Psicologia: Teoria e Prática
ISSN: 1516-3687
[email protected]
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Brasil
Barufi Fernandes, Luan Flávia; Alckmin-Carvalho, Felipe; Izbicki, Sarah; da Silva Melo, Márcia Helena
Prevenção universal de ansiedade na infância e adolescência: uma revisão sistemática
Psicologia: Teoria e Prática, vol. 16, núm. 3, septiembre-diciembre, 2014, pp. 83-99
Universidade Presbiteriana Mackenzie
São Paulo, Brasil
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Revista Psicologia: Teoria e Prática, 16(3), 83-99. São Paulo, SP, set.-dez. 2014. ISSN 1516-3687 (impresso), ISSN 1980-6906 (on-line).
http://dx.doi.org/10.15348/1980-6906/psicologia.v16n3p83-99. Sistema de avaliação: às cegas por pares (double blind review).
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Prevenção universal de ansiedade na
infância e adolescência: uma revisão
sistemática
Luan Flávia Barufi Fernandes
Felipe Alckmin-Carvalho
Sarah Izbicki
Márcia Helena da Silva Melo1
Universidade de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil
Resumo: Os transtornos de ansiedade são os mais prevalentes entre crianças e adolescentes em idade escolar, atingindo de 4% a 25% dessa população. Programas de prevenção universal podem fortalecer fatores de proteção e amenizar fatores de risco,
diminuindo a demanda de tratamento para esse transtorno no futuro. O objetivo deste
artigo foi revisar sistematicamente os estudos baseados em evidências sobre Programas
de Prevenção Universal para ansiedade na infância e adolescência produzidos entre
1985 e 2012. A busca foi realizada por dois pesquisadores independentes, na Bireme e
PsycINFO, com as seguintes palavras-chave em combinação: “prevenção”, “ansiedade”, “universal”, “infância” e “adolescência”, e seus equivalentes em inglês. Foram
encontrados 197 estudos, e 12 satisfizeram os critérios de inclusão. A revisão permitiu
verificar, por um lado, avanços consideráveis na produção internacional de conhecimento científico acerca dessas intervenções, mas, por outro, uma lacuna importante
nas pesquisas nacionais, evidenciada pela ausência de estudos brasileiros sobre o tema.
Palavras-chave: ansiedade; prevenção universal; infância; adolescência; revisão
sistemática.
UNIVERSAL PREVENTION OF ANXIETY IN CHILDREN AND ADOLESCENTS: A
SYSTEMATIC REVIEW
Abstract: Anxiety disorders are the most prevalent among children and adolescents of
school age, affecting 4-25% of this population. Universal prevention programs can
strengthen protective factors and minimize risk factors, decreasing the demand for
treatment for this disorder in the future. The purpose of this article was to systematically review studies based on evidence of universal prevention programs for anxiety in
childhood and adolescence produced between 1985 and 2012. The search was performed by two independent researchers, at Bireme and PsycINFO, with the following
keywords in combination “prevention”, “anxiety”, “universal”, “childhood” and “adolescence”, and its english equivalents. We found 197 studies and 12 met the inclusion criteria. The review shows, on the one hand, considerable progress in the international production of scientific knowledge about these interventions, but on the other, shows an
important gap in national polls, as evidenced the lack of Brazilian studies on the theme.
Keywords: anxiety; universal prevention; childhood; adolescence; systematic review.
1
Endereço para correspondência: Márcia Helena da Silva Melo, Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Avenida Professor Mello Morais, 1.721, Bloco F, sala 19, Cidade
Universitária – São Paulo – SP – Brasil. CEP: 05508-030. E-mail: [email protected].
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Luan Flávia Barufi Fernandes, Felipe Alckmin-Carvalho, Sarah Izbicki, Márcia Helena da Silva Melo
PREVENCIÓN UNIVERSAL DE LA ANSIEDAD EN NIÑOS Y ADOLESCENTES: UNA
REVISIÓN SISTEMÁTICA
Resumen: Los trastornos de ansiedad son los más frecuentes entre niños y adolescentes en edad escolar, y afectan a 4%-25% de esta población. Los programas de prevención universal pueden fortalecer factores de protección y minimizar factores de riesgo,
reduciendo la demanda de tratamiento para este trastorno en el futuro. El propósito de
este artículo fue revisar sistematicamente estudios basados en evidencias de programas
de prevención universal para ansiedad en la infancia y la adolescência, producidos entre
1985 y 2012. La búsqueda fue realizada por dos investigadores independientes, en Bireme y PsycINFO, con las siguientes palavras-clave en combinación: “prevenção”, “ansiedade”, “infância”, “universal” y “adolescência”, y sus equivalentes en inglés. Se han
encontrado 197 estudios y 12 cumplieron los criterios de inclusión. La revisión muestra
un progreso considerable en la producción internacional de conocimiento científico
sobre estas intervenciones, pero muestra también un vacío importante en las investigaciónes nacionales, evidenciado por la ausencia de estudios brasileños sobre el tema.
Palabras clave: ansiedade; prevención universal; infância; adolescência; revisión
sistemática.
Os comportamentos ansiosos e os transtornos de ansiedade (TA) se configuram
como um problema de saúde pública, uma vez que se apresentam com altas taxas de
prevalência e incidência na população e cujos efeitos podem ser nocivos para o desenvolvimento humano em todas as fases da vida (Costello, Egger, Copeland, Erkanli, &
Angold, 2011; Kessler, Ruscio, Shear, & Wittchen, 2010). Entre os prejuízos associados
ao TA entre crianças e adolescentes, destacam-se dificuldade de relacionamento interpessoal, baixa autoestima, vitimização, utilização recorrente de serviços psiquiátricos
por queixas somáticas, baixo desempenho escolar, absenteísmo e evasão escolar, e
prejuízos em processos psicológicos básicos, como memória, percepção e pensamento
(American Psychiatric Association [APA], 2002; Neil & Christensen, 2009; Vianna, Campos, & Landeira-Fernandez, 2009).
A prevalência de problemas comportamentais na infância e na adolescência é significativa, com dados estatísticos indicando que de 15% a 20% dessa população apresenta dificuldades psicológicas, embora poucos recebam tratamento ou suporte terapêutico (Marsh & Graham, 2005; Peters, Petrunka, & Arnold, 2003). Dentre os problemas de
comportamento na idade escolar, o TA é o mais comum, atingindo entre 4% e 25%
dessa população, com média de 8% (Boyd, Kostanski, Gullone, Ollendicki, & Shek,
2000). Em estudo populacional conduzido no Sudeste do Brasil, com amostra de 1.241
participantes com idades entre 7 e 14 anos, randomicamente selecionados, a prevalência de TA encontrada em crianças foi 4,6%, enquanto entre os adolescentes o percentual se elevou para 5,8% (Fleitlich-Bilyk & Goodman, 2004).
Os sintomas de TA nem sempre afetam diretamente amigos, familiares e outras
pessoas do convívio diário da criança ou do adolescente e são mais difíceis de ser identificados e tratados (Bayer et al., 2011). Desse modo, as taxas de prevalência de TA
podem ser ainda mais altas do que as apontadas pela literatura. Ademais, pesquisas
recentes têm alertado que sinais clínicos de ansiedade podem ser apresentados por
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Prevenção universal de ansiedade na infância e adolescência: uma revisão sistemática
crianças menores de 5 anos e que tais dificuldades podem se agravar ao longo do
desenvolvimento, acarretando prejuízos significativos para o funcionamento interpessoal e acadêmico de tais indivíduos (Egger & Angold, 2006).
No tocante à saúde mental infantojuvenil, os países têm trabalhado com metas que
envolvem a redução da prevalência e da incidência de problemas comportamentais,
com destaque para tentativas de suicídio, comportamento abusivo e violento, depressão e ansiedade (Dahlberg & Krug, 2006; Hawkins, Catalano, & Arthur, 2002; World
Health Organization, 2010). Os autores do presente estudo entendem que tais problemas indicam, de um lado, as dificuldades que crianças e jovens vêm apresentando
para manejar os desafios que lhes são impostos e, de outro, falhas da comunidade
verbal em estabelecer contingências que favoreçam a aquisição e o desenvolvimento
de repertórios comportamentais que possibilitem tais manejos.
Embora os estudos forneçam evidências sobre os melhores tratamentos para os
problemas de crianças e jovens, pesquisadores recomendam cautela, na medida em
que ainda não há conhecimento suficiente sobre algumas nuances desses tratamentos, não se sabendo, por exemplo, por que muitas crianças não respondem favoravelmente a eles. Relacionado a isso, permanece sem resposta a questão sobre os fatores
que contribuem para o sucesso ou o insucesso do tratamento (Macklem, 2014; Marsh
& Graham, 2005).
A literatura recorrentemente reconhece as intervenções preventivas como um recurso frutífero para lidar com os problemas na infância, inclusive no que se refere à
ansiedade (Essau, Conradt, Sasagawa, & Ollendick, 2012; Flay et al., 2005; Melo, 2003).
As intervenções que visam à prevenção são importantes quando se considera que algumas crianças só se tornam elegíveis para serviços de saúde ao ingressarem em sistemas
formais de educação, o que comumente acontece apenas quando suas dificuldades se
expressam com altas frequência e intensidade (Cammack, Brandt, Slade, Lever, & Stephan, 2014; Cavaleri, Olin, Kim, Hoagwood, & Burns, 2011; Costa & Guzzo, 2006).
Os programas de prevenção do tipo universal são as formas mais abrangentes de
intervenção preventiva, contrapondo-se às seletivas e às indicadas. Estas últimas se
referem, respectivamente, a ações destinadas a populações em situação clara de vulnerabilidade para desenvolver problemas comportamentais e a medidas voltadas para
pessoas que já apresentam sinais de dificuldades. Programas universais podem ser dirigidos a um grupo amplo, como toda a população em idade escolar de um país, ou a
grupos com características mais específicas (por exemplo, professores do 2º ano do
ensino fundamental de uma escola), independentemente da presença de fatores de
risco ou de sinais de dificuldades (Gordon, 1987; Mrazek & Haggerty, 1994).
Cabe destacar algumas das vantagens das abordagens universais, além de seu alcance. Entre elas, está o fato de evitar os rótulos, na medida em que não discrimina as
crianças com problemas mais frequentes e intensos que as demais, o que pode acontecer em intervenções específicas. Um segundo aspecto favorável é a possibilidade de
uma única intervenção preventiva reduzir ou evitar diversos problemas, como abuso
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de drogas, delinquência, insucesso escolar, gravidez na adolescência, depressão e ansiedade (Peters et al., 2003; Evans, 1999).
A escola é um dos ambientes em que programas de prevenção universal destinados
à população infantojuvenil são mais desenvolvidos e pesquisados. Em tal contexto, eles
podem fazer parte do currículo formal da escola ou constituir uma atividade extracurricular, após o término do horário das aulas (Fox, Herzig, Colognori, Stewart, & Warner,
2014; Neil & Christensen, 2009). Tais programas trazem muitos benefícios tanto para
a comunidade participante quanto para a equipe de pesquisadores e coordenadores
da intervenção, uma vez que alcançam crianças e adolescentes independentemente do
nível de risco para problemas de comportamento; fortalecem o suporte entre pares;
reduzem dificuldades psicossociais dentro da sala de aula; favorecem a promoção de
aprendizagem e desenvolvimento saudável; diminuem e aliviam muitas barreiras
comuns ao tratamento em uma comunidade, tais como tempo, localização, transporte;
e apresentam baixos índices de abandono (Barrett & Turner, 2001; Ehrenreich-May &
Bilek, 2011).
As pesquisas iniciais sobre os programas de prevenção de ansiedade na infância e
na adolescência, datadas da década de 1980, tinham como objetivo reduzir a ansiedade e outros problemas de comportamento, tais como depressão e estresse, tendo um
enfoque no aperfeiçoamento e na expansão desse tipo de intervenção. No século XXI,
o objetivo se manteve, mas se passou a observar um cuidado maior por parte dos pesquisadores em comprovar a eficácia desses programas e em acompanhar por mais
tempo as amostras estudadas, com o intuito de verificar se os efeitos da intervenção
foram realmente preventivos (Aune & Stiles, 2009).
Embora revisões sistemáticas da literatura contribuam para promover avanços na
área, poucos estudos têm sido realizados com essa finalidade. Por exemplo, Neil e
Christensen (2009) realizaram uma revisão sistemática com o objetivo de comparar a
eficácia dos programas preventivos de ansiedade nos três níveis de prevenção (universal, seletivo e indicado). As análises mostraram que os programas universais foram
mais eficazes em reduzir sinais de ansiedade e apresentaram tamanhos de efeito
maiores quando comparados aos programas seletivos e indicados.
No Brasil, não há registro de estudos de revisão com foco na prevenção dos TA em
nível universal. Esses estudos seriam importantes não apenas por possibilitarem a compreensão do percurso da prevenção nacional em um problema altamente prevalente,
como também por ampliarem o conhecimento referente ao uso das intervenções baseadas em evidências e verificarem possíveis lacunas a serem superadas na produção
nacional sobre o tema.
Sabendo que os TA são, reconhecidamente, um problema de saúde pública, que
seus efeitos podem ser nocivos para o desenvolvimento humano em todas as fases da
vida e que programas preventivos universais podem desenvolver habilidades importantes para o manejo de tal problema, o objetivo do presente artigo é descrever o panorama atual da literatura nacional e internacional acerca dos programas preventivos
universais para ansiedade na infância e na adolescência. Especificamente, objetiva-se
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Prevenção universal de ansiedade na infância e adolescência: uma revisão sistemática
avaliar os seguintes aspectos dessa literatura: os programas avaliados, os países em
que as intervenções foram realizadas, as características dos participantes, os instrumentos empregados para avaliar os comportamentos e/ou TA, o formato dos programas (número de sessões, abordagem teórica, profissional aplicador) e o seguimento
dos resultados obtidos.
Método
A pesquisa bibliográfica foi realizada em maio de 2013, nas bases de dados Bireme
e PsycINFO, conforme os seguintes procedimentos descritos a seguir:
Na Bireme (http://www.bireme.br/php/index.php), a busca foi realizada inserindo-se,
no campo “Pesquisa na BVS”, primeiramente as palavras prevention, anxiety, childhood
e universal, e, em seguida, as palavras prevention, anxiety, adolescence e universal.
Posteriormente, essas duas pesquisas foram realizadas com os correlatos em português
das palavras utilizadas: prevenção, ansiedade, infância e universal, seguidas de prevenção, ansiedade, adolescência e universal.
Quanto à PsycINFO (http://psycnet.apa.org/index.cfm?fa=search.defaultSearch Form),
as palavras prevention, anxiety e universal foram colocadas, cada uma, em uma linha na
aba Advanced Research, com a opção Any Field selecionada e AND entre os termos.
Obtidos os resultados, refinou-se a busca pela faixa etária, selecionando as opções childhood, adolescence e school age.
A pesquisa bibliográfica foi efetuada por dois pesquisadores de pós-graduação
(níveis mestrado e doutorado), de modo independente, mas realizando o mesmo procedimento, a fim de comparar os resultados obtidos por cada um e verificar o índice
de concordância na seleção dos artigos. Após a realização das buscas, os títulos e resumos de todos os artigos resultantes foram lidos e analisados pelos pesquisadores,
e selecionaram-se aqueles que atendiam aos critérios de inclusão. Os artigos cujos
resumos não tinham dados suficientes para analisar as informações requeridas foram
lidos na íntegra.
As categorias adotadas para analisar os artigos foram: ano de publicação, país no
qual o estudo foi realizado, objetivos, idade da amostra, número de participantes, tipo de grupo controle, conteúdo teórico adotado na intervenção, profissional que conduziu o programa de intervenção, número de sessões que compõem o programa, instrumento utilizado para avaliar os comportamentos e/ou transtornos de ansiedade e
se houve seguimento e por qual período.
Os conteúdos dos artigos foram organizados, em uma planilha de Excel, conforme
categorias previamente elaboradas. A extração dos dados e sua análise foram realizadas por um pesquisador em nível de doutorado.
Critérios de inclusão do material na revisão
Estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: 1. artigos científicos; 2. estudos
publicados entre 1985 e 2012; 3. estudos com crianças com idade entre 0 e 9 anos e/ou
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adolescentes com idade entre 10 e 19 anos como participantes ou alvos do programa;
4. a prevenção universal como objetivo; 5. a redução ou prevenção de comportamentos
e/ou transtornos ansiosos; 6. estudos de intervenções baseadas em evidência (estudos
de ensaio clínico randomizado, série de casos e relatos de caso); e 7. textos publicados
em português, inglês ou espanhol. Foram adotados os seguintes critérios de exclusão:
1. artigos de metanálise; 2. estudos cujo objetivo era o desenvolvimento de instrumentos de avaliação de comportamentos e/ou transtornos ansiosos; ou 3. o desenvolvimento
de programas de prevenção seletiva ou indicada.
Resultados
O índice de concordância, por consenso, entre os dois pesquisadores foi de 100% na
seleção dos artigos. Obteve-se um total de 12 artigos, conforme descrito na Figura 1.
Figura 1. Esquema representativo do processo de seleção das
publicações e descrição dos motivos de exclusão da revisão bibliográfica
da literatura sobre programas preventivos universais de ansiedade
com crianças e adolescentes
Bireme
58 resultados
20 artigos
5 artigos
PsycINFO
Excluídos:
• teses, dissertações, capítulos de livros;
• revisão bibliográfica e metanálise;
• estudos sem intervenção;
• estudos com adultos;
• artigos sobre desenvolvimento de instrumentos.
Excluídos:
• prevenção seletiva ou indicada;
• prevenção específica para depressão;
• artigos que apresentaram apenas dados de seguimento.
139 resultados
84 artigos
7 artigos
Fonte: Elaborada pelos autores.
Na Tabela 1, são apresentados os dados relativos às categorias de análise adotadas
para caracterizar os artigos selecionados na presente revisão bibliográfica.
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Combinado* +
Abuso de substâncias
Único (transtorno
de ansiedade social)
Barrett e Turner (2001)
Lowry-Webster, Barrett
e Dadds (2001)
Barrett, Lock e Farrell
(2005)
Vuijk, Lier, Crijnen e
Huizink (2007)
Trudeau, Spoth, Randall
e Azevedo (2007)
Aune e Stiles (2009)
Kraag, Van Breukelen,
Kok e Hosman (2009)
Calear, Christensen,
Mackinnon, Griffiths e
O’Kearney (2009)
Pahl e Barrett (2010)
Stopa, Barrett e Golingi
(2010)
Ehrenreich-May e Bilek
(2011)
Essau, Conradt,
Sasagawa e Ollendick
(2012)
FRIENDS
FRIENDS
FRIENDS
Good Behavior Game
Iowa Strenghening
Families Program
Norwegian Universal
Preventive Program
for Social Anxiety
Learn Young, Learn
Fair
The YouthMood
Project
Fun FRIENDS
FRIENDS
Emotion Detectives
Prevention Program
FRIENDS
9-12
Único
Lista de
espera
Lista de
espera
Monitoria
Lista de
espera
Monitoria
Grupo
controle
638
40
963
263
Lista de
espera
Não
Monitoria
Monitoria
1477 Lista de
espera
1467 Lista de
espera
1748 Lista de
espera
383
448
293
399
594
489
N
Cognitivo-comportamental
Cognitivo-comportamental
Cognitivo-comportamental
Cognitivo-comportamental
Cognitivo-comportamental
Cognitivo-comportamental
Cognitivo-comportamental
Teoria de
aprendizagem
social
Análise do
comportamento
Cognitivo-comportamental
Cognitivo-comportamental
Cognitivo-comportamental
Perspectiva
teórica
Psicólogo
Psicólogo
Professor
Psicólogo
Professor
Professor
10 + 2** = cça.
4 = pais
15 = cça.
2 = pais
10 + 2**
2 = pais
10 + 2**
3 = pais
5 = adol.
8 + 5** = cça.
1 = escola
1 = médicos
1 = pais
3 = adol.
7 = adol.
7 = famílias
7 = adol. + fam.
Psicólogo
Psicólogo
Ano escolar***
10 + 2** = cça.
4 = pais
10 + 2** = cça.
3 = pais
*** = professor
10 + 2** = cça.
4 = pais
Professor
Psicólogo
Psicólogo
Professor
Psicólogo
Coordenador Nº sessões
Spai-C
Scared
Noruega
Scared
Scas
RCMAS
PAS-PR
RCMAS
Alemanha Scas
RCMAS
Estados
Unidos
Austrália
Austrália
Austrália
Staic
CBCL
YSR
Estados
Unidos
Holanda
TRF/6-18
RCMAS
Holanda
Scas
Scas
RCMAS
Austrália
Austrália
Scas
RCMAS
Instrumento
Austrália
País
12 meses
Não
12 meses
12 meses
6 meses
9 meses
12 meses
60 meses
Não
12 meses
Não
3 meses
Seguimento
* Sintomas internalizantes: ansiedade, depressão, isolamento social; ** sessões mais as de fortalecimento; *** informação não especificada pelos autores do estudo; Scas = The
Spence Children’s Anxiety Scale; TRF/6-18 = Teacher’s Report Form for ages 6-18; CBCL = Child Behavior Checklist/6-18; YSR = Youth Self-Report; RCMAS = The Revised
Children’s Manifest Anxiety Scale; Spai-C = Social Phobia and Anxiety Inventory for Children; Scared = Self-report for Childhood Anxiety Related Disorders; PAS-PR = The Preschool Anxiety Scale-Parent Report; Staic = State-Trait Anxiety Inventory for Children.
Fonte: Elaborada pelos autores.
7-10
9-13
Combinado +
Depressão
Único
4-6
12-17
Combinado +
Depressão
Único
9-11
11-14
12-14
6-7
9-10
14-16
10-13
10-12
Idade
(anos)
Combinado +
Estresse e Depressão
Combinado +
Depressão
Único
Único
Único
Autores
Programa
Objetivo: diminuir
comportamentos
ansiosos
Tabela 1. Características dos programas preventivos universais de ansiedade selecionados na presente revisão bibliográfica
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Luan Flávia Barufi Fernandes, Felipe Alckmin-Carvalho, Sarah Izbicki, Márcia Helena da Silva Melo
Observa-se que todos os artigos apresentaram como objetivo a diminuição dos
comportamentos ansiosos, e, em cinco deles, os pesquisadores também delinearam
como objetivo a avaliação dos efeitos do programa sobre outros problemas psicológicos, tais como depressão, estresse e abuso de substâncias. Os adolescentes foram participantes em cinco estudos, as crianças em três, e tanto crianças quanto adolescentes
compuseram a amostra em quatro estudos. Apenas um estudo trabalhou com crianças
de 4 a 6 anos, e apenas um teve como participantes adolescentes acima de 15 anos.
Seis intervenções atuaram com crianças na faixa etária de 9 a 12 anos.
Quanto ao país no qual os estudos foram desenvolvidos, seis foram realizados na
Austrália, quatro em países da Europa (Holanda, Noruega e Alemanha) e dois nos Estados Unidos. Ressalta-se que não foi localizado nenhum estudo realizado no Brasil ou
mesmo na América Latina.
Com relação ao local de realização dos estudos, apenas um programa de prevenção
universal de ansiedade foi aplicado fora do contexto escolar (Ehrenreich-May & Bilek,
2011), tendo sido conduzido durante um acampamento de férias para crianças. O profissional (coordenador) que conduziu a intervenção não foi o mesmo em todos os
programas: em sete dos estudos, o psicólogo foi o responsável por aplicar o programa;
em quatro, foram os professores das classes dos participantes; e, em um, foram tanto
professores quanto psicólogos.
A amostra dos estudos selecionados foi, em média, de 766 participantes, sendo o
desvio padrão de 536. Quanto ao formato do grupo controle, sete empregaram a lista
de espera para atendimento. Outro tipo de grupo controle empregado com frequência foi a atividade intitulada pelos autores de monitoria ou atenção, utilizada em
quatro dos estudos revisados. Nesse caso, os participantes ficavam sob a supervisão de
pelo menos um adulto e realizavam atividades lúdicas, enquanto o grupo experimental participava da intervenção.
No que tange à perspectiva teórica, a cognitivo-comportamental e seus componentes constituíram a base de dez deles. Um dos estudos adotou como referencial teórico
a teoria de aprendizagem social, e o outro, a análise do comportamento. Com relação
ao conteúdo do programa, todos os artigos apresentaram, mesmo que resumidamente, a descrição dos principais tópicos e princípios desenvolvidos pela intervenção. Há
também o relato da elaboração e entrega de cartilhas e/ou manuais informativos aos
participantes e coordenadores, nos quais constam os principais componentes dos programas, as atividades aplicadas e, em alguns casos, as tarefas de casa e os exercícios de
fortalecimento dos conteúdos abordados durante a intervenção. Ressalta-se que, em
todos os estudos, as referências para a obtenção do material acerca dos programas são
fornecidas pelos autores.
Além das crianças e/ou dos adolescentes, nove estudos tiveram seus pais e/ou professores como participantes da intervenção. No que se refere ao número de sessões que
constituíram os programas analisados, cinco deles foram compostos de 12 sessões com
as crianças (dez mais duas de fortalecimento) e mais duas a quatro sessões com os pais;
três programas variaram de três a 15 sessões com as crianças e/ou os adolescentes, mais
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Prevenção universal de ansiedade na infância e adolescência: uma revisão sistemática
uma a duas sessões com as famílias; duas pesquisas realizaram sessões com as crianças
e/ou os adolescentes, os pais e os professores; e duas envolveram na intervenção apenas as crianças e/ou os adolescentes. A média de sessões de 11 dos 12 estudos analisados foi de 14, com desvio padrão de 4,7. Dos 12 estudos revisados, dez apresentaram
resultados de seguimento, nos quais o período de acompanhamento variou de três
meses a cinco anos, com média de 11,5 meses.
Os instrumentos empregados pelos estudos foram variados, sendo constituídos por
escalas e inventários de medidas de comportamentos ansiosos e outros problemas de
comportamento. As pesquisas também utilizaram diferentes instrumentos para avaliar possíveis dificuldades psicológicas, tais como depressão e déficit em competência
social. As três medidas mais comuns empregadas foram: The Spence Children’s Anxiety
Scale (Scas), Revised Children’s Manifest Anxiety Scale (RCMAS) e Self-report for Childhood Anxiety Related Disorders (Scared).
Ressalta-se que o país, o coordenador, a perspectiva teórica e o conteúdo do programa foram características comuns a vários dos artigos descritos na presente revisão
pelo fato de seis dos 12 estudos encontrados terem avaliado o mesmo programa de
intervenção, a saber, o FRIENDS. Trata-se de um programa desenvolvido por um grupo
de pesquisadores da Austrália, os quais continuam a estudá-lo.
Onze dos 12 estudos revisados relataram diferenças significativas entre o grupo
experimental e o grupo controle no pós-teste, indicando haver redução de comportamentos ansiosos nos participantes da intervenção avaliada. Os autores dos estudos em
cuja intervenção os pais e/ou professores também foram participantes não descreveram o número exato dessa amostra e não relataram os resultados obtidos com eles.
Seis deles destacam a pouca adesão dos pais às sessões propostas.
A Tabela 2 descreve as informações referentes às análises estatísticas inferenciais
dos artigos selecionados na presente revisão sistemática.
Tabela 2. Dados de estatística inferencial apresentados pelos estudos: nível de
significância (valor p), tamanho de efeito (d) e poder (p)
Tamanho de efeito (d) /
classificação**
Cálculo do
poder (p)***
Artigos
Valor p*
Barrett e Turner (2001)
> 0,05
Não
Não
Lowry-Webster, Barrett e Dadds (2001)
< 0,05
Não
Não
Barrett, Lock e Farrell (2005)
< 0,05
Não
Não
Vuijk, Lier, Crijnen e Huizink (2007)
< 0,05
Não
Não
Trudeau, Spoth, Randall e Azevedo (2007)
< 0,001
Não
Não
Aune e Stiles (2009)
< 0,0001
0,21 / pequeno
Não
Kraag, Van Breukelen, Kok & Hosman (2009)
< 0,04
0,15 / pequeno
0,9
(continua)
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Tabela 2. Dados de estatística inferencial apresentados pelos estudos: nível de
significância (valor p), tamanho de efeito (d) e poder (p) (conclusão)
Artigos
Valor p*
Tamanho de efeito (d) /
classificação**
Cálculo do
poder (p)***
Calear, Christensen, Mackinnon, Griffiths e
O’Kearney (2009)
< 0,001
0,3 / pequeno
0,9
Pahl e Barrett (2010)
< 0,04
Não
Não
Stopa, Barrett e Golingi (2010)
< 0,001
Não
Não
Ehrenreich-May e Bilek (2011)
< 0,05
0,26 / pequeno
Não
Essau, Conradt, Sasagawa e Ollendick (2012)
< 0,001
Não
Não
*
Valores de p significativos se ≤ 0,05.
**
O tamanho do efeito de acordo com as recomendações de Cohen: pequeno = 0,20; médio = 0,50; e grande = 0,80.
*** Poder varia de 0 (sem poder) até 1,0 (100%).
Fonte: Elaborada pelos autores.
No que tange às análises de estatística inferencial, observa-se que todas as pesquisas apresentaram dados de significância entre as diferenças das médias e dos desvios
padrão do grupo controle e do grupo experimental, quatro artigos apresentaram resultados do tamanho de efeito do programa avaliado e apenas dois estudos realizaram o cálculo do poder estatístico.
Discussão
A presente revisão sistemática teve como objetivo descrever o panorama atual da
literatura nacional e internacional acerca dos programas preventivos universais para
ansiedade na infância e na adolescência. Encontrou-se que as intervenções são realizadas em diferentes países, predominantemente na adolescência, no contexto escolar
e com amostras numerosas. Ademais, a maioria dos estudos adotou a perspectiva cognitivo-comportamental, previu entre uma e sete sessões com os pais e acompanhou os
participantes entre três meses e cinco anos após a finalização da intervenção.
O TA é o problema mais comum em idade escolar (Costello et al., 2011), e as estatísticas são alarmantes e sinalizam possíveis prejuízos para o desenvolvimento infantojuvenil, para a interação familiar e para diversos setores da sociedade, tais como saúde, educação e economia (Boyd et al., 2000). Contudo, considera-se que há poucos
estudos, em termos mundiais, voltados para a prevenção, uma vez que apenas 12 artigos de intervenções preventivas universais de ansiedade baseadas em evidências foram localizados na presente revisão.
Ressalte-se que nenhum estudo nesses moldes foi desenvolvido por pesquisadores
da América Latina. Autores brasileiros (Melo, 2003; Murta, 2007) concordam que medidas preventivas em psicologia ainda estão em estado incipiente, tendo em vista a
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Prevenção universal de ansiedade na infância e adolescência: uma revisão sistemática
carência de pesquisas, serviços e ações governamentais aplicados de forma consistente. Isso pode ser parcialmente explicado pelo fato de que, historicamente, os cursos de
Psicologia no país pouco mudaram, predominando ainda a ênfase em modelos remediativos, centrados no indivíduo e, muitas vezes, prescritivos. Isso não apenas limita a
pesquisa, o ensino e os serviços oferecidos à comunidade, mas também onera a sociedade, uma vez que os custos com tratamentos de saúde e segurança são significativamente maiores quando comparados com ações preventivas.
Destaca-se que há uma tendência crescente de realizar os programas preventivos
universais no contexto escolar. A valorização do ambiente escolar como adequado
para aplicação de intervenções preventivas universais pode ser justificada pela possibilidade de ofertar a intervenção para uma amostra numerosa e variada, pelos custos
menores e pelas perspectivas de sustentabilidade. Ademais, os próprios professores
podem conduzir a intervenção com possibilidade de atingir resultados positivos na
redução de ansiedade na população infantojuvenil, haja vista resultados observados
na presente revisão (Barrett & Turner, 2001; Calear et al., 2009; Kraag, Van Breukelen,
Kok, & Hosman, 2009; Stopa, Barrett, & Golingi, 2010; Vuijk, Lier, Crijnen, & Huizink,
2007). Diante das possibilidades advindas das intervenções universais realizadas no
contexto escolar, especificamente quanto à quantidade de pessoas que elas podem
atingir, observa-se que o tamanho das amostras dos estudos foi bastante expressivo,
embora tenha variado consideravelmente. O desvio padrão de 536 evidencia essa variação do número de participantes: em uma intervenção, 1.748 adolescentes foram
participantes, e, em outra, apenas 40.
Embora o tamanho do efeito seja uma medida importante referente à eficácia do
programa, apenas quatro estudos avaliaram esse marcador, que variou de 0,15 a 0,30,
sendo classificado como pequeno em todos eles. Esse resultado indica que, embora as
intervenções, de modo geral, tenham trazido mudanças no que tange aos comportamentos ansiosos no repertório comportamental dos participantes avaliados em pré e
pós-intervenção, as diferenças encontradas foram pequenas. Ainda que estudos em
psicologia dificilmente encontrem tamanhos de efeito grandes, essa medida nos alerta para a necessidade de aprimorar os componentes dos programas universais de ansiedade e avaliar quais deles, de fato, estão associados a mudanças duradouras.
Destaca-se também que, nos artigos revisados, há apenas um estudo com populações pré-escolares ou com crianças menores de 6 anos; dez estudos focaram a intervenção em crianças acima de 9 anos e adolescentes. Essa tendência de selecionar
amostras com idades semelhantes pode estar relacionada à constatação da literatura
de que é nesse período do desenvolvimento infantojuvenil que a incidência de ansiedade aumenta consideravelmente (Boyd et al., 2000; Neil & Christensen, 2009). Porém,
pesquisas recentes destacam que crianças menores de 5 anos podem apresentar sinais
significativos de ansiedade, condição que sinaliza a importância de intervenções preventivas serem implementadas junto a essa população, ou seja, mais precocemente,
diminuindo a probabilidade de a ansiedade produzir efeitos negativos no desenvolvimento infantil (Egger & Angold, 2006; Pahl & Barrett, 2010).
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Com base nos resultados da presente revisão sistemática, observou-se que, atualmente, o FRIENDS é o programa de prevenção universal de ansiedade para crianças e
adolescentes mais largamente aplicado e avaliado. Além da Austrália, país que concentra a origem, a disseminação e o estudo desse programa, ele foi aplicado na Alemanha. Isso representa um grande investimento do grupo de pesquisa australiano em
disseminar um tipo de intervenção que tem se mostrado eficaz para reduzir comportamentos ansiosos, ressaltando que a divulgação de ações eficazes e eficientes constitui a última etapa no desenvolvimento de programas preventivos (Flay et al., 2005;
Gordon, 1987).
Esse investimento também pode ser constatado nas intervenções de orientação
cognitivo-comportamental, que vêm crescentemente utilizando tecnologias baseadas
em evidência. A partir da década de 1990, muitas produções nessa perspectiva têm se
voltado para a ansiedade e depressão (Compton et al., 2004), tanto em solo americano
– berço das abordagens cognitivas – como em muitos países da Europa, tornando essa
abordagem reconhecidamente uma das mais populares entre os psicólogos e nos sistemas de saúde.
Nove pesquisas envolveram outros participantes além das crianças e dos adolescentes, a saber, pais e/ou professores. Com exceção da pesquisa de Trudeau, Spoth, Randall e Azevedo (2007), em que as famílias compareceram regularmente às sessões previstas, as demais relataram baixa adesão dos pais ao atendimento psicológico
proposto. Os autores desses estudos reportaram dificuldades em trazer os pais periodicamente à escola e avaliaram que o envolvimento familiar é importante, pois pode
favorecer a manutenção e a generalização dos ganhos obtidos. Aune e Stiles (2009) e
Trudeau et al. (2007), por exemplo, também destacaram que os programas preventivos precisam envolver pessoas significativas para a criança e o adolescente, que podem contribuir para a intervenção ser mais efetiva e produzir efeitos duradouros.
Considerando que as causas da ansiedade são múltiplas e complexas, é importante
que as habilidades cognitivas, sociais e de enfrentamento sejam treinadas e experienciadas em diferentes contextos (familiar, acadêmico e social).
Com relação ao seguimento, nove estudos apresentaram dados de avaliação após
meses e/ou anos do término da intervenção. Tais dados são de extrema importância
para observar e acompanhar se os efeitos da intervenção realmente previnem sinais
de ansiedade ao longo do desenvolvimento desses indivíduos, ou seja, se a intervenção foi eficaz e efetivamente preventiva. Pesquisadores da área de prevenção (Gordon, 1987; Mrazek & Haggerty, 1994; Murta, 2007) alertam para a necessidade de realizar avaliações periódicas das populações estudadas e do desenvolvimento de
estudos epidemiológicos, com o intuito de constatar se a intervenção preventiva realmente atingiu seus objetivos.
Aponta-se que, a partir da revisão da literatura, foi observado que as expressões
“transtornos de ansiedade”, “comportamentos ansiosos”, “sintomas ansiosos” e
“ansiedade” têm sido comumente utilizadas como sinônimos. Cabe esclarecer que
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Prevenção universal de ansiedade na infância e adolescência: uma revisão sistemática
transtornos de ansiedade são uma condição clínica descrita no Eixo I do DSM-IV-TR
(American Psychiatric Association, 2002) e abrangem critérios diagnósticos específicos e em combinação. O diagnóstico é dado quando esses comportamentos são frequentes, desproporcionais ao estímulo ansiogênico e causam prejuízo significativo
ao indivíduo. Assim, comportamentos, sintomas e o estado de ansiedade podem estar presentes no repertório comportamental do indivíduo sem que este tenha um
transtorno de ansiedade.
De maneira geral, pode-se concluir, com base nos resultados da presente revisão,
que a literatura internacional vem apresentando um investimento considerável em intervenções universais de manejo da ansiedade na infância e na adolescência, em termos da qualidade dos estudos realizados. Esse investimento pode ser observado na
execução dos programas em contexto escolar, no tamanho das amostras utilizadas, no
envolvimento dos professores e na coleta de dados de seguimento. Vale destacar que,
corroborando essa conclusão, se observou, nas discussões dos artigos revisados, uma
tendência crescente dos autores em comprovar a eficácia e a efetividade desses programas e de promover sustentabilidade, principalmente no contexto escolar. Entretanto,
a ausência, verificada na presente revisão, de artigos produzidos na América Latina
indica uma lacuna a ser superada na literatura nacional, dada a importância de investigações voltadas à eficácia e à efetividade da execução, em território brasileiro, desses
programas preventivos.
Além das pesquisas brasileiras citadas, recomendam-se estudos nacionais e internacionais que avaliem as características preditivas de permanência e de melhores
prognósticos dos programas de prevenção de ansiedade, dado que os próprios autores dos estudos revisados destacaram que os benefícios da prevenção em nível universal variam conforme características específicas de cada indivíduo. Sugere-se, ainda, a
execução de revisões de literatura similares à empreendida no presente artigo, as
quais podem servir de base para o desenvolvimento e aprimoramento de políticas
públicas referentes às áreas da saúde, educação e segurança. Especificamente em países como o Brasil, esses estudos podem embasar e justificar a reprodução, aplicação e
adaptação de medidas preventivas elaboradas em outros territórios.
É importante destacar que as análises realizadas no presente artigo devem levar
em consideração a especificidade do filtro de busca adotado – intervenções preventivas, em nível universal e baseadas em evidências –, o qual pode ter resultado em um
número reduzido de pesquisas encontradas. Tendo isso em vista, compreende-se que
uma limitação do presente artigo foi a exclusão de pesquisas desenvolvidas por diversos autores da área da psicologia que têm se preocupado em estudar e desenvolver
outros programas de prevenção de ansiedade voltados para a população infantojuvenil, mas cujos estudos não atendem ao grau de particularidade assumido na presente
revisão sistemática.
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Submissão: 30.1.2013
Aceitação: 17.4.2014
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