A ESTRUTURA LÓGICAi DA NORMA JURÍDICA
Ana Paula Polacchini de Oliveira
Advogada. Pós-graduada em Direito Público e Filosofia.
Mestre e Doutoranda em Filosofia do Direito pela USP.
Docente do Curso de Direito da Unilago.
RESUMO: O presente texto tem seu contexto de análise explicitado e o
universo de investigação delimitado ao apontar para uma porção do
fenômeno jurídico e percorrer, de modo objetivo, o caminho necessário à
descrição da estrutura lógica da norma jurídica concebida pelo professor
Lourival Vilanova. A norma jurídica, a partir de sua estrutura lógica, pode
ser expressa, em linhas gerais, da seguinte forma: norma primária –
material; norma secundária - processual. Para a compreensão da
mencionada temática serão levadas em consideração, e devidamente
explicitadas, as concepções de linguagem, de direito positivo e de norma
jurídica afetas à perspectiva do mencionado jurista.
Palavras-chave:
estrutura lógica.
linguagem,
comunicação,
direito,
norma
jurídica,
1. Linguagem e Comunicaçãoii
A linguagem é, assim como outras instituições, onde o
conhecimento se fixa, se deposita, e por onde se transmite. Explica-se.
A percepção, a experiência sensorial, admite conhecimento. O
ente humano é cognoscente e, neste sentido, ele pensa, percebe, cria,
detém consciência, a tal ponto que a operacionalidade desta vai além de si
mesma.
A consciência é transcendental e suas possibilidades são
infinitas.
Mas, tal complexidade atinente ao conhecimento - ao pensar e
julgar – somente pode ser identificada se inserida em um plano
comunicacionaliii.
Por exemplo, aquilo que é importante para o ente
humano, como seus valores, mesmo que intuídos, apreendidos ou criados
pelo homem, permanecem no plano psíquico do ente. Ocorre que,
considerando a estrutura social, não basta ao conhecimento restar, mesmo
que ardente, no plano introspectivo. É preciso exteriorizá-lo. Senão, como
sabê-lo existente? Senão como identificar a transmissão de conhecimento
e a interação social?
Para tanto, o homem, ao longo de sua história, convencionou
diversas formas de manifestação, códigos que se prestam a transmitir
dados, emoções e a estabelecer interações de todos os tipos, permitir a
convivência e interagir em evolução.
Veja que o exteriorizar o pensar, formulando, por exemplo, uma
proposição, pode tornar o conhecer um fato completo.
E a linguagem, nada mais é que a capacidade humana de
utilização deste sistema convencional de signos para exteriorizar o pensar.
A instrumentalidade da linguagem funciona como suporte para se fazer
referência a alguma coisa. Esta referência é o significado daquilo que se
está transmitindo e que vai causar na mente de um receptor uma
significação.
Elenca-se, de modo exemplificativo, a linguagem dos
objetos, a linguagem corporal, dos sons, das palavras – escritas e faladas.
A conduta do homem consiste em espécie de linguagem iv. O
homem age e transmite uma mensagem, cuja significação é recebida por
outros homens.
A língua, considerada enquanto sistema de signos, e neste texto
tomada particularmente enquanto palavra (escrita ou falada), também
transmite uma mensagem e é, inclusive, um dos códigos mais bem
sucedidos criados pelo homem. A expressão da língua - linguagem,
através do plano proposicional – é que vai permitir articular relações,
transmitir conhecimento.
Outros códigos de signos podem ser invocados, e o são
diariamente pelo homem, como a conduta.
Mas, de se ver que, é a
linguagem, através da palavra escrita ou falada, que serve ao homem para
mais facilmente realizar a comunicação e que, inclusive, auxilia na própria
conduta deste. Quanto mais apurada a linguagem, mas ela se presta ao
objeto comunicacional eis que, considerando o universo social, sem a
comunicação a realidade torna-se frustrante. Interação inexiste. Valores
não são transmitidos, o direito não se realiza.
1.1 A Linguagem e as Normas Jurídicas
O Direito não se reduz à linguagem, mas esta o representa,
materializa-o. O próprio Direito pode ser concebido e entendido das mais
diversas formas, variando na doutrina conforme o tempo e o lugar;
consoante o intérprete; segundo as intenções e convicções daquele que o
concebe. Daí que se faz pertinente a análise do modo de ser do Direito, e
neste contexto se insere o estudo da norma jurídica, como uma
possibilidade na verificação do modo como o Direito se expressa. A norma
jurídica pode ser considerada como uma porção constituinte do Direito e
pode ser entendida como a “significação que obtemos a partir da leitura
dos textos do direito positivo” (CARVALHO, 2002, p. 8).
Dentre os entendimentos possíveis está aquele que concebe o
direito positivov enquanto construção social, e como um conjunto de
normas em vigor em um determinado espaço e tempo. Dize-se construção
social eis que o direito positivo reverte seus olhos diretamente às relações
sociais e condutas dos indivíduos, disciplinando-as.
relações do universo socialvi.
Disciplina possíveis
É esta a linguagem do direito positivo,
aquela acampada nos textos legais introduzidos no sistema. (VILANOVA,
1997, p. 21).
Concebe-se a existência de diversas ordenações: cada sistema
positivo apresenta suas regras de formas diferentes, confeccionadas pelos
mais variados entes.
Cada uma apresenta sua respectiva expressão
através de uma linguagem prescritiva de condutas. Fixa os modos de ser
das condutas. Trata, portanto, de uma linguagem-objeto que prescreve as
condutas dos indivíduos: “está proibido”, “está permitido”, “está obrigado”.
Indica condutas possíveis atribuindo às mesmas prescrições cujos termos
expressam-se através dos modais P (Permitido), V (Proibido) e O
(Obrigatório) (VILANOVA, 1997, p. 20).
Verifica-se, desta feita, que a norma jurídica não se confunde
com os textos que dos códigos constam.
Deles se utilizam, mas não
através de mera compilação, e sim como resultado da interpretação do
sistema e da própria sociedade: é resultado do trabalho humano.
A significação advinda da construção de proposições jurídicas a
partir dos textos de direito e os termos, explicita e implicitamente neles
contidos, é que constituirá a norma jurídica. Mesmo considerando que
significativa doutrina atribua à norma jurídica a conotação de texto legal,
tais não se confundem. A norma consiste na significação colhida da leitura
dos textos legais. Estes consistem em instrumentos introdutórios de
normas jurídicas no ordenamento. São enunciados prescritivos, suportes,
que funcionam como substrato para as normas, mas não normas jurídicas.
Tão somente.
Daí que as normas jurídicas são introduzidas no sistema através
de uma gama de textos jurídicos. Inclusive a linguagem utilizada por estes
textos
(Constituição Federal, leis
complementares, leis
ordinárias,
decretos...) nem sempre segue um rigor, é permeada de trechos técnicos,
outros vulgares. A norma jurídica é então construída a partir de todos
esses elementos.
Mesmo assim, todas as normas jurídicas se condicionam por um
dever ser que apesar de não se apresentar nesta estrutura verbal pode
assim ser transformado. Opta-se por formalizar a linguagem jurídica,
através da lógica, para após, concebida sua estrutura, integrar a ela os
elementos materiais, para a formação da proposição normativa que vem a
incidir no caso concreto.
2. Estrutura Lógica da Norma Jurídica
Sob o ponto de vista sintático e semântico do sistema de
proposições normativas do Direito, a conduta que não estiver proibida, ou
não for obrigatória, é permitida. O que está no sistema jurídico são os
enunciados prescritivos.
interpretação.
As normas são dele extraídas através da
Segundo os ensinamentos do professor Lourival Vilanova a
norma jurídica admite uma estrutura lógica que pode ser construída
observando-se um processo de formalização dos condicionamentos de um
sistema. Citado professor admite uma composição dúplice da norma
jurídica.
A primeira parte integrante da norma, denominada de norma
primária, consiste em uma norma de direito material. A segunda, norma
secundária consistiria uma norma de direito processual (VILANOVA, 1997,
p. 20).
Vejamos. Com vistas à implantação dos valores relevantes para
a sociedade o sistema jurídico, utilizando-se dos enunciados normativos, o
sistema engloba uma fatia de fatos e atos que, de certa forma,
representam interesses que refletem estes valores.
Assim, face à
ocorrência de uma situação juridicamente relevante, uma conduta – ação
ou omissão – deve ser efetivada. A prescrição desta conduta, que fixa o
permitido (P), o proibido (V) e o obrigatório (O), consiste na uma norma de
direito material. (VILANOVA, 1997, p. 20).
O sistema, conjunto de enunciados abstratos e prescritivos de
conduta, encontra-se em estado latente. Na ocorrência de um fato, seja
físico, seja social, e correspondendo ao esquema abstratamente prescrito,
deixa a norma seu status de proposição. Incide “... tecendo efeitos que
não adviriam das meras relações de causalidade natural”(VILANOVA,
2000, p. 133). O fato que, antes apenas social seria, foi considerado
juridicamente relevante e elevado foi à categoria jurídica.
Tornou-se
suporte fáctico, suporte de relações, dada a particularidade do mundo
jurídico a ele imputado. Os fatos ingressam na medida de uma hipótese
normativa. A hipótese consiste em um descritor previsto no sistema.
Esta parte inicial da norma primária corresponde, portanto, a
hipótese fática juridicamente relevante, um possível fato do universo
social. Pode-se dizer que se um certo fato P ocorrer. Este ‘p’ é vinculado
`a algum enunciado do sistema que o prevê.
Justifica-se aí sua
pertinencialidade (validade) ao sistema. Mas não é qualquer fato que terá
adequação ao ‘p’. É preciso que este ‘p’ esteja hipoteticamente previsto
(tenha previsão no Direito). Daí a condição de fato jurídico. Há que se
revestir no conteúdo de uma hipótese previamente estabelecida pelo
sistema como juridicamente relevante. Consiste em um fato tipificado pelo
sistema. Esta hipótese é então descritiva de um fato, mas ao descrever
este fato jurídico, automaticamente, surge um dever ser, uma obediência
por parte dos indivíduos do sistema, compondo a norma primária. Este
consiste na observância da conduta, o ‘q’, conseqüente, da estrutura
normativavii. O ‘q’ representa o prescritor daquilo que deve ser observado
pelo sujeito (s) passivo. (VILANOVA, 1997, p. 96).
Esta vinculação dá-se em razão de disposição do sistema.
Estabelece-se uma relação de implicação. É o sistema que vai vincular a
um certo fato uma certa conduta.
natural.
Não se trata de uma causalidade
A conduta vinculada é o conseqüente da norma primária, o
prescritor da conduta. Uma hipótese implica uma conseqüência. Neste
momento estabelece-se uma relação entre o titular da descrição
normativa, de ‘p’, e aquele que deve observar a conduta ‘q’. “Se ..., então”,
que pode ser representada por ‘se p então q’, ou seja, se der-se no
universo real um ato/fato relevante para o direito ele está protegido então
deve ser observado. (VILANOVA, 1997, p. 97).
Pela formalização D (p  q), onde o ‘D’, denominado functor
deôntico, representa o ‘dever ser’ determinado pelo sistema, (nele estão
(P), (V) e (O), das condutas possíveis). O ‘’ concerne a relação de
implicação do sistema. Neste momento instala-se uma relação jurídica.
Seja entre um individuo titular o direito contido em p, sujeito ativo donde o
fato do direito subsumiu-se a uma prescrição do sistema e outro individuo
ou mesmo uma coletividade, sujeito passivo, a quem cumpre a
observância da conduta.
Daí a relação entre os sujeitos R (s’, s’’)
(VILANOVA, 1997, p. 97). Neste sentido estão postas as normas do
sistema enquanto normas de direito civil, comercial, penal, do consumidor,
enfim, a infinita gama de fatos sociais relevantes para o direito. Apesar da
norma jurídica completa ser dúplice, só o é face o descumprimento de uma
prescrição do ordenamento eis que, se a prescrição for observada a
relação jurídica em sede de norma primária se fez satisfeita.
Sendo
assim,
a
norma
secundária
consiste
na
norma
sancionadora, causa do descumprimento da prescrição contida na norma
primária. Vale dizer que, o fato de ser secundária não constitui questão
temporal, apenas de ordem causal. Para que a norma secundária exista
necessária a existência da norma primária. O não cumprimento a relação
entre s’ e s’’, enseja a norma secundária. (VILANOVA, 1997, p. 98).
O
descumprimento
consiste
na
conduta
prevista
como
antijurídica, como ilícita para a qual está prevista no ordenamento uma
sanção.
Esta caracteriza a hipótese da norma secundária. Com a
provocação da tutela jurisdicional instaura-se uma relação jurídica trinária
donde figuram sujeitos, ativo e passivo, e o Estado dirimente do conflito, a
quem cabe aplicar a norma ao caso invocado, propondo uma sanção,
prescritor da norma secundária R’ (s’, s’’, c). A norma secundária pode
assim ser representada: (-q  s). A norma jurídica completa: D (p  q) v (q  s). (VILANOVA, 1997, p. 97).
A presença do símbolo ‘v’ dá-se por questão lógica. As duas
estruturas
(norma
primária
e
secundária)
estão
hipoteticamente
relacionadas disjuntivamente. No plano formal, a estrutura normativa é
desta maneira facilmente identificada. No plano dos fatos não. Eis que “q”
e “–q” se excluem. (VILANOVA, 1997, p. 98).
3. Considerações finais
O conteúdo daquilo que vai compor a estrutura normativa não
tem relação lógica.
Consiste em um processo de desformalização da
estrutura e identificação no sistema dos enunciados aplicáveis. Daí a
importância da conduta ativa do pensador do direito na produção das
normas, no processo legislativo, na vivência e apreensão da realidade da
sociedade e de suas necessidades.
... Mostrar ... como as estruturas lógicas
servem de sustentação ao Direito positivo. ...
dá-nos conta até onde chegam as análises
lógicas.
Há um quantum de Lógica no direito
positivo, mas o Direito é mais que lógica. Com
isso, previne-se o declive para o formalismo que,
justificado como formalismo lógico, exacerba-se
em
descomedido
formalismo
jurídico.
(VILANOVA, 1997, p. 34).
Neste sentido é importante frisar que a lógica e a estrutura lógica
da norma jurídica, dela resultante, não respondem a todas as dimensões
dos problemas da experiência jurídica. Por exemplo, o ponto de vista
lógico não explica o porquê de uma norma aplicada não ter atingido os fins
sociais pretendidos. Mas é um percurso necessário para aquele que
pretende compreender o fenômeno jurídico e superar os exageros
cometidos pelo estrito formalismo ao qual recaiu o Direito.
Referências Bibliográficas
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14.ª edição,
revista e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2002.
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito – técnica,
decisão, dominação. 3.ª edição. São Paulo: Atlas, 2003.
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo.
São Paulo: Max Limonad, 1997.
_________; Causalidade e Relação no Direito. 4.ª edição. São Paulo: RT,
2000.
i
A lógica integra a parte da Filosofia que trata do conhecimento. Buscando organizar a mensagem para
convencer, a lógica assumiu, entre os gregos, a feição de arte de produzir bons argumentos. Seria o
Órganon de Aristóteles, que concebeu a estrutura do pensamento a partir da lógica formal (para os
raciocínios válidos ou corretos, a estrutura) e da lógica material (adequação do raciocínio à realidade).
ii
Pela importância da integralidade do conhecimento possível, acrescida ao fato das relações sociais
serem necessariamente intersubjetivas, é que se faz necessário, um breve relato acerca da linguagem
pelo homem.
iii
A não ser que se admita o avanço tecnológico a ponto de chegar-se a leitura da mente, faz-se tema de
conhecimento somente aquele exteriorizado. E, mesmo que se admita a comunicação pela mente
(indivíduos com tamanha sensibilidade que se comunicam) haverá interação. Mesmo que diferenciada,
intersubjetividade haverá.
iv
Importante frisar os planos da linguagem. Neste caso, a análise da linguagem pode se dar em um
plano semântico, sintático e pragmático. O plano sintático concerne às relações dos signos entre si.
Sistema finito de regras que enseja a produção de infinitas mensagens. Uso do termo em relação a
outros vocábulos. O qualificador do termo. O plano semântico contempla o vínculo do signo com a
realidade. Uma associação do termo ao objeto. E o plano pragmático trata da relação do signo com o
emissor ou destinatário da mensagem. Considera-se o contexto de produção da mensagem e os efeitos
propostos pelo emissor. A decodificação de uma mensagem se dá no plano pragmático da mensagem. A
conjunção “norma e fato” confere positividade ao sistema. Confere a ele atualidade. O sistema está
“lá”, prescrito, independente do que venha a ocorrer. Os dados atuais atualizam-no, através do processo
de concretização.
v
O direito positivo e a Ciência do Direito, como ensina Paulo de Barros Carvalho, “são dois mundos
que não se confundem, apresentando peculiaridades tais que nos levam a uma consideração própria e
exclusiva”. “São duas regiões do conhecimento jurídico” CARVALHO, 2002., p. 01. Cumpre
esclarecer que este texto trata a Ciência do Direito como sendo uma construção propriamente jurídica.
Neste sentido a Ciência do direito faz linguagem do direito positivo. O direito positivo é objeto da
Ciência do Direito. Esta apresenta-se por uma linguagem cientifica, descritiva desse complexo
normativo que é o direito positivo. “[...] desde Savigny, sabe-se que a particularidade da ciência jurídica
é conhecer o direito positivo, seu objeto, e, também, retroincidir sobre o direito mesmo, como parte
integrante no processo incessante de sua formação: dúplice função – uma reprodutiva do objeto; outra
produtiva de seu objeto” (VILANOVA, 1997. p. 21).
vi
As relações necessárias ou impossíveis não são normativamente reguladas, eis que contrapor o curso
natural das coisas caracteriza verdadeiramente um sem-sentido.
vii
Como poderia ser qualquer letra do alfabeto ou qualquer outro símbolo. Neste caso convencionou-se
a letra ‘q’
Download

As relações intersubjetivas do e do homem com o mundo