www.bmfbovespa.com.br/revista
No 9 / 2011
5 ANOS DO ISE:
EMPRESAS CADA VEZ MAIS
SUSTENTÁVEIS
mercado de capitais
PETROBRAS PUXA
ONDA DE INVESTIMENTOS
sustentabilidade
DIREITOS HUMANOS
NAS EMPRESAS
ensaio
classe média em ação
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No 9 / 2011
5 ANOS DO ISE:
EMPRESAS CADA VEZ MAIS
SUSTENTÁVEIS
mercado de capitais
petroBras pUXa
oNda de iNVestimeNtos
sUsteNtaBilidade
direitos HUmaNos
Nas empresas
eNsaio
classe média em ação
OUT/DEZ 2010 nº9
Depois da oferta pública histórica de ações da Petrobras, novas empresas
fizeram IPOs ou lançaram emissões na Bolsa, como HRT Participações e Brasil
Insurance. Elas deram curso a um novo movimento de expansão do mercado de
capitais no Brasil, do qual é simbólica a elevação da BM&FBOVESPA à condição
de uma das três maiores bolsas do mundo pelo critério de valor de mercado.
Em comemoração aos 120 anos da Bolsa, num tempo em que o capitalismo
se fortalece no Brasil, ganharam força estudos como o da brasilianista Anne Hanley, que contempla o Encilhamento (1889-1891), período em que, além de prejuízos se instalou um verdadeiro mercado de risco no Brasil, com o surgimento de
centenas de empresas, muitas das quais se mantiveram à tona durante décadas.
Retoma-se ainda a saga de um típico capitalista global do século passado, Percival Farqhuar, responsável pelo levantamento de vultosos recursos para mineração, energia e transportes, em empreendimentos como Madeira-Mamoré.
Ainda, nesta edição, há uma pesquisa inédita sobre os investidores brasileiros encomendada pela Bolsa, matéria com o cantor e apresentador de TV
Ronnie Von, um tradicional investidor em ações.
Leiam-se, ainda, os ensaios de José Roberto Nassar sobre a economia internacional – as regras da Basileia e a reunião do G-20, em Seul, e de Fábio Gallo,
professor da FGV, sobre o comportamento dos investidores.
Para finalizar, o escritor Humberto Werneck trata, no Contraponto, da reabertura da Biblioteca Municipal Mário de Andrade.
Boa leitura!
R E V I S T A
U M A
D A
P U B L I C A Ç Ã O
D A
B M & F B O V E S P A
Diretor Presidente: Edemir Pinto
Diretoria Executiva: Amarílis Sardenberg, Cícero Vieira Neto, Eduardo Guardia, José Antonio Gragnani e Marta Alves
Conselho de Administração: Arminio Fraga Neto – Presidente, Marcelo Fernandez Trindade – Vice-presidente,Candido Bracher, Claudio Luiz
da Silva Haddad, Craig Steven Donohue, Fabio de Oliveira Barbosa, José Roberto Mendonça de Barros, Julio de Siqueira Carvalho de Araujo,
Luiz Stuhlberger, Renato Diniz Junqueira e René M. Kern
Jornalista responsável: Alcides Ferreira
Coordenação editorial: Fábio Pahim Jr.
Editores: José Roberto Nassar, Jorge Wahl, Patrícia Brighenti
e Theo Carnier
Edição final: Rose Jordão
Colaboraram nesta edição: Fabio Gallo Garcia, Paulo Trevisani,
Priscilla de Cassia Ferreira, Tatiany Cavalcante e Vitória Guimarães
Revisão: Daniela De Piccoli e Rosangela Kirst
Criação: Glauce Sayar, Rogerio Guerra e Ronald Capristo Trapino
Edição de arte e diagramação: GB8 Design e Editoração Ltda.
Foto da capa: Divulgação
A Revista da Nova Bolsa é uma publicação trimestral da BM&FBOVESPA.
O conteúdo desta publicação não representa a opinião da Bolsa,
nem deve ser interpretado como recomendação de compra ou venda
deativos. Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores.
É proibida a reprodução parcial ou integral de textos contidos
nesta publicação.
ISSN 1983-8182
Assinaturas: tel. (11) 2565-7581 – fax (11) 2565-7423
As correspondências à Revista da Nova Bolsa devem ser enviadas para:
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índice
38
18
6 ESPAÇO BM&FBOVESPA
ENTREVISTAS
8
ANNE HANLEY, autora de Native Capital
Na Bolsa de São Paulo, a origem do capitalismo
brasileiro
Paulo Trevisani
14 FERNANDO SIMÕES, diretor presidente da Julio
Simões
O novo mercado traz visibilidade para as empresas
Fábio Pahim Jr.
CAPA
18
PETROBRAS
Empresa puxa onda de investimentos
Concluído o gigantesco aporte de recursos de
investidores para a Petrobras – e o avanço do País
no mundo do petróleo – retomaram-se os IPOs,
incorporando mais empresas ao mercado de capitais.
Theo Carnier
4
REVISTA DA NOVA BOLSA
28
ISE
BM&FBOVESPA comemora 5 anos do índice
de Sustentabilidade Empresarial
Seminário internacional celebra cinco anos do indicador
que vem ganhando, cada vez mais, relevância como
instrumento financeiro de estímulo à construção de uma
sociedade sustentável.
Priscilla de Cassia Ferreira
TENDÊNCIAS GLOBAIS
32
O avanço limitado do G-20 em Seul
O fim da guerra cambial depende da retomada do
crescimento dos Estados Unidos e do fato de a China não
só valorizar o yuan, como adotar políticas de estímulo ao
consumo interno.
José Roberto Nassar
MERCADOS DE CAPITAIS
38
ESPECIAL
Percival Farquhar: um empresário pioneiro
Nos arquivos da Universidade Yale, nos Estados
Unidos, está a história completa de Percival Farquhar,
um empresário dos primeiros tempos do capitalismo
brasileiro, certamente só comparável ao Barão de Mauá.
Paulo Trevisani
74
46 BOVESPA MAIS
52
52
Mais força a mecanismo de acesso de pequenas
e médias empresas
A BM&FBOVESPA está tornando ainda mais atrativo o
segmento de acesso de pequenas e médias empresas,
com vistas à expansão do número de companhias
listadas e de investidores.
Jorge Wahl
52 ENSAIO
Entre os mitos e a realidade
Investir para ficar rico é o sonho das pessoas.
O problema é acreditar que é possível realizar
o tal sonho do dia para a noite.
Fabio Gallo Garcia
POPULARIZAÇÃO
54 O príncipe da jovem guarda
O músico e apresentador Ronnie Von, há quatro décadas
no rádio e na TV, começou a vida estudando economia,
mas trocou o mercado financeiro pela carreira artística,
sem deixar de investir em ações.
Vitória Guimarães
SUSTENTABILIDADE
60
Os direitos humanos nas empresas
Avanços no ambiente de trabalho convivem
com alta porcentagem de casos de violações graves,
dentro e fora das organizações.
José Roberto Nassar
64 EM REVISTA
66 ON-LINE
70 LIVROS
74 CONTRAPONTO
Biblioteca Mário de Andrade
Segunda maior biblioteca pública do País, a Mário de
Andrade acumulou história e prestígio, além de tesouros
bibliográficos, ao longo de seus 86 anos de existência.
Humberto Werneck
58
A classe média em ação
Pesquisa inédita revela o perfil de um novo investidor:
assalariado, jovem, das faixas de renda B e C.
REVISTA DA NOVA BOLSA
5
visite a bolsa
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Faria Coutinho, 29 anos, contador e profesq Cleison
sor (Palmital-SP)
A primeira vez que vim à Bolsa não pensava em investir
em ações. Depois das informações que tive aqui, procurei uma corretora e me tornei investidor. É muito importante que o jovem pense em seu futuro financeiro.
Charles, 21 anos, estudante (São Paulo-SP)
q Johnn
O prédio da Bolsa, quando visto por fora, não consegue
mostrar o que tem por dentro. O lugar é magnífico e muito
diferente do que vi em filme e na TV. Agora é tudo altamente tecnológico e num ambiente muito legal.
p
Titania Dias Tononi, 35 anos, arquiteta (São Paulo-SP)
Gostei muito do que vi aqui. Um ambiente que me faz
lembrar a adrenalina que sinto toda vez que faço um investimento. Sou investidora e agora estou interessada em
fazer os cursos gratuitos que a Bolsa oferece para entender mais sobre o mercado de ações.
Rodrigues, 21 anos, estudante (São Paulo-SP)
q Eduardo
Depois que me cadastrei no simulador Folhainvest, passei
a ter mais curiosidade sobre o mercado de ações. Achei
muito interessante o ambiente da Bolsa e pretendo me informar mais a respeito do mercado de capitais.
p
Alecsandro Michael de Andrade, 33 anos, contador e
professor (Palmital-SP)
Viajei 500km com os alunos para que eles tivessem a oportunidade de conhecer a Bolsa. É fundamental que, além da
experiência teórica, aprendam na prática. Assim, passam
a entender melhor o assunto. Eles estão tão empolgados
que comentam no Twitter e no Orkut, para que os outros
colegas também saibam o que aconteceu durante a visita.
6
REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
Geraldo Vicente Christ, 55 anos, agricultor
q (Palmital-SP)
É a segunda vez que venho à Bolsa e, em cada visita,
aprendo coisas totalmente diferentes e absorvo mais
as informações. Além disso, estar no ambiente físico
desperta a curiosidade para o mercado de capitais.
Cyro Paulo Cinti Flores, 25 anos, analista de cop mércio
exterior (São Paulo-SP)
Estou procurando opções de investimento, por isso
decidi conhecer a Bolsa. Quando entrei aqui, tive
uma impressão de organização e tranquilidade para
participar do mercado. O local transmite uma sensação de segurança para quem deseja investir.
Geissiani Fernanda Leal Ronqui, 22 anos, e
q Valéria
Cristina Camargo, 17 anos, estudantes
(Palmital-SP)
Sempre que pensávamos em Bolsa, lembrávamos
daquela multidão que gritava para negociar as
ações. Quando chegamos aqui, vimos que as negociações são feitas via tecnologia, tudo muito moderno. Adoramos participar dessa visita, que nos incentivou a aprender mais sobre o assunto. No futuro,
poderemos começar a investir em ações.
Pedro Pedroso Pires, 16 anos, estudante
p João
(Palmital-SP)
Meu professor sempre falou muito sobre a Bolsa.
Certa vez, fizemos um exercício em sala que despertou meu interesse sobre o mercado. Cheguei aqui e
tive acesso a várias informações que não conhecia,
participei de palestra e esclareci minhas dúvidas.
Agora estou ansioso para investir em ações.
POR Tatiany cavalcantE, JORNALISTA DA gerência DE IMPRENSA
DA BM&FBOVESPA.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA
7
entrevistas
anne hanley
autora de Native Capital
na bolsa de são paulo,
a origem do capitalismo
brasileiro
POR paulo trevisani*
Há pouco mais de um século, nos primórdios da história da moderna economia do País,
“a instituição mais importante foi a Bolsa de São
Paulo”, determinante para o surgimento de um
pujante setor privado, no alvorecer da República
(proclamada em 1889 por Deodoro da Fonseca),
como enfatiza nesta entrevista à Revista da Nova
Bolsa Anne G. Hanley, professora e historiadora
da Universidade de Stanford e responsável por
uma das mais aprofundadas pesquisas sobre o
mercado de ações, títulos e bancos brasileiros.
Anne Hanley é autora do espetacular livro Native Capital – Financial Institutions and Economic
Development in São Paulo, Brasil, 1850-1920 (veja
resenha nesta edição), no qual investigou aquela
que foi uma das fases mais ricas da história do capitalismo no Brasil, que inclui o período conhecido
como Encilhamento, quando a fase febril de abertura de empresas inaugurada por Rui Barbosa foi
abortada por uma política contracionista.
8
REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
Começou cedo a paixão de Anne Hanley
pelo Brasil. Adolescente, resolveu pôr o pé na
estrada. Inscreveu-se na American Field Service
(AFS), uma organização filantrópica que envia
jovens a países diversos para trabalho voluntário. Foi assim que foi parar em Vitória, no Espírito
Santo, onde se iniciou a história de amor pelo
País e a levou a estudar os aspectos financeiros
do Brasil. Em 2003, a editora da Universidade
Stanford publicou o livro Native Capital, pesquisa que inclui a fase de política expansionista de
Rui Barbosa, seguida da bolha do Encilhamento,
abortada pelo aperto recessivo de Murtinho –
Rui Barbosa e Joaquim Murtinho foram os dois
primeiros ministros da Fazenda da República
– até a Primeira Guerra e o consequente enfraquecimento do comércio exterior brasileiro.
A pesquisa trouxe à luz uma atividade econômica vibrante e de mercado livre, com regulamentação em geral sóbria e que estimulava a
divulgação
A Bolsa foi a principal
instituição no desenvolvimento
econômico de São Paulo. Até
1920, ainda não havia uma
integração nacional dessas
instituições. As ações eram
de empresas paulistas
emissão de ações e títulos de dívida e as negociações em Bolsa, em particular a de São Paulo,
a mais próspera do Brasil de então.
Na verdade, Hanley acredita que a Bolsa de
São Paulo foi a entidade que permitiu o surgimento de um pujante setor privado nas primeiras décadas da República, quando os bancos
não tinham muita margem para conceder empréstimos de longo prazo. “A Bolsa permitiu o
levantamento de capital que podia ser investido no longo prazo”, enfatiza.
Em seu trabalho, a pesquisadora e professora
do Departamento de História da Universidade do
Norte de Illinois descobriu outra preciosidade: os
arquivos históricos brasileiros. Em outubro, nesta entrevista para a Revista da Nova Bolsa, relata
como descobriu uma documentação minuciosa
sobre as operações financeiras feitas há cem anos
no Brasil, e por que aquele momento foi tão importante para a construção do capitalismo no País.
Revista da Nova Bolsa – Qual a importância da Bolsa de São Paulo entre 1890 e
o início do século 20 – há 120 anos, portanto –, num período em que o Brasil já
apresentava expressivo desenvolvimento
econômico?
Anne Hanley – Para mim, a Bolsa foi a instituição fundamental no desenvolvimento
econômico de São Paulo, principalmente.
Na época do meu livro, que termina em
1920, ainda não havia integração nacional de
bolsas. Eu brinco, mas é verdade: eu não sei
o que aconteceu no Brasil e na Bolsa de São
Paulo depois de 1920, toda a minha pesquisa
é antes disso. Mas sei que, até 1920, as ações
eram de empresas paulistas. Havia algumas
exceções, mas poucas. Ao mesmo tempo, na
Bolsa do Rio também a maioria era de empresas do Rio. Então, eram bolsas regionais,
não nacionais. A grande pergunta na história
econômica do Brasil é: por que o Brasil foi
bem-sucedido nessa época de boom de exportação, quando outros países que também
tiveram esse boom não o foram? Há muitas
teorias, mas, para mim, foi o surgimento de
instituições que podiam facilitar o movimento de capital do setor agrário para o setor urbano, comercial e industrial. No livro,
pesquiso todas as instituições financeiras
dessa época. A mais importante foi a Bolsa,
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA
9
entrevistas
Muito da
minha pesquisa foi
realizada nos jornais
Correio Paulista,
Província de São
Paulo e O Estado
de S. Paulo, que
publicavam dados
de operações de
bolsa todos os dias,
além de um sumário
das atividades do
O Estado de S.
Paulo, uma página
maravilhosa com
as transações do
mercado
pois permitiu o levantamento de capital que podia ser investido no longo prazo. Não existia nenhuma outra
instituição de crédito de longo prazo.
A única outra tentativa foi a de criar
bancos universais do estilo alemão,
que investiam também em empresas,
mas não foram bem-sucedidos.
R.N.B. – E por que um país que gerou uma bolsa ágil e dinâmica não
gerou bancos que pudessem financiar projetos de longo prazo?
A.H. – O grande constrangimento
dos bancos é o prazo do crédito que
têm a aplicar. Bancos comerciais
funcionavam na base de depósitos,
mas o depositante podia escolher:
receber o dinheiro daqui a um mês,
três meses ou um ano. Havia um contrato: prometo deixar meu dinheiro
com vocês por determinado prazo.
O depositante recebia uma taxa de
juros menor para prazos mais curtos
e maior para deixar o dinheiro no
banco por mais tempo. Então, um
banco comercial arriscaria muito fazendo operações de crédito de longo
prazo com um ativo de curto prazo.
E a maioria dos bancos de São Paulo
eram comerciais, porque o setor bancário surgiu em volta da exportação, e
não do desenvolvimento doméstico.
R.N.B. – Mas eles acabaram desenvolvendo um modelo de hipotecas
para financiamento de longo prazo, certo?
A.H. – Sim. Foram formados três
bancos que investiam no longo
prazo por intermédio de hipotecas.
Aqui, o grande problema é que o governo impôs a taxa de juros. Portanto, os bancos não tinham liberdade
para ganhar dinheiro tanto quanto
possível, o quanto queriam ganhar,
pois foram regulados pelo governo
de uma maneira que desincentivou
muita atividade hipotecária. Além
10 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
disso, esses bancos foram formados
na década de 1890 – uma década de
instabilidade ou de recessão. Na verdade, acredito que o maior problema
foi a instabilidade macroeconômica
em que os bancos foram formados.
Não tem como saber. Se eles fossem formados depois de 1906, por
exemplo, quando o mercado estava
melhor, talvez tivessem mais sucesso. Entretanto, foram criados para
resolver um problema numa época
de grande instabilidade e os mercados de capital não gostam muito
de instabilidade, querem ganhar
o juro mais alto para compensar o
risco, mas tinham um teto. E havia
certa razão. Os bancos que fizeram
essas operações hipotecárias ficaram sem ter como liquidar os bens
quando seus credores faliram. Por
exemplo, o Banco de Crédito Real,
que foi o maior banco hipotecário
de São Paulo e fazia operações de
crédito de longo prazo. Com a grande recessão no final dos anos 1890,
ficou com papel na mão sem poder
liquidar a propriedade hipotecada
porque o mercado caiu e não havia
quem quisesse comprar nem o papel
nem a terra. E há relatos de gerentes
de fazenda nos escritórios do banco
para receber salário porque o banco
virou dono de fazendas – e o banco
não era competente para administrar fazendas. Então, o modelo não
deu certo, mas eu acho que foi a instabilidade da época.
R.N.B. – Seu livro descreve uma
relação do governo com o mercado
que oscila entre políticas que estimulavam a iniciativa privada e medidas que a prejudicavam. De onde
vem essa relação dúbia do governo
com o mercado?
A.H. – Vejamos. Em certas épocas,
os objetivos do governo brasileiro
eram diferentes. Houve momentos
em que o governo nacional escolheu
promover o crescimento das exportações e, em outros, o desenvolvimento
econômico doméstico. Até o fim do
império, estava claro que o objetivo
era crescimento de exportações – a
força da economia brasileira, sempre. Nos anos 1890, com a queda do
império e ascensão da administração
republicana, especialmente por causa
do ministro da Fazenda, Rui Barbosa, houve, por um breve período, real
esforço para desenvolver o mercado
doméstico, para desenvolver empresas domésticas e focar na população
urbana. As cidades, o comércio e a
indústria começaram a crescer. E o
governo flertou com desenvolvimento econômico doméstico como sua
prioridade. Com o estouro da bolha
do Encilhamento e a desvalorização
da moeda, o governo brasileiro ficou
assustado. De repente, o preço do
café estava caindo e a moeda desvalorizando. Além disso, o ministro
Joaquim Murtinho era bastante conservador e insistia em que o Brasil
devia voltar a seus pontos fortes, que
a prioridade era o setor externo, as
exportações. Então, não é que a regulamentação do governo acreditasse no mercado – ele acreditava um
pouco, mas sempre com moderação
–, mas o desenvolvimento econômico doméstico não era uma prioridade
importante no fim do século 19, começo do século 20. Era, muitas vezes,
uma feliz coincidência de boas taxas
de câmbio ou boas políticas. O que
eu achei muito interessante na minha pesquisa é que toda vez que essas
oportunidades apareciam, empreendedores corriam para aproveitar. É
aí que eu acho que o dinamismo da
Bolsa fica mais evidente.
R.N.B. – Seu argumento é que foi
a atividade doméstica, e não o capital estrangeiro, que deu o maior
impulso para a economia da época,
correto?
A.H. – Isso é o que eu acredito, mas
tenho colegas que formalmente discordam, porque o capital estrangeiro
era tão grande e tão importante em
certos setores estratégicos. Em São
Paulo, o capital estrangeiro foi muito
importante no desenvolvimento das
ferrovias, a princípio, como a Sorocabana, que foi inicialmente uma
empresa brasileira e depois adquirida
por estrangeiros – mas também no
investimento em eletricidade e serviços públicos na cidade de São Paulo.
Sem eletricidade é muito difícil tocar
uma fábrica. Então, grande parte da
infraestrutura básica de que a indústria depende foi financiada por capital estrangeiro. Mas as indústrias que
se desenvolveram eram domésticas.
Os bancos
eram regulamentados
pela Lei das S.As.,
que determinava
a realização de
assembleias anuais de
acionistas, publicação
de lista de acionistas e
de balanços
R.N.B. – No período de sua pesquisa, 1850 a 1920, o País era politicamente estável, exceto pela
revolução republicana. Como essa
estabilidade pode ter ajudado no
desenvolvimento econômico desse período?
A.H. – Bem, o que surpreende é
que a estabilidade política não tenha produzido mais desenvolvimento econômico. Se você comparar o
Brasil com o México, por exemplo, o
México teve grande instabilidade no
século 19, com guerras civis e externas, tremendas disputas internas, até
o governo de Porfírio Dias, um presidente autoritário que impôs ordem
no País – depois que a ordem foi imposta, o capital começou a entrar. O
Brasil foi politicamente estável a partir de 1850, com exceção da Guerra
do Paraguai, e ainda assim não se vê
tanto capital estrangeiro entrando
no Brasil quanto se poderia esperar.
Investidores estrangeiros adoram países estáveis, e Brasil atraiu bastante
capital estrangeiro, quase tudo em
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 11
entrevistas
Sem a Bolsa,
não teria havido
tantos bancos
em São Paulo. Os
bancos formaramse como sociedades
anônimas: um
mecanismo muito
poderoso para o
desenvolvimento
econômico, porque
um banco formado
como S.A. não é um
banco de família ou
um banco de bairro
sem clientela. É por
isso que eu gosto
tanto da Bolsa
12 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
ferrovias e portos. Mas esse capital
não contribuiu para uma dramática
diversificação econômica.
R.N.B. – O Brasil teria perdido
uma oportunidade ao não ter aproveitado bem o ingresso de capital
estrangeiro?
A.H. – Muito do investimento estrangeiro foi investimento direto e
os países não têm muito como determinar para onde esse investimento
é dirigido. Os investimentos britânicos no século 19 ao redor do mundo
voltavam-se para mineração, ferrovias e portos. Não sei se autoridades
nacionais tinham muita influência
para mudar o plano de jogo dos britânicos. Não acho que o Brasil tenha
perdido uma oportunidade. O País
recebeu de braços abertos o capital
estrangeiro da maneira como ele era
investido, e esse capital liberou capital brasileiro para investimentos.
R.N.B. – Além das ferrovias e outros
empreendimentos de capital intensivo, iniciativas menores nos setores
de manufatura e de bancos também
se valeram da Bolsa para financiar
projetos de longo prazo, não?
A.H. – Usaram a Bolsa para financiar
a formação da empresa. Sem a Bolsa,
não teria havido tantos bancos em
São Paulo. Os bancos formaram-se
como sociedades anônimas e esse
é um mecanismo muito poderoso
para o desenvolvimento econômico,
porque um banco formado como sociedade anônima não é um banco de
família, ou um banco de bairro sem
clientela. É uma instituição formal,
impessoal. Então, a existência da Bolsa traz a possibilidade de uma ruptura
entre um financiamento muito pessoal, em que os dois lados precisam
se conhecer, e empréstimos baseados em informações mais objetivas
e transparentes. Essa é uma grande
inovação, possibilitada pelo fato de
os bancos poderem obter seu capital
de investidores anônimos via Bolsa.
R.N.B. – Como os bancos faziam
para avaliar o risco de crédito de
seus clientes?
A.H. – Se você ler meu livro com
atenção, vai notar que eu não respondo a essa pergunta, porque para
isso é preciso acesso a registros bancários da época sobre suas decisões
de financiamento. O que posso dizer
com certeza é que, num período intermediário, entre o fim da década de
1890 e o início da de 1900, os bancos trataram de estabelecer ligações
com empresas (financiadas por eles),
tendo membros de seu conselho sentados no conselho da empresa. Esse
procedimento tem sido demonstrado por historiadores como um meio
de obtenção de informações. Com o
tempo, essas ligações desaparecem.
Então, só posso concluir que os bancos desenvolveram outros meios de
saber para quem estavam emprestando, mas em nenhum momento do
meu livro eu tento dizer como.
R.N.B. – E os investidores, como
eles sabiam de que empresas comprar ações? Havia falta de informações?
A.H. – Isso foi algo em que o governo brasileiro realmente acertou. Não
havia nenhum grande banco de capital fechado. Todos, em São Paulo,
eram sociedades anônimas e, portanto, regulamentados pela Lei das
S.As., que determinava a realização
de assembleias anuais de acionistas,
publicação de lista de acionistas – e
quantas ações cada um tinha –, e publicação de seus balanços. Havia uma
quantidade substancial de informações disponíveis para os investidores
entenderem a estabilidade financeira
dessas sociedades anônimas. E é por
isso que eu gosto tanto da Bolsa. Ela
permitiu que os bancos se formassem
como sociedades anônimas, e assim
criassem liquidez na economia.
R.N.B. – Quem comprava ações?
Pessoas comuns? Investidores institucionais?
A.H. – Não havia investidores institucionais no período que estudei. Há
um livro lançado recentemente, de
um colega da Faculdade de Administração de Harvard, Aldo Musacchio,
chamado Experiments in Financial Democracy [Experimentos em Democracia Financeira], que leu meu trabalho
sobre a Bolsa e se interessou pela regulamentação, mostrando de maneira
bem convincente que essa transparência foi essencial para atrair investidores para o mercado. Então ele tem
mais informação para responder a essa
pergunta. Mas, com base nas listas de
acionistas que estudei, os acionistas
eram indivíduos. Há algumas corporações detentoras de ações, geralmente bancos estrangeiros – temos que
presumir que esses bancos também
concediam crédito a empresas – mas
a maioria era individual. Alguns indivíduos tinham um punhado de ações,
outros tinham centenas.
R.N.B. – Era um investimento para
aposentadoria ou coisa assim?
A.H. – Não tenho as informações
para responder.
R.N.B. – A Bolsa teve grandes
problemas de volatilidade nesse
período?
A.H. – De fato, com a crise do Encilhamento, a Bolsa deixou de existir
por quatro anos. Na ocasião, era realmente só uma associação de corretores. Com o crash do Encilhamento,
a maioria voltou a operar individualmente. Até que, em 1895, alguns
dos maiores corretores se reuniram e
concluíram que era melhor operarem
juntos – e a Bolsa voltou a existir. Até
1920 não houve nenhum crash. Houve queda significativa das atividades
durante a Primeira Guerra Mundial.
O número de companhias listadas e
o volume caíram bastante.
R.N.B. – Onde a senhora conseguiu obter todos esses dados?
A.H. – Em arquivos brasileiros. Muito da minha pesquisa foi feita nos jornais Correio Paulistano, Província de
São Paulo e O Estado de S. Paulo. Eles
publicavam dados de operações de
bolsa todos os dias. Eu optei por pegar uma semana de dados de operações por mês por todo o período. Havia também páginas geralmente publicadas, creio, em janeiro, que eram
um sumário das atividades. Isso era
mais comum em O Estado de S. Paulo, uma página maravilhosa com as
transações do mercado: picos e vales,
volumes. Há muita informação sobre
os preços das ações publicados em
jornais. E também li relatórios anuais
de empresas. Essas foram as fontes
mais importantes. O Diário Oficial do
Estado de S. Paulo também tinha muitos dados. Passei nove meses coletando dados no Brasil, e depois, de volta
aos Estados Unidos, completei a pesquisa usando uma biblioteca maravilhosa chamada Biblioteca Centro de
Pesquisas, em Chicago, que tem uma
fabulosa coleção de microfilmes de
jornais estrangeiros.
R.N.B. – E onde estavam esses arquivos no Brasil?
A.H. – Vocês têm a sorte de ter o Arquivo do Estado de São Paulo. Eles têm
uma coleção maravilhosa de manuscritos e documentos históricos.
*paulo trevisani
De fato,
com a crise do
Encilhamento, a
Bolsa deixou de
existir por quatro
anos. Até que, em
1895, alguns dos
maiores corretores
se reuniram e
concluíram que era
melhor operarem
juntos – e a Bolsa
voltou a existir
é jornalista radicado
em nova york.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 13
entrevistas
fernando simões
diretor presidente da Julio Simões
o novo mercado traz
visibilidade para as
empresas
POR fábio pahim jr*
Empresa líder do mercado de transporte
rodoviário e logística do País, a Júlio Simões estreou na Bolsa em abril, aderindo prontamente
ao Novo Mercado, o segmento de mais elevada
governança corporativa da BM&FBOVESPA, em
que uma das maiores preocupações é estender
aos acionistas minoritários direitos semelhantes
aos dos acionistas controladores. “Estamos muito contentes com a abertura”, enfatizou o diretor presidente da Julio Simões, Fernando Antonio Simões, em entrevista à Revista Nova Bolsa.
“Não fomos atrás de capital, mas de visibilidade”,
acrescentou sobre a decisão de abrir o capital.
A história da Júlio Simões – holding de um
grupo de empresas que nasceu em Mogi das
Cruzes nos anos 1950 e que hoje se estende por
todo o País – assemelha-se a de outras tantas
companhias que traçaram uma estratégia sustentada de crescimento, profissionalizaram a
gestão e estão prontas para colherem os frutos
do ingresso em bolsa. Fundada pelo imigrante
14 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
português Júlio Simões, hoje com 82 anos, a
empresa alcançou enorme expansão durante
anos a fio – nada menos de 26,3% ao ano, nos
últimos nove anos.
Fernando, filho do fundador, assumiu a presidência do grupo há um ano e meio. “Minha
grande escola foi a empresa, onde estou desde
os 14 anos”.
O desafio de crescer num ambiente de fortíssima concorrência é bem visto pela Júlio Simões, pois os clientes têm de apertar ao máximo seus custos para poder competir – e a logística é uma questão-chave. “Há muitos anos nos
habituamos a atender empresas com elevadíssimo grau de exigência, como multinacionais,
montadoras, companhias siderúrgicas e de celulose ou de energia, do setor sucroalcooleiro”.
O ingresso no Novo Mercado permite “obter um selo de qualidade”, mostrar ao mercado e aos acionistas que a empresa optou pela
“perpetuidade”.
divulgação
Só vamos ter desenvolvimento
sustentável, no Brasil, se todos os
meios de transporte – rodoviário,
ferroviário, aquaviário – melhorarem.
Isso passa pela modernização das
estradas de rodagem e a ampliação
da cabotagem
Revista da Nova Bolsa – Conte
um pouco da Júlio Simões, da sua
origem em Mogi das Cruzes até se
tornar uma gigantesca empresa de
logística.
Fernando Simões – A Júlio Simões
tem 54 anos, foi fundada por meu
pai, um imigrante português de Ribeira do Alcalamouque, em Leiria,
que aqui chegou com uma carta de
chamada do tio para trabalhar numa
empresa de ônibus. O primeiro caminhão era um Big Job, da Ford, com
oito anos de uso – ou seja, fabricado
em 1948 (hoje um ícone entre os veículos de colecionadores). Começamos transportando verdura do cinturão verde de São Paulo, do qual Mogi
é parte, para o Rio de Janeiro. Era o
“expresso da verdura” – que tinha de
sair de noite e chegar de manhãzinha
no Rio, a tempo de entregar o produto fresco, após um percurso que
durava 8 horas. Depois, começamos
a transportar celulose da Companhia
Suzano, e a levar papel, mas já de
olho em outros mercados. A Transportadora Julio Simões nasceu ali, na
Suzano, que deixou de ter carreteiros
autônomos. Preenchemos uma la-
cuna. Trazíamos carga de São Paulo,
ou de Mogi para o Rio, e voltávamos
pela CSN, depois pela Cosim, da Siderbrás. Eu comecei em 1981, com
14 anos, no chão da fábrica, como se
diz. Primeiro na expedição, controlando as saídas dos caminhões próprios – eles eram 90 – e de terceiros
que trabalhavam para nós. Passei a
ser gerente de expedição quando começou a crise para o Brasil. Assumi
a parte operacional em 1986 e, com
a saída de meu irmão mais velho em
1988, a parte comercial. Tínhamos
150 caminhões e 300 funcionários.
Éramos apenas uma transportadora
de carga. Fui vice-presidente até um
ano e meio atrás, quando assumi a
presidência.
R.N.B. – Vamos voltar um pouco
até os anos 1980.
F.S. – Naquela época, dependíamos
da celulose e da siderurgia e, por isso,
decidimos diversificar. Começamos
com o transporte de passageiros para
a Suzano e a locação de veículos para
a Aracruz Celulose. Ganhamos visibilidade não só como empresa de
transporte de carga. Participamos de
concorrências e fizemos mudanças
de modelos operacionais. Em 1992,
90% do nosso negócio era transporte
e éramos a 30ª empresa do setor. Começou aí, há 18 anos, a mudança do
perfil da empresa. Até 1996, empresas
como a Volkswagen, Aracruz, Cenibra e Suzano tinham transportadoras
próprias. Com o dólar a um por real,
todos começaram a rever seu processo
interno. As empresas tinham necessidade de diversificar. Aí entramos com
o transporte interplantas da Volks,
madeira para a Aracruz e, depois, para
a Cenibra – e nasceram as chamadas
operações dedicadas, com um portfólio de serviços muito maior. Desde
2002, somos líderes no segmento logístico-rodoviário no Brasil. É preciso
entender o cliente para poder atendêlo – em toda a cadeia de suprimentos.
São operações mais completas, mais
rentáveis e os riscos para os clientes
diminuem. Há mais oportunidade de
otimizar o trabalho. É possível aumentar os ganhos cobrando menos. Nos
últimos oito ou nove anos, passamos
a oferecer produtos diferenciados. Em
2009, a empresa faturou R$1,55 bilhão, com 14 mil colaboradores.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 15
entrevistas
R.N.B. – Qual sua visão da logística no País?
F.S. – Acredito em soluções customizadas. Os portos foram construídos
perto dos grandes centros. As ferrovias
foram criadas para atender às usinas
siderúrgicas. O desenvolvimento industrial ocorreu muito mais pela controladoria: para saber em que estados
se pagaria menos tributos. A logística
não comporta soluções do dia para a
noite nem soluções alternativas. A madeira da Bahia vem de barcaças, uma
solução sob medida para os gargalos.
A companhia é uma soma de vários
contratos segmentados. Transporte de
passageiros, operações com Toyota,
GM, Volks, Honda, Ford e MercedesBenz. Buscamos soluções de logística
para integrar cliente e consumidor.
Nossas atividades estão divididas em
quatro grandes áreas – serviços dedicados à cadeia de suprimento, gestão
e terceirização de frotas com serviços,
transporte de carga geral e transporte
de passageiros.
R.N.B. – Há, assim, dificuldades de
gestão, não?
F.S. – No dia a dia, temos gestores por
contrato e diretorias por segmento,
são 12 diretores, dos quais 6 executivos, 90 gerentes e 200 gestores de contratos. É gente especializada no negócio, com conhecimento aprofundado.
R.N.B. – O modal rodoviário tende a ceder espaço para o ferroviário e o aquaviário?
F.S. – A situação geográfica nos dá
oportunidade de ter várias operações
customizadas, não vejo perda de espaço, do ponto de vista da empresa. Mas,
é importante que as ferrovias tenham
maior peso nos transportes. Só vamos
ter desenvolvimento sustentável, no
Brasil, se todos os modais melhorarem. É uma forma de evitar problemas
logísticos futuros. Isso passa pela mo16 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
dernização das estradas de rodagem e
a ampliação da cabotagem.
R.N.B. – Como avalia a regulação,
via Agência Nacional do Transporte Rodoviário (ANTT)?
F.S. – A ANTT tem trabalho no planejamento para evitar os gargalos
futuros, por exemplo, na sinalização
das ferrovias. Vemos um planejamento futuro mais agressivo. Mas há
muito por fazer.
R.N.B. – O balanço rodoviário da
Confederação Nacional dos Transportes (CNT) mostrou melhora
nas estradas brasileiras, sobretudo
nas que já eram boas, mas situação
ruim nas estradas mais deficiente.
Qual é a sua avaliação das rodovias?
F.S. – O trabalho da CNT ajuda a
orientar o foco, onde é preciso trabalhar. No nosso caso, ficamos muito
centrados em atender às necessidades do cliente, caso a caso.
R.N.B. – Como comparar o custo de trafegar numa estrada ruim
com o de pagar pedágios de valor
elevado?
F. S. – O pedágio tem um bom custobenefício. Mas há pedágios caros e
outros mais coerentes. Nas concessões
mais antigas, o pedágio é mais caro.
Nas últimas concessões, parece-me
mais justo. O problema acaba recaindo
no consumidor final, pois o transporte
encarece a mercadoria. Ainda assim, é
melhor ter uma estrada com pedágio.
R.N.B. – Voltando a Júlio Simões,
qual é a posição da empresa, hoje?
F.S. – É diversificada. Atuamos com
indústria automobilística, celulares,
energia elétrica e mineração. Os serviços dedicados representam 53% do
faturamento. O portfólio diversificado
nos permite crescer; nos últimos nove
anos, crescemos, em média, 26,3%
R.N.B. – Como foi a decisão de
abrir o capital, eu tive a impressão
de que ela se destinava a reduzir
o endividamento, mas seu diretor
Marc Ferrez me esclareceu que
não é isso, pois o ciclo de negócios
inclui pontos de alto e de baixo endividamento perfeitamente previsíveis e recorrentes.
F.S. – A abertura de capital ocorreu
depois de vários avanços. Nos últimos
cinco anos, embora na condição de
empresa familiar, tornamo-nos totalmente profissionalizados. Da família,
só estou eu. Meu filho é apenas conselheiro. Somos auditados há cinco anos.
Passada a “marolinha” de 2009, tínhamos de nos tornar cada vez mais diferenciados e isso passava pelo mercado
de capitais. Tínhamos de ter funding
diversificado para nos desenvolver.
R.N.B. – Como é a governança corporativa numa empresa de gestão
tão complexa?
F.S. – É importante para nosso modelo
ter o selo do Novo Mercado. Quando
você diversifica o portfólio, pode aproveitar melhor o crescimento do País, as
oportunidades que vão surgindo.
R.N.B. – Como foi a preparação
para a oferta inicial de ações, o
IPO da Julio Simões?
F.S. – Não acredito em preparação
acelerada de uma empresa para a
abertura, pois se ela é profissionalizada, a abertura não pode ser artificial.
Em seis meses, oito meses, que foi
o tempo para as providências legais,
foram feitos apenas os ajustes para
atender aos requisitos da abertura, às
regras rigorosas de compliance.
R.N.B. – Como imagina que será
o setor – e a Júlio Simões – daqui
a uma década? Estará, por exemplo, prestando serviços na área
do pré-sal?
F.S. – Daqui a dez anos, o mercado
de logística vai ter de achar soluções
para participar do desenvolvimento
de forma cada vez mais diversificada,
em função do portfólio de clientes e
atividades. Acredito que nesse tempo
nosso segmento permitirá uma grande consolidação orgânica, não via
aquisições. Acreditamos que faremos
parte de uma mudança logística com
crescimento orgânico – aliás, fizemos
só duas aquisições, sem as quais teríamos crescido não 26%, mas 24%. A
base logística está sendo construída
– rodoanel, ferroanel, rodovias. Há
segmentos que já vivem essa fase, alguns já estão maduros, como o setor
automobilístico, e essa será a tendência dos próximos dez anos.
R.N.B. – Voltando aos aspectos
contábeis, não há necessidade de
reduzir o endividamento, da ordem de R$1,2 bilhão, conforme o
balanço do segundo trimestre?
F.S. – O endividamento sempre esteve sob controle. A operação baseia-se
em endividamento, retorno (com a
redução das dívidas) e novo endividamento. A questão é fortalecer a estrutura de capital, pensando no futuro.
As empresas estão maduras e sabem o
que precisam para poder atender aos
seus clientes. Têm de atender à demanda. A busca de capital é para o desenvolvimento. E queremos a perpetuação da companhia. O mercado de
capitais é o selo dessa perpetuidade.
R.N.B. – E base de acionistas? Algumas centenas entraram no IPO
da Júlio Simões, mas ainda é pequena, não?
F.S. – O mercado vai conhecendo
aos poucos a Júlio Simões. Não há
companhias comparáveis, o aumento
da base de acionistas é uma consequência natural desse conhecimento.
*fábio
R.N.B. – Os demonstrativos sugerem
que as margens não são elevadas, a lucratividade do patrimônio não é alta.
F.S. – As margens são baixas, mas a
tendência é positiva. O segundo semestre contribui mais para o lucro do
que o primeiro, com o aumento natural da atividade econômica. Já no primeiro semestre, há mais desembolsos.
R.N.B. – Quantos veículos existem
na frota da Júlio Simões?
F.S. – Há 23 mil DUTs (Documentos Únicos de Transporte), entre automóveis, tratores e semirreboques.
R.N.B. – Vocês também ingressaram na área de locações
F.S. – Além de automóveis, temos
1,5 mil caminhões alugados para as
mais diversas empresas, para o setor
público, para companhias de alimentação, construção civil e gás. As locações de automóveis são, em geral, por
dois anos, e as de caminhões, em média por cinco anos. Os clientes têm
condição especial, pois asseguramos
a disponibilidade da frota, ou seja,
carros-reserva em todo o País. Trabalhamos no atacado. A customização
traz ganhos para os clientes. Calculamos que um cliente que precisasse
ter uma frota própria de cem veículos
possa locar apenas uns 80, ou seja,
seu custo é menor quando há carrosreserva prontamente disponíveis.
Daqui a dez
anos, o mercado
de logística vai ter
de achar soluções
para participar do
desenvolvimento
de forma cada vez
mais diversificada,
em função do
portfólio de clientes
e atividades, o que
permitirá, em nosso
segmento, uma
grande consolidação
orgânica, não via
aquisições
R. N.B. – Há alguma demanda especial dos investidores estrangeiros, que subscreveram cerca de
2/3 das ações oferecidas no IPO?
Enfim, como avalia a abertura do
capital alguns meses depois?
F.S. – Estamos felizes com a abertura. Por exemplo, temos um conselho
que nos propicia outras visões e que
permite um planejamento mais claro
da companhia.
pahim jr é jornalista e coordenador editorial da revista da nova bolsa.
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REVISTA DA NOVA BOLSA 17
petrobras
petrobras:
a empresa puxa onda
de investimentos
Concluído o gigantesco aporte de recursos de
investidores para a Petrobras – e o avanço do País
no mundo do petróleo – retomaram-se os IPOs,
incorporando mais empresas ao mercado de capitais
POR THEO CARNIER*
A
Petrobras – e o mercado de capitais brasileiro – deram enorme passo à frente com
a capitalização da empresa por intermédio da maior oferta de ações da história
mundial, correspondente a R$120 bilhões ou perto de US$70 bilhões, dos quais
US$45 bilhões em reservas nos campos do pré-sal. Poucos dias depois da oferta, realizada
em 24 de setembro, novas companhias abriram o capital na Bolsa: a primeira foi a HRT Participações, que captou R$2,624 bilhões em 25 de outubro, seguindo-se o IPO da Brasil Insurance, que levantou R$644 milhões em 1º de novembro. Foi uma pronta resposta do mercado. “Uma nova onda de investimentos surgirá a partir dessa capitalização, num primeiro
momento no setor de petróleo é gás”, previu o diretor presidente da BM&FBOVESPA,
Edemir Pinto. “Esses investimentos vão gerar mais empregos, renda e crescimento”.
Pesos pesados
Participaram do evento da Petrobras o presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, o vice-presidente, José Alencar, os ministros Guido Mantega, da Fazenda, Márcio
Zimmermann, de Minas e Energia, e o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.
Eles foram recebidos pelo presidente da Bolsa, Edemir Pinto, para quem “a história da
economia brasileira e, principalmente, do mercado de capitais, passa a se dividir em
antes e depois da operação que celebramos agora”. O lançamento superou os recordes
anteriores, do Royal Bank of Scotland, em 2008 (US$24,4 bilhões), e do Agricultural
Bank of China (US$22,1 bilhões). E “colocou o Brasil em destaque no noticiário mundial”, lembrou William Eid, professor de Finanças e Mercado de Capitais da Fundação
Getúlio Vargas (FGV). “Os holofotes do mundo se voltaram para a BM&FBOVESPA”,
acrescentou. Servirá para cobrir uma fração do previsto para explorar o pré-sal – Gabrielli calcula que a estatal terá de levantar no mercado mais US$60 bilhões entre 2011
e 2015 para financiar o programa de investimentos.
18 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
getty image
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 19
petrobras
Galgando posições
Com a operação, o mercado
acionário brasileiro galgou posições entre os mercados globais. Na
véspera da operação da Petrobras, a
companhia aberta BM&FBOVESPA
chegou ao segundo lugar entre as
maiores bolsas do mundo pelo critério de valor de mercado, alcançando
R$30,4 bilhões – outro marco. “Esse
valor é 25% maior que a soma das três
bolsas consideradas as catedrais do
capitalismo internacional – a Bolsa
de Nova York, a de Londres e a Nasdaq”, lembrou Edemir. Diante dele,
na cerimônia de lançamento, um
presidente Lula entusiasmado com
a “Bolsa verde-amarela” afirmou:
“Essa é uma decisão da sociedade
de capitalizar seu futuro. Parabéns à
Petrobras e à BM&FBOVESPA que,
com muito trabalho, conseguiram fazer com que o Brasil vivesse um momento histórico como este”.
A Petrobras ofertou 4,27 bilhões ações, das quais 2,369 bilhões
de ordinárias e 1,901 bilhão de preferenciais, atraindo 55,3 mil acionistas na oferta ao varejo, mais 18 mil
cotistas de fundos de investimento
e 14,9 mil funcionários da empresa.
Os números ajudaram a elevar para
630.895 o número de pessoas físicas
presentes no mercado de ações, em
setembro – esse é outro recorde histórico no País. Apesar disso, certos
aspectos da operação não passaram
incólumes a críticas. Algumas instituições financeiras manifestaram
reticências quanto às ações. As cotações oscilaram muito em outubro, nos dias seguintes à batida do
martelo, chegando a ficar abaixo do
preço de lançamento. O presidente
do Conselho de Administração da
BM&FBOVESPA, Arminio Fraga,
afirmou, no 11º Congresso Internacional de Governança Corporativa,
realizado em 26 de outubro: “Não
dá para tapar o sol com peneira. Ficou, com certeza, um mal estar generalizado”. O fato de a operação ser
entre partes relacionadas foi vista
com críticas pelos estrangeiros. “O
investidor estrangeiro olha para o
Brasil e pergunta: o que é isso?”
Gabrielli respondeu às críticas
citando os números do conjunto da
operação. “Estruturamos a oferta de
ações com equanimidade, tanto aqui
como no exterior”, afirmou. “Recebemos ofertas a partir de R$200,00, que
resultaram na conquista de dezenas
de milhares de investidores. Durante
três semanas, cinco equipes de especialistas da Petrobras fizeram uma
maratona em 71 cidades para detalhar a operação. Demos prioridade à
governança, o que certamente ajudou
a atrair os investidores”. A oferta destinada aos já acionistas perfez US$49,4
bilhões e, somada à demanda dos
funcionários da empresa, atraiu mais
de 70 mil investidores. Foi captado
US$1,4 bilhão no exterior.
Segunda maior do mundo
Parabéns à Petrobras e à
BM&FBOVESPA que, com muito trabalho,
conseguiram fazer com que o Brasil vivesse
um momento histórico como este
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPÚBLICA
20 REVISTA DA NOVA BOLSA
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A Petrobras chegou ao final de
setembro como a segunda maior
empresa petrolífera de capital aberto do mundo, com valor de mercado
de cerca de US$223 bilhões, atrás
apenas da Exxon (US$290 bilhões).
Tornou-se ainda a quarta colocada
no ranking geral de empresas abertas
do mundo, atrás apenas da Exxon, da
PetroChina e da Apple e à frente da
Microsoft, do Bank of China, da WalMart e da General Electric. Antes da
oferta, o valor de mercado da Petrobras era de US$147 bilhões.
fotos: agência luz
Como lembrou o ministro da
Fazenda, “os acionistas minoritários
tiveram ampla participação”. Mantega
destacou, no evento de lançamento:
“A bolsa brasileira mostrou que tem o
mesmo nível das maiores do mundo.
Essa capitalização não é um fato isolado. Reflete a força do mercado brasileiro e da economia do País” – o valor
de mercado da Petrobras ficou quatro
vezes maior em cinco anos, disse. Para
o vice-presidente Alencar, “fica para
trás o tempo em que temíamos as altas do preço do petróleo no mercado
internacional”. E, na opinião do ministro Zimmermann, o lançamento
“mostrou como o País está crescendo e como se pode fazer uma gestão
eficiente”. O presidente Lula, por sua
vez, enfatizou: “A alegria de estar aqui,
comemorando esse lançamento de
ações na BM&FBOVESPA, não tem
tamanho. Estamos vivendo um dos
momentos mais auspiciosos da história, que ajuda a criar um País mais livre
e justo para as próximas gerações”.
Edemir Pinto, presidente da
BM&FBOVESPA, recordou a visita
do presidente Lula à Bolsa há dois
anos, para comemorar a obtenção
do grau de investimento pelo Brasil.
Naquela ocasião, lembrou, o presidente da República disse que “o Brasil precisa da BM&FBOVESPA e a
BM&FBOVESPA precisa do Brasil”.
Essas palavras, afirmou o presidente
da Bolsa, anteciparam a operação recorde da Petrobras. “O mercado deve
muito a Vossa Excelência. Foi no seu
governo que a tributação dos ganhos
de capital caiu para 15% e o mercado
acionário se popularizou”, disse Edemir. “Essas ações fizeram do senhor,
presidente, um dos principais parceiros de uma revolução que aconteceu
no País. A revolução dos investidores que têm uma visão moderna, de
longo prazo, e a dos empresários que
querem sócios para poder competir
de modo mais eficiente”.
Mais investidores
O momento é propício. “A Bolsa
está fazendo um grande esforço para
atrair mais investimentos para as empresas brasileiras. Investimos pesado
na educação financeira, na atração de
novas companhias, na formação de
novos gestores e no aprimoramento
das regras de governança”. Esse tra-
Fica para
trás o tempo em
que temíamos as
altas do preço do
petróleo no mercado
internacional
José Alencar, vice-presidente
balho, lembrou Edemir, “tem como
base um sistema de negociação, de
liquidação, de custódia e de gerenciamento de riscos que é modelo para
todo o mundo, o que ficou ainda mais
claro após a crise financeira de 2008”.
O esforço permitiu atrair mais
de 150 companhias para o mercado
de capitais desde 2004. “Ao final de
2014, vamos chegar à marca de 5 milhões de investidores pessoas físicas,
saindo dos atuais 600 mil”, garantiu
Edemir. “Vamos reduzir os custos
para os pequenos investidores na
Bolsa. Queremos atrair também ao
menos mais 200 companhias para a
BM&FBOVESPA, o que é uma meta
conservadora, dado o potencial do
País”. Conta, para isso, com a presença
da Petrobras. “A cultura do investidor
brasileiro associa de maneira direta a
Petrobras à Bolsa”, afirma Ricardo Almeida, professor de Mercados Financeiros e de Avaliação de Empresas do
Insper (ex-Ibmec São Paulo).
Para atrair investidores, a companhia tomou cuidados. O preço de
emissão foi fixado em R$29,65 por
ação ordinária e em R$26,30 para as
preferenciais, depois da conclusão do
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 21
petrobras
Vamos construir dezenas
de plataformas nos próximos anos
e elas vão precisar de centenas de
barcos de apoio
José Sérgio Gabrielli,
presidente da Petrobras
procedimento de coleta de intenções
de investimento dos investidores
institucionais (bookbuilding). Para
o mercado externo, a negociação foi
feita em ADS (American Depositary
Shares), cada um representado por
duas ações ordinárias ou duas preferenciais, e expresso por um ADR
(American Depositary Receipt). O
preço foi fixado em US$34,49 por
ADS representativo de ações ordinárias e em US$30,59 para os representativos de preferenciais, com a
cotação de R$1,7194 por dólar (taxa
média de venda do Banco Central no
dia 23 de setembro).
Ao final da operação, a Petrobras
ficou com nova composição acionária. A União passou de 32,1% do capital total da companhia (55,6% do
total com direito a voto) para 31,1%
(53,6% das ações ordinárias), considerando os lotes suplementar e
adicional. O BNDES e seu braço de
participações BNDESPar passaram a
ter fatia de 13,4% no capital total, em
comparação aos 7,7% antes da oferta
(levando em conta apenas o BNDESPar, já que o banco não era considerado acionista antes da operação). O
Fundo Soberano, que também não
tinha participação antes do lançamento recorde da Petrobras, passou a
deter 3,9% do capital total (4,6% do
22 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
ordinário e 2,9% do preferencial). Os
ADR Nível 3 reduziram sua participação total de 28,9% para 22,7% e os
investidores estrangeiros mantiveram
a fatia de 8,7%. Os demais acionistas
passaram de 22,6% para 20,2% do total. A proporção de ações ordinárias
no capital total caiu de 57,8%, antes
da oferta, para 57,1% e a de preferenciais subiu de 42,2% para 42,9%.
Distribuição do dinheiro
Os R$120 bilhões da captação
serão utilizados pela companhia de
duas maneiras, segundo Gabrielli:
a) para pagar a cessão onerosa com a
União, em que a companhia adquiriu
o direito de exploração até que produza 5 bilhões de barris de petróleo
na camada pré-sal; e b) para investir
no desenvolvimento das várias áreas da empresa, com o financiamento
de parte do plano de investimento de
US$224 bilhões até 2014. “Com os recursos da captação, estamos em condições de começar uma nova etapa da
Petrobras, do Brasil e da nossa sociedade”. No dizer do ministro Mantega,
também presidente do Conselho de
Administração da companhia, isso
mostra a força da economia brasileira. “Aqui, não há risco de doença holandesa”, esclareceu, referindo-se aos
problemas que a economia da Holan-
da enfrentou nos anos 1960: com a
descoberta de grandes reservas de gás
natural, houve valorização da moeda
e prejuízos no setor industrial. “No
Brasil, não existe o que foi chamado
de ‘maldição do petróleo’. O que temos é a bênção do petróleo”.
A Petrobras puxa o crescimento de centenas de outras empresas,
principalmente indústrias, que fazem
parte de sua cadeia de fornecimento.
Bens de capital e indústria naval são
exemplos. “Vamos construir dezenas
de plataformas nos próximos anos e
elas vão precisar de centenas de barcos de apoio. Também precisaremos
de mais cargueiros para o transporte”,
informou Gabrielli. “Tivemos o respaldo dos investidores e o governo
ajudou. Mas milhares de outros acionistas também compraram ações. É
o reconhecimento e a aceitação do
nosso programa de crescimento. É
natural que aconteçam flutuações
das ações após a capitalização, em
uma empresa que fez a maior oferta
de ações da história”.
Pré-sal na mira
Com o sucesso do lançamento
de ações, a Petrobras acelera seus planos de exploração da camada pré-sal,
o maior projeto em andamento no
mundo do setor de petróleo e gás.
Com a HRT, a
volta dos IPOs
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O prospecto preliminar de
abertura de capital da HRT Participações em Petróleo, divulgado no início de outubro, indicou que o mercado de ações
deve mesmo crescer a partir da
operação da Petrobras. A HRT
captou no ano passado US$275
milhões de 66 investidores, em
operação privada. Dentre esses
investidores, destacou-se o fundo MSD Capital, que tem entre
seus principais cotistas Michael
Dell, fundador da Dell Computers, uma das maiores fabricantes de computadores do mundo.
Fundada pelo geólogo Márcio Mello, um especialista em
pré-sal, a empresa – da qual
participam ex-funcionários da
Petrobras – nasceu em julho de
2009, englobando a antiga HRT
Petroleum, de serviços de petróleo, e a HRT O&G, de exploração
e produção. Já conta com uma
área de Relações com Investidores, entrou no Novo Mercado
da BM&FBOVESPA e previu, no
prospecto preliminar, a emissão de 1,820 milhão de ações.
O valor da distribuição previsto
em R$1,9 bilhão acabou gerando R$700 milhões mais. A HRT
comprou, no final de 2009, 51%
de participação em 21 blocos
de exploração da Bacia do Solimões, no Amazonas. Somando
todas suas participações em
blocos, a empresa tem uma área
com potencial para produzir bi-
lhões de barris de petróleo leve,
segundo estudos preliminares
realizados por técnicos.
A HRT puxou a fila de novos
lançamentos de ações, no rastro
da operação recorde da Petrobras. Mas esse recorde também
não foi um fato isolado na história da Bolsa. Em 2009, o Banco
Santander realizou a maior oferta inicial de ações (IPO, na sigla
em inglês) do mundo naquele
ano, na qual captou US$7,5 bilhões. O mercado brasileiro teve
seis dessas operações em 2009,
que somaram US$13,2 bilhões.
“Vários lançamentos importantes ajudaram a colocar a bolsa
brasileira em papel de destaque entre as maiores do mundo”, lembra Almeida, do Insper.
“Além do Santander, aconteceram operações como a da Cielo,
que despertaram o interesse do
investidor”. No primeiro semestre de 2010, houve 13 ofertas
de ações, que somaram R$13,55
bilhões, crescimento de 19,6%
sobre igual período de 2009. Do
total de ofertas, a maioria (sete)
foram aberturas de capital.
Na avaliação de Celso Grisi,
professor de Finanças da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), a capitalização foi fundamental para a Petrobras e para a
Bolsa, que já vivia um momento
de otimismo. Para ele, as perspectivas do mercado acionário
brasileiro “são muito positivas” e
a operação Petrobras será mais
um estímulo ao aquecimento
do mercado de ações brasileiro.
Dou parabéns
à companhia e a seus
funcionários, que
fizeram da Petrobras
um exemplo de
inovação para o Brasil
e para o mundo
EDEMIR PINTO, diretor
presidente da bm&fbovespa
No final de setembro, o Conselho de
Administração da empresa homologou o valor de R$4.383,58 para cada
uma das LFTs (Letras Financeiras do
Tesouro) disponibilizadas pelo acionista controlador e pelos minoritários, com os quais se comprometeu a
pagar as reservas de petróleo equivalentes a 5 bilhões de barris em áreas
não licitadas no pré-sal da Bacia de
Santos. As reservas foram repassadas
pela União, no processo que ficou
conhecido como cessão onerosa. As
LFTs foram entregues na conta de
liquidação da BM&FBOVESPA, no
Sistema Especial de Liquidação e
Custódia. Do total captado na oferta
primária pública, R$67,8 bilhões foram recebidos em LFTs.
“Quando José Sérgio Gabrielli
me informou, há alguns anos, que
teríamos um projeto chamado de
pré-sal, para explorar petróleo a 6
mil metros de profundidade, fiquei
surpreso”, afirmou Lula no evento
de lançamento. “No entanto, vivemos momentos gloriosos. Essa operação é mais uma afirmação de que
estamos caminhando na direção
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 23
correta”. Ao que o diretor presidente da Bolsa, Edemir Pinto, acrescentou: “Dou parabéns à companhia e
a seus funcionários, que fizeram da
Petrobras um exemplo de inovação
para o Brasil e para o mundo. Ela
agora propicia ao Brasil o registro
da maior operação do mundo no
mercado de capitais, uma realização
que ficará para a história”. A companhia “está intimamente ligada ao
mercado de capitais brasileiro; logo
na sua criação, em 1953, foi feita
uma emissão de debêntures. Sua
evolução é notável”.
Tupi, 2014, Copa
Quando virarem produção, essas
reservas se destinarão na maior parte
às exportações. A produção mundial
de petróleo (86 milhões de barris/
dia) está em declínio e o consumo,
em alta e já se prevê um déficit (lá
por volta de 2030) que será coberto
por novas descobertas (como as brasileiras), por fontes alternativas e por
maior eficiência energética. A atual
produção brasileira – sem o pré-sal –
está em 2 milhões de barris/dia, para
um consumo também de 2 milhões.
Só não há autossuficiência porque
diferenças na qualidade do óleo tornam mais negócio importar, de um
lado, e exportar, de outro. Segundo
a Petrobras, que pretende investir
US$224 bilhões em quatro anos, a
produção das áreas não pré-sal já conhecidas vai chegar a 3 milhões de
barris/dia em 2014, ano da Copa. A
partir daí, o pré-sal entra para valer.
Estima-se que os campos da primeira
fase do pré-sal (Tupi e outros) – objeto da cessão onerosa que permitiu
a recente capitalização da Petrobras
– estarão produzindo 1,8 milhão de
barris/dia em 2020.
Com a entrada em operação de
novas descobertas, em 2030 o aumento da produção poderá chegar a 2,8
24 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
folhapress
petrobras
Marco regulatório
Entre partilhas, concessões,
novas descobertas
O pré-sal pode não ser a panaceia com que sonham os mais afoitos.
Mas certamente mudará a face do País nos próximos 10, 20 anos – para o
bem, espera-se, embora o mal esteja à espreita. Pois seus impactos serão
tremendos seja na produção, nas exportações, na receita de divisas, na
dinamização de fornecedores internos, nas perspectivas que se abrem
para investimentos públicos em infraestrutura, saúde, educação, seja
nas pressões altistas sobre o real, nos riscos de desindustrialização se a
economia ficar dependente demais desse núcleo extrativo-industrial (é o
que ocorre na Rússia). Tudo isso para não falar naquela espécie de alienação febril que o dinheiro do petróleo, como a história demonstra, injeta
em pessoas e nações.
Os números são todos grandiloquentes, mesmo considerando-se o
que se sabe até agora. Não contando o pré-sal, as reservas provadas brasileiras estão em torno de 14 bilhões de barris (principalmente a partir
das águas profundas da bacia de Campos, RJ). As primeiras descobertas
do pré-sal (onde avultam os campos de Tupi e Franco nas águas ultraprofundas da bacia de Santos) indicam, segundo o governo, reservas que
podem ir de 9,5 bilhões a 14,5 bilhões de barris. Somando as duas, já teríamos alguma coisa entre 17,4 bilhões e 29 bilhões de barris. Na véspera
do segundo turno eleitoral, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) tornou
o mar ainda mais encapelado ao anunciar que o poço de Libra, também
na bacia de Santos, tem reservas de 7,9 bilhões de barris (podendo chegar a 15 bilhões). Não faltaram especulações citando reservas entre 32
bilhões e 51 bilhões de barris, situando o Brasil entre os dez grandes (o
líder é a Arábia Saudita, com mais de 200 bilhões).
Mais Estado, mais
Petrobras
O andar dessa carruagem sofreu,
no entanto, uma meia-trava ao longo
de 2010. Trata-se do novo marco regulatório do petróleo. No começo do
ano, o governo enviou ao Congresso
quatro projetos: a criação da Petro-Sal
para administrar os novos contratos
e as relações com as empresas (inclusive os contratos de partilha); a instituição de uma cessão onerosa de até
5 bilhões de barris (que a Petrobras
pagará com óleo à União, detentora,
afinal, das jazidas) para permitir a capitalização da empresa; a criação de
um Fundo Social para destinar parte
dos recursos advindos do pré-sal ao
combate à pobreza e ao desenvolvimento das áreas de educação, saúde
e inovação científica e tecnológica,
nas áreas de infraestrutura (quase um
fundo soberano); a instituição dos
contratos de partilha em substituição
aos contratos de concessão, mantendo
No Brasil, não existe o que foi
chamado de ‘maldição do petróleo’. O que
temos é a bênção do petróleo
Guido Mantega, ministro da Fazenda
a distribuição vigente dos royalties a
Estados e municípios. Os dois primeiros já foram aprovados e sancionados;
os outros dois estão encalacrados por
conta do potencial conflitivo da distribuição de royalties.
Em seu conjunto, representam
claramente aumento do papel do
Estado no setor, um aperto forte nos
controles governamentais e grande
ampliação de poderes da Petrobras.
E ganharam apoio do Congresso, exceto quanto aos royalties (aprovouse a Petro-Sal, por exemplo, sem que
seu objeto – os contratos de partilha
– tenha sido aprovado). O regime
vigente no Brasil para petróleo e gás
natural é o de concessão, instituído
pela Lei 9.478/97 (que abriu o monopólio e substituiu a Lei 2.004/53,
a madrinha do “petróleo é nosso”, da
era Vargas). Na concessão, a empresa vencedora da licitação é dona do
óleo que produz e das instalações;
fica com a receita após cumprir exigências legais, como recolher os bônus de assinatura (valor em dinheiro
ofertado à União pelo direito de usufruir da concessão), os royalties, as
participações especiais. Os primeiros
contratos do pré-sal (Tupi incluído)
foram assinados sob o regime de concessão: representam uma área de 41,8
mil km2, ou 28% da área total já mapeada para o pré-sal (149 mil km2); a
Petrobras detém mais de 90% dessas
concessões, ganhando, portanto, a
companhia de empresas privadas.
Baixo risco
O que fazer com os restantes
107,2 mil km2 da área já mapeada
e ainda não licitada? O atual governo decidiu estabelecer a partilha.
Por esse regime, a propriedade é da
União, a empresa contratada (após
licitação) assume os riscos da exploração, é ressarcida pelos custos
(se houver descoberta comercial) e
cumpre as exigências legais (bônus
de assinatura e royalties, por exemplo). Havendo exploração comercial, o óleo produzido será dividido
entre a empresa e a União. Segundo
o projeto do governo, a Petrobras,
além de participar das licitações, sozinha ou consorciada, e/ou de poder
getty image
milhões de barris/dia, de acordo com
recente estudo do BNDES. Assim,
daqui a 20 anos, somando o já conhecido e o apenas suspeitado até agora,
poderemos produzir 6 milhões de
barris/dia, sendo o consumo interno
em torno de 3 milhões de barris/dia.
Esta é uma projeção da governamental Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), feita para o Plano Nacional de
Energia, o último disponível, elaborado com dados de 2007, quando o
pré-sal ainda era só uma sementinha.
Pode estar defasado, mas, se estiver, as
diferenças não serão grandes: o plano
baseou-se em projeções comumente
aceitas para o crescimento médio do
PIB e para avanços importantes, na
matriz energética brasileira, no consumo de gás natural e de derivados
da cana-de-açúcar, em substituição ao
petróleo. Em qualquer caso, sobrará
muito óleo para exportar.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 25
petrobras
folhapress
Após candentes
discussões e
ameaças de veto
por parte do
Executivo, o Senado
aprovou a essência
do novo texto, por
caminhos ainda
mais complicados
ser contratada diretamente, será a
operadora exclusiva (com um porcentual mínimo de 30% em todos os
consórcios). Argumentos oficiais: a
concessão foi interessante no final da
década de 1990, por causa das incertezas da economia, do baixo preço do
petróleo e do alto risco exploratório.
Agora, o petróleo subiu, a economia
cresce e o risco é baixo – além do que,
dizem documentos oficiais, os grandes produtores do Oriente Médio
aplicam o regime de partilha e é necessário “maior controle do governo”
numa atividade de grande sensibilidade geoeconômica e política.
O Congresso acolheu esses argumentos quanto à partilha. O enrosco
aconteceu no caso dos royalties. As
duas questões compunham o mesmo
projeto. A intenção do governo era
manter a atual norma dos royalties,
pela qual os Estados produtores (principalmente o Rio de Janeiro) obtinham uma receita diferenciada – cerca
de 60% do arrecadado a esse título. Na
Câmara, porém, o deputado gaúcho
Ibsen Pinheiro (PMDB) apresentou
emenda que tornava igualitária a dis26 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
tribuição dos royalties, seguindo os
critérios (populacionais) dos Fundos
de Participação dos Estados e Municípios (que já recebem parte da arrecadação federal). E mais: a nova norma
valeria para frente e para trás, ou seja,
não só para o pré-sal mas também para
as concessões já em vigor. Aprovada a
emenda em março – em meio a grande chiadeira dos estados atualmente
produtores –, o texto ganhou o título
de Projeto de Lei da Câmara (PLC) 7
e seguiu para o Senado.
Tramitação complicada
Após candentes discussões e
ameaças de veto por parte do Executivo, o Senado aprovou a essência
do novo texto, por caminhos ainda
mais complicados. O também gaúcho senador Pedro Simon (PMDB)
apresentou um substitutivo juntando
nesse mesmo PLC 7 os temas da partilha, da distribuição igualitária dos
royalties (repetindo a emenda Ibsen)
e da estrutura do Fundo Social. Enquanto o projeto original da partilha/
royalties ia para a gaveta do Senado, o
novo texto globalizante voltava para a
Câmara, onde teria de ser votado novamente, já que houve modificações
estruturais. Aguardou decisão desde
meados de junho – as eleições, naturalmente, interpuseram-se à rotina da
tramitação. Passada a eleição, os trabalhos recomeçaram, mas havia dez
medidas provisórias (MPs) e o orçamento de 2011 trancando a pauta.
Quando ninguém mais esperava
alguma decisão – nem mesmo o líder
do governo na Câmara – os deputados
aprovaram inteiramente o substitutivo
do senador Pedro Simon na madrugada do dia 2 de dezembro. No caso
dos royalties e das compensações que
o governo federal terá de fazer para
estados e municípios, contrariaram o
parecer do relator, o deputado e futuro ministro Antônio Palocci (PT-SP),
chamado a plenário após quatro meses de campanha. O texto segue para
sanção de Lula. Dado o potencial conflitivo da questão dos royalties, veto
e novas negociações são os itens que
entram em pauta.
*THEO CARNIER É JORNALISTA ECONÔMICo E
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DO JORNAL DCI.
capa capa
Da esquerda para a direita: Mário Monzoni, da FGV; Maired Hancock, da EIRIS; Sonia Favaretto, da BM&FBOVESPA; e Peter Clifford, da WFE
Pedro Sirgado
Roberta Simonetti
Maria Eugenia Buosi
ANIVERSÁRIO DO ISE
Seminário internacional
celebra 5 anos do Índice
de Sustentabilidade
Empresarial
por priscilla de cassia ferreira* FOTOS agência luz
28 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
A
comemoração dos cinco
anos do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE),
lançado em dezembro de 2005, culminou no “Seminário Internacional
Índices de Sustentabilidade – Análises e Perspectivas”, realizado na
BM&FBOVESPA, em 26 de novembro. Para debater a eficiência desses
indicadores, foram convidados membros da WFE (Federação Mundial
das Bolsas) e representantes de indicadores semelhantes que são referência internacional.
Na abertura do seminário, o diretor presidente da BM&FBOVESPA,
Edemir Pinto, destacou a nova carteira do ISE, que entrará em vigor em
3 de janeiro de 2011, e a informação
de que a Bolsa dará início, em breve,
ao processo para o lançamento de
um Fundo de Índice (ETF) do ISE.
“Acreditamos que o ISE vem, a cada
ano, ganhando mais relevância como
um instrumento financeiro de estímulo à construção de uma sociedade
sustentável. O interesse e o esforço
para integrar o índice mostram que
isto já está se tornando um diferencial importante de valor para um número cada vez maior de companhias”.
Para discutir o papel do ISE e de
outros índices de sustentabilidade,
o secretário-adjunto da WFE, Peter
Clifford, apresentou um histórico
da adoção de práticas sustentáveis
nas bolsas do mundo. Segundo ele,
a maior parte das iniciativas pela sustentabilidade no mercado de capitais
atualmente tem partido de economias emergentes. Um exemplo disso
é que apenas as bolsas do Brasil, da
Turquia e da África do Sul são atualmente signatárias do PRI (Principles
for Responsible Investment) da Organização das Nações Unidas.
Acreditamos que o ISE vem,
a cada ano, ganhando mais relevância
como um instrumento financeiro
de estímulo à construção de uma
sociedade sustentável. O interesse
e o esforço para integrar o índice
mostram que isto já está se tornando
um diferencial importante de valor
para um número cada vez maior
de companhias
Edemir Pinto, diretor presidente da BM&FBOVESPA
André Palhano, da Folha
de São Paulo , e Baljit
Wadhwa, da International
Finance Corporation
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 29
capa
Nova
carteira
A carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE),
que vai vigorar de 3 de janeiro
a 29 de dezembro de 2011, reúne 47 ações de 38 companhias.
Elas representam 18 setores e
somam R$1,17 trilhão em valor
de mercado, o equivalente a
46,1% do valor de mercado total
das companhias com ações negociadas na BM&FBOVESPA (em
24/11/2010). Três setores estão
ingressando no índice: serviços
educacionais, holding diversificadas e mineração.
Das 34 empresas que constavam na carteira anterior, 32
foram selecionadas também
para a nova carteira. As seis companhias que ingressam agora
e não estavam na anterior são:
Anhanguera, Bicbanco, Copasa,
Santander, Ultrapar e Vale. Ao
atingir 38 participantes, a carteira
do ISE se aproxima do seu limite,
que atualmente é de 40 companhias. Esse fato incentiva as companhias a se empenharem mais
para permanecer no índice e amplia a diversificação da carteira.
Carteira ISE 2011
AES Tiete, Anhanguera, Bicbanco, Bradesco, Banco do Brasil,
Braskem, BRF Foods, Cemig, Cesp,
Coelce, Copasa, Copel, CPFL
Energia, Duratex, Eletrobras, Eletropaulo, Embraer, Energias BR,
Even, Fíbria, Gerdau, Metalúrgica
Gerdau, Indústrias Romi, Itaúsa,
Itaú-Unibanco, Light, Natura, Redecard, Sabesp, Santander, Sulamérica, Suzano Papel e Celulose,
Telemar, Tim, Tractebel, Ultrapar,
Vale e Vivo.
30 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
Mário Monzoni, do Centro de Estudos de Sustentabilidade da FGV
Os índices ainda precisam evoluir
para atingir um equilíbrio entre os padrões
exigidos internacionalmente e as
características específicas
de cada região
Maired Hancock, diretora de
atendimento ao cliente da EIRIS
Maired Hancock, diretora de
atendimento ao cliente da EIRIS, consultoria responsável pelos índices de
sustentabilidade das bolsas de Londres
e Johanesburgo, também participou
da discussão. Ela destacou alguns dos
principais desafios para o futuro destes
indicadores no mundo: “Os índices
ainda precisam evoluir para atingir um
equilíbrio entre os padrões exigidos
internacionalmente e as características específicas de cada região”.
Estudo e diálogos com
stakeholders
O IFC (International Finance
Corporation), que ajudou a financiar
a criação do ISE, apresentou o estudo
“Índice de Sustentabilidade Empresarial BM&FBOVESPA e as práticas
responsáveis de empresas brasileiras”. Para a líder do departamento de
avaliação e monitoramento da área
de consultoria em negócios sustentáveis do IFC, Baljit Wadhwa, o ISE
tem cumprido um papel relevante na
promoção de práticas de sustentabilidade nas empresas. Ela acredita,
no entanto, que o investidor ainda
precisa ser convencido de que a sustentabilidade aumenta o valor para
o acionista no longo prazo. “Cabe
à comunidade financeira capacitar
profissionais para fazer essa análise
e educar o mercado”, avalia Wadhwa.
Roberta Simonetti e Mário Monzoni, do Centro de Estudos de Sustentabilidade da FGV, apresentaram
os resultados dos 5 Diálogos com
Stakeholders (analistas, investidores, gestores, acionistas, especialistas,
imprensa, empresas e funcionários
da Bolsa), que foram realizados ao
longo do ano de 2010. Na sequência,
um painel de debates reuniu um participante de cada Diálogo para discutir os desafios e perspectivas do ISE
para os próximos anos. Participaram
Pedro Sirgado, diretor do Instituto
Os próximos
cinco anos
Publicação comemorativa
O “Seminário Internacional
Índices de Sustentabilidade – Análises e Perspectivas” foi encerrado
com um coquetel para o lançamento do livro “ISE: Sustentabilidade no Mercado de Capitais”.
Em edição bilíngue, o livro conta
a história dos cinco anos do ISE e
registra seus principais desafios na
missão de contribuir para o desenvolvimento de uma nova cultura
de sustentabilidade entre as empresas brasileiras.
EDP, Maria Eugênia Buosi, analista
de Investimentos Responsáveis do
Santander, André Palhano, repórter
da Folha de S. Paulo, Roberto Gonzalez, diretor de estratégia de sustentabilidade da The Media Group e Cláudio Jacob, gerente de relações com
investidores da BM&FBOVESPA.
“A manifestação democrática dos
pontos de vista dos diferentes participantes do mercado foi fundamental
para que tivéssemos subsídios para
avaliar as conquistas e os pontos que
precisam ser aperfeiçoados daqui pra
frente”, afirmou a diretora de sustentabilidade da BM&FBOVESPA, Sonia Favaretto. Ela encerrou o evento
lançando o desafio: “Comemoramos
esta data cientes de que para que o
ISE se torne referência para o investidor ainda é preciso um movimento
de conscientização da sociedade e de
mudança de comportamento”.
Mirando nos próximos cinco
anos do ISE, a diretora de sustentabilidade da BM&FBOVESPA,
Sonia Favaretto, apresentou durante o seminário os cinco objetivos estratégicos estabelecidos
pelo Conselho Deliberativo do
ISE. São eles:
1. Ampliar a abertura de informações ao mercado
2. Aumentar a participação das
empresas no processo de seleção
3. Aumentar o volume de recursos investidos e produtos atrelados ao ISE e torná-lo um benchmark de investimentos
4. Fortalecer os canais de comunicação e diálogo com as partes
interessadas
5. Trabalhar pelo aperfeiçoamento do escopo e processos de elaboração do questionário (refinamento e aperfeiçoamento da metodologia, processos de seleção
das empresas, verificação etc.)
Sonia Favaretto
*Priscilla
de Cassia Ferreira é jornalista da assessoria de imprensa da
bm&fbovespa.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 31
tendências globais
O avanço limitado
do G-20 em Seul
O fim da guerra cambial depende da retomada do crescimento
dos Estados Unidos e do fato de a China não só valorizar o yuan,
como adotar políticas de estímulo ao consumo interno
POR JOSÉ ROBERTO NASSAR* fotos folhapress
32 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
I
ncomodado com as políticas
monetárias que deprimem o
dólar, mantém o yuan subvalorizado e propelem o real (sitiando,
por esse ângulo, a competitividade
brasileira), o ministro Guido Mantega, da Fazenda, cunhou em meados
de setembro a expressão: está em
curso uma “guerra cambial”. Não seria
para menos: moedas desvalorizadas
e voláteis, em meio a essa abundante
liquidez global, transformam os países
emergentes – principalmente o Brasil,
com seus juros tão altos – em campo
de provas para investidores de ocasião
e em destino para toda a sorte de mercadorias, úteis e inúteis, que precisam
exportar para enfrentar a própria crise.
Na mídia financeira internacional,
a frase de Mantega pegou, pelo menos
como mote para artigos “analíticos”.
Não teve respaldo entre seus colegas,
que não quiseram passar recibo. “A
expressão é inadequada; estamos em
processo de discussão e acordo”, afirmou na época Christine Lagarde, ministra francesa da Economia. “Há tensão, não guerra”, disse depois Robert
Zoellick, presidente do Banco Mundial. “É certo que os países podem
usar sua moeda como arma, mas a expressão é muito militar”, afirmou, com
leve ironia, Dominique Strauss-Kahn,
diretor-gerente do FMI, ao abrir a assembleia de outubro do Fundo e repetir seu bordão preferido: “Tem de haver, a partir da cooperação, uma saída
global para o câmbio”.
Tensão ou guerra, estabeleceu-se
um armistício na reunião do G-20 – o
grupo das nações ricas e emergentes,
mais a representação da União Europeia, que hoje diz falar pelo mundo
inteiro – realizada dias 11 e 12 de
novembro, em Seul, na Coreia. Avanços ficaram claros nos compromissos
em favor de uma “ação coletiva”, formalizados no documento final. Itens
espinhosos ganharam um adiamento,
Apesar da guerra e da enxurrada de
dólares, cartas foram postas na mesa
Guido Mantega, ministro da Fazenda
em busca de novos “estudos técnicos”. Cartas foram postas na mesa e
desarmaram-se as frases conflitivas.
O ministro Mantega reconheceu:
“A guerra cambial não acabou, mas
passou a ser discutida”. O presidente francês Nicolas Sarkozy, que vai
“presidir” o G-20 em 2011, disse que
o acordo de Seul “é melhor que um
desacordo” – pressionado pela queda de popularidade no front interno,
prometeu trabalhar de mãos dadas
com o FMI, já que, em sua opinião, o
“sistema não funciona mais”. StraussKahn, por sua vez, admitiu que “resta
muito a fazer” (o desafio é retomar o
crescimento e criar empregos), mas
foi dado “um passo na direção correta”. O presidente Lula, que passeava
com a desenvoltura de sempre pela
última cúpula de seu atual mandato,
afirmou: “Este é um foro político; as
decisões técnicas ficam para depois.”
Conclamando pela solidariedade, advertiu: “Não pode ser cada um por si”.
Desvalorizações
competitivas
O que foi decidido e o que fica
para depois? Sancionando acordos
firmados pelos ministros de Finanças
e presidentes de bancos centrais 15
dias antes na mesma Coreia, os presidentes firmaram o Plano de Ação de
Seul. Comprometeram-se: a empreender políticas macroeconômicas, incluindo ajustes fiscais, que busquem o
crescimento sustentável e a estabilidade dos mercados financeiros, movendo-se, em particular, rumo a taxas de
câmbio “mais determinadas pelo mercado”; “abster-se de desvalorizações
competitivas” (eufemismo que tem
China e Estados Unidos como alvo);
manter “vigilância”, nos países ricos,
contra “o excesso de volatilidade e
movimentos desordenados das taxas
de câmbio” (que estimulam perigosos
fluxos de capital especulativo para os
emergentes); admitir algum tipo de
controle de capitais temporário, enJAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 33
tendências globais
fim. Mas foi rechaçada por muitos,
chineses e alemães à frente. Superavitários, donos de poderosa máquina
exportadora (apesar do euro valorizado), os alemães se recusam a intervir nos mercados dessa forma. E,
respondendo às constantes pressões
por aumento de consumo, dizem
sempre: é natural que países que estão envelhecendo poupem mais.
Basileia 3
Deflação é muito pior que
inflação baixa e pode gerar estagnação
econômica
Ben Bernanke, do FED
tre os emergentes (medidas “macroprudenciais”); implantar reformas
estruturais que estimulem a demanda
global e criem empregos.
São compromissos importantes,
conquanto vagos. Mas não poderia
ser diferente, dada a complexidade dos interesses em jogo. Assim,
números, metas, bandas largas ou
estreitas – as decisões mais difíceis
– ganharam mais tempo para amadurecer. Ministros e funcionários dos
países do G-20 vão desenvolver, com
apoio técnico do FMI, indicadores e
parâmetros técnicos que vão servir
de referências para definir a proporção dos desequilíbrios, o que é, para
esses fins, moeda valorizada, subva34 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
lorizada, desvalorizada ou até onde
são aceitáveis déficits ou superávits
em conta corrente. Isto ocorrerá, até
junho de 2011, no âmbito do MAP,
sigla em inglês para o Processo de
Avaliação Mútua criado pelo G-20.
Por isso mesmo, o documento desconheceu a proposta de Timothy
Geithner, secretário do Tesouro norte-americano, de estabelecer o teto
de 4% para os déficits ou superávits
em conta corrente. A proposta teve
o mérito de abrir a discussão para
além do câmbio, pois a competitividade de uma economia não depende
só da moeda, mas de suas condições
de infraestrutura, carga tributária,
legislação, tecnologia, custo país, en-
Além desses temas ligados diretamente aos desequilíbrios econômicos e cambiais, o G-20 ratificou
duas decisões que expressam avanços
concretos. Uma delas diz respeito ao
FMI e foi acordada na assembleia de
outubro do Fundo: a reforma do sistema de cotas, há muito em discussão,
“uma reestruturação histórica”, na
frase de Strauss-Kahn. Os emergentes ganharam poder e os quatro Brics
passaram a figurar no ranking dos dez
maiores, ao lado de seis países ricos;
o Brasil ficou com o décimo posto.
Outra se refere à reforma do sistema
financeiro global, parcialmente aprovada em reunião na sede do Banco de
Compensações Internacionais (BIS),
na Suíça, em 12 de setembro, da qual
tomaram parte presidentes de bancos
centrais. Recebeu nome e sobrenome: acordo de Basileia 3.
Para tentar blindar os bancos –
algozes da crise de 2008 – contra a
emergência de novas crises, foram
aprovadas novas exigências de capitalização e supervisão. O capital mínimo dos bancos, de primeira qualidade
(acionário), passa a ser de 7% em relação aos ativos ponderados pelo risco,
mais que dobrando em relação à situação atual. Esses 7% correspondem ao
de 4,5% mais 2,5% como um colchão
de liquidez. A isso se acrescenta obrigatoriamente 1,5% de capital composto por ativos (Tier 1) “de qualidade
levemente inferior às ações próprias”.
Opcionalmente, criou-se outro
colchão, anticíclico, que pode ir até
2,5% de acréscimo no capital – dependendo de cada banco, essa é uma
reserva que deve ser feita nos tempos
de vacas gordas para prevenir sustos
nas épocas de vagas magras. Um ponto
ficou em aberto: o que fazer precisamente com os bancos cuja quebra afeta
todo o sistema (os too big to fail); mas,
tal como na questão das metas cambiais, esse é um tema muito delicado
e vai exigir muitas outras rodadas de
negociação. Outro ponto ganhou críticas: o custo dos bancos pode aumentar,
mas estes terão um prazo longuíssimo
para se ajustar – de 2013 a 2019.
Dilúvio americano
Como se vê, avanços foram palpáveis na reunião do G-20. Podia ter
sido pior, diriam os realistas. No dia
seguinte à eleição – uma derrota para
o presidente Barack Obama – e uma
semana antes da cúpula de Seul, os
norte-americanos decidiram inundar os mercados com a compra de
até US$600 bilhões em títulos (sua
a terceira incursão nessa área desde a
crise). O objetivo é nobre – recuperar a economia e os investimentos –,
mas fez o mundo emergente temer, a
começar pelo Brasil, assustado com
a perspectiva de mais um dilúvio de
capital especulativo.
Falando só para o público interno, Ben Bernanke, o presidente do
Federal Reserve (Fed), escreveu um
artigo para justificar a decisão. Refutou os críticos que brandiram a ameaça de inflação. Na verdade, ao contrário de nove entre dez presidentes
de bancos centrais, defendeu até um
pouco de inflação. “Nos casos mais
extremos, uma inflação muito baixa
pode se transformar em deflação, o
que pode contribuir para longos períodos de estagnação”, ressaltando
o duplo mandato do Fed: manter a
inflação em níveis aceitáveis (como a
atual, em torno de 2%) e promover
o aumento do emprego. Em entrevis-
Reestruturação histórica do Fundo
dá mais poder aos emergentes
Dominique Strauss-Kahn, do FMI
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 35
tendências globais
tas posteriores, Bernanke lembrou-se
de comentar os impactos externos da
decisão. “A recuperação da economia
norte-americana é fundamental para
os outros países” – ninguém tem dúvida disso. O presidente Obama, então, reforçou: “O que é bom para os
Estados Unidos é bom para o mundo.” (Parafraseando o general Juracy
Magalhães, que ao assumir a embaixada em Washington, em 1964, declarou: “o que é bom para os Estados
Unidos é bom para o Brasil”.)
Poupadores versus
pródigos
O “afrouxamento monetário” norte-americano (“quantitative easing”, na
linguagem deles) revela a persistência
dos impasses, para além dos avanços
comedidos do G-20. “Estão jogando
dinheiro por avião”, criticou o ministro
Mantega, no que seria uma referência
a antiga proposta de Bernanke de combater a deflação jogando dinheiro de
helicóptero (de onde surgiu, dizem, o
apelido Helicopter Ben). “O Brasil não
pode assumir prejuízos para ajudar os
Estados Unidos”, reforçou Henrique
Meirelles, presidente do Banco Central. Mais grave é a permanência de
36 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
Há tensão, não guerra cambial
Robert Zoelick, do Banco Mundial
fatores estruturais que põem em conflito poupadores versus gastadores do
mundo. Os norte-americanos, tradicionais gastadores, jogam o dólar para
baixo para exportar mais e consumir
menos – “as fundações de uma recuperação não vão se materializar se as
famílias pararem de economizar e voltarem a gastar endividando-se”, já disse
o presidente Obama.
Os norte-americanos querem
que a China, tradicional poupadora,
valorize o yuan e aumente salários
para consumir mais (o que já vem
acontecendo, mas não no ritmo desejado pelos ocidentais). A mesma
pretensão se dirige a sociedades ricas e disciplinadas como Alemanha
e Japão. A China responde que se
voltará para o mercado interno a seu
tempo e segundo seu planejamento.
Ao mesmo tempo, outras economias
europeias vão sendo acossadas pelo
contágio. Reino Unido (com duros
cortes), França (enfrentando greves
e tumultos), Espanha, Itália promo-
vem ajustes fiscais, sobretudo no
campo da aposentadoria e do serviço
público. Depois da Grécia, chegou
a vez de Irlanda e Portugal, os mais
vulneráveis desse grupo: estão sendo
pressionados a pedir socorro à União
Europeia e é muito provável que tenham de fazê-lo.
Tentações e ajustes
fiscais
Como nada disso tem solução
no curto prazo, persiste um estado
de beligerância. É grande a tentação por saídas individuais, enquanto os discursos de solidariedade se
reproduzem. Tailândia, Indonésia,
Taiwan, Coreia já decidiram, em
graus variados, impor controles ao
ingresso de capitais, seja por meio
de impostos ou até de quarentenas. O Brasil também elevou o IOF
por duas vezes nos últimos meses,
localizando-o nas aplicações em
renda fixa mas começando a avançar nos mercados futuros. Além
disso, mantém a compra de dólares para aumentar as reservas (que
são estratégicas, mas que podem
estar já passando do ponto) – para
não falar de medidas antidumping,
contra importações descontroladas,
crescentemente reclamadas pelos
industriais. Esses freios, paliativos,
podem ajudar a mitigar a valorização do real e até ganhar intensidade.
Reforça-se a ideia, porém, de que,
para o médio e longo prazos, no
caso brasileiro, serão necessárias decisões de outra natureza.
Há entre economistas um consenso de que o nome do jogo é ajuste
fiscal, principalmente no primeiro
ano de um novo governo, quando seu
capital político está intacto. Ele teria
o condão de, ajudando a política monetária, reduzir o juro real, diminuir o
apetite do capital especulativo (e assim desvalorizar um pouco a moeda),
impor alguma moderação à economia
(que continuaria a crescer em torno
de 4% a 4,5%, mas em bases mais
sustentáveis) e, consequentemente,
enfrentar o déficit externo (em conta
corrente). Membros do gabinete de
transição asseguram que o ajuste fiscal virá e de vez em quando alguém
solta a meta de improváveis juros reais de 2%, num aparente choque com
idéias como a do reajuste dos valores
do Bolsa Família e a redução de tributos, como os que incidem sobre a
folha de pagamento das empresas. A
presidente Dilma Roussef evidentemente mergulha no tema – sem detalhes à época da cúpula do G-20. Mas
com uma certeza, além da defesa do
câmbio flutuante. “Ter a moeda mais
valorizada do mundo não é bom para
o Brasil”, disse Dilma em Seul. “Vamos olhar cuidadosamente e tomar
todas as medidas possíveis”.
Lula e Obama:
Sorrisos guardados, tensão cambial
Ter a moeda mais valorizada do
mundo não é bom para o Brasil
Dilma Roussef, presidente eleita
*JOSÉ ROBERTO NASSAR É JORNALISTA
ECONÔMICO.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 37
mercado de capitais
A SAGA FANTÁSTICA
DE UM EMPRESÁRIO
PIONEIRO
Nos arquivos da Universidade Yale, nos
Estados Unidos, está a história completa
de Percival Farquhar, um empresário dos
primeiros tempos do capitalismo brasileiro, certamente só comparável a Irineu
Evangelista de Souza, o Barão de Mauá
POR PAULO TREVISANI*
38 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
folhapress
U
m grande empreendedor
norte-americano da virada
do século 19 para o 20, um
gênio que se aventurou pelos quatro
cantos do Brasil e fez história. Seu
nome: Percival Farquhar, que investiu
e mobilizou recursos em projetos nas
áreas de mineração, siderurgia, energia, transporte, ferrovias, madeira,
cafeicultura, pecuária. Cruzando fronteiras e dotado de visão estratégica, sacudiu os primeiros tempos do capitalismo brasileiro, desempenhando papel semelhante ao de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Capaz
de negociar com Theodore Roosevelt,
Lênin ou, aqui entre nós, com o presidente Epitácio Pessoa, atraiu investidores do mundo inteiro para financiar
suas ideias mirabolantes. Criou os
embriões do que viriam a ser a Vale
do Rio Doce, a Acesita, as ferrovias
da Light ou a (trágica) MadeiraMamoré, lançando as bases do que
viriam a ser sonoros êxitos e grandes
malogros. Deixou legiões de admiradores e críticos, dentre os quais,
nesse caso, o presidente Getúlio Vargas e os nacionalistas que na época
combatiam o capital estrangeiro. Sua
vida romanesca tem documentação
completa, arquivada na Universidade
Yale, nos Estados Unidos.
O Brasil entrou no mundo de
Percival Farquhar há mais de um século, pelas atividades de seu pai, Arthur, cuja indústria no estado norteamericano de Pensilvânia exportava
máquinas agrícolas para a potência
cafeeira do sul. O jovem engenheiro
Percival, formado em Yale, no frio
nordeste dos Estados Unidos, participou de empreendimentos elétricos
e ferroviários pioneiros em Cuba e
na Guatemala logo depois da guerra
hispano-americana de 1898. Nesses
países, negociou financiamento estrangeiro para a criação da International Railways of Central America.
Usando as conexões comerciais
do pai, Percival embarcou para o Rio
em 1906, segundo ele próprio conta
num relato autobiográfico, depois de
ter adquirido a concessão da Rio de Janeiro Tramway Light & Power Ltda.,
estabelecida em Toronto. Em seguida,
na medida em que a cultura do café
ganhava, literalmente, terreno em São
Paulo, adquiriu a São Paulo Tramway
Light & Power e tratou de expandir as
estradas de ferro pelo interior cada vez
mais tomado pelos cafezais.
A partir daí, visionário e audacioso, Farquhar passaria o resto da
vida engendrando financiamento estrangeiro para empreitadas de infraestrutura no Brasil, movimentando
montanhas de dinheiro com ações
e debêntures, negociando com governos, quebrando e reerguendo-se
logo depois. Entre 1905 e 1918, foi
o maior investidor privado do Brasil.
Nos 88 anos de vida, Farquhar
deixou legiões de críticos e admiradores, capazes de dar opiniões
diametralmente opostas sobre os
mesmos empreendimentos que ele
liderou – tais como a ferrovia Madeira-Mamoré, a expansão da indústria
siderúrgica brasileira, com a exploração de ferro em Itabira, e a conexão
ferroviária ao porto de Vitória pelo
Vale do Rio Doce, as estradas de ferro de vários Estados e outras tantas.
Num certo sentido, Farquhar foi um
dos pais da Vale – a segunda maior
empresa brasileira, privatizada em
1997 – e da Acesita.
Em certas ocasiões, Farquhar se
irritou com financistas norte-americanos que relutavam em investir na
América do Sul. Dispondo de farta
experiência em Wall Street, esse filho de família quacre da Pensilvânia
não se conformava com que outros
capitalistas deixassem de enxergar o
potencial da expansão da lavoura do
café e da indústria no País.
Ao lado de tantas cartadas arrojadas, muitas de suas visões se revelaram catastróficas. Apostas no ciclo
da borracha foram por água abaixo
quando os seringais asiáticos suplantaram os da Amazônia, onde Farquhar tinha empreendimentos como
o Port-of-Pará e a ferrovia MadeiraMamoré, dois projetos cujo êxito dependia da exportação da borracha. A
expertise financeira frequentemente
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 39
negras do rio/rugendas
AS DIFICULDADES
DESDE SEMPRE
superava a do administrador, e aquisições em cascata levaram suas empreitadas à falência em meio a polêmicas
nacionais. Os tropeços financeiros,
associados à onda de nacionalismo
que demonizou o capital estrangeiro
– e, muitas vezes, os próprios estrangeiros – a partir dos anos 1940, acabaram por manchar a imagem desse
pioneiro do capitalismo brasileiro.
Sem dúvida, um desfecho no mínimo inusitado para um membro da
comunidade quacre.
ÉTICA, HONESTIDADE E
TRABALHO DURO
Os quacres são grupos cristãos
protestantes com características diferentes em vários países. Farquhar
nasceu num desses grupos, em 1864,
na pequena York, cerca de 250km a
sudoeste de Nova York. Os “quakers”,
como se diz em inglês (a pronúncia
é “quêiquer”) da Pensilvânia são conhecidos pelo modelo de vida simples e comunitário, em que vizinhos
ajudam a construir casas e igrejas,
homens e mulheres se vestem com
simplicidade – os luxos da civilização
40 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
moderna são considerados supérfluos e, portanto, descartados. Ética, honestidade e trabalho duro são tidos
em altíssima consideração.
Não faltará quem aponte Farquhar como ovelha negra. Mas seu
legado, ainda que controverso, é inegável – e ainda tangível nos trilhos de
ferro que só foram deitados graças ao
financiamento que ele extraiu de capitalistas internacionais e de seu espírito expansionista; ou na Vale, que
nasceu da nacionalização de sua conturbada empreitada mineral no interior de Minas. Também está presente,
de maneira menos tangível, no espírito empreendedor de que Farquhar
foi intérprete de norte a sul do País,
ao mesmo tempo em que semeava o
interesse do capital estrangeiro pelo
potencial econômico brasileiro.
Documentos sobre suas atividades estão arquivados em 19 caixas e
dezenas de pastas na biblioteca de
Yale na coleção conhecida como Farquhar Papers, incluindo as Notas Autobiográficas, em que faz, em terceira
pessoa, um relato razoavelmente pormenorizado de sua vida.
Nas notas, ele diz que enfrentou dificuldades no Brasil desde
o início. Em 1906, o País era uma
república recém-nascida, com uma
economia que engatinhava. A cultura da cana-de-açúcar no Nordeste,
que propiciou riqueza num período
de escravismo, tinha, havia algumas
décadas, sido suplantada pela do
café, que trouxe, primeiro, escravos
e, depois, imigrantes para o Rio de
Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.
O café substituiu a cana-de-açúcar
na pauta de exportações, com grandes vantagens. A indústria têxtil, por
exemplo, floresceu fabricando sacas
para a produção cafeeira. As trilhas de
mulas, que até meados dos anos 1850
tinham dado conta de transportar a
produção agrícola para os portos, já
não venciam o grande volume demandado pela insaciável sede europeia
pelo café. E linhas de ferro chegavam
para resolver o problema, estendendose para aonde iam os cafezais.
Produção de café é uma atividade
que exige de quatro a seis anos para
assegurar o retorno do investimento
inicial. Os bancos – acostumados,
por séculos, a emprestar dinheiro só
para parentes dos sócios (e geralmente por curto prazo) – passaram a atender a uma demanda crescente por financiamento de prazo mais longo.
Empresas cafeeiras, tecelagens,
transportadoras e outras vieram
acompanhadas de bancos mais ativos e de um mercado secundário
para ações e títulos de dívida. A
Bolsa de São Paulo surgiu, em 1890,
para organizar a cada vez mais intensa negociação desses papéis.
A indústria financeira local, apesar de ebuliente, não dava conta das
necessidades de capital de Farquhar.
Poliglota e cosmopolita, sua natureza inquieta o levou a fazer uma
folhapress
ainda estava na Europa arrebanhando investidores para sua empreitada
brasileira, foi informado de que o
governo havia proibido sua empresa
de operar por falta de fundos. O empresário embarcou para o Brasil – foi
uma viagem de meses pelo mar – e
explicou às autoridades que o capital
real era bem maior que o nominal. A
concessão foi então reativada.
arquivo BM&FBOVESPA
espécie de road show por Londres
e Bruxelas angariando investidores
para seu projeto de transporte e iluminação nos trópicos.
Farquhar comprou a belga Société
Anonyme du Gas de Rio, que passou
a ser controlada pela Light. Relata que
incorporou, no Canadá, a Rio de Janeiro Tramway, com capital nominal
de US$100.000. Os sócios europeus
puseram US$25 milhões em capital
social e os bancos entraram com um
empréstimo de outros US$25 milhões.
Os registros apontados no site da
companhia mostram que a Light começou a existir em 1899, com a construção da Hidrelétrica Parnaíba, no Rio
Tietê, foi incorporada em Toronto em
1904 e recebeu permissão para operar
no Rio de Janeiro a partir de 1905. O
relato é consistente com as memórias
de Farquhar, mas o empresário não é
citado pela Light em seu site.
Porém, Farquhar conta que, para
o governo brasileiro, só chegou a informação de que o capital da empresa
era de US$100.000 – um montante
obviamente insuficiente para os objetivos da concessão. Quando ele
A Bolsa de São Paulo surgiu, em 1890, para organizar a cada vez mais intensa negociação
desses papéis.
Estabilizada a situação no Brasil,
um abalo no Hemisfério Norte dificultou as coisas para Farquhar. Em
1907, apenas um ano após sua chegada aos trópicos, houve pânico na bolsa
de Nova York – e falta generalizada de
liquidez. Os investidores torceram o
nariz para investimentos mais arriscados, como o de Farquhar. Resultado:
a cotação dos títulos da dívida da Rio
de Janeiro Tramway caiu entre 60%
e 70%, escreveu o empresário. Com
isso, ficava mais caro levantar capital.
O DESAFIO DA BITOLA
Farquhar reagiu fundindo as operações do Rio e de São Paulo, decisão
da qual resultou a Brazil Railway Co.
Ltd. Sua visão não deixava dúvidas:
era preciso unir os sistemas ferroviários de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Farquhar foi
dono da Sorocabana, da Mogiana e
muitas outras ferrovias, inclusive uma
que ligava São Paulo ao Rio Grande
do Sul. Aonde ia o café, seus trilhos
iam atrás – ou vice-versa. Maurício
Nabuco, então embaixador do Brasil
nos Estados Unidos, disse ao biógrafo
Charles Gauld, numa carta de maio
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 41
mercado de capitais
fotos: divulgação
de 1951, que Farquhar teve “a visão
de unificar as bitolas ferroviárias” do
Brasil. Na primeira metade do século
passado, já se sabia o que até hoje não
foi feito – oferecer bitolas iguais para
o transporte ferroviário.
Mas as visões de Farquhar, provavelmente corretas, podem ter sido
minadas pela própria ambição.
O banqueiro de investimento
e diplomata W. Cameron Forbes
escreveu, em novembro de 1950,
numa carta a Gauld, autor da única
biografia de Farquhar já publicada
(The Last Titan: Percival Farquhar,
American Entrepreneur in Latin
America, da editora da Universidade
de Stanford): “O império da Brazil
Railway foi por água abaixo nem
tanto por causa de alguma falha essencial nas ideias de F., mas porque
o gênio dele para aquisições obscureceu sua percepção da necessidade
de fundos para operações, conservação e capital de giro”.
Forbes, que entre 1914 e 1919 foi
o sole receiver – ou seja, o liquidante
– do empreendimento ferroviário de
Farquhar, disse que o empresário ignorou seus insistentes alertas de que
o capital obtido com as operações e
os novos empréstimos precisavam ser
utilizados também para reinvestimento, em vez de ser aplicado somente em
42 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
novas aquisições. O resultado, segundo o banqueiro, foram “38 falências”,
ao longo da vida, que esmigalharam
o crédito de Farquhar e “irritaram os
franceses” que tanto haviam apostado
em suas empreitadas. Forbes deixou
claro ao biógrafo, contudo, sempre ter
achado que Farquhar perseguia suas
visões empreendedoras com a melhor das intenções.
Apesar disso, muitos desses tropeços foram vistos como pura fraude.
Nos arquivos de Yale, um libreto reúne artigos do Diário de Notícias do Rio
de Janeiro e traz na capa um título que
já diz tudo: “A maior escroqueria do
século – Os casos da São Paulo-Rio
Grande, da Port-of-Pará e outras relacionadas com a Brazil Railway”. Essa
noção permeia até hoje a visão que
muitos ainda têm de Farquhar, retratado como um empresário de poucos
escrúpulos numa recente série de televisão sobre a Madeira-Mamoré. (Os
aspectos mais controvertidos da presença de Farquhar no Brasil e dos seus
investimentos mirabolantes na Madeira-Mamoré foram apresentados,
há cinco anos na Globo, na minissérie
Mad Maria, com Tony Ramos, no papel de Farquhar, e Ana Paula Arósio).
ALÉM DO CAFÉ
Se ferrovias e eletricidade foram
as iscas que atraíram Farquhar para o
Brasil, sua ambição o levou a abocanhar outros peixes.
Farquhar não custou, por exemplo,
a perceber o potencial das florestas de
araucária do Paraná, especialmente se
associado às linhas de ferro para transporte, e fez da madeira paranaense um
insumo básico da construção civil na
Argentina. Numa edição de agosto de
1910 do jornal The New York Times,
foi escrito um festivo artigo sobre Farquhar e seu sócio nos empreendimentos ferroviários do Rio e São Paulo
– Fred Stark Pearson, um engenheiro
elétrico e empresário com reputação
de técnico conhecedor do ofício e, não
pouco importante para Farquhar, com
laços comerciais no Canadá.
O texto diz que a madeireira Southern Brazil Lumber foi organizada
por Farquhar em 1908 e incorporada
no Estado de Maine (EUA), alegando
ter direitos de extração de madeira sobre uma área de “3 [bilhões] de pés”
quadrados, ou quase 23.000 hectares.
Entre as aquisições maciças a que
Forbes se referia também estavam
grandes extensões de terra, num to-
tal, segundo o próprio Farquhar, de 2
milhões de acres (809.371 hectares)
nos estados de Mato Grosso, Paraná
e Minas Gerais. Do seu obituário,
publicado no New York Times, consta
que as propriedades de Farquhar no
Brasil chegaram a mais que o dobro
disso: quase 2 milhões de hectares,
formando “a maior rede de fazendas
de gado do mundo”. Naturalmente,
o empreendedor tratou de criar uma
processadora de carnes perto da cidade de Osasco, em São Paulo, que
ele apenas menciona superficialmente em sua autobiografia, mas que foi
uma pioneira no ramo no País.
A FERROVIA
MADEIRA-MAMORÉ
folhapress
Não foi só no próspero Sudeste
que Farquhar vislumbrou grandes
empreitadas. Em 1903, um pouco
antes de Farquhar chegar ao Brasil,
o governo brasileiro havia assinado
o Tratado de Petrópolis, adquirindo
da Bolívia o revoltoso Acre em troca
de terras do Mato Grosso, mediante
o pagamento de 2 milhões de libras
esterlinas e o compromisso de construir uma ferrovia ao longo do Rio
Madeira, o que daria à Bolívia um
acesso ao Rio Amazonas – e dali ao
mar e ao mercado exportador.
Malograram, segundo a autobiografia de Farquhar, várias expedições organizadas pelo governo na
Amazônia, para estudar como fazer
a ferrovia “em torno das cataratas do
Madeira”. Muitos morreram, diz ele,
nesse esforço preliminar. Os riscos
presentes na floresta não eram poucos. Entre eles estavam a malária, os
índios arredios, as onças e as cobras
ou mesmo os galhos de altas castanheiras que nem escolhem a hora de
cair, nem sobre a cabeça de quem.
Farquhar foi lá, traçou o projeto,
obteve a concessão e construiu a ferrovia entre 1908 e 1918. Mas a ferrovia não chegou a operar.
Pouco antes do término da empreitada, o ciclo da borracha – que
derrubou até gente do porte de Henry Ford – começava a entrar para os
livros de história como uma grande
oportunidade perdida pelo Brasil, e
a Bolívia tinha achado outros caminhos para o mar.
A empreitada no coração da selva
até hoje tem uma história mal contada e insuficientemente documentada.
Há quem diga que nada menos do
que 30 mil pessoas morreram em sua
construção, e ela entrou no currículo
de Farquhar com o sinistro apelido de
Ferrovia da Morte. Era um dos pilares
da estratégia de Farquhar para a borracha. Em 1906, diz ele, encontrou-se
em Londres com um representante da
S. Pearsons and Sons Ltd. – antecessora da Pearson PLC., a dona do Financial Times, na época uma empresa de
construção e engenharia – e observou
que da Amazônia brasileira saía “90%
da borracha do mundo”.
O PORTO DO PARÁ
Antes mesmo da MadeiraMamoré, a primeira iniciativa de
Farquhar na busca de lucros com a
borracha foi a empreitada de Portof-Pará, o porto de onde a produção
dos seringais transportada pelo Rio
Amazonas ganharia o mar. Tudo estava sob o guarda-chuva da Brazil
Rayway, de acordo com Farquhar, e
acabou em falência, com uma dívida
total de US$118 milhões, segundo
relatos da época.
Não é demais observar que, naqueles tempos, a única forma de transporte de longa distância era por navio
e as ferrovias só recentemente haviam
ganhado a competição contra o jumento. E que Farquhar tinha um perfil
hiperativo, atuando simultaneamente
em várias frentes. Esteve nos quatro
cantos do Brasil para projetar seus
empreendimentos, e ainda arrumou
energia para negociar com investidores locais e internacionais – ele chegou
a viajar até a Rússia atrás de financiamento, antes e depois da revolução soviética, onde se reuniu com Lênin. Lá
também iniciou um empreendimento,
aparentemente em mineração – conhecido pela intensa correspondência
com todas as partes, para instruções
operacionais ou negociação com investidores por carta ou telegrama, ao
lado do constante assédio de credores.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 43
mercado de capitais
COM A FAMÍLIA
Seu contato com a família também se preservou. Manteve contínua
correspondência com a esposa, Cathya – que era filha de um general romeno – e com os filhos George, Donald e Gordon e com o irmão, Francis.
Nas cartas, escritas a mão ou à máquina, tratava de assuntos familiares, mas
também de negócios, envolvendo todos a sua volta nos empreendimentos
de além-mar. Naturalmente, a maioria
da correspondência de Farquhar é em
inglês, mas ele também escrevia em
português, francês e espanhol, conforme o destinatário.
O que aprendeu em Yale e Colúmbia – as respeitadas universidades onde estudou, respectivamente,
Engenharia e Direito – Farquhar
aplicou na vida profissional. Ele próprio conduzia estudos e fazia projetos para suas empresas, embora
também se cercasse de bons profissionais, como Fred Pearson.
COM ROOSEVELT
Além de tudo isso, tinha vida
social intensa. Em 1913, Farquhar
recebeu, num almoço no Jockey
Club do Rio, o ex-presidente norteamericano Theodore Roosevelt e seu
filho Kermit, que dali embarcariam
numa expedição pelo Rio da Dúvida,
hoje Rio Roosevelt ou Rio Teodoro,
um afluente do Madeira descoberto
pelo Marechal Cândido Rondon. A
expedição Rondon-Roosevelt em
muito espelha a própria aventura de
Farquhar na Amazônia: duas pessoas
morreram, o próprio Roosevelt quase se tornou o cadáver de maior reputação internacional da selva brasileira, mas o grupo conseguiu pôr um rio
no mapa, um feito por enquanto tão
perene – ainda que sem utilidade prática – quanto o fruto da empreitada
de Farquhar, até hoje contornando as
cataratas do Madeira.
44 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
É difícil saber se o investidor
contumaz teria conseguido formar
seu império se tudo corresse bem e
pelo menos o café continuasse em
expansão. Até 1913, as peças de seu
conglomerado envolviam a produção
e industrialização de matéria-prima
e transporte para portos de exportação. Seu talento de vendedor ainda
seduzia investidores por toda parte,
mas era cada vez maior o número
de credores decepcionados. Desde
1911, ele também investia na produção de ferro em Minas Gerais, então
uma titubeante empreitada inglesa.
Nem tudo correu bem. Em junho
de 1914, o tiro que matou o arquiduque Ferdinando da Áustria deu início
a primeira Grande Guerra. A Europa,
aquela eterna fonte de capital para
Farquhar e de consumidores para os
cafeicultores brasileiros, ficou mais
ocupada com a própria destruição e
o comércio internacional foi à breca.
Houve quem chamasse a primeira guerra tecnológica da história
de um furacão de aço, a liga metálica
que assustou o mundo sob a forma de
tanques, metralhadoras ou o revestimento dos coturnos. Mas esse aço tinha de vir de algum lugar – e Farquhar
voltou os olhos para Itabira. A cidade
da nostalgia de Carlos Drummond de
Andrade atiçou os sentidos do empresário – seu poema chamou-se Itabira
Iron Ore Company Limited.
COM EPITÁCIO PESSOA
Em suas memórias, Farquhar
conta que estava em Nova York em
1919 – seus projetos iniciais no Brasil
quebraram ou foram nacionalizados
com os revezes da guerra – quando
por lá passou Epitácio Pessoa, a caminho do Rio para assumir a Presidência, no lugar do presidente eleito
em 1918, Rodrigues Alves, que estava doente. Os dois se encontraram,
relata Farquhar, num evento em homenagem ao brasileiro. Pessoa teria
abordado Farquhar e solicitado que
ele “voltasse a se interessar pelo Brasil”. O norte-americano disse que o
faria se tivesse apoio do governo.
Pessoa garantiu o apoio – e
Farquhar iniciou seu grande projeto em Itabira. Ele e seus associados
(muitas vezes ele só exercia o papel
de mobilizador de capitais) conceberam uma enorme ampliação da
mineração de ferro na região, ligada
por estrada de ferro a Vitória, no Espírito Santo, onde construiriam um
porto para exportações.
Mas, desde o nascedouro da empreitada mineira, Farquhar se viu às
voltas com um governo – e uma sociedade – com crescente aversão ao capital estrangeiro. Certamente, não tinha
como prever o que estava por vir.
Em 1920, a concessão foi autorizada, como Pessoa prometera. Entretanto, foi preciso enfrentar a resistência nacionalista, avessa à presença de
capital estrangeiro na exploração de
matérias-primas. A aprovação final do
Congresso veio em 1928. Dois anos
depois, chegou ao poder Getúlio Vargas – e o projeto de Farquhar estava
atrasado em relação ao cronograma
inicial, possivelmente devido à nova
crise global de liquidez após o craque
da Bolsa de Nova York, em 1929.
Farquhar pediu uma extensão de
prazo, alegando force majeure (força
maior), segundo sua própria descri-
fotos: divulgação
ção, por causa da precária situação
econômica do País e do mundo. A
Grande Depressão estava engatinhando, mas ninguém podia prever quão
ruim a economia mundial ficaria nos
anos que antecederam a Segunda
Guerra – e Vargas recusou o pedido.
Só não poria fim à empreitada se Farquhar aceitasse pagar a multa de 50
contos de réis por mês por 12 meses.
O empresário diz que aceitou
“sob protesto”. No ano seguinte
(1931), o mesmo governo pediu moratória da dívida soberana alegando,
ironicamente, force majeure.
Mas a sorte já estava lançada. O
nacionalismo era um fenômeno presente em muitos países empobrecidos pela crise mundial. O Brasil estava no mesmo barco da Alemanha,
da Itália e de outras nações. “Capital
estrangeiro” era quase sinônimo de
palavrão. Em muitos casos, ter um
sócio nascido no exterior já era pecado – ou até proibido, se o tal sócio
morasse no Brasil e tivesse, portanto,
capital brasileiro. Não era clima para
um empreendedor como Farquhar,
cujo grande trunfo era, exatamente,
a habilidade de cruzar fronteiras para
amealhar capital para empreendimentos nacionais. O cheiro de estatização cobria Itabira.
NA ORIGEM DA VALE
E DA ACESITA
A história oficial da Vale define
1942 como o ano de seu nascimento, fruto da caneta de Vargas. Mas ela
nasceu da estatização da Itabira Iron
Ore Company, que Farquhar criou
sobre a então atrofiada empreitada
inglesa. Seu ambicioso projeto incluía exportar minério de ferro com
os mesmos navios que trariam carvão
siderúrgico escasso no Brasil, numa
estratégia de redução de custo.
Mas o Brasil estava embarcando
numa nova era, de expansão do Estado e aversão ao capital estrangeiro. Os
ventos sopravam contra o empreendedorismo de Farquhar. Ele não se deu
por vencido. Associado a Amyntas
Jacques de Moraes e Athos de Lemos
Rache, criou em 1944 a Cia. Aços Especiais Itabira, mais conhecida como
Acesita – hoje ArcelorMittal Inox Brasil S.A. Esse empreendimento teve
a participação do Banco do Brasil e
também foi estatizado pelo getulismo.
Para se ter uma ideia da hiperatividade de Farquhar, nos arquivos de
Yale há um estudo que ele fez para
seus colegas da Acesita sobre a enxada. O empresário vindo da zona rural da Pensilvânia argumentava que a
cultura e a topografia do Brasil faziam
da enxada o instrumento mais apto
para lidar com a terra no País. Em
várias páginas datilografadas, com
estatísticas e tabelas numa ordem típica da mente de um engenheiro, Farquhar defende a produção de lâminas
para enxadas pela Acesita, pois acreditava que teriam mercado garantido.
Na descrição do biógrafo Gauld,
Farquhar foi o último titã da iniciativa
privada, de uma estirpe que era forte
na virada do século 20 e que tinha,
na personalidade do empreendedor,
a grande turbina produtiva. Em sua
obsessão por alavancagem, um traço
com potencial suicida de sua personalidade empresarial, Farquhar costurou a demanda de infraestrutura no
Brasil com a abundância de capital
na Europa – e, de quebra, mostrou a
seus conterrâneos que a América do
Sul tinha grande potencial.
Nos arquivos de Yale, uma foto
datada de 1950 mostra-o em seu escritório no Rio, usando um aparelho
de audição. Em uma de suas anotações, Gauld cita um amigo de Farquhar dizendo-se impressionado que,
aos 73 anos, o empresário ainda dava
seus mergulhos em Copacabana.
Farquhar morreu em 4 de agosto
de 1953, em Nova York, “depois de
uma longa doença”, segundo o New
York Times. O jornal lembra que ele
era advogado registrado no estado
e havia cumprido dois mandatos
como deputado estadual. Lembra
também que ele recebeu a maior
honraria do governo brasileiro para
estrangeiros, a Ordem Nacional do
Cruzeiro do Sul.
* PAULO TREVISANI É JORNALISTA BRASILEIRO
RADICADO EM NOVA YORK.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 45
MAIS FORÇA A MECANISMO
DE ACESSO DAS PEQUENAS
E MÉDIAS EMPRESAS
Com vistas à expansão do número de companhias listadas e de
investidores, a BM&FBOVESPA está tornando ainda mais atrativo
o segmento de acesso de pequenas e médias empresas
POR JORGE WAHL* fotos folhapress e agência luz
N
ão se previa, até o primeiro semestre, que 2010 seria um ano tão bom para o
mercado de capitais, mas as últimas
projeções apontam para captação de
novos recursos mediante oferta de
ações da ordem de R$40 bilhões –
sem contar os recursos da megaoperação de capitalização da Petrobras.
E como ainda há quase uma dezena
de novos lançamentos em análise
na Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), 2011 já é visto como um ano
promissor para abertura de capital.
O mercado de capitais torna-se,
assim, uma das opções preferidas das
empresas brasileiras que buscam recursos de novos sócios para enfrentar
a briga global. E o caminho trilhado por algumas empresas poderá se
transformar em estrada para muitas,
pois a BM&FBOVESPA reserva boas
surpresas para as pequenas e médias
companhias que querem ter acesso
aos mecanismos da Bolsa para alavancar seus negócios.
A alavanca atende pelo nome de
Bovespa Mais – um segmento que
funciona como mercado de acesso,
no qual as empresas podem fazer lançamentos menores e cujo arcabouço
regulatório, concluído em 2006, está
maduro para conquistar uma nova
estatura. O Bovespa Mais é uma das
peças-chave de um conjunto maior
de iniciativas da Bolsa voltado para
aumentar em 50% o número de em-
presas listadas nos diversos segmentos de negócios. “A Bolsa acredita que
o mercado de capitais pode e deve
ser acessado por empresas de todos
os tamanhos e está trabalhando com
muito empenho para popularizar o
acesso a empresas dos mais diversos
portes”, explica o diretor executivo
de Desenvolvimento e Fomento de
Negócios da BM&FBOVESPA, José
Antonio Gragnani.
“O Bovespa Mais tem mesmo
potencial para crescer”, concorda o
presidente da Associação Brasileira
das Companhias Abertas (Abrasca),
Antônio Duarte Carvalho de Castro.
E se trata de um crescimento necessário e oportuno, pois “aumentar o
número de empresas listadas passa
a ser o maior desafio do mercado
brasileiro a partir de agora”, assinala
Castro. Se os mercados da Índia e de
Hong Kong, entre outros, têm cada
qual milhares de empresas listadas
e nas quais é possível investir, acrescenta, não há motivo para que o mesmo não ocorra no Brasil.
A experiência internacional, segundo Francisco Satiro, professor de
mercado de capitais da Escola de Direito de São Paulo da FGV, indica que
é esse o caminho certo. Londres, por
exemplo, dispõe, desde 1995, do Alternative Investment Market (AIM).
Passaram pelo AIM 3.100 empresas
– e nada menos de 1.300 companhias
têm as ações negociadas, atualmente.
No Brasil, as sementes foram lançadas em 2010 e os frutos são esperados a partir de 2011. Gragnani transmite confiança: “O Brasil tem um
número muito grande de empresas,
entre 15 e 20 mil, com faturamento
a partir de R$20 milhões até R$400
milhões, mas pouquíssimas sentem
ter, de fato, acesso ao mercado de
capitais, o que torna o Bovespa Mais
um segmento de listagem com grande potencial de desenvolvimento”.
Empreendedorismo e
prospecção
Para abrir o caminho foram
criadas, na Diretoria de Desenvolvimento de Empresas da Bolsa, três
novas áreas, duas das quais – de empreendedorismo e de prospecção –
destinadas a atrair novas empresas
e uma terceira, de relacionamento
com as companhias abertas já listadas. A primeira está voltada para
os negócios nascentes ou em estágios iniciais de desenvolvimento.
Como a preparação para acessar o
mercado pode ser feita desde os estágios iniciais, as iniciativas da Bolsa
concentram-se em parcerias com o
Instituto Endeavor, com várias incubadoras de empresas, parques tecnológicos e os chamados fundos de
capital (venture capital). A segunda
área prospecta pequenas e médias
empresas que os mais diversos tipos
de orientação.
REVISTA DA NOVA BOLSA 47
telecomunicações
Mercados de acesso a pequenas e
médias empresas têm importância crescente
em diferentes pontos do mundo, como
Londres, Toronto e Hong Kong
Raul Ciarelli, da Latin Finance
Paulo Sérgio Dortas, sócio responsável pela área de IPOs da Ernst
Young Terco, uma das parceiras da
Bolsa nessa iniciativa acredita que
o Bovespa Mais terá oportunidade
maior de atingir seus objetivos se
conseguir reunir “ativos de qualidade
e investidores propensos a abrir mão
de um pouco de liquidez imediata em
favor de um ganho maior no futuro”.
Frederico Soares, chefe da mesa
de operações da HSBC Corretora
(o banco HSBC foi o coordenador
líder da primeira operação de oferta
de ações do Bovespa Mais, o da Nutriplant, empresa do setor de fertilizantes instalada em Paulínia, Estado
de São Paulo) – explica que boa parte
dos papéis chegou a ser colocada junto a investidores muito qualificados,
como os fundos de pensão. Estes se
interessaram porque têm um perfil
de aplicações de prazo longo, compatível com as obrigações previdenciárias assumidas com os participantes, ou seja, os futuros aposentados.
48 REVISTA DA NOVA BOLSA
As obrigações vencerão, em média,
dentro de várias décadas, o que lhes
permite esperar pelo crescimento das
empresas com bom potencial.
Como previam as regras do Bovespa Mais, as ações são negociadas
no sistema eletrônico Mega Bolsa
por meio de leilões previamente programados. Houve, é verdade, alguma
certa frustração de expectativas dada
a baixa liquidez dos papéis, segundo Soares. O segmento, explica o
especialista, não pode prescindir do
acompanhamento cuidadoso de cada
lançamento, além do uso de instrumentos derivativos que ajudem a garantir alguma liquidez.
Um bom momento
É uma boa hora para fortalecer o
Bovespa Mais, observa Ricardo Martins, gerente da área de pesquisa da
Planner Corretora, pois “a liquidez
internacional deve ajudar”. E o êxito
será maior com o acréscimo de alguns ingredientes. Entre estes, “um
grande esforço para mudar a cabeça
de muitos empresários, especialmente pequenos e médios, frequentemente avessos a ter novos sócios”
e a pulverização de informações,
“fazendo-as chegar de maneira mais
simples a mais investidores”.
A ênfase na governança corporativa é uma das armas de que a
BM&FBOVESPA dispõe para reforçar o Bovespa Mais. Mostra-se ao empresário a importância das boas políticas de governança e o acionista fica
mais seguro quanto à qualidade do investimento. É um trabalho educativo,
indicado para as empresas que darão
os primeiros passos no mercado. Afinal, ao ter as suas ações listadas o empresário se expõe mais aos olhares de
terceiros e, nesse caso, é melhor que
tal exposição mostre, com transparência, a verdadeira imagem da empresa.
Ao listar as ações na Bolsa, a empresa
amplia a visibilidade do seu negócio
junto a investidores, bancos, clientes e
fornecedores, além, é claro, de poder
financiar seu crescimento da forma
mais interessante que existe.
Instituto Educacional
BM&FBOVESPA
Um dos instrumentos destinados
a preparar as empresas para a abertura será o segmento de empreendedorismo, recém-criado dentro do já
tradicional Instituto Educacional da
BM&FBOVESPA – ajudará a capacitar empresas e empreendedores nas
áreas de planejamento estratégico,
elaboração de business plan e governança. Os empresários saberão como
valorizar seus negócios antes mesmo
de entrar no mercado. Para isso, o Instituto Educacional BM&FBOVESPA
assinou um convênio com a Babson
College, a primeira em empreendedorismo no mundo, já há mais de uma
década, e oferecerá o programa de
Gestão de Crescimento em Empresas
de Alto Potencial, a partir de 2011.
Além disso, a Bolsa auxiliará as empresas nas diversas etapas do processo
de abertura de capital, colocando sua
equipe à disposição para melhor encaminhar as questões que se apresentarem. O intuito é que a oferta de ações
transcorra de forma ágil e tranquila
em todas as suas várias fases.
Captação gradativa
Segundo Gragnani, o Bovespa
Mais quer atingir as empresas que
pretendem buscar recursos no mercado de capitais de forma gradativa,
ou seja, que acreditam na ampliação gradual da base acionária como
o caminho mais adequado. Não há
restrições quanto ao setor ou porte
e, independentemente da realização
imediata de uma distribuição pública de ações, as empresas devem ter
o propósito de se desenvolver no
mercado, comprometendo-se com
elevados padrões de governança corporativa, assumidos formalmente na
adesão ao Regulamento de Listagem,
busca de liquidez para suas ações e
postura pró-ativa para conquistar investidores. Esse objetivo, nota Gragnani, será facilitado com a ajuda dos
programas de exposição promovidos
pela Bolsa.
O apoio às empresas só tende a
crescer. A parceria entre o Instituto
Endeavor e o Instituto Educacional
BM&FBOVESPA contempla a utilização do programa e da metodologia
da Kauffman Foundation voltados
para as empresas nascentes (start
ups), aquelas que fazem parte das
incubadoras e parques tecnológicos
com os quais a Bolsa se relaciona,
como em São José dos Campos (SP).
Uma caravana do programa Bovespa
Mais começou, em 2009, em Belo Horizonte
e chegou a Recife, Goiânia, Porto Alegre,
Curitiba e Campinas, em 2010, atraindo mais
de 200 pequenas e médias empresas
Paulo Sérgio Dortas, da Ernst&Young terco
Dortas, da Ernst Young Terco,
fala da caravana do programa desenvolvido pela Bolsa junto com a sua
empresa e a Câmara Americana de
São Paulo. Iniciada no ano passado
com uma palestra em Belo Horizonte, a caravana já passou, em 2010, por
Recife, Goiânia, Porto Alegre, Curitiba e Campinas, atraindo mais de 200
pequenas e médias empresas. Assim
é possível conhecer melhor o perfil e
as demandas dessas companhias.
Além disso, afirma Dortas, uma
pesquisa está em andamento para
identificar o perfil das empresas potencialmente demandantes do mercado de capitais fora do eixo Rio-São
Paulo. Será possível ter uma ideia melhor da governança, processos internos, grau de tecnologia empregado e
maneira de financiar o crescimento.
“Fazemos isso sem nunca perder de
vista que atrás da Petrobras vêm centenas de fornecedores, e há também
centenas de pequenas e médias redes
de supermercados e de lojas que estão crescendo para atender aos consumidores emergentes”. Ele acredita
que a tendência primária de queda
dos juros e da existência de investidores com mais recursos para aplicar
farão a diferença.
Dortas prevê, ainda, que 2011
será um bom para as emissões de
ações, talvez “com umas 20 operações, mas de menor valor do que as
deste ano”. Enfim, não só acredita no
êxito do esforço de atrair empresas
com menor tamanho, como alimenta
grandes expectativas.
Redução de custos
Para alguns analistas, a atração
dessas empresas depende de redução nos custos e da flexibilização das
exigências regulatórias. “O problema
não costuma ser o custo de se abrir
o capital, pois este acaba sendo abatido do montante captado, mas das
REVISTA DA NOVA BOLSA 49
A Bolsa
trabalha com muito
empenho para
popularizar o acesso
a empresas dos mais
diversos portes
José Antonio Gragnani,
diretor executivo de
Desenvolvimento e Fomento
de Negócios da BM&FBOVESPA
despesas para se manter aberto”, resume Castro, da Abrasca. O Bovespa
Mais “pode muito bem ser a resposta,
combinada com despesas menores e
regras mais simples”. Não é diferente
do que ocorre no exterior: em relatório divulgado em setembro, a consultoria Grant Thornton sugere para o
mercado de acesso de Londres uma
tributação mais favorável e incentivos para atrair o venture capital.
O custo não parece ser determinante entre escolher emitir ações e
tomar crédito bancário, pois se trata de alternativas distintas, observa
50 REVISTA DA NOVA BOLSA
Andreas Ricardo Belck, professor e
chefe do Departamento de Finanças da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Mas,
com certeza, “a ida para a Bolsa é
recomendável para os negócios com
boas perspectivas e que precisam de
capitais para além do que o sistema
financeiro está disposto a oferecer
sob a forma de crédito”.
“O mercado de capitais pode
fornecer recursos de forma concentrada e num prazo relativamente
curto àquelas empresas que desejam
mudar a sua escala de negócios”, nota
Belck. E isso porque, acrescenta, “o
investidor vai muito além do que o
banqueiro está disposto a apostar”.
Belck destaca o exemplo da Alemanha, onde pequenas empresas exportadoras recebem apoio decisivo do
mercado de capitais.
Outra variável é a oferta de crédito do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
alavancada entre setembro de 2008 e
agosto de 2010, quando a participação
do banco no estoque de financiamentos concedidos na economia passou
de 16% para 21%, embora dependa da
política do novo governo.
Belck sintetiza: “IPOs devem ser
a opção de todo pequeno e médio
empresário que precisa expandir o
seu negócio, aproveitando um caminho que já está aberto”.
O fator tempo
A redução do custo e dos requisitos regulatórios podem até ajudar,
adiciona Raul Ciarelli, sócio da LatinFinance, mas o fator tempo continuará tendo a sua importância. “O
Novo Mercado também demorou
um pouco para acontecer. O mesmo deverá acontecer com o Bovespa
Mais, até porque vai ser preciso trabalhar com o receio dos investidores
em relação à liquidez menor”. Sem
esquecer de que mercados de acesso
para pequenas e médias empresas adquiriram importância em diferentes
pontos do mundo: Londres, Toronto
e Hong Kong, por exemplo.
Para atrair pequenas e médias
empresas, não há soluções fáceis nem
a certeza de que a redução de custos
e de exigências regulatórias são sempre boa solução. Em Londres, as restrições foram drasticamente cortadas
dos regulamentos e não há sequer
valor mínimo para os lançamentos.
“Mas isso trouxe mais insegurança
para os investidores”, lembra Satiro,
da FGV. Em especial, um caso de
fraude registrado em 2005 deixou
marcas, quando se descobriu que não
havia garantias efetivas – e uma autoridade do órgão regulador dos Estados Unidos qualificou o mercado
de acesso de Londres de “verdadeiro
cassino, uma vez que ninguém sabe
por quanto tempo as empresas vão
conseguir ficar listadas”.
Pela regra do Grow Enterprises
Market, um mercado que opera, na
prática, como entidade autônoma da
Bolsa de Hong Kong, cabe oferecer o
máximo possível de informações aos
investidores e que se mostre, periodicamente, que os resultados são compatíveis com os previstos no business
plan. Feito isso, que se deixe o mercado funcionar livremente.
No caso do Brasil, explica Osmar Camilo, analista da Corretora
Socopa, as condições favorecem o
êxito do Bovespa Mais. O momento parece apropriado à retomada dos
esforços para dar ao mercado brasileiro um segmento de acesso forte: “A
BM&FBOVESPA ganha crescente
importância no contexto mundial das
bolsas e isso com certeza vai ajudar”.
*
JORGE WAHL É JORNALISTA ESPECIALIZADO
EM MERCADO DE CAPITAIS.
ensaio
entre os mitos e a realidade
Investir para ficar rico é o sonho das pessoas.
O problema é acreditar que é possível realizar
o tal sonho do dia para a noite
getty image
POR FABIO GALLO GARCIA*
A
o longo dos últimos anos, tenho ministrado muitas aulas, dado diversas palestras, escrito artigos,
participado de debates e concedido entrevistas
para a mídia sempre respondendo a questões trazidas pelas pessoas interessadas em investir. E, logicamente, interessadas em ficar ricas. As dúvidas são as mais diversas,
mas alguns traços são comuns entre os questionadores.
O que percebo é que, de alguma forma, as pessoas
trazem em suas questões os famosos “mitos” dos investimentos, ou “máximas” em finanças, ou ainda “axiomas” de
investimentos.
52 REVISTA DA NOVA BOLSA
Listo alguns para que entendam o que eu quero dizer.
Por exemplo, quem nunca ouviu expressões como:
§ preocupação não é doença, mas sinal de saúde; se você
não está preocupado, não está arriscando o bastante;
§ somente compre ações que cresceram muito nos meses
anteriores; esse crescimento vai induzir outros a também comprarem; será uma profecia autorrealizável;
§ resista à tentação das diversificações;
§ diversificação é uma máxima;
§ comprei na alta, agora que caiu vou comprar mais, porque na média estarei bem;
§ o mercado, como Deus, ajuda aqueles que o ajudam (de
Warren Buffett);
§ não importa o que os professores dizem (outra de Buffett, muito legal para mim).
Não pretendo tratar de todas as estratégias de investimento, seus mitos ou tentar descrever as verdades em que
acredito. Mesmo porque, como já foi dito por Damodaran
(professor da Stern Scholl of Business da New York University, considerado um dos maiores especialistas do mundo
em avaliação de empresas), muitos querem promover essas
máximas enquanto outros pretendem destruí-las. A promoção muitas vezes fica por conta de analistas e corretores.
Os “cínicos” ­– encontrados no mundo acadêmico – se encarregam da tentativa de desqualificar os “mitos”.
O traço comum em todos os mitos é que esses instigam o nosso comportamento porque contém algo de
nossa natureza, como esperança, ganância, medo e outros sentimentos.
Interessante também é o fato de que esses mitos são
expostos ao longo de boas histórias com finais felizes.
Algumas dessas histórias vêm baseadas em testes empíricos. Outras contêm um personagem importante como
Paul Getty, que fez US$1 bilhão no início do século 20.
O fato é que verdades e resultados ocorridos nessas histórias nem sempre podem ser replicados, uma vez que
dependem do ambiente econômico, do perfil do investidor e até mesmo da “sorte”.
Vamos examinar o caso de Paul Getty. Ele apostou
no risco e colocou todo o dinheiro que tinha na época –
US$500 – em uma sociedade do ramo de petróleo. O final
foi feliz. Agora, a pergunta é: quantos tiveram essa oportunidade? Será que os outros que tiveram acesso ao negócio tinham dinheiro? Poderíamos fazer muitas outras perguntas, mas o meu ponto é que há tantas possibilidades
de resultado em situações como essa, que não há como
generalizar os casos de sucesso e tornar boas histórias em
“mapas da mina” para que as pessoas fiquem ricas. Mesmo
porque, se isso fosse verdade, teríamos uma distribuição
de riqueza muito maior.
Muitas publicações, para facilitar a vida do investidor,
têm orientado os seus leitores com divisões predeterminadas para definir sua carteira de investimentos como se fossem “máximas”. Estou me referindo a determinar porcentagens para renda fixa e renda variável e em relação às classes
de ativos, como se isso pudesse ser generalizado. As pessoas
têm rendas diferentes, modos diversos de tocar as suas vidas,
culturas diferentes, enfim mantêm condutas financeiras distintas. Assim, como podemos preestabelecer “menus”?
Essa discussão nos leva a observar um conflito entre as máximas. Ora ouvimos que diversificar é absolutamente correto. Em outros momentos, escutamos que
devemos resistir à tentação. Eu sou do grupo que admite
que em finanças a diversificação é uma regra, afinal assim procedendo obteremos o retorno médio ponderado,
mas usualmente uma redução em relação ao risco médio.
O problema é que, mesmo sendo verdade, a diversificação não é para todos os bolsos. E isso nem sempre é dito
com clareza e objetividade. Por outro lado, indicar que a
diversificação deve ser abandonada completamente, é o
mesmo que falar para as pessoas “apostarem”. Isso não é
investir, mas sim jogar.
Outro aspecto que essas máximas acabam nivelando
é em relação à indicação do investimento, pois há a tese
de que investir depende basicamente do grau de aversão
ao risco da pessoa, esquecendo-se de que além do perfil
do investidor devemos considerar duas outras variáveis
em relação ao próprio investimento. Ou seja, temos que
considerar o prazo daquela aplicação (que depende do
seu objetivo) e da utilidade marginal do valor investido,
em outros termos, da importância daquele dinheiro para
aquele investidor.
Outras máximas lidam com a questão da eficiência
dos mercados. Novamente recorrendo a Buffett, há uma
das suas frases que diz: “Eu seria um mendigo vagando
pelas ruas com uma caneca na mão se os mercados fossem
realmente eficientes”. Essa é uma longa discussão e objeto
de muitas teses, mas mesmo admitindo que os mercados
não sejam fortemente eficientes, garimpar títulos subavaliados exige um esforço muito grande e muito dinheiro
nessa busca. Assim, mais uma vez, não é para todos.
Poderíamos também mencionar outros mitos como
usar do efeito valor, ou do efeito momento, como investimentos vencedores. Podem ser citadas também estratégias seguras e baratas como investir em ações de baixo
P/L, ou aquelas com preço inferior ao valor patrimonial.
Para aqueles com apetite ao risco podem ser máximas o
investimento em ações de crescimento ou investir nas perdedoras. E assim poderíamos seguir elencando possibilidades de “menus” de investimentos.
Enfim, há alguma moral nessas histórias e máximas?
Sim. A moral é que não há “receitas fechadas” que
deem conta de gerar riqueza para todos. Devemos ter em
mente que investir exige muito planejamento, disciplina e
conhecimento. Essa receita é indicada para todos.
*FÁBIO
GALLO É PROFESSOR DE FINANÇAS DA PUC-SP E DA FGV/EAESP
E RESPONSÁVEL PELA COLUNA “SEU DINHEIRO” DO JORNAL O ESTADO
DE S. PAULO.
REVISTA DA NOVA BOLSA 53
popularização
o príncipe da
jovem guarda é também
investidor em ações
O músico e apresentador Ronnie Von, há quatro décadas
no rádio e na TV, começou a vida estudando economia,
mas trocou o mercado financeiro pela carreira artística,
sem deixar de investir em ações
POR VITÓRIA GUIMARÃES* foto agência luz
A
os 17 anos, Ronaldo Lindenberg von Schilgem Cintra Nogueira já tinha seu futuro profissional traçado: iria cursar a faculdade de
economia para depois assumir a organização financeira da família, um conglomerado que reunia banco de
investimentos, banco comercial, corretora de valores,
financeira, distribuidora e seguradora. A primeira parte
do planejamento foi cumprida à risca. Ronaldo conseguiu o diploma, mas anunciou aos pais que, apesar da
afinidade com o mercado financeiro, preferia dedilhar a
guitarra em vez de fazer contas, e sentar num banco de
madeira no palco de um boteco no Rio de Janeiro a ficar
atrás de uma mesa de escritório.
Ronnie Von, nome artístico que ganhou mais
tarde, deu sorte, como ele mesmo costuma dizer. “Se
eu era talentoso? Talvez, mas não é só isso. Quando vi
uma oportunidade, agarrei, mas podia nunca ter aparecido”, diz o apresentador e empresário de 66 anos,
sem disfarçar o sotaque fluminense de quem nasceu e
cresceu em Niterói.
Gravou 25 discos, viajou o mundo fazendo shows
e colecionando fãs, tanto pela música que tinha forte
influência dos Beatles, seu grupo preferido até hoje –
um dos seus maiores sucessos é Meu Bem, versão para
a música Girl do quarteto de Liverpool –, quanto pelo
54 REVISTA DA NOVA BOLSA
rosto delicado, delineado por cabelos médios e lisos, e
pelos olhos verdes. Virou o príncipe da Jovem Guarda.
Dividia-se entre turnês e gravações do programa da
TV Record O Pequeno Mundo de Ronnie Von, que
apresentava na década de 1960. “Televisão é a minha
grande paixão”, conta ele, que há seis anos comanda o
Todo Seu, exibido diariamente pela TV Gazeta, que
lhe rendeu vários bordões, como “bonitinhas e bonitões” e “significa”. “Quando a luz da câmera acende, me
desligo de tudo. Para mim, fazer televisão é uma alienação – positiva, é claro”.
Mas Ronnie Von é homem de várias paixões. Uma
delas, curiosamente, é a aviação. “Voo desde os 17 anos.
Hoje em dia, não tenho mais avião, mas tenho amigos
que têm. E você sabe:, quem tem amigo rico não morre pagão”, brinca. Ele chegou a compor uma música
inspirada na sensação de olhar o mundo de tão longe:
“Combustível, metal e poema/ minha máquina voadora/ vejo os homens de cima em cena/ entre a música
de um motor/ vou vagar em pleno ar/ vou voar/ vou
voar...”, diz a letra de Máquina Voadora, faixa do álbum
homônimo lançado em 1970.
As flores são outro hobby do apresentador, que tem
até uma orquídea batizada com seu nome. O gosto por
vinhos também divide seu (escasso) tempo livre. Atual-
Ronnie Von, músico e apresentador de TV, começou comprando ações do Banco do Brasil e hoje, antes de fazer um
investimento, analisa cuidadosamente os papéis e os lucros das empresas.
mente, além do programa, Ronnie comanda uma agência de publicidade, a Von Comunicações, e um site de
compra coletiva, o Nossa Vitrine, que comprou há cinco anos da também apresentadora Ana Maria Braga. “É
com eles que pretendo garantir a minha aposentadoria”.
Mesmo com tantas atividades e a carreira artística,
Ronnie Von, que entrou na Bolsa na década de 1960,
aos 20 e poucos anos, comprando ações do Banco do
Brasil, nunca deixou de investir no mercado de capitais.
“A Bolsa está no sangue”, revela ele, que compara a emoção de grandes quedas com a de subir num palco. “Atualmente, optei por deixar meus investimentos em fundos, pois não tenho tempo para acompanhar de perto o
desempenho da minha carteira. Geralmente, funciona
assim: quando estou mais livre, meus investimentos ficam em ações que opero via Home Broker, sempre estudando os papéis e observando de perto os lucros das
ações, que geralmente pulverizo entre grandes empresas e algumas menores. Quando a falta de tempo aperta, distribuo entre fundos diversificados, agressivos,
médios e moderados. Penso sempre em longo prazo e
aprendi a nunca contar com o dinheiro aplicado. É um
complemento para minha aposentadoria”.
O filho mais novo, Leonardo, de 23 anos – Ronnie é pai também de Alessandra, de 39, e Ronaldo, de
38, frutos do primeiro casamento –, herdou o gosto
pelo mercado de capitais e prepara-se para entrar na
Bolsa, contando com os conselhos do pai. Mas Leonardo pretende seguir também outros passos de Ronnie, tanto que já está gravando seu primeiro disco. “O
castigo vem a galope. Quando meu filho me disse que
queria ser músico, reagi da mesma maneira que meu
pai. Quase tive um ataque”, lembra ele, que tentou de
todas as maneiras convencer o filho a continuar a carreira na publicidade – atualmente, Leonardo trabalha
na agência de Ronnie. “Desisti quando o meu pai me
disse: ‘não cometa com meu neto a imprudência que
cometi com você. Quando você faz aquilo que gosta,
há grandes chances que você passe uma vida inteira
sem precisar trabalhar’”. Ele e a minha mulher, Cristina, acabaram me convencendo e ajudo da maneira
que posso”, admite com reticência digna de uma mãe;
mas uma “mãe de gravata”.
* VITÓRIA GUIMARÃES É JORNALISTA.
REVISTA DA NOVA BOLSA 55
popularização
a classe média
em ação
Thinkstock
Pesquisa inédita revela o perfil de um novo investidor:
assalariado, jovem, das faixas de renda B e C
A
ideia de que a Bolsa é um clube fechado, formado
por homens sisudos, é cada vez mais ultrapassada
e está com seus dias contados. Suas portas vêm se
abrindo para jovens, mulheres e pessoas de classe média,
tipicamente assalariadas, que tratam ações como um investimento de longo prazo, capaz de lhes propiciar maior
rentabilidade. É o que revela – sistematizando o que os
olhos dos observadores já detectavam – a “Pesquisa do
Perfil do Investidor em Ações”, realizada pela consultoria
Plano CDE para a BM&FBOVESPA. Seus resultados podem ser um sinal, ainda que indireto, das mudanças que
acontecem na sociedade brasileira, mas indicam, direta58 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
mente, que “o projeto de popularização parece ter decolado”, como diz Haroldo Torres, o coordenador do trabalho.
E dão suporte ao plano da Bolsa de decuplicar, em cinco
anos, o contingente de pessoas físicas que aplicam em
ações (atualmente, em torno de 500 mil).
A pesquisa ouviu 600 pessoas em São Paulo e no Rio
de Janeiro, em julho deste ano, entre investidores em
ações e não investidores. Mapeou renda, sonhos, projetos, intenções, dúvidas e temores. Produziu dados interessantes em ambos os segmentos. Por exemplo, entre os
investidores, a maioria (61%) ainda é da classe A, claro
(ganham acima de R$6 mil). No entanto, nada menos do
que 31% dos entrevistados – uma proporção importante
– declararam renda que os inclui na classe B e os restantes 8% inscrevem-se na classe C (uma surpresa favorável,
para Torres). Portanto, a Bolsa não só vem mantendo
sua clientela tradicional como avança pelos demais segmentos sociais, incluindo “os mais ousados da classe C”.
E vê que a grande maioria dos entrevistados (86%) concorda com a afirmação de que “pessoas de classe média
têm condições de comprar ações”.
Quem é o investidor em ações, segundo as conclusões da pesquisa? Ele tem um portfólio diversificado.
Aplica também em renda fixa, mas as ações estão no topo
da carteira, representando 33% (parcela que sobe a 39%
quando se incorporam os fundos de ações). Tem alta propensão a permanecer investindo em ações: é o que disseram 92% dos entrevistados (apenas 8%, portanto, pensam
em desistir); e entre os que pretendem continuar, 73%
querem aumentar o investimento. O investidor vai à Bolsa
em busca de maior rentabilidade (51% dos respondentes
indicaram a rentabilidade como o principal argumento,
sendo que, segundo o relatório da pesquisa, “esse apelo
é mais forte entre mulheres, pessoas mais velhas, casadas,
inativas e com renda superior a R$6 mil). Sabe que essa é
uma aplicação de longo prazo e ainda quer aprender mais
sobre como investir. Na classe A, o investidor é profissional liberal, sócio de empresas, aposentado ou pensionista
(58% dos casos). Na classe B – esse é o novo investidor –
tipicamente um profissional com carteira assinada (60%).
Refletindo o “primeiro movimento de popularização
do mercado, é possível que esse perfil também possa vir
a demandar produtos e serviços diferenciados nos próximos anos”, de acordo com os responsáveis pela pesquisa.
“Trata-se de um novo cliente a ser cultivado e valorizado,
como um multiplicador da mensagem de que as ações podem ser produtos acessíveis para a classe média brasileira”.
SONHOS E TEMORES
E qual é o retrato da pessoa que não investe em ações?
Ele tem renda familiar menor que a do investidor, é um
pouco mais jovem e é assalariado (61% dos respondentes
à pesquisa). Investe basicamente em poupança, produto
mais mencionado por mulheres, solteiros, pessoas com
renda inferior a R$6 mil e trabalhadores formais. Ação
não lhe é uma palavra estranha, ele já ouviu falar dela. Mas
tem um conhecimento “muito superficial”, segundo o relatório da pesquisa: 89% responderam afirmativamente a
essa questão; e, entre estes, apenas 43% declararam saber
como investir. A maioria, portanto – vale enfatizar, como
destaca Haroldo Torres –, não domina os mecanismos do
Refletindo o “primeiro movimento
de popularização do mercado, é
possível que esse perfil também
possa vir a demandar produtos e
serviços diferenciados nos
próximos anos”, de acordo com
os responsáveis pela pesquisa
investimento em ações. Mesmo quem afirma conhecê-los
tem apenas uma noção ligeira disso: 15% deles acham que
o investimento é feito pessoalmente na Bolsa. E muitos
desses não investidores pouco sabem do papel das corretoras de valores: quando pretendem tratar de aplicações,
falam com o gerente de seu banco.
Nesse quadro, é natural que surjam dúvidas e temores. Entre os não investidores que disseram saber como
investir, 31% afirmaram que pretendem aplicar em ações
nos próximos 12 meses; entre os que confessaram desconhecer o processo, essa proporção é de apenas 13%. Diz
Torres: “Como esperado, os que menos conhecem são
também aqueles que mais rejeitam o investimento em
ações (58%), os que mais declaram ter medo de investir
nesse mercado (57%) e os que mais frequentemente associam a Bolsa a jogos de azar (47%).”
Informação e simplificação dos mecanismos são os
melhores antídotos para essas dúvidas e temores. Basta
ver que os programas de educação financeira que a Bolsa
já implantou influenciaram as decisões de 30% dos respondentes que já são investidores. Dona de uma imagem
sólida, inclusiva e democrática, a Bolsa vai continuar a
desenvolvê-los (junto com corretoras de valores, bancos
e demais protagonistas do mercado). Os programas terão
grande serventia na catequese dos não investidores, e na
derrubada desses mitos e barreiras que ainda resistem.
Dadas as mudanças que acontecem na sociedade brasileira, com o surgimento de uma nova classe média, é imenso
o espaço a ocupar por iniciativas de massificação que pretendem transformar desejo (de investir) em realidade. O
principal esforço a ser feito neste momento parece ser o
de aumentar o entendimento específico do público-alvo
em relação ao produto, afirma Torres. E sublinha, à luz dos
“findings” da pesquisa, um dos pontos-chave: “Disseminar o como fazer”.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 59
sustentabilidade
os direitos humanos
nas empresas
Avanços no ambiente de trabalho convivem
com alta porcentagem de casos de violações
graves, dentro e fora das organizações
POR JOSÉ ROBERTO NASSAR* fotos thinkstockphotos
A
responsabilidade socioambiental – conjunto de normas que estimulam
o bom relacionamento da empresa com seus funcionários, fornecedores, consumidores, clientes, acionistas e comunidade – já se tornou um
lema para a organização moderna. Sua aplicação avança pouco a pouco no Brasil
e no mundo. Direitos humanos são uma costela essencial desse corpo, embora,
como parte do todo, não se confundam. Também vêm avançando, lenta e paulatinamente, nas empresas e na sociedade em geral. Mas, apesar das iniciativas pioneiras, ainda existem, com frequência, casos de discriminação racial e de gênero,
preconceito, abusos, desrespeito e até humilhação de colegas e subordinados no
trabalho, agravados pela desinformação. É o que demonstra com números a pesquisa Direitos Humanos nas Empresas, realizada pela consultoria Plano CDE
para o Instituto Norberto Bobbio, em parceria com a BMF&BOVESPA (e apresentada em workshop em 18 de outubro, na Bolsa). “Os que mais sentem a presença de tratamento desigual ou discriminatório são mulheres, negros e pessoas
com renda inferior a R$3.000”, afirma Raymundo Magliano Filho, presidente do
Instituto e ex-presidente da Bovespa. Por isso, o tema “precisa passar urgentemente a compor o conjunto das preocupações centrais das empresas brasileiras”,
acrescenta Haroldo Torres, sócio da Plano CDE.
60 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 61
sustentabilidade
A pesquisa nasceu da necessidade do Instituto de
identificar em que medida os direitos humanos “estão incorporados nas políticas e nas diretrizes das empresas”.
O Instituto dedica-se aos temas da promoção da paz, dos
direitos humanos e da democracia, matéria-prima dos estudos do filósofo e jurista italiano Norberto Bobbio. O
questionário foi formulado à luz dos princípios da Declaração Internacional dos Direitos Humanos, assinada em
10 de dezembro de 1948 no âmbito da Organização das
Nações Unidas (ONU). Seus 30 artigos elencam direitos
civis e políticos (liberdade de expressão, de ir e vir, de associação, igualdade perante a lei, sufrágio universal, entre
outros) e direitos sociais (não discriminação no trabalho,
isonomia salarial, liberdade sindical, por exemplo), e sua
observância ao longo do tempo contabilizam sucessos e
recuos no mundo inteiro. Portanto, quando se trata do
tema, não se fala apenas em “direitos humanos dos bandidos” ou só em direitos das minorias – como se afirma
largamente em certos segmentos sociais –, mas em direitos da sociedade inteira.
RIO, SÃO PAULO, QUATRO SETORES
Com essa ambição, definiram-se os limites da pesquisa, realizada entre junho e julho de 2010. O trabalho
abrangeu 800 pessoas no Rio de Janeiro e São Paulo, todos funcionários com carteira assinada, classes de renda
A,B, C, e D, em porcentuais idênticos de homens e mulheres, de empresas com mais de 50 funcionários, em quatro
setores (também em proporções semelhantes): indústria,
bancos e serviços financeiros, comércio e serviços não financeiros (call centers, prestadores de serviços de saúde
e educação). Percebe-se que foram entrevistadas pessoas
de certa “elite” – dizem observadores que, num país heterogêneo como o Brasil, se fossem pesquisadas pessoas
de outras regiões, mais desassistidas, sem vínculo empregatício, os resultados seriam piores do ponto de vista do
respeito aos direitos humanos.
A pesquisa estimulou os entrevistados a manifestarem sua opinião sobre o que acontecia com os direitos
humanos dentro e fora da empresa. E procurou separar os
casos graves – ações e declarações explícitas de preconceito, agressões verbais e/ou físicas, roubo e assédio sexual
– dos casos leves (“generalizado desconforto e mal-estar”
nos ambientes de trabalho). Dentro da empresa, 8,9% disseram que ocorreram violações graves (no último ano);
pesquisas mais específicas mostraram que 11% têm notícias de episódios de discriminação contra negros, mulheres, homossexuais ou idosos e 7% declararam ter sido
vítimas diretas de preconceito, segundo Haroldo Torres.
Quando se soma, dentro da empresa, as violações leves
(tratamento desrespeitoso por parte das chefias, por
exemplo), o percentual sobe a 43,4% dos entrevistados. É
um contingente preocupante. Ainda assim, da perspectiva
otimista pode-se registrar que a maioria, embora ligeira, já
considera ter respeitados os direitos humanos.
A situação nas empresas reflete certamente, em proporção menor, o que se passa na própria sociedade brasileira, fora da organização, portanto. Como apurou a pesquisa, 31,8% dos entrevistados disseram que foram alvo
de violações graves (nos últimos dez anos), percentual
que sobe a 73,3% quando consideradas as violações leves. Foi perguntado também se tinham conhecimento de
violações no caso de pessoas próximas, como parentes ou
amigos: 22% responderam sim às graves e 71,1% quando
somadas graves e leves.
INDÚSTRIA À FRENTE
De modo geral, voltando às fronteiras internas das
empresas, boa parte ainda adota um estilo rígido de gestão,
com baixa participação dos funcionários, critérios pouco
claros de promoção e remuneração, ruídos frequentes
no ambiente de trabalho. Mas há diferenças importantes
conforme setor ou tamanho. O segmento mais mal avaliado foi o de serviços não financeiros, em que, pulverizado e
Dentro da empresa, 8,9% disseram que ocorreram
violações graves; pesquisas mais específicas mostraram
que 11% têm notícias de episódios de discriminação
contra negros, mulheres, homossexuais ou idosos e
7% declararam ter sido vítimas diretas de preconceito
62 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
O QUE PENSAM OS FUNCIONÁRIOS
Indicadores sobre direitos humanos nas empresas. Rio de Janeiro e São Paulo, 2010
Na empresa em que você trabalha...
% do
total
50 a 499
funcionários
(%)
500 funcionários
ou + (%)
Comércio
(%)
Serviços não
financeiros
(%)
Bancos e
demais
serviços
financeiros
(%)
Indústria
(%)
As opiniões dos funcionários não são
levadas em conta
37,8
38,6
37,1
42,9
42,9
41,6
23,9
Os funcionários não conseguem
entender os critérios de promoção
37,6
39,9
35,4
35,0
45,8
38,6
30,8
Alguns funcionários chegam a ser
maltratados
20,6
18,7
22,5
23,6
25,1
17,8
15,9
A empresa cumpre apenas o que
a lei obriga
51,3
61,9
41,4
55,2
63,5
44,6
41,8
A empresa paga salários diferentes
para trabalhos iguais
44,1
43,7
44,5
47,8
37,4
50,0
41,3
Alguns chefes tratam os funcionários de
maneira desrespeitosa ou humilhante
29,9
28,6
31,1
29,1
32,5
31,2
26,9
A segurança no trabalho deixa a desejar
15,6
13,6
17,5
16,3
18,2
15,8
11,9
Existem áreas onde o funcionário
não deve circular
16,6
14,6
18,4
11,8
26,1
15,3
12,9
Fonte: Pesquisa “Direitos Humanos nas Empresas” da Plano CDE e Instituto Norberto Bobbio.
heterogêneo, ocorrem mais manifestações de desrespeito
e até humilhações por parte das chefias. Em linha ascendente, depois desse setor vêm o comércio e os bancos. O
mais bem avaliado foi o industrial (80% disseram que são
tratados com educação e, 75%, que suas opiniões são levadas em conta). De qualquer forma, indústria e bancos
são setores mais organizados, com um histórico antigo de
know-how no relacionamento com seus sindicatos. Considerando o tamanho, as grandes empresas (500 funcionários ou mais) oferecem mais benefícios a seus empregados do que as pequenas (de 50 a 499), mas as distinções
são menos nítidas. As menores estão mais bem posicionadas nos itens de tratamento respeitoso. “É provável que
nas grandes o anonimato de muitos funcionários os deixe
mais expostos a eventuais situações de desrespeito”, diz
Torres (é o que se pode ver na tabela acima).
No conjunto da pesquisa, para além de setor e tamanho, a maior parte das empresas foi avaliada de maneira
positiva (64% acreditam que elas se preocupam com a
qualidade de vida dos empregados). A maioria (em torno
de 60%) tem algum programa de responsabilidade social
e ambiental e de participação nos lucros e 62% têm código de ética/conduta – nestas últimas, isso contribui para
melhorar a percepção dos funcionários quanto aos direi-
tos humanos. Mas a frequência da incidência de violações
graves e leves e o grau de desinformação evidenciam o
quanto ainda é preciso caminhar, na esfera das empresas
(e da própria sociedade). Grande parte pensa mais nos
direitos sociais do que nos civis e o número médio dos
direitos humanos mencionados por entrevistado é relativamente baixo (3,56, dentre dezenas de itens citáveis).
MUDAR A CABEÇA
O remédio para isso tem nome: educação e informação de dirigentes e funcionários a partir de cursos e debates (que o Instituto Norberto Bobbio pretende montar)
nas empresas, envolvendo direitos humanos, responsabilidade socioambiental, transparência, códigos de ética
que combatam situações de discriminação e tratamento
desigual. É assim – com a implantação de uma nova cultura – que se mudam as coisas, diz Magliano Filho. Tendo já
começado um curso específico na sua própria corretora,
ele imagina: quem sabe não se criará, um dia, um Índice
de Direitos Humanos, semelhante ao ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da Bolsa?
*JOSÉ ROBERTO NASSAR É JORNALISTA ECONÔMICO.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 63
em revista
Por THEO CARNIER*
APLICATIVO PARA iPAD:
DE OLHO NA MOBILIDADE
Desde 9 de novembro, a BM&FBOVESPA oferece aos investidores
aplicativo para iPad, disponível em português e inglês na App Store, da
Apple. No primeiro dia de operação, o aplicativo registrou 1.795 downloads – foi o mais baixado na loja. O download é gratuito e permite o
acompanhamento de índices da Bolsa, cotações de ações de empresas
listadas, commodities e mercados futuros, dentre outras informações.
Também oferece melhor interação do usuário com os gráficos e a elaboração de listas personalizadas de cotações.
O aplicativo foi produzido pela Livetouch, especializada no desenvolvimento de aplicações para dispositivos móveis. Para fazer o download,
o usuário deve acessar a loja na internet e procurar por BM&FBOVESPA.
divulgação
EMPREENDEDORISMO
LANÇAMENTO DO
ÍNDICE CARBONO
EFICIENTE
A BM&FBOVESPA e o BNDES lançaram, em 2 de dezembro, o Índice
Carbono Eficiente (ICO2), que mede
o retorno de uma carteira teórica
constituída por ações de empresas
do IBrX-50 (composto pelas 50 ações
mais negociadas na Bolsa) que aderiram à iniciativa. O indicador é ponderado pelo free float e pelo coeficiente
de emissões de gases de efeito estufa (GEE) das empresas.
Além das companhias atualmente presentes no IBr-X 50, foram convidadas outras empresas emissoras
de ações com alta liquidez na Bolsa
e potencial para futuramente ingressar no IBrX-50. Aceitaram voluntariamente participar do índice 51 das 58
companhias abordadas. A primeira
carteira será composta por 42 delas.
DADA
NOVA
BOLSA
64 REVISTA
REVISTA
NOVA
BOLSA
O Instituto Educacional BM&FBOVESPA lançou,
em 22 de novembro, dois programas para formação
e aperfeiçoamento de empreendedores. Em parceria
com o Instituto Endeavor, será realizado o Bota Pra Fazer, programa que utiliza a metodologia da Kauffman
Foundation – principal fundação do mundo em educação e cultura empreendedora. Já com a Babson College,
instituição pioneira no ensino de empreendedorismo,
será desenvolvido o programa Gestão e Crescimento
Empresarial de Alto Impacto.
ALL, AmBev, B2W, Banco do Brasil,
BM&FBOVESPA, Bradesco, Bradespar, Brasil Ecodiesel, BRF Foods,
Brookfield, CCR, Cemig, CESP, Cielo,
Cosan, Cyrela, Eletrobras, Embraer,
Fibria, Gafisa, Gol, Itaú, Itaúsa, JBS,
LLX, Lojas Americanas, Renner, Marfrig Group, MMX, MV Engenharia,
Natura, OGX, Grupo Pão de Açúcar,
PDG Reality, Redecard, Rossi, Santander, TAM, Oi, Tim, Vale e Vivo.
Para a BM&FBOVESPA e o BNDES,
a adesão ao ICO2, por si só, demonstra o comprometimento das empresas com as questões climáticas, com a
transparência no que se refere às suas
emissões e com a preparação para a
economia de baixo carbono. Para facilitar a visualização dessas iniciativas,
a Bolsa disponibilizou um lugar específico no site Em Boa Companhia para
as empresas participantes divulgarem seus inventários de emissões de
GEE e outras ações de gestão.
A Bolsa optou por uma metodologia inclusiva no primeiro ano do índice. Isso significa que, em princípio,
não foi obrigatória a apresentação de
inventário de emissões. As empresas
tiveram, no entanto, a oportunidade
de fornecer informações para que fosse realizada a estimativa de suas emissões de CO2. A harmonização dos
dados foi conduzida pela empresa
global de pesquisa ambiental Trucost.
A partir do ano que vem, será
obrigatória a realização de inventário incluindo emissões diretas e
emissões geradas pelo consumo de
energia elétrica. Em 2012, haverá
ampliação das fontes contempladas
que serão definidas a partir de estudo a ser realizado em 2011.
agência luz
NOVO SIMULADOR DE AÇÕES: EXAME.COM
Em continuidade ao programa de popularização de seus mercados, a
BM&FBOVESPA promoveu, em 30 de novembro, o lançamento do simulador de ações Exame.com, em parceria com a revista Exame, do Grupo Abril.
Com acesso livre e gratuito, o simulador apresenta gráficos que mostram a evolução do usuário em comparação aos outros participantes, tela
de envio de ordens, start de compra e stop de vendas (funcionalidade que
programa a venda ou a compra de um ativo a preço determinado). Traz ainda ferramentas para consulta de cotação rápida (com delay de 15 minutos) e
criação de janela customizada para acompanhamento dos preços das ações
de empresas listadas.
A cerimônia de lançamento do Exame.com foi conduzida pelo diretor
presidente da BM&FBOVESPA, Edemir Pinto, e pelo presidente executivo do Grupo Abril, Giancarlo Civita.
ESTREIAM OS BDRS NÃO PATROCINADOS
Os Brazilian Depositary Receipts (BDRs) Nível I Não Patrocinados tiveram estreia na BM&FBOVESPA, em 5 de outubro, com 10 lotes emitidos pelo
Deutsche Bank. Já a negociação dos 10 lotes do Citigroup, por meio da Citibank DTVM S.A., teve início em 29 de novembro.
A negociação de BDRs é realizada no Mercado de Balcão Organizado –
Segmento Bovespa. Os lotes podem ser negociados por instituições financeiras e fundos de investimento, além de administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM. Os investidores pessoas
físicas só podem operar com BDRs por meio de fundos.
BDRs emitidos pelo Deutsche Bank
BDRs emitidos pelo Citigroup
Apple Inc.
Avon Products Inc.
Arcelor Mittal CI A Ads
Bank of America Corporation
Exxon Mobil Corporation
Goldman Sachs Group Inc.
Google Inc.
McDonald’s Corp.
Pfizer Inc.
WalMart Stores Inc.
Alcoa Inc.
Cisco Systems, Inc.
Citigroup Inc.
Freeport-McMoran Copper & Gold Inc.
General Electric Company
Intel Corporation
Merck & Co., Inc.
Microsoft Corporation
Procter & Gamble Company
Wells Fargo & Company
*THEO CARNIER É JORNALISTA ECONÔMICO E SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DO DCI.
EM PAUTA, AS
MUDANÇAS
CLIMÁTICAS
“Mudanças climáticas: responsabilidade empresarial e mecanismos de mercado” foi o tema do
seminário realizado, em novembro, por BM&FBOVESPA, Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e Banco Mundial em São Paulo, com a participação de especialistas de diversos países da América Latina. O objetivo foi incentivar
o mercado de crédito de carbono
e outros mecanismos financeiros
capazes de ajudar a reduzir o impacto das mudanças climáticas.
Outros itens da agenda do seminário: oportunidades de responsabilidade empresarial; protocolos de
inventário de emissões de gases
causadores do efeito estufa; papel
da regulação; medidas governamentais de incentivo à responsabilidade empresarial ambiental; e
estratégias de sustentabilidade e o
mercado de carbono.
DI NOS ESTADOS
UNIDOS
Em novembro, uma delegação
da BM&FBOVESPA participou, em
Chicago, de seminário sobre oportunidades de investimento em contratos DI, em conjunto com a CME.
Esses contratos estão entre os mais
negociados do mundo no segmento
de futuros de taxas de juro, mas falta
mais conhecimento de investidores
estrangeiros sobre as possibilidades
de negociação que eles abrem.
A delegação da BM&FBOVESPA
também marcou presença no maior
evento de derivativos do mundo, a
FIA Expo de Chicago. A Bolsa teve
um estande na mostra, na área de exibição para parcerias, em associação
com a CME e outras bolsas.
REVISTA
NOVABOLSA
BOLSA 65
REVISTA
DADA
NOVA
ON-LINE
fotos: divulgação
Por Patrícia Brighenti*
ALMOÇO MAIS CURTO
Os corretores de ações de Hong Kong poderão
perder o intervalo de duas horas para almoço – o mais
longo entre os 20 maiores mercados mundiais –, à
medida que a bolsa local procura atrair mais operações da China. A proposta da bolsa de Hong Kong é
iniciar os trabalhos uma hora mais cedo (às 9h30),
concedendo intervalo de uma hora e mantendo o
fechamento às 16h00. Em Xangai, o pregão funciona
das 9h30 às 15h00, com intervalo de 90 minutos (das
11h30 às 13h00).
E tem mais I: sete anos atrás, a bolsa de Hong
Kong já havia tentado encurtar o intervalo de duas
horas, encontrando a oposição dos operadores.
E tem mais II: a bolsa de derivativos da Malásia,
que é o mercado referencial para os preços do óleo
de palma bruto, vai passar a aceitar a moeda chinesa,
o yuan, em garantia de operações em seus sistemas.
(Bloomberg, 13/8 e 5/11/2010)
OUTROS ACORDOS
Em Tóquio, a bolsa de grãos (TGE) propôs à bolsa de commodities (Tocom) a fusão de suas atividades, pois seus sistemas
de negociação deverão estar integrados a partir de janeiro do
próximo ano. Além de assinar contrato de licença com a Bolsa
Mercantil de Cingapura (SMX), para que esta liste contratos baseados nos produtos da japonesa, a Tocom permanece aberta a
discussões de fusão com outras bolsas. Por sua vez, a SMX celebrou protocolo de intenções com a Bolsa de Futuros de Taiwan
para explorar oportunidades de negócios, facilitar o desenvolvimento de canais de comunicação e estimular a formação de
parcerias entre as indústrias de serviços financeiros dos dois países. Protocolo de intenções também foi assinado entre as bolsas
de Oslo e Toronto, objetivando viabilizar iniciativas comuns de
marketing, regulação e listagem.
(Mondo Visione, 20/9, 15 e 20/10, e Bloomberg, 8/11/2010)
66 REVISTA DA NOVA BOLSA
E AINDA OUTROS
A Nyse Liffe e a Bolsa de
Commodities de Dalian (DCE)
pretendem aprofundar as iniciativas de cooperação existentes entre as duas entidades,
desde novembro de 2008, nas
áreas de tecnologia e produtos. Também em parceria com
a Nyse Liffe, a Bolsa de Valores de Tóquio introduziu em
Londres, em outubro último,
a negociação a futuro do índice Topix, visando ampliar sua
base de investidores e competir com a rival Bolsa de Valores
de Osaca, cujo futuro de índice
Nikkei 225 é mais ativo. Na via
oposta, a Bolsa Financeira de
Tóquio (TFX) e a bolsa alemã firmaram acordo para que a bolsa japonesa liste derivativos do
índice DAX. Por sua vez, a Bolsa de Valores de Osaca fechou
acordo com a Bolsa de Valores
de Shenzhen e, posteriormente, com a Bolsa da Coreia para
construir relacionamento em
prol do desenvolvimento dos
mercados financeiros dos respectivos países.
(Mondo Visione, 31/8, 15/9, 12
e 21/10, e FT.com, 12/10/2010)
VIDA QUE IMITA A ARTE
QUE IMITA A VIDA
No final de 1987, o cineasta Oliver Stone lançou, nos Estados Unidos, o filme Wall Street –
Poder e cobiça, que retrata os efeitos corrosivos da ganância sobre a indústria financeira.
Em vez de servir de alerta para os perigos do
capitalismo selvagem, o filme acabou inspirando gerações a parodiar seus personagens. Apesar de não ter sido sucesso de público nem de crítica e consagrar frases como
“almoçar é para os frouxos” e “ganância é
bom”, sua influência sobre a cultura popular
ainda é bastante expressiva. Já na continuação Wall Street – O dinheiro nunca dorme, assinada pelo mesmo diretor, a reputação e a
posição social dos banqueiros foram devidamente dimensionadas. Talvez agora os alertas sejam finalmente ouvidos, embora sem a
mesma repercussão do original, mesmo que
as frases ainda sejam memoráveis, como:
“Uma vez eu disse que ganância é bom.
Agora parece que foi legalizada” e “Você é
tão Wall Street que me dá náuseas.”
E tem mais: no último ano, dois documentários foram produzidos para contar a
história da transformação dos pregões de
viva voz das bolsas de commodities dos Estados Unidos nos espaços virtuais das transações eletrônicas. Com direção de James
Allen Smith, o filme Floored destaca os pregões de Chicago e The pit, de Johanna Lee,
os de Nova York.
(SmartMoney, 19/8, e FT.com, 24/9/2010)
NOVAS BOLSAS
A operadora hindu de bolsas, a Financial Technologies, lançou nas Ilhas Maurício a Bolsa de Comércio Global (GBOT), oferecendo à negociação derivativos de commodities, energia e moedas africanas. Também a CBOE
Holdings inaugurou nova bolsa de opções em 29 de outubro último, a C2, que pretende atrair operadores de alta
frequência, oferecendo inicialmente opções sobre as ações
listadas nos outros oito mercados norte-americanos de opções, inclusive a Bolsa de Opções de Chicago (CBOE).
E tem mais I: a Bolsa de Valores Internacionais (ISE),
propriedade da unidade de derivativos da bolsa alemã,
igualmente avalia a possibilidade de lançar um segundo
mercado de opções nos Estados Unidos.
E tem mais II: a CBOE Holdings pretende adquirir,
em oferta pública, até US$300 milhões em ações detidas
por ex-membros, as quais não podem ser negociadas em
mercado até o encerramento das restrições de lockup, em
dezembro de 2010 e junho de 2011.
(Chicago Business e Reuters, 13/10, e FT.com, 15/10/2010)
EM GESTAÇÃO
Ainda em 2010, a Nyse Euronext planeja implementar
joint venture com a APX, empresa fornecedora de infraestrutura e serviços, que resultará na criação da Nyse Blue,
voltada aos mercados ambientais e de energia sustentável,
da qual será acionista majoritária. Os acionistas da APX,
dentre os quais o Goldman Sachs, a MissionPoint Capital
Partners e a Onset Ventures, deterão posições minoritárias.
A Nyse Blue contará com os investimentos feitos pela Nyse
Euronext na BlueNext, mercado a vista para créditos de carbono, que incluem os sistemas de pré e pós-negociação, os
serviços de registro de projetos ambientais, os mecanismos
de acesso aos mercados e de gestão de carteiras ambientais, os dados referenciais desses mercados e a plataforma
eletrônica da BlueNext.
(Securities Technology Monitor, 7/9/2010)
REVISTA DA NOVA BOLSA 67
ON-LINE
NO CAMINHO
CERTO
Pesquisa recente da Associação Internacional de Swaps
e Derivativos (Isda) revelou
o benefício da transparência
de preços pós-negociação e
da negociação eletrônica de
swaps de juros. A pesquisa foi
realizada com 295 empresas
não financeiras, administradores de ativos e outras instituições financeiras nos Estados
Unidos e na Europa, entre
julho e agosto deste ano. Para
essas entidades, que utilizam
derivativos de balcão para hedge contra mudanças na taxa de
juro, quanto mais informações
estiverem disponíveis sobre
preços e negócios, melhor. Ao
mesmo tempo, 2/3 desses usuários afirmaram que a obrigatoriedade de negociar tais contratos em sistema eletrônico
não impactará sua capacidade
de gerir riscos. Entretanto, há
preocupação com o risco de
que a divulgação dos dados
dos negócios possa expor suas
posições aos competidores,
que poderão operar na ponta
oposta. A maioria dos entrevistados também comentou
que a transparência de preços
pré-negociação e a liquidez
dos swaps de juros eram melhores ou iguais às dos mercados de câmbio, ações, papéis
corporativos e títulos lastreados em ativos. Finalmente, antes de executar uma operação,
84% dos agentes costumam
cotar preços com vários dealers e 62% consideram esses
preços competitivos.
(Reuters, 14/10/2010)
68 REVISTA DA NOVA BOLSA
CINGRÁLIA
A Bolsa de Cingapura (SGX) pretende adquirir a bolsa da Austrália
(ASX) por US$8,3 bilhões, valor que equivale a prêmio de 84% sobre o valor de mercado da ASX. A bolsa que resultará da fusão será a sétima maior
do mundo, com capitalização total de mercado das companhias listadas
(2.750) no montante de US$1,9 trilhão, e a maior bolsa de derivativos
da Ásia, além de representar a primeira grande consolidação de bolsas na
região. A proposta necessita da aprovação de acionistas e reguladores dos
dois países, bem como do parlamento da Austrália, cujo governo detém
23% de ações da ASX sem direito de voto.
E tem mais: a SGX ampliou sua parceria com a Nasdaq OMX para oferecer às empresas negociadas a possibilidade de listar suas ações nas duas
bolsas, com o intuito de proporcionar-lhes melhor formação de preço e
novas oportunidades de negócios.
(Mondo Visione, 22/10 e Barron’s, 30/10/2010)
EXAGERO
A sentença que condenou
o operador Jérôme Kerviel a
devolver ao banco Société Générale (SocGen) os €4,9 bilhões
de prejuízo em operações não
autorizadas nos mercados futu-
ros, em janeiro de 2008, levou
a instituição a considerá-la apenas uma declaração simbólica
da responsabilidade de Kerviel.
Este, que entrou com apelação,
também foi condenado a cinco
anos de prisão. Para o SocGen, é
impossível reivindicar tamanha
quantia de um único indivíduo.
Temendo estimular simpatia
pelo operador e hostilidade contra o banco, o SocGen pretende
aguardar o resultado da apelação para buscar solução alternativa, que poderia envolver os
ganhos posteriores de Kerviel,
como o rendimento da venda de
seu livro sobre o escândalo.
E tem mais: o SocGen foi multado pelos reguladores franceses
em €4 milhões, depois de receber
€3,4 bilhões do governo local durante a crise financeira de 2008.
(FT.com, 6 e 7/10/2010)
TEMPO LIVRE
A Bolsa de Valores de Nova York (Nyse) tem registrado
concentração expressiva de negócios durante a primeira e
a última horas diárias de negociação. Essas duas horas têm
respondido por mais da metade do volume de operações.
Em agosto passado, por exemplo, representaram 58% do
volume da Nyse, acima dos 45% verificados em agosto de
2005. Com isso, muitas corretoras, especialmente as que
operam com carteira própria, têm aproveitado os horários
de queda de atividade para jogar tênis, marcar longos almoços, visitar a escola das crianças, caminhar e treinar em
academias. O crescimento das operações de alta frequência, que aplicam algoritmos para explorar pequenas discrepâncias em situações de volume elevado, amplia essa
concentração tanto no início quanto no final do dia. Já o
acúmulo de ordens de investidores individuais e corretores a partir do encerramento do dia anterior, as estratégias
dos investidores institucionais e as ordens emanadas do
exterior ficam mais concentradas na primeira hora do dia,
enquanto os fundos que acompanham os índices de ações
costumam aguardar a hora final para executar operações,
para melhor refletir os preços de fechamento.
(Wall Street Journal, 10/9/2010)
RISCO DE CONTRAPARTE EM FOCO
O risco de contraparte foi jogado à cena depois da quebra do banco
Lehman Brothers, levando os participantes de mercado a intensificar os controles de risco, inclusive elevando a frequência das chamadas de margem,
alterando os tipos de garantia e utilizando mais contrapartes. Antes, a administração de garantias ficava restrita aos bancos de investimento, mas o uso
crescente de derivativos por parte de gestores de ativos e investidores para
hedgear ou obter lucro tornou-se o foco de agentes tanto da ponta compradora como da vendedora. Com isso, começa a se difundir a prática de contratar empresa especializada para monitorar as garantias e oferecer suporte total
a seu processamento, que inclui negociação do contrato, gestão das posições
de garantia e cálculo diário das margens exigidas por diferentes contrapartes.
Outro motivo para a terceirização dessa função está na administração da frequência de chamadas de margem, que acaba demandando muitos recursos
e dificultando sua condução interna. Adicionalmente, garantias como títulos
e valores mobiliários, que têm sido mais utilizados, requerem sistemas mais
sofisticados de avaliação e monitoramento, assim como a assinatura de contratos para definir critérios e formas de gestão.
(FT.com, 17/10/2010)
A CULPA É DO
NOBEL
Nassim Taleb, ex-operador que
ficou famoso com as ideias sobre risco difundidas no livro The Black Swan
(O cisne negro), publicado em 2007,
culpa o prêmio Nobel de Economia
e as teorias por ele consagradas por
grande parte da maior crise financeira mundial desde a Grande Depressão. Segundo Taleb, há uma série de
conceitos errados sobre previsão e
mensuração de riscos, para os quais
o Nobel de Economia acaba servindo
como selo de aprovação e propagação, capazes de desencadear eventos
como a crise global de 2008. Nomes
como Harry Markowitz, William Sharpe, Robert Merton, Myron Scholes,
Robert Engle, Franco Modigliani e
Merton Miller compõem a lista negra
de Taleb. Para ele, métodos de previsão criam falso senso de segurança
ou, pior, conduzem as pessoas à direção errada, com as universidades
agravando o problema ao sancionar
e ensinar as ideias consagr;adas pelo
Nobel como ortodoxia. E tem mais: Taleb chegou a sugerir ao rei da Suécia
que tomasse alguma atitude a respeito do prêmio de economia, que só foi
acrescentado em 1960 às categorias
originalmente premiadas desde 1901
nas áreas de ciências, literatura e paz.
(Reuters, 28/9/2010)
*PATRÍCIA BRIGHENTI É JORNALISTA E TRADUTORA
JURAMENTADA.
REVISTA DA NOVA BOLSA 69
livros
a bolsa pulsa na
história do brasil
POR FÁBIO PAHIM JR.*
Nas origens da BM&FBOVESPA,
constituída há dois anos com a fusão
da Bolsa de Mercadorias e Futuros
(BM&F) e a Bovespa, está a Bolsa
de São Paulo, fundada em 1890 por
Francisco Rangel Pestana. Desde
o nascimento – às vésperas da crise do Encilhamento, de 1891, cujo
epicentro ocorreu no Rio de Janeiro
– desempenhou papel notável na estruturação do capitalismo brasileiro,
ao mostrar o poder do mercado acionário de atrair poupanças, estimular
a criação de sociedades anônimas e
de impor regras claras para seus acionistas, incentivar o desenvolvimento
dos negócios e, em consequência, da
economia brasileira, então dependente das exportações de café.
É sobre essa rica origem, revisitada no 120º aniversário da Bolsa,
registrado em agosto de 2010, que
despontam escritos históricos sobre
o Encilhamento: o livro de Ney Carvalho O Encilhamento – Anatomia de
uma Bolha Brasileira, editado pela
Comissão Nacional de Bolsas e pela
Bovespa e, sobretudo, o estudo da
professora de História da Northern
Illinois University, Anne Hanley,
Native Capital – Financial Institutions
and Economic Development in São
Paulo, Brazil 1850-1920, texto riquíssimo e pouco divulgado no País.
Os dois trabalhos iluminam uma
época que ainda hoje costuma ser caracterizada pelos vultosos prejuízos
e pelo tom de denúncia de investidores malsucedidos, como Alfredo
D’Escragnolle Taunay, o Visconde
de Taunay, cuja linguagem sarcástica
buscou reduzir aquele momento eco70 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
nômico único a palco de trambiqueiros, ignorando os efeitos positivos da
política de abertura da economia de
Ruy Barbosa. Houve, é claro, prejuízos para alguns e casos de má-fé. Porém, mais importante, a política de
abertura transformou, para melhor,
o ambiente político e econômico do
País, na fase de efervescência que se
sucedeu à libertação dos escravos,
pela Lei Áurea, de 1888, e da proclamação da República, em 1889.
O texto da historiadora Anne
Hanley – entrevistada nesta edição –
deveria ser de leitura obrigatória para
os estudiosos da história econômica
brasileira e, em especial, do papel decisivo da Bolsa de São Paulo como instrumento de implantação do capitalismo no País. Ela mostra que centenas
de companhias abertas e dezenas de
bancos foram formados, naquela época, por empreendedores brasileiros
“com capital obtido de investidores
brasileiros”. E entre as companhias então criadas estavam algumas das maiores empresas industriais da região.
Anne Hanley tratou em detalhe
das atividades bancárias em São Paulo
entre 1850 e 1920 e do surgimento de
um vigoroso mercado de capitais. De
certa forma, é possível comparar a atuação dos bancos da época – brasileiros
e estrangeiros – com a atual, em que
se combinam estratégias de risco com
estratégias conservadoras. Naqueles
tempos, predominavam os financiamentos com garantia hipotecária e de
mercadorias, mas, assim como agora, o
resultado foi uma contribuição relevante para o desenvolvimento econômico
paulista, quando se firmavam os merca-
dos de ações e de títulos de dívida em
São Paulo e a economia alcançava rápida diversificação econômica. As instituições e os instrumentos financeiros
tiveram papel decisivo na urbanização e
na industrialização de São Paulo no início do século passado, segundo Anne.
O trabalho é exemplar não apenas ao
tratar da história econômica brasileira,
mas ao contribuir para o conhecimento
dos sistemas financeiros e das mudanças econômicas em outros países.
Naquele momento, já se destacava a atividade regulatória do
governo, ante o temor de uma expansão exagerada dos empréstimos.
Mas o papel dos bancos como pro-
vedores de liquidez foi decisivo para
o desenvolvimento financeiro e industrial do Brasil. Acima de tudo, o
livro identifica a forte relação entre
as instituições financeiras – muitas
das quais quebraram, enquanto novas surgiam para ocupar o lugar – e a
economia paulista.
A obra mostrou o que aconteceu
na economia brasileira da época e
por que, segundo o Journal of Latin
American Studies, foi crucial o papel
das instituições financeiras para entender o desenvolvimento daquele
momento caracterizado por inovações financeiras.
O alerta é de Anne Hanley: “Apesar da clara influência das instituições
financeiras no leque de experiências
de desenvolvimento, tanto positivas
quanto negativas, elas nunca conseguiram muito espaço na literatura do
desenvolvimento brasileiro. (...) Neste livro, eu defendo que as instituições financeiras foram precisamente
o que tornou o desenvolvimento de
São Paulo tão bem-sucedido. Apesar
de um começo lento e conservador,
as instituições financeiras de São Paulo foram compelidas pelo repentino
boom do café a evoluir rapidamente,
passando de instituições de caráter
altamente pessoal para intermediários
impessoais e formais que historicamente tanto beneficiaram economias”.
Em outro trecho, a autora esclarece: “A Bolsa de São Paulo diversificou e começou a negociar dívida depois de 1909 em benefício direto de
novas companhias urbanas de infraestrutura e manufatura. (...) Embora
o capital estrangeiro tivesse presença
notável na economia de São Paulo,
não se compara ao nível de formação de capital doméstico que estava
acontecendo nas áreas urbanas de
São Paulo por intermédio das sociedades anônimas. Esse breve e intenso
período no começo do século deu a
São Paulo o arcabouço institucional
vital para sua rápida modernização”.
Foi naqueles anos distantes do
final do século 19 e do início do século 20 que São Paulo criou as bases
de uma expansão econômica acelerada, com pontos altos como a inauguração da ferrovia Santos-Jundiaí, em
1867, a mecanização das lavouras, a
produção interna de têxteis e o incremento das exportações. Por volta
de 1920, São Paulo ultrapassou o Rio
como líder industrial e, em 1940, já
dispunha da maior base industrial da
América Latina.
Bem antes, nas décadas de 1870
a 1880, já se revelava “o apetite por
ações, revelado pela capacidade das
companhias ferroviárias de continuamente e fortemente expandir
suas ofertas, demonstrada como
poderosos investimentos em serviços públicos cresciam no período”.
Numa época em que os juros dos
títulos das empresas oscilavam entre 5,5% ao ano e 8% ao ano, já era
claro o interesse dos investidores individuais pelas ações, na tentativa de
ampliar os ganhos. No boom do café
de 1886, um total de 23 companhias
colocou 450 mil ações no mercado,
levantando US$35 milhões –montante muito expressivo na época.
O PAPEL DA BOLSA
DE SÃO PAULO
Como escreveu Anne Hanley:
“Apesar da doença econômica que se
seguiu, o Encilhamento foi o início
de um tempo de real desenvolvimento e diversificação econômica em São
Paulo. A diversificação foi liderada
pela constituição da Bolsa e sustentada pelo fato de que o governo deixou
a peça central da legislação sobre os
novos negócios – com responsabilidades limitadas – intocada”. Na década de 1890, foram constituídas em
bolsa 87 companhias, para produzir
máquinas, atuar em metalurgia, móveis, têxteis, sapatos e couro, processar alimentos, fabricar cerveja, papel,
impressão, produção química básica,
além de outras atividades manufatureiras e comerciais.
Seria um erro considerar pouco
importante a captação de recursos via
ações, adverte a brasilianista. Aquele
número aparentemente pequeno de
empresas respondia por 16% do capital das indústrias paulistas em 1905
– e algumas já eram grandes contratadoras de mão de obra.
Naquela época, a Bolsa ajudou a
capitalizar empresas como a Vidraria
Santa Marina e a Antártica – hoje
parte da Ambev – além dos grupos
Moinho Santista (Crespi), Industrial
de São Paulo, Companhia Paulista
e Companhia Mogiana, entre inúmeras outras. Em 1890-1891, eram
negociadas na Bolsa de São Paulo
ações de 101 companhias, número
que caiu para 20 em 1902, após a crise do Encilhamento, mas logo voltou
a subir para 30, em 1905, segundo os
jornais da época O Estado de S.Paulo
e Correio Paulistano. Dali até 1920,
o mercado acionário teve uma vigorosa reação, em especial, de 1909 a
1913, embalado pela sólida política
macroeconômica iniciada em 1906.
Em 1917, nada menos de 158 companhias tinham ações negociadas na
Bolsa de São Paulo, segundo O Estado de S.Paulo.
Nas conclusões, Anne Hanley
enfatiza que foi o native capital – ou
o capital dos empreendedores brasileiros, e não dos estrangeiros – o
maior responsável pela prosperidade
e pela industrialização paulistas. Textualmente, ela afirma: “Virtualmente,
cada aspecto da lendária transformação econômica de São Paulo foi fundada pelo capital nativo acumulado e
distribuído pelos bancos, corretores
e pela Bolsa de São Paulo”.
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 71
livros
os dividendos como
aplicação em renda fixa
O livro Viva de dividendos, de Fernando Leitão da Cunha, com 65 páginas e diagramação leve vale pelo título.
Escrito em corpo 12/16, o texto pode
ser lido em menos de uma hora por
quem tem familiaridade com o mercado acionário. Ele mostra que é possível obter uma renda regular com a
aquisição de ações de empresas que
remuneram bem os acionistas.
Nos primeiros capítulos, leitores
menos afeitos ao mercado acionário
recebem lições enxutas sobre o tema,
como uma introdução à história das
bolsas e o entendimento de que aplicações de risco – como as ações –
não são previsíveis. Nunca é demais
lembrar essa verdade básica. Quem a
ignora, nem deveria aplicar em Bolsa.
Ensinamentos básicos sobre o
mercado de capitais são recapitulados. As ações devem ser vistas
pelos detalhes, sobretudo, sem
se fixar nas oscilações de curto
prazo. Aplicadores interessados
em dividendos – ou na remuneração distribuída aos acionistas
em decorrência dos lucros da
empresa – têm de evitar o frenesi
dos pregões. Entrar no mercado
acionário pensando no curto
ou no curtíssimo prazo é para
poucos. Para a maioria, cabe conhecer bem a empresa em cujas
ações o dinheiro será aplicado.
A novidade é singela: os
dividendos são tratados como
meio de obter renda constante
por muito tempo – e esta é de
fato uma abordagem inovadora, do ponto de vista da maioria
absoluta de investidores. Só ela
72 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
já justifica repassar o texto, que trata
de princípios básicos, como forma de
comparar dividendos e renda fixa.
Para os que já conhecem o mercado e termos como dividend yeld, o
porcentual que resulta da divisão do
valor do dividendo pago pela cotação
da ação – é possível seguir logo até os
capítulos finais, a começar da página
55, ou seja, os “finalmente” – na linguagem do personagem Odorico Paraguassu, de volta à notoriedade.
Há empresas pagadoras habituais de bons dividendos, das quais
a mais tradicional é a Souza Cruz.
O autor cita outras, recomendando
que os investidores não concentrem
as aplicações em uma só companhia.
Não é um negócio para os acomodados, que querem aplicar e “esquecer”,
olhando só o retorno pecuniário do
investimento. É preciso saber mais
sobre as empresas, sem ignorar o óbvio: os dividendos vêm dos lucros – e
se estes caírem, será inevitável que o
valor dos dividendos que serão distribuídos também caia, se não neste,
nos próximos anos.
Uma listagem de empresas que
pagam maiores dividendos, e que têm
tradição em fazê-lo, é o primeiro passo. E a listagem será facilmente encontrada, com alto grau de atualização, na
corretora por intermédio da qual o investidor opera em bolsa. Depois, será
preciso conhecer mais sobre a política
das empresas que pagam bons dividendos, para avaliar seu grau de comprometimento com tal diretriz.
Além disso, dois aspectos têm de
ser lembrados pelos investidores. Dividendos tendem a ser mais altos, em
termos reais, quando a inflação é
baixa – ou seja, a política macroeconômica dos últimos 15 anos foi
decisiva para transformar os dividendos num item muito importante do mercado de capitais. Segundo, se o aplicador quiser obter uma renda elevada, também
terá de ter um capital elevado. Se,
na média, uma carteira de dividendos rende, a título de dividend
yeld, 6% ao ano, para obter renda
anual de R$60 mil – ou seja, R$5
mil mensais – será preciso ter um
capital de R$1 milhão. É necessário fazer mais contas até que o
aplicador possa concluir se disporá de tempo para chegar lá.
*
FÁBIO PAHIM JR. É COORDENADOR EDITORIAL DA REVISTA DA NOVA BOLSA.
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07/10/2010 16:12:30
contraponto
74 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
BIBLIOTECA MÁRIO DE ANDRADE:
NO PRÉDIO ART
DÉCO, RENASCE
UM MARCO
DA CULTURA
BRASILEIRA
POR humberto werneck* FOTOS agência luz
e acervo da biblioteca mário de andrade
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 75
contraponto
S
egunda maior biblioteca pública do País, atrás apenas da
bicentenária Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, a Mário de
Andrade, no Centro da São Paulo,
acumulou história e prestígio, além
de tesouros bibliográficos, ao longo
de seus 86 anos de existência. Lamentavelmente, acumulou também,
sobretudo nas últimas décadas, um
extenso rol de problemas, tão graves
que, em 2007, foi determinado seu
fechamento ao público para que passasse por uma reforma cada vez mais
imperiosa. Já não se tratava apenas de
estancar as goteiras de que já se queixava um de seus diretores, o escritor
Sérgio Milliet, mais de meio século
atrás. O valioso acervo, composto por
3,3 milhões de livros, periódicos, mapas e reproduções de arte, entre outros itens, tornou-se pasto de brocas e
cupins, que acabaram por tornar ilegíveis as páginas de muitas obras. Como
se isso não bastasse, tornou-se vítima
também de ladrões, responsáveis
pelo desaparecimento, constatado
em 2006, de preciosos livros e centenas de gravuras, muitos dos quais
ainda não recuperados.
76 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
Hoje, pode-se dizer que o pesadelo ficou para trás. Concluída a primeira parte da reforma iniciada em setembro de 2007, ao custo total de R$16,4
milhões, financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) em parceria com a prefeitura
paulistana, em julho de 2010 foi aberta novamente ao público, com outra
cara, a Biblioteca Circulante – que
permite empréstimo de livros – da
Mário de Andrade. (Chegou a existir
uma biblioteca literalmente circulante, criada em 1936, sob a forma de
um ônibus carregado de livros – para
consulta apenas – que fazia ponto em
algumas praças da cidade.) Outros setores, como a seção de Obras Raras e
Especiais, seriam entregues em janeiro, ao mesmo tempo em que chegavam ao fim os trabalhos de paisagismo
no entorno do prédio, na Praça Dom
José Gaspar. A reforma, segundo o secretário municipal de Cultura, Carlos
Augusto Calil, se insere num esforço
mais amplo para a revitalização do
Centro de São Paulo.
“A intervenção em curso devolve a Mário o lugar que é só seu – na
praça, na cidade, no País”, disse o secretário por ocasião da reabertura da
Circulante, lembrando que por muitos anos a biblioteca esteve “engradada, voltada para dentro de si própria,
escura e deprimida”. Literalmente engradada: só agora foram removidas as
feias, ostensivas, quase agressivas grades que, por tanto tempo, isolaram
o prédio dos jardins que a rodeiam
– em cujo espaço, agora embelezado
e revitalizado, um Mário de Andrade
em bronze, por Bruno Giorgi, convive com Dante Alighieri, Luís de Camões, Goethe, Miguel de Cervantes
e, estranho musical nesse ninho literário, o compositor Frédéric Chopin.
A simples devolução da Circulante aos leitores já contribuíra para
injetar vida na região. “Fico orgu-
lhosa de colocar nesta praça mais
setecentas e tantas pessoas todos os
dias”, comemora a bibliotecária Maria Christina Barbosa de Almeida, há
quase dois anos diretora da Mário
de Andrade, referindo-se ao número
médio diário de frequentadores.
E tudo ali vai melhorar ainda
mais quando estiverem concluídas,
na mesma praça, as obras de reforma do antigo edifício do Instituto de
Previdência do Estado de São Paulo
(Ipesp), anexo cujos 16 andares vão
acolher os mais de 2,8 milhões de
jornais e revistas que compõem a
hemeroteca da Mário de Andrade.
Mas não será necessário aguardar por
essa última providência para avaliar a
envergadura do que vem sendo feito
desde setembro de 2007. Merece relato pormenorizado, por exemplo, o
trabalho de desinfestação dos mais de
200 mil volumes da Coleção Geral da
biblioteca, atacados ou ameaçados pelas brocas e cupins – processo por que
vão passar, também, milhões de jornais e revistas antes de serem acomodados no anexo. Lá, como no prédio
principal, medidas de segurança foram tomadas para evitar a entrada de
outro tipo de invasores – os humanos
que saquearam o setor de Obras Raras
e Especiais, levando, além de livros,
cerca de duzentas gravuras, entre elas
algumas de Debret e Rugendas.
A ação da polícia, logo após o
anúncio do saque, em setembro de
2006, permitiu que algumas obras
fossem recuperadas nas mãos de alfarrabistas ou em leilões de arte. Foi
o caso do Manual do fazendeiro, ou
Tratado doméstico sobre as enfermidades dos negros, do médico francês J. B.
A. Imbert, de 1834. “Dele só existem
dois exemplares no mundo, um na
Mário de Andrade e outro na Inglaterra”, conta o bibliotecário Rizio Bruno Sant’Ana, curador de Obras Raras
e Especiais da casa. Voltou também
um desenho original de José Wasth
Rodrigues, artista brasileiro do século XX que trabalhou na documentação de casas coloniais brasileiras.
Mas ainda não foi recuperado o livro
Souvenirs do Rio de Janeiro, com doze
gravuras do suíço Johann Jacob Stein-
JAN/MAR 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 77
contraponto
mann, introdutor da litografia no Brasil, que viveu aqui de 1825 a 1833.
Pelas últimas contas do curador, das
duzentas gravuras roubadas apenas
20 foram reintegradas ao acervo. Discute-se a necessidade de fazer seguro,
mas essa é uma questão complicada
pelos altos custos e pela dificuldade
em fixar o valor das obras. Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo por
ocasião da descoberta do furto divergiram, por exemplo, quanto ao valor
– de US$10.000 a US$100.000 – de
uma das peças surrupiadas, um livro
de horas (espécie de missal) impresso
em pergaminho em 1501, em Paris.
projeto de recuperação
“A intervenção em
curso devolve à
Biblioteca Mário de
Andrade o lugar
que é só seu – na
praça, na cidade,
no País”
Carlos Augusto Calil, secretário municipal
de Cultura
78 REVISTA DA NOVA BOLSA
JAN/MAR 2010
Assinado pelo escritório Piratininga Arquitetos Associados, o projeto de reforma da Mário de Andrade
previu, basicamente, recuperação estrutural do prédio, impermeabilização das lajes, realização de obras de
segurança e restauro das fachadas e
do mobiliário original, além do paisagismo. Em outros tempos, durante
a administração da prefeita Marta Suplicy, sonhou-se com três subsolos,
que acolheriam a Circulante, e um
restaurante no último andar – o 22º
– da torre da Praça Dom José Gaspar,
servido por elevador panorâmico;
mas as sugestões do arquiteto Fábio
Penteado não emplacaram. Aquela
não foi, aliás, a primeira vez que se
frustrou uma ideia para o conjunto
arquitetônico – o qual, no papel, era
bem mais encorpado do que veio a
ser quando se materializou, em 1942.
Fundada em 14 de janeiro de
1925 como Biblioteca Municipal de
São Paulo, a Mário de Andrade foi
inaugurada em 1926, na Rua 7 de
Abril, 37, com 92 lugares para pesquisa e 15.000 livros doados pela Câmara Municipal. Em 1934, incorporouse à Biblioteca Pública do Estado – e
o crescimento do acervo, a partir de
então, passou a demandar instalações
cada vez mais amplas. Para esse processo de enriquecimento bibliográfico contribuiu, desde cedo, a aquisição de acervos particulares, como os
do escritor e político Félix Pacheco,
do crítico e historiador da literatura
Otto Maria Carpeaux e o do ensaísta
Paulo Prado, o principal mecenas da
Semana de Arte Moderna de 1922.
Na segunda metade da década
de 1930, o prefeito Fábio Prado deu
os primeiros passos para instalar a biblioteca em espaço mais confortável.
Seu sucessor, Francisco Prestes Maia,
foi adiante: desapropriou, não longe
dali, na esquina das ruas São Luís e
Consolação, o Palácio São Luís, sede
do arcebispado paulistano, para em
seu lugar construir uma praça (que,
em 1949, seria batizada em homenagem ao arcebispo Dom José Gaspar,
morto em acidente aéreo em 1943) –
e nela erguer, entre 1938 e 1942, um
prédio condigno para a biblioteca.
O projeto, considerado um marco na arquitetura art déco na cidade,
foi encomendado ao francês Jacques
Pilon e previa a construção de duas
torres. Mas Prestes Maia, que era engenheiro e arquiteto, além introduzir modificações no desenho de Pilon, vetou a segunda torre – por conta, há quem diga, da antipatia que
tinha por Mário de Andrade, por ele
demitido da diretoria do Departamento de Cultura em 1938. Qualquer que tenha sido a motivação, o
veto de Prestes Maia – que viveria
o bastante para ver a biblioteca ganhar, em 1960, o nome do escritor,
falecido em 1945 – criou para a instituição um problema de espaço que
não parou de se agravar. A tal ponto
que, a partir da década de 1970, foi
necessário remover setores inteiros
da biblioteca, como a Circulante e a
seção de Periódicos, para locais distantes de seu prédio.
JAN/MAR
abr/jun 2010
REVISTA DA NOVA BOLSA 79
contraponto
Maria Christina Barbosa de Almeida, diretora da Biblioteca Mário de Andrade
Os frequentadores diários chegam a 770, mas ela quer atrair mais pessoas para leitura e
lazer. Diz que, em breve, haverá um café, a ser explorado pela Associação dos Amigos da
Biblioteca Mário de Andrade, no espaço de convivência.
A ideia de tirar do papel a segunda torre volta e meia ressurgia, até ser
definitivamente enterrada em 1970,
quando, em busca de solução para o
sufoco, a Prefeitura decidiu construir
uma biblioteca numa nesga entre
a Rua Vergueiro e a Avenida 23 de
Maio – projeto que, sem resolver o
problema, acabou dando origem ao
Centro Cultural São Paulo, inaugurado em 1982. Só agora, com a incorporação do antigo prédio do Ipesp, e
sua reforma, ao custo de R$11,6 milhões, haverá desafogo na Biblioteca
Mário de Andrade. A aquisição desse
anexo, disse o secretário Calil, finalmente concretiza “o desejo histórico
da segunda torre”.
Desde a reabertura da Circulante, seus usuários podem desfrutar de
confortos impensáveis para quem a
frequentou na fase pré-reforma. A
entrada principal, que durante anos
abria para a Rua da Consolação, voltou a ser pela São Luís; agora ocioso,
o antigo saguão de entrada passará a
ser espaço para exposições. Ali perto, onde antes havia fichários, uma
sala acolhe a Coleção São Paulo que
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conta com 1.335 obras sobre a capital paulista. Ao lado da nova portaria,
criou-se um amplo e bem iluminado
“espaço de convivência” para quem
quiser ler revistas e os jornais do dia.
No lado oposto fica a sala de leitura da Biblioteca Circulante, aberta ao público das 8h30 às 20h30, de
segunda a sexta-feira, e das 10h00 às
17h00, aos sábados. Os números de
setembro informam que 770 pessoas
por dia, em média, lá estiveram e que,
ao final do mês, 4.588 livros haviam
sido emprestados, sempre pelo prazo de 15 dias. O mais consultado foi
Para viver um grande amor, coletânea
de crônicas e poemas de Vinicius
de Moraes, junto com Ode triunfal e
outros poemas, de Fernando Pessoa,
Nosso lar, ditado a Chico Xavier, pelo
espírito de André Luís Criança 44,
policial do inglês Tom Rob Smith, e
o romance Viciada em feng shui, do irlandês Brian Gallagher. Oito leitores
estavam na fila de espera para ter nas
mãos o best-seller 1808, de Laurentino Gomes, sobre a chegada da Corte portuguesa em Brasil, e A cabana,
romance do espanhol Vicente Blasco
Ibañez. Quatro esperavam sua vez
para ler A menina que roubava livros,
do romancista australiano Markus
Zusak, e duas, Clarice, a monumental
biografia de Clarice Lispector pelo
americano Benjamin Moser.
Com quase 42.000 livros e capacidade para 130 usuários, a Biblioteca
Circulante nem de longe lembra (a não
ser pelo mobiliário, reformado com esmero) o ambiente quase inóspito dos
tempos que precederam a reforma.
“Viva a diferença”, diz Edmundo
Juarez Filho, de 51 anos, frequentador da Mário de Andrade desde 1999
e que atualmente passa o dia inteiro
às voltas com a preparação de uma
tese de doutoramento em literatura brasileira. Ele conta que, antes da
reforma, o tempo entre pedir livros
– três de cada vez, no máximo – e
recebê-los na mesa, levados por atendentes em geral de má vontade, era
tão longo que lhe permitia sair, caminhar algumas quadras até o Teatro
Municipal, assistir a pelo menos parte de um programa cultural e retornar
Edmundo Juarez Filho, frequentador
Passa o dia inteiro na Biblioteca Mário de
Andrade, onde se prepara para uma tese
de doutoramento em literatura brasileira.
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contraponto
Eduardo Fonseca, advogado
Estudando para um concurso público, aproveita para ler Steinbeck, Salinger e Auster no
mezanino da biblioteca, com “conforto e acesso fácil aos livros”.
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à biblioteca. Os funcionários, elogia
Edmundo, são tão gentis quanto eficientes e o ambiente é ótimo, avalia
ele, embora se queixe da falta de telefone público e ambiente externo
para relaxar nos intervalos da leitura,
e também da ideia, a seu ver infeliz,
de instalar terminais de pesquisa junto às mesas, pois não raro os usuários
dos computadores promovem ali um
incômodo bate-papo.
Foi por isso, justamente, que o
jovem advogado Eduardo Fonseca
decidiu refugiar-se no sossego do
recém-construído mezanino. Morador no distante bairro do Morumbi,
ele se aloja nas alturas quase todos
os dias, das 8h30 às 18h30, desde
que a biblioteca reabriu. Está se preparando para um concurso público,
mas dá sempre um jeito de entremear literatura prazerosa (romances
dos americanos John Steinbeck, J.D.
Salinger e Paul Auster, por exemplo)
Os números grandiosos da segunda
maior biblioteca pública do País
na aridez de suas leituras de trabalho. “Uma coisa boa aqui é o conforto e o acesso fácil aos livros”, diz
Eduardo, frequentador da biblioteca
há cinco, seis anos.
Já Edmundo, no térreo, reclama
da demora em dotar a biblioteca de
uma cafeteria e do fato de a sala de
leitura não ser um ambiente wi-fi,
para que os usuários munidos de notebooks, cada vez mais numerosos,
possam pesquisar na internet. “Estamos cuidando disso”, tranquiliza a
diretora Maria Christina Barbosa de
Almeida, ao mesmo tempo em que
anuncia para breve a abertura de um
café – a ser explorado pela Associação
dos Amigos da Biblioteca Mário de
Andrade – no espaço de convivência.
A frequência segue sendo a mesma de outros tempos, com dois troncos predominantes. Os jovens quase
sempre são estudantes em busca de
elementos para seus trabalhos escolares. Entre os adultos, em sua maioria
homens e na faixa dos 40 anos para
cima, há boa quantidade em preparativos para concursos públicos – além
de amantes da leitura, simplesmente,
muitos deles moradores das proximidades da biblioteca. Entre estes, contam-se alguns que, muito pobres, não
têm onde morar e passam a noite em
albergues. É o caso de uma estrangeira que, avessa à curiosidade alheia,
pois teme a exploração sentimental
de sua aflitiva situação de vida, bate
ponto na Mário de Andrade todas as
manhãs. Outro habitué é um homem
de meia idade que invariavelmente
vai direto à prateleira das bíblias e, às
vezes, se põe a ler ou discursar em voz
alta – até que o mandem calar-se.
Em padrão menos bizarro que
esse pregador solitário, a dona de
casa Alair Cozzetti vai à Biblioteca
Mário de Andrade uma vez por semana, sempre às sextas-feiras, numa
longa viagem que a leva da Freguesia
3.316.680
itens compunham, em outubro de 2010, o acervo da Biblioteca
Mário de Andrade. Entre eles:
326.700
livros da Coleção Geral
41.462
livros da Biblioteca Circulante
3.647
obras de referência
11.980
mapas
51.000
obras raras
70.000
livros, reproduções e outros
itens de arte
1.990.000
jornais
850.000
revistas
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Desinfestação
GUERRA a BROCAS E CUPINS
F
oi em 2002 que soou o alarme: o acervo da Biblioteca Mário de Andrade estava infestado
por brocas e cupins. O que não era de espantar, explica o supervisor do acervo, bibliotecário
William Okubo, há seis anos na casa: o fato de a Mário de Andrade estar situada numa praça,
tipo de espaço onde costuma ser grande a circulação de insetos, já colocaria os impressos em perigo
– e ainda mais quando há o hábito de deixar abertas portas e janelas. Além disso, o ambiente nas salas, nas quais não havia termo-higrômetros, era quente e úmido, ideal para a proliferação de brocas
e cupins. O correto, ensina Okubo, seria manter a temperatura entre 19 e 22 graus centígrados e a
umidade do ar entre 45% e 50%.
Um paciente trabalho de limpeza, volume por volume, com o auxílio de escovinhas e de pinças
para capturar as brocas – vorazes besourinhos que podem medir até 9 milímetros –, muitas das
quais vivas e ativas, revelou que em alguns corredores quase 100% dos livros haviam sido atacados.
Isso não acontecia, felizmente, no setor de Obras Raras e Especiais, pois nos cinco andares que ocupava todos os cuidados eram tomados. Também a Biblioteca Circulante havia sido poupada.
Em 2006, depois daquela primeira limpeza, os livros em que foram encontradas brocas foram
acondicionados em sacos de TNT (o “tecido não tecido”), como forma de separá-los dos demais. Mas
não basta remover as brocas, explica William Okubo, pois muitas vezes restam seus ovos. Por isso, em
2009, cerca de 200.000 volumes foram acondicionados em 4.500 caixas de papelão de alta resistência e transportados para um galpão alugado em Santo Amaro. Ali, divididos em três lotes, passariam
cerca de quarenta dias no interior de uma enorme bolha de plástico, na qual foi injetado nitrogênio
para expulsar o oxigênio, provocando assim a morte dos insetos remanescentes.
De volta ao prédio da Praça Dom José Gaspar, os livros passaram a ser conservados em recintos
fechados e providos de termo-higrômetros. Todas as semanas, os cinco integrantes da equipe de
preservação do acervo percorrem as prateleiras e, por amostragem, vão levantando os volumes,
em busca do pó que acusaria a presença de brocas e cupins. “Ainda não achamos nada”, comemora
William Okubo – e informa que os 2,8 milhões de itens do setor de periódicos passarão pelo mesmo
processo, antes serem acomodados, em meados do ano, no anexo da Biblioteca Mário de Andrade.
Não se descuida, igualmente, dos livros que não cessam de se incorporar às diversas coleções,
seja por compra, seja por doação, pois podem estar infestados de insetos e contaminar o acervo.
E não é pouca coisa: entre janeiro e
setembro de 2010, a biblioteca adquiriu 5.697 livros novos, um investimento de R$123 mil. No mesmo
período, a Circulante recebeu em
doação 3.082 volumes, e a Coleção
Geral, 668. Tudo o que entra, conta
William Okubo, passa por exame, ou
mesmo quarentena, antes de ganhar
espaço nas estantes.
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Uma vez por semana,
sempre às sextas-feiras,
sai da Freguesia do Ó e
vai à Biblioteca Mário de
Andrade, no Centro, para
ver as novidades e tomar
livros por empréstimo
Alair Cozzetti, dona de casa
do Ó ao Centro em duas conduções
– mas não toma assento na sala nem
se demora: guiando-se apenas pelos
textos das quartas capas dos livros
expostos na prateleira das Novidades, ela escolhe dois e faz o caminho
de volta para casa. Em geral, lê duas
vezes cada obra: “Na primeira leitura”, explica, “estou tão empolgada
que vou depressa demais”. Ela adora
romances (do peruano Vargas Llosa, por exemplo) e biografias – uma
das últimas que leu foi a de Dalva de
Oliveira e Herivelto Martins, Minhas
duas estrelas, do filho de ambos, o
cantor Peri Ribeiro. “O Herivelto”,
critica Alair Cozzetti, “era odioso, batia na Dalva, mas o livro é ótimo”.
Entre os milhares de usuários que
a Biblioteca Mário de Andrade veio
acolhendo em seus 86 anos de vida,
há nomes conhecidos e alguns têm
sido convidados a gravar depoimentos
para o Projeto Memória Oral, criado
em 2005. Até o final de 2010, sessenta
escritores, artistas, pesquisadores e exdiretores da casa já haviam registrado
a história de sua relação com a biblioteca. Entre eles, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso
e a falecida antropóloga Ruth Cardoso, sua mulher, o escritor e músico Jorge Mautner, o historiador Carlos Guilherme Mota, a dramaturga Consuelo
de Castro, o novelista Manoel Carlos,
os artistas plásticos Marcelo Grass-
mann e Maria Bonomi, o estudioso
de cinema Jean-Claude Bernardet e o
ficcionista Ignácio de Loyola Brandão.
É pena que a morte do contista
João Antônio, em 1996, nove anos
antes da criação do Projeto Memória
Oral, tenha impossibilitado o registro
de uma história talvez única, a de uma
obra literária que foi escrita de ponta
a ponta nas dependências da Biblioteca Mário de Andrade. Em 1960,
um incêndio doméstico destruiu o
manuscrito daquela que talvez seja a
obra-prima do escritor paulista, o conto “Malagueta, Perus e Bacanaço”. O
autor já estava se conformando com
a perda quando o escritor Mário da
Silva Brito conseguiu para ele o direito
de usar uma das cabines de pesquisa
da Biblioteca Mário de Andrade – reduto tranquilo e silencioso no qual,
durante vários meses, João Antônio
pôde reconstituir a obra-prima que
daria título a seu premiado livro de
estreia, lançado em 1963. Meio século
depois, e ao cabo de uma reforma que
tomou três anos, também as dezesseis
cabines da Mário de Andrade ganharam cara nova e mais conforto – até
mesmo para que eventualmente se
possa, nelas, dar final feliz a tragédias
como aquele incêndio que por pouco
não nos privou de um clássico da moderna literatura brasileira.
*humberto werneck
JAN/MAR 2010
É JORNALISTA.
REVISTA DA NOVA BOLSA 85
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