Universidade Católica de Petrópolis – UCP / Instituto de Pesquisa
Tecnológica – IPETEC
Pós-Graduação lato sensu Cultura Afro-Brasileira e Indígena
Nações indígenas e africanas e a
utopia do paraíso ultrajado.
Construções alternativas e paradoxos
do multiculturalismo e da
globalização
Prof. Ricardo Riso
Pseudônimo de Ricardo Silva Ramos de Souza (1974). Mestrando de Relações Etnicorraciais do
Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – CEFET/RJ. Bolsista CAPES.
Pesquisador do Estudos cabo-verdianos: literatura e cultura – Universidade de São Paulo (USP);
Integrante do grupo de pesquisa GELITE/UEMA; Coorganizador do livro Afro-rizomas na diáspora
negra: as literaturas africanas na encruzilhada brasileira (2013). Blog – ricardoriso.blogspot.com
– E-mail: [email protected]
quilombo in verso
(Alex Simões)
bem no meio da marinha do brasil,
atrapalhando a segurança dos naval,
está o Quilombo Rio dos Macacos.
não seria o contrário?
(In: Adún, Gueellwaar; Adún, Mel; Ratts, Alex. (Orgs.).
Ogum’s Toques Negros – Coletânea Poética. Salvador:
Ogum’s Toques Negros, 2014. p. 40)
MULTICULTURALISMO
HALL, Stuart. A questão multicultural. In: _____. Da diáspora. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2011.
HALL, Stuart. Que ‘negro’ é esse na cultura popular? In: _____. Da diáspora.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
Distinção entre Multicultural e Multiculturalismo
MULTICULTURAL – é qualificativo. Descreve as características sociais e os
problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na
qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade
“original”.
MULTICULTURALISMO - é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas
adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e
multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.
Sociedades multiculturais são heterogêneas, contrapondo-se aos ideais dos
Estados-nação moderno, liberal e ocidental que se afirma sobre o
pressuposto da homogeneidade cultural organizada em torno de valores
universais, seculares e individualistas liberais. (HALL, 2011, p. 50)
Multiculturalismo é contestado por diferentes grupos que divergem quanto
as abordagens sobre raça e etnia como perigo para as integridades culturais
de uma nação e o universalismo e neutralidade do estado liberal.
Perigo da propagação do multiculturalismo como uno, homogêneo.
Existem diferentes sociedades multiculturais, assim também há
multiculturalismos:
Multiculturalismo conservador – insiste na assimilação da diferença às
tradições e costumes da maioria;
Multiculturalismo liberal – integrar os diferentes grupos culturais na
sociedade majoritária, tolerando práticas culturais particularistas no âmbito
do privado;
Multiculturalismo pluralista – avaliza diferenças culturais e concede direitos
de grupo distintos a diferentes comunidades dentro de uma ordem política
comunitária;
Multiculturalismo comercial – pressupõe que a diversidade dos grupos deve
ser reconhecida, assim resolvem-se os problemas através do consumo
privado, sem necessidade de redistribuição de poder e de recursos;
Multiculturalismo corporativo – busca administrar as diferenças culturais da
minoria, visando os interesses do centro;
Multiculturalismo crítico ou revolucionário – enfoca o poder, o privilégio, a
hierarquia das opressões e os movimentos de resistência.
Pós-colonial não resolveu problemas multiculturais em razão das
contradições internas e fontes de desestabilização no interior das
sociedades descolonizadas (guerras civis). (p. 55)
Fim da Guerra Fria e desmantelamento da União Soviética e Leste europeu.
Entrada voraz do mercado acirrou disputas étnicas e discursos vinculados à
ideia de nação e invenção das tradições (Hobsbawn), contrapondo-se ao
enfraquecimento do Estado-nação com a globalização. (p. 55)
Globalização contemporânea com mercado financeiro desregulamentado,
ao capital global, e aos fluxos de moedas grandes o suficiente para
desestabilizar as economias médias, às formas transnacionais de produção e
consumo, ao crescimento exponencial de novas indústrias culturais
impulsionado pelas tecnologias de informaçãol. (p. 56)
A globalização contemporânea é homogeneizante, mas não consegue
controlar efeitos inesperados dos subalternos.
PROLIFERAÇÃO SUBALTERNA DA DIFERENÇA
A différance (Derrida) atua com as similaridades e diferenças e recusa as
posições binárias fixas. A différance não pode ser essencializada, ela está
sempre em processo. Ressurge a força do local – do particular e específico –
contra uma suposta aspiração universalista da globalização. Ele resiste ao
fluxo homogeneizante do universalismo com temporalidades distintas e
conjunturais. Não possui inscrição política fixa. Pode ser progressista,
retrógado ou fundamentalista – aberto ou fechado – em diferentes
contextos. É uma resistência que procura trazer as margens para o centro.
(Hall, p. 59)
AS MARGENS NO CENTRO: O CASO BRITÂNICO
Chegada de caribenhos em 1948, no navio S.S.Empire Windrush. Nas
décadas seguintes, acompanhando caribenhos, chegaram asiáticos,
africanos e outros do Terceiro Mundo.
Ingleses viram-se obrigados a mudar relações com antigo Império, pois os
que estavam distante passaram a ficar dentro do solo britânico.
Transculturação – negociação e redefinição de práticas culturais pelos
imigrantes em diáspora.
“Cada vez mais, os britânicos têm sido obrigados a pensar sobre si mesmos
e suas relações com os outros no Reino Unido em termos raciais (...). A
visibilidade das comunidades étnicas (...) questionou a ‘homogeneidade’ da
cultura britânica e do ‘ser inglês’ enquanto etnia, trazendo a questão do
multicultural para o centro do da crise de identidade nacional” (p. 65)
DESETABILIZANDO A CULTURA
Hibridismo – não é uma referência à composição racial mista de uma
população. É realmente outro termo para a lógica cultural da tradução. Essa
lógica se torna cada vez mais evidente nas diásporas multiuculturais e em
outras comunidades minoritárias e mistas do mundo pós-colonial. Trata-se
de um processo de tradução cultural que nunca se completa.
“Não é simplesmente apropriação ou adaptação; é um processo através do
qual se demanda das culturas uma revisão de seus próprios sistemas de
referência, normas e valores, pelo distanciamento de suas regras habituais
ou ‘inerentes’ de transformação. Ambivalência e antagonismo acompanham
cada ato de tradução cultural, pois o negociar com a ‘diferença do outro’
revela uma insuficiência radical de nossos próprios sistemas de significado e
significação” (BHABHA, 1997)
Na diáspora, para alguns, as condições híbridas podem estar
avançadas, mas quase nunca assimiladas, pois que não se
completa e nunca se encerra. Sendo assim, as pessoas
geralmente adotam posições de identificação deslocadas,
múltiplas e hifenizadas. Na diáspora, todos negociam
culturalmente em algum momento da différance, onde as
disjunções de tempo, geração, espacialização e disseminação se
recusam a ser nitidamente alinhadas (p. 72-73)
QUE NEGRO É ESSE NA CULTURA POPULAR? (Stuart Hall)
Descolonização do Terceiro Mundo marcado
culturalmente pela emergência das sensibilidades
descolonizadas. Conforme Fanon, descolonização
inclui o impacto dos direitos civis e as lutas negras
pela descolonização das mentes dos povos da
diáspora negra.
LUTA PELA HEGEMONIA CULTURAL
Dentro da cultura, a marginalidade, embora permaneça periférica em
relação ao mainstream, nunca foi um espaço tão produtivo quanto é
agora, e isso não é uma abertura dentro dos espaços dominantes, à
ocupação dos de fora. É também resultado de políticas culturais da
diferença, de lutas em torno das diferenças, da produção de novas
identidades e do aparecimento de novos sujeitos no cenário político
e cultural. Isso vale não somente para a raça, mas também para
outras etnicidades marginalizadas, assim como o feminismo e as
políticas sexuais no movimento de gays e lésbicas, como resultado de
um novo tipo de política cultural. (...)
A hegemonia cultural nunca é uma questão de vitória ou dominação
pura; nunca é um jogo cultural de perde-ganha; sempre tem a ver
com a mudança no equilíbrio de poder nas relações da cultura; tratase sempre de mudar as disposições e configurações do poder cultural
e não se retirar dele.
LUTA PELA HEGEMONIA CULTURAL
Estratégias culturais – aquelas capazes de fazer a diferença e deslocar
as disposições do poder. Importante por que os espaços
‘conquistados’ para a diferença são poucos e dispersos, e
cuidadosamente policiados e regulados.
REAÇÃO DE QUEM DETÉM A HEGEMONIA CULTURAL
• Resistência agressiva à diferença;
• tentativa de restaurar o cânone da civilização ocidental;
• o ataque direto e indireto ao multiculturalismo;
• o retorno às grandes narrativas da história, da língua e da literatura
(os três pilares da identidade e cultura nacionais);
• a defesa do absolutismo étnico;
• e as novas xenofobias.
LUTA PELA HEGEMONIA CULTURAL
Cultura popular é o espaço a ser conquistado, pois é no domínio do
simbólico direcionado ao senso comum que se conquista a
hegemonia cultural. Com a mercantilização e o apoio da tecnologia
dominante, a cultura popular passa a ser o espaço da
homogeneização e dos estereótipos.
CULTURA POPULAR NEGRA
• Estilo, música e corpo: três eixos de reconfiguração.
• Os fragmentos das origens africanas às dispersões irreversíveis da
diáspora conduziram a inovações linguísticas na estilização da
retórica do corpo, a formas de ocupar um espaço social alheio, a
expressões potencializadas, a estilos de cabelo, a postura, gingados e
maneiras de falar, bem como a meios de constituir e sustentar o
companheirismo e a comunidade.
Estética Diaspórica (Kobena Mercer)
• Experiência Negra (a experiência histórica do povo negro na
diáspora);
• Estética Negra (os repertórios culturais próprios a partir dos
quais foram produzidas as representações populares);
• e Contranarrativas Negras que lutamos para expressar.
DIÁSPORA NEGRA
Pensamos a diáspora negra como não nacional conforme Paul
Gilroy quando este afirma as relações de uma transcultura
negra, tendo na metáfora do Atlântico negro a subversão às
identidades fixas, tornando-as mais fluidas, valendo-se das
mobilidades translocais renegociando, alargando e descentralizando as fronteiras nacionais, agora reconfiguradas e
rasuradas pela relação dos negros descendentes de africanos
com o continente africano e expondo as limitações dos
essencialismos de cultura e identidade dominantes. Ou seja, “a
ideia de diáspora nos encoraja a atuar rigorosamente de forma a
não privilegiar o Estado-nação moderno e sua ordem
institucional em detrimento dos padrões subnacionais e
supranacionais de poder, comunicação e conflito que eles
lutaram para disciplinar, regular e governar” (GILROY, 2013, p.
20).
Diáspora Negra e o emigrante nu (Glissant)
- Essencialismo Estratégico (G. Spivak);
- Ruptura do binarismo ou/ou (contestação constante)
para lógica do acoplamento, “e” (Paul Gilroy);
- fim de um sujeito negro essencial (mulher negra e
homossexualidades negrxs).
Milton Santos – Globalitarismos e totalitarismo
Muniz Sodré – Globalismo e neobarbárie
Benjamin R. Barber – McWorld
Cultura McWorld – Benjamin R. Barber
(In: MORAES, Dênis de. Por uma outra comunicação – mídia, mundialização
cultural e poder. 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. pp. 41-56)
CULTURA McWORLD
A cultura mundial americana – a cultura McWorld – é menos hostil
que indiferente à democracia: seu objetivo é uma sociedade
universal de consumo que não seria composta nem por tribos nem
por cidadãos, todos maus clientes potenciais, mas somente por
essa nova raça de homens e mulheres que são os consumidores. A
nova cultura globalizante expulsa do jogo não apenas aqueles que
a criticam de um ponto de vista reacionário, mas igualmente os
seus concorrentes democráticos, que sonham com uma sociedade
civil internacional constituída de cidadãos livres oriundos das mais
variadas culturas.
McWorld é uma América que se projeta em um futuro moldado
por forças econômicas, tecnológicas e ecológicas que exigem
integração e uniformização. Um futuro reunindo todos os países
em um vasto parque de temática mundial, colocado totalmente
em rede pelas tecnologias de informação.
CULTURA McWORLD
MTV – McDonald’s – Disneylândia
Enfraquecimento da soberania dos Estados-nações:
- Bancos internacionais
- Organizações comerciais
- Lobbies transnacionais como a OPEP
- Serviços mundiais de Informação – CNN e BBC
VIDEOLOGIA
Cultura reduzida ao estado de mercadoria –
imagem e formas materiais. Com isso, as
relações de força tornam-se forças de
sedução: a ideologia transforma-se em uma
espécie de videologia à base de sons
expressos em bits e de videoclipes.
A videologia é mais fluida que a ideologia
política tradicional, o que a torna ainda mais
eficaz para insuflar valores que os mercados
mundiais requerem. Estes valores não são
impostos por governos coercitivos ou
sistemas educativos autoritários; eles são
transfundidos
para
a
cultura
por
pseudoprodutos culturais – filmes ou
publicidades – dos quais deriva um conjunto
de bens matérias, de acessórios de filmes e
de divertimentos.
“O planeta Reebok não tem fronteiras” – as empresas gigantes, as
multinacionais, poderiam ser chamadas de “pós-nacionais” ou
“antinacionais”, pois rejeitam qualquer ideia de fronteira ou de
provincialismo, porque poderiam limitá-las no tempo ou no espaço.
Manipulação da informação – mostra a capacidade do mercado de assimilar
diferenças e contestações e embaralhar as posições ideológicas, graças à
imprecisão criada entre informação e espetáculo.
Pretensão de que o mercado pode ter sucesso em todas as partes onde
fracassou o Estado, daí a transferência para a esfera do privado de setores
que deveriam ser públicos, tais como educação, cultura, o pleno emprego, a
proteção social, saúde etc.
Substituição do Estado pelo mercado coloca-nos em um consumismo
desenfreado. O mercado utiliza-se das tecnologias de informação, da
publicidade e da persuasão cultural para nos dizer o que queremos e nos
impedem de dialogar entre cidadãos. O mercado afaga o nosso ego
individual, porém deixa insatisfeita nossa aspiração ao bem comum. (p. 48)
Consumo como única atividade humana
relevante, com poder de definir o indivíduo.
Privatopia – espaços privados à margem da
sociedade da maioria (vulgar, multirracial,
perigosa) que oferece um universo de calma e
segurança colocado sob vigilância máxima.
(shoppings).
Poderio econômico exorbitante de poucas
empresas anulam as reivindicações de milhares
de ONGs e movimentos sociais. Exemplo: Grupo
Folha
(http://www1.folha.uol.com.br/institucional/co
nheca_a_folha.shtml )
Para criar uma demanda de produtos
americanos, as necessidades devem ser
fabricadas na mesma escala. Para as grandes
marcas, vender produtos americanos é vender a
América: sua cultura popular, sua pretensa
prosperidade, seu imaginário e mesmo sua
alma. O marketing volta-se tanto para os
símbolos quanto para os bens e não visa
comercializar produtos, mas estilos de vida e de
imagens: o cidadão abastado, o caubói austero,
as estrelas de Hollywood etc. (p. 51)
Cultura do fast-food: o trabalho é primordial e
as relações humanas, secundárias; o rápido
toma o lugar do lento, e o simples vence o
complexo. Filme “Banhos” (Shower, 1999)
http://ricardoriso.blogspot.com.br/2008/06/banhos.html
Globalismo como neobarbárie – Muniz Sodré
(In: MORAES, Dênis de. Por uma outra comunicação – mídia, mundialização cultural e
poder. 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. pp. 21-40)
Discurso globalista – importância da linguagem – a linguagem
“cria”, mais do que reflete, a realidade. Ela é “produtora” da
realidade.
Ideologia do pensamento único – Quando um grupo hegemônico
obtém da sociedade a aceitação de uma ideologia, está obtendo
aval semântico para uma pletora de pontos de vista, visões de
mundo, articulações de senso comum e representações sociais
guiados por um sentido determinado. O sentido implica um
caminho simbólico, uma direção cultural, que se pretende comum
a todos, universal, verdadeira. Própria do mecanismo ideológico é
a troca da parte pelo todo, isto é, da parcialidade do sentido (já
que é apenas a unidade consensual de um grupo específico) por
uma totalidade ou universalidade ilusória. (SODRÉ, p. 22)
Tecnologias integradoras, a serviço da globalização, com poderes
universais de uniformização (p. 23)
Global mesmo é a medida da velocidade de deslocamentos de
capitais e informações, tornados possíveis pelas teletecnologias –
globalização é, portanto, um outro nome para a “teledistribuição”
mundial de um determinado padrão de pessoas, coisas e,
principalmente, informação.
Velocidade e flexibilização como conceitos-chave. Flexível por
explorar, de forma feroz a força de trabalho, enfraquecendo as
relações laborais e investindo contra as garantias institucionais
(direitos trabalhistas, previdenciários etc.); Velocidade como valor
cultural, uma vez que informação e conhecimento circulam com
velocidade jamais vista por causa das novas tecnologias, fazendo
com que o trabalhador acelere o seu ritmo de trabalho.
Globalização trabalha discursivamente para diminuir o relativismo
das significações a ela correspondentes e reforçar o seu sentido
universalista.
NEOLIBERALISMO – renovação do léxico para exploração e
dominação. A doutrina neoliberal não considera as condições
históricas de dominação, como se não houvessem responsáveis
pela miséria dos tempos atuais nos países ditos subdesenvolvidos.
“As causas seriam simplesmente endógenas (bloqueio cultural,
atraso tecnológico etc.), de modo análogo a explicação liberal para
o empobrecimento individual – ‘falta de iniciativa’ e outras”.
(SODRÉ, p. 26)
Roberto Campos sobre o caso brasileiro – “Boa parte do nosso
subdesenvolvimento se explica em termos culturais. Ao contrário
dos anglo-saxões, que pregam a racionalidade e a competição,
nossos componentes culturais são a cultura ibérica do privilégio, a
cultura indígena da indolência e a cultura negra da magia”
O destino seria o enquadramento das nações no paraíso da técnica e do
consumo de massa para ser inserido na interconexão global. Ou seja,
permanece uma linha evolutiva tendo o Ocidente como referencial.
O mercado como paradigma – lucro e competitividade atrelados ao
avanço tecnocientífico. As tecnologias de informação adéquam-se aos
mercados financeiros, pois lidam com componentes desse meio:
velocidade, probabilidade e instabilidade ou caos. A velocidade é
essencial por que é preciso integrar em todas as dimensões os centros
mundiais de decisão financeira, desbloquear a circulação instantânea
dos capitais e acelerar as informações. Esta financeirização veloz e
instável da riqueza, que desterritorializa espaços e mercados nacionais
em favor de espaço e mercado mundiais, sob o controle de empresas
multinacionais, é a verdadeira face da globalização.
A neobarbárie encontra-se no anti-humanismo da economia de
mercado, pois faz da sociedade humana seu acessório, descartável a
qualquer momento.
Países subdesenvolvidos devem seguir o modelo dos países economicamente
dominantes, como única forma de integração possível. Novamente o Ocidente
como referência, mas que apresenta uma visão reducionista de mundo que
alimenta a desigualdade e a discriminação.
A doutrina neobárbara mascara as suas intenções e reserva aos meios de
comunicação papel estratégico na naturalização ideológica da economia
neoliberal de mercado. As estratégias discursivas apresentam essa situação
como eterna e imutável para o homem comum, com isso as significações
neoliberais transformam-se em senso comum. O neoliberal não se
autodenomina, mascara a sua condição, estratégia de todo discurso
hegemônico. “Uma hegemonia não se constrói com mera racionalidade
instrumental, mas também com dissimulações, simulações, recursos mágicos
afetos nada ‘racionais’”. (p. 35).
Nesse discurso – mercado e tecnologia tornam-se valores universais que
alimentam o evolucionismo social. A globalização é experimentada como um
‘destino’ social. O sujeito que não se enquadra nessa nova ordem é excluído, é
tido como um refugo humano (Bauman, 1999). Reside aí a neobarbárie. Para
isso, o mercado fornece os seus modelos de sucesso de uma sociedade
privilegiada que autolegitima o seu discurso, tornando-o acrítico.
Retórica da legitimação dos discursos acríticos – 1 – universaliza-se o particular;
2 – estruturas sociais existentes mantêm-se fixas; 3 – a noção de globalização é
polissêmica, pouco definida. Uma zona turva de argumentação mascara suas
intenções de dominação e autoritarismo; 4 – estalece-se uma causalidade
arbitrária entre os fenômenos. Quando ocorre uma crise ataca-se as falhas do
Estado que não reduziu impostos, a necessidade de privatizações, os cortes de
gastos das estatais, os problemas políticos como impedimento do mercado se
autorregular e resolver a crise do Estado etc. Para isso, a mídia tem papel
central ao produzir um discurso coerente com a lógica do mercado e com a
ideologia da globalização. Com isso, os aspectos humanos e sociais têm peso
imensamente inferior aos aspectos tecnoeconômicos no equacionamento dos
problemas do desenvolvimento soietário.
A globalização – que bem poderia ser a palavra de ordem de um novo patamar
civilizatório, o desafio mobilizador de uma verdadeira reforma da velha ordem
social – não tem sido apresentado como outra coisa que ‘mercado total’, ou
seja, outro nome para a exclusão tanto econômica quanto psíquica da maioria
populacional (SODRÉ, p. 39)
Forma real da globalização e do mercado e seu formato midiático
alimentam a desigualdade econômica e política em escala
mundial, uma vez que é cada vez mais acirrada a competição pelo
trabalho e pela dignidade da existência. Globalização e mercado
compõem a ideologia neoliberal, que dissimula a concentração do
capital financeiro e dos mecanismos de desemprego crescente.
Somente uma contralinguagem discursiva criada pelas novas
estratégias dos ativistas como Fórum Social de Porto alegre e
movimentos sociais que se internacionalizam com o uso da
internet, que combina participação social com interatividade
midiática.
Milton Santos –
Globalitarismos e totalitarismo
• Milton Santos no Roda Viva (bloco 1)
• https://www.youtube.com/watch?v=3UTdArOhUk8
Globalização Perversa. A informação e o dinheiro são pontos categóricos da
perversidade. A informação é usada por alguns poucos atores para
interesses próprios, com o objetivo de manipular e convencer a população
global de seus interesses. Para Santos esta informação é uma manipulação
de convencimento dos atos perversos mascarados por uma cordialidade do
mercado e do sistema financeiro global. Afinal, a informação que chega para
as massas é totalmente manipulada, que em vez de esclarecer, confunde.
O dinheiro se torna nesse mundo perverso o centro de todas as ações.
Sendo assim, o homem perde importantes valores de humanidade, por
exemplo, a compaixão e a solidariedade. Atualmente, o outro é visto como
um inimigo a ser vencido, um obstáculo. A competitividade tem como
norma a guerra, e o consumo tornou-se um verdadeiro regime totalitário, o
que Santos chamou de Globalitarismo.
MUNDIALIZAÇÃO CULTURAL
Rap e Literatura Marginal/Periférica
Mundialização – não é homogeneização nem padronização.
Nova relação com diversidade - momento de potencialização da
diferença e de exposição constante de cada cultura às outras, isso
implica permanente exercício de reconhecimento daquilo que
constitui a diferença dos outros como enriquecimento potencial
da nossa cultura, e uma exigência de respeito àquilo que, no
outro, em sua diferença, há de intransferível (...)
O reconhecimento das diferenças culturais tradicionais – étnicas e
raciais – tanto quanto o das modernas – de gênero ou dos
homossexuais – passa sem dúvida pelo plano dos direitos e das
leis, porém eles só se realizam no reconhecimento cotidiano dos
direitos e no respeito dos indivíduos que encarnam essas
culturas.
(MARTÍN-BARBERO, Jesus. Globalização comunicacional e transformação cultural. In:
MORAES, Dênis de. Por uma outra comunicação – mídia, mundialização cultural e
poder. 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. pp. 57-86)
• Rap (rithym and poetry) tem a sua origem
ao final dos anos 1960 com jovens
jamaicanos residentes no Bronx, bairro negro
nova-iorquino, que fazem o toatsie (falas ou
canções improvisadas sobre uma base
instrumental).
• Rap ganha corpo nos anos 1970 - Afrika
Bambaataa é o grande nome desse
período.
• O Rap assume postura militante e
engajada na década de 1980. O grupo
Public Enemy passa a ser o principal
referencial dessa mudança com a música
“Fight the Power”, do álbum “Fear of a
Black Planet”. Esta música abre o filme
“Faça a coisa certa” (Do the right thing),
de Spike Lee.
Fight the Power,
música do Public Enemy
https://www.youtube.com/watch?v=WnS53fNfpkE
tradução letra
http://letras.mus.br/public-enemy/31847/traducao.html
• Hip-Hop – hip, movimentar quadris; hop – saltar.
• Cultura Hip-Hop envolve o rap (MC e DJ), a dança (break) e
artes plásticas (graffiti). Sem falar de uma indumentária
específica com bonés, roupas e tênis destacam-se.
• Rap – é multifacetado. Existe o gangsta rap, o funk carioca, o
rap gospel e o rap politizado.
• Rap politizado surge nas periferias com negros conscientes
da exclusão social e da discriminação racial, apresentam
linguagem politizada e virulenta, tornam-se referências para
sua comunidade e têm consciência desse papel, assim como
percebem que fazem parte de um movimento ou de uma
cultura comum, que é transnacional.
• Diferentes de outras manifestações da música negra, os
rappers preferem não sorrir em público, nem dançar ou
cantar, fogem dos estereótipos dos negros. (SALLES, p. 3033)
O Rapper como porta-voz da comunidade
Racionais MC’s, MV (Mensageiro da Verdade) Bill e
Gog.
“Em suas composições (...) problematizam uma ideia, ainda
hegemônica, de Brasil multirracial, fundado na miscigenação
pacífica e cordial das diversas raças. O conceito de democracia
racial é a base de uma ideia de nação que, desde o início do
século XIX, embora só sistematizada de forma orgânica no
século seguinte, tem sido elaborada cuidadosamente de modo
a evitar o conflito, a manter as diferenças e os desníveis
razoavelmente controlados. O discurso do rap, porém,
questiona duramente essa ideia. O contexto social objetivo
em que surge – a favela – é capaz de nos fornecer elementos
para a compreensão dessa radicalidade. Elementos que nos
permitem entender o porquê de o rap norte-americano, uma
linguagem enfaticamente não cordial, ter sido acolhido
entusiasticamente no país do suinge.” (SALLES, 2007, p. 35)
O Rapper como
porta-voz da comunidade
- Porta-voz da comunidade, representa a
fala dos que não falam;
- Observador do dia-a-dia das periferias;
- Investigador da realidade para além do
veiculado na grande mídia;
- Crê no poder de transformação de suas
letras. Faz rap como contranarrativa com
objetivo de modificar, ou reforçar, suas
crenças, seu posicionamento político e sua
identidade racial;
- Consciente de organizar a comunidade com
uma identidade comum ciente da
discriminação e preocupada em garantir sua
sobrevivência num mundo que a ameaça.
ENTREVISTA DE MANO BROWN À REVISTA FÓRUM http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/04/o-novo-velho-mano-brown/
Fórum – (...) Recentemente, houve o assassinato do DJ Lah, e mortes violentas de
músicos da periferia têm sido muito comuns em São Paulo, na Baixada Santista, por
exemplo. Como definir essa situação?
Mano Brown – (...) O que aconteceu ali foi execução, crime de guerra. Tem a guerra e
tem os crimes de guerra. As pessoas não estavam esperando por aquilo ali, não
estavam preparadas pr’aquilo. É o que tem acontecido neste começo de ano, e
aconteceu no final do ano passado, as mortes todas têm o mesmo perfil: moleque
pobre em proximidade de favela. Os caras encontram várias fragilidades ali, várias
formas de chegar, matar e sair rápido, e o governo simplesmente ignora o que
aconteceu. existem as facilidades. O cara vai lá e mata sabendo que não vai ser
cobrado.
Fórum – Mas você acha que, por conta dessas ocorrências, há uma coisa dirigida
contra o rap?
Brown – Acho que não, se dissesse isso seria até leviano, porque muitas pessoas que
morreram não tinham nada a ver com o rap. Gente comum, motoboy, entregador de
pizza, moleque que saiu da Febem e estava na rua, com uma passagenzinha primária e
morreu… E o rap tá na vida da molecada mesmo, tá nos becos, nas esquinas, no bar,
na viela, geralmente o moleque que curte rap tá nesses lugares. É uma coisa dirigida,
mas é dirigida à raça. Dirigida a uma classe.
Se você for fazer a conta de quantas pessoas morreram no final do ano, mortes sem
explicação, crimes a serem investigados, e somar o tanto de gente que morreu em
Santa Maria… Morreu muito mais aqui. Lá foi comoção total pela forma que ocorreu,
lógico, todo mundo é ser humano, mas veja a repercussão de um caso e a repercussão
de outro caso, quanto tempo demorou pra mídia acordar pra chacina? Quanto tempo
demorou pras pessoas perceberem a cor dos mortos? Coisa meio que normal, oito
pretos mortos, quatro aqui, três ali… É uma coisa meio cultural, preto, pobre, preso
morto já é uma coisa normal. Ninguém faz contas.
A partir do momento em que a gente nota realmente que nossa quebrada tem
fragilidades, vê as famílias das pessoas com muitas mulheres e poucos homens,
homens com pouca liberdade, pouca liberdade de movimento, vida pregressa com
problema, pouca mobilidade na sociedade, caras condenados a viver no submundo,
você começa a criar um exército na comunidade, de gente que vê aquele entra e sai da
cadeia, de homens com vida pregressa que não conseguem mais arranjar emprego. As
casas perdem esses caras, que deixam de ser úteis dentro de casa. (...)
Brown – É, não passou a ser guerra agora, depois da chacina, já vivia em guerra. As
mães também lamentam os filhos que vão pra vida do crime, perder pra droga… A
molecada negra tá muito exposta ao perigo, o salário é baixo, o risco é alto. A
sociedade cobra muito, você tem de ter as coisas, tem de estar, tem de ser, tem de
aparentar ser… Aparentar ser já custa caro, “ser” é outro estágio. O pessoal acha que
é vaidade boba a pessoa gostar de marca, de perfume bom, mas são coisas que
ajudam a pessoa a circular, a arrumar um emprego, a arrumar uma gata, tudo
melhora. No momento em que no Brasil começa a sobrar um dinheirinho pra
categoria, pra raça, o outro lado já começa a cobrar com a vida também. O excesso de
gente usufruindo deste novo Brasil… Não pode, é excesso, tem de limpar. Tudo que é
moleque de moto… Os excessos que o pessoal começa a reclamar, todo mundo com
celular no busão. Antigamente, quando só o rico tinha, ninguém reclamava. Pobre
com celular, com moto, não pode, o sistema cobra.
Fórum – Você entende isso como uma reação da elite?
Brown – Uma reação. Três governos de esquerda eleitos pelo povo, o Brasil pagou a
dívida, a classe C tomando espaço e a Globo expondo isso na novela, todo mundo
analisando, os autores são mais jovens e começaram a mudar a mente, as ideias
começaram a ir pra tela e os movimentos ganhando força a partir das ideias, muita
coisa junto… Os caras reagiram. O que aconteceu em São Paulo aconteceu no resto do
Brasil. Em Alagoas, o índice de negros mortos é muito alto, em Belém do Pará, Goiás…
Músicas
NEGRO DRAMA (Racionais MC’s)
https://www.youtube.com/watch?v=yQdPM7r-cls
CAPÍTULO 4, VERSÍCULO 3 (Racionais MC’s)
https://www.youtube.com/watch?v=2LQSFLTiwS8
TÔ OUVINDO ALGUÉM ME CHAMAR (Racionais MC’s)
https://www.youtube.com/watch?v=zT1RN0MhJBY
TRIBUNAL DE RUA (O Rappa)
https://www.youtube.com/watch?v=MGIoENU2x5I
MINHA ALMA (A PAZ QUE EU NÃO QUERO) (O Rappa)
https://www.youtube.com/watch?v=vF1Ad3hrdzY
Racionais MC’s 1000 trutas, mil tretas
• https://www.youtube.com/watch?v=hqPUAHT
s77o
• https://www.youtube.com/watch?v=qTtZOMx
QtFk
Literatura Marginal/Periférica
A Arte que liberta não pode vir da mão que
escraviza. Por uma Periferia que nos une pelo
amor, pela dor e pela cor.
(Sérgio Vaz, Manifesto da Antropofagia Periférica)
TERRORISMO LITERÁRIO
(Ferréz)
A capoeira não vem mais, agora reagimos com a palavra, porque pouca
coisa mudou, principalmente para nós.
Não somos movimento, não somos os novos, não somos nada, nem pobres,
porque pobre segundo os poetas da rua, é quem não tem as coisas.
Cala a boca, negro e pobre aqui não tem vez! Cala a boca!
Cala a boca uma porra, agora a gente fala, agora a gente canta, e na moral
agora a gente escreve. (...)
A Literatura Marginal sempre é bom frisar é uma literatura feita por
minorias, sejam elas raciais ou sócio-econômicas. Literatura feita a margem
dos núcleos centrais do saber e da grande cultura nacional, ou seja os de
grande poder aquisitivo. Mas alguns dizem que sua principal característica é
a linguagem, é o jeito que falamos, que contamos a história, bom isso fica
para os estudiosos, o que agente faz é tentar explicar, mas agente fica na
tentativa, pois aqui não reina nem o começo da verdade absoluta.
Hoje não somos uma literatura menor, nem nos deixemos taxar assim,
somos uma literatura maior, feita por maiorias, numa linguagem maior, pois
temos as raízes e as mantemos. (...)
Ferréz no programa Provocações
https://www.youtube.com/watch?v=KQ1Hk3sd9w0
Download

AULA multiculturalismo e globalização - 10.2014