguirem unilateralmente
o contrato.
Era a manifestação jurídico-normativa do poderio econômico,
expressada em caráter de norma pública, concedendo à classe de proprietários
amplo domínio sobre as disposições contratuais. Influência liberal claramente
percebida nos projetos de Moraes e Barros (1895 e 1899), ao declararem:
Nas sociedades civilizadas a atividade humana se exerce em quase
todas as formas sob o regime do contrato. Intervir o Estado na
formação dos contratos é restringir a liberdade e a atividade individual
nas suas elevadas e constantes manifestações, é limitar o livre
exercício das profissões, garantidas em toda sua plenitude pelo art.
73, § 24 da Constituição (SÜSSEKIND, 2005: 49).
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É no movimento real estabelecido entre capital e trabalho que a síntese
jurídica expressa os desejos das classes sociais em disputa. Assim, fruto de
conflitos constantes, os trabalhadores conseguem pautar suas bandeiras e
verem impressas no ordenamento garantias a muito pleiteadas. Em 5 de
janeiro de 1904, é editado o Decreto n. 1.150, regulando o pagamento
proveniente de dívidas salariais do trabalhador rural. No dia 20 de janeiro de
1907, o Decreto n. 6.532, regulamentando a Lei. 979 de 1903 autorizou o
funcionamento dos sindicatos rurais, sendo a primeira lei a tratar da
sindicalização no país27. O Código Civil de 1916, em sue capítulo IV, seção II,
arts. 1216-1236 regulava de modo geral a locação de serviços, abarcando os
serviços agrícolas, restringindo-se ainda à forma contratual, sem avançar no
conteúdo das relações trabalhistas.
Art. 1.222. No contrato de locação de serviços agrícolas, não
havendo prazo estipulado, presume-se o de um ano agrário, que
termina com a colheita ou safra da principal cultura pelo locatário
explorada (BRASIL, 1916).
Esse fora o palco das relações trabalhistas até a ascensão de Getúlio
Vargas com a “Revolução” de 30 e do projeto de nação por ele representado.
Esse período que abarca os anos de 1930 a 1943 foi cenário de intensas
transformações ocorridas no interior da sociedade brasileira. O processo de
industrialização-urbanização do país, inserido num contexto de ampliação tanto
da acumulação interna de capitais através da dinamização da economia
cafeeira como da expansão da circulação dessas divisas em escala global,
repercutiu diretamente nas formas e nos conteúdos das regras sociais de
proteção do trabalho.
Assim, passa o presente trabalho a analisar a nova fase de
institucionalização das relações de trabalho, a partir da problematização das
especificidades da formação do marco regulatório trabalhista no período da
“Era Vargas”, destacando em que medida se deu a inserção do trabalhador
27
Interessante destacar o art. 8º do referido decreto, já demonstrando sinais do que viria a ser
o sindicalismo brasileiro. “Os sindicatos que se constituírem com o espírito de harmonia entre
patrões e operários, como sejam os ligados por conselhos permanentes de conciliação e
arbitragem, destinados a dirimir as divergências e contestações entre o capital e o trabalho,
serão considerados como representantes legais da classe integral dos homens do trabalho e,
como tais, poderão ser consultados em todos os assuntos da profissão”.
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rural nesse movimento de reconhecimento social do trabalho. Para além do
estudo dos instrumentos normativos e principiológicos trabalhistas, sintetizados
pela Consolidação das Leis do Trabalho (1943), e no caso dos rurais nas leis n.
4214/1963 e n. 5889/1973, a pesquisa buscará também analisar as nuances
existentes entre o padrão de desenvolvimento nacional (ascensão do capital
urbano-industrial) e o padrão de regulação pública das relações de trabalho
(em resposta às contradições desse ultimo), como forma de perceber o espaço
ocupado pelo trabalhador rural no ordenamento jurídico trabalhista.
2.3.1. A REGULAÇÃO SOCIAL DO TRABALHO NA ERA VARGAS
Com a abolição da escravidão e a instauração da República, o
capitalismo nacional se insere numa nova fase de reprodução, centrada no
desenvolvimento gradual da indústria, a partir da intensa acumulação
proporcionada pela produção agrícola cafeeira. Ao longo da história brasileira,
as políticas institucionais estiveram em grande medida orientadas pelo pacto
oligárquico travados entre as elites rurais, que até então se diferenciavam mais
no plano horizontal que no vertical. A máquina pública foi largamente utilizada
pelas oligarquias regionais com vistas a operar a reconversão dos ganhos na
realização do valor da produção agromercantil, mediatizada pelo monopólio da
terra.
A transformação do valor de uso, na forma planta-ecologia, em valor de
troca, na forma planta-mercadoria se deu de maneira mais intensa no período
da monocultura do café, produto agrícola mais cotado no mercado
internacional. Logo essa diferenciação no interior da classe dominante passou
a se expressar também no plano vertical com a rápida expansão da economia
paulistana. Nesse sentido, a cafeicultura passa a nuclear o padrão de
acumulação agroexportador, estabelecendo em seu seio “a hegemonia da
grande burguesia agrária, em particular a grande burguesia cafeeira”
(MOREIRA, 1985: 49).
É desse processo de diferenciação expressado no plano econômico, ora
mais ora menos, que vai se delineando a fração fabril da burguesia interna, que
mais tarde viria a hegemonizar o Estado e suas políticas institucionais. Nesse
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movimento a atuação pública ocupou papel importante na conformação dessa
nova hegemonia produtiva, pois,
Na transição do antigo regime, [o Estado] conduz a instituição do
mercado de trabalho livre, na forma do regime do colonato em terras
de café, do morador em terras de açúcar e do seringueiro em terras
de extração de borracha; sufoca as rebeliões camponesas de
Canudos (1893-1897) e do Contestado (1912-1916); organiza a
sobrevida do café quando este explode em crise; coordena o
movimento de transfiguração da base econômica agromercantil para
urbano-industrial; organiza e reinventa as formas de disciplinarização
espacial da produção (Idem, 50).
Embora o capital industrial tenha se derivado do agrário, não conseguiu
controlar os mecanismos de seu movimento reprodutivo próprio, pelo menos
em sua fase inicial. Os equacionamentos da acumulação industrial advinham
das alianças articuladas com a ordem hegemônica agromercantil, necessárias
até a constituição da sua ordem de dominação específica.
Até a década de 1930, grande parte da população nacional estava na
zona rural. Em 1920, a produção agropecuária representou em termos médios
58% do Produto Interno Bruto – PIB brasileiro, contra 23% da indústria
nascente (BIAVASCHI, 2007). Nesse mesmo ano, 650 mil estabelecimentos
agrícolas ocupavam cerca de 6 milhões e 300 mil trabalhadores contra 13.400
estabelecimentos indústria que ocupavam 300 mil operários (Idem).
A crise do capitalismo de 1929 ampliou as possibilidades de
desenvolvimento da indústria no Brasil, tendo em vista o declínio do comércio
internacional e o processo decorrente de substituição das importações. Ao
longo das primeiras décadas do século XX, o operariado urbano-industrial
marcou presença com suas reivindicações político-econômicas contra o
crescente processo de pauperização vivenciado pelos trabalhdores.
Em 1903, a greve de 25 mil cocheiros, que paralisou a cidade do Rio
de Janeiro, a greve de 40 mil têxteis também em 1903; a greve dos
trabalhadores metalúrgicos da fábrica de pregos Ipiranga, em 1903
que obteve redução de jornada de trabalho de 11h30mim diárias para
9 horas; a greve dos pedreiros de São Paulo em 1907, que exigiu e
conseguiu redução da jornada para 8h de trabalho (GENRO, 1994, p.
33).
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A “questão social” elemento central da luta dos trabalhadores, antes
tratada como caso de polícia, serviu de base para implementação da legislação
protetiva do trabalho nos anos subseqüentes.
A “Revolução” de 1930, movimento político-militar que “foi algo mais que
um golpe e menos do que uma revolução” (ANTUNES, 2006: 84), representou
a ascensão política da fração industrial da classe dominante que ainda
vivenciava seu momento de formação/ampliação. Para o projeto urbanoindustrial em expansão, promover a regulamentação dos fatores de produção,
principalmente os relacionados à organização do trabalho, mostrava-se
indispensável para a manutenção da ordem social, constantemente abalada
pelas manifestações grevistas (multiplicadas ao longo das primeiras décadas
do século XX) em função de melhores condições de trabalho. A luta políticoeconômica dos/as trabalhadores/as impulsionava a necessidade de uma
resposta mais efetiva por parte do Estado sobre as conseqüências sociais da
exploração desmedida da força de trabalho, redimensionando o tratamento
dispensado à questão social (PARANHOS, 1999).
É sobre esse pano de fundo, marcado pela luta de classes entre as
múltiplas forças do trabalho e o capital expansionista, que se deve discutir o
processo de criação da legislação social no período das décadas de 1930 e
1940. O advento das leis protetivas do trabalho não pode ser reduzido ao
simples “utilitarismo” burguês, sem considerar os movimentos reais da história.
Ainda no plano conjuntural,
A agitação operária que atravessou, com seus altos e baixos, a
Primeira República consistiu num fator não desprezível de
aprofundamento da crise do chamado Estado liberal-oligárquico. O
liberalismo, mundo afora, se achava sob fogo cruzado dos defensores
dos autoritarismos e/ou ‘totalitarismos’ de todos os matizes. Em meio
à revoltas tenentistas dos anos 20, à crise internacional do
capitalismo dramatizada pelo crack da bolsa de 1929, ao abalo
sofrido pelo modelo agroexportador e às cisões no interior das
classes dominantes, o golpe de 1930 acabou abrindo caminho,
concretamente, para uma nova configuração do Estado (Idem. p. 21).
Getúlio Vargas, com toda sua habilidade política, aparece como peça de
vitrine de um complexo e gradual movimento de transição das bases produtivas
do país, encontrando na mediação entre o atendimento das pautas históricas
dos trabalhadores e os interesses das oligarquias e frações dissidentes da
classe dominante (que tinham o objetivo de quebrar o domínio monopolista do
poder das oligarquias agrárias) a tática para a execução da empreitada.
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É nesse contexto que se forja a ideologia do trabalhismo, numa tentativa
de recriação do imaginário coletivo, através da supressão da memória da luta
dos trabalhadores no processo de constituição da legislação social,
convertendo as garantias trabalhistas em bênçãos concedidas, mostrando o
Estado como maior guardião dos interesses dos trabalhadores e Vargas como
o “pai dos pobres”.
Os trabalhadores há muito já lutavam pela redução da jornada de
trabalho, pela regulação dos salários, pelos períodos de descanso. A
apropriação das pautas históricas dos trabalhadores urbanos, sua reformulação
ideológica e devolução maquiada à população foi um dos aspectos centrais do
trabalhismo de Vargas, “combinando dádiva, manipulação e repressão”
(ANTUNES, 2006: 86).
Para a implementação consistente do projeto industrial, o governo Vargas
precisava contar com o apoio da base social desse novo padrão de
desenvolvimento. Por isso, o populismo varguista não podia se sustentar
somente através de técnicas discursivas. De alguma maneira as ações
institucionais deveriam se respaldar na realidade concreta dos trabalhadores,
expressar benefícios palpáveis, pois, objetivamente o trabalhador tinha que
botar comida na mesa. “A obra maior da engenharia política getulista foi trazer
as classes trabalhadoras para a agenda do Estado, politizar a ‘questão social’,
tirá-la do espaço exclusivo da criminalização e das delegacias“ (Idem, 84).
Os trabalhadores urbanos ocuparam papel significativo no processo de
constituição da legislação social e do Direito do Trabalho como ramo autônomo
do Direito, pois, ao mesmo tempo em que exerceram função ativa para sua
concretização, o apoio dado à Vargas imprimiu respaldo político para a
condução do novo projeto de Brasil, como ponto de equilíbrio entre as forças
políticas que o sustentavam (burguesia industrial ascendente e frações
dissidentes das oligarquias rurais) e o pressionavam (setores tradicionais da
economia agro-exportadora).
Dentre os diversos aspectos que envolveram a formação da legislação
social brasileira, quatro apresentam-se como mais relevantes para o andar da
pesquisa.
O primeiro foi a necessidade de criação de um órgão operacional
responsável pela implementação das políticas voltadas para o trabalho a nível
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nacional, a fim de se uniformizar as relações de assalariamento, tornando mais
fácil o seu planejamento em escala global. Para tanto, em 26 de novembro de
1930, pelo Decreto n. 19.433, como primeira medida do governo, é criado o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, cuja pasta pertencia a Lindolfo
Collor. Os desafios diziam respeito à organização sindical e aos direitos
trabalhistas. O objetivo era trazer os trabalhadores e suas organizações para o
projeto e desenvolvimento. Por isso, Collor cuidou de ampliar sua área de
influencia condicionando a concessão dos benefícios sociais ao controle
ministerial dos sindicatos. Estimulou ainda a organização de sindicatos
patronais na perspectiva de consolidar a política do trabalho em bases
corporativas, institucionais, vinculadas e limitadas politicamente pelo Estado
(CPDOC-FGV, 2011).
O segundo diz respeito ao processo de desestruturação dos instrumentos
organizativos dos trabalhadores como forma de sufocar os conflitos sociais
advindos da exploração ilimitada imposta pelo capital. A área sindical foi objeto
certo de regulação, tendo em vista as experiências de luta construídas pelos
sindicatos autônomos no pré-1930. O Decreto n. 19.770 de 19 de março de
1931, criou uma estrutura oficial de sindicatos, mesclando controle e repressão,
na tentativa de excluir a manifestação da luta de classe em sua dinâmica. A
maioria
dos
sindicatos
foi
convertida
em
entidades
meramente
assistencialistas, prestando serviços de saúde, lazer, entretenimento, etc. A
proposta governamental tinha como pressuposto o ideal de colaboração de
classe, “de feição nitidamente corporativista, cujo objetivo apontava pra a
necessidade imperiosa de converter patrões e proletários em forças orgânicas
de cooperação incorporadas ao Estado” (PARANHOS, 1999: 21).
O terceiro aspecto se relaciona com a criação de um sistema
previdenciário também nos moldes do corporativismo. A concessão dos
benefícios vinculava-se à filiação nos sindicatos oficiais. O Decreto n. 20.465
de 01 de outubro de 1931, tomando as categorias profissionais como
parâmetro, instituiu uma ampla reforma no sistema de aposentadoria e
pensões, já reguladas pela Lei Elói Chaves de 1923 (DELGADO, 2008: 111),
multiplicando os institutos de aposentadoria em âmbito nacional. Sobre este
ponto cabe um comentário. Ainda hoje o acesso a previdência social é um dos
maiores problemas dos trabalhadores rurais, apesar de seu enquadramento ser
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como segurado especial, já que não precisa realizar os recolhimentos mensais,
bastando comprovar o período de efetivo exercício da atividade rural em
regime de economia familiar correlatamente ao tempo da carência exigida,
fixando ainda o valor de um salário-mínimo como recurso máximo a ser
recebido.
Para os movimentos sociais do campo, a Previdência Social funciona
como um importante mecanismo de transferência de recursos de
ricos para pobres. “Como não temos uma política pública consolidada
para o campo, a Previdência é uma das principais formas de distribuir
renda no campo e manter os agricultores na roça”, afirma Rosângela
Cordeiro, integrante da coordenação nacional do Movimento de
Mulheres Camponesas – MMC (MELLO, 2011).
Em termos práticos, os entraves à efetivação se materializam desde a
ameaça dos setores conservadores (com projeto de leis que visam
desqualificar o trabalho rural), a grande falta de informação, ao burocratismo
imposto ao camponês, até esquemas de corrupção, com desvios dos recursos
dos beneficiários rurais. Rosangêla Cordeiro (MMC) afirma que boa pare dos
problemas remontam às próprias deficiências do país.
Tirar o RG, por exemplo, é algo muito complicado para quem vive no
campo. Sem ele, não se recebe o benefício. Outra questão é a
burocracia: o INSS não enxerga no trabalhador um ser humano,
pensa apenas nos papéis. Além disso, como as leis são pouco
acessíveis à maioria da população, as pessoas não conhecem seus
direitos. Um exemplo: o agricultor precisa comprovar 15 anos de
atividade com notas para poder receber o benefício. Se ele não sabe
disso, não guarda as notas durante esse tempo e fica impedido de
receber, explica (Idem).
Findo o parênteses, o quarto elemento diz respeito à criação de um
sistema específico de solução judicial dos conflitos oriundos das relações
trabalhistas como forma de se evitar a confrontação direta entre trabalhadores
e patrões, colocando o Estado como mediador necessário à resolução dos
litígios. Inicialmente regulada pelo Decreto n. 21.396 de 21 de março de 1932,
a Justiça do Trabalho viria a ser consolidada pelo Decreo-lei n. 1.237 de 01 de
maio de 1939. Para GENRO (1988: 62), a Justiça do Trabalho, dentre as suas
diversas funções, cumpre papel estratégico dentro da ordem social, precisa
apresentar-se como instrumento legítimo para solucionar os problemas vividos
pelo conjunto de trabalhadores, se propondo a:
(i) distribuir, com rapidez, a parte do produto social que foi apropriada
ilegalmente, pelos critérios fixados pela ordem jurídica da propriedade
privada; (ii) conciliar os conflitos de forma a repor a forma “pacífica”
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da dominação do capital sobre o trabalho; (iii) constituir, pela própria
jurisprudência, momentos de avanço, quer quanto à interpretação do
Direito pré-existente, quer pelo exercício do poder normativo , visando
resolver os conflitos individuais e coletivos; e (iv) ser uma jurisdição
confiável aos trabalhadores, apta a absorvê-los como integrantes da
sociedade de classes, como “cidadãos-trabalhadores”.
A legislação social veio como resposta às necessidades imediatas dos
trabalhadores urbanos, fruto das contradições desse modelo em expansão.
Para tanto, estabeleceu-se na Constituição Federal de 1934, preceitos gerais
que deveriam nortear a legislação do trabalho, apesar de timidamente aparecer
a figura do trabalhador rural, mas seu cerne protetivo esteve centrado na figura
do urbano.
Art. 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as
condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a
proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País
(BRASIL, 1934).
Segundo a Carta Constitucional de 34, a legislação trabalhista deveria
seguir alguns preceitos com o intuito de promover melhores condições de
trabalho, sem prejuízo de outros dispositivos que também viessem a contribuir
para o desejado, podendo-se citar: a) proibição de diferença de salário para um
mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; b)
salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às
necessidades normais do trabalhador; c) trabalho diário não excedente de oito
horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei; d) proibição
de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em
indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres; e) repouso
hebdomadário, de preferência aos domingos; f) férias anuais remuneradas; g)
indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa; h) assistência médica
e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e
depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de
previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do
empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de
acidentes de trabalho ou de morte; i) regulamentação do exercício de todas as
profissões; j) reconhecimento das convenções coletivas, de trabalho (BRASIL,
1934).
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69
Aos trabalhadores rurais, como se não se exigisse pressa fazer valer
seus direitos, foi dado um espaço subsidiário, estipulando:
§4º - O trabalho agrícola será objeto de regulamentação especial, em
que se atenderá, quanto possível, ao disposto neste artigo. Procurarse-á fixar o homem no campo, cuidar da sua educação rural, e
assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e
aproveitamento das terras públicas (BRASIL, 1934, art. 121).
Nesse “novo Brasil”, o governo liderado pelo estancieiro gaúcho tinha
como desafio histórico
lutar pela superação das características que, até então, marcavam
sua estrutura econômica, social e política; os resquícios de uma
ordem escravocrata, patriarcal e monocultora herdada dos tempos
coloniais; uma sociedade eminentemente agrária; uma economia
subordinada a um modelo primário exportador, um operário urbano
esparso e não organizado; uma política ‘café com leite’, com domínio
dos proprietários rurais do eixo Minas/São Paulo; o sufrágio não
universal e não secreto, sem participação feminina; a Questão social,
tratada genericamente como questão de polícia” (BIAVASCHI, 88).
Nessa negação ao passado eminentemente agrário e ao peso do atraso
que lhe fora atribuído, negou-se também o/a trabalhador/a rural e seus séculos
de dominação e resistência. A barbárie da exploração do trabalho humano não
é obra exclusiva do padrão industrial de produção. Entretanto, a “questão
social” (base para a formulação das leis do trabalho) surge a partir de um
período e em função de um sujeito histórico específico, ficando os
trabalhadores rurais descobertos, com boa parte das pernas de fora dessa
proteção social. Como num passe de mágica, a ascensão da urbanização e da
industrialização parece ter apagado da história do país os desastrosos efeitos
de séculos de escravidão, de submissão irrestrita do trabalho rural, fechandose os olhos para uma política articulada de reparação e garantia de condições
dignas de trabalho.
A exclusão do camponês do pacto político é o fato que cercará o
entendimento da sua ação política. Mas essa exclusão não é, como
às vezes tem sido entendida, mera exclusão política. Por isso, é
necessário entender a história dessa exclusão, seus mecanismos
econômicos, sociais, políticos. Essa exclusão define justamente o
lugar do camponês no processo histórico (...) alguém que participa
como se não fosse essencial, como se não estivesse participando. O
escamoteamento conceitual é o produto necessário, a forma
necessária e eloqüente da definição do modo de como o camponês
tem tomando parte no processo histórico brasileiro – como um
excluído, um inferior, um ausente que ele realmente é: ausente na
apropriação dos resultados objetivos do seu trabalho, que aparece
como se fosse desnecessário, de uma lado, e alheio, de outro lado
(MARTINS, 1981:25).
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70
Com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, em 1943, os
direitos dos trabalhadores urbanos foram apresentados em bloco, fruto de um
processo que articulou importantes juristas da época, cuja tarefa era pensar um
código trabalhista para a nova era. Nessa época, 81,4% da população viva na
zona rural, em municípios como menos de 10 mil habitantes. Do total de
pessoas ocupadas, 66,7% se dedicavam ao exercício de atividades agrícolas
(DEDDECA & PRONI, 2006, p.12). Isso quer dizer que quando a CLT foi
editada, mais de 2/3 dos trabalhadores nacionais não foram abraçados pela
legislação de proteção ao trabalho, já que a norma consolidada excluiu
expressamente os rurais em seu art. 7º, alínea “b”, que determina:
Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo
quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário,
não se aplicam: (b) aos trabalhadores rurais, assim considerados
aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à
pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos
de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas
operações, se classifiquem como industriais ou comerciais (BRASIL,
1943).
Vagarosa e fragmentariamente, aspectos da relação de trabalho no
campo foram sendo positivados, sem construir uma política articulada de
proteção do trabalhador rural. Somente 20 anos mais tarde, 84 anos depois da
ultima iniciativa sistemática datada de 1879, é que as relações de trabalho no
campo ganharam maior cobertura com o advento do Estatuto do Trabalhador
Rural em 1963, que mais tarde seria revogado pela Lei 5889 de 1973. Resta
agora o desafio de compreender como a constituição da CLT influenciou nas
formas de regulação do trabalho rural pela legislação citada, a partir da análise
de dois aspectos fundamentais que é o tipo de sujeito e de forma contratual
que se pretendia proteger.
2.4.
PRINCÍPIOS PROTETIVOS E OS SUJEITOS “PROTEGIDOS” PELA
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT)
De 1930 a 1943, se viu um intenso movimento de regulação social do
trabalho abrangendo a normatização de diversos aspectos das relações de
assalariamento, com vistas à imposição de limites à exploração do trabalhador
pelo capital. A institucionalização de regras de proteção do trabalho no Brasil
cresceu de forma aleatória, fruto de correlações de forças especificas entre as
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71
categorias profissionais, os setores patronais e o Estado. Essa fragmentação
legislativa gerou uma pluralidade de regras trabalhistas espalhadas pelo
ordenamento jurídico. Além do estabelecimento de normas relativas à
seguridade social e aos acidentes de trabalho, a legislação social abarcou o
trabalho feminino, dos menores, os comerciantes, industriários, marítimos,
mineiros, ferroviários, bancários, as estabilidades de emprego, o saláriomínimo, as estruturas de fiscalização, a Justiça do Trabalho, a organização
sindical, culminando na CLT (BIAVASCHI, 2007).
A constituição da CLT foi mais do que uma simples compilação da
legislação existente, acrescentando inovações em termos de institutos
trabalhistas e princípios norteadores, dando-lhe uma qualidade de Código mais
do que uma Consolidação. Num processo de definição de suas fontes
materiais28, base de sistematização da comissão redatora comandada por
Arnaldo Süssekind, pode-se destacar (i) a Encíclica Rerum Novarum do Papa
Leão XIII – clamando por respeito à dignidade cristã do homem, condenando a
usura e a busca do lucro a qualquer custo; (ii) o primeiro Congresso Brasileiro
de Direito Social realizado em maio de 1941, fórum composto pelo Governo
Federal, pela Igreja Católica, pelo Supremo Tribunal Federal, agregando
diversos especialistas brasileiros em torno do tema do direito social, cujos
debates inspiraram diretamente a redação dos artigos 9º, 443, 451, 452 e 499,
§3ª (BRASIL, 1943), destacando-se o art. 9º que estabelece a nulidade plena
de qualquer ato que vise fraudar ou impedir a aplicação das normas da CLT,
reconhecendo no plano jurídico a desigualdade existente no plano econômico;
(iii) as Constituições ocidentais modernas, como as do México (1917) e de
Weimar (1919), elevando o direito dos trabalhadores ao patamar de direitos
fundamentais; (iv) as recomendações e convenções da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), com vistas a universalização da justiça social
trabalhistas. Suas normas quando ratificadas pelas regras constitucionais
passam a integrar o sistema jurídico nacional do país signatário, possuindo
força de lei; (v) as leis brasileiras do pré-1943; (vi) os julgados iniciais da
nascente Justiça do Trabalho; e (vii) a Carta Del Lavoro, rol de princípios
28
Em última instância, de onde se extrai o sistema jurídico a partir das relações objetivas e
subjetivas que os sujeitos travam entre si e com o meio social ao longo do processo histórico
(GENRO, 1994).
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apresentados pelo Partido Nacional Fascista italiano, cujo objetivo era orientar
a organização social do trabalho com base no sistema de corporações
classistas, organizadas hierarquicamente entre trabalhadores, patrões e o
Estado, sendo este último a instância subordinadora por excelência. Além
dessas, outras disposições foram incorporadas pelo direito brasileiro, como o
direito ao repouso, à jornada de oito horas diárias; à indenização por despedida
arbitrária; às férias anuais; ao poder normativo da Justiça do Trabalho e á
unicidade sindical compulsória.
Nesse movimento de construção da autonomia jurídica e doutrinária do
Direito do Trabalho alguns pressupostos norteadores foram se consolidando.
Segundo GENRO (1994), princípios são categorias ideológicas, cujos
conteúdos se submetem à significação do momento histórico em que se
encontram inseridos.
A Consolidação das Leis do Trabalho prescreve que:
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na
falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso,
pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e
normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e,
ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas
sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular
prevaleça sobre o interesse público (BRASIL, 1943).
Da simples leitura do dispositivo percebe-se que os princípios do direito
do trabalho são fontes constitutivas (base de produção) e orientadoras (base
de aplicação/interpretação) das normas trabalhistas. Assim, os princípios que
delineiam não só a CLT, como o todo o Direito do Trabalho, são produtos de
um determinado período da humanidade e se atualizam na medida em que as
relações sociais se desenvolvem.
Como ramo característico do Direito, o ordenamento jurídico trabalhista
conta com um rol principiológico específico a nortear suas atividades. Mesmo
num cenário de inexatidão, tendo em vista a criatividade dos teóricos nacionais
e estrangeiros em criar denominações diferenciadas que melhor se ajustem às
suas orientações político-filosóficas, existem princípios trabalhistas nucleares
que não fogem às classificações. Esses sim serão objetos de análise.
Entretanto, antes de se iniciar os debates acerca da dimensão protetiva dos
princípios no Direito do Trabalho, faz-se necessário melhor compreender que
sujeito é esse que a legislação põe-se a proteger.
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Para Arnaldo Süssekind (2005), a Consolidação do Trabalho teve uma
significação histórica, proporcionando o conhecimento global dos direitos e
obrigações trabalhistas, “não só aos intérpretes e aplicadores das leis, mas,
sobretudo, aos seus destinatários: os empregadores e empregados”. A missão
educativa
da
CLT
criou
as
condições
para
o
desenvolvimento
da
industrialização no país a partir do atendimento de bandeiras históricas dos
trabalhadores e estruturando um amplo sistema jurídico (com órgãos, leis e
institutos) de composição dos litígios trabalhistas de modo a abrandar a
ação/mobilização direta dos operários. Sobre a relação da CLT com o processo
de avanço do padrão urbano-industrial, fala Orlando Gomes,
A Consolidação das Leis do Trabalho deu generoso passo para a
integração dos trabalhadores no círculo dos direitos fundamentais do
homem, sem o qual nenhuma civilização é digna desse nome (...).
Organizados os instrumentos jurídicos destinados a recompor os
conflitos sociais, concorreram para amortecer inevitáveis choques,
empregados como tem sido desde então para soluções pacíficas que
arrefecem ardores belicistas das classes antagônicas, reincidentes de
quando em vez. Nesse passo, o mérito maior da Consolidação
parece que foi a sua função educativa, função própria das leis que se
antecipam aos fatos. A seu crédito deve levar-se profilaxia desses
conflitos, permitindo que não tivéssemos de repetir no campo das
relações entre o patronato e o operariado dolorosa experiência de
outros povos (apud SÜSSEKIND, 2005: 68).
Nesse sentido, o controle da força de trabalho, contraditoriamente, se
deu a partir do atendimento das necessidades históricas dos trabalhadores
urbanos. Sem dúvida, um dos destinatários centrais da legislação social. A CLT
excluiu expressamente os trabalhadores rurais de sua onda protetiva, como já
fora visto.
O sujeito de direito a quem a CLT pretende dar cobertura é a pessoa
física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob
dependência deste e mediante salário (BRASIL, 1943, art. 3º). Assim, do
conceito de empregado se pode retirar os requisitos necessários à confirmação
da relação de emprego: (i) que é a sua pessoalidade, decorrente na natureza
do contrato cujo objeto é a força de trabalho posta a serviço do seu comprador,
logo, não podendo a pessoa jurídica celebrar relação de emprego na qualidade
de empregado; (ii) seu caráter não eventual, sendo a prestação do trabalho
necessária à atividade do empregador. Assim, para que o trabalhador desfrute
das prerrogativas que a legislação do trabalho lhe confere, é preciso que a
prestação do serviço seja perene, habitual (GOMES & GOTTSCHALK, 2001).
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A idéia de permanência assume uma dupla dimensão: de um lado estimula a
máxima duração do contrato de emprego através das normas trabalhistas,
materializando o princípio da continuidade da relação de emprego, do outro
exclui o trabalhador esporádico, eventual, aquele intermitentemente ligado a
vários empregadores do quadro de proteção, por não possuir um dos
elementos essenciais à relação empregatícia. Entretanto, se a relação é
descontínua, mas de caráter permanente, deixava-se de configurar a
eventualidade, reconhecendo seu caráter habitual; (iii) de cunho oneroso, pois,
a relação de emprego por ser sinalagmática, requer contraprestações
recíprocas entre empregado (execução do serviço) e empregador (pagamento
do salário); e (iv) a subordinação, representada pela introjeção do domínio do
empregador pelo empregado, assumindo diversas acepções, podendo ser,
hierárquica, quando decorrente das ordens de um superior funcional,
econômica, quando o trabalhador se encontra num estado de dependência
econômica em relação ao empregador, jurídica, estado de dependência
produzido
pelo
direito
positivo,
técnica,
dependência
em
função
d
conhecimento/papel no processo produtivo e social, representada pela
subordinação de classe (RODRIGUES, 2004).
Retrato claro do trabalhador urbano-industrial, fruto do novo padrão de
desenvolvimento econômico vivido no país. O trabalhador rural aqui não
aparece como sujeito de direito dessa legislação direcionada à proteção do
trabalho.
No plano dos princípios, o primeiro é justamente o da proteção,
elemento estruturante do Direito do Trabalho. Inspirado em estabelecer um
amparo jurídico preferencial a um pólo da relação negocial trabalhista, o
princípio da proteção faz reconhecer no plano do direito uma desigualdade que
se materializa no plano econômico. Tem por fundamento a própria crise do
liberalismo, ao romper com igualdade formal, se propondo a combater as
conseqüências danosas da liberdade contratual absoluta entre indivíduos com
poder e capacidade econômica desiguais.
Para se compensar a desigualdade cria-se um conjunto de regras
protetivas à parte hipossuficiente, com o intuito de se nivelar a relação entre
aqueles que vendem e os que compram a força de trabalho (PLÁ
RODRIGUEZ, 2007). Cabe pontuar que o principio em destaque possui uma
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limitação substancial na sua aplicação concreta que é a predominância de uma
situação histórica fundamentalmente adversa ao trabalhador que é a
manutenção do modo de produção da riqueza social calcado na apropriação
privada do trabalho humano. O art. 9º da CLT expressa singularmente a
intenção do princípio em destaque, ao dispor: “Art. 9º - Serão nulos de pleno
direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a
aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.
Desdobra-se o referido princípio em três regras básicas, sendo: (i) in
dubio pro operario – no caso da norma comportar mais de um sentido, deverá o
operador/aplicador do direito optar pela mais conveniente ao trabalhador,
desde que exista dúvida crível sobre o alcance da norma e não afronte clara
disposição legal; (ii) norma mais favorável –quando o caso concreto for
passível de regulação por mais de uma norma trabalhista, aplicar-se-á a que se
apresentar de modo mais favorável ao trabalhador, independentemente da sua
colocação na escala hierárquica das regras jurídicas; (iii) condição mais
benéfica – direcionada a aplicação da norma trabalhista no tempo, com o
intuito de se resguardar os benefícios conquistados pelo trabalhador mesmo
que por ventura advenha norma pública prescrevendo menor nível de proteção.
É dessa regra que se retira a garantia de acúmulo de vantagens pelo
operariado, atualmente mitigado pelas investidas de flexibilização dos direitos
sociais29.
Destaca-se agora o princípio da continuidade da relação de emprego.
Estipula a presunção de indeterminação do tempo do contrato de emprego,
salvo disposição em contrário. Esse princípio aparece como reflexo de um
período histórico em que a preocupação com a submissão regular e
disciplinada de um amplo contingente de mão-de-obra ainda não estava
superada para os empregadores e para o Estado. Ao mesmo tempo
manifestava avanço para os trabalhadores, na medida em que foram instituídos
instrumentos de garantia e indenização para os casos de despedida arbitrária
(BRASIL, 1943, arts. 146, 147, 477, 481), criação do aviso prévio (BRASIL,
1943, art. 487), entre outros. Diante de um cenário de intensificação do
desemprego estrutural e de conseqüente ampliação do exército de reserva, o
29
Sobre o tema ver: (DRUCK & FRANCO, 2007).
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princípio da continuidade vem sendo mitigado pela intensa rotatividade da força
de trabalho nos postos de emprego.
Com a fim da estabilidade decenal30 para implementação do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), viabilizou-se o manejo estratégico e
menos oneroso dos trabalhadores como forma de melhor responder às
flutuações do cenário econômico, ou seja, criando as condições para o livre
rompimento do contrato de emprego, livrando-se dos trabalhadores, pagandolhes o menor valor possível31. Dados do Dieese e do Ministério do Trabalho e
Emprego referentes ao período de 2003 a 2009 dão a dimensão do grave
problema que é a flexibilidade contratual do mercado de trabalho brasileiro.
Dois terços dos trabalhadores são demitidos antes de alcançarem um ano de
contrato; o tempo médio de emprego do trabalhador brasileiro é de apenas
quatro anos; a remuneração média das admissões são inferiores à
remuneração
média
das
demissões;
há
um
grande
contingente
de
trabalhadores intermitentes no país, variando da condição de contratados e
desligados por vários anos; 40% dos trabalhadores são demitidos com menos
de seis meses de trabalho; 76% a 79% não completam dois anos de trabalho32.
Quando se fala no meio rural esses números são ainda mais significativos. A
taxa de rotatividade dos trabalhadores apesar de ter representado queda,
passando de 79,9% em 2007 para 74,4% em 2009, ainda se mantém em níveis
alarmantes (MTE/DIESSE, 2009).
Outro princípio é o da irrenunciabilidade ou indisponibilidade de direitos.
Tanto o rol de direitos básicos outorgados pela legislação como aqueles
incorporados ao longo da vigência do contrato são irrenunciáveis pelo
30
Dispunha o art. 492 da CLT - O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na
mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância
de força maior, devidamente comprovadas. Assim, em casos de despedida sem justa causa
fazia jus o trabalhador a indenização no valor de um mês de sua maior remuneração por cada
ano ou ração maior do que seis meses de efetivo serviço prestado. Declarada como cláusula
anti-produtiva, a estabilidade decenal foi substituída por uma garantia condizente aos bolsos
dos patrões, sendo instituído o FGTS no ano de 1966 pela Lei n. 5.107, atualmente regulada
pela Lei n. 8.036 de 1990.
31
As estatísticas apontam que em 2007 foram gerados 14,7 milhões de empregos formais com
carteira assinada, enquanto mais de pouco mais de 13 milhões foram demitidos, deixando um
saldo
de
admitidos
positivo
de
1,6
milhão
–
IN:
http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/5464/A_Alta_Rotatividade_da_Mao_de_Obra_no_B
rasil_Aponta_para_Necessidade_de_Regulamentacao_Proibitiva, acessado em 29 de maio de
2011, as 13:43.
32
Movimentação Contratual no Mercado de Trabalho Formal e Rotatividade no Brasil –
DIEESE – IN: http://www.mte.gov.br/institucional/rotatividade_mao_de_obra.pdf, acessado em
29 de maio de 2011, às 14:13.
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77
trabalhador. Na sua condição de dependente econômico, o trabalhador por
estar exposto a inúmeras fragilidades inerentes à relação de assalariamento,
em situações extremas seria pressionado a abrir mão de certas garantias com
vistas à manutenção do seu vínculo. Nesse princípio também se manifesta
claramente a tentativa de limitar a autonomia privada como forma de
equiparação das partes no estabelecimento das relações trabalhistas.
Princípio da intangibilidade salarial. Em função do seu caráter alimentar,
a remuneração do trabalhador encontra proteção legal de modo a assegurar
seu valor de compra, seu montante e sua disponibilidade (DELGADO, 2008).
“Salário é a soma em dinheiro que o capitalista paga por um
determinado tempo de trabalho ou pela prestação de um determinado trabalho”
(MARX, 2006: 34). Para o teórico revolucionário alemão, salário na verdade é
nome fictício dado ao preço da mercadoria força de trabalho. Quando essa é
colocada em ação, materializando-se em trabalho propriamente dito, passa a
ser a própria atividade vital do proletário colocada à disposição na formamercadoria para o uso do seu comprador segundo seus interesses. Essa
relação é mediatizada por um contrato “livre”, bilateral e sinalgmático,
comportando prestações recíprocas às partes envolvidas, sendo a execução
responsabilidade do operário e o pagamento da remuneração obrigação do
empregador-proprietário dos meios de produção. Justamente pelo salário ser o
componente essencial para a reprodução física e psíquica do trabalhador, é
que se tem a necessidade de sua proteção.
Princípio da razoalibilidade. Na verdade se propõe a orientar não só o
ramo do Direito do Trabalho, mas sim, todo o sistema jurídico do Estado
Democrático de Direito. Não possui um conteúdo fechado, aliás, como todos os
princípios, relacionando-se diretamente com o problema da realidade a ser
enfrentado. De maneira genérica, afirma que toda relação trabalhista, bem
como as atividades de produção e interpretação das regras jurídicas laborais
devem proceder segundo critérios de razoabilidade, bom senso, evitando
situações grotescas. Esse postulado alarga as trincheiras de defesa da
realidade concreta em detrimento do formalismo burocratizante, guardando seu
conteúdo íntima relação com os princípios da primazia da realidade e da
proporcionalidade.
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Por fim, passa-se à análise do princípio da primazia da realidade,
postulado que bem caracteriza a natureza tutelar do direito laboral. No
processo de desenvolvimento da normativização das relações trabalhistas, a
liberdade contratual no mundo do trabalho se concretizava apenas no plano
formal, sendo o conteúdo do contrato de trabalho delimitado a partir da
autonomia privada das partes, objeto da lei civil. É a partir de 1930 que o
trabalhador vai assumindo lenta e gradualmente a condição de sujeito de
direito de uma legislação social vasta a regulamentar diversos aspectos da
relação de trabalho assalariado, constituindo-se num
Direito informado por princípios que lhe dão fisionomia, um Direito
que, rompendo com o primado de autonomia das vontades, busca
compensar a desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador e
mitigar o desequilíbrio inerente a uma sociedade capitalista
(BIAVASCHI, 2007: 111).
Assim, o pacto sunt servanda33, princípio tradicional do civilismo,
centrado na obrigatoriedade das relações contratuais entre as partes, deixa de
ser o parâmetro absoluto para a regulamentação do trabalho e nesse
movimento de construção autônoma do Direito Laboral, a teoria da primazia da
realidade e o contrato-realidade cumpriram [e cumprem] papel central no
rompimento com o Direito Civil. Estabelece o princípio que entre a verdade
formal e a verdade real, prevalece esta última como base para delimitação da
relação de trabalho (NASCIMENTO, 2003). Nesse caso, “a relação objetiva
evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos
contratantes, ainda que sob capa simulada, não correspondente à realidade”
(SÜSSEKIND, 145). E a questão do contrato aparece como aspecto diferencial.
Estabelece a CLT: “Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito
ou expresso, correspondente à relação de emprego” (BRASIL, 1943).
O objetivo não foi suprimir a vontade de contratar entre trabalhador e
empregador, já que este quesito é fundamental ao processo de compra e
venda da força de trabalho, mas sim, trazer ao plano fático os critérios
definidores da relação trabalhista, observados os limites de proteção social.
Art. 444, CLT - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto
de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não
33
“Os pactos devem ser respeitados”
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79
contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos
coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades
competentes (BRASIL, 1943).
Essa é uma fase diferenciada, pois, para além da relação absoluta do
direito de propriedade ou da igualdade formal entre as partes do negócio
jurídico, o advento da legislação protetiva eleva a realidade à condição de
elemento central para da relação de emprego ao mesmo tempo em que limita a
autonomia da vontade a partir do momento em que represente prejuízo
concreto ao trabalhador.
Art. 468, CLT - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a
alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e
ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente,
prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula
infringente desta garantia (BRASIL, 1943).
Assim, deve-se procurar concretamente a prática efetivada ao longo da
prestação de serviço, independentemente do pactuado no momento de
constituição da relação jurídica. O conteúdo do contrato não se restringe àquilo
previsto no instrumento escrito, sendo conformado na medida em que as
relações vão se desenvolvendo no cotidiano. Se concretamente se verificar os
elementos jurídicos que definem a relação de emprego, o negócio inicial será
reconsiderado em função da realidade.
A CLT marca um momento de redefinição da posição jurídica do
trabalhador na medida em que o ordenamento brasileiro passou a reconhecer
sistematicamente no seu plantel normativo, instrumentos destinados à proteção
social do trabalho. Mas e o trabalhador rural?
2.5.
A REGULAÇÃO “SOCIAL” DO TRABALHO RURAL EM TEMPOS DE
MODERNIZAÇÃO
Adquirindo exponencial relevância no cenário econômico brasileiro, o
setor industrial passa a assumir as rédeas do processo de reprodução do
capital no país, pautando as decisões de ordem política e econômica,
principalmente em função dos interesses predominantes da indústria [nacional
e internacional]. Agora as palavras de ordem passam a ser a racionalização
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taylorista e especialização do trabalho; desenvolvimento da mecanização e
produção em massa (FERREIRA, 1993).
A apreensão da modernização do campo no país não pode ser reduzida
à inserção/uso de novas tecnologias dentro do processo produtivo, e nem
mesmo às alterações travadas no plano da organização do trabalho. Deve
necessariamente conceber um leque mais amplo de relações sociais, que
englobam o elemento produtivo, mas caminham para além dele. Intensificação
dos conflitos no campo, expropriação do campesinato, a inserção do Estado
através da execução de uma política agrícola impulsionadora do modelo
espoliador e a intensificação da concentração fundiária aparecem enquanto
marcas características dessa avalanche modernizadora. A adjetivação
“conservadora” aparece enquanto opção política do Estado e da elite nacional
em manter as bases expropriatórias vinculadas historicamente ao latifúndio,
dando-lhe uma nova cara [avanço na modernização], mas mantendo o velho
corpo.
A edição da lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, conhecida como
Estatuto da Terra, representou um marco na modernização produtiva da
agricultura, inserido num processo transitório, o Estatuto da Terra dividiu-se
entre as expectativas dos trabalhadores rurais de verem ampliadas as
possibilidades de democratização do acesso a terra [acúmulo político criado
pela classe trabalhadora nas décadas anteriores] e o que de fato se verificou
com a modernização do latifúndio, já inserido na crise de produtividade.
Assim,
a
nova
lei encerrou
em
sua estrutura
dois
aspectos
contraditórios, cumprindo funções distintas que desembocaram num mesmo
objetivo. As movimentações campesinas geradas nas décadas passadas
(avanço organizativo da classe, intensificação e intencionalidade dos conflitos
fundiários, etc), em função do crescimento das desigualdades, acirravam-se
cada vez mais, aumentando os índices de conflitos por terra, e urgiam por uma
resposta estatal. Paralelamente, o governo militar sofria pressão tanto da
burguesia nacional quanto [e principalmente] do capital internacional para
implementação de projeto de modernização que tem na concentração fundiária
seu alicerce produtivo. Desta maneira, o estatuto cuidou de apaziguar as
movimentações populares de luta pela terra, com a promessa [mal fadada] de
execução de um plano de democratização do acesso a terra, através da
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reforma agrária, bem como ofereceu as bases necessárias à consecução do
projeto industrializante da agricultura sob as rédeas do capital estrangeiro. O
Estatuto da Terra abriu brecha para o financiamento público de um projeto
centrado no antagonismo entre modernização/industrialização e exclusão
social.
A política de instalação das grandes empresas no campo tomou e toma
por base a expropriação e a expulsão dos trabalhadores rurais de suas terras,
na concentração da propriedade fundiária e no aumento progressivo da
produtividade. MARTINS (1985) atesta que a combinação desses fatores foi
quem definiu o lugar e o alcance dos instrumentos legais e administrativos para
a inviabilização de uma reforma agrária verdadeiramente democratizante. De
1970 a 1975, a política de distribuição fundiária, abalizada sobre o Estatuto da
Terra, garantiu não só o avanço da concentração da propriedade rural (71%
dos novos estabelecimentos rurais “distribuídos” tinham mais de mil hectares)
como a multiplicação dos conflitos por todo país.
O processo de amadurecimento da legislação social extensiva aos
trabalhadores rurais não acompanhou o mesmo ritmo do operariado urbanoindustrial, tendo sido fruto de outras conjunturas históricas. Diferentemente dos
trabalhadores citadinos, parcimoniosamente foram levadas algumas medidas
de proteção social. Os trabalhadores rurais foram “preteridos de quase todas
as leis sociais que conseguiram se corporificar nos esparsos decretos da
Primeira República, excluído das leis do trabalho que se decretaram a Segunda
República e continuou praticamente marginalizado na Consolidação das Leis
do Trabalho” (FERRANTE, 1976: 190).
Com vinte anos de atraso em relação ao código do trabalho urbano (sem
considerar os séculos de exploração do trabalho no campo), foi com a edição
da Lei nº 4.214 de 02 de março de 1963 que o trabalhador rural adquiriu seu
estatuto próprio. Denso documento assinado pelo então presidente João
Goulart, regulando diversos aspectos da relação de emprego e de trabalho ao
longo dos seus 183 artigos, o Estatuto do Trabalhador Rural foi promulgado
num período histórico em que vinham se multiplicando inúmeros conflitos
sociais em função do problema da concentração fundiária. Os trabalhadores
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estavam
mobilizados
politicamente
através
das
Ligas
Camponesas,
dispostos/as a lutar por melhores condições de vida e trabalho.
Cumprindo papel também contraditório, o ETR, assim como a CLT, ao
mesmo
tempo
em
que
representava
bandeiras
históricas
dos/as
trabalhadores/as rurais, serviu estrategicamente, articulada com a forte
investida militar, para desmobilizar o campesinato em luta contra o latifúndio e
a exploração do trabalho. O ETR não conseguiu romper com a Consolidação,
na medida em que não observou as especificidades das relações de trabalho
na agricultura em função das relações de trabalho tanto na indústria como no
comércio.
Foi montado de uma perspectiva errada, tomando-se como modelo o
trabalhador urbano, sem se levar em conta a diversificação das
relações de trabalho rurais. De certa forma, vários benefícios por ele
assegurados (salário mínimo, férias, aviso prévio, outros) de longa
data eram direito do trabalhador rural, permanecendo, entretanto,
como letra morta, sem que houvesse denúncias por parte das forças
políticas interessadas, da escandalosa violação da lei (...).
Principalmente por ter havido, quase que pura e simplesmente, uma
transposição para o trabalhador rural das disposições legais traçadas
para a legislação trabalhista ligada ao trabalhador urbano” (Idem,
195).
Valendo-se das críticas ao Estatuto do Trabalhador Rural, só que
reorientadas à manutenção dos interesses das elites rurais, dez anos mais
tarde chega ao Congresso Nacional um projeto de lei acompanhado da
exposição de motivos do então Ministro do Trabalho, Júlio Barata. Apontava
uma série de críticas em relação a sua condição de cópia da CLT não
“corretamente reproduzida”, à ausência de um sistema de sanções capazes de
garantir a observância da lei; ao exorbitante número de leis sobre a matéria,
tornando árduo o trabalho dos intérpretes e aplicadores do direito. Em 8 de
junho de 1973, entra em vigor a Lei n. 5.889, propondo-se a regulamentar as
relações de trabalho rural de maneira combinada com as disposições
compatíveis da CLT. A redução quantitativa que produziu um texto final de
apenas 21 artigos fundamentou-se na idéia de que a CLT era também o código
do “homem do campo”, devendo a nova lei somente se preocupar em
discriminar as peculiaridades do trabalho rural, tarefa não cumprida pelo antigo
ETR.
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2.5.1. SUJEITOS PROTEGIDOS PELA LEI N. 5.889/1973.
O contrato de trabalho subordinado pressupõe, como qualquer contrato,
a existência de sujeitos necessários à conformação do negócio jurídico. E
nessa relação, uma série de requisitos torna a relação de emprego rural
bastante característica dentro do ordenamento. Desta maneira, parte o
presente trabalho para a análise desses sujeitos, restando o estudo do contrato
de trabalho como tarefa para o próximo capítulo.
Assim, a Lei n. 5.889/73 tem por destinatário principal o empregado
rural, sendo este: “Art. 2º - (...) toda pessoa física que, em propriedade rural ou
prédio rústico, presta serviço de natureza não eventual a empregador rural, sob
a dependência deste e mediante salário” (BRASIL, 1973).
Um destaque à substituição do termo “trabalhador”, usado no ETR de
1963, para o termo “empregado”, cópia da CLT, no novo diploma legal. A
mudança se deu em função de duras críticas aos desdobramentos da
aplicação do conceito, já que o termo do velho estatuto abrangia um coletivo
maior de trabalhadores, ampliando o campo de aplicação das regras sociais a
contratos já tipificados no âmbito da legislação civil, como os de parceria e de
arrendamento, onerando ainda mais os empregadores (PRUNES, 1975). A
diferenciação mínima se deu com a incorporação das partes já descritas pelo
antigo estatuto trabalhista rural.
A similitude do conceito de empregado rural da Lei n. 5.889 com o
disposto na CLT dispensa comentários. Pode-se extrair como elementos
caracterizadores do empregado do campo: (i) pessoalidade – nos mesmos
moldes do conceito celetista já explicitado, sendo aqui o sujeito é pessoa física
que coloca à disposição do patrão sua força de trabalho; (ii) não eventualidade
– vinculado à idéia de permanência, de continuidade, de perenidade da relação
contratual, que no contexto do agronegócio mecanizado está cada vez mais
difícil, chegando os índices a atingirem quase 80% de rotatividade da mão-deobra do campo (o tema será analisado especificamente no capítulo terceiro da
presente pesquisa); (iii) subordinação – é a dependência inerente da sociedade
de classes que confronta os proprietários privados dos meios de produção
contra os detentores exclusivos da força de trabalho; (iv) onerosidade – relação
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estabelecida mediante pagamento de contraprestação pecuniária destinada à
reposição da força de trabalho; (v) propriedade rural ou prédio rústico – sendo
compreendida como estabelecimento rural ou unidade de produção rural,
elemento que reporta ao desenvolvimento de atividade rural; (vi) prestar
serviços a empregador rural – cuja caracterização se dará mais adiante
(BRASIL, 1973, art. 3º).
O conceito de empregado rural trazido com a nova lei também foi não
além das limitações já apresentadas, reduzindo a variabilidade das relações de
trabalho no campo a um quadro mínimo de situações que não refletem a
realidade do meio rural, reduzindo seu núcleo protetivo a uma pequena parcela
de trabalhadores.
Uma das características do trabalho rural é sua a multiplicidade de
vínculos possíveis reconhecidos pelo ordenamento. Nessa perspectiva, dispõe
o art. 17 da referida lei: “As normas da presente Lei são aplicáveis, no que
couber, aos trabalhadores rurais não compreendidos na definição do art. 2º,
que prestem serviços a empregador rural”. PIRES (1996, p. 43) define
trabalhador rural como
todo aquele que trabalha em serviço ligado à atividade agropecuária,
ou indústria rural, não sujeito a um contrato de trabalho, não tendo a
condição de empregado rural, e por isso sem direito à percepção dos
direitos trabalhistas assegurados na Lei e na CLT.
Nesse caso, o autônomo, o empreiteiro, o comodatário, o avulso, o
temporário, o parceiro, o arrendatário, o empregado doméstico passam a
contar com a proteção da Lei n. 5889/73, na medida de suas compatibilidades.
Estabelece ainda como sujeito da relação de emprego, a figura do
empregador rural, sendo este: “Art. 3º - (...) para os efeitos desta Lei, a pessoa
física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agro-econômica,
em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e
com auxílio de empregados (BRASIL, 1973).
Seguindo as orientações de VALERIANO (2003), deste conceito também
se extrai elementos específicos que tornam “singular” o empregador rural,
diferenciando-se do “empregador genérico” da CLT, a saber: (i) pessoa física
ou jurídica – a pessoalidade é característica exclusiva do empregado,
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admitindo o ordenamento trabalhista a compra da força de trabalho por um
ente abstrato de direito com existência e obrigações distintas da dos membros
que a integram; (ii) proprietária ou não – o que define a condição de
empregador não é a as condição de proprietário do empreendimento agrícola,
mas sim o simples desenvolvimento de atividade agropecuária; (iii) exploração
de atividade agro-econômica – justamente por ser o elemento básico onde se
recai o trabalho rural, atentando para a possibilidade elencada no art. 4º, ao
permitir o empregador por equiparação, sem que haja exploração direta, mas
de forma profissional mediante utilização de terceiros; (iv) em caráter
permanente
ou
temporário
–
pouco
importando
a
efetividade
do
empreendimento ao longo do tempo; (v) exploração direta ou através de
prepostos – enquanto o empregador assume os riscos da atividade econômica,
preposto é aquele que atua por delegação, sendo representante, agindo em
nome do primeiro.
Na exploração da atividade agrícola a relação de emprego pode se
dar de três forma distintas, sendo (a) direta, entre o dono do
empreendimento e o empregado, (b) indiretamente, por intermédio de
um preposto que responde pelo proprietário do empreendimento e (c)
indiretamente, através de um empreiteiro que atua por conta de quem
explora atividade agro-econômica, em nome próprio (Idem, 45)
Tanto na primeira como na segunda hipótese, a relação empregatícia se
forma diretamente com o proprietário da atividade agropecuária, já na terceira,
o vínculo se dará com o empreiteiro, enquadrando-se no disposto no art. 4º da
lei em destaque.
Visto quem são os sujeitos e seus critérios definidores, resta agora
caracterizar as relações travadas entre empregados e empregadores rurais na
realidade
Pode-se perceber, então, com a análise do processo de regulação
pública do trabalho rural, que esta estrutura teve como preocupação principal
não a defesa concreta ou mesmo a criação de condições favoráveis ao
exercício digno do trabalho rural, mas sim em garantir aos proprietários
mecanismos de acesso à mão de obra de forma barata e em larga escala. É
tanto que, como foi evidenciado, a legislação social posterior à Era Vargas,
destinada aos trabalhadores rurais, se constituiu como reprodução dos
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principais elementos da CLT, não abordando as especificidades do trabalho
rural, repercutindo no baixo grau de incidência das garantias sociais
trabalhistas no meio rural
Em seguida, será possível verificar a partir de elementos concretos que,
mesmo com o advento desta legislação social que rompe, em certa medida,
com os postulados do liberalismo jurídico, a efetivação dos pressupostos legais
encontrou obstáculos nas relações concretas de produção e de subsunção do
trabalho ao capital.
Neste sentido, o próximo capítulo tem como objetivo analisar no plano
concreto, a capacidade regulatória dessa legislação social frente aos
problemas enfrentados pelos trabalhadores rurais nesse cenário de expansão
da modernização da agricultura no país. Para tanto, será estabelecido um
panorama acerca das relações de emprego rural na fruticultura irrigada na
região do Submédio do São Francisco como forma de confrontar realidade e os
instrumentos protetivo direcionados ao trabalho no campo.
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3. FRUTOS DA MODERNIZAÇÃO: RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO E
EXPLORAÇÃO CONTINUADA DO TRABALHO RURAL – O CASO DA
FRUTICULTURA IRRIGADA NO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO
Após um longo caminho percorrido para melhor delinear o processo de
regulação pública das relações de assalariamento rural, o que se pode verificar
mesmo após o advento da legislação social trabalhista, foi um alto grau de
exploração da mão-de-obra do homem e da mulher do campo.
O processo de regulamentação social do trabalho rural encontrou grande
limitação em garantir a proteção devida ao/a trabalhador/a da agricultura seja
pela cultura histórica [institucional e privada] de desvalorização do trabalho no
meio rural, com suas raízes cravadas lá no período da escravidão; ou ainda
pela forte resistência dos setores patronais em efetivar a legislação trabalhista
(forma de diminuir os custos de produção num cenário de forte concorrência
econômica, onde a redução dos encargos representa muitas vezes garantia de
competitividade); ou mesmo pela situação desfavorável na correlação de forças
entre capital e trabalho no campo, a partir do avanço do modelo do
agronegócio e do enfraquecimento/cooptação dos instrumentos organizativos
dos trabalhadores.
No período de edição da Lei 5.889/1973, o setor agropecuário vivenciou
profundas mudanças no seu padrão produtivo, repercutindo tanto na estrutura
das unidades de produção como nas formas de organização e utilização da
força de trabalho rural. O fenômeno da industrialização da agricultura nacional,
normalmente conhecido na literatura como modernização conservadora, veio
acompanhado de modificações no plano das relações de trabalho no campo,
trazendo novos desafios à ordem jurídico-trabalhista, principalmente no que diz
respeito à cobertura social desses/as trabalhadores/as frente ao cenário de
intensificação das violações. Altas taxas de informalidade, jornadas exaustivas,
baixo padrão de salários, são alguns dos indicadores da situação [histórica] de
precarização do trabalho no meio rural.
Dentro dessa perspectiva, parte a presente pesquisa para a análise das
formas de inserção e exploração da mão-de-obra assalariada rural na
“moderna” agricultura brasileira, como forma de problematizar a regulação
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pública das relações de emprego rural, principalmente no que diz respeito ao
grau de incidência/observância dos direitos e garantias sociais na vida concreta
dos trabalhadores do campo. Assim, será dada prioridade ao estudo da
situação jurídico-trabalhista dos assalariados rurais na região do Submédio do
São Francisco, a partir da análise tanto dos mecanismos de compra e venda da
força de trabalho como das condições reais de exploração da mão-de-obra
rural na estrutura produtiva da fruticultura irrigada, carro-chefe do agronegócio
da região. Toda essa análise não pode se dar de forma deslocada dos
movimentos gerais que orientaram essa “enxurrada” modernizadora do setor
agropecuário no Brasil, por isso a caracterização desse fenômeno da
“modernização” também se faz necessário.
O objetivo é confrontar os rumos [e as conseqüências] do projeto
hegemônico em pleno desenvolvimento na agricultura nacional com a realidade
do trabalho no campo, a fim de se verificar a capacidade protetiva dessa
legislação direcionada aos trabalhadores rurais. Eis o próximo desafio.
3.1.
BASES DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA DA AGRICULTURA
NO BRASIL
Foi a partir da segunda metade da década de 1960 que a agricultura
nacional passa vivenciar um novo estágio no seu padrão hegemônico de
desenvolvimento, tendo na industrialização seu fenômeno mais expressivo.
Esse processo de integração da indústria com a agricultura não se processou a
margem das relações entre capital financeiro internacional, grandes empresas
e Estado. A este último coube o papel de formulação de diretrizes e adoção de
medidas favoráveis à expansão da modernização produtiva do setor
agropecuário, viabilizando em larga escala recursos, infra-estrutura básica e
assistência técnica especializada (LAVINAS, 2007).
A orientação estava em garantir a expansão de novas plantas produtivas
de capital nacional e estrangeiro, aprofundando as relações capitalistas na
agricultura, a partir da combinação do uso de financiamento público,
tecnologias sofisticadas e uma abundante mão-de-obra migrante, temporal e
precária.
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Para LEITE (1995), a construção desse novo padrão agrário, redefinido a
partir das novas formas de valorização do capital, articulou diversos aspectos,
a saber: (i) econômico – ao concentrar os recursos financeiros disponíveis,
como o crédito rural, nas mãos da grande produção; (ii) ecológico – ao
intensificar/generalizar o uso de um padrão tecnológico baseado no binômio
mecanização/química-mineral, cujos impactos sobre o meio ambiente já são
amplamente sabidos; (iii) produtivo – na medida em que promoveu o processo
de industrialização do campo, estreitando as interfaces entre agricultura e
indústria, dominada por uma estrutura altamente oligopolizada; (iv) trabalhista –
ao incrementar a sazonalidade da força de trabalho, principalmente nas
culturas exportáveis, ao mesmo tempo em que fortalece o atrelamento do
movimento sindical à estrutura estatal; (v) financeiro – ao passo que estimula a
interferência do capital internacional na agricultura; (vi) demográfico – ao
transferir mais de 28 milhões de pessoas do meio rural para o urbano no
período de 1960-80, e deslocar sem as condições devidas, trabalhadores do
centro e do nordeste para os projetos de colonização da Amazônia; (vii) social
– ao manter condições insuficientes de trabalho e transporte no campo, aliada
a um baixo padrão de salários, refletindo na diminuição da demanda por
alimentos no mercado interno; (viii) geográfico – ao centralizar a modernização
em determinadas regiões do país, principalmente no eixo sul-sudeste,
ampliando as diferenças regionais.
Outro elemento não elencado por Leite, mas que contribuiu sobremaneira
à expansão do capital foi a inexpressiva inserção da regulação pública no
interior das relações de trabalho no campo com vistas a imposição de limites à
exploração da força de trabalho. A legislação trabalhista rural teve como objeto
principal em boa parte da sua história a regulamentação dos aspectos formais
da relação trabalhista (contrato, mecanismos de cumprimento, formas de
rescisão, etc.), exercendo na prática papel estratégico na medida em que
viabilizou o acesso amplo e o devido “aprisionamento” legal da força de
trabalho pelos grandes proprietários. Quando na década de 60 esse corpo de
leis assume dimensão social, o obstáculo se deu na falta de efetivação
concreta na realidade dos/as trabalhadores/as. Nesse sentido, a fragilidade da
regulamentação pública em estabelecer limites à exploração desmedida da
força trabalho permitiu as elites agrárias o acesso fácil a um grande
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contingente de mão-de-obra marginalizada da proteção social do trabalho,
elevando os índices de produtividade e lucratividade. Mais a frente os impactos
desse modelo no mercado de trabalho rural e nas condições de trabalho no
campo serão melhor analisados.
Retomando. O fenômeno da modernização da agricultura caracterizou-se
pelo alto grau de complexidade e imbrincamento entre as diversas frações do
capital agrário, industrial e financeiro. Nessa nova agricultura capitalista, as
mudanças nos padrões técnicos de produção garantiram o aumento da
produtividade basicamente através da expansão das áreas cultivadas (avanço
da fronteira agrícola) e da inserção da alta tecnologia (o que proporcionou o
aumento da produtividade física das lavouras).
Segundo KAGEYAMA (apud STADUTO; SHIKIDA & BACHA, 2004), no
processo de industrialização da agropecuária brasileira, dentre seu plantel, três
transformações se destacam como as mais significativas. A primeira diz
respeito às alterações no plano das relações de trabalho. Enquanto nos anos
de 1960, o trabalho se mostrava num caráter mais individualizado, é com o
avanço da tecnificação que este passa ter cunho coletivo, pois, ampliam-se as
formas de submissão desse trabalhador no interior da estrutura produtiva. As
atividades tornam-se cada vez mais especializadas, diferenciando o emprego
da força de trabalho nas etapas do processo de produção, fragmentando as
atividades do plantio a colheita. Acompanha-se o aumento das relações de
emprego por tempo determinado.
A regulamentação privada das relações expressa-se como situação mais
freqüente no mercado de trabalho rural, num processo contínuo de violação
das normas legais vigentes e mesmo as acordadas mediante negociação
coletiva. Num cenário de regressão dos direitos sociais, a diminuta proteção e
ausência de expressão sindical compõem a realidade do assalariado rural.
Segundo dados de IBGE, em 2007, apenas 10% dos trabalhadores rurais do
país – de um total de 16.579.000 – possuem carteira assinada. Isso quer dizer
que, segundo dados oficiais, somente 10% dos trabalhadores num universo de
quase 17 milhões, têm o reconhecimento formal público das suas relações de
trabalho, conformando uma alarmante incapacidade regulatória dessas normas
de proteção. Com a baixíssima incidência das normas públicas, delega-se à
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iniciativa privada a função de estabelecer os parâmetros e as condições em
que serão celebradas as relações de trabalho, ficando o/a trabalhador/a rural a
mercê da saga acumulativa dos grandes proprietários.
A segunda transformação refere-se á mecanização da agricultura.
Inicialmente, no imediato pós-guerra, a inovação tecnológica residia em grande
medida na substituição da força motriz dos animais (bovinos e muares) pela
mecânica. Posteriormente aos anos 60, “a mecanização apresentava como
principal característica a tentativa de substituir a habilidade manual e a
destreza do homem” (Idem, 58).
A terceira transformação diz respeito à internalização da produção de
insumos, máquinas e equipamentos no interior do setor agropecuário, por meio
da sua produção interna no país. A utilização desses implementos produtivos já
se mostrava presente na agricultura, mas dependia em grande medida da
capacidade econômica dos produtores em importar esses produtos. Com a
produção interna no país, contando ainda com acesso fácil ao crédito rural
pelos grandes proprietários, a mecanização vai se generalizando, conforme
demonstra tabela abaixo ao apresentar o aumento do uso de maquinário,
partindo da década de 1950 até as seguintes, sinalizando as mudanças do
setor.
Tabela 1
USO DE TRATORES NO BRASIL (1950-1985)
ANO
Nº DE TRATORES
1950
8.372
1960
61.338
1970
165.870
1975
323.113
1980
527.906
1985
665.280
Fonte: FIBGE – Censos Agrícolas do Brasil de 1950 e 1960;
CensosAgropecuários do Brasil de 1970, 1975, 1980 e 1985.
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92
Se hoje o Brasil lidera como maior mercado de agrotóxicos do mundo34,
movimentando uma cifra anual superior a U$ 7 bilhões de dólares, o inglório
título se deve ao forte empenho dos setores públicos em introduzir novos
padrões técnicos de produção monopolizados pelas grandes multinacionais de
insumos e em menor parcela pelo empresariado nacional. A viabilização desse
modelo se deu pela imposição via crédito rural e sua difusão ficou a cargo das
agências estatais de assistência técnica, como explica Lia Giraldo35,
pesquisadora da Fiocruz, ao fazer um resgate histórico de como se deu a
inserção em larga escala dos venenos destinados à produção agrícola no
Brasil:
Desde a década de 70, exatamente no ano de 1976, o governo criou
um plano nacional de defensivos agrícolas. Dentro do modelo da
Revolução Verde os países produtores desses agroquímicos
pressionaram os governos, através das agências internacionais, para
facilitar a entrada desse pacote tecnológico. Em 1976, o Brasil criou
uma lei do plano nacional de defensivos agrícolas na qual condiciona
o crédito rural ao uso de agrotóxicos. Assim, parte desse recurso
captado deveria ser utilizada em compra de agrotóxicos, que eles
chamavam, com um eufemismo, de defensivos agrícolas. Então, com
isso, os agricultores foram praticamente obrigados a adquirir esse
pacote tecnológico. E também com muita rapidez foi formatado um
modelo tecnológico de produção que ficou dependente desses
insumos, e isso aliado ainda a uma concentração de terras,
mecanização, com a utilização de muito menos mão de obra.
Tivemos um grande êxodo rural: de lá para cá o Brasil mudou
completamente, era um país rural e virou um país urbano, seguindo
um fenômeno que aconteceu também em outros países. Então, o
Brasil se rendeu às pressões econômicas internacionais na defesa
desse modelo. Depois disso houve muito lobby político, inclusive,
tivemos ministro ligado a empresas produtoras de agrotóxicos. E isso
fez com que o Brasil não só passasse a ser consumidor, mas também
produtor desses produtos. As cinco maiores produtoras de
agrotóxicos têm fábricas no Brasil – Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e
Monsanto (...). Na divisão internacional do capital, o Brasil ficou com
esse perfil de exportador de commodities, com um modelo de
desenvolvimento baseado no agronegócio e essa é a explicação para
sermos os campeões no uso de agrotóxicos (JÚNIA, 2011).
Assim, para se entender a origem dessa política agrícola não basta
verificar o aumento do número de maquinas ou do uso de fertilizantes
34
“O Brasil, segundo estudo da consultoria alemã Kleffmann Group, é o maior mercado de
agrotóxicos do mundo. O levantamento foi encomendado pela Associação Nacional de Defesa
de Vegetal (Andef), que representa os fabricantes, e mostra que essa indústria movimentou no
ano passado US$ 7,1 bilhões, ante US$ 6,6 bilhões do segundo colocado, os Estados Unidos.
Em 2007, a indústria nacional girou US$ 5,4 bilhões, segundo Lars Schobinger, presidente da
Kleffmann Group no Brasil. O consumo cresceu no País, apesar de a área plantada ter
encolhido 2% no ano passado”. Fonte: O Estado de S. Paulo. Disponível em:
<http://migre.me/53mig>, acessado em 04 de junho de 2011, às 12:51.
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93
químicos, é preciso considerar que o golpe militar instaurado em 1964 teve,
além de muitos outros objetivos estratégicos, a finalidade de “modernizar os
coronéis latifundistas e [tentar] impedir o crescimento da luta dos camponeses,
que
vinham
construindo
suas formas de
organização
e
resistência,
principalmente a partir de meados da década de cinqüenta” (FERNANDES,
1998: 8). A aliança entre governo militar e o empresariado nacional e
estrangeiro tinha como cerne a modernização tecnológica no campo, sem
mexer na estrutura fundiária36 historicamente consolidada nas mãos das elites
agrárias, sem falar no processo de valorização das terras mediante ação
especulativa do capital financeiro internacional e na criação de uma grande
reserva de força de trabalho.
As políticas institucionais direcionadas ao desenvolvimento rural ficaram
restritas em grande medida ao apoio à produção, principalmente para os
setores ligados à economia exportadora de commodities agrícolas. Em 1965,
logo no início da ditadura militar, o Governo Federal institui o Sistema Nacional
de Crédito Rural (SNCR) com o intuito de subsidiar em larga escala e de forma
seletiva os médios e grandes produtores para investimento, custeio da
produção em novas bases técnicas, comercialização, facilitando a implantação
de indústrias de insumos (HESPANHOL, 2007), em suma, criando as
condições para a ampliação e consolidação do modelo que ainda se tem hoje
no campo brasileiro.
O processo de expansão da agricultura capitalista não se deu à margem
de problemas estruturais inerentes ao padrão desenvolvimentista adotado
como a elevada concentração da propriedade da terra, a intensificação da
exploração da força de trabalho, a forte expansão de vínculos trabalhistas
instáveis (como os trabalhos por tempo determinado, temporário, diaristas,
etc.), subordinação dos pequenos produtores aos ditames das grandes
corporações agrícolas, o uso irracional dos recursos naturais (hídrico, mineral e
florestal).
36
Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o índice de concentração fundiária no Brasil 0,854. O índice de GINI é
medido em uma escala de 0 a 1, em que o zero representa distribuição de terras
absolutamente igual e o um, uma distribuição de terras totalmente desigual.
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94
3.1.1. O
AGRONEGÓCIO
COMO
SÍNTESE
HISTÓRICA
DA
MODERNIZAÇÃO
A expansão da agricultura “moderna” ocorreu simultaneamente à
formação dos complexos agroindustriais, na medida em que se aprofundou o
processo de modernização das bases técnicas e das formas de produção
agrícola (BALSAN, 2006).
Já na década de 1950, pesquisadores da
Universidade estadunidense de Harvard, John Davis e Ray Goldberg
enunciavam
o
conceito
desses
complexos
industriais
agrícolas,
ou
agrobusiness, ou agronegócio como é comumente chamado no Brasil, sendo
este: “a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos
agrícolas,
das
operações
de
produção
nas
unidades
agrícolas,
do
armazenamento, processamento, distribuição dos produtos agrícolas e itens
produzidos a partir deles” (PADILHA JR, 2007: 3). Em termos formais, o
complexo agroindustrial (CAI) pode ser definido como,
um conjunto formado pela sucessão de atividades vinculadas à
produção e transformação de produtos agropecuários e florestais.
Atividades
como:
a
geração
destes
produtos,
seu
beneficiamento/transformação e a produção de bens de capital e de
insumos industriais para as atividades agrícolas; ainda: a coleta, a
armazenagem, o transporte, a distribuição dos produtos industriais e
agrícolas; e ainda mais: o financiamento, a pesquisa e a tecnologia, e
a assistência técnica (MÜLLER, 1989: 45).
Entretanto, essa definição técnica não revela a natureza da conjuntura
histórica, das relações sociais e das bases materiais que envolveram a gênese
e o desenvolvimento dessa estrutura produtiva na agricultura brasileira.
Primeiramente, cumpre destacar que o agronegócio, nome dado ao modelo de
desenvolvimento econômico da atual agropecuária capitalista, não é uma
novidade, tendo sua origem datada lá no período da colonização, na estrutura
da grande lavoura açucareira.
Para os defensores do modelo do agronegócio, a pobreza e a miséria
são mazelas vinculadas às grandes propriedades rurais latifundiárias,
essencialmente
improdutivas,
e
que
foram
transformadas,
com
a
modernização, em “verdadeiras empresas rurais, ou seja, imóveis altamente
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95
produtivos, explorados racionalmente e responsáveis por vários benefícios
econômicos” (FABRINI, 2008: 37).
Essa estrutura carrega muito mais inovações no plano político-ideológico
do que significativas mudanças no plano econômico-produtivo, já que sua base
de produção persiste na agricultura em extensas faixas de terra, monocultora,
voltada para exportação, envolvendo complexos agro-industriais, utilizando-se
em larga escala da financeirização dos capitais (FERNANDES, 2009). Segundo
o autor, o agronegócio surge enquanto estratégia ideológica para tentar mudar
a imagem negativa construída pelo latifúndio ao longo desses séculos de
exploração, pois associa em sua essência a imagem da exploração, do
trabalho escravo, da concentração fundiária, dos assassinatos no campo,
mazelas que não deixam de macular a proposta “inovadora” do agronegócio.
Em síntese, o agronegócio pode ser compreendido enquanto um complexo de
sistemas englobando: (i) agricultura; (ii) indústrias; (iii) mercado; (iv) e finanças
(FERNANDES, 2008).
Avançando na formulação, a pesquisa retoma o conceito já utilizado no
capítulo anterior por ser de uma completude característica. Apontam as
mulheres camponesas da Via Campesina que o agronegócio é formado pela
combinação de fatores como: (i) latifúndio - ao manter a grande propriedade
como unidade produtiva por excelência, (ii) ciência e tecnologia – na medida
em que amplia a inserção dos avanços tecnológicos direcionados à ampliação
da produtividade física das lavouras, englobando desde a biotecnologia e a
manipulação genética até o complexo maquinário das colheitadeiras por
satélite, (iii) capital financeiro – justamente pela nova agricultura capitalista
aglutinar diversos setores do capital financeiro internacional que passaram a
investir seus recursos na terra como reserva de valor, (iv) indústria química e
metalúrgica – por integrar na planta produtiva agrícola a produção dos insumos
antes restritos à capacidade de importação dos proprietários rurais, (v)
financiamento público – por ser o principal mecanismo de viabilização dos
grandes empreendimentos rurais através da multiplicação das linhas públicas
de crédito. Sobre esse ponto cabe um destaque. Como se não bastasse a
monopolização do acesso ao crédito, o grande proprietário ainda representa os
maiores índices de inadimplência quando o assunto é quitar a dívida pública.
Segundo o Censo Agropecuário de 2006, as propriedades com até 10 (dez)
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96
hectares, envolvendo 371.608 estabelecimentos, representam 7,1% do total da
dívida, chegando a uma dívida média por estabelecimento de R$ 5,1 mil reais;
já as propriedades com mais de 1.000 (mil) hectares, compreendendo 9.374
estabelecimentos, respondem por 33% do total da dívida, chegando a um valor
médio de R$ 943 mil reais por estabelecimento; e por fim (vi) mídia –
cumprindo o papel de travar a disputa ideológica perante a sociedade sobre as
“vantagens” do novo modelo37. “O agronegócio é o novo rosto do latifúndio”,
afirmam as camponesas em luta (VIA, 2011).
CAMACHO et al (2011: 3-4) a partir de seus estudos incorpora outras
categorias de análise para o entendimento da estrutura do agronegócio, como:
(a) centralização – partindo de um controle centralizado da produção,
processamento e de mercado, com unidades produtivas maiores e em menor
quantidade; (b) dependência - no plano científico, de alto investimento
tecnológico, no plano financeiro, de créditos e incentivos públicos; (c)
competitividade – ênfase na eficiência, no controle de qualidade, vislumbrando
maximizar o lucro; (d) domínio da natureza – redução da natureza a meros
recursos a serem manipulados segundo as orientações do crescimento
econômico; produtividade maximizada por meio de insumos industrializados e
modificações de ordem genética; monopolização da produção através de
royalties de produtos agrícolas patenteados; (e) especialização – predomínio
da monocultura; sistemas de produção com certo grau de padronização e com
etapas definidas; (f) exploração -
intensa do trabalho e dos recursos naturais.
Sobre o modelo do agronegócio, afirma João Pedro Stédile38:
O investimento dos bancos internacionais em grandes empresas,
através da compra de ações, deu origem a grandes conglomerados e
verdadeiros oligopólios da agricultura, a exemplo do que aconteceu
com o setor energético. A Monsanto é fruto desse fenômeno, formada
por 56 empresas diferentes. Atualmente, produz a semente, vende o
adubo, o fertilizante, as máquinas e até o remédio utilizado pelos
agricultores que adoecem com o uso dos agrotóxicos. No setor de
37
Jornada
de
Lutas
das
Mulheres
da
Via
Campesina
2011.
IN:
http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=163:jornada-delutas-das-mulheres-da-via-campesina-2011, acessado em 04 de Junho de 2011, às 14:33.
38
"Agronegócio é o casamento das transnacionais com os grandes proprietários" – IN: Brasil
de Fato, 12/07/2007: http://www.brasildefato.com.br/node/826, acessado em 04 de Junho de
2011, às 16:56.
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97
grãos, apenas cinco empresas controlam toda a cadeia, desde as
sementes e insumos ao mercado internacional, entre elas a
Monsanto, a Cargill e a Bunge.
As transformações decorrentes desse processo de “modernização” da
agricultura não ocorreram de maneira uniforme nas diversas regiões do país,
muito menos em todos os tipos de produtores. Assim, privilegiou-se “as regiões
mais desenvolvidas e os grandes produtores rurais, aumentando ainda mais a
acumulação [monopolista] de capitais nesse segmento” (DIEESE, 2001: 212).
É a partir da década de 1990, principalmente no pós-Plano Real (PRONI
& HENRIQUE, 2003), que a modernização transcende os limites das regiões
sul e sudeste. Na sua atual fase de expansão, a modernização tem sido feita
com base nos elevados índices de mecanização nas diversas regiões
produtoras do país, criando pólos de referência na produção agropecuária,
pulverizados ao longo do território nacional, caso da fruticultura irrigada da
região do Submédio do São Francisco que mais a frente será analisada.
3.2.
MODERNIZAÇÃO
DA
AGRICULTURA
E
OS
IMPACTOS
NAS
RELAÇÕES DE TRABALHO ASSALARIADO RURAL
Inicialmente, cumpre destacar que quando o assunto é trabalho rural,
deve-se partir do entendimento de que a diversidade de formas e relações é a
marca característica do mercado de trabalho rural. Posseiros, arrendatários,
parceiros, assalariados, que por sua vez se desdobram em permanentes e
temporários, enfim, diversas são as possibilidades de ocupação e exploração
da força de trabalho no campo. Em grande medida, essas relações encontramse reguladas pelo ordenamento jurídico nacional, num amplo leque normativo
codificado e em legislação específica.
Apesar dessa diversidade, a situação atual do trabalho no setor
agropecuário tem sofrido sérios impactos com o avanço do padrão industrial e
a crescente “modernização” das atividades produtivas dos empreendimentos
agrícolas. Para a presente pesquisa, serão analisados os impactos dessas
transformações nas relações de emprego rural, abrangendo empregados
permanentes e temporários, principalmente no que diz respeito à situação
jurídico-trabalhista dessa mão-de-obra.
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Uma das mudanças significativas dessa enxurrada modernizadora foi a
expansão do assalariamento no campo, sobretudo no caso do emprego
temporário (MORETTO; KREIN; POCHMANN & MACAMBIRA, 2010). Em
relação às abordagens teóricas sobre a expansão do uso da mão-de-obra
temporária na agricultura brasileira, duas se destacam como as mais influentes
nos estudos sobre o tema. A primeira relaciona o crescimento das relações de
emprego temporário ao surgimento das regras de proteção social do trabalho
rural, como forma dos empregadores se eximirem do pagamento dos encargos
trabalhistas, descaracterizando o núcleo protetivo central do ordenamento
trabalhista (emprego por tempo indeterminado conforme preceitua o art. 443 da
CLT [BRASIL, 1943]) para ampliar as margens de lucratividade das empresas
agrícolas. Já a segunda referência teórica defende que o crescimento do
trabalho assalariado temporário se deu em função da nova fase do
desenvolvimento capitalista na agricultura brasileira, potencializados pela
crescente especialização das atividades agropecuárias (CACCIAMALI apud
STADUTO et al, 2004). Por ser a realidade um todo dialético, não tem sentido
polarizar de forma reducionista qual a causa específica do fenômeno, devendo
sim compreendê-lo como síntese de múltiplas determinações sociais,
econômicas e políticas, que englobam sem dúvida as causas acima descritas e
ainda articulam outras a elas. Tanto a mecanização da produção agrícola das
médias e grandes propriedades como a falta de uma política estruturada de
apoio à agricultura familiar interferiram diretamente nas oportunidades de
trabalho no campo brasileiro, operando-se a conversão de pequenos
produtores em trabalhadores temporários, de forma permanente ou eventual
como mecanismo de complementação da renda familiar (MORETTO at al,
2010).
Existem ainda teóricos que explicam a expansão do trabalho temporário
a partir da necessidade de acumulação ampliada do capital na agricultura
brasileira. No caso nacional poderia haver, à primeira vista, três opções para
essa acumulação capitalista, sendo essas (i) a extensão da jornada de
trabalho; (ii) o aumento da intensidade do trabalho; e (iii) o aumento da
produtividade.
A primeira não perecia crível, tendo em vista os níveis já extremos da
jornada. Quanto ao aumento da intensidade do trabalho, este deveria vir
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99
acompanhado de uma contrapartida que no mínimo animasse o trabalhador,
daí as gratificações, prêmios e a vinculação do salário à produção. A terceira
via se deu através do alto investimento em capital constante, aplicado nos
fatores de produção (matérias-primas, tecnologias, insumos, etc.), cuja
modernização das unidades produtivas foi o principal reflexo. O aumento da
produtividade repercutiu na exclusão parcial da força de trabalho rural,
visualizadas tanto (i) na diminuição da capacidade de absorção da população
rural - conforme demonstra o Censo Agropecuário do IBGE de 2006, o número
total de pessoas ocupadas em atividades agropecuárias reduziu de 21,1
milhões, no ano de 1980, para 17,9
milhões em 1996, chegando a cifra de 16,4 milhões em 2006; (ii) como
no aumento do desemprego rural, como se verificar na tabela abaixo.
Tabela 2
Fonte: IBGE
ANO
POPULAÇÃO
ANO
DESOCUPADA EM
ÁREAS RURAIS
POPULAÇÃO
DESOCUPADA EM
39
ÁREAS RURAIS
1992
271.408
2001
358.202
1993
260.132
2002
330.200
1994
*
2003
329.017
1995
281.048
2004
376.098
1996
341.725
2005
437.434
1997
358.479
2006
441.981
1998
463.331
2007
427.981
1999
503.652
2008
385.288
2000
*
2009
502.943
A década de 1990 representou um período de inserção intensa de
tecnologias voltadas para a produção agrícola, direcionadas principalmente às
39
Número de pessoas que procuraram, mas não encontraram ocupação profissional
remunerada na semana de referência da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad/IBGE), estimado a partir dos microdados da pesquisa. Elaboração: Disoc/Ipea.
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100
fases da colheita e pós-colheita, intensificando a redução da demanda de mãode-obra rural.
O impacto das novas colhedoras sobre o nível de demanda de mãode-obra agrícola é muito significativo: na cultura do algodão, uma
colhedora substitui o trabalho de 80 a 150 pessoas; no café, uma
colhedora automotriz pode eliminar até 160 pessoas; na cana-deaçúcar, uma colhedora elimina o trabalho de 100 a 120 pessoas; na
cultura do feijão, uma colhedora também pode substituir o trabalho de
100 a 120 pessoas (PRONI & HENRIQUE, 2003).
Ao lado desse movimento de diminuição dos postos de trabalho no meio
rural, percebe-se também um baixo nível de renda entre os/as trabalhadores/as
rurais, segundo dados do IBGE apresentados na tabela logo abaixo.
Tabela 3
Fonte: PNAD 2008
FAIXA DE RENDA
EMPREGADOS
EMPREGADOS
PERMANENTES
TEMPORÁRIOS
ATÉ ¼ SALÁRIO MÍNIMO
10,00%
22,13%
MAIS DE ¼ ATÉ ½ SALÁRIO
29,43%
30,79%
36,20%
32,33%
19,11%
12,35%
2,13%
0,75%
0,95%
0,05%
0,69%
0,04%
SEM RENDIMENTO
0,00%
0,00%
SEM DECLARAÇÃO
1,50%
1,56%
MÍNIMO
MAIS DE ½ ATÉ 1 SALÁRIO
MÍNIMO
MAIS DE 1 ATÉ 2 SALÁRIOS
MÍNMOS
MAIS DE 2 ATÉ 3 SALÁRIOS
MÍNIMOS
MAIS DE 3 ATÉ 5 SALÁRIOS
MÍNIMOS
MAIS DE 5 SALÁRIOS
MÍNIMOS
O cenário é tão degradante que quase 40% dos empregados
permanentes e 55% dos empregados temporários recebem metade de um
salário mínimo como contraprestação à venda da sua força de trabalho.
Quando se eleva a renda até o limite de um salário mínimo as cifras chegam a
atingir 75% e 85%, respectivamente.
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101
Apesar do valor mensal dos rendimentos das atividades agrícolas ter
apresentado tímida melhora quando comparado aos anos anteriores (R$ 278
em 2004, R$ 295 em 2006), mantêm-se três vezes inferior do que o valor
mensal das atividades não agrícolas, nem chegando ao montante de um
salário mínimo, como pode ser observado na tabela abaixo.
Tabela 4
Fonte: PNAD 2008
ATIVIDADE DO TRABALHO
RENDIMENTO MÉDIO
PRINCIPAL
MENSAL DO TRABALHO
PRINCIPAL (EM R$)
AGRÍCOLA
335
NÃO-AGRÍCOLA
1.020
A institucionalização do salário-mínimo para os/as trabalhadores/as rurais
no ano de 1963 não foi suficiente para garantir um padrão digno de
contraprestação à venda da força de trabalho. O baixíssimo valor da
remuneração mensal impõe uma situação de reprodução social desta mão-deobra em limites de escassez. E quando comparado o valor da remuneração
mensal entre homens e mulheres da Região Nordeste, as trabalhadoras são
exploradas de forma mais intensa, com salários mais precários, conforme
demonstra a tabela a seguir.
Tabela 5 - Fonte: PNAD 2008
Valor (em R$) do rendimento médio mensal da PEA rural por região e por sexo
BRASIL E REGIÕES
HOMEM
MULHER
Brasil
548
299
Norte
587
308
Nordeste
337
230
Centro-oeste
768
332
Sudeste
709
380
Sul
768
332
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102
Segundo a PNAD 2008, o contingente de pessoas ocupadas em
atividades agrícolas desdobra-se em quatro categorias: (i) empregado40; (ii)
conta-própria41; (iii) empregador42;
e (iv) trabalhador não-remunerado43. No
ano de realização da pesquisa em destaque, esse coletivo de ocupados
encontrava-se distribuído da seguinte forma:
Gráfico 1
Os trabalhadores não-remunerados representam o maior grupo de
ocupados no setor agropecuário, somando 43% do total da mão-de-obra
rurícola. Seguidos dos empregados (aglutinando permanentes e temporários),
com 29 %. Em terceiro os trabalhadores por conta-própria, representando 25%
e em menor escala, os empregadores com somente 3%.
Para além da visualização esquemática, os dados revelam que mais de
2/3 dos/as trabalhadores/as rurais estão formalmente fora das relações de
assalariamento, ou seja, encontram-se não abarcados pelos direitos e
garantias do sistema jurídico-trabalhista estruturado centralmente na relação de
emprego. Considerando o caráter expressivo dessa parcela excluída do pacto
de proteção social do trabalho, aliado à falta de planejamento e de políticas
40
Conceito PNAD 2008: Pessoa que trabalhava para um empregador (pessoa física ou
jurídica), geralmente obrigando-se ao cumprimento de uma jornada de trabalho e recebendo
em contrapartida uma remuneração em dinheiro, mercadorias, produtos ou benefícios
(moradia, comida, roupas, etc.).
41
Conceito PNAD 2008: Pessoa que trabalhava explorando o seu próprio empreendimento,
sozinha ou com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajuda de trabalhador não
remunerado.
42
Conceito PNAD 2008: Pessoa que trabalhava explorando o seu próprio empreendimento,
com pelo menos um empregado.
43
Pessoa que trabalhava sem remuneração, durante pelo menos uma hora na semana, em
ajuda a membro da unidade domiciliar que era: empregado na produção de bens primários
(que compreende as atividades da agricultura, silvicultura, pecuária, extração vegetal ou
mineral, caça, pesca e piscicultura), conta própria ou empregador
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103
efetivas de apoio à agricultura familiar, esse nicho fica exposto ao
estabelecimento de relações precárias de trabalho, normalmente na forma do
emprego temporário, como meio de complementação da já diminuta renda.
Submetem
eventualmente
sua
força
de
trabalho
para
os
grandes
empreendimentos, já que não possuem condições de garantir o sustento
somente com seu trabalho autônomo.
Muitas foram as transformações vividas na agricultura nacional com o
avanço da modernização das relações produtivas. Esse padrão lastreado na
concentração da propriedade privada da terra, na destruição crescente da
natureza, no monocultivo e na usurpação dos recursos públicos trouxe novas
questões para o mundo do trabalho, tanto no campo como na cidade. Essas
mudanças repercutiram diretamente as formas de inserção do homem e da
mulher no mercado de trabalho rural e nas condições de exploração da sua
força de trabalho. Assim, parte o presente trabalho para caracterização um
pouco mais detalhada dessa conjuntura do campo e do trabalho na vida do/a
trabalhador/a. Para tanto, serão analisadas as especificidades dessa
modernização na região Submédio do Vale do São Francisco, com o
desenvolvimento da fruticultura irrigada, bem como a capacidade de inserção
da legislação social na regulação dessas relações de assalariamento, com
vistas à situação de observância dos direitos e garantias relativos ao trabalho
rural.
3.3. RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO NA REGIÃO SUBMÉDIO DO SÃO
FRANCISCO: EXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO RURAL NO PÓLO
DA FRUTICULTURA IRRIGADA
Com um mercado nacional e estrangeiro em estado de crescimento, a
Região Nordeste desponta como grande centro produtor de frutas tropicais
frescas do país, articulando uma série de elementos favoráveis ao título, como
(a) condição climática, (b) solos férteis, (c) amplo acesso a recursos hídricos e
a (d) mão-de-obra abundante (COSTA & COSTA, 2008). Dentro desse
universo, o Vale do São Francisco tem se destacado. Abrangendo os estados
de Minas Gerais, Bahia, Goiás, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, possui uma
superfície de 639.219,4 km2, aglutinando 504 municípios, sendo 35,5 milhões
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104
de hectares agricultáveis num total de 64 milhões (CODEVASF, 2010). O Vale
do São Francisco tradicionalmente é dividido em quatro sub-regiões: Alto,
Médio, Submédio e Baixo São Francisco.
No plano da fruticultura irrigada, a região Submédio São Franciscana,
mais especificamente, o pólo Juazeiro-Petrolina tem conquistado posição de
destaque, tornando-se o centro de exportação mais dinâmico do setor a nível
nacional. O complexo produtivo é formado por oito municípios, sendo Petrolina,
Santa Maria de Boa Vista, Lagoa Grande e Orocó representantes da fração
pernambucana e Juazeiro, Curaçá, Casa Nova e Sobradinho as cidades do
núcleo baiano. Dentre as frutas produzidas em larga escala, destacam-se a
manga e uva.
Com o tempo, a região tornou-se referencia na produção de frutas no
Brasil, a saber, que 99% da exportação de uva e 87% da de manga,
saiam do Vale do São Francisco (IBRAF- Instituto Brasileiro de
frutas), sobretudo, para EUA, União Européia e Japão (SAMPAIO &
NASCIMENTO, 2010: 1).
Especificamente quanto à viticultura (produção de uvas) algumas
peculiaridades do processo produtivo explicam a situação de destaque, pois,
Trata-se da única região do mundo que produz uvas o ano todo,
sendo possível, dependendo da cultivar, colher entre duas e três
safras anualmente. Esta característica vem fazendo com que o Vale
tenha a devida reputação e seja tão conhecido, com grande potencial
de produção de vinhos com rentabilidade. Além disso, é possível
realizar o escalonamento da produção ao longo do ano, o que reduz
os investimentos em termos de infra-estrutura para a elaboração dos
vinhos, além de possibilitar escolher os períodos do ano mais
favoráveis para que se consigam uvas e vinhos de melhor qualidade
e com tipicidades. A irrigação a partir da água do Rio São Francisco,
de excelente qualidade, é o fator principal que permite com que as
videiras se desenvolvam o ano todo, possibilitando decidir quando
iniciar uma nova safra e prever a data da colheita (PEREIRA, 2007).
A expressividade econômica do Pólo Juazeiro-Petrolina se deu pela
expansão tanto da agricultura irrigada como da integração crescente entre as
atividades agrícolas e industriais. Para viabilização dessa pujança agrícola, a
atuação pública dos organismos estatais de fomento foi fundamental.
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105
3.3.1. A ENXURRADA MODERNIZADORA: CVSF, SUVALE, CODEVASF E A
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA IRRIGADA NO
VALE DO SÃO FRANCISCO
Até 1940, a principal atividade econômica do Vale do São Francisco era
a pecuária extensiva. A experiência estadunidense do Tennessee Valley
Authority (TVA), órgão criado pelo governo Roosevelt no período pósdepressão de 1929 para arquitetar o desenvolvimento regional do Vale do
Tennesse, uma das regiões mais pobres do território norte-americano, através
de
programas de geração
de
energia
(construção de barragens e
hidroelétricas) e da expansão da agricultura irrigada (KASPI, 2004), exerceu
forte influência para se pensar a os rumos econômicos do vale brasileiro. No
plano legislativo, o art. 29 das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal de 1946 estabelecia a obrigatoriedade da União investir
quantia não inferior a 1% da renda tributária do país, num prazo de 20 anos,
para o desenvolvimento do Vale do São Francisco (SECTI/BA, 2008).
Assim, ainda na década de 1940, o governo brasileiro elabora o Plano
de Aproveitamento do Vale do São Francisco, prevendo ações de
regularização do curso do rio por meio de barragens, projetos de irrigação,
geração de energia elétrica, delimitação das áreas industriais, colonização,
exploração de minérios, construção de estradas, etc. (BLOCH, 1996). Para
tanto, foi criada a Comissão do Vale do São Francisco por meio da Lei n. 541
de 1948, com o objetivo de implementar as políticas descritas, aliada a difusão
da irrigação para os pequenos produtores ribeirinhos.
No mesmo período também entrou em funcionamento a Companhia
Hidroelétrica do Vale do São Francisco (Chesf). No curso da execução do
projeto de desenvolvimento, vislumbrando o aumento da produtividade de
energia para atender as novas necessidades produtivas, no ano de 1979 é
inaugurada a barragem de Sobradinho, “formando o maior lago artificial da
América Latina, com 4.200 km2, e desalojando nada menos do que setenta mil
pessoas”
(Idem,
22).
Os
grandes
beneficiários
dessa
política
desenvolvimentista foram [e ainda são] as populações urbanas localizadas a
centenas de quilômetros da área, e em grande medida as empresas industriais
que utilizam em larga escala os recursos hídricos em seus processos
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106
produtivos e os grandes proprietários da agricultura irrigada, impondo às
comunidades
rurais
o
deslocamento
forçado,
a
proletarização
e
a
marginalização (ANDRADE, 1981).
Em 1967, a CVSF é substituída pela SUVALE, resolvendo concentrar
sua intervenção em áreas ditas como prioritárias. O pólo de Juazeiro-Petrolina
foi uma delas.
Pouco tempo depois, com a Lei n. 6.088 de 16 de Julho de 197444, a
SUVALE
é
extinta
sendo
criada
em
seu
lugar
a
Companhia
de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), com as seguintes
atribuições:
Art. 4º. A CODEVASF tem por finalidade o aproveitamento, para fins
agrícolas, agropecuários e agroindustriais, dos recursos de água e
solo do Vale do São Francisco, diretamente ou por intermédio de
entidades públicas e privadas, promovendo o desenvolvimento
integrado de áreas prioritárias e a implantação de distritos
agroindustriais e agropecuários, podendo, para esse efeito, coordenar
ou executar, diretamente ou mediante contratação, obras de infraestrutura, particularmente de captação de águas para fins de
irrigação, de construção de canais primários ou secundários, e
também obras de saneamento básico, eletrificação e transportes,
conforme Plano Diretor, em articulação com os órgãos federais
competentes (BRASIL, 1974).
Através da articulação com o Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
representantes do capital internacional interessados na agricultura brasileira, a
CODEVASF coordenou e executou grandes obras de infra-estrutura, com
destaque para os projetos de irrigação. Na região do Submédio foram
implementados vários projetos. “Em Juazeiro/BA, os distritos de Tourão em
1978, Maniçoba em 1981, e Curaçá/BA em 1982; e em Petrolina/BA, os
distritos de Nilo Coelho em 1984, e Maria Tereza em 1990” (SECTI, 2008: 2).
Foi nesse processo de viabilização dos projetos públicos de irrigação
que inúmeras empresas nacionais e estrangeiras, principalmente as do setor
frutícola, instalaram suas unidades produtivas na região de Juazeiro e
Petrolina. As principais culturas produzidas e beneficiadas eram o melão, a
banana e a cana-de-açúcar, mas foi com a produção em larga escala da
manga e da uva que o Submédio do São Francisco adquiriu o título de “Nova
Califórnia”.
44
Texto da Lei na íntegra: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6088.htm
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107
Basicamente, na região do Submédio a agricultura irrigada encontra-se
concentrada nos projetos de colonização iniciados no final da década de 1960
e nas grandes empresas rurais.
Nos perímetros implementados pela CODEVASF há geralmente dois
tipos de áreas: uma destinada aos colonos e outra das empresas.
Mais precisamente nesses perímetros é considerado colono quem
possui menos de 12 há; as terras entre 12 a 18 há já constituem uma
pequena empresa; entre 18 a 60 temos as grandes empresas
(BLOCH, 28).
A
implementação
dos
projetos
públicos
de
irrigação
encontra
fundamento jurídico no “interesse social”, conforme dispõe a Lei n. 6.662 de 25
de Junho de 197945. O instrumento normativo regula o Plano Nacional de
Irrigação vislumbrando o desenvolvimento da agricultura irrigada (BRASIL,
1979, art. 1º), por meio dos programas (BRASIL, 1979, arts. 6º e 7º) e projetos
de irrigação operados tanto pelo setor público como pelo privado (BRASIL,
1979, arts. 8º - 11), estabelecendo ainda os direitos e deveres do irrigante
(responsável pela execução – BRASIL, 1979, art. 26) bem como as regras para
desapropriação e seleção pública dos colonos e empresas.
Os fundamentos da política de irrigação podem ser notados através
da adoção de princípios e mecanismos de mercado, manifestados,
dentre outros aspectos, pela prioridade à iniciativa empresarial e pela
implantação da lógica do agronegócio, calcada na racionalidade
econômica do mercado, em parâmetros de produtividade,
competitividade e lucratividade. Essa perspectiva ganhou maior
expressão a partir do movimento desencadeado no final da década
de 1990 (NETO, 2006: 4).
Nesse processo, a predominância da lógica empresarial impôs a
substituição dos colonos que não conseguiam atender as exigências da
agricultura irrigada modernizada, destinando a maior parte dos projetos
públicos às empresas agrícolas, principalmente da fruticultura.
(...) os projetos irrigados, implantados a partir da década de 1980, 9%
deles foram ocupados exclusivamente por empresas, 64%
apresentam predominância de ocupação por empresas, 18%
possuem predominância de colonos e apenas 9%foi ocupado
exclusivamente por colonos (Idem, 5).
45
Texto da Lei na íntegra: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L6662.htm
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Dentre os segmentos marginalizados com a expansão da fruticultura
irrigada estão os/as trabalhadores/as assalariados/as do pólo JuazeiroPetrolina. Passa a presente pesquisa para a caracterização das relações de
assalariamento estabelecidas nas atividades agrícolas do Submédio do São
Francisco.
3.3.2. FRUTICULTURA IRRIGADA E RELAÇÕES DE ASSALARIAMENTO:
ENTRE A PROTEÇÃO SOCIAL E A REALIDADE DO TRABALHO RURAL
O processo de modernização da agricultura brasileira veio acompanhado
do crescimento do trabalho assalariado no campo. Seguindo as mudanças
colocadas a nível nacional, a expansão da fruticultura irrigada no Submédio
São Franciscano se deu através da estruturação de um modelo produtivo que
tem intensificado o contrato de trabalho “temporário, descontínuo, flexível”
(MOTA, 2001: 114).
Na relação de emprego rural existe a possibilidade de se firmar inúmeros
tipos de contratos por prazo determinado como o contrato de safra, o contrato
de trabalho temporário (Lei n. 6.019/74) ou mesmo o contrato de experiência.
Sobre o tema, dispõe o art. 443, §2º da CLT:
Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita
ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo
determinado ou indeterminado. § 2º - O contrato por prazo
determinado só será válido em se tratando: a) de serviço cuja
natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b)
de atividades empresariais de caráter transitório; c) de contrato de
experiência (BRASIL, 1943)
Nesse sentido, o contrato de emprego por tempo determinado é
considerado exceção dentro do ordenamento jurídico nacional, sendo permitido
somente nos casos previstos na legislação trabalhista. Além do mais, os
contratos a termo não podem ser estipulados por um prazo superior a dois
anos (art. 445, CLT), passando a vigorar sem determinação de prazo quando
prorrogado tácita ou expressamente por mais de uma vez (art. 451, CLT).
Ainda no plano da afirmação do seu caráter excepcional, dispõe o art. 452 das
normas consolidadas que também será considerado por prazo indeterminado,
o contrato que suceder, dentro de seis meses, outro contrato por prazo
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109
determinado, salvo se a expiração esteve relacionada à execução de serviços
especializados ou da realização de certos acontecimentos.
As formas mais comuns de assalariados rurais na região pesquisada
são: (i) empregado permanente - aquele estabelecido no art. 2º da Lei 5889/73,
contratado por tempo indeterminado e que possue a sua disposição
mecanismos de proteção contra despedida arbitrária (a exemplo da multa do
art. 477, das hipóteses de estabilidade no emprego), sendo o vínculo mais
protegido no plano legal; (ii) safrista – aquele cuja duração do contrato depende
da influência das estações sazonais típicas das atividades agrícolas,
abrangendo normalmente as tarefas executadas entre o preparo do solo e a
colheita, tratando-se de trabalho não-eventual, prestado de forma pessoal, com
dependência e mediante salário. Findo o contrato de safra o empregador tem a
obrigação de pagar ao empregado o saldo de salário, férias e décimo terceiro
proporcional, além do FGTS recolhido durante a vigência do contrato. O
empregado tem direito a indenização pelo tempo de serviço prestado
correspondente a 1/12 (um doze avos) do salário por mês ou fração superior a
14 dias trabalhados (art. 14, Lei n. 5.889/73); (iii) diaristas – sendo mais
comumente requisitados nos períodos de colheita e cuja remuneração se dá
por tarefa ou por produção. Cumpre destacar que nesse tipo de relação não há
vinculo empregatício, por faltar-lhe o requisito da continuidade, configurando
simples prestação de serviço, estando o trabalhador excluído das garantias
trabalhistas (VALERIANO, 2003).
Apesar do seu caráter excepcional, o contrato de trabalho por tempo
determinado é utilizado em larga escala nas unidades produtivas, chegando a
superar em muitas de vezes o número de empregados permanentes, afirma um
dos trabalhadores entrevistados na região.
Lá tem uma faixa de vinte [trabalhadores] fichados (ou empregados
por tempo indeterminado. O número dos contratados (empregados
por tempo determinado) é muito maior. São três ônibus agora, uns
170 trabalhador.
Reflexo de que boa parte da mão-de-obra encontra-se fora do núcleo
protetivo central da legislação trabalhista.
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110
3.4.
AS
CONDIÇÕES
DE
TRABALHO
PELOS/AS
PRÓPRIOS/AS
TRABALHADORES/AS
Do ponto de vista da forma de abordagem do problema, a presente
pesquisa assume um viés qualitativo, na medida em que as entrevistas
realizadas com os assalariados rurais da fruticultura irrigada nos municípios de
Juazeiro e Casa Nova servem enquanto instrumento de verificação da relação
dinâmica entre o mundo real e os sujeitos dessa realidade. Aqui, o processo e
seus significados são os principais focos de análise (SILVA & MENEZES,
2001). Os depoimentos foram prestados por empregados/as permanentes,
safristas e diaristas principalmente da cultura da uva e manga, como forma de
se visualizar, mesmo que de maneira panorâmica, os conflitos existentes no
interior da relação trabalhista, muitas vezes não evidenciados pela própria
dependência econômica do/a trabalhador/a num cenário de violação extrema e
continuada. Assim, utilizar-se-á a metodologia de estudo de caso, pois
possibilita a investigação de um fenômeno da atualidade dentro de seu
contexto real, principalmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto
não estão bem definidos (YIN, 2005). Cumpre destacar que as entrevistas
foram concedidas sob a condição de permanecerem em sigilo, tendo em vista o
medo dos empregados de sofrerem retaliações pelos empregadores do ramo.
Foram entrevistados quatro trabalhadores, um homem e três mulheres, sendo
um
trabalhador
e
uma
trabalhadora
empregados
permanentes,
uma
trabalhadora safrista e uma trabalhadora diarista. Um aspecto interessante é
que todos os trabalhadores já experimentaram as diversas formas contratuais
junto à fruticultura irrigada, permitindo uma maior riqueza de detalhes.
Como primeiro ponto, cumpre destacar a forte divisão sexual do trabalho
no cultivo da uva na região. Nas empresas agrícolas, a mão-de-obra feminina
predomina em boa parte do processo produtivo, no releio46, na desfolhagem47,
46
“O raleio de bagas é uma das operações com maior exigência de mão-de-obra e,
conseqüentemente, com maior custo na produção de uvas finas de mesa (...). Essa prática
pode ser feita em duas fases distintas. A primeira fase é na pré-floração, quando os botões
florais soltam facilmente do cacho. Nessa fase é utilizado o "pente" plástico ou mesmo com a
mão, em processo denominado "pinicagem". O raleio com pente possibilita um bom rendimento
e uma boa eficiência, porém não deve ser utilizado em períodos chuvosos. O pente é passado
várias vezes até se chegar à eliminação do número desejado de botões florais, o que, em
alguns casos, chega a 80% do número total. Nessa operação são mantidos os ombros e
pencas dos cachos, eliminado-se apenas os botões florais. Após o raleio com pente, é
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111
na desbrota48, na própria colheita e na embalagem/encaixotamento, como
afirma a empregada permanente de uma das empresas frutícolas, explicando
seu processo de trabalho:
Eu “raleava”, limpava, colhia, embalava, fazia a desfolha. A única
coisa que eu nunca fiz dentro das firmas foi podar, irrigar, capinar e
49
aplicar o veneno, aplicava só o giberelim [ácido giberélico ] que era
pra desenvolver a planta.
As mulheres têm a preferência por que possuem a “fama” de serem mais
habilidosas e cuidadosas do que os homens [expressão do machismo
característico da realidade social brasileira], sendo estes comumente
empregados “em outras tarefas, como limpeza, adubação, pulverização de
pesticidas, etc.” (BLOCH, 1996, p. 58).
No processo de produção, explica a trabalhadora diarista:
Era uva, manga, melão. Eu trabalhava na parte do melão, por que a
gente plantava e ali a gente podava ele que era pra vim as frutas
selecionadas, maior, né? Nós ainda colhia e encaixava pra
transportar, sabe. Na uva, nós raleava a uva, pinicana bem novinha, e
necessário fazer a aplicação de um fungicida para proteção do cacho. Uma segunda fase para
o releio de bagas é após a fecundação, a partir da fase de chumbinho. Nessa fase, é utilizada a
tesoura de desbaste para eliminação das bagas. O raleio com tesoura é mais utilizado como
uma complementação ao raleio com pente, uma vez que é bem mais trabalhoso e demorado.
Com a tesoura são eliminadas as bagas pequenas, com algum tipo de defeito, localizadas na
parte interna do cacho e as que estão ainda em excesso, deixando-se as bagas de tamanho e
distribuição uniformes” (EMBRAPA, 2005).
47
“Desfolha é a remoção de folhas que encobrem os cachos, eliminando-se no máximo uma a
duas folhas por broto, com o objetivo de equilibrar a relação área foliar/número de frutos
melhorando a ventilação e insolação no interior do vinhedo, obtendo-se uma maior eficiência
no controle de doenças fúngicas, especialmente em parreirais vigorosos. Essa operação deve
ser realizada com muito cuidado, pois uma desfolha exagerada poderá trazer muitos prejuízos,
pela menor acumulação de açúcares nos frutos e maturação incompleta dos ramos, bem como,
a ocorrência de escaldaduras ou “golpes de sol” nas bagas. Em parreirais onde existe
sobreposição de folhas, é necessário a realização de desfolha mais intensa, eliminando-se
todas as folhas que não se encontram expostas à luz solar” (EMBRAPA, 2004).
48
“A desbrota é o processo que visa a eliminação do excesso de brotos promovendo uma
melhor distribuição regular, evitando-se a sobreposição de brotos supérfluos, proporcionando
uma melhor distribuição da seiva. Os brotos são eliminados quando apresentam-se com 10-15
cm de comprimento, deixando-se em torno de 2 a 3 brotações bem distribuídas em cada vara
e, sempre que possível, uma na extremidade e outra na base” (EMBRAPA, 2004)
49
São muitos os efeitos do ácido giberélico em viticultura. Estes variam de acordo com a época
de aplicação e as concentrações utilizadas, sendo que as variedades podem responder de
forma diferenciada ao mesmo tratamento. Entre os principais efeitos do ácido giberélico estão:
a) aumento do tamanho de bagas, especialmente em variedades sem sementes; b) formação
de bagas partenocárpicas; c) promoção da abcissão, reduzindo o número de bagas por cacho;
d) alongamento da ráquis e pedicelos, que aumentam de comprimento, propiciando a formação
de cachos menos compactos; e) aumento do número de bagas verdes não desenvolvidas ou
inviáveis, sendo que o aspecto das bagas de tamanho normal pode ser modificado, assumindo
forma alongada; f) antecipação da maturação dos frutos (EMBRAPA, 2004).
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112
aí fazia o repasso, do repasso quando ela amadurecia nós ia
selecionar o cacho, a baga “VS”, “BV”, esse tipo de uva da baga
grande, esquadrão. Aí nos embalava aquela uva pra transportar pro
exterior, pra Europa, pra esses mundo aí.
Ainda na caracterização sobre a utilização do trabalho feminino no
interior do processo de produção da fruticultura, afirma a trabalhadora safrista:
Mulher trabalha mais com tesoura, pra embalar, limpar, colher. Mulher
trabalha muito embalando uva. Colhe na área e vai para o galpão. Aí
fica uma turma no galpão e outra na área. Prefere as mulher, que tem
mais habilidade.
A rotina de trabalho das assalariadas começa cedo, antes mesmo do
nascer do sol. Nesse aspecto, os tipos de vínculos contratuais não
representam diferenças significativas quando o parâmetro é a exploração do
trabalho.
Nós acorda 3 (três) horas da manhã, por que tem que organizar as
nossas coisas de casa, por que tenho filho na escola, tenho que
deixar as coisas feitas, o café feito. Aí quando é 5 (cinco) horas vou
pro ponto, por que eu nunca gostei de chegar atrasada no trabalho.
Quando já é 5 (cinco) horas eu já tô na pracinha esperando o ônibus.
Quando chega lá toma o café nas carreiras que não dá até tempo,
muitas vezes não danem tempo de tomar o café. E aí vai, chega lá
vai. 6 (seis) horas já estamos lá. Apitou sete horas, nós já tá na área
pra começar o trabalho. O trabalho é pinicar, desbastar a uva,
despencar, fazer despontamento, tirar “ladrão”, tirar “galdinha”, torcer
o pau da uva, ciscar, adubar a uva, tudo isso, jogar aquela coisa preta
que joga debaixo da uva, um bicho véi fedorento, um adubo fedorento
que a gente joga lá, fica com a cabeça doendo. Aí eu dizia, “se vocês
não me tirarem daqui eu vou morrer com esse fedor”. Mas assim
mesmo a gente enfrentava, né?
Explica a empregada permanente da cultura da uva, o ritmo intenso de
trabalho no período de safra, destacando a supressão dos intervalos para
repouso e alimentação, obrigatórios e de no mínimo uma hora para trabalhos
contínuos superiores a seis horas, conforme disposto nos arts. 71 da CLT e 5º
da Lei. 5.889/73 (BRASIL, 1973).
Minha rotina era cedinho de madrugada, 4 (quatro) horas acordava
para perparar a marmita. Aí quando era umas cinco horas eu tinha
que sair. Então a gente trabalhava, pegava de 7 (sete) horas. Ia em
cima do pau-de-arara, tomando chuva, sereno, vento poeira, sol
quente, aperreio que enchia os carros. Muita gente que não tinha jeito
nem de fazer assim, respirar. Aí gente entrava lá, eles diziam que
eram sete horas, aí entrava no serviço e a gente soltava meio dia pra
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almoçar, depois que almoçava, antes de uma hora, ficava fazendo
hora, tinha 10 minutos, 15 minutos pro almoço e ficava fazendo hora
extra. E aí a gente pegava direto, as vezes quando tinha muita
colheita, saímos de lá 11 (onze) horas da noite, doze horas, uma
hora. As safras direto, tirada o ano todo. Aí as vezes eles pediam 10,
12, 15, 16 mil quilos de uva naquele dia tinha que sair. A gente se
virava, ali era muitas áreas, quando terminava uma, ia pra outra. No
horário normal, a gente largava 5 (cinco) horas da tarde, mas a maior
parte a gente largava seis, seis e pouca.
O empregado permanente – e membro da Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes (CIPA) da empresa produtora de uva – relata sua
rotina de trabalho com um caráter mais regular do que a das trabalhadoras
entrevistadas:
Meu serviço hoje é de brota, né, destocamento, abertura, colheita,
peso eu não pego de maneira nenhuma lá, de 10 (dez) quilos em
diante. Não tem negócio de mandar, não posso pegar e acabou aí.
Tenho meus direitos que é das 7 (sete) ao meio dia, das 13 (treze) às
17 (dezessete). Dá 9 (nove) horas, por que todo mundo faz uma hora
extra pra folgar no sábado. Paro pro almoço meio dia e volto uma
hora, lá tem um canto de apoio pra nós almoçar lá, levo a comida de
casa pra empresa. Lá tem refeitório pro povo do escritório.
Os/as diaristas são comumente chamados na região de trabalhadores
avulsos, que não se confundem com aqueles definidos no inciso VI do art. 12
da Lei nº 8.212/91, que considera avulso quem presta, a diversas empresas,
sem vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no
regulamento. Cabe apontar que para o avulso clássico é necessária a
intermediação do sindicato da categoria para realizar a relação de trabalho. No
caso do Submédio, explica a trabalhadora sobre a definição e a situação desse
tipo de mão-de-obra:
O avulso é que a gente trabalhava e não tinha o contrato na carteira.
Tem muitos anos sem contrato na carteira. Que eu trabalhei avulso
muito tempo sem ter direto a nada, não tinha fichamento na carteira,
não tinha contrato, não recebia férias, não recebia décimo. Avulso é
que você trabalha por dia de serviço que nem o diarista, só recebe a
diária, não desconta nada. Quando era fim de semana é que recebia
o dinheiro da semana, os dias trabalhando, mas os dias trabalhados
não era por que você tava trabalhando por contrato pra depois
receber não. Você trabalhava seus dias de serviço e pronto. E
n’outras vezes você trabalhava mês, dois, três até anos, só na diária.
Tem muito emprego que faz assim, com certeza.
Sobre a situação dos trabalhadores avulsos e dos impactos sobre as
garantias sociais trabalhistas, mais especificamente quanto às questões de
ordem previdenciária, relata uma das trabalhadoras.
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114
Começou bem, aí ficaram colocando contrato de dois mês, de três
mês, até de vinte e sete dias tem contrato na minha carteira, tu acredita? Tem
muita senhora de cabeça branca subindo em cima de caminhão pra trabalhar
avulso. Tem muita gente aí. Tem senhora que já passou da idade e não se
aposenta por causa disso. Ela trabalhou, bem verdade, vários tempos como
avulso, mas não vai contar na carteira que ela trabalhou, por que não tem
registro. Como é que vai comprovar que ela trabalhou? Oxi, eu conheço gente
aí que era pra tá aposentado, que tem quinze anos de trabalho aí avulso,
trabalhando nesses projetos. Que desde o inicio de quando começou o
trabalho avulso no Mercado do Produtor [Juazeiro – BA] que acompanha, que
já não era pra tá em cima de caminhão, mas como é que vai comprovar?
Ninguém vai comprovar por falta de registro que não tem. Por que se cada uma
vez que uma pessoa subisse num caminhão pra trabalhar, tivesse um
comprovante, né? Vai na porta de uma empresa e quando for com trinta dias
rua, ah, “por que foi contratada por período por isso, acabou, bota a pessoa
fora”.
Mesmo sendo de caráter excepcional, os contratos de trabalho por tempo
determinado são utilizados indiscriminadamente, suplantando uma série de
garantias trabalhistas dos empregados temporários:
Teve um dia quando eu cheguei lá na empresa tinha um recado lá
falando assim, olhe, a fazenda foi vendida e é três meses de contrato.
50
Esse contrato aí eu trabalhei quase 8 (oito) anos fichada . Ficou com
a carteira da gente quase 2 (dois) anos, só assinou depois de dois
anos a gente trabalhando de avulso.
Abre-se destaque para a forma de recrutamento dos/as trabalhadores/as
diaristas, feito no boca-a-boca como se diz, a partir do manejo do grande
contingente de força de trabalho disponível para os projetos públicos de
irrigação.
Ele [o preposto] chamava as pessoas. “Olhe, tem trabalho aí, se
vocês quiserem ir...”. Vinha um encarregado para pegar as pessoas e
aí mandava a gente chamar os colegas, outras pessoas, no boca-aboca. Aí acertava o carro de onde era que ia vim, na “gurita”, ou
então na “pracinha”, o carro de “fulano de tal”, aí a gente ia. Isso aí
era umas 4 (quatro horas da manhã).
Explica a trabalhadora diarista como faz para conseguir serviço de
diária na fruticultura:
Eu vou pro Mercado do Produtor, aí quando eu chego lá, o
comerciante que tem a manga para colher, tem o tomate pra colher,
lavar o melão. Uns dá preço bom. Uns diz logo, “eu pago tanto pela
diária, que é o suficiente pra vocês que não tem trabalho”. A diária é
quarenta, então fecha logo o preço da diária. Se ele contratou o preço
de quarenta ele não pode fugir da gente. Tem que pagar, né?
50
Termo utilizado para definir o empregado permanente com carteira assinada.
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A intensidade do trabalho sempre foi marca característica das relações
de assalariamento na fruticultura irrigada, tendo em vista seu alto grau de
especialidade e o controle excessivo de qualidade imposto pelas exigências do
mercado internacional. As metas produtivas repassadas aos trabalhadores
pelos fiscais de produção contribuem em grande medida para a manutenção do
padrão precário de exercício do trabalho. Num contexto de vulnerabilidade
econômica, os prêmios e gratificações pelo excedente de produção, aliado ao
padrão baixo salário, garantem que o/a trabalhador/a se esforce ao máximo
para complementar a renda e conseqüentemente produzir mais para o
empregador. Relata a trabalhadora permanente:
Tudo que e de uva eu sei fazer, dou produção, faço a minha diária
[meta do dia], passo da diária, por que quando eu to em serviço na
tem esse negócio de ficar conversando. Você acredita que eu já fiz
produção de eu ganhar mil cachos acima [da meta diária], só com a
produção minha, fora a meta. A meta de mil e duzentos cachos. Com
uma tesoura boa eu faço bagaça! Tem que ter cuidado para não
quebrar nenhum cacho, pois se quebra eles “desinteram” a produção
nossa.
Sobre o controle excessivo da produção, aponta a trabalhadora safrista
sobre a experiência vivida:
Lá tem controle sim, tem o gerente o sobre-gerente. Tinha fiscal que
tratava agente bem, mas tinha fiscal que não, tinha fiscal que se
achava mais que os funcionários. Os gerentes só passa olhava e
tudo, mas qualquer coisa a bronca chegava e mandava parao
escritório. Eu pessoalmente nunca fui chamada, mas eu ouvi muito
minhas amigas. Lá não podia conversar, não podia merendar, não
podia sair três ou quatro vezes para ir ao banheiro. Acontece muitas
vezes, tem dias que as mulheres precisam ir mais de cinco vezes no
banheiro e eles não gostavam. Todas as firmas tem isso. Não querem
que as pessoas saiam. Mas muitas vezes as pessoas saem por que
tem precisão, principalmente mulher. Aí isso eles não queriam, por
isso reclamavam. Trabalhava carregando muito peso. Eu mesmo
embalava uva, caixa de sete quilos, cinco quilos você passar o dia até
uma hora, duas horas da madrugada, é muito peso. Das sete da
manhã até esse horário, embalando elas, pegando daqui e passando
pra ali. Embalava caixa pó caixa e botava pra lá. Eu cansei de
trabalhar com seis pessoas e não dava conta. Aí eles ficam gritando,
reclamando, “vamo, você tá atrasado, você não tá chegando na meta
que a gente quer”.
As trabalhadoras se queixam muito do controle abusivo exercido pelos
fiscais de produção, numa situação continuada de desrespeito, desvalorização
do trabalho e humilhação suportada pela necessidade econômica.
O trabalhador rural deveria ter um pouco de cuidado com ele, por que
se o fiscal e o gerente tá ali, quem dá qualidade do trabalho somos
nós, quem dá a produção somos nós. Por que se nós quiser
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116
condenar uma carga de uva, se nós se invoca nós derruba uma área
de uma, mas como nós tem cuidado e quer dar qualidade no nosso
trabalho no que é dos outros. Por que o fiscal tá lá só para mandar,
não entende nada, nem a doença da uva. Só que deveria ter um
pouco de melhoria pro trabalhador. Hoje tá melhor. Hoje já fizeram
refeitório pra as pessoas comer, que comia embaixo das folhas da
uva, no meio do sol, no molhado no fedor do veneno. Devia ter um
lugar de fazer a comida, nem que descontasse no pagamento aquela
taxa. Uma qualidade melhor de trabalho, melhoria pro trabalhador. As
empresas só precisa da gente pra trabalhar, se você adoecer ela não
liga pra você.
A manipulação indevida dos produtos químicos destinados à produção
agrícola é causa de intoxicação freqüente dos/as trabalhadores/as, sendo os
principais problemas aqueles relacionados à pulverização durante as horas de
trabalho, à proteção inexistente ou inadequada. A seguir dois casos de
intoxicação no processo produtivo devido ao uso intensivo de agrotóxicos.
A gente reclamava que as vezes a gente tava assim com a cabeça
doendo e tinha que ta em cima do banco trabalhando. A gente
trabalhava era em cima do banco. O banco depende da altura da
pessoa. Mas se for uma área alta, o banco tem que ser alto pra poder
a pessoa alcançar. Se caísse, levasse muita queda, eles num ligava
não. Eu mesmo levei muitas queda e nós ficava assim tonto, ó, tonta.
É porque a área era alta e o banco tinha de ser alto. Então o banco
inda não dava pra mim e eu tinha que virar. Eu tinha que virar o
banco assim pra eu ficar na ponta do banco pra poder eu fazer.
Qualquer coisinha, caia lá uns pedaço. Trabalhava com as duas mão
pra cima. O tempo todo com a cara pra cima. Tudo que a gente faz
de uva, ela tano no parreral, é tudo com a cara pra cima e os braço.
O tempo todo. Eu trabalhei na roça de Seu Alvo e tinham envenenado
a uva e tava chovendo e eles queria que a gente fosse pra debaixo
da uva tirar a folha, me molhei muito e aí aquela água caia nas
costas. Meu couro ficou assim parecendo couro de lagartixa. Todo,
todo quase que eu não fico boa disso daí. Dava aquela coceira nas
costas, no corpo, por aqui.
(...)
Eles botava pra mim pinicar a uva, o cachinho bem pequenininho.
Então a gente tinha que trabalhar com a mão, era com os dedo. Isso
aqui racha tudo, chega escorre sangue. Trabalhava e depois do
trabalho feito aí tinha umas bombinha assim que já era preparada
aquele liquido, botava naquelas bombinha e a gente quando
terminava de fazer aqui pegava aqui do arame e ‘xiiiiii’ no cacho.
Então aquilo ali caia na vista da gente, então começava a arder e
quando a gente vinha tava o zoio azedo, melho, ardenu. E aí daí foi
que eu comecei... todos, todas pessoa que trabalhou nessa época
que trabalhei... usa óculos. Muita, é muita gente. Eu acredito que seja
do produto porque a gente sentia os olho arder, ardia que nem
pimenta. Quando chegava em casa que lavava e tomava banho que a
gente ficava com a vista ardenu, ardenu. E isso só pode ter sido disso
aí, porque todas pessoa que trabalhou nisso, sempre falam. Eu nunca
me afastei por acidente de trabalho nenhum.
Acidentes de trabalho também fazem parte do cotidiano:
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117
O trabalhador se machucava em queda. É o mais comum. Caia dentu
da valeta, as veiz caia em cima do banco. Era o trabalho que a
pessoa caia mais era do banco. Tinha gente que afastava mesmo,
ficava muitos dias sem poder ir, porque caia, torcia o pé, outras vezes
torcia os quarto, outras veiz dava problema na coluna. Ficava sem
poder ir. A empresa num dava nada. Se fosse num médico, o médico
dava um atestado e levava pra lá, só recebia pelo atestado. Se o
medico desse três dia, era três dia, se desse quinze dia, era quinze
dias. Mas, mais do que isso, ele num dava. [...] Eu mesmo adoeci no
Ouro Verde, passei muito mal e eu só vim pra casa a hora que os
outro vieram. Tive que esperar pra vim pra casa.
Aprovada pela Portaria n. 86 de 03.03.2005, publicada no Diário Oficial
da União em 04.03.2005, a Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde
no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e
Aqüicultura, número 31, ou simplesmente NR – 31, apesar de ter como objetivo
central estabelecer os preceitos a serem observados na organização e no
ambiente de trabalho, de forma a tornar compatível o planejamento e o
desenvolvimento das atividades citadas, com a segurança e saúde no meio
ambiente do trabalho (BRASIL, 2005, 31.1.1), não conseguiu dar respostas
significativas aos inúmeros problemas vividos pelos/as trabalhadores/as.
A norma, exercendo regulamentação sobre a gestão de segurança,
saúde e meio ambiente de trabalho rural, dispõe que
Os empregadores rurais ou equiparados devem implementar ações
de segurança e saúde que visem a prevenção de acidentes e
doenças decorrentes do trabalho na unidade de produção rural,
atendendo a seguinte ordem de prioridade: a) eliminação de riscos
através da substituição ou adequação dos processos produtivos,
máquinas e equipamentos; b) adoção de medidas de proteção
coletiva para controle dos riscos na fonte; c) adoção de medidas de
proteção pessoal (BRASIL, 2005, 31.5.1).
E mesmo com a criação das Comissões Permanentes de Segurança e
Saúde no Trabalho Rural, órgão vinculado às Superintendências Regionais do
Trabalho (BRASIL, 2005, 31.4.2), de composição paritária (representantes do
governo, dos trabalhadores e dos empregadores – [BRASIL, 2005, 31.4.4]),
cujo objetivo é estudar, incentivar e propor medidas de controle e melhoria das
condições de trabalho rural; mesmo com a exigência de constituição dos
Serviços Especializados em Segurança e Saúde no Trabalho Rural – SESTR,
órgão interno da empresa (podendo ser próprio, externo ou coletivo –
[BRASIL,2005, 31.6.3.1]) destinado ao desenvolvimento de ações técnicas,
integradas às práticas de gestão de segurança, saúde e meio ambiente do
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trabalho, destinadas à promoção de melhoria e à preservação da integridade
física dos/as trabalhadores (BRASIL, 2005, 31.6.1); os “esforços” legislativos
não foram suficientes para se construir um padrão de relação trabalhista rural
capaz de assegurar condições dignas aos/as trabalhadores/as.
Cabe destacar que no processo de efetivação das garantias trabalhista,
de reivindicação dos/as trabalhadores por melhores condições de emprego, o
tipo de vínculo trabalhista e a situação no interior da empresa são significativos
para a materialização dos direitos sociais. Relata o empregado permanente,
membro da CIPA e beneficiário da estabilidade no emprego (art. 10º, II, “b”, c/c
art. 165 da CLT).
As pessoas não reclamam, elas recorrem a eu, por que eu tenho
segurança. Os trabalhadores tem medo de perder o emprego e perde
mesmo. Geralmente eles conversam comigo fora da empresa, que
faz aquela rodinha assim, aquela resenha ali, né? Aí pronto, eles
contam tudo, como é tudo, aí eu digo assim: “pera aí, escrava no
papel aí tudo bem desenroladinho aí viu, que é pra evitar disse não
disse”. Aí eu digo: “bom, agora fique calado, fique quieto”. Aí eu pego
o papel e ligo lá pra Juazeiro. Conto lá como é, né? Eles reclamam
muito do veneno, né, por que muitas vezes o fiscal novato não sabe
lá das regras lá, né, aí fica lá o trator botando veneno, com o pessoal
perto do veneno. Aí eu mando caí fora. “Ah, não que o gerente briga”.
Aí eu digo: “meu amigo, faça o que eu to mandando, por que vai dar
tudo certo, por que senão você vai se prejudicar, e é pior! Você
prejudica eu e os outros!” Eles reclamam muitas vezes do adubo por
que não tem luva pra pegar o adubo. Se meter a mão no adubo sem
a luva, né, come as mãos. Aí eu chego pro gerente: “Oh, fulano tem
luva de couro, de pano. Tem que dar o equipamento. As atividade
tudo tem que ser com os equipamento, óculos, tem que chamar
atenção.
Como se pode analisar através do depoimento acima, vínculos
trabalhistas mais sólidos como o emprego permanente, protegido pelas normas
sociais, criam maiores condições para a afirmação das garantias trabalhistas
frente às violações no curso do contrato de trabalho. No caso dos vínculos
mais frágeis, ou flexíveis, a situação já é um pouco diferente, como relata a
trabalhadora ao contar o caso de uma colega de trabalho e a situação
prolongada das violações nos empregados temporários.
A colega tava trabalhando e escorregou, estalou o pé. Aí essa dor
atingiu ela, que faz o exame e não dá. A gente descobriu com outro
exame mais detalhado que o pé dela tava quebrado, mais de mês
com o pé quebrado. Ela tá trabalhando na empresa, trabalhou até de
muleta, de muleta ela trabalhou, e jogam ela lá sozinha como uma
desprezada, minha gente, mais fizeram tanta coisa pra essa coitada.
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119
Num processo de comparação entre as vantagens e desvantagens de
ser “fichado” (empregado permanente com carteira assinada) ou contratado
temporário,
como
o
safrista
e
o
avulso
(diarista),
ponderam
os/as
trabalhadores/as. Primeiro a trabalhadora diarista, depois um empregado e
uma empregada permanente.
O fichado tem mais segurança. Se esse estiver doente, ele tem mais
um apoio. O avulso adoeceu, pronto, num tem como ir num médico,
num pode botar um atestado, num tem direito a nada. Eu acho, né. O
fichado tem mais segurança assim, pra saúde. Em termos de salário
não... que um assalariado não ganha o tanto do avulso se um avulso
trabalhar diretamente. Um cabra falou pra mim: “Óia, vocês ganha
bem, o problema é que...” O assalariado num ganha, pode prestar
atenção, se um assalariado chega a uma diária de R$ 40,00, num
chega. Mas também só que num gera direto, né? Inda tem esse
problema, que num é direto, né. Só isso, só esse apoio que eles dão
pra gente porque eles diz: “Vão fichar pra vocês morrer de fome”. Eu
falo: “não, que os fichado num morre de fome”. Porque pelo menos
você vai trabalhando e vai recebendo, todo dia. É bom que nóis
recebe dinheiro todo dia. Não é todo dia que encontra emprego e tem
a data também, tem umas data aí que é meia difícil, viu. Agora esse
mês mesmo de maio, num ta muito bom não de trabalho lá, de
mercado. Tem muita gente que volta pra casa. Por ano, a gente fica
dois mês, três mês sem trabalhar, mais ou menos. É porque assim,
tem o tempo bom e o tempo ruim ali pro comércio. Muitas veiz se
quebra, né também e aí fica difícil. Agora né ta sendo bom, to indo e
to trabalhando. Mas as veiz um trabalho da quase o do fichado e aí
ajuda. A família ajuda uns os outros. Lá mesmo tem desse, que o
marido trabalha fichado e mulher vai pra lá, os filho trabalhar avulso,
fazendo bico né.
(...)
Num ponto é bom por que não sendo contratado recebe mais do que
os fichados, não é? Quem não é fichado recebe mais, pega a
produção. Trabalhando nesses contrato de três mês, sai, recebe, né,
aí passa um mês fora, volta, aí vai continuando direto. A empresa
chama de novo se o cabra for bom, né? E continua direto. Tem um
vizinho meu que tá lá com cinco contratos direto. Trabalha dois
meses, trabalha um mês fora, volta de novo e continua. Trabalha
mais três mês, né, aí sai e torna a retornar de novo. Tá com cinco
contratos já. E o fichado recebe menos, por que tá fichado, não
recebe aqueles tanto a mais Ele recebe mais por que quando acaba
aquele contrato ali, né, ele recebe o tantinho dele, né, o fundo de
garantia (FGTS) O fichado trabalha direto. Pra mim é melhor ser
fichado, por que tem aquela garantia. Ele tando fichado direto, é o
mesmo que tá aposentado pode comprar o que quiser. Uma
estabilidade. Agora que não é fichado não quer ser fichado, vai e
volta, vai e volta e pronto.
(...)
Eu acho que as pessoas tando fichada tá bom, por que a pessoa tá
segura. Todo tempo você tem ali aquele serviço, aquele seu emprego
certo. Por que você tá hoje trabalhando, amanhã você tá
desempregado quinze, vinte dias, dois mês. Você tendo seu certo,
você tem mais segurança, acontecendo algum acidente, já tá ali seus
cinco anos, seis anos, já tem mais segurança. O trabalhador avulso
não tem vantagem nenhuma, por que quase que ele não tem, como é
que se diz, um direito, né? Se ele, uma comparação, acontecer um
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acidente dentro do local do trabalho ele ainda tem uma chance, né,
por que tava dentro do trabalho, mas se ele for fora do trabalho ele
perde tudo, ele não tem nada. A pessoa ali fixa no seu trabalho, é
melhor.
Pode-se observar que os/as trabalhadores/as encontram vantagens e
desvantagens na forma contratual permanente e temporária. Atribuem à
primeira, elementos como estabilidade, segurança, tanto de ordem financeira
(na medida em que podem arcar com débitos e compromissos em geral, pois,
recebem de maneira continuada o salário devido pela venda da sua força de
trabalho) como previdenciária, em função da garantia de sobrevivência em
caso de acidentes relacionados ao trabalho.
Já em relação ao emprego temporário, apesar da boa contrapartida
econômica em função do alto valor da diária quando comparada à diária do
salário do empregado permanente, a não cobertura de direitos e a intermitência
dos salários são as principais desvantagens apresentadas. Mesmo com um
valor relativamente alto da diária, quando se considera a divisão do valor total
dos salários recebidos pelo tempo total de vínculos firmados ao longo do ano, a
remuneração proporcional do temporário é menor do que a do empregado
permanente. Sem falar no período de desemprego, que cada vez mais se
apresenta de forma estrutural, como fora analisado.
A situação de exploração da mão-de-obra rural na fruticultura irrigada do
Submédio do São Francisco tem se intensificado na justa medida do
crescimento do uso da mão-de-obra temporária. Na região, o Sindicato dos
Trabalhadores nas Empresas Agrícolas, Agroindustriais e Agropecuárias dos
Municípios de Juazeiro, Curaçá, Casa Nova Sobradinho e Sento Sé, mais
conhecido como SINTAGRO51, tem exercido importante papel na defesa dos
direitos dos trabalhadores rurais na região, mas tem encontrado oposição junto
aos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR’s) tradicionais, que na disputa
por base e em parceria com o empresariado frutícola tem procurado questionar
a legitimidade do SINTAGRO, justamente pelo seu caráter mais combativo
(COSTA, 2005). Todavia, a realidade ainda mostra que o desafio é muito
grande. Outra dificuldade/desafio apresentada pelo Sindicato diz respeito à
51
Sobre o interessante processo de formação do SINTAGRO a partir das mobilizações dos
assalariados desde o final da década de 1970, da crise da representação sindical tradicional,
processo em que mobilizou e articulando diversas entidades da sociedade civil organizada: ver
(COSTA, 2005).
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121
representação e organização dos trabalhadores diaristas, mão-de-obra cada
vez mais utilizada nas unidades produtivas da região. Entretanto, formalmente
não são considerados empregados, ficando descobertos da base de atuação
dos órgãos de representações sindicais.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, onde se deu,
após muito tempo de ostracismo e negação do trabalhador rural, a equiparação
dos direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, conforme preconiza o
art. 7º da Carta constitucional (BRASIL, 1988), elevando as garantias
trabalhistas à condição de direitos fundamentais, sem dúvida houve avanço no
trato legislativo com a questão trabalhista rural, cuja luta política a muito tinha
se dado com vistas à positivação de direitos. Entretanto, grafá-los na letra seca
da lei não garante a eficácia dos mesmos e nem altera as relações sociais no
plano da existência, onde a regra ainda continua sendo a extrema degradação
do
trabalhador,
alavancada
pelos
desdobramentos
da
“modernização
conservadora” do campo.
O padrão de desenvolvimento (baseado num regime de reprodução
expansiva), o atual estágio da crise estrutural do capital52 e a inexpressiva
atuação pública para a proteção efetiva do trabalho, de forma concatenada
criam as condições necessárias para o processo de regressão dos direitos
sociais trabalhistas, tendo em vista os limites colocados por estes no
movimento de reprodução do capital.
52
MÉSZÁROS (2011), reivindicando Marx, problematiza em quatro as principais características
que definem a crise estrutural do capital: (1) seu caráter é universal, em contraposição aos
ramos particulares da produção, da comercialização ou da financerização; (2) seu escopo é
verdadeiramente global, em lugar de limitado a um bloco de países; (3) sua escala de tempo é
extensa, ou melhor, permanente, ao contrário das anteriores, que tinha um caráter cíclico; (4)
seu desenvolvimento é gradual, afetando a totalidade do complexo social.
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122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da história brasileira, o/a trabalhador/a do campo sempre foi
tratado/a como personagem subalterno, tendo seu trabalho sofrido intenso
processo de desvalorização. A regulação pública, apesar dos avanços
pontuais, passando de uma dimensão meramente formal, para outra de cunho
mais social (com a edição do ETR em 1963, substituído pela Lei 5.889/73 e
com a promulgação da Constituição Federal de 1988), não garantiu as
transformações necessárias à construção de relações de trabalho menos
degradantes no setor agropecuário.
O oferecimento de trabalho rural digno é realidade para poucos. As
políticas agrícolas levadas a cabo da Colônia à “Nova República” só
reafirmaram a exclusão dos/as trabalhadores/as rurais do pacto de proteção
social do trabalho, facilmente constatada pelas baixíssimas taxas de
formalização do emprego rural. Dos engenhos senhoriais ao “moderno”
agronegócio, o desenvolvimento do projeto hegemônico no campo balizou-se
no tripé concentração fundiária, exploração intensa do trabalho humano e
destruição da natureza, sempre com vistas à reprodução expansiva do capital.
Essa lógica desenvolvimentista trouxe sérias implicações para o mundo do
trabalho no campo principalmente no que diz respeito à multiplicação
desvairada dos contratos por prazo determinado, fragilizando, assim, a
incidência das garantias trabalhistas.
Dentro dessa perspectiva, muito mais do que apresentar conclusões de
forma absoluta, mais interessante seria sinalizar possíveis desdobramentos
oriundos do exercício da pesquisa realizada, como forma de aprofundar o
estudo da temática proposta. Nessa perspectiva, às inquietações que se
apresentam em três.
A primeira diz respeito à compreensão das especificidades do processo
de reestruturação no modo de produção capitalista no interior da agricultura
brasileira. A densa literatura direcionada ao estudo das transformações
ocorridas no mundo do trabalho (fruto da emergência de novos processos de
produção e organização53, intensificando a precarização social trabalho54) toma
como base a realidade urbano-industrial para analisar tanto as mudanças como
53
54
Vide ANTUNES, 2010.
Vide DRUCK & FRANCO, 2007.
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123
as conseqüências desse movimento. Tal referencial é plenamente justificável
na medida em que se debruça sobre a fração hegemônica do capital,
fundamental ao entendimento dos mecanismos de reprodução e expansão do
próprio capitalismo. As repercussões do processo de crise do padrão fordista
nas formas de acumulação e de inserção da força de trabalho na agricultura
brasileira não têm sido objeto de estudo por parte dos pesquisadores. Daí a
necessidade de aprofundamento da temática.
Nessa linha, as análises em torno dos impactos do processo de
reestruturação produtiva tanto (i) no setor agropecuário (compreensão da
possível manifestação do fenômeno da acumulação flexível no campo
brasileiro) quanto (ii) na vida dos/as trabalhadores rurais (compreensão dos
fenômenos da precarização e da flexibilização dos direitos sociais trabalhistas
no meio rural) devem partir das especificidades do desenvolvimento do
capitalismo no campo, como forma de se evitar a transposição equivocada de
conceitos formulados sobre realidades distintas.
O segundo ponto diz respeito à situação da relação de emprego
temporário e a modernização da agricultura. O art. 443 da CLT, §2ª, alínea “a”,
estabelece que “o contrato por prazo determinado só será válido em se
tratando
de
serviço
cuja
natureza
ou
transitoriedade
justifique
a
predeterminação do prazo. Dentro dessa perspectiva, a multiplicação dos
contratos temporários de emprego (como os de safra e o de experiência) foi um
dos efeitos mais expressivos da modernização do setor agropecuário.
Entretanto, cada vez mais a natureza foi sendo controlada no processo
produtivo, principalmente através da aliança entre a alta tecnologia e a
manipulação biogenética. A sazonalidade da produção agrícola tem diminuído
consideravelmente nas últimas décadas, sendo possível produzir determinadas
culturas o ano inteiro, como a manga e a uva, mitigando essa transitoriedade
do serviço. Cumpre ressaltar que no período de edição da CLT, a agricultura
encontrava-se num estágio de desenvolvimento muito aquém do “moderno”
modelo do agronegócio. Nesse sentido, como falar de transitoriedade do
serviço agrícola nas grandes empresas rurais se estas buscam tornar cada vez
mais perene a produção agrícola? Por que os contratos temporários continuam
sendo utilizados em larga escala se a alta tecnologia e as formas de
organização da produção têm diminuído os intervalos naturais das culturas,
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124
relativizando a transitoriedade típica das atividades agrícolas? Não estaria o
direito atrasado em relação à realidade? E este atraso interessa a quem?
Por fim, como se pode verificar, a regulação pública do trabalho rurícola
há muito já demonstrou sua incapacidade em dar respostas significativas aos
inúmeros problemas vividos pelos/as trabalhadores/as rurais. Seja pelo não
atendimento no plano legislativo das especificidades que envolvem o trabalho
rural, figurando a legislação como cópia da experiência urbana, cuja maior
síntese é a CLT, como pela omissão institucional em fazer valer concretamente
as leis no campo. Esse fenômeno criou as condições para que a iniciativa
privada ditasse os termos e as condições da prestação do trabalho no setor
agropecuário, num processo de contradição, pois foi contra a absolutização da
autonomia privada que o Direito do Trabalho se estruturou, se propondo a
intervir diretamente no seio das relações de trabalho como forma de equalizar
na ordem jurisdicional as desigualdades latentes na ordem econômica.
Assim, a mudança da legislação há muito se faz necessária. Agora resta
saber pra que lado essa mudança vai acumular. Alguns setores já estão se
mobilizando. A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), órgão vinculado à
Presidência da República, lançou no ano de 2008 um documento intitulado
Agricultura Brasileira no Século XXI, com o objetivo de subsidiar os debates em
torno das transformações ocorridas na agricultura nacional. A extensa agenda
agrícola (como é apresentada) tem por objetivo “impulsionar o Brasil à
condição de potência econômica e ambiental” do presente século e “procura
explicitar, no plano das idéias, os desafios dessa empreitada e as principais
iniciativas que devem acelerar a transformação do campo (SAE, 2008, p. 7). O
documento possui duas partes, sendo a primeira destinada ao resumo das
bases do novo modelo agrícola e a segunda às propostas legislativas para “dar
vida às idéias”, como o texto mesmo diz. Para alcançar a meta de potência do
novo século, mudanças no trato do trabalho rural precisam ser feitas. Apontam
como principal problema a informalidade e a diminuição dos postos de trabalho
no campo, sendo as distorções verificadas fruto do emaranhado legislativo e do
alto custo da mão-de-obra. Como propostas sugerem mudanças pontuais na
regulação do trabalho rural, “com a finalidade imediata de estimular e
incrementar no curto e médio prazo, o emprego formal no campo, tendo em
vista a reconstrução das relações entre o trabalho e o capital no Brasil” (Idem,
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125
p. 29). Para tanto, apresenta a SAE um anteprojeto de lei com intuito de alterar
as normas do emprego rural contidas na Lei n. 5.889/1973. Dentre os diversos
pontos, destacam-se: (i) a inclusão do art. 5ª-A e seus parágrafos, prevendo a
ampliação da jornada para até 12 horas em casos de adversidades climáticas,
combate urgente às pragas, manejo imprevisto de animais e outras situações
emergenciais peculiares à atividade rural, onde o acréscimo de salário
decorrente das horas extras trabalhadas pode ser dispensado mediante acordo
coletivo, possibilitando compensação na forma do banco de horas, conforme
preceitua o § 2º do art. 59 da CLT; (ii) a alteração do art. 5º, ampliando o
intervalo para repouso e alimentação de no máximo de 2 (duas) para 4 (quatro)
horas.
Será que as alterações propostas, diferentemente das anteriores, visam
finalmente materializar o adjetivo social da legislação trabalhista rural? Essas
são as mudanças estruturais para criação de condições dignas de trabalho no
campo? E os/as trabalhadores/as o que acham dessas mudanças? Suas
opiniões
foram
consideradas
para
formulação
das
propostas?
As
transformações necessárias apenas devem se operar no plano legislativo?
Muitos são os questionamentos.
Assim, cabe ressaltar que a divisão sugerida acima assume dimensão
meramente didática, na medida em que os planos se articulam num todo
dialético.
No seu livro, A Atualidade Histórica da Ofensiva Socialista, Ístvan
Mészáros (2010:17), alerta que no período de crise estrutural, as demandas
centrais da classe trabalhadora para serem bem sucedidas, não podem estar
limitadas
aos
instrumentos
institucionais
da
insustentável
democracia
burguesa, pois, “o irônico e muitas vezes trágico resultado de longas décadas
de luta política dentro dos limites das instituições políticas de autointeresse do
capital revelaram que, sob as condições hoje prevalecentes, a classe
trabalhadora foi espoliada em todos os seus direitos em todos os países
capitalistas avançados e não avançados”.
Nesse sentido, num exercício de resgate da força motriz necessária às
profundas mudanças do atual sistema de reprodução da vida social, defende o
teórico militante que os/as trabalhadores/as
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126
Deve [m] ter plena consciência não apenas da magnitude da tarefa e
das implicações de longo prazo das questões em jogo, também na
resistência inevitavelmente tenaz da ordem socioeconômica, que
deve seguir seus próprios imperativos para anular toda e qualquer
concessão que possa ser feita na esfera jurídica/política, (...). Pois, o
êxito duradouro nessa questão só é factível por meio de um
intercâmbio sustentado – uma reciprocidade dialética – entre a luta
pelo objetivo imediato (...) e a transformação progressiva da ordem
social estabelecida, que não pode deixar de resistir e anular todas
essas demandas (MÉSZÁROS, 2007:141).
O grau de efetividade dos direitos no interior da ordem capitalista
depende direitamente da compreensão do campo e das regras do jogo,
conjugando as formas tradicionais de organização política das forças do
trabalho (que lhes geraram acúmulos históricos) com a radicalidade
necessária, não para conquistas das concessões fragmentadas da ordem do
capital, mas sim para a construção de uma nova sociabilidade, fundada na
articulação dos produtores livres e associados.
Eis o nosso inadiável desafio.
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127
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