UNIVERSIDADE VILA VELHA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA
RAQUEL OTONI DE ARAÚJO
PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL NO CONTEXTO DE DESASTRES
SOCIOAMBIENTAIS: UM ESTUDO COMPARATIVO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA
VILA VELHA/ES
AGOSTO/2014
UNIVERSIDADE VILA VELHA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA
PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL NO CONTEXTO DE DESASTRES
SOCIOAMBIENTAIS: UM ESTUDO COMPARATIVO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Sociologia Política do Programa de Pós Graduação em
Sociologia Política da Universidade Vila Velha, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Sociologia Política.
Orientador: Prof. Dra. Teresa da Silva Rosa
RAQUEL OTONI DE ARAÚJO
VILA VELHA/ES
AGOSTO/2014
2
RAQUEL OTONI DE ARAÚJO
PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL NO CONTEXTO DE DESASTRES
SOCIOAMBIENTAIS: UM ESTUDO COMPARATIVO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Sociologia Política do Programa de Pós
Graduação em Sociologia Política da Universidade Vila Velha, como requisito para obtenção
do título de Mestre em Sociologia Política.
Aprovada em 11 de agosto de 2014.
3
Catalogação na publicação elaborada pela Biblioteca Central / UVV-ES
A663p
Araújo, Raquel Otoni de.
Proteção e defesa civil no contexto de desastres
socioambientais: um estudo comparativo das políticas públicas da
comunidade dos países de língua portuguesa / Raquel Otoni de
Araújo. – 2014.
197 f.: il.
Orientador: Teresa da Silva Rosa.
Dissertação (mestrado em
Universidade Vila Velha, 2014.
Inclui bibliografias.
Sociologia
Política)
-
1. Políticas públicas. 2. Desastres – Aspectos ambientais.
3. Avaliação de riscos ambientais. I. Rosa, Teresa da Silva. II.
Universidade Vila Velha. III. Título.
CDD 363.7
4
LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS1
ANPC
BBC
CEMADEN
CENAD
CEPED
CMPC
CNOS
CNPC
CNPC
COMDEC
CONPDEC
CPLP
CRED
EMBCV
FUNCAP
GAR
GPDRR
IBGE
IDNDR
IILP
IPT
IRCD
ISA
ISDR
NADE
NOVA
PNUD
PNDC
PNPDEC
QAH
QAH2
RRD
SEDEC
SEOBRAS
SINDEC
SINPDEC
SIOPS
SMPC
SNPC
SNPCB
TEPT
UBPLP
UNFPA
UNISDR
UNOCHA
Autoridade Nacional de Protecção Civil (Portugal ou Cabo Verde)
British Broadcasting Corporation
Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais
Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres
Centros Universitários de Estudos e Pesquisas sobre Desastres
Conselhos Municipais de Protecção Civil (Cabo Verde)
Comando Nacional de Operações de Socorro
Conselho Nacional de Protecção Civil (Cabo Verde)
Comissão Nacional de Protecção Civil (Portugal)
Conselho Municipal de Defesa Civil
Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Centre for Research on the Epidemiology of Disasters
Embaixada de Cabo Verde no Brasil
Fundo Especial para Calamidades Públicas
Global Assessment Report
Global Platform for Disaster Risk Reduction
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
International Decade for Natural Disaster Reduction
Instituto Internacional da Língua Portuguesa
Instituto de Pesquisas Tecnológicas
International Research Committee on Disasters
International Sociological Association
International Strategy for Disaster Reduction
Núcleo de Análise e Diagnóstico de Escorregamentos
National Organization for Victims Assistence
Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Política Nacional de Defesa Civil
Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
Quadro de Ação de Hyogo (2005-2015)
Quadro de Ação de Hyogo 2 (a partir de 2015)
Redução de Risco de Desastre
Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil
Secretaria de Estado de Obras do Rio de Janeiro
Sistema Nacional de Defesa Civil
Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil
Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro (Portugal)
Serviços Municipais de Protecção Civil (Portugal)
Secretaria Nacional de Protecção e Defesa Civil (Cabo Verde)
Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros (Cabo Verde)
Transtorno do Estresse Pós Traumático
União de Bombeiros dos Países de Língua Portuguesa
United Nations Population Fund
United Nations International Strategy for Disaster Reduction
United Nations Office for the Coodnation of Humanitarian Affairs
1
Quando necessário, serão diferenciadas, no decorrer do trabalho, as siglas que são iguais, mas se referem a
órgãos ou países diferentes, como a ANPC, que se refere ora a Portugal ora a Cabo Verde.
5
UN-SPIDER United Nations Space-based Information for Disaster Management and
Emergency Response
USAid
United States Agency for International Development
WCNDR
World Conference on Natural Disaster Reduction
WFP
World Food Program
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Desastres naturais...................................................................................................41
Quadro 2 – COBRADE............................................................................................................41
Quadro 3 – As cinco teses de Beck sobre o risco.....................................................................60
Quadro 4 – Os dez passos para a construção de uma Cidade Resiliente..................................79
Quadro 5 – Artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.......................................84
Quadro 6 – Modelos de Políticas Públicas...............................................................................90
Quadro 7 – Prioridades de ação e objetivos estratégicos do QAH.........................................101
Quadro 8 – Ações intra CPLP.................................................................................................116
Quadro 9 – Ações entre a CPLP e Entidades da Sociedade Civil..........................................117
Quadro 10 – Acordos entre a CPLP e Organizações Internacionais.......................................117
Quadro 11 – Objetivos da PNPDEC.......................................................................................128
Quadro 12 – Conceito das categorias desastre segundo as políticas públicas e os atores
entrevistados...........................................................................................................................147
Quadro 13 – Conceito das categorias vulnerabilidade segundo as políticas públicas e os atores
entrevistados...........................................................................................................................149
Quadro 14 – Conceito das categorias risco segundo as políticas públicas e os atores
entrevistados...........................................................................................................................150
Quadro 15 – Conceito das categorias resiliência segundo as políticas públicas e os atores
entrevistados...........................................................................................................................151
Quadro 16 – Relevância das categorias por país....................................................................152
Quadro 17 – Categoria principal.............................................................................................153
Quadro 18 – Presença das prioridades de ação na Lei de Bases.............................................157
Quadro 19 – Presença das prioridades de ação na Lei 12/VIII/2012......................................158
Quadro 20 – Presença das prioridades de ação na Lei 12.608................................................159
Quadro 21 – Iniciativas do plano de atividades......................................................................162
Quadro 22 – Intercâmbio e comunicação entre os países da CPLP........................................170
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Porcentagem de alunos na escola............................................................................56
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mapa de Cabo Verde.............................................................................................138
6
RESUMO
ARAÚJO, Raquel Otoni de. Mestre em Sociologia Política. Universidade Vila Velha-ES.
Agosto, 2014. Proteção e Defesa Civil no contexto de desastres socioambientais: um estudo
comparativo das políticas públicas da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Orientador: Teresa da Silva Rosa.
Portugal, Brasil e Cabo Verde são países que enfrentam diferentes desastres socioambientais,
que vêm a intensificar as vulnerabilidades já existentes e construídas historicamente. Numa
tentativa de mitigar os riscos e construir comunidades resilientes, os três países assinaram o
Quadro de Ação de Hyogo (QAH) em 2005, da United Nations International Strategy for
Disaster Reduction. Este presente trabalho tem por objetivo responder às questões: a política
nacional de cada um destes países foi desenvolvida compreendendo as discussões sobre
desastres, vulnerabilidades, riscos e resiliência? E como o Brasil, Portugal e Cabo Verde se
posicionam quanto a discussão internacional sobre o QAH? Para tal, utiliza-se como
procedimento metodológico uma revisão de literatura sobre as categorias desastre,
vulnerabilidade, risco e resiliência bem como sobre políticas públicas, o QAH e as leis de
Proteção e Defesa Civil do Brasil, de Portugal e de Cabo Verde. Também foi aplicado um
questionário a gestores da Proteção e Defesa Civil dos países citados, através do qual buscouse verificar: (1) a inserção e conceituação das categorias desastre, vulnerabilidade, risco e
resiliência em cada política nacional de Proteção e Defesa Civil dos países investigados; (2) a
influencia do QAH na elaboração e implementação de cada política nacional de Proteção e
Defesa Civil dos países investigados; e (3) a comunicação e intercâmbio entre os países da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Pôde-se concluir que a perspectiva
tradicional das políticas nacionais pesquisadas sobre desastre, vulnerabilidade, risco e
resiliência não condiz com a prática baseada na gestão de risco que elas desenvolvem, como
proposto pelo QAH. Também foi possível concluir que há certa comunicação e intercâmbio
entre os países da CPLP no tocante às iniciativas de redução do risco de desastre (RRD),
principalmente entre Portugal, Cabo Verde, Angola, Moçambique e Brasil.
Palavras-chave: Desastre. Vulnerabilidade. Risco. Resiliência. Políticas Públicas. Quadro de
Ação de Hyogo. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
7
ABSTRACT
ARAÚJO, Raquel Otoni de. Master in Political Sociology. Universidade Vila Velha-ES.
August, 2014. Civil Protection and Defense in the context of socioenvironmental disasters: a
comparative study of public policies from the Community of Portuguese Language Countries.
Professor: Teresa da Silva Rosa.
Portugal, Brazil and Cape Verde are countries that face different socioenvironmental
disasters, which come to intensify the pre-existing and historically constructed vulnerabilities.
Trying to mitigate the risks and to build resilient communities, the three countries have signed
the Hyogo Framework for Action (HFA) in 2005, from United Nations International Strategy
for Disaster Reduction. This present paper has the goal of answering the questions: has the
national policy from each of these countries been developed understanding the discussion
about disasters, vulnerabilities, risks and resilience? And how are Brazil, Portugal and Cape
Verde positioned regarding the international discussion about the HFA? To this, it is used as
methodological procedure a literature review on the categories disaster, vulnerability, risk and
resilience as well as on public policies, on the HFA and on the Civil Protection and Defense
laws from Brazil, Portugal and Cape Verde. It was also applied a questionnaire to the Civil
Protection and Defense managers from the appointed countries, through which was attempted
to verify: (1) the insertion and conceptualization of the categories disaster, vulnerability, risk
and resilience in each Civil Protection and Defense national policy from the researched
countries; (2) the influence of the HFA in the elaboration of each Civil Protection and
Defense national policy from the researched countries; and (3) the communication and
interchange between the Community of Portuguese Language Countries (CPLP). It was
concluded that the traditional perspective of the national policies researched about disaster,
vulnerability, risk and resilience does not match with their developed practice based on risk
management, as suggested by the HFA. It was also possible to conclude that there is some
communication and interchange between the CPLP countries regarding the initiatives of
disaster risk reduction (DRR), especially between Portugal, Cape Verde, Angola,
Mozambique and Brazil.
Key words: Disaster. Vulnerability. Risk. Resilience. Public Politics. Hyogo Framework for
Action. Community of Portuguese Language Countries.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
1
DESASTRES,
VULNERABILIDADE,
RISCOS
E
RESILIÊNCIA:
DEFINIÇÕES E PERSPECTIVAS.......................................................................................23
1.1 DESASTRES...............................................................................................................25
1.1.1
A DIMENSÃO ESPAÇO-TEMPORAL DO DESASTRE..............................30
1.1.2
A DIMENSÃO SOCIAL DO DESASTRE......................................................34
1.1.3
UMA SISTEMATIZAÇÃO DA PERCEPÇÃO E DOS ESTUDOS DO
DESASTRE: AS VISÕES DE GILBERT E PERRY.......................................................36
1.1.4
ALGUMAS CLASSIFICAÇÕES DE DESASTRE: FATORES AMBIENTAIS
E SOCIAIS........................................................................................................................40
1.1.5
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS DIFERENTES PERSPECTIVAS
DA CATEGORIA DESASTRE.......................................................................................45
1.2 VULNERABILIDADE...............................................................................................46
1.2.1
A
DINÂMICA
TEMPORAL
DA
VULNERABILIDADE:
DADOS
ESTATÍSTICOS BRASILEIROS....................................................................................54
1.2.2
A VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL............................................57
1.3 RISCO..........................................................................................................................58
1.4 RESILIÊNCIA............................................................................................................73
2
MARCOS POLÍTICOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO
CIVIL: UMA CARACTERIZAÇÃO...................................................................................84
2.1 POLITICAS
PÚBLICAS:
CONSTRUÇÃO,
IMPLEMENTAÇÃO
E
NEGOCIAÇÃO...................................................................................................................85
9
2.1.1
CONSTRUÇÃO...............................................................................................88
2.1.2
IMPLEMENTAÇÃO........................................................................................92
2.1.3
NEGOCIAÇÃO................................................................................................94
2.2 O QUADRO DE AÇÃO DE HYOGO (QAH): BREVE HISTÓRICO DA
CONSTRUÇÃO
DO
MARCO
REFERENCIAL
INTERNACIONAL
E
A
DISCUSSÃO ATUAL.........................................................................................................96
2.2.1
A DISCUSSÃO PRÉVIA À 2005....................................................................96
2.2.2
O QUADRO DE AÇÃO DE HYOGO (QAH) 2005-2015..............................98
2.2.3
O NATIONAL HFA MONITOR 2 E O GLOBAL ASSESSMENT REPORT
(GAR): MECANISMOS DE AVALIAÇÃO E DE DIVULGAÇÃO............................103
2.2.4
QUADRO DE AÇÃO DE HYOGO 2 (QAH2)..............................................106
2.3 A COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LINGUA PORTUGUESA (CPLP)..........109
2.3.1
HISTÓRICO...................................................................................................111
2.3.2
OBJETIVOS E ÓRGÃOS DA CPLP.............................................................113
2.3.3
ACORDOS E COOPERAÇÃO......................................................................115
2.3.4
A RELAÇÃO DA CPLP COM A RRD.........................................................119
2.3.5
AS POLÍTICAS NACIONAIS DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL...........120
2.3.5.1 BRASIL: A POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA
CIVIL..........................................................................................................................120
2.3.5.2 PORTUGAL: A LEI DE BASES DA PROTEÇÃO CIVIL...........................131
2.3.5.3 CABO VERDE: A LEI 12/VIII/2012.............................................................136
2
“Monitor Nacional QAH”. Tradução nossa.
10
3
ANÁLISE DE CONTEÚDO: AS POLITICAS NACIONAIS DE PROTEÇÃO E
DEFESA CIVIL DOS PAÍSES DA CPLP..........................................................................145
3.1 CATEGORIAS CONCEITUAIS............................................................................146
3.1.1
O CONCEITO DAS CATEGORIAS PRESENTE NA LEI..........................147
3.1.2
A INFLUÊNCIA DOS CONCEITOS NAS PRÁTICAS DE PROTEÇÃO
CIVIL..............................................................................................................................152
3.1.3
A
CATEGORIA
PRINCIPAL
PARA
O
ATOR
POLÍTICO
ENTREVISTADO..........................................................................................................153
3.2 A INFLUÊNCIA E O PAPEL DO QAH................................................................154
3.2.1
INFLUÊNCIA DO QAH NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA..................155
3.2.2
PRESENÇA
DAS
PRIORIDADES
DE
AÇÃO
DO
QAH
NA
POLÍTICA......................................................................................................................156
3.2.3
INCORPORAÇÃO DA NOÇÃO DE GESTÃO DE RISCO NAS AÇÕES DE
PROTEÇÃO CIVIL........................................................................................................160
3.2.4
PARTICIPAÇÃO DE OUTRAS SECRETARIAS NA GESTÃO DE
RISCO.............................................................................................................................166
3.2.5
PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA GESTÃO DE RISCO...................167
3.3 A INFLUÊNCIA E O PAPEL DA CPLP...............................................................169
3.3.1
AS AÇÕES DE COMUNICAÇÃO E INTERCÂMBIO................................170
3.3.2
MEIOS DE APRIMORAMENTO.................................................................172
CONCLUSÃO.......................................................................................................................174
REFERÊNCIAS....................................................................................................................178
ANEXO 1 – ENTREVISTA.................................................................................................194
11
INTRODUÇÃO
Segundo a Revisão Estatística Anual de Desastre (GUHA-SAPIR; HOYOIS; BELOW, 2013),
os desastres naturais
tiveram impacto devastador sobre a sociedade mundial. Foram
reportados 357 desastres naturais ao redor do mundo, somente no ano de 2012, que causaram
a morte de mais de 9655 pessoas, afetaram 122.9 milhões e resultaram num prejuízo
financeiro de US$ 157.3 bilhões. No total, foram 120 países atingidos por desastres e os dez
países mais atingidos, avaliados por grupos de danos (mortalidade, vítimas e prejuízo
econômico), representam 68,2% da mortalidade 3 , 76,2% das vítimas 4 e 95% do prejuízo
econômico5 do total dos desastres ocorridos em 2012. Dentre estes, os mais atingidos foram
China, Estados Unidos, Filipinas, Indonésia e Afeganistão. Ou seja, o maior impacto ficou
concentrado em um número menor de países. (ibid.)
Segundo o Global Assessment Report 6 (GAR) de 2013, da United Nations International
Strategy for Disaster Reduction7 (UNISDR), foram perdidos, somente devido aos desastres,
um trilhão de dólares, devido aos desastres além de um milhão de pessoas mortas, na última
década (UNISDR, 2013a). A seguradora internacional Munich Re., referida no GAR, calculou
uma perda de U$1.68 trilhões, de 2001 a 2011, relativas a desastres. De acordo com a mesma
publicação, apesar deste montante, esses dados não demonstram uma figura geral das perdas
resultantes dos desastres já que não abrangem as perdas não asseguradas e às provenientes de
desastres de menor escala e menos extensivos, com ocorrência em países com renda baixa ou
média.
A quantidade de ocorrências de desastres, somente em 2012 (357), representa um aumento de
2,3% da quantidade de desastres em 2011 (349), estando um pouco abaixo da média geral
entre 2002-2011 (394). Por um lado, estes números apontam para uma estabilização no
crescimento do número de ocorrências de desastres relatados ao Centre for Research on the
Epidemiology of Disasters 8 (CRED) e até uma possível, apesar de lenta, diminuição nas
ocorrências (GUHA-SAPIR; HOYOIS; BELOW, 2013). Por outro lado, o GAR afirma que,
mesmo que padrões e tendências indiquem um direcionamento na perspectiva e expectativa
de futuros desastres, a partir do passado, eles são insuficientes para preverem e estimarem as
3
Filipinas, China, Paquistão, Índia, Rússia, Afeganistão, Nigéria, Peru, Irã e Estados Unidos.
China, Filipinas, Nigéria, Bangladesh, Paquistão, Índia, Quênia, Níger, Mali e Sudão.
5
Estados Unidos, China, Itália, Reino Unido, Paquistão, Filipinas, Rússia, Japão, Ucrânia e Brasil.
6
Relatório de Avaliação Anual
7
Estratégia Internacional das Nações Unidas para Redução de Desastre
8
Centro de Pesquisa na Epidemiologia de Desastres. Tradução nossa.
4
12
perdas que possam ocorrer no presente e no futuro, já que grande parte dos desastres que
poderiam acontecer ainda não aconteceram (UNISDR, 2013a). Mais do que isto, cabe se
perguntar quem são os atingidos por tais desastres e, ainda, como ficam ou como foram
computadas as perdas daquelas populações que estão à parte das estatísticas das seguradoras.
Em 1992, as Nações Unidas organizaram a Rio 92 (ou Cúpula da Terra), conferência sobre
meio ambiente e desenvolvimento, para que o crescimento econômico fosse repensado, que a
equidade social fosse repensada e a proteção ambiental assegurada. Vinte anos depois, em
2012, foi realizada a Rio +20, discutindo o fim da pobreza, a renovação no modo de fazer
negócios e denunciando a destruição ambiental, a fim de que se construa um futuro marcado
pelo desenvolvimento sustentável (UNISDR, 2012a). Ou seja, em vinte anos, pelo menos três
temáticas importantes para o pensamento sobre desastres – degradação ambiental,
crescimento e pobreza – continuam na pauta de agenda internacional. É neste contexto que a
redução do risco de desastre (RRD) tem um importante papel, uma vez que, nestes vinte anos
(1992-2012), foram 4,4 bilhões de pessoas afetadas e 1,3 milhões de óbitos, por diversos
desastres, o que corresponde a quase 64% da população mundial. Quanto ao prejuízo
econômico, foram dois trilhões de dólares perdidos (ibid.). seu papel é de procurar alinhar as
agendas da sustentabilidade, de redução da pobreza e da mitigação de impactos negativos
sobre o meio ambiente.
Dentre estes números e estatísticas, destaca-se um país como introdutório nesta dissertação. O
Haiti será brevemente discutido, especificamente a partir do terremoto vivenciado em 2010.
Este evento iniciou o meu envolvimento com o tema dos desastres, tanto acadêmico quanto
prático. Desde julho de 2010, surgiu o interesse pela temática dos desastres e seus
desdobramentos psicossociais, realizando viagens curtas para o país, trabalhando
voluntariamente com assistência e desenvolvimento comunitário, pela ONG MAIS (Vila
Velha, ES). Como resultado, desenvolvi a monografia de conclusão de graduação em
Psicologia (Universidade Vila Velha, julho/2012) sobre as relações entre a Psicologia
Hospitalar e a Psicologia da Emergência e dos Desastres, refletindo o mesmo interesse inicial
pelo caso do Haiti. Ainda, diversos trabalhos têm sido apresentados sobre a temática dos
desastres perpassando a experiência haitiana desde então. Portanto, é sobre este pano de fundo
do caso haitiano que, hoje, venho fazendo uma reflexão sobre a RRD.
O Haiti foi afligido por um terremoto de 7,0 pontos na escala Ritcher no dia 12 de janeiro de
2010, que resultou em, aproximadamente 300 mil mortos, além dos desabrigados, que
13
contabilizaram mais de um milhão. Apesar do Haiti não ser o país tema desta dissertação, ele
é um bom ponto de partida na discussão que será desenvolvida aqui com relação aos desastres
associados às vulnerabilidades, aos riscos e à resiliência. Isto porque ele é um país com um
passado colonial, possuindo caraterísticas consequentes desta submissão econômica, secular e
injusta. Ele se situa sobre uma falha geológica, situação esta, aparentemente, negligenciada
por autoridades políticas e técnicas locais até o terremoto de janeiro de 2010. Dada a
vulnerabilidade socioeconômica construída no decorrer da sua história, o país recebeu ajuda
humanitária através de projetos de desenvolvimento da cooperação internacional durante
décadas (MATIJASCIC, 2010, 2012), o que parece não ter resultado numa mudança. Afinal,
o Haiti, de acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2013), é um dos países mais
pobres do mundo e o mais pobre das Américas, necessitando a melhoria dos seus serviços
básicos, já que, dos 10 milhões de haitianos, quase 80% vivem com menos de 2 dólares
americanos por dia. Isto é, a vulnerabilidade é uma marca que nos remete ao passado do país
e, consequentemente, à construção histórica da vulnerabilidade – o que é relevante para o
estudo, para que se entenda a vulnerabilidade socioambiental não somente como um fator do
presente, mas como uma característica que aponta para modelos construídos e mantidos
através do processo histórico de uma comunidade.
Neste sentido, cabe relembrar, muito brevemente, a história do Haiti, na qual destaca-se que o
país foi, primeiramente, colonizado por espanhóis, que dizimaram a população nativa e
trouxeram os negros africanos. Em 1697, os franceses passam a ser os colonizadores, período
no qual a ilha se tornou uma das colônias mais ricas do ocidente, dado o comércio do açúcar,
e no qual 90% da população era de escravos negros e 10% era da elite branca europeia.
(SOARES & SILVA, 2006). Os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade da Revolução
Francesa, país colonizador, se difundiram no final do século XVIII e a independência do Haiti
foi proclamada em primeiro de janeiro de 1804. Assim, o país se tornou a primeira colônia
independente, a primeira república negra que aboliu a escravatura (SOARES E SILVA,
2006). Os antigos escravos começaram a se dedicar à agricultura de subsistência, deixando a
produção de cana e os trabalhos nos engenhos de açúcar, tirando o Haiti do mercado de
açúcar mundial, o que impossibilitou o país a progredir na economia internacional, passando a
ser considerado um país independente pobre. (GORENDER, 2004)
Ao final do século XIX e no começo do século XX, houveram disputas internas pelo poder, o
que fez com que o Haiti se tornou ainda mais vulnerável quanto aos interesses externos e
14
quanto às intervenções internacionais que visavam conter revoltas populares (MATIJASCIC,
2010, 2012). Após diversas intervenções internacionais na primeira metade do século XX,
François Duvalier se tornasse presidente em 1956, transformando o governo em regime
autoritário seis anos depois. Seu filho, Jean-Claude Duvalier, assumiu o regime em 1971 e
manteve o autoritarismo até 1986 (ibid.). Em 1990, a Organização das Nações Unidas (ONU)
e a Organização dos Estados Americanos (OEA) instauraram uma missão conjunta de
observação eleitoral, cujas eleições foram vencidas por Jean-Bertrand Aristide, em fevereiro
de 1991, presidente deposto pelo general Raul Cedras em outubro de 1991, mas que voltou ao
poder pelas tropas de manutenção da paz da ONU. No total, foram cinco intervenções da
organização desde a década de 1990 até o presente. (ibid.)
Dado o objetivo de relatar brevemente a história do Haiti, faz-se um salto para a atualidade,
quando Michel Martelly foi empossado na presidência do país em maio de 2012. Porém, as
relações entre o Executivo e o Legislativo permaneceram conflituosas por conta de
discordâncias quanto a temas eleitorais. Desde o final de 2012, manifestações contra o
Governo ocorreram nas principais cidades, sobretudo, contra o aumento dos preços e
reivindicando as promessas de campanha não cumpridas, o que criou uma crescente agitação
social. Os protestos foram agravados com o impacto da seca e do furacões Sandy e Isaac
(eventos ocorridos em 2012), com o risco crescente de desnutrição e com a perda de poder de
compra em todo o Haiti, além da baixa capacidade de resposta local ao terremoto de 2010,
que ainda tem resquícios sociais, estruturais, econômicos e ambientais (UNOCHA, 2013).
Finalmente, destaca-se, nos aspectos sociopolíticos atuais do país, o redirecionamento do
financiamento provindo da ajuda humanitária como também o declínio no número de ONGs
presentes e atuantes no país, o que tem como consequência a diminuição dos esforços locais e
internacionais relacionados a prevenção e a resposta. (ibid.)
Com este breve relato sobre o Haiti, destacando a instabilidade política e a fragilidade de seu
processo de desenvolvimento, percebe-se a existência de causas socioeconômicas derivadas
do colonialismo e reforçadas pelas lutas de poder político local na base das condições de
vulnerabilidade (SANTOS, 2008). Acredita-se, portanto, que estas causas são fatores que
contribuem, no sentido dado por Cardona (2005), ao estabelecimento de uma situação a
vulnerabilidade socioeconômica e ambiental da população haitiana no tempo, ou seja,
condições vulneráveis construídas historicamente. (ARAÚJO, DA-SILVA-ROSA, 2013)
15
Tal situação, compreendida como um processo que se instala gradualmente, se reflete em
como os desastres afetam o Haiti, e como este responde e reage à tais eventos. O país é o que
teve maior número de óbitos, 230.675, consequentes de eventos naturais entre 1992 e 2012.
(UNISDR, 2012a). Somente em 2012, o Haiti foi o décimo país com maior número de
desastres reportados, sendo três desastres hidrológicos e dois meteorológicos, que resultaram
em 1,27/100.000 óbitos e em um prejuízo de 3,2% do produto interno bruto (PIB). (GUHASAPIR; HOYOIS; BELOW, 2013)
Como visto, a vulnerabilidade do Haiti é multidimensional na medida em que é constituída
por elementos ambientais e climáticos, mas abrange também outras áreas, já que, em 2013,
mais de 2,1 milhões de haitianos (23% da população) são afetados pela insegurança alimentar
severa (em 2011 eram 800 mil haitianos nesta condição) e 81.600 crianças abaixo de 5 anos
sofrem de desnutrição grave ou média (UNOCHA, 2013). Ainda, 42% da população vive sem
acesso à água potável (UNICEF, WHO, apud. ibid.), sendo que, dos 496 pontos de
fornecimento de água potável estabelecidos nas comunidades, apenas 23 mantêm o serviço
regular. Isto influencia no aumento de casos de cólera, ainda mais na época das chuvas, de
ciclones e de inundações. Tal problema se agrava com a falha na educação e na transmissão
de informação: apenas 52% das pessoas que vivem nos acampamentos conseguem identificar
pelo menos três práticas de prevenção da cólera, mesmo não contando com acesso escasso a
lavagem das mãos e/ou a instalações sanitárias. (UNOCHA, 2013)
Outro resultado da vulnerabilidade haitiana é a situação extrema da população rural,
intensificada na passagem do furacão Sandy em outubro de 2012, evento que destacou a
situação de risco dessa população localizada em áreas propensas a inundações. Acrescenta-se
a falta de acesso ao saneamento básico, relacionado aos altos níveis de defecação ao ar livre e
inundações, fazem com que a zona rural haitiana seja um ambiente propício para que doenças
transmitidas pela água, como a cólera, sejam propagadas. (UNOCHA, 2013)
Com este relato, fica claro que a vulnerabilidade, se não remediada, é agravada por eventos
naturais (PELLING, 2003), ou seja, a vulnerabilidade socioeconômica, prévia a tais eventos,
acaba afetando outras áreas, como a da saúde, e se intensificando pela ausência de trabalhos
na prevenção e na resposta. A atuação na mitigação das vulnerabilidades, portanto, requer que
se atente para a redução da exposição ao risco, que oferece um benefício imediato e uma
solução a longo prazo de saída da pobreza, uma vez que “baixa exposição ao risco liberta o
pobre para se engajar numa arriscada, mas mais rentável, produção e investimentos
16
estratégicos, incluindo investimento na educação de suas crianças.” (KANBUR; SQUIRE,
2000, p.185).
Apesar dos fatores desafiadores que o Haiti ainda enfrenta, destacam-se ações que têm sido
feitas, especialmente, na gestão de risco e desastre, observadas nas últimas viagens em
missão, realizadas pela autora do presente trabalho. Em janeiro e em julho de 2013, a
Proteção Civil haitiana promoveu simulados de resposta aos prováveis eventos futuros,
principalmente temporais, enchentes e ciclones, com base em experiências passadas e
articulando os setores governamentais, não governamentais e órgãos internacionais, como
United Nations Office for the Coodnation of Humanitarian Affairs 9 (UNOCHA), Cruz
Vermelha e Crescente Vermelho, World Food Program10 (WFP), United Nations Population
Fund11 (UNFPA), Malteser International, MAIS, entre outras. A programação do simulado se
deu em dois dias, nos quais todos os envolvidos estavam divididos nos seguintes grupos:
observadores, consultoria técnica e científica, tratamento de dados, tomada de decisão e
centro de operação, sendo que este último se subdividia em informação do público,
assistência humanitária internacional, infraestrutura e serviços públicos, logística, assistência
a população, saúde, serviços de urgência. Os grupos produziam dados, relatórios e ações, se
preparando para um possível ciclone, com base na sua técnica e nas lições aprendidas de
eventos passados.
Com isso, é percebido que os haitianos estão se empenhando na preparação para um desastre,
articulando governo com demais órgãos técnicos, assistenciais e humanitários bem como
trabalhando com avisos prévios e informação à população.
Também enfatiza-se o papel do Centro de Operações da Proteção Civil Haitiana, financiado
por órgãos internacionais como o United States Agency for International Development 12
(USAid), a União Europeia e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), que tem por objetivo operacionalizar as ações de emergência, tanto em tempo
prévio, como no caso do treinamento descrito, como, também, as ações emergenciais de
resposta.
9
Escritório da Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários
Programa Alimentar Mundial
11
Fundo para População das Nações Unidas
12
Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
10
17
Quando fui recebida no Centro de Operações pela diretora Nacional de Proteção Civil,
Madame Marie Alta Jean Baptiste, esta afirmou que o novo governo (presidente Michel
Martelly) tem investido e apoiado as ações da Proteção Civil, participando das ações de modo
a promover a importância da prevenção, preparo e resposta adequadas a um possível desastre.
Com o caso do Haiti e com a escolha feita recentemente pelo atual governo, percebe-se que
medidas simples não são capazes de resolver o problema da vulnerabilidade socioambiental
haitiana por ser ele um fenômeno complexo construído durante séculos de história e com
desdobramentos em diversos âmbitos da sociedade, o que demandaria um redirecionamento
do modelo até então adotado. A opção feita em favor de preparação e resposta a desastres
pode, ao menos, contribuir para diminuir o número de vítimas e de danos. Mas acredita-se que
ainda seja fundamental atuar a partir de uma perspectiva interdisciplinar e integrada que
reveja o modelo de desenvolvimento atual.
Após se relatar este caso, percebe-se que a ocorrência de uma catástrofe natural aponta para a
necessidade de trabalho na prevenção, na preparação, na resposta e na reconstrução, que
objetive resultados que respondam às demandas biológicas, sociais e psicológicas dos atores
envolvidos como, também, às questões de segurança, infraestrutura e habitação, dentre outras,
que são afetadas durante e após o evento. Ainda, o desastre vem intensificar e ressaltar as
vulnerabilidades socioambientais, históricas, culturais e econômicas já existentes antes
mesmo de sua ocorrência. E tais vulnerabilidades influenciam na percepção e manejo do risco
do desastre em dada comunidade. Portanto, percebe-se a necessidade da criação de políticas
públicas que abordem tais aspectos e que seja implementada nos âmbitos nacionais, estaduais
e municipais, dialogando os variados setores governamentais e não governamentais da
sociedade envolvida.
O tema dos desastres tem se destacado tanto nas pesquisas acadêmicas quanto na atuação
prática, permeando as ações dos setores governamentais ou não. Projetos de pesquisa e seus
resultados tem abordado a formulação e implementação de leis e planos que abordem uma
ação coordenada e integral, principalmente da Defesa Civil, em situações de desastre, desde
sua prevenção à preparação, resposta e reconstrução, em especial, os projetos vinculados aos
Centros Universitários de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED), programa da
Secretaria Nacional de Defesa Civil vinculada a universidades federais e estaduais. Ao
debater a interpretação dos desastres a partir das mudanças ocorridas na cultura, sociedade e
relações internacionais, Alexander (2005) debate que os desastres, que podem ser
18
interpretados por diferentes vieses, estão se tornando cada vez mais comuns e a falha em
mitigar seu risco é revelada no impacto resultante do evento, expondo a preparação corrupta,
a partir das consequências, e explicitando, pela socialização no após a catástrofe, as relações
humanas, atitudes e preferências, já que os modos de vida são ameaçados ou rompidos. As
publicações que divulgam os resultados concernentes aos desastres, como os anuários e
relatórios nacionais e internacionais, estruturam o campo de estudos e de prática
(QUARANTELLI, 1998a; ISA, 2007; PERRY, 2007). Desta forma, há o interesse em traçar o
percurso dos estudos sobre os desastres, tratando de temas correlatos como a vulnerabilidade,
o risco e a resiliência, para que, ao final, se discuta leis que envolvam, ou não, tais temáticas
em suas formulações e execuções.
A comunidade internacional tem se posicionado quanto ao desenvolvimento de leis sobre
desastres, principalmente a partir do Quadro de Ação de Hyogo, elaborado pelos países
membros das Nações Unidas, em 2005, através da UNISDR, visando o desenvolvimento de
comunidade mais resilientes frente a desastres a partir do trabalho conjunto de governos,
organizações não governamentais e do setor privado. Assim, há pelo menos duas questões
orientadoras do presente estudo: a lei brasileira 12608/12 sobre a Política Nacional de
Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), a Lei de Bases portuguesa e a Lei 12/VIII/2012 cabo
verdiana
foram
desenvolvidas
compreendendo
as
discussões
sobre
desastres,
vulnerabilidades, riscos e resiliência? E como o Brasil, Portugal e Cabo Verde se posicionam
quanto a discussão internacional sobre o Quadro de Ação de Hyogo (QAH)?
Este problema desdobra-se no objetivo geral de estudar comparativamente as políticas
públicas de Proteção e Defesa Civil de países selecionados da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP), com o fim de verificar a inserção das diretrizes de Hyogo em tais
políticas, bem como a discussão sobre as categorias desastre, risco, vulnerabilidade e
resiliência. Este objetivo geral se desdobra nos seguintes objetivos específicos: mapear as
políticas públicas nacionais dos países de interesse, a saber, Brasil, Portugal e Cabo Verde,
membros da CPLP; verificar a integração da categorias: desastre, risco, vulnerabilidade e
resiliência nas políticas públicas identificadas e; verificar a inserção dos princípios propostos
no do Quadro de Ação de Hyogo para o desenvolvimento e implementação de políticas
públicas dos países da CPLP.
A escolha da CPLP se deu a partir da participação da pesquisadora em reuniões dos países da
Comunidade na Global Platform for Disaster Risk Reduction (GPDRR), em Genebra, em
19
2013, tendo sido destacada, na ocasião, a importância de uma maior articulação entre os
países lusófonos nas ações legislativas e executivas de gestão de risco. Dado o prazo de
entrega desta dissertação, apenas três países foram selecionados, a saber, Brasil, Portugal e
Cabo Verde, dada a facilidade apresentada por estes países para a pesquisa de documentos e
para a aplicação em loco do questionário.
Portanto, justifica-se este trabalho a partir do cenário presente, ao qual se refere este estudo,
que aponta para comunidades em situação de exclusão histórica e de vulnerabilidade,
afligidas por desastres. Estes, ultimamente, são
intensificados por eventos climáticos
extremos, o que acarreta no maior risco para as suas populações, as quais já são
vulnerabilizadas social, econômico, histórica e culturalmente. Os desastres têm sido não só
fatais como trazido consequências econômicas e sociais para a própria população que
experiencia estes fenômenos. Isto nos leva à recente demanda por comunidades e cidades
resilientes, o que traz, para o centro da discussão sobre vulnerabilidade associada ao
enfrentamento de eventos naturais, a temática da RRD.
Diante disto, apresenta-se uma demanda por políticas públicas
socioambientais,
principalmente as que visam uma melhor adequação da atuação da Defesa Civil em tais casos,
uma vez que os resultados dos eventos são mais fortes no caso das populações vivendo em
situação de exclusão, que têm pouco acesso à informação e aos serviços públicos. Além disto,
elas já se encontram em situações de risco ambiental por habitarem em locais propensos ao
movimentos de massa ou às enchentes, em geral, áreas de proteção permanente segundo a
legislação brasileira.
Como consequência, surge a necessidade de compreender o diálogo integrado entre setores
governamentais e não governamentais a fim de que se promova a construção de políticas
públicas que estejam tanto de acordo com padrões técnicos e legislativos, os quais, em geral,
atendem aos compromissos brasileiros assumidos em fóruns internacionais sobre a questão de
RRD, tais como o Quadro de Ação de Hyogo e os debates promovidos pelo UNISDR; como,
também, coerentes com a dinâmica local e a lógica própria da comunidade. Portanto, com a
demanda recente de que as comunidades sejam resilientes frente às catástrofes, mitigando a
vulnerabilidade socioambiental local, está relacionada a promoção da melhoria das condições
de vida, como o acesso à informação e aos serviços, já que, quanto mais uma comunidade
sabe como agir e a quem recorrer, maior será sua disposição de superarem o ocorrido,
retornando ao estado anterior ao evento – ou seja, ela será uma comunidade resiliente.
20
Para que os objetivos, justificados acima, sejam atingidos, primeiramente, os procedimentos
metodológicos contam com uma revisão bibliográfica dos estudos feita com base em
levantamento da produção de conhecimento sobre o tema. Foi feito, assim, um levantamento
da literatura sobre os temas centrais da pesquisa: desastres, vulnerabilidade, risco e
resiliência; e identificadas, numa perspectiva internacional, as políticas públicas no âmbito
nacional, no Brasil, em Portugal e em Cabo Verde, que regulam a prevenção dos desastres
naturais, a emergência e o atendimento no pós desastre, a partir de uma consulta aos sites de
seus órgãos governamentais responsáveis pela RRD. Na análise da literatura encontrada sobre
desastres e as demais temáticas correlatas, procurou-se empregar uma perspectiva
interdisciplinar tendo como objetivo utilizar a contribuição dos diversos métodos e campos
disciplinares para que se dê conta, de modo mais confiável, da realidade complexa.
(JAPIASSU, 2012). Alexander (2005) também destaca a interdisciplinaridade do tema
desastres, indicando as áreas da geografia, antropologia, sociologia, estudos de
desenvolvimento, ciências da saúde, ciências geofísicas, engenharia e psicologia social,
apesar de nem todos estes campos terem feito tentativas sérias na tarefa de definição.
Também foi aplicado, como procedimento metodológico, o estudo comparativo, visando
verificar as semelhanças e as diferenças entre a política pública brasileira sobre desastres e as
políticas públicas dos países de língua portuguesa. Para tal, realizaram-se duas estratégias: (1)
foi elaborada e aplicada uma matriz de análise do conteúdo das políticas públicas
identificadas, procurando extrair o uso das categorias a inserção da noção de catástrofes, tais
como: desastres, vulnerabilidade, risco, resiliência além das diretrizes de Hyogo, a fim de
estabelecer um quadro comparativo entre as políticas públicas dos países selecionados da
CPLP; (2) foi realizado um trabalho de campo com o intuito de entrevistar atores
governamentais envolvidos na Proteção e Defesa Civil de seus países, das três nacionalidades
selecionadas, a partir de um questionário semiestruturado (Anexo 1). É válido destacar que o
Brasil foi o único país a não retornar o questionário, o que será melhor detalhado no capítulo
3.
Este estudo está organizado de modo que, no capítulo 1, intitulado “Desastres,
vulnerabilidade, risco e resiliência: definições e perspectivas”, serão discutidas as quatro
temáticas a partir de uma revisão da literatura, procurando adotar uma perspectiva complexa e
interdisciplinar, a fim de apresentar o marco teórico que respaldará o estudo e a partir do qual
se construirá a matriz de análise das políticas públicas de proteção e defesa civil dos países da
21
CPLP. Este capítulo inicial se dividirá em quatro subitens principais, um para cada temática
(desastre, vulnerabilidade, risco e resiliência). A primeira parte, sobre os desastres, discutirá
esse tema que vem sendo estudado desde o começo do século XX. Mesmo dentro da
Sociologia, há divergências na proposta de uma única definição. Além das disciplinas, as
instituições que prestam serviço técnico na área dos desastres também têm suas próprias
perspectivas, como a Defesa Civil ou as ONGs (VALENCIO, 2010). No subitem seguinte,
sobre a vulnerabilidade, se observa sua presença na comunidade antes da ocorrência do
desastre. Elas são de ordem social, econômica, histórica, ambiental, etc. Ou seja, são
complexas e relacionam diferentes aspectos da sociedade. Há uma clara relevância do estudo
da vulnerabilidade no contexto de desastre, uma vez que, quanto mais vulnerável uma
comunidade é, mais intensamente ela poderá ser afetada e maiores os danos após a catástrofe,
dificultando a sua reconstrução física, social e econômica.
Prosseguindo, será discutido, no subitem sobre riscos, como eles são percebidos e tratados.
Esta discussão se justifica pela necessidade presente na literatura e na prática de uma
abordagem da prevenção e preparação ao desastre que abranja o risco do mesmo. Ainda, se
justifica pelo debate crescente no meio acadêmico, político e prático de uma gestão focada no
risco, ao invés de uma gestão focada no desastre, deslocando a ação central da resposta ao
desastre para a ação focada na prevenção. O próximo subitem debate sobre a resiliência, a
habilidade de uma pessoa ou comunidade superar e voltar a sua condição inicial, após o
impacto de um evento climático e no contexto de vulnerabilidade socioambiental, é discutido
neste capítulo para que se apresente uma abordagem integral do desastre e dos sujeitos
envolvidos, ou seja, a abordagem do que ocorre após o desastre. A resiliência, além de estar
relacionada com a
capacidade se superação e reconstrução, indica a habilidade da
comunidade na criação de mecanismos para lidar com a ocorrência futura de desastres – desta
forma, a resiliência é o ponto cíclico do desastre, já que está presente e ativa tanto após o
evento, como na prevenção e preparação para os que estão para ocorrer. Portanto, justifica-se
esse capítulo na necessidade de relacionar as definições e perspectivas discutidas na academia
e no meio técnico, para que se encontre um ponto comum e/ou uma definição que melhor
responda às demandas deste trabalho
O segundo capítulo, intitulado “Marcos políticos nacionais e internacionais de proteção civil:
uma caracterização”, discute aspectos como a governança e a interação entre os diversos
atores envolvidos no desenvolvimento da Política Pública de proteção e defesa civil,
22
apresentando a Política Pública dos países da CPLP e o Marco de Hyogo. O primeiro subitem
deste capítulo, “Politicas Públicas: construção, implementação e negociação”, apresenta uma
breve revisão da literatura sobre políticas públicas, principalmente quanto a sua criação e
prática bem como ao processo de governança necessário para que uma política pública seja
eficiente. Já o segundo subitem do capítulo, “O Quadro de Ação de Hyogo: breve histórico da
construção do marco referencial internacional e a discussão atual”, apresenta o marco da
UNISDR sobre a RRD para a década 2005-2015, seus desdobramentos e prosseguimento no
pós 2015. Finalmente, é apresentado o terceiro subitem, “A Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa”, no qual se inclui a apresentação das políticas públicas nacionais de Proteção e
Defesa Civil do Brasil, de Portugal e de Cabo-Verde, destacando seu histórico, sua prática
atual e seus objetivos. Justifica-se o desenvolvimento do segundo e terceiro subitens pela
necessidade de um conhecimento prévio sobre cada política e sobre o próprio marco para que,
posteriormente, a matriz de análise possa ser aplicada com base no que é discutido neste
segundo capítulo.
Em prosseguimento, o último capítulo trará o título de “Estudo comparativo entre os países
da CPLP”, onde serão avaliadas cada política de proteção e defesa civil dos países da CPLP,
com base no marco teórico debatido no capítulo 1 e na discussão sobre o marco de Hyogo.
Além disso, o debate sobre cada política realizada no capítulo anterior servirá como
direcionamento para a análise, juntamente com as entrevistas aplicadas. Será apresentada a
matriz teórica para o estudo de comparação, que será o instrumento utilizado com o fim de
auxiliar na comparação entre as políticas públicas. Portanto, este capítulo procura atender ao
objetivo geral desta dissertação, de realizar um estudo comparativo entre as políticas públicas
de Proteção e Defesa Civil do Brasil, de Portugal e de Cabo Verde, verificando, em cada uma
delas, a inserção das diretrizes de Hyogo bem como a discussão sobre as categorias desastre,
risco, vulnerabilidade e resiliência. São três partes principais da análise, nas quais o capítulo
se divide, a saber: (1) categorias conceituais; (2) a influência e o papel do QAH; e (3) a
influência e o papel da CPLP.
Com isto, este trabalho procura apresentar uma discussão atual e contextualizada tanto sobre
as Políticas Públicas de Proteção e Defesa Civil como sobre as categorias referenciais da RRD
a partir de uma perspectiva complexa e interdisciplinar a fim de contribuir nos estudos da
Sociologia sobre a temática da RRD.
23
1
DESASTRES, RISCO, VULNERABILIDADE E RESILIÊNCIA: DEFINIÇÕES
E PERSPECTIVAS
Definir: 1 estabelecer limites; delimitar; 2 indicar o verdadeiro
sentido, a significação precisa de; 3 retratar (alguém ou a si mesmo)
pelos caracteres distintos; 4 fixar com precisão (tempo, espaço etc.); 5
expor claramente (ideia, situação etc.); decidir; 6 manifestar
explicitamente; revelar; 7 tomar decisão a respeito de; decidir,
decretar; 8 explicar o significado de (palavra, lexia etc.), em cada uma
de suas diversas acepções; conceituar. (HOUAISS, 2001)
Definir desastres, ou consentir numa definição, é uma tarefa que, hoje, pode contribuir para
que a visão deste campo de estudo se torne mais clara além de discernir possíveis
discordâncias perceptíveis nos resultados de pesquisas e de progredir das descrições simples
para explanações, predições e controle das tarefas cientificas sociais (PERRY, 2007). Perry
(2007) afirma que propor definições de desastres é uma tarefa complexa. Para ele, precisa-se
deixar claro qual o propósito e qual a audiência aos quais tal significado está relacionado, uma
vez o objetivo de sua definição varia. Portanto, ele chama atenção para a definição estar em
um contexto significativo. O autor, ainda, deixa claro que a definição dos desastres pode ser
feita por qualquer pessoa: pela comunidade (pessoas que vivenciaram o desastre), pelo
governo, pelos gestores da emergência, pelas agências de regulação, por jornalistas,
historiadores e cientistas sociais. Por isso, não há uma única definição universal e o termo
desastre sempre terá significados diferentes para pessoas diferentes (ibid.). As diferenças nas
definições também se dão em relação a ênfase dada a origem dos desastres fora do sistemas
sociais e ao nível da mudança social resultante, como, também, em relação a quão central é o
papel do agente natural e como são percebidas e enfrentadas as consequências do desastre.
(ibid.)
Assim, Perry (2007) chama atenção para que, no processo de significação dos desastres,
nenhum teórico começa do zero, como uma atividade intelectual abstrata, mas parte-se do
conhecimento e da leitura da literatura já produzida. Isto porque as definições se dão por
processo indutivo, no qual olha-se para as pesquisas feitas para realizar inferências,
classificações, exercitando o intelecto e selecionando as características principais (ibid.). Ou
24
seja, para pesquisar e avaliar de forma coerente e precisa, as definições propostas de
desastres, bem como dos demais temas à ele relacionados (como vulnerabilidade, risco e
resiliência), é indicado que seja feito uma discussão de autores de diferentes épocas,
observando o desenvolvimento histórico das definições e das perspectivas. Estes pontos
levantados quanto à definição de desastre perpassam, também, a busca de uma definição para
os outros termos aqui estudados, como veremos no decorrer deste capítulo.
Apesar dos termos desastre, risco, vulnerabilidade e resiliência terem cada um seu próprio
subcapítulo nesta dissertação, por serem discutidos separadamente, é necessário deixar claro
que eles são temáticas que se entrelaçam na teoria e, principalmente, na prática, estando,
assim, interrelacionados e interdependentes, se influenciando mutuamente quanto à
ocorrência, intensidade e resultados de cada um. Sendo assim, o exercício a ser feito neste
capítulo considera esta interrelação entre todas estas categorias. Se procurará, então,
estabelecer seus definições se remetendo à comunicabilidade a elas inerente no sentido de
reproduzir a complexidade que caracteriza a realidade onde o desastre, a vulnerabilidade, o
risco e a resiliência ocorrem.
A UNISDR (2013a) reafirma a ligação entre as temáticas, ao apresentar o desastre se
relacionando intrinsecamente com o risco e com a vulnerabilidade, uma vez que ele “Disaster
risk not only depends on the severity of hazard or volume of population or assets exposed, it
also is a function of the susceptibility of people and economic assets to suffer loss and
damage—in other words, their vulnerability 13 ” (pp. 45-46). Ou seja, os desdobramentos
práticos e, portanto, teóricos do desastre dependem dos aspectos concernentes da
vulnerabilidade e risco bem como da resiliência de modo que eles se relacionam e se
influenciam tanto nas concepções teóricas quanto na atuação prática.
Assim, mesmo que os temas dialoguem entre si, como visto, o objetivo deste capítulo é
apresentar e discutir as diferentes definições e perspectivas na literatura sobre desastres,
risco, vulnerabilidade e resiliência, separadamente. Com isto, visa-se levantar os principais
aspectos de cada temática para a elaboração da matriz teórica de avaliação dos conteúdos
sobre desastre, vulnerabilidade, risco e resiliência nas políticas públicas dos países da CPLP.
Em outras palavras, a partir do estudado neste capítulo sobre as definições e perspectivas
“Não somente depende na gravidade do perigo ou tamanho da população ou bens expostos, ele também é uma
função da susceptibilidade das pessoas e dos bens econômicos para sofrerem perdas e danos – em outras
palavras, sua vulnerabilidade.” Tradução nossa.
13
25
teóricas, será elaborada uma matriz de análise, a fim de investigar a inserção e integração, nas
políticas públicas de Proteção e Defesa Civil dos países lusófonos selecionados, do conceitos
de desastre, vulnerabilidade, risco e resiliência, avaliando qual a perspectiva de abordagem de
cada lei, ou seja, qual o conteúdo presente em cada política sobre as temáticas.
Apesar da polissemia dos termos e das interpretações sobre os eventos, tais categorias são
importantes para que se pense o tempo de hoje e os aspectos da Modernidade que fazem com
que elas sejam relevantes, como as mudanças climáticas, a adaptação, a governança e assim
por diante. Destaca-se, porém, que estes aspectos não são o foco principal deste trabalho e,
portanto, não serão discutidos exaustivamente, mas somente no tocante às categorias
principais para este estudo.
1.1 DESASTRES
O termo “desastres” e o que o evento evoca tem recebido uma série de definições e
interpretações. Autores nacionais e internacionais têm debatido e compartilhado suas teorias e
proposições sobre a temática. Um dos órgãos de debate do tema é o International Research
Committee on Disasters14 (IRCD), que foi estabelecido em 1986 como parte da International
Sociological Association
15
(ISA). O IRCD objetiva a providência de um fórum de
compartilhamento de informação de todos os aspectos de um desastre, por acadêmicos e
técnicos (ISA, 2007).
Apesar do primeiro grupo de trabalho do IRCD datar dos anos de 1984 a 1986, sob a
presidência de Enrico Louis Quarantelli (ISA, 2007), Lindell (2011) chama atenção para o
que pode ter sido um dos primeiros trabalhos na área de desastres, que foi escrito por JeanJacques Rousseau. Este observou, de acordo com Lindell (2011), que os impactos do
terremoto ocorrido em Lisboa, no ano de 1755, poderiam ter sido menores se a cidade fosse
menos habitada e se a evacuação tivesse realizada mais prontamente pelas pessoas, logo
quando os tremores iniciais ocorreram.
Derbli (2010) descreve que este terremoto, cujo tremor marcou 8,7 pontos na escala Richter,
ocorreu em primeiro de novembro de 1755, dia de feriado católico. Houveram incêndios na
14
15
Comitê Internacional de Pesquisa em Desastre
Associação Internacional de Sociologia
26
cidade, por conta do número de velas que os fiéis acendiam nas igrejas e, ainda, houve uma
tsunami que afetou os portos, importantes na atividade comercial da cidade, do país e da
Europa (DERBLI, 2010). O autor afirma que este terremoto, que resultou na morte de cerca
de 5% da população da época (dez a quinze mil óbitos) e em 75% dos prédios públicos
destruídos, teve grandes impactos socioculturais que não afetaram somente os atingidos. Isto
porque, segundo Derbli (2010), o evento incitou o desenvolvimento de teorias propostas por
Kant, Rousseau, Voltaire, que argumentaram sobre o evento de modo a negar a intervenção
divina sobre catástrofes naturais (DERBLI, 2010), pensamento este recorrente na época, mas
sujeito à críticas e transformações consequentes do movimento iluminista, do qual os autores
faziam parte. Os autores se diferenciam neste debate sobre os desastres, segundo Derbli
(2010) na medida em que Voltaire criticou a atuação pós-catástrofe da Igreja e da Corte; Kant
argumentou pelo viés natural; e Rousseau criticou a ação humana na natureza desorganizada e
mal planejada, como também já apontado por Lindell (2011).
Ainda segundo Lindell (2011), a primeira pesquisa sistemática na área de desastres, é
creditada a Samuel Prince que, em 1920, publicou seu estudo sobre uma explosão ocorrida em
1917 na cidade de Halifax (Canadá), no qual discutiu sobre os aspectos de convergência,
emergência, entre outros. Dynes e Quarantelli (1993) também discutem sobre este primeiro
estudo sistemático dos desastre, publicado em outubro de 1920 com o título de “Catastrophe
and Social Change, Based on a Sociological Study of the Halifax Disaster”16. A abordagem de
Prince está de acordo com a tradição intelectual e cultural predominante no início do século
XX, tradição esta que enfatizava a aplicação dos princípios científicos na sociedade (DYNES,
QUARANTELLI, 1993), ou seja, o positivismo. A ideia central do trabalho de Prince era que
a catástrofe resulta em desintegração social e em condições para mudança social, a qual
necessitava do conhecimento cientifico para que esta pudesse ser uma mudança de melhoria
produtiva (ibid.). Ainda, Dynes e Quarantelli (1993) indicam que Prince abordou o impacto
em si, a resposta e as mudanças consequentes do evento, mas seu foco estava no
desenvolvimento do sistema social relacionado à distribuição de assistência pós-impacto que,
segundo o autor, deveria sobrepujar as necessidades das perdas e era válida somente quando
centralizada, ou seja, os grupos que assistiam aos afetados de modo independente, sem
investigação prévia e com mão de obra voluntária e sem entendimento científico sobre a
assistência, eram criticados pelo autor. Dynes e Quarantelli (1993) também apresentam as
relevância que Prince deu às possíveis relações entre as legislações sociais, a infraestrutura da
16
Catástrofe e Mudança Social, Baseadas em um Estudo Sociológico do Desastre de Halifax.
27
cidade e as catástrofes, na perspectiva das mudanças, além da relevância que dava aos dados
comparativo provindos dos métodos científicos.
Apesar destes estudos, foi Fritz (apud Perry, 2007) um dos primeiros a definir o termo
desastre numa perspectiva sociológica, em 1961, quando já chamou atenção para a prevenção.
Para Fritz, este significado se refere ao impacto do evento em uma sociedade, inteira ou em
uma de suas partes, abrangendo a noção do impacto real e da ameaça de impacto, além da
ênfase na prevenção das funções essências da sociedade em questão. (PERRY, 2007)
Avanços maiores nas pesquisas sobre desastres foram feitos somente a partir desta época em
que Fritz desenvolveu sua definição, a saber, nas décadas de 1950 e 1960, quando se
destacam os estudos da National Opinion Research Center17/National Academy of Sciences18,
pela autoria, principalmente, de Charles E. Fritz, Eli S. Marks, George W. Baker, Dwight W.
Chapman e Allen H. Barton. (LINDELL, 2011)
O grupo de trabalho sobre a Sociologia dos Desastres, formado em 1986 por Quarantelli, na
ISA permanece ativo, realizando pesquisas e abordando tanto a teoria como desdobramentos
práticos, como as políticas públicas de desastres. O atual presidente é Walter Peacock,
presidindo também o International Journal of Mass Emergency and Disasters 19, publicação do
grupo de trabalho. (ISA, 2013)
Quarantelli (1998a), o primeiro presidente do grupo, desenvolveu um trabalho pioneiro de
sistematização das diferentes definições até então existentes. Discutindo os diversos conceitos
de desastre, no livro What is a disaster: perspectives on the question 20 , ele relaciona os
autores com as seguintes visões do desastre: a necessidade de contextualizar o desastre na
comunidade; os desastres pensados pela ordem social maior; o modo de se pensar desastres
afetado pelas mudanças sociais do futuro; a importância de uma visão múltipla sobre a
questão central (os desastres); e a perspectiva do desastre afetada pela antropologia com
ênfase na cultura (QUARANTELLI, 1998a). Com isto concorda Valencio (2009), ao afirmar
que
17
Centro de Pesquisa de Opinião Nacional
Academia Nacional de Ciências
19
Jornal Internacional de Desastre e Emergência de Massas
20
O que é um desastre: perspectivas na questão
18
28
A compreensão dos desastres para a Sociologia focaliza centralmente a
estrutura e dinâmica social que, num âmbito multidimensional e multiescalar,
dá ensejo a variadas interpretações acerca das relações sociais territorial,
institucional e historicamente produzidas. (p. 5)
Ou seja, mesmo a temática dos desastres sendo ampla e diversa, percebe-se a relevância do
viés social, comunitário e cultural nas pesquisas e nas perspectivas sobre os desastres, tanto na
sistematização de Quarantelli quanto nas reflexões de Valencio. Já Lindell (2011), procurou
evidenciar, em um dos seus estudos, os procedimentos metodológicos mais usualmente
empregados. De forma breve, ele relata como o método de se pesquisar os desastres têm
mudado. Uma das maneiras é a pesquisa de campo indutiva, na qual os pesquisadores
observam o comportamento, em dada localidade onde um desastre foi relatado e conduzem
entrevistas pessoais. A coleta de dados antes do impacto de um desastre tem sido menos
frequente que após sua ocorrência. Em ambos os casos, coletam-se documentos importantes e
podem ser entrevistados importantes informantes que atuam no setores organizacionais. De
acordo com o autor, a confiabilidade nas pesquisas de opinião aumentou nas últimas décadas,
sendo que, destas pesquisas, a maioria é sobre sistema de alertas comunitários, dos quais as
famílias são responsáveis pelo alerta, ou sobre percepção e resposta a ameaças naturais.
Ainda, pesquisas têm sido feitas sobre o impacto dos desastres nos negócios e nas
organizações que trabalham com a preparação para o desastre. Somente ocasionalmente que
dados arquivados têm sido analisados (LINDELL, 2011). Isto é, da mesma forma que o
campo dos desastres é vasto, os métodos para pesquisá-lo também são variados e devem ser
escolhidos e aplicados de forma contextualizada.
Entre outros, Lindell (2011) concorda que as causalidades bem como os impactos sociais são
determinados de maneira complexa, estendendo-se para além de fronteiras disciplinares
delimitadas. Portanto, o tema dos desastres necessita ser estudado a partir de uma perspectiva
que englobe sua complexidade, as interconectividades existentes entre as diversas dimensões
que integram a realidade do desastre. Sendo assim, o desastre pode ser analisado pelas
diversas lentes disciplinares e as diferentes disciplinas às quais ele tange, como a sociologia, a
antropologia e a história. Inicialmente conceituado pelos fenômenos quantitativos, por conta
de sua origem na física, o conceito de complexidade se estendeu, abrangendo a relação com o
acaso e com a ordem e desordem, aceitando-se incertezas e ambiguidades (MORIN, 2007).
Estas características estão presentes na ocorrência de um desastre socioambiental, quando as
29
incertezas são intensificadas e a ordem e a desordem estão em constante conflito,
contribuindo para o estabelecimento de uma “nova” ordem, que poderá vir a ser mais
resiliente a um possível futuro (porque incerto) conceito de desastre.
Morin (2007) ainda afirma que a complexidade aponta para o caráter interdisciplinar e
multidimensional da realidade, dando uma maior abertura da teoria social na medida em que
revela a relação entre diferentes universos, comunicando o que é o real. Ou seja, somente
quando as disciplinas dialogam entre si, relacionando seus universos de teoria e prática, é
possível construir o conhecimento que abrange a complexidade de certo campo, no caso, os
desastres. Este caráter interdisciplinar nos remete ao discutido por Alexander (2005) que
apresenta sete escolas de pensamento e expertise sobre desastres, a saber: geografia,
antropologia, sociologia, estudos do desenvolvimento, ciências da saúde, ciências geofísicas e
psicologia social. O autor questiona se as definições da sociologia do desastre seriam,
também, aceitáveis para os engenheiros e cientistas geofísicos, por exemplo. Em outras
palavras o que ele procura atentar é se as definições já propostas podem ter um caráter
interdisciplinar.
A partir da construção de um estudo amplo e dialogado sobre os desastres, Ronald Perry21
(2005) afirma que o exercício de pesquisar e definir desastres fez com que suas próprias
visões de Ciências Sociais fossem confrontadas para que a pesquisa de desastre se encaixasse
nelas. De igual modo, Valencio 22 (2011) debate sobre o aspecto social da definição de
desastre ao afirmar que, apesar de “desastre” ser um termo difícil de desvelar pela quantidade
de interpretações humanas e sociais do problema, o mais relevante é entender o desastre como
crise que ocorreu não só cronologicamente, mas, sobretudo, socialmente. Ou seja, o desastre
é, para a autora, um evento social trágico, que ocorre tanto no plano simbólico como no plano
concreto. Portanto, devem-se observar e entender todos os aspectos do desastre, uma vez que
para se agir diante de um desastre, é necessário compreendê-lo de forma adequada, sem
negligenciar nenhum dos aspectos envolvidos. Assim, os desastres são definidos como
eventos sociais ocorrendo em um dado tempo social, momento e espaço. Reconhecendo-se
que eles são disruptivos para relações sociais, eles devem ser entendidos em relação a um
contexto específico de mudança social, abrangendo a adaptabilidade humana e institucional
21
Presidente do IRCD de 2007 a 2010 e co-organizador de uma segunda compilação sobre desastres junto com
Quarantelli, o livro What is a disaster: new answers to old questions
22
Coordenadora do Núcleo de Pesquisas Sociais em Desastres (NEPED/UFSCar)
30
(PERRY, 2005). Sendo assim, duas grandes abordagens para a compreensão do desastre
podem ser identificadas: a temporal e a espacial.
1.1.1
A DIMENSÃO ESPAÇO-TEMPORAL DO DESASTRE
O modelo espacial é caracterizado por especificar as zonas, ao redor do impacto, de
destruição, de vítimas, de danos físicos e de atividades de resgate (DOMBROWSKI, 1998).
Lindell (2011) deixa claro que as possíveis áreas de impacto, sendo regionais ou
comunitárias, podem possuir fronteiras das zonas de perigo irregulares ou incertas. Isto é, o
limite espacial do perigo ambiental não é demarcado de forma objetiva e clara, podendo
variar de acordo com as características do evento natural e da ocupação de tal comunidade.
Ainda é válido destacar outro motivo para que as fronteiras sejam incertas: as unidades
sociais, como as comunidades, são tão heterogêneas quanto unidades menores, também
chamadas de subunidades, como as famílias ou as empresas (LINDELL, 2011), o que faz com
que o modo de percepção e manejo do risco, bem como o manejo do desastre, varie em cada
unidade e subunidade social.
A discussão do desastre pelo viés espacial é desenvolvida principalmente por conta da
ocupação desordenada das cidades, que leva as populações vulneráveis socialmente às áreas
de risco socioambiental. Nos subcapítulos seguintes de vulnerabilidade e risco será
apresentada um debate maior sobre este aspecto espacial.
Compreendendo o desastre como um evento ocorrendo em um tempo socialmente dado,
Lindell (2011) define três períodos, ou etapas, temporais: pré-impacto, trans-impacto e pósimpacto. Porém, como alguns desastres têm impactos múltiplos ou secundários, identificar
estes impactos no tempo pode ser uma dificuldade. Uma alternativa a esta divisão temporal de
desastre, o autor sugere a seguinte: mitigação do perigo, preparação para o desastre, resposta
emergencial e reconstrução do desastre. Ao sistematizar a ocorrência do desastre desta forma,
o autor se remete ao modelo de impacto de desastre. Este modelo aborda aspectos anteriores
ao evento, como a vulnerabilidade social, bem como aspectos posteriores ao mesmo, como a
recuperação preparada ou improvisada, explicando os impactos físicos e sociais. (LINDELL,
2011)
Quanto a isto, o Quadro de Ação de Hyogo (UNISDR, 2007), marco internacional que
apresenta diretrizes para a RRD, indica cinco prioridades de ação, a serem descritas
31
posteriormente neste trabalho. Elas se assemelham ao modelo de impacto do desastre de
Lindell (2011) uma vez que englobam desde a mitigação do risco, com ações de
conhecimento, conscientização, avaliação e tomada de decisão, até a atuação de resposta
eficaz após o desastre, envolvendo, em todas as ações prioritárias, os diversos atores sociais,
governamentais ou não, dos níveis local, nacional, regional e global.
Neste modelo de impacto do desastre, as condições prévias ao impacto, segundo o autor, são:
a exposição ao perigo, a vulnerabilidade física e a vulnerabilidade social. Existem, também,
no quadro proposto por Lindell (2011), e as condições específicas do evento, que se interagem
com as condições prévias na produção dos impactos físicos. As condições específicas são as
características do evento em ameaça e as respostas improvisadas do desastre e a recuperação
improvisada do desastre. Lindell (2011) indica a possibilidade da redução dos impactos
físicos, a partir das intervenções de gerenciamento da emergência, a saber, a mitigação do
perigo e a preparação de emergência. Estas são instrumentos que, de acordo com o autor,
poder ser utilizadas por dada comunidade no gerenciamento de uma emergência, de modo a
influenciar os impactos. Além dos impactos físicos, Lindell (2011) apresenta também os
impactos sociais como resultante da interação entre os diferentes fatores físicos e sociais. Tais
impactos ocorrem quando os impactos físicos e sociais se interagem com, pelo menos, uma
terceira condição específica do evento: de um lado, a recuperação improvisada do desastre
que intensifica o impacto. Ou, de outro lado, a intervenção, o gerenciamento e a preparação
da recuperação, que abrandam o impacto.
O proposto pela Defesa Civil Brasileira (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL,
s.n.) se assemelha com a divisão de Lindell (2011), de mitigação, preparação, resposta
emergencial e reconstrução do desastre, mas inclui um quarto momento. Isto porque o órgão
brasileiro divide as etapas do modelo de atenção ao desastre em prevenção, preparação,
resposta e reconstrução. Cada órgão envolvido no processo, seja governamental ou não, deve
ser atuante em todos os momentos, trabalhando de modo dialogado com as demais
instituições e atores (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO, 2012). O modo como o Brasil
apreende este modelo, principalmente nos níveis estaduais e municipais, será brevemente
discutido no capítulo dois, quando será apresentada a Política Nacional de Proteção e Defesa
Civil.
Primeiramente, a prevenção abarca a avaliação do risco do desastre com o estudo das
ameaças e da vulnerabilidade, de um lado, estabelecendo um cenário com base no
32
mapeamento das vulnerabilidades, ameaças e riscos; e, do outro, a elaboração de um banco de
dados com tais informações, as quais serão valiosas no estudo, prévio, sobre possibilidades de
ações a serem implantadas no território daquele cenário. Tais estratégias visam minimizar a
magnitude das ameaças e a vulnerabilidade do cenário, com medidas não-estruturais
(planejamento e legislação) e estruturais (atividades construtivas) (MINISTÉRIO DA
INTEGRAÇÃO NACIONAL, s.n.). A seguir, a preparação visa a otimização, no caso
brasileiro, do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINDPEC), das ações
preventivas, da resposta e da reconstrução, através do desenvolvimento institucional, de
recursos humanos e científico/tecnológico; da mudança na cultura; da articulação e da
motivação empresariais; das informações e estudos epistemológicos; da monitorização,
sistema e alarme; do planejamento de operações, contingência e proteção de populações; da
mobilização; e do apoio logístico (ibid.). Observa-se o envolvimento de diferentes atores
sociais que, idealmente, procuram atuar de modo integrado, demandando uma
intercomunicabilidade, principalmente, na fase seguinte, a resposta. Em terceiro lugar, a
resposta aos desastres envolve três atividades: o socorro à população em risco; a assistência
(logística, assistencial e de promoção de saúde) à população afetada; e a reabilitação dos
cenários de desastre. E, finalmente, a quarta etapa, a reconstrução, que, por sua vez, tem por
objetivo o reestabelecimento dos serviços públicos essenciais, da economia, do bem estar da
população e do moral social, recuperando os ecossistemas. Esta etapa pode ser estratégica
para a redução das vulnerabilidades, riscos e ameaças detectadas, inicialmente, na fase da
prevenção, racionalizando e ordenando o uso do solo, relocando populações, modernizando as
instalações e recuperando a infraestrutura (ibid.). Neste sentido, observar-se-ia o ciclo de
Morin (2007), a ordem sendo abalada pelo desastre, provocando desordem que se tornaria
uma oportunidade de (re)estabelecimento ou (re)construção de uma (nova) ordem.
Ao descrever os momentos do desastre, a partir da Psicologia, Bindé (2006), os divide em três
momentos, correspondentes às três fases temporais de Lindell (2011). A primeira fase quando
se trabalha com a comunicação, com a credibilidade e com o conteúdo da informação na
situação de alarme, assim como com a percepção e aceitação do risco, se trabalhando,
portanto, com a prevenção (BINDÉ, 2006). Ainda do campo da Psicologia, Coêlho (2011),
afirma que a prevenção é eliminar ou reduzir a vulnerabilidade natural, física, social,
econômica e política, promovendo a aceitação do risco. Esta aceitação parece ser essencial,
segundo a autora, para que as pessoas possam agir colaborando com a minimização de dado
risco.
33
A segunda fase, segundo Bindé (2006), é durante o desastre em si, quando há emergência
aguda, na qual a mortalidade é elevada por necessidades físicas, pela falta de acesso à
assistência médica e pela transmissão de doenças. O autor afirma que é preciso trabalhar com
os comportamentos na evacuação dos locais de ocorrência do desastre, como pânico,
motivação ou não para seguir as instruções, além de trabalhar com a logística e segurança,
como os aspectos de transporte e de abrigo temporário.
Finalmente, na terceira fase, Bindé (2006) observa o tempo de atuação na pós-catástrofe,
abrangendo a intervenção em casos de transtorno do estresse pós traumático (TEPT) e o
tratamento psicossocial das pessoas envolvidas. O trabalho deve ser estendido e dimensionado
ultrapassando o momento do evento originador do impacto traumático, para que sejam criados
espaços comunitários, onde a socialização e reelaboração deste impacto sejam possíveis; para
que haja a mobilização de recursos para a prevenção de crises futuras; e para que as pessoas
possam ser reintegradas às suas antigas atividades cotidianas (ÁLAMO, 2006). Ou seja,
espaços de (re)construção da vida das populações atingidas. Loubat, Fernández e Morales
(2010) discutem sobre este terceiro momento, a partir de sua intervenção em Peralillo, na
ocasião do terremoto no Chile em fevereiro de 2010. Eles atentam para o desafio que é para a
Psicologia o planejamento de propostas de treinamento de resposta ao desastre que perdurem
no tempo, se tornando capazes de responderem aos eventos naturais que serão enfrentados no
futuro.
Finalizando este breve diálogo com a Psicologia, é válido destacar, que o modo como as
pessoas podem reagir ao desastre é variável e imprevisível, de modo que não se pode
mensurar previamente a intensidade do sofrimento, tensão ou angústia, nem mesmo o tempo
necessário para a sua recuperação (FRANCO, 2005; ÁLAMO, 2006). Em outras palavras,
mas concordando com a imprevisibilidade e variabilidade na resposta comportamental dos
flagelados e/ou atingidos pelos impactos de um desastre, a National Organization for Victims
Assistence23 (NOVA, 2011) afirma que
para muitas vítimas, as reações emocionais e físicas que descrevem a crise não
são severas e retrocedem após algumas horas ou dias. Para outros, a crise é
colocada em espera enquanto eles mobilizam suas habilidades de
sobrevivência, e somente em dias, até anos, eles se dão conta do senso de
23
Organização Nacional para Assistência de Vítimas
34
enormidade do evento, agora vividamente lembrado. Até vítimas que não
desenvolvem sintomas de reações a longo termo de estresse, encaram o risco
que certas “provocações” podem reproduzir o velho sentimento de pânico,
desamparo, raiva, entre outros (p. 1, tradução nossa).
Ou seja, é imprescindível que o profissional e/ou pesquisador, independente de sua formação,
estejam cientes de que há uma diversidade de comportamentos que eles poderão se deparar,
tanto dos demais profissionais envolvidos na atuação ou no atendimento como dos flagelados.
Como parece estar claro com esta discussão sobre o modelo de atuação à situações de risco e
vulnerabilidade, a adoção de uma postura interdisciplinar nas diferentes etapas do trabalho de
atuação em um desastre.
Ao se retomar a classificação temporal elaborada por Lindell (2011), é válido relacioná-la
com o desenvolvido por Dombrowsky (1998), nomeado de conceito do modelo do estágio ou
da fase, no qual se enfatiza o tempo a partir de um esquema amplo e se observa este tempo e
as atividades das pessoas anteriores ou posteriores ao evento.
1.1.2
A DIMENSÃO SOCIAL DO DESASTRE
Apesar de tais diferenças nas perspectivas acima discutidas, ficam evidentes dois paradigmas
fundamentais: que os desastres são inerentemente um fenômeno social e que o desastres se
enfatizam na estrutura ou sistema social é onde estão enraizados os desastres
(QUARANTELLI, 2005). Em ambos os paradigmas, o aspecto social prevalece. No entanto,
cabe ressaltar a mudança na perspectiva dos estudos sobre desastres, descrita por Quarantelli
(1998b). Primeiramente, eles eram vistos pelo viés dos agentes externos, no início das
pesquisas dos desastres nas ciências sociais, nas décadas de 1950 e 1960. Mais recentemente
se percebe a ênfase nos aspectos sociais do evento.
De acordo com tais paradigmas, tendo foco no comunitário/social, destaca-se a definição do
termo desastre pela ISDR, considerada referência na área. Ao afirmar que o desastre ocorre
quando o funcionamento de uma comunidade ou sociedade se rompe seriamente, envolvendo,
assim, perdas e impactos difusos nos seus aspectos humanos (perda de vida, ferimentos,
doenças e efeitos negativos nos estados mental, físico e social), materiais (estragos a
propriedades, destruição de bens, perda de serviços), econômicas (rupturas sociais e
econômicas) e ambientais (degradação ambiental), excedendo a habilidade dos afetados em
35
usarem seus recursos próprios (UNISDR, 2009), fica clara a necessidade dos desastres serem
entendidos como fenômenos sociais, e não somente físicos. Ribeiro (1995) atenta para a
necessidade de avaliar o quão pertinente é a construção social envolta de tal acontecimento ao
invés de somente definir o desastre como um fenômeno externo. Ele afirma que
De uma maneira decisiva, os desastres refletem o estádio de desenvolvimento
das sociedades e, inerentemente, da sua respectiva capacidade de adaptação e
preparação, para incorporar e gerir os efeitos desses fenômenos sociais não
rotineiros. Estabelecidas através dos processos de articulação entre o sistema
social e o ambiente construído, as rupturas sociais associadas aos desastres são,
deste modo, uma resultante da conjugação entre os mecanismos de causalidade
genética e sistêmica. (ibid., p. 6)
Apesar de não discorrer objetivamente sobre o que seriam estas causalidades sistêmica e
genética, Ribeiro (1995) afirma que o desenvolvimento deste paradigma social explicativo
sobre desastres repercute em uma abordagem na qual os sujeitos envolvidos assumam as
responsabilidades das decisões vinculadas à organização do sistema social articulado com o
ambiente construído. A responsabilidade e o papel da ação humana também são destacados
pelo Ministério de Integração Nacional (2007), juntamente com a vulnerabilidade já existente
no ambiente afetado, uma vez que afirma que os desastres resultam.
Giddens (1991) concorda com a transformação da natureza pelo viés da ação humana pautada
na ciência e tecnologia. Ou seja, ele destaca o papel de ambas no mundo moderno, pois,
segundo o autor, vive-se em um ambiente criado de modo que, não somente a área urbana,
mas outras paisagens tornam-se, também, sujeitas a serem construídas e modeladas pelo ser
humano. Acrescenta-se, a isto, o feito de que nesta construção de paisagem não serem
consideradas as características ecológicas e geomorfológicas locais. Em outras palavras, o ser
humano da modernidade é concebido como sendo capaz de modificar a natureza e isto através
da tecnologia, fruto da ciência.
Entretanto, mesmo hoje, não é unanimidade a definição do desastre abordando a ação humana
e descrevendo-o como um fenômeno social. Independente das ações do homem no ambiente,
há teóricos que destacam a presença física de um risco como fator preponderante de sua
definição (QUARANTELLI, 1998b)
36
Há um dissenso entre os acadêmicos quanto à definição do termo desastre (QUARANTELLI,
2005). Os conceitos se diferenciam em como o contexto de fenômenos como desastres ou
riscos são vistos; no uso referencial da pergunta “na perspectiva de quem?”, abarcando o
público, as vítimas, os pesquisadores e os tomadores de decisão; em como o definidor vê a
ciência social; e nos termos taxonômicos e classificatórios nos quais se deve endereçar as
questões (PERRY, 2005). Assim, Perry (2005) diferencia alguns autores e suas concepções, a
saber: Wolf Dombrowsky e Robert Stallings discutem a temática capturando dimensões
centrais quanto ao que pode ser base para definições de governo ou institucional. Já Neil
Britton busca definir relacionando suas experiências acadêmica e com as práticas, e Buckle e
Smith também se atém a definições práticas. Perry (2005) ainda remete-se a Susan Cutter, que
se concentra mais nas ações sociais e no gerenciamento do risco do que nos aspectos práticos
e teóricos que pudesse traçar, definindo desastre a partir do entendimento da resiliência e da
vulnerabilidade das comunidades em questão. Ainda, Alexander, Barton e Boin definem
desastre de forma analítica ou socialmente científica, sendo que os dois últimos autores
ressaltam que classificar é uma questão crítica. Finalmente, Rohit Jigyasu define o desastre
em uma perspectiva quase religiosa, na qual tanto o conceito quanto a experiência da vítima
devem se expandir.
Portanto, diante de tantas abordagens, percebe-se que a diversidade cultural, os recortes
epistêmicos, e os saberes populares, artísticos e religiosos fazem com que os critérios de
reconhecimento, expressão e interpretação de um desastre variem – assim como seu
pertencimento na realidade concreta e na vida subjetiva. (VALENCIO, 2011)
1.1.3
UMA SISTEMATIZAÇÃO DA PERCEPÇÃO E DOS ESTUDOS DO
DESASTRE: AS VISÕES DE GILBERT E PERRY
Num esforço de sistematização desta diversidade cultural, Gilbert (1998) apresenta três
paradigmas de classificação de desastre. Os paradigmas são os seguintes: o desastre como
uma duplicação da guerra, o desastre como uma expressão das vulnerabilidades sociais e o
desastre como um estado de incerteza. Correlatos aos paradigmas de Gilbert, Perry (2007)
divide os estudos sobre desastre em três períodos chamados de período clássico, tradição
ameaça-desastre e desastre como um fenômeno social.
Para Gilbert (1998), o primeiro paradigma, o da abordagem dos padrões de guerra, apresenta
o desastre como um agente externo, como um ataque contra grupos e comunidades vindo de
37
fora destes. Ou seja, neste paradigma, a causa do desastre é buscada em fontes exteriores. Este
primeiro paradigma emergiu na França, no contexto das duas guerras mundiais, e nos Estados
Unidos, no auge da Guerra Fria (GILBERT, 1998). O que nos permite fazer uma correlação
com o chamado período clássico, que data o final da Segunda Guerra Mundial até 1961.
Contudo, apesar do desastre, de forma geral, ser considerado neste período, segundo Perry
(2007), a partir de um agente (evento) catalisador da falha e da ruptura do sistema social,
haviam três diferentes definições formais com foco na ordem social e nas consequências
negativas dos desastres. Na primeira definição formal, os desastres eram caracterizados pelo
impacto e pela ameaça das tensões sociais. Na segunda, eles eram definidos pela ruptura da
ordem social, destruição física e mortes, que levam as pessoas a uma mudança nos seus
comportamentos normativos. A terceira também fala da adoção de novos comportamentos,
mas o óbito é o elemento central. (PERRY, 2007)
Apesar dos dois períodos terem datas correspondentes, o pós guerra, é notável a diferença
entre as explanações de Gilbert e Perry: enquanto Gilbert destaca os estudos que descrevem o
desastre como um agente externo, Perry mostra que já havia uma abordagem social do tema,
principalmente nos estudos de Fritz, no começo dos anos sessenta. Esta diversidade quanto ao
foco dos estudos demonstra a variedade nas definições e perspectivas destacada na
diversidade anteriormente apontada.
Contudo, mesmo com tais diferenças na descrição desta primeira etapa de definições, a
discussão se equipara quanto à abordagem social do desastre. Isto porque Gilbert aponta as
críticas ao paradigma do desastre como uma duplicação da guerra, que destacavam a
autonomia das pessoas na reação aos problemas e o reconhecimento dos fatores sociais
existentes nas comunidades, relacionando os agentes externos com o contexto social.
(GILBERT, 1998)
A partir destas críticas ao paradigma do desastre abordado no âmbito da guerra, surgiu uma
nova perspectiva apontando para as mazelas sociais desencadeadas pelo desastre e para a
necessidade consequente de se estudar os desastres no interior dos grupos envolvidos (ibid.).
Isto é, neste segundo paradigma apontado por Gilbert (1998), incluiu-se os aspectos sociais no
debate das causas e consequências de dado desastre, sendo chamado por Gilbert (1998) de
desastre como vulnerabilidade social. Ele abrange o desastre como a ação social na medida
em que se dá dentro das sociedades, ou, ainda, como resultado social, consequente dos riscos
socioestruturais pré-existentes na comunidade. Desta forma, reverte-se a antiga hierarquia dos
38
fatores priorizando o social, explicando as causas do desastre pelas bases estruturais e
contextuais e descartando a ideia de agente externo. Nesta perspectiva, o desastre é visto
como uma ação, ao invés de reação, já que ele é considerado uma consequência social,
resultado de uma lógica própria da comunidade e das relações humanas. O que vem implicar,
portanto, na existência de um risco social iminente na comunidade de modo que o desastre
passa a ser vivenciado de modo virtual, no qual as atividades específicas dos atores sociais e
as estruturas da comunidade se desfazem. (GILBERT, 1998)
Algumas lacunas para o entendimento e a apropriação deste paradigma surgiram, segundo
Gilbert (1998). A primeira dificuldade, para o autor, se referiu inexistência de um agente
externo como maior responsável de um desastre e a segunda foi em se conceituar a
vulnerabilidade, tema central no paradigma, de modo coeso e único. Apesar deste obstáculo,
Gilbert (1998) afirma que o desastre, neste segundo paradigma, era marcado pela
vulnerabilidade sociopolítica e pelo conflito da comunidade, aspectos cujo pano de fundo era
o mesmo: a frouxidão dos limites sociais e políticos.
Para Perry (2007), o segundo período seria o da tradição ameaça-desastre, abordando a
perspectiva da ameaça, principalmente influenciada pela visão de geógrafos e cientistas
geofísicos focando, assim, no elemento natural: enchentes, terremotos, etc. Ou seja, ela
enfatiza, no processo, o papel do agente físico, natural. O desastre, nesta tradição, era definido
como um evento extremo que ocorre na intercessão de um agente ameaçador para o sistema
social. Apesar do foco no físico/natural nesta tradição, há a preocupação com a perspectiva da
vulnerabilidade e da resiliência de modo que o foco não se detém apenas em eventos fixos,
mas em estruturas e consequências sociais que podem ser alteradas com o impacto. Assim, as
relações sociais e as pessoas são trazidas para o centro dos estudos sobre desastres. (PERRY,
2007)
A vulnerabilidade, portanto, aparece como central somente neste segundo período e isto tanto
nos estudos de Gilbert (1998) como nos de Perry (2007), apesar das lacunas apontadas. Porém
há uma grande diferença entre a sistematização feita pelos autores, já que, nesta segunda fase,
Perry destaca o foco do elemento natural externo, apesar de relacioná-lo com os aspectos
sociais.
Por último, o terceiro paradigma de Gilbert (1998) aborda o desastre como incerteza, ou seja,
sem causas exatas e fixas, a partir da ideia de que acidentes poderiam acontecer sem crises
39
enquanto crises também poderiam ocorrer sem acidentes. O desastre, para o autor, é tido
como uma desordem desencadeada por problemas de comunicação no interior de uma
comunidade. Assim, a comunicação de informações entre os atores da comunidade passa a ser
relevante e influente na interpretação de situações caóticas e confusas (GILBERT, 1998). Isto
posto, compreende-se que uma profusão anárquica de informação é responsável pelo
desenvolvimento de incertezas que apontam para as ameaças, afetando profundamente os
significados e organizações administrativas, políticas e científicas. (ibid.)
Portanto, o ponto central deste paradigma, de acordo com Gilbert (1998), que caracteriza o
desastre é relacionado com a incerteza, o que faz imergir três pontos fundamentais, a saber: a
indefinição do perigo, já que ele, sendo real ou não, não pode ser delimitado pelas causas e
efeitos; a complexidade, pelo fato da incerteza emergir de comunidades modernas e
sociedades complexas, isto é, do modo de organização de uma sociedade; e a falta de
compreensão da comunidade, o que ocorre quando os atores perdem sua habilidade de definir
o cenário, tido como sério ou preocupante, pelos seus meios tradicionais de compreensão ou
pelos seus parâmetros simbólicos (GILBERT, 1998). Neste último paradigma, subestima-se
outros fatores envolvidos em um desastre, bem como as perdas humanas, os estragos
consequentes, as desordens da política e sociais e os dilemas morais. (ibid.)
O último período proposto por Perry (2007) é o desastre como um fenômeno social, focando o
desastre no contexto de mudança social e abordando a vulnerabilidade como socialmente
construída. Neste período, os agentes físicos e naturais são praticamente excluídos do
contexto, visto que a caracterização é dada no viés do social e das relações interpessoais.
Desta forma, uma vez que o sistema sociocultural como um todo falha – quando sua
infraestrutura e suas instituições sociais e políticas não são capazes de responder às demandas
da comunidade –, faz-se necessário um engajamento, por parte da comunidade, em esforços
que visem a proteção e o benefício dos recursos sociais. Isto porque o desastre, neste terceiro
momento, é social, sendo um fenômeno cuja causa está firmemente alocada nas relações
sociais, colocando as causas naturais em segundo plano. (PERRY, 2007)
Dentre os três paradigmas ou períodos sistematizados aqui, este é o período que há maior
concordância no destaque dado pelos autores Perry e Gilbert. Para ambos, este último período
é marcado pelo pequeno papel do elemento natural na discussão, dando-se maior relevância às
relações e ao sistema social, colocados à margem anteriormente.
40
Este enfoque social do desastre, vai ser corroborado por Dombrowsky (1998). Ao apresentálo numa abordagem sociológica, o autor afirma que o desastre se refere a “an empirical
falsification of human action, as a proof of the correctness of human insight into both nature
and culture.”
24
(p. 19). A partir desta definição, torna-se clara a participação e
responsabilidade do homem no desastre, que pode ser uma ação que incide tanto sobre a
cultura quanto sobre a natureza, mas que se dá como uma experiência corruptora destas áreas.
As consequências desta ação se observam tanto na construção da vulnerabilidade prévia à
ocorrência de um evento natural como na percepção e manejo do risco, além da intensidade
dos efeitos que afligirão a comunidade onde um evento ocorre.
1.1.4
ALGUMAS
CLASSIFICAÇÕES
DE
DESASTRE:
FATORES
AMBIENTAIS E SOCIAIS
Contudo, ainda há perspectivas que destacam o evento natural ou que buscam interagir o
social com o ambiental, sem coibirem um em detrimento do outro. Guha-Sapir et. al (2012),
definem o desastre tanto como um evento ou situação que restringe a capacidade local de agir
face a sua ocorrência, resultando em uma demanda de assistência local, nacional ou
internacional; bem como um evento súbito, que não fora previsto, e que causa grandes danos,
destruição e sofrimento às pessoas. Disto discorda Dombrowsky (1998), pois afirma que os
desastres não são distintos dos efeitos, ou seja, que estes são causados por aqueles, na medida
em que os efeitos já são o próprio desastre. Apesar desta discordância, observa-se naquele
conceito o espaço de associar social e ambiental além de procurar integrar a noção de
incerteza, do inesperado ou da indefinição do perigo. Cabe ressaltar que esta perspectiva, que
poderíamos chamar de socioambiental, traz a complexificação da ideia de desastre o que
demanda, no seu tratamento, uma postura capaz de identificar as interconexões existentes
entre os diferentes elementos sociais e ambientais compondo o sistema humano e destes com
outros sistemas.
Com relação à classificação dos desastres, cabe observar as diversas existentes, umas
tendendo mais para uma concepção de desastres como evento natural, outras que procuram
associar o social ao ambiental. Guha-Sapir et. al (2012) e Guha-Sapir et. al (2013) classificam
o desastre a partir do evento natural, ordenando-os nos subgrupos geofísico, meteorológico,
hidrológico, climatológico e biológico (Quadro 1). Estes não trabalham, por esta
24
“uma falsificação empírica da ação humana, como uma prova da correção da percepção humana de ambas
natureza e cultura.” (tradução nossa)
41
classificação, com a interação que pode ocorrer entre, por exemplo, eventos de ordem
meteorológica (tempestades) e hidrológicos (inundações) ou, ainda, os climatológicos (alta
temperatura) e biológicos (infestação de insetos).
Desastres Naturais
Geofísico
Origem do evento vem da terra sólida, como os terremotos, os
vulcões e os deslocamentos de terra (seca).
Meteorológico
Processos atmosféricos de curta a média escala, como as
tempestades.
Hidrológico
Desvios do ciclo de água e/ou no transbordamento de água, como
as enchentes e os deslocamentos de terra (molhada).
Climatológico
Processos de média a longa escala, como, por exemplo,
temperaturas extremas, secas e incêndios.
Biológico
Exposição dos seres vivos a germes e/ou substancias tóxicas,
como as epidemias e infestação de insetos.
QUADRO 1 – DESASTRES NATURAIS
Fonte: Guha-Sapir et. al (2012) e Guha-Sapir et. al (2013).
Já o Ministério da Integração Nacional (2014a) apresenta diversas classificações (Quadro 2)
organizadas na Codificação Brasileira de Desastres (COBRADE), ora priorizando as causas
naturais, ora as humanas e ora ambas, ou seja, quando os fenômenos são intensificados pelas
ações e omissões humanas bem como quando tais fenômenos atuam em um ambiente
degradado pelo homem, desencadeando, portanto, um desastre.
COBRADE
Desastres Naturais
Geológicos
(1) terremoto: (a) tremor de terra; e (b) tsunami;
(2) emanações vulcânicas;
(3) movimentos de massa: (a) quedas, tombamentos e rolamentos;
(b) deslizamentos; (c) corridas de massa; e (d) subsidências e
colapsos;
(4) erosão: (a) costeira/marinha; (b) de margem fluvial; e (c)
continental.
Hidrológicos
(1) inundações;
42
(2) enxurradas;
(3) alagamentos.
Meteorológicos
(1) sistemas de grande escala, escala regional: (a) ciclones; e (b)
frentes frias, zona de convergência;
(2) tempestades: (a) tempestade local/convectiva;
(3) temperaturas extremas: (a) onda de calor; e (b) onda de frio.
Climatológicos
(1) seca: (a) estiagem; (b) seca; (c) incêndio florestal; e (d) baixa
umidade do ar.
Biológicos
(1) epidemias: (a) doenças infecciosas virais; (b) doenças
infecciosas bacterianas; (c) doenças infecciosas parasíticas; e (d)
doenças infecciosas fúngicas;
(2) infestações e pragas: (a) infestações de animais; (b) infestações
de algas; e (c) outras infestações.
Desastres Tecnológicos
Desastres
(1) desastres siderais com riscos radioativos: (a) queda de satélite
relacionados a
(radionuclídeos);
substâncias
(2) desastres com substâncias e equipamentos radioativos de uso
radioativas
em pesquisas, indústrias e usinas nucleares: (a) fontes radioativas
em processos de produção;
(3) desastres relacionados com riscos de intensa poluição
ambiental provocada por resíduos radioativos: (a) outras fontes de
liberação de radionuclídeos para o meio ambiente.
Desastres
relacionados
(1) desastres em plantas e distritos industriais, parques e
a armazenamentos com extravasamento de produtos perigosos: (a)
produtos
liberação de produtos químicos para a atmosfera causada por
perigosos
explosão ou incêndio;
(2) desastres relacionados à contaminação da água: (a) liberação de
produtos químicos nos sistemas de água potável; e (b)
derramamento de produtos químicos em ambiente lacustre, fluvial,
marinho e aquíferos;
(3) desastres relacionados a conflitos bélicos: (a) liberação de
produtos químicos e contaminação como consequência de ações
militares;
43
(4) desastres relacionados a transporte de produtos perigosos: (a)
transporte rodoviário; (b) transporte ferroviário; (c) transporte
aéreo; (d) transporte dutoviário; (e) transporte marítimo; e (f)
transporte aquaviário.
Desastres
relacionados
incêndios
(1) incêndios urbanos: (a) incêndios em plantas e distritos
a industriais, parques e depósitos; e (b) incêndios em aglomerados
residenciais.
urbanos
Desastres
relacionados
(1) colapso de edificações;
a (2) rompimento, colapso de barragens.
obras civis
Desastres
(1) transporte rodoviário;
relacionados a
(2) transporte ferroviário;
transporte de
(3) transporte aéreo;
passageiros e
(4) transporte marítimo;
cargas não
(5) transporte aquaviário.
perigosas
QUADRO 2 – COBRADE
Fonte: Ministério da Integração Nacional (2014a).
Ainda, quanto a interação entre fatores ambientais e sociais em um desastre, é importante se
atentar para o proposto por Lindell (2011) sobre os impactos causados. O autor apresenta
tanto impactos físicos quanto sociais, fortalecendo a ideia de que um desastre é
socioambiental. São listados dois aspectos quanto aos impactos físicos. O primeiro são as
vítimas (óbitos), que variam de acordo com o evento em si, como também de acordo com o
país onde o evento ocorre, sendo que os países com menor renda apresentam maior número de
perdas por desastre. O segundo aspecto dos impactos físicos são os danos (prejuízos), como as
perdas estruturais, de animais e na agricultura. Em países em desenvolvimento os danos são
maiores, assim como ocorre com o número de vítimas. (LINDELL, 2011)
Já em relação aos impactos sociais, Lindell (2011) discute sobre quatro principais pontos: os
psicossociais, os demográficos, os econômicos e os políticos. Os psicossociais apontam para a
variação das respostas psicológicas, que podem ser tanto positivas como negativas, bem como
brandas e transitórias, ou graves e a longo prazo. Também se observam as consequências de
adaptação a longo termo, como as mudanças na percepção do risco. O autor deixa claro que
44
este último comportamento, o adaptativo, pode reduzir a vulnerabilidade das pessoas que
moram em áreas de risco. Porém, os resultados dos impactos cognitivos pós desastre, que
gerariam ajustes familiares quanto ao risco, não são, aparentemente, amplos e frequentes.
(ibid.)
Os impactos sociais pertinentes à demografia, nos países em desenvolvimento, se relacionam
com o números de óbitos. Já nos países desenvolvidos, eles se intensificam por conta de
imigração e emigração, geralmente temporárias, após o desastre. (ibid.)
Em relação à economia, os impactos sociais se referem aos danos nas propriedades e às
perdas patrimoniais, cujos custos se calculam a partir do que é gasto com o reparo ou com a
reposição (ibid.). Além disso, há os prejuízos das propriedades afetadas dos negócios e do
governo. Lindell (2011) explica que é difícil ter um total preciso de tais perdas, haja vista que
não há organização específica que levante todos os dados relevantes, de modo que certas
informação não chegam nem a ser contabilizadas.
Ainda, há perdas econômicas indiretas, uma vez que as sub unidades da comunidade afetada
são interdependentes. Por exemplo, um negócio pode ter prejuízos por conta de seus
funcionários terem perdido suas casas, ou por danos na infraestrutura. O governo também
sofre com estas perdas, já que há custo na remoção dos escombros, na restauração e no
replanejamento, além da baixa resultante na receita pública. (ibid.)
A título de exemplo, vale citar que, de acordo com o GAR (UNISDR, 2013a), no total, foram
perdidos um trilhão de dólares na ultima década, por conta dos desastres. As perdas
econômicas diretas nos últimos 30 anos, em 40 países de renda média e baixa, somam 305
bilhões de dólares. O relatório ainda deixa claro que os negócios são diretamente afetados
pelos desastres, já que estes minam a competitividade e a sustentabilidade das empresas.
Finalmente, os impactos sociais na política apontam para o ativismo social, que, por sua vez,
tem como consequência a ruptura política. Conflitos comunitários surgem, no período de
recuperação, por conta das queixas e demandas das vítimas que, quando há a tentativa de
solucioná-las pela ação coletiva, podem resultar em tentativas de se alterarem os padrões
vigentes de governança civil. Outro impacto político é a emergência de novos grupos que
visam influenciar as ações de agentes e legisladores locais, estaduais e nacionais, o que pode
afetar a reeleição ou revogação de um candidato. (ibid.)
45
1.1.5
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
SOBRE
AS
DIFERENTES
PERSPECTIVAS DA CATEGORIA DESASTRE
Assim, após serem apresentadas diversas concepções, destaca-se que o desastre é um campo
de estudo vasto e em construção, com definições e perspectivas que dialogam entre si,
perpassam diferentes disciplinas e se relacionam a outros fatores, como a vulnerabilidade, o
risco e a resiliência.
Finalmente, percebe-se que as variadas perspectivas e definições de desastres têm relação
com o fato do conceito ser discutido em diferentes momentos históricos e sociais como,
também, sendo influenciado por diferentes correntes teóricas. Destaca-se que, para uma
compreensão ampla da temática, essa variabilidade conceitual seja considerada de forma
analítica e crítica tanto na pesquisa teórica quanto no trabalho prático. Esta diversidade vem a
ser reforçada pela ideia de que são muitos modelos e interpretações sobre desastres e isto se
deve ao fato de que o fenômeno em si é multifacetado e historicamente contextualizado. De
modo que, para alguns autores, não se tem previsão de que se formule uma única teoria geral,
universal e explanatória sobre a questão. (ALEXANDER, 2005)
Neste contexto de ampla discussão sobre as diferentes perspectivas e definições do termo
desastre, fica, praticamente, difícil a tentativa de esgotar o assunto. No entanto, para encerrar
este subcapítulo, cabe o esforço de se apontar uma vertente ou definição para se abordar o
desastre, que balizará a pesquisa. Neste trabalho, os desastres serão compreendidos como
“desastres socioambientais” visto a relevante interação dos fatores ambientais, como o evento
natural em perigo ou em ocorrência, com os fatores sociais, como a vulnerabilidade social.
Desta forma, espera-se estar alinhado com o discutido, anteriormente, com os autores que
destacam o risco e a vulnerabilidade, porém, não é negligenciado os aspectos de natureza
física ou natural envolvidos no contexto de um desastre.
Ou seja, apesar do foco destes estudos não ser o evento natural em si (como é o caso do
primeiro paradigma proposto por Gilbert, citado acima), acredita-se que o modo como a
sociedade estará manejando, se prevenindo e esperando um evento é relevante,
principalmente, com o fim de diminuir os riscos e as perdas de quaisquer natureza. Para tal, se
faz premente que se entendam as relações sociais de dada comunidade com o meio ambiente
e, portanto, como ela gerencia os riscos e as vulnerabilidades. Vale ressaltar que as estratégias
de gerenciamento ou de redução de riscos, vulnerabilidades e desastres são (e devem) ser
46
compreendidas como oportunidades de levar às populações historicamente vulnerabilizadas e
excluídas a terem satisfeitas as necessidades básicas. Isto porque para que os riscos,
vulnerabilidades e desastres sejam mitigados é necessário um trabalho que englobe outros
indicadores sociais, como educação, por exemplo, o que será visto na discussão a seguir sobre
vulnerabilidade. Por conseguinte, tais estratégias são abordadas como estratégias de
desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentado (DA-SILVA-ROSA,
MALUF, 2010; DA-SILVA-ROSA, MATTOS, 2012) De acordo com Perry (2007), David
Alexander e Susan Cutter são autores que apresentam esta perspectiva por trabalharem na
tradição ameaça-desastre, mas enfatizarem a vulnerabilidade e as mudanças sociais
concernentes aos desastres. Procura-se, assim, assumir que, para uma abordagem mais
integrativa, é necessário que se aborde o aspecto ambiental do desastre, mas sem que este seja
um fator preponderante e único, uma vez que o desastre é, também, social, produzindo novas
rupturas sociais e intensificando as já existentes, de modo que demanda que as pessoas
envolvidas desenvolvam novos comportamentos – o que poderá auxiliar na adaptação e na
mitigação da vulnerabilidade frente a eventos futuros.
Concluindo, cabe destacar a crítica de Valencio (2009) à Sociologia brasileira. A autora
afirma que, apesar do debate da disciplina sobre os desastres ter bons resultados, no país, a
Sociologia ainda está omissa, ausentando suas concepções críticas e reflexivas, com as quais
se fortalece os movimentos sociais envolvidos em situações de desastres, se aperfeiçoam as
políticas públicas e se promove o compromisso do Estado com as mudanças sociais. Isto é, a
participação da Sociologia – especializada, crítica e reflexiva – é necessária para que a
discussão sobre os desastres, no Brasil, possa ser profícua, como é tal discussão em outros
países.
1.2 VULNERABILIDADE
Na discussão anterior ficou claro que a vulnerabilidade é uma parte presente em várias
definições de desastres (PERRY, 2007). O termo foi incluído na discussão dos desastres
durante os anos 1960, no segundo período das pesquisas, chamado tradição ameaçasdesastre. Os estudos desta tradição relacionam o ambiente e o elemento natural do desastre
com o sistema socioeconômico, envolvendo as pessoas e os relacionamentos sociais com o
desastre (PERRY, 2007). Nos estudos de Gilbert (1998), o debate sobre a vulnerabilidade foi
47
inserido no contexto dos desastres nos anos 70 e 80, discutindo as causas de dado desastre no
viés estrutural e contextual, considerando a experiência, não mais pela reação a um evento
externo, mas pelas ações, consequências sociais e resultados de relações humanas
desorganizadas. A vulnerabilidade tem um caráter multidimensional, como veremos a seguir,
apesar de haver um foco razoável na sua dimensão social a qual, também, é pluridimensional.
De acordo com o Ministério do Trabalho e do Emprego (2007), a maior parte da discussão
sobre vulnerabilidade social, anterior aos anos 90, analisava o papel das políticas sociais,
tanto no auge como na crise do capitalismo. Assim, a discussão sobre a vulnerabilidade social
se expandiu a partir dos estudos sobre a pobreza, abordando de forma integral o fenômeno da
pobreza em si como, também, diferentes modos de desvantagem social (ABRAMOVAY et
al., 2002). Tal discussão considera a vulnerabilidade social como o resultado negativo da
relação existente entre a disponibilidade de recursos materiais ou simbólicos da parte dos
atores (indivíduos ou grupos) e o acesso que se tem à estrutura de oportunidades tanto sociais
como econômicas e culturais provenientes do Estado, do mercado e da sociedade.
(ABRAMOVAY et al., 2002)
Em outras palavras, a vulnerabilidade não se inscreve, apenas, pela carência do indivíduo ou
do Estado, mas pela relação entre um ator desprovido dos recursos necessários e um Estado
que não supre tais deficiências. A partir desta perspectiva, a vulnerabilidade pode ser
considerada como referente à falta de condições de vida íntegras no que se refere à produção,
à reprodução e à representação política (RODRIGUES, 2008). Ao se referenciar a Robert
Castel, em um relatório que apresenta os aspectos conceituais da vulnerabilidade social no
Brasil, o Ministério do Trabalho e do Emprego (2007) afirma que
a vulnerabilidade social é uma zona intermediária instável que conjuga a
precariedade do trabalho e a fragilidade dos suportes de proximidade. Se
ocorrer algo como uma crise econômica, o aumento do desemprego, a
generalização do subemprego, a zona de vulnerabilidade dilata-se, avança
sobre a zona de integração e elimina a desfiliação. Os estudos sobre
vulnerabilidade social, especialmente os que se aplicam à realidade dos países
menos desenvolvidos, estão associados também à ideia de risco frente ao
desemprego, à precariedade do trabalho, à pobreza e à falta de proteção social.
(p. 13)
48
A partir deste citação é possível notar que a vulnerabilidade abrange diversos fatores
concernentes à sociedade como a política e a economia como indica Gilbert (1998). As causas
da vulnerabilidade, principalmente de natureza social e política, podem se assemelhar entre si,
já que “para ambas as vulnerabilidades social e política, o pano de fundo é o mesmo: o
colapso de uma comunidade é explicado pelo relaxamento nas fronteiras sociais e políticas”
(GILBERT, 1998, p. 15). Isto é, com limites indefinidos, provocados por situações de estresse
ou de crise (ou quando a capacidade de suporte do sistema é ultrapassada), o próprio contexto
sociopolítico se torna inseguro e vulnerável, sendo assim, produtor de desordem e de
vulnerabilidade. Isto é possível de ser exemplificado quando Castel (2012), ao explicar as
mudanças do paradigma social na Modernidade pelo viés do salário, aborda a questão da
precariedade na Modernidade. A questão social tem sido reformulada, atualmente, por conta
do crescimento da vulnerabilidade resultante da desorganização do trabalho e da
desestruturação da sociabilidade como, também, das falhas na proteção, na regulação das
desigualdades e na equalização das oportunidades. Nas palavras do autor, “enfatizar essa
precarização do trabalho permite compreender os processos que alimentam a vulnerabilidade
social e produzem, no final do percurso, o desemprego e a desfiliação.” (CASTEL, 2012, p.
516, grifo do autor). Castel (2012) ainda apresenta três características da política e da
sociedade, que reforçam a manutenção da vulnerabilidade: as conquistas sociais inacabadas e
frágeis; os efeitos perversos da ampliação das proteções, que desresponsabilizam o sujeito,
evidenciam a reprodução das desigualdades, perpetuam a injustiça social, exploram o sujeito e
recusam o tratamento digno aos vulnerabilizados; e os efeitos contraditórios e
individualizantes dos serviços públicos. Estas características contribuem, assim, para o que
Gilbert (1998) afirma ser “o relaxamento entre as fronteiras sociais e políticas” (p. 15), ou a
ruptura de estruturas ou instituições capazes de assegurar o funcionamento adequado da
sociedade. Estes (ruptura, relaxamento) estão na base do colapso ou da desordem típicos das
situações de vulnerabilidade social.
Neste contexto, como exemplo de alternativa e estratégia para lidar, principalmente, com os
efeitos individualizantes que intensificam a produção e manutenção da vulnerabilidade,
destacam-se a criação e o fortalecimento dos laços comunitários. Em pesquisa sobre a
vulnerabilidade e riscos na região metropolitana de Campinas, De Paula (2011) relata o
quanto o conhecimento entre vizinhos, expressando laços comunitários, auxilia no
enfrentamento dos riscos, de modo que os moradores mais vulneráveis podem se tornar aptos,
para lidar com os riscos ambientais, o que nos indica que a criação e fortalecimento de laços
49
comunitários como uma estratégia para a minimização do relaxamento dos limites sociais e
para o enfrentamento das rupturas no sistema. Esta constatação nos encaminha a pensar em
outro aspecto da vulnerabilidade: o psicológico. Ommeren et al. (2005) afirmam que as
“emergências podem romper severamente estruturas sociais e cuidados formais e informais
em andamento de pessoas com desordens pré-existentes” (p.72). Deste modo, as pessoas já
vulneráveis psicologicamente antes do desastre, após a ocorrência do mesmo, têm tal
vulnerabilidade intensificada. Ommeren et al. (2005) e Coêlho (2011) ainda ressaltam o
surgimento de casos de Transtorno do Estresse Pós Traumático, o qual tem tido maior registro
de ocorrência em países de poucos recursos, ou seja, vulneráveis socioeconomicamente. São
nestes países onde há a falta de um sistema de saúde que considere os recursos humanos e
comunitários, bem como as intervenções sociais e o cuidado com as pessoas que já
apresentavam alguma desordem mental ou outras questões subjetivas antes da ocorrência do
desastre. (OMMEREN ET AL., 2005; COÊLHO, 2011)
Uma outra dimensão é a vulnerabilidade física que é, também, abordada na discussão
internacional sobre RRD. Na Global Platform for Disaster Risk Reduction25, foi enfatizado a
necessidade de se abordarem os riscos que afligem os portadores de necessidades especiais,
chamados de deficientes, estando estes entre os grupos dos mais vulneráveis juntamente com
idosos, mulheres e crianças (UNISDR, 2013b). Os panelistas da plataforma destacaram a
demanda de que houvesse uma melhoria na comunicação sobre as deficiências e para que o
tema da vulnerabilidade dos deficientes frente aos desastres seja tratado de forma efetiva,
envolvendo a pessoa com necessidades especiais no planejamento e na implementação das
ações de RRD (ibid.). Para tanto, deve-se reconhecer a relevância da inclusão da deficiência,
ou seja, a abordagem desta vulnerabilidade, no tocante à mitigação do risco entre os grupos
que são afetados por este de forma desigual, como as pessoas com necessidades especiais
(ibid.). A UNISDR (2013c) focou no dia internacional para a redução de desastres, 13 de
outubro de 2013, nas pessoas com necessidades especiais, que somam um quinto da
população mundial, e suas contribuições na RRD e na construção de comunidades resilientes.
Além dessas dimensões citadas, há, também, segundo a UNISDR (2009), outros aspectos
relacionados à vulnerabilidade, tais como os fatores físicos e ambientais, que, junto com os
fatores sociais e econômicos, fazem com que ela varie entre comunidades e no decorrer do
tempo. Ou seja, a vulnerabilidade tem um caráter espacial e temporal. Assim, ela pode
25
Plataforma Global para Redução de Riscos de Desastre, cujo ultimo encontro ocorreu em maio de 2013 em
Genebra (Suíça)
50
ocorrer, por exemplo, pela má construção de prédios ou pela não proteção dos bens materiais
ou, ainda, por não haver informação pública suficiente sobre risco, ameaças ou medidas de
preparação ou gerenciamento ambiental. (ibid.)
Vale destacar, ainda, a interação existente entre os diversos fatores acima citados e a situação
de exclusão, ocorrida na periferia, resultante do padrão de urbanização: a interação vai
reforçar ou expor tal exclusão pelo viés do capital como pelo dos fatores ambientais. Por
conta de tal interação entre os diferentes aspectos relacionados à vulnerabilidade, enfatiza-se
que ela deve ser analisada numa perspectiva multidimensional, a partir de uma visão sistêmica
e complexa. (DA-SILVA-ROSA, MATTOS, 2012; CARMO, 2012)
Para o Ministério da Integração Nacional (2007), as vulnerabilidades estabelecidas por
estudos técnicos apontam para a probabilidade que certa comunidade ou área tem ou terá de
sofrer com uma ameaça ou risco de desastre. Isso se relaciona, assim, com as várias
dimensões que compõe a vulnerabilidade, a saber:
com o grau de defesa, resistência de edificações, sistemas, serviços, bem como
com as medidas de segurança, que são determinadas, executadas e realizadas
pela população para reduzir os riscos ao ambiente e à população e, desta
forma, evitar ou minimizar os desastres e as consequências ou danos dos
mesmos. (p. 9)
Portanto, percebe-se uma relação inversamente proporcional entre a vulnerabilidade e a
proteção/defesa, já que quanto maior a capacidade de se proteger e defender que uma
comunidade tem e quanto mais resistentes forem suas edificações, sistemas e serviços, menor
será a vulnerabilidade de tal comunidade. Esta é a mesma visão do Ministério do Trabalho e
do Emprego (2007), ao definir a vulnerabilidade, tanto de um indivíduo como de um grupo
social, como a capacidade existente, ou não, de controlar as forças pelas quais são afetados,
isto é, a posse, ou não, de recursos (físicos, humanos e sociais) que possibilitem o
aproveitamento do que o Estado, mercado e sociedade proporcionam – ou não proporcionam,
pois afinal alguns dos fatores acima listados cabem a estes atores proporcionarem.
As vulnerabilidades sociais são, desta forma, um importante indicador para se analisar as
condições sociais e se definir as linhas de ação na prevenção e preparação para a emergência,
planejando e intervindo social, cultural, política e economicamente. Com isso, visa-se a
51
diminuição das vulnerabilidades sociais detectadas com estudos técnicos e os riscos
associados. (RIBEIRO, 1995) Isto porque, apesar de toda a população estar exposta a riscos
globais, a capacidade de enfrentamento e de reação frente a estes riscos é variada de modo a
constituir grupos sociais mais ou menos vulneráveis. (CARMO, 2012)
Valencio (2009a) também apresenta um importante debate sobre as vulnerabilidades,
apontando para os riscos globais produzidos por ano e para a desigualdade das
vulnerabilidades historicamente construídas por processos de desenvolvimento injusto, ao
afirmar que
perpetua-se, em escala global, as desigualdades econômicas, gerando
assimetrias na capacidade adaptativa de vários povos e nações que sofrerão os
impactos negativos dos eventos extremos relacionados às mudanças climáticas.
A assimetria de acesso às informações, às tecnologias adaptativas e à
capacidade de deslocamento e inserção em territórios circunstancialmente mais
seguros cria distinções significativas entre os que produzem os riscos e os que
estão mais expostos aos mesmos. (p. 4)
A partir da fala da autora, é notável o quanto as vulnerabilidades, resultantes das
desigualdades socioeconômicas, vão influenciar nos impactos sofridos por uma comunidade
por conta de um evento natural e na sua capacidade de resposta. Portanto, a vulnerabilidade se
encontra na estrutura social, que será rompida, no contexto de um desastre, como
consequência de tal vulnerabilidade já presente. (PERRY, 2007, DA-SILVA-ROSA ET AL,
2013)
Por exemplo, observa-se o número de eventos climáticos extremos, o número de pessoas
afetadas e de óbitos, nas décadas de 1980 e 1990, apresentado por Carmo (2012). Para realizar
uma breve comparação, serão relatados apenas dois grupos de países apresentados pelo autor,
a África e os países desenvolvidos. Nos anos 80, foram 243 eventos no continente africano,
que resultaram em 417 mil mortes e 137,8 milhões de afetados, enquanto nos países
desenvolvidos, foram 563 eventos (mais que o dobro dos ocorridos na África), com o
resultado de 10 mil óbitos e 2,8 milhões de afetados (CARMO, 2012). Já na década de 1990,
a quantidade de eventos registrados, segundo o mesmo autor, se manteve semelhante à década
anterior, 247 na África e 577 nos países desenvolvidos. Porém, houve uma significante
diminuição no número de óbitos: foram 10 mil na África e 6 mil nos desenvolvidos. O
52
número de pessoas afetadas aumentou nos países desenvolvidos e diminuiu na África,
contudo, a diferença continua apontando para a influencia da vulnerabilidade previa aos
eventos: foram 104,3 milhões de afetados nos países africanos e 10,8 milhões nos
desenvolvidos. (ibid.)
É relevante notar que a quantidade de óbitos e de pessoas afetadas nos países desenvolvidos é
menor, em ambas as décadas, do que nos países em desenvolvimento, confirmando o
argumento que, quanto maior a vulnerabilidade pré-existente ao impacto, maiores serão as
consequências negativas. Tal vulnerabilidade é explicada por Chambers (apud. KANBUR,
SQUIRE, 2000) como tendo um fator externo, referente à exposição aos riscos, e um interno,
referente a inabilidade de lidar com a situação sem que hajam perdas prejudiciais. A pessoa
em situação de pobreza, portanto, estando em desvantagem histórica quanto aos recursos e ao
poder, sofre, frente ao risco e ao evento em si, por não conseguir se proteger adequadamente,
nem social nem economicamente (KANBUR, SQUIRE, 2000). Por isso os números de
pessoas afetadas e mortas por eventos climáticos extremos é maior nos países africanos
(CARMO, 2012), por conta da desvantagem, construída historicamente, em relação aos
aspectos econômicos, ambientais e sociais.
Destaca-se que uma calamidade ocorrida não afetará somente o local geograficamente
específico do desastre, mas é capaz de afligir uma comunidade distante, gerando danos diretos
e indiretos na sua rotina, a partir dos vínculos econômicos e sociais, em existindo, que
poderão ser afetados (VALENCIO, 2011). Ou seja, comunidades vulneráveis, mesmo não
sendo o local específico onde o desastre ocorreu, mas tendo alguma relação com tal local ou
grupo, podem sofrer consequências por conta do evento natural ocorrido em outro lugar em
função dos laços econômicos e sociais estabelecidos pré-desastre. Neste sentido, cabe
ressaltar a consequência dos efeitos ou prejuízos de um desastre, a qual se amplifica,
podendo, até mesmo, provocar uma situação de precariedade em outras áreas.
Deste modo, a vulnerabilidade se relaciona com o risco de desastre (local ou não) uma vez
que este não depende só de quão grave é o perigo ou de quantas pessoas ou bens estão
expostos, mas, também, do quão susceptíveis as pessoas e os bens econômicos estão diante da
possibilidade de sofrerem perdas (UNISDR, 2013a). Portanto, a vulnerabilidade é um fator
relevante no desastre visto que este resulta da relação entre a exposição de uma comunidade,
ou sistema, e sua vulnerabilidade a dada ameaça. Esta vulnerabilidade indica a capacidade
insuficiente de um dado grupo quanto às medidas de redução e de manejo das possíveis
53
consequências (negativas), de modo a intensificar (ou não) a susceptibilidade da comunidade
diante de uma ameaça. (UNISDR, 2009)
Neste sentido, os estudos sobre a vulnerabilidade, portanto, devem abordar o caráter histórico
(ARAÚJO, DA-SILVA-ROSA, 2013), uma vez que a pobreza, elemento central da
vulnerabilidade socioeconômica, não é somente revelada pela carência financeira, o que
levaria a pensar que ela fosse um objeto somente da economia, mas é um objeto de caráter
histórico sociológico. Portanto, a vulnerabilidade deve ser analisada, também, numa
perspectiva histórica, observando-se os antecedentes para que se entenda o presente e em uma
perspectiva sociológica, observando-se o próprio presente e o fato real, a situação de privação
na qual vivem populações no mundo inteiro por conta de um projeto de desenvolvimento, de
base capitalista, injusto, desigual e insustentável. (GEREMEK, 1997)
Esta abordagem com foco na vertente histórica se justifica pelo fato da vulnerabilidade se
relacionar com
problemas que já existem há décadas, decorrentes de processos sociais
e econômicos, que fazem com que grupos populacionais sejam
segregados, principalmente nos espaços urbanos, e se encontrem em
situação de vulnerabilidade acentuada frente aos riscos ambientais
como enchentes, deslizamentos de terra e riscos decorrentes da falta de
infraestrutura de saneamento. (CARMO, 2012, p. 34)
Nesta perspectiva de construção da vulnerabilidade no decorrer da história, Geremek (1997)
contribui para a sua compreensão quando demostra a complexidade e o dinamismo da
pobreza ao descrever sua construção desde a Idade Média até a Idade Contemporânea. Por um
lado, na Idade Média, a pobreza apontava para o sagrado, de forma que os pobres eram
“escolhidos por Deus” para estarem em dada situação econômica e os fiéis eram abençoados
em ajudá-los. Por outro lado, na pobreza moderna, a miséria passa a ser tolerada pelo sistema
vigente, no qual o próprio capitalismo passa a ser o multiplicador da pobreza. (ibid.)
Assim, na Idade Moderna a pobreza desloca-se da concepção religiosa e de caridade para ter
caráter degradante de desordem social. Na Contemporaneidade, a pobreza é um paradigma
social marcado pela marginalidade e criminalidade e resultante da insuficiência de trabalho e
consumo. (GEREMEK, 1997)
54
A Modernidade pretendia ser emancipadora, gerando transformação para o desenvolvimento,
porém há casos, como o Brasil, no qual a modernização é sinônimo de urbanização
desordenada e crescimento econômico desigual, não promovendo integração social e sim a
exclusão (VELLOSO, 1994). Percebe-se ainda que falta investimento no desenvolvimento
humano, não se focando na construção de uma cidadania plena. Percebe-se, também, um
crescimento somente econômico, no qual os aspectos sociais são deixados de lado, entre eles,
a educação – sua má qualidade é um forte agravante. (ibid.)
1.2.1
A DINÂMICA TEMPORAL DA VULNERABILIDADE: DADOS
ESTATÍSTICOS BRASILEIROS
Rahnema (2003) atenta para o fato de que, independentemente da situação inegável de uma
condição humana que é a pobreza, é relevante que se compreenda como a construção social
feita realmente corresponde a realidade que ela representa. Se retomarmos a abordagem
temporal histórica, veremos que a pobreza em diferentes épocas é explicada e percebida com
base em um conjunto culturalmente determinado de fatores. A título de exemplo, serão
apresentados a seguir alguns dados estatísticos e indicadores da vulnerabilidade social
brasileiros, que apresentam certa dinâmica temporal. O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2012) apresenta a Síntese dos Indicadores Sociais, incluindo (1) aspectos
demográficos, (2) famílias e domicílios, (3) educação, (4) atividades pessoais (incluído
trabalho), (5) padrão de vida (incluindo distribuição de renda) e (6) direitos humanos. O
relatório introduz os indicadores afirmando haver um caráter histórico na desigualdade, em
consonância com o que tem sido apresentado neste trabalho. Ainda, destaca-se que os
indicadores se relacionam entre si, indicando a dinâmica múltipla da vulnerabilidade, já
comentada neste trabalho.
(1) Os aspectos demográficos apresentam o tamanho da população brasileira relacionado ao
espaço que ocupa (densidade demográfica) e elementos pertinentes, a saber: o comportamento
reprodutivo, as taxas e o padrão de mortalidade e os movimentos migratórios (IBGE, 2012).
Desataca-se o exemplo dado no relatório do IBGE (2012) comparando a densidade
demográfica do Amazonas com a do Distrito Federal: a do primeiro estado equivale a 2,3
habitantes por km2 enquanto a da capital do país, a 462,1 hab./km2. Isto representa uma
distribuição desigual de habitantes pelo território nacional, que também é uma construção
histórica marcada pelo êxodo rural e pela mudança para os grandes centros urbanos,
principalmente pela população já vulnerabilizadas socioeconomicamente, que migra para os
55
centros urbanos, como o Distrito Federal em busca de empregos e melhor condição de vida
(IBGE, 2012). Desta densidade demográfica desigual também pode-se inferir o processo de
urbanização desordenada que prioriza os centros urbanos por sua maior produtividade e
geração de lucros em detrimento dos fatores ambientais – o que resulta em riscos e desastres
socioambientais.
(2) Já o indicador de família e domicílios é importante, segundo o IBGE
(2012), por
proporcionar conclusões sobre as condições de vida da população a partir do modo como, por
exemplo, as famílias se organizam e da condição das habitações (acesso aos serviços de
saneamento básico, da abastecimento de água, de iluminação e de pavimentação; posse de
bens que favorecem o bem estar e o conforto; estética da habitação; custo da moradia;
densidade, número de pessoas que habitam na mesma moradia). Comparando os dados de
2001 a 2011, o IBGE (2012) mostra que houve um crescimento de 35,6%, no decorrer da
década, no número de casas com uma única pessoa habitando, chamados arranjos unipessoais,
que se justificam em outros processos desenvolvidos social e temporalmente, sendo os dois
principais: a queda de fecundidade e o envelhecimento da população. Porém, outro fator que
se relaciona com a mudança na dinâmica das famílias e das habitações é em relação às
mulheres: sua autonomia e luta por igualdade de gênero são vistas como estratégias de
combate à pobreza, à fome e às doenças bem como meios de impulsionar o desenvolvimento
sustentável (IBGE, 2012). Este indicador sobre famílias é importante para a análise da
construção histórica da vulnerabilidade por conta das mudanças que o indicador apresenta no
passar dos anos, apontando para o caráter dinâmico da sociedade. Observa-se, ainda, o
aumento no número da população idosa (envelhecimento da população), que vem a
intensificar a necessidade de um trabalho de mitigação da vulnerabilidade deste grupo etário
frente às demandas atuais como, por exemplo, os desastres.
(3) A educação, de acordo com o IBGE (2012), é o mais importante meio de se promover as
oportunidades, a inserção profissional e a transmissão de status entre gerações, além de ser
um bem coletivo que promove a cidadania. Nas palavras do relatório,
quanto maior for a capacidade de o sistema escolar democratizar o acesso à
educação de qualidade, independentemente das origens sociais dos estudantes,
maior será a igualdade de oportunidade educacional e, consequentemente, mais
igualitária será a chance de ascender às ocupações mais valorizadas. (IBGE,
2012, p. 112)
56
Vale destacar que as políticas educacionais brasileiras têm sido aprofundadas e o sistema
educacional do país tem crescido nas últimas décadas, principalmente em relação à educação
infantil (IBGE, 2012). Estes números (Tabela 1) são importantes por mostrar o
desenvolvimento da mitigação da vulnerabilidade social, que vem a acarretar na minimização
de outros tipos de vulnerabilidade, como a econômica e a ambiental.
Tabela 1 – Porcentagem de alunos na escola
Faixa etária e escolaridade
Crianças de 0 a 3 anos escolarizadas
2001
10,6%
2011
20,8%
Crianças de 4 a 5 anos escolarizadas
55%
77,4%
Jovens de 18 a 24 anos que ainda cursavam o Ensino Médio
21%
8%
Jovens de 18 a 24 anos frequentando o ensino superior
27%
51%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012)
(4) Prosseguindo, o indicador de atividades pessoais e trabalho apresenta o mercado de
trabalho formal em expansão nos últimos anos, com um crescimento de 10,7%, entre 2001 2
2011, no número de pessoas com 16 anos ou mais em trabalhos formais, resultando em 56%
desta população empregada formalmente. As regiões Norte e Nordeste são as com menores
taxas de trabalho formal, a saber, 37% e 38%, respectivamente, sendo estas as regiões com
menores taxas de frequência na escola também (IBGE, 2012).
(5) À questão do trabalho e demais atividades pessoais se relaciona o padrão de vida e
distribuição, próximo indicador, que engloba conceitos como bem-estar, pobreza, riqueza,
exclusão social, desigualdade e a construção histórica destes aspectos (IBGE, 2012). O
relatório descreve o crescimento econômico após a Segunda Guerra Mundial (1950-1970) que
ocorria apesar do crescimento das desigualdades sociais, produzidas e reproduzidas pelo viés
da produção capitalista e industrial. Já em relação aos anos 1980, o IBGE (2012) apresenta
outra contradição: de um lado, a redução do analfabetismo e da mortalidade infantil e, de
outro, a renda concentrada e o crescimento das favelas e da violência urbana; à próxima
década, anos 1990, apresenta-se a democratização das relações sociopolíticas e a estabilização
monetária, sem, contudo, ocorrerem mudanças relevantes na desigualdade; e em relação aos
anos 2000, é notado uma minimização da pobreza e crescimento econômico, destacando-se as
políticas públicas de transferência de renda como meios eficientes para estas mudanças
(ibid.). A desigualdade ainda é presente, apesar de haverem mudanças: entre 2001 e 2011, os
20% mais ricos da população tiveram uma queda na sua apropriação da riqueza nacional, de
57
63,7% para 57,7%, enquanto os 20% mais pobres aumentaram sua apropriação, no mesmo
período, de 2,6% para 3,5% (ibid.). Com estes dois indicadores percebe-se a desigualdade,
através do tempo, no acesso ao emprego e à renda, o que vai manter a vulnerabilidade da
população que já estava, anteriormente, em situação de pobreza.
(5) Por último, o indicador de direitos humanos engloba outros doze indicadores, que são o
direito: à vida; à liberdade e segurança de pessoa; à alimentação adequada; à satisfação do
mais alto padrão de saúde física e mental; de não ser submetido à tortura, tratamento e
punição desumanos ou degradantes; de participar em manifestações públicas; à educação; à
moradia adequada; à seguridade social; ao trabalho; à liberdade de expressão e opinião; e a
julgamento justo (IBGE, 2012). Este é, portanto, um indicador complexo, que engloba
aspectos referentes aos demais indicadores e que apontam para uma ação multifatorial para
que se minimize as mazelas sociais referentes aos direitos humanos já construídas
historicamente e mantidas pelo sistema vigente de produção e desigualdade.
Com isto, percebe-se a criação e recriação, na atualidade, de vulnerabilidades
socioeconômicas já existentes, além de criar espaço social para novas formas de tais mazelas
sociais serem experenciadas, principalmente entre a população mais pobre (RODRIGUES,
2008). Tal relação se dá uma vez que a vulnerabilidade é intrínseca a processos
multiplicadores da exclusão social, a saber, a expansão contemporânea do capitalismo, a
globalização econômica e as exigências modernas do processo de produção (DA SILVA
ROSA, MATTOS, 2012; CASTEL, 2012; UNISDR, 2013a). Como dito por Castel (2012),
quando aborda a precarização do trabalho, a empresa, símbolo do capitalismo, é “como uma
máquina de vulnerabilizar, e até mesmo como uma ‘máquina de excluir’.” (p. 519). Isto é, o
sistema capitalista, típico da Contemporaneidade, é meio de criação e reprodução da
vulnerabilidade, como já discutido anteriormente sobre a própria Modernidade, de modo que
os que estão a margem do sistema de produção e consumo capitalista se tornam vulneráveis,
não só economicamente, mas, também, social e ambientalmente.
1.2.2
A VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL
Além do sistema econômico capitalista ser produtor e reprodutor da vulnerabilidade, os
fatores ambientais, como as mudanças climáticas, são capazes de colocar populações em
situação de vulnerabilidade e, também, intensificar vulnerabilidades já existentes (DA SILVA
ROSA, MATTOS, 2012). Em outras palavras, as mudanças climáticas impactam as condições
58
de vida, especialmente dos grupos sociais que não possuem meios de enfrentamento ou de
adaptação e já têm, previamente, acesso precário aos serviços e, portanto, maior exposição ao
risco (CARMO, 2012). Portanto, faz-se necessário que os investimentos econômicos e sociais
sejam revistos e/ou remanejados, democraticamente, visando a mitigação da vulnerabilidade
em relação aos riscos. (ibid.)
Concluindo, a vulnerabilidade é um fator prévio no contexto dos desastre já que desvela as
condições social, econômica, ambiental, política e psicológica de populações, que já estão
instauradas na comunidade mesmo antes da ocorrência do desastre. Assim, os diversos atores
sociais precisam atentar para os recursos tanto aqueles previamente existentes quanto aqueles
que precisam desenvolver para o enfrentamento e adaptação aos riscos e aos próprios
desastres, uma vez que, “se, por definição, o futuro é imprevisível, a história mostra que a
gama dos recursos de que os homens dispõem para enfrentar seus problemas não é infinita.”
(CASTEL, 2012, p. 497).
1.3 RISCO
Há na literatura dois termos que se interagem: perigo (hazard) e risco (risk), sendo que o
primeiro é geralmente usado para indicar uma ameaça natural, a eminência de um evento
acontecer, enquanto o segundo termo, risco, engloba ao perigo fatores sociais, políticos,
culturais e econômicos. Ulrich Beck (2011) foi quem formulou o conceito de sociedade de
risco, sociedade esta que seria consequente à sociedade industrial. A lógica dominante desta
última visa a produção de riquezas enquanto a lógica da primeira produz riscos a serem
distribuídos (LENZI, 2006; BECK, 2011). Para o autor, essas duas lógicas vêm
sistematicamente acompanhadas uma da outra. Segundo ele, não estamos numa sociedade de
riscos, mas não somente em uma sociedade industrial. Estaríamos em um tempo de transição
onde se convive com as duas lógicas afinal, a sociedade industrial é produtora de riscos
através do uso da tecnologia criada pela ciência e, portanto, produtora da própria sociedade de
riscos. Isto é reafirmado por Douglas e Wildavsky (2012), pois “as mesmas ciência e
tecnologia que nos tornam modernos dão origem também aos nossos riscos” (p. 28), ou seja, a
tecnologia e a indústria foram, e continuam sendo, produtoras e disseminadoras dos riscos que
enfrentamos.
59
Concorda-se com este tempo transitório, sendo ele, como apontado por Bauman (2007) o
contexto de “um ambiente novo e de fato sem precedentes para a atividades da vida
individual, levantando uma série de desafios inéditos” (p.7). Entre estes desafios, está o risco
e mais: a tomada de consciência da existência dos riscos e de que eles são originados pela
modernização intensiva, típica da Modernidade. Se a “localização da Modernidade” (BECK,
1997, p. 13) acarreta a transformação das bases ideológicas e das premissas da sociedade
industrial e se o risco é consequência desta, o risco (é por conseguinte a sociedade de risco)
abre a oportunidade de se trabalhar, quando do seu tratamento, ou seja de sua mitigação, em
prol de um projeto de sociedade sobre outros fundamentos. E, por que não, uma sociedade
mais socialmente justa e ecologicamente sustentável? Neste sentido, Motta (2009) aponta que
tal desafio, o risco, é, para Beck, permeado pela dualidade entre oportunidade e perda.
Antecipar-se à catástrofe não possui demarcação espaço-temporal, mas ganha status de
realidade e tem se transformado em justificativa para ações políticas de RRD
(GUGGENHEIM, 2014). Assim, a ameaça do risco à qual se procura antecipar-se, contém
força política por orientar não tão somente nossas expectativas nas nossas ações, além do fato
de criar e promover novas responsabilidades sociais e uma reavaliação cultural (DOUGLAS,
WILDAVSKY, 2012)
Sobre essa força política, Beck (2011) discute que o potencial político das catástrofes se dá
uma vez que, para prevení-las e manejá-las, envolvem a reorganização do poder e da
responsabilidade. Assim, os riscos não são somente fenômenos naturais ou tecnológicos, mas
são, também, um fenômeno social, sendo papel da Sociologia, através da sua vertente
ambiental, estudar o caráter social do risco (Valencio, 2009b), a fim de melhor compreendêlo, já que o desastre indica um fenômeno natural que intensifica as vulnerabilidades e riscos já
existentes no âmbito social, sendo, portanto, necessária uma perspectiva que discuta o
desastre e o risco no viés socioambiental. Este é o objetivo da discussão que se segue, buscar
compreender o risco como fenômeno socialmente produzido capaz de reorientar e promover
ações políticas de modo a diminuir seu impacto futuro.
Há cinco teses propostas por Beck (2011) sobre as características sociais e políticas dos
potenciais de autoameaça da civilização (Quadro 3). A primeira tese diz da diferenciação
entre riscos e riquezas, uma vez que os danos produzidos pelos riscos são sistematicamente
definidos, podendo ser irreversíveis e, fundamentalmente, invisíveis. Na sua maioria, estão
baseados em interpretações causais no conhecimento – científico ou não – que se tem deles e
60
definindo-se por processos sociais (BECK, 2011). Assim, na sociedade de risco, a disputa não
é relacionada ao acesso que se tem aos bens e à sua distribuição, mas, sim, a evitar ou a
distribuir os males resultantes da própria modernização (LENZI, 2006). Ou seja, assim como
a riqueza é distribuída desigualmente, os riscos, na modernidade, são produzidos e
distribuídos de modo desigual, sendo a economia e a política globais importantes promotores
desta desigualdade, adicionadas às mudanças tecnológicas e ao crescimento da
interconectividade do comércio global, do mercado financeiro e das redes de fornecedores.
(UNISDR, 2013a)
1) A diferenciação entre riscos e riquezas, uma vez que os danos produzidos pelos
riscos
são
sistematicamente
definidos,
podendo
ser
irreversíveis
e,
fundamentalmente, invisíveis, na sua maioria, baseados em interpretações causais
e apresentados no conhecimento – científico ou não – que se tem deles e
definindo-se por processos sociais.
2) As situações sociais da ameaça a partir da distribuição e do aumento dos riscos
3) A lógica capitalista de desenvolvimento não é rompida com a expansão dos
riscos, antes, é elevada, já que os riscos apresentam necessidades intermináveis,
infinitas e autoproduzíveis
4) Não se pode possuir os riscos, mas, sim, ser afetado por eles e, em relação aos
termos civilizatórios, diz-se que os riscos são atribuídos
5) A politização dos riscos socialmente reconhecidos e do combate às causas
durante o processo de industrialização
QUADRO 3 As cinco teses de Beck sobre o risco. FONTE: Beck, 2011.
A segunda tese versa sobre as situações sociais da ameaça a partir da distribuição e do
aumento dos riscos. Essas situações acompanham, de certa forma, a desigualdade entre as
classes sociais, porém uma lógica distributiva diferente também se faz valer (BECK, 2011).
Afinal, os riscos da modernização acabam por alcançar os que o produziram ou os que lucram
com eles, estando, assim, a legitimidade de sua prática, a propriedade e o lucro ameaçados
(ibid.). Em outras palavras, quem produz o risco pode sofrer as consequências, já que na
61
sociedade de risco há espaço para que todos possam causar males sobre si e sobre os outros.
Os riscos, então, se tornam “democráticos” já que não se atém somente na segregação, pois
todas as pessoas acabam compartilhando dos males ambientais causados. (LENZI, 2006)
Sobre este caráter do risco, Valencio (2009b) chama atenção para as condições de superação
das adversidades do risco, as quais variam e são desiguais, correspondente, assim, à
desigualdade socioeconômica entre as classes. A autora também concorda, porém, que o risco
é um fator ao qual todos estão expostos, independente do nível desta exposição. Nesta
distribuição desigual dos riscos, deve-se atentar que diferentes pessoas enfrentam os riscos de
formas bem distintas, de acordo com o que lhes é imposto por padrões culturais e pela
sociedade em que vivem. Assim, os riscos podem ser considerados involuntários, irreversíveis
e desconhecidos, ou não, de acordo com a possibilidade que o individuo, ou o grupo social,
tem de escolher e/ou controlar tal risco e de ser protegido dele por parte do governo.
(DOUGLAS e WILDAVSKY, 2012)
A terceira tese proposta por Beck (2011) afirma que a lógica capitalista de desenvolvimento
não é rompida com a expansão dos riscos, antes, é elevada, já que os riscos apresentam
necessidades intermináveis, infinitas e autoproduzíveis. Para Beck (2011), a sociedade
industrial não tem como prioridade a satisfação das necessidades humanas, produzindo
situações de ameaça a partir da chamada, pelo autor, canibalização da economia, a qual se
relaciona com o potencial político da sociedade de risco. A prioridade de satisfação das
necessidades humanas, desta forma, é definida a partir do favorecimento de uma instituição
social, de acordo com Douglas e Wildavsky (2012), e em detrimento de outra, de modo que a
criação de risco e sua percepção variariam. Estes autores apresentam três pontos de vista
culturais, também chamados de tipos institucionais, que orientam a seleção, a decisão e a
percepção dos riscos: o sectarismo, a hierarquia e o mercado. Cada um destes tipos, segundo
os autores, possui suas próprias justificativas, seus paradoxos, suas incoerências e seus
interesses para exercer, ou para derrubar, o poder político e social. O primeiro tipo é o
chamado sectário, que aponta para a fé no indivíduo, para o repúdio ao controle e às
desigualdades, se posicionando à margem e na oposição ao governo. O tipo do mercado tem
sua fé na liberdade de troca, afirmando o direito de entrada de todo cidadão no sistema de
trocas, o que pressupõe a aceitação de desigualdades sociais e do controle indireto. O terceiro
e último tipo institucional é a hierarquia, na qual o controle é explícito e a desigualdade é
intrínseca, mas promete estabilidade e dignidade. Cada um dos três vieses culturais vai,
62
portanto, perceber e selecionar os riscos a partir do seu próprio funcionamento, deixando,
portanto, de reconhecer outros riscos dadas suas características contraditórias. (DOUGLAS e
WILDAVSKY, 2012). É possível observar características dos três tipos institucionais na
atualidade, o que colabora com a complexidade nos processos de seleção, decisão e percepção
dos riscos. Isto se dá devido às diferentes configurações grupais e comunitárias existentes na
sociedade, o que faz com que numa única localidade as pessoas se relacionem com o risco de
formas variadas.
A próxima tese de Beck discute que não se pode possuir os riscos, mas, sim, ser afetado por
eles e, em relação aos termos civilizatórios, diz-se que os riscos são atribuídos. O acesso ao
conhecimento passa a adquirir relevância política de modo que deve-se analisar como surgiu e
se disseminou o conhecimento sobre os riscos, o que contribuirá para a continuação da
construção da própria sociologia (BECK, 2011). Conhecer os riscos, portanto, é de grande
importância, uma vez que eles são parte de um ambiente que não é alheio e externo às
questões sociais e às ações humanas, mas um ambiente reordenado por tais questões. (BECK;
GIDDENS; LASH, 1997)
Finalmente, a última tese aborda a politização dos riscos socialmente reconhecidos e do
combate às causas durante o processo de industrialização. As esferas pública e privada
começam a disputar em torno dos riscos por conta dos seus efeitos sócio, econômico e
políticos consequentes. As catástrofes, assim, apresentam potencial político, uma vez que
preveni-las e manejá-las envolvem a reorganização do poder e da responsabilidade de tomada
de decisão dos gestores públicos. A sociedade de risco, então, segundo Beck (2011), é
catastrófica, haja visto a sua característica de produtora e reprodutora de ameaças e de
desastres (ameaça concretizada). Desta forma, na sociedade de risco, “o estado de exceção
ameaça converter-se em normalidade” (BECK, 2011, p. 28), uma vez que os riscos e as
ameaças se tornam cada vez mais frequentes, reorientando as ações políticas. E, na
reorganização do poder e da responsabilidade, as pessoas passam a depender ainda mais de
seus representantes, para conseguirem compreender o que está acontecendo na natureza e na
comunidade (LENZI, 2006). Os riscos produzidos na Modernidade influenciam, ainda, na
confiança dos leigos nos sistemas peritos, delegando o poder de decisão sobre eles a um
terceiro, que tem conhecimento técnico sobre as várias ameaças, pela inevitabilidade de tais
riscos, os quais acabam por fugir do controle tanto de indivíduos como de organizações
(GIDDENS, 1991). Ou seja, a desigualdade de acesso à informação e ao conhecimento acaba
63
por ser um fator relevante não somente na percepção do risco como também na politização do
risco.
Assim, é relevante o modo como se divulga o conhecimento e a informação sobre o risco.
Dois instrumentos principais influenciam na percepção da comunidade sobre o risco: a mídia
e a política. Quanto à mídia, Lopes (2010) discute que
as instituições responsáveis pelo gerenciamento do desastre trabalham com
foco nas atividades de resposta ao evento adverso, ou seja, no socorro,
assistência às vítimas e reabilitação de cenários. Todas as informações
precisam ser avaliadas antes de serem divulgadas. Cada palavra, dado,
imagem, etc., quando repassados à população, criarão reações e influenciarão o
comportamento das pessoas. Uma informação incompleta ou divulgada em um
momento impróprio pode provocar pânico desnecessário na população. (p.
131)
Esta divulgação das informações sobre o risco, de forma completa e correta, é, também,
objeto de atenção de Valencio (2012), ao destacar que as palavras e os signos, isto é, a
linguagem, fornecidos pela mídia, simulam constantemente a vida social, fazendo com que o
presente e o futuro sejam percebidos de modo indeterminado e incerto. Porém deve-se atentar
que tais palavras e signos podem representar, ou não, a realidade (Ribeiro apud VALENCIO,
2012). Em outras palavras, o que a mídia transmite sobre um risco pode, ou não, ser verídico,
influenciando a percepção individual e coletiva sobre ele. Gilbert (1998) concorda que a
capacidade de influência do modo pelo qual se propaga a informação exerce sobre a crise e
sobre a incerteza, afetando os sistemas administrativos, políticos e científicos e a população
sob risco.
Além da mídia, a política também tem um importante papel na disseminação do risco, isto
porque, de acordo com Dombrowsky (1998), mesmo sobre condições ambíguas e com
informações incompletas, as pessoas devem ser capazes de tomar decisões. Nesta situação,
estão os políticos que devem decidir diretrizes que influenciarão toda uma comunidade
mesmo com as incertezas resultantes dos riscos. Fortunato e Fortunato Neto (2012) atentam
para o fato de que os dirigentes de setores governamentais apresentam certo temor ao abrirem
as informações sobre os riscos dada a dificuldade na organização de uma comunicação
competente, tornando-se um desafio complexo.
64
Sobre as decisões concernentes aos riscos, Aquino et. al (2012) ressaltam que os projetos que
envolvem riscos devem ser norteados por critérios técnicos ao invés de questões políticas.
Eles apontam alguns fatores para que haja maior credibilidade, da parte da população exposta
ao risco, nas autoridades envolvidas, a saber: “a transparência, a tradição na informação
correta, e a manutenção de coerência ao longo dos anos, além da independência da fonte em
relação aos interesses financeiros ou empresariais.” (p. 157). Esta credibilidade, de acordo
com os autores, aponta para a necessidade que o público tem em confiar no órgão regulador e,
uma vez que ela é construída, baseada nos fatores descritos, ela influencia – e é influenciada
por – o conhecimento e compreensão sobre os sistemas e sobre o próprio risco, o
compromisso com a segurança, o desenvolvimento e aplicação de uma legislação adequada e
um trabalho desenvolvido com excelência. (ibid.)
Mesmo que o acesso ao conhecimento seja fator importante para a sua percepção, Douglas e
Wildavsky (2012) chamam atenção para o viés cultural dos riscos, afirmando que não temos
como conhecer todos os riscos, mas devemos agir como se isto fosse possível, estabelecendo
uma prioridade entre os perigos iminentes existentes. É esta escolha de quais riscos são
prioritários que os autores discutem em seu trabalho, destacando a análise cultural como a
perspectiva indicada para a classificação dos riscos e pesquisa sobre eles. Eles deixam claro
que escolher e aceitar riscos varia de acordo com as opções, os valores, os juízos morais e as
crenças, sendo fundamental que se observe o conhecimento que há sobre o futuro e o
consenso em relação as perspectivas. Portanto, “a percepção de riscos é um processo social”
(DOUGLAS e WILDAVSKY, 2012, p. 6), envolvendo o aprendizado sobre o medo e a
confiança nas estruturas de apoio social, por exemplo, de modo que a escolha de como viver e
a escolha das instituições sociais vão influenciar na priorização de riscos, em detrimento de
outros. Ou seja, cada modo de vida social dará uma diferente resposta ao perigo e para que a
percepção e seleção do risco se altere, a organização social, também, deverá ser alterada.
(DOUGLAS e WILDAVSKY, 2012)
Neste contexto, a questão, portanto, é como minimizar, dramatizar e canalizar as ameaças e
riscos que foram coproduzidos, de forma sistemática, na modernização tardia e que aparecem
como efeitos paralelos, latentes, isolados e redistribuídos, para que o processo de
modernização e o que é aceitável nos âmbitos ecológico, medicinal, psicológico ou social,
para que não sejam comprometidos por tais ameaças e riscos (BECK, 2011). O risco passa a
ser específico e inerente à modernidade e é delineado pela sua distribuição objetiva, a partir
65
da sua globalização no viés da intensidade; da sua globalização no viés do aumento dos
eventos; da sua criação baseado na natureza socializada, ou seja, o conhecimento humano no
meio ambiente material; do seu desenvolvimento como ambiental institucionalizado; da
alteração da vivência e percepção do risco, a partir da consciência do risco como risco; da boa
distribuição da consciência do risco; e da consciência de que a pericia é limitada. (GIDDENS,
1991)
Assim, o risco se torna um desafio teórico e prático para as ciências humanas, já que não
segue o modelo positivista de verdades absolutas e aplicáveis que estão na origem do
aparecimento dos riscos. De acordo com Japiassu (2012),
Nos dias de hoje, quando tomamos consciência do fim das certezas,
quando enfrentamos a crise da racionalidade científica e o fracasso das
grandes ideologias que transformaram nossas vidas em aparências, em
espetáculos e até mesmo em simulacros, as ciências humanas ficaram
desamparadas em face da sociabilidade esfacelada, incapaz de conferir
certo sentido às nossas existências individuais e coletivas. (p.32)
Isto é, o risco vem demandar, ainda, uma reorganização do modo pelo qual se produz
conhecimento a fim de responder às situações de risco em que vivem as populações
vulnerabilizadas, em especial, porque, muitas vezes, elas não têm escolhas ou prioridades a
serem feitas.
Na discussão internacional das Ciências Sociais, o conceito de risco tem se tornado central,
especialmente desde a década de 1980 (VALENCIO, 2009c). De um lado, porque o risco
varia em cada grupo social, de acordo com as características sociais, políticas, ambientais e
econômicas já instauradas. E, do outro, devido a maior frequência e intensidade das
intervenções técnicas e tecnológicas a partir das quais os perigos se tornam latentes e se
manifestam como desastres (VALENCIO, 2009c). Nesta direção, Gilbert (1998) ressalta que
o risco passou a ser abordado em uma discussão sistemática sobre desastres, e isto a partir do
terceiro paradigma dos desastres, chamado de desastre como incerteza, como abordado
anteriormente na discussão sobre desastres. Neste paradigma, a sociedade contemporânea é
complexa e a incerteza se caracteriza pela indefinição do perigo, pela complexidade e pela
falta de compreensão da comunidade sobre o risco. Portanto, assim como o desastre é um
fenômeno complexo e multifacetado, como visto no subcapítulo anterior, o risco também
66
deve ser estudado por uma perspectiva complexa, procurando identificar as várias
interconectividades tanto na causa quanto no impacto do risco. Sendo assim, Dombrowsky
(1998) afirma que não é um único fator, como o cultural, que está ameaçado, mas a sociedade
como um todo que se vê em situação de risco. A indefinição em relação ao risco, como
apontado por Gilbert (1998) faz parte do tempo transitório descrito por Bauman (2007) e
Beck (2011), o qual não oferece certezas em relação ao risco produzido e disseminado na
sociedade.
De acordo com Fortunato e Fortunato Neto (2012), o risco ambiental só foi sistematizado, em
1978, por Talbot Page 26 . Apesar de os autores não detalharem tal estudo pioneiro, eles
apresentam uma concepção do termo, descrevendo-o como um desequilíbrio ambiental
causado por qualquer degradação e que não segue, necessariamente, um padrão préestabelecido, relacionando de modo incerto, portanto, as ações aos seus possíveis resultados.
Isto é, o fato do risco não ter padrão aponta para a incerteza e imprevisibilidade que lhes são
características e que são inerentes aos fenômenos complexos (BECK, 2011; MORIN, 2007)
Sendo assim, quando se analisam os desastres socioambientais, o risco é um fator de grande
relevância, por representar ameaça latente de dado evento natural acontecer e mais de trazer
danos sociais a comunidade que se encontra situada na chamada área de risco. Porém, como
visto, o risco é incerto, ou seja, mesmo que a ação humana tenha sido, claramente, de
degradação ambiental, é difícil qualquer previsão que se apresente como exata dos impactos e
consequências de tal ação que desequilibram o meio ambiente. Ainda porque, como também
já debatido, os riscos são distribuídos desigualmente de forma que, além de sua ocorrência e
intensidade serem incertas, a quem ele vai ameaçar e atingir – uma vez materializado –
também se mantém como incerteza.
Na conferência Understanding Risk Brazil27, Cardona (2012) ressaltou a importância de se
enfatizar o risco quando se debate sobre desastres, quando chamou atenção para que, além da
necessidade de unificação do termo nas discussões, o risco possa ser definido em função do
perigo e da vulnerabilidade, apresentando semelhança com o evento que está por acontecer.
Ou seja, o risco é parte de um processo o qual tem potencial para contribuir para a ocorrência
26
Professor emérito de Economia e Estudos Ambientais na Brown University, EUA.
A conferência ocorreu em Belo Horizonte/MG, de 12 a 14 de novembro de 2012, realizada pelo Banco
Mundial em parceria com o Ministério da Integração Nacional e a Secretaria Nacional de Defesa Civil.
27
67
do desastre ou, até mesmo, é inerente ao desastre, por estar em estado latente até a ocorrência
de um evento que “aciona”, provocando todo o ciclo que será o desastre.
Uma vez que se mantenha a perspectiva de que a ocorrência, a intensidade e os resultados
podem ser variados, não seguindo padrões ou previsões científicas, abrangendo os perigos e a
vulnerabilidade latente, pode-se abordar o risco como a “probabilidade de ocorrência de um
acidente ou evento adverso, relacionado com a intensidade dos danos ou perdas, resultantes
dos mesmos.” (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2007b, p.9).
Segundo Valencio (2012), uma das disseminações equivocadas sobre o risco é dele se limitar
a fatores externos a sociedade/comunidade, negligenciando os aspectos sociais, históricos,
econômicos, entre outros, que podem intensificar ou minimizar dado risco. Isto porque o risco
é um fator complexo, sendo constituído por diferentes vertentes, as quais devem ser
observadas para que o risco possa ser percebido e mitigado em sua totalidade. Além do citado
pela autora, ainda há ação humana sobre o meio ambiente, que é outra vertente responsável
por este processo de intensificação ou mitigação do risco. A autora também ressalta que, de
acordo com sua opinião, manter o risco apenas como elemento cartográfico, alocando as áreas
de risco às populações pobres, negligencia as interpretações e percepções dos que moram em
tal área, impondo o conhecimento e o discurso técnico e simplificando a relação existente
entre a realidade territorial e a social. Desta forma, se tem um terreno para o que ela aponta
como sendo as práticas de remoção de caráter higienista (VALENCIO, 2009b).
Com relação a questão do discurso técnico e o social na cartografia do risco, Valencio
(2009b), também, destaca a diferença existente entre o discurso técnico e aquele dos próprios
moradores da áreas de risco. Enquanto o primeiro se foca na hierarquia territorial e nos
sistemas estatais e de poder (inclusive do poder do conhecimento científico sobre o qual se
fundamenta este discurso), o discurso dos moradores é marcado pela oportunidade e pela
busca de segurança contra a expulsão com base na experiência cotidiana, no conhecimento
empírico (sem base científica, muitas vezes). Esta percepção e fala dos moradores não é
única, mas se alterna de acordo com a variedade da cultura, como apontado por Douglas e
Wildavsky (2012), o que não acontece com o discurso técnico, que tende a ser universal.
Portanto, o risco e a pobreza se relacionam para além da cartografia, pois esta relação aponta
para uma construção histórica da territorialização da pobreza nas cidades, principalmente, nas
regiões de urbanização tardia.
68
Com relação à apropriação do território, Oliveira (2012) ainda destaca a tecnização e a
cientifização na dinâmica de estruturação territorial e na produção do espaço, o que resulta na
interferência direta nos sistemas naturais, frágeis às demandas de (re)ordenamento espacial,
de modo a maximizar o impactos e gerando catástrofes. Neste processo, que vai desde a
apropriação inadequada do espaço (pois desrespeita a lógica ecológica local) até a resposta às
situações de impacto, é o ser humano o principal agente. Assim como ocorre com o natural,
não se deve esquecer da apropriação (e privatização) de territórios utilizados por populações
tradicionais pela tecnização e cientifização, provocando um impacto capaz de desestruturar a
dinâmica local em favor de uma dinâmica mercantil e economicista. Este impacto,
fragilizando as comunidades tradicionais, em especial, coloca-as em situação de risco e de
perda da sua capacidade de enfrentar e reagir, obrigando-as a buscar auxilio de atores sociais
tal como o Estado.
Desta forma, percebe-se tanto a ação humana quanto o próprio risco, enquanto produto da
apropriação do espaço, marcados pela incerteza dos efeitos e impactos prováveis como fica
claro nas palavras de Carmo (2012),
É importante salientar que ainda persistem incertezas a respeito da extensão e
da velocidade com [que] se sentirão os efeitos mais severos das mudanças
ambientais globais28. Também ainda existem incertezas sobre o impacto real
da ação humana sobre as mudanças climáticas, e sobre a capacidade de
mitigação dos impactos provocados. (p. 34)
Por conseguinte, pode-se, então, compreender o risco como tendo um caráter socioambiental
por abranger tanto os aspectos relacionados ao homem e a sociedade quanto os relacionados
ao meio ambiente. Além disto, a identificação dos drivers, ou seja, dos condutores e
promotores primeiros de um risco, para a UNISDR (2013a), auxilia na adaptação às
mudanças climáticas e na realização das ações prioritárias do Quadro de Ação de Hyogo e dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Nesta mesma perspectiva, a descrição dos drivers
do risco da UNISDR (2013a) apontam aspectos sociais e ambientais na origem dos riscos,
sem que um minimize o outro. Segundo a UNISDR (2013a) os drivers de risco são: a pobreza
urbana, a governança local; os meios de sustento rural vulneráveis; o declínio do ecossistema;
e o pouco acesso à transferência de risco e/ou à proteção local. Também, há os drivers
28
Para mais informações e maior debate sobre mudanças ambientais globais, conferir os relatórios dos grupos de
trabalho do IPCC, disponíveis em < http://ipcc-wg2.gov>.
69
globais, que são os iniciadores do processo do desastre, isto é, são os catalizadores que se
desdobram nos condutores de risco, que, por sua vez, têm como consequência os riscos
cotidianos, extensivos e intensivos e, por conseguinte, os impactos do desastre e a pobreza
(UNISDR, 2013a). Estes drivers globais, segundo a UNISDR (2013a), são o desenvolvimento
econômico e urbano desigual, a mudança climática, e a governança enfraquecida juntamente
com as limitadas capacidades internas de uma comunidade – características da sociedade
contemporânea que vêm, portanto, a concordar e reforçar a discussão inicial deste subcapítulo
sobre a produção moderna e complexa dos risco s e sua distribuição desigual. A identificação
dos drivers deixa explícito o viés social, relacionado com os processos de desenvolvimento
locais ou regionais, estando eles na origem da classificação de riscos do UNISDR.
O relatório da UNISDR (2013a), ainda, classifica o risco em três categorias, a saber: o risco
cotidiano, que se refere à exposição de casas e comunidades à insegurança alimentar, doenças,
crimes, acidentes, poluição, falta de saneamento básico e falta de água; o risco extensivo, que
diz da exposição dispersa geograficamente, no qual pessoas vulneráveis e bens econômicos
são ameaçados em intensidade baixa ou moderada; e o risco intensivo, que são as ameaças
extremas a maiores concentrações de populações vulneráveis e bens econômicos. Estas
categorias de risco se relacionam com os drivers de risco e resultam em impactos do desastre,
como mortalidade e perda econômica, e no aumento das situações de pobreza, por causa dos
efeitos de curto e longo prazo na renda, no consumo, no bem estar e na igualdade social
(UNISDR, 2013a).
No intuito de desenvolver uma sistematização, Aquino et. al (2012) afirmam, também, que o
risco pode ser avaliado, percebido e construído por diferentes variáveis. São elas: (1) o
controle percebido, controle este referente às instituições responsáveis em geral, os autores
não especificam se políticas ou técnicas, mas afirmam que perceber este controle aponta para
a relação entre a confiança do indivíduo na instituição e sua exposição voluntária ou não ao
risco; (2) o tempo psicológico, que indica um padrão de como os indivíduos entendem o risco;
(3) a familiaridade, abrangendo as experiências pessoais do risco e o conhecimento sobre ele
bem como a percepção do controle; (4) a confiança, que se dá de modo heterogêneo nas
diversas instituições, fontes de informação e mídia; (5) o enquadramento de risco, tentativa de
entender assuntos complexos, como o risco, simplificando-os para alcançarem alguma
conclusão; e (6) as representações numéricas, forma de julgamento dos dados numéricos e
estatísticos (Williamson, Weyman apud. AQUINO et. al, 2012). O interessante desta
70
sistematização é que ela aceita o fator subjetivo (AQUINO et. al, 2012) já que cada pessoa
e/ou instituição terão suas próprias medidas e experiências pessoais/grupais com dado risco.
Nesta direção de busca de uma proposta de sistematização, Gardner (2008) contribui sobre a
percepção do risco, ao relatar uma análise de Paul Slovic, um dos pioneiros na pesquisa sobre
percepção de risco, que resultou na identificação de diversos fatores influenciando a
percepção, a saber: (1) o potencial catastrófico do evento; (2) a familiaridade, ou não, com o
risco; (2) a compreensão, vasta ou pouca, sobre certa atividade ou tecnologia; (3) o controle
pessoal que pode ser exercido sobre a situação; (4) nossa vontade em correr, ou não, o risco;
(5) se há crianças envolvidas; (6) se há ameaça para gerações futuras; (7) a identificação das
vítimas; (8) o medo gerado; (9) a confiança despertada, ou não, pelas instituições envolvidas;
(10) a ênfase dada pela mídia; (11) a frequência histórica do acidente, ou a relação com outros
eventos passados; (12) a inequidade produzida, ou seja, benefícios para alguns e perigo para
outros; (13) quando os benefícios de dada atividade ou tecnologia não são claros; (14) a
irreversibilidade dos efeitos negativos ou errados; (15) o risco pessoal presente; (16) a origem,
uma vez que o risco produzido pelo homem são tidos como mais perigosos que os naturais; e
(17) o tempo, já que quanto mais imediato o risco é percebido como maior que o que é futuro.
Porém é importante se atentar que a percepção subjetiva e individual do risco é, também, um
constructo coletivo e não é distinta da causalidade externa, de modo que “a seleção de perigos
e a escolha da forma de organização social caminham de mãos dadas” (DOUGLAS e
WILDAVSKY, 2012, p. 177). Ou seja, os aspectos sociais, culturais e políticos também
devem ser considerados em relação a percepção e a escolha de quais riscos serão ou não
enfrentados, ou aceitos por uma comunidade.
Uma vez que o risco abrange diversos aspectos desde a sua percepção até seu manejo e
enfrentamento, cabe uma breve apresentação das diretrizes internacionais sobre o
gerenciamento dos riscos de desastres. A UNISDR (2013a) deixa claro a necessidade de se
gerenciar o risco ao invés do desastre, trabalhando com a prevenção e a preparação das
comunidades e envolvendo não só os atores governamentais e as populações vulnerabilizadas,
mas, também, trazendo as empresas privadas para a discussão e atuação que visem a
mitigação de riscos. Isto se justifica pelo fato de que “disaster risk management reduces
uncertainty, builds confidence, cuts costs and creates value” 29 (UNISDR, 2013a, p. 3). Ou
29
“Gerenciamento de risco de desastre reduz incerteza, constrói confiança, corta custos e cria valor.” (tradução
nossa)
71
seja, o trabalho focado no gerenciamento do risco se mostra como uma estratégia que pode
responder às diversas demandas complexas que a existência de um risco revela, já que
abrange os diferentes aspectos da comunidade, como o social e o econômico. Além disto, esta
estratégia com foco no pré-desastre é uma oportunidade de tirar populações historicamente
vulnerabilizadas da situação de pobreza em que vivem na medida em que as suas
características sociais, econômicas e ambientais sejam o foco central da gestão de risco e
desastre e que se integre o paradigma da sustentabilidade na construção de comunidades
resilientes.
Para que se gerencie os riscos de forma profícua, a UNISDR (2013a) apresenta três ações: a
responsabilização pelo risco; a integração do gerenciamento do risco de desastre em
instrumentos e mecanismos existentes; e a construção de capacidades de governança do risco.
A responsabilização pelo risco indica o investimento na RRD, através da análise de custobenefício sobre quais riscos podem ser reduzidos, produzindo benefícios sociais e
econômicos; a responsabilização, através de sistemas nacionais de monitoramento de perdas e
de acesso ao risco por modelos e escalas probabilísticos; e a antecipação e compartilhamento
de riscos que não são passíveis de redução, investindo-se na transferência de riscos e na
preparação para riscos que possam emergir e que não podem ser modelados. O segundo fator,
a integração do gerenciamento do risco de desastre em instrumentos e mecanismos existentes,
diz respeito à regulação do desenvolvimento urbano e local, com planejamento e orçamento
participativos que envolvam a distribuição e ordenamento territoriais; à proteção aos
ecossistemas, também envolvendo ações participativas de valoração e gerenciamento; à
proteção social, com transferência monetária, oferta de empregos temporários, microcréditos
e empréstimos, considerando os mais pobres da comunidade; e aos sistemas de planejamento
e investimento públicos, que avaliem os riscos nacionalmente. Finalmente, a construção de
capacidades de governança de risco envolve a vontade política, incluindo a discussão sobre
gerenciamento de risco e adaptação às mudanças climáticas em instituições políticas
nacionais com autoridade no planejamento, investimento e desenvolvimento nacionais; o
poder, desenvolvido de modo descentralizado e subsidiário; as parcerias, com a cultura de
iniciativas locais apoiadas por órgãos da administração pública; e a prestação de contas, de
modo que os atores sejam socialmente responsáveis através da informação pública e
transparente (UNISDR, 2013a). Estes fatores se alteram de acordo com o processo social no
qual estão inseridos, dada a influencia sociocultural na seleção, percepção e resposta ao risco.
(DOUGLAS e WILDAVSKY, 2012)
72
Estes três fatores apresentados são resultantes do QAH, resolução internacional de 2005 que
propõe diretrizes na implementação da RRD e no desenvolvimento de comunidades e países
resilientes. Observa-se que a RRD é presente nas prioridades de ação do marco, que são: (1)
RRD como prioridade nas agendas nacional e local; (2) conhecimento do risco e tomada de
medidas; (3) desenvolvimento de maior compreensão e conscientização, criando uma cultura
de segurança e resiliência; (4) reduzir o risco; e (5) preparação fortalecida para atuação. O
QAH propõe uma ação integrada da RRD envolvendo os Estados, organizações regionais e
internacionais e órgãos responsáveis da ONU pelo marco, a saber, a UNISDR. (UNISDR,
2007)
Portanto, é notável que, por um lado, os riscos são complexos e inerentes a sociedade
moderna. Porém, por outro lado, observa-se que as estratégias para gerenciar estes mesmos
riscos também já se encontram dentro da própria comunidade por envolverem a população, as
autoridades e os instrumentos já existentes. Entretanto, enquanto não ocorre uma mudança de
paradigma sociocultural que permita que tais estratégias sejam compreendidas e executadas
pelos diversos atores locais envolvidos, permanece o dilema colocado por Dombrowsky
(1998):
The dilema we have to deal with is this: without the knowledge of the effects
of our action, and without the knowledge of the functioning of all the systems
that are interfered with, the resulting risk of failures becomes very high. But
without interferences, experience and knowledge is impossible. Consequently,
the most important parts of our journey of discovery are the failures, because
only failures will unlock the secrets of the universe of the unkown.30 (p. 29)
Portanto, como saber sobre os efeitos da ação se ela ainda não foi executada? Seriam aqui
empregados os princípios de precaução e de responsabilidade? É possível ter certo
conhecimento sobre o funcionamento dos sistema, porém, para tal, é necessário que seja na
perspectiva da interdisciplinaridade. A partir deste dilema apresentado por Dombrowsky
(1998), conclui-se que, apesar da necessidade de se manejar e mitigar o risco, que traz danos e
perdas quando materializado em evento, o que se observa é que ele – o risco – pode também
30
“O dilema com o qual temos que lidar é este: sem o conhecimento dos efeitos de nossas ações, e sem o
conhecimento do funcionamento de todos os sistemas com que são interferidos, o risco resultante das falhas se
torna muito alto. Mas sem interferências, experiência e conhecimento é impossível. Consequentemente, as partes
mais importantes da nossa jornada de descoberta são as falhas, porque somente as falhas irão destravar os
segredos do universo do desconhecido.” (tradução nossa)
73
ser visto como uma oportunidade de mudança social, como o apontado por Prince em sua
discussão sobre desastres (DYNES, QUARANTELLI, 1993), porém não um retorno a
racionalidade econômica típica da Modernidade, mas uma nova racionalidade que tenha a
sustentabilidade como prioridade. Acrescenta-se, finalmente, que o risco aponta para um
possível disfunção do sistema, responsável pelo seu surgimento, disfunção (seja a exclusão,
ou a pobreza, entre outros) que poderão ser revistas e alteradas através de estratégias tais
como a RRD. Beck (1997) fala “de maneira cumulativa e latente, estes últimos [processos de
modernização] produzem ameaças que questionam e finalmente destroem as bases da
sociedade industrial.” (p. 16)
1.4 RESILIÊNCIA
Mesmo não discutindo diretamente sobre a resiliência no contexto dos desastres, acredita-se
ser válido introduzir esta temática com um breve apresentação das ideias de Edgar Morin
(2007) sobre sistemas auto-eco-organizadores. O autor se utiliza da teoria sistêmica para
explicar a unidade complexa, a noção ambígua de sistema e no nível transdisciplinar existente
na concepção da unidade e da diferenciação das ciências. O sistema aberto, segundo o autor,
aponta para a existência e para a estrutura que dependem de uma alimentação material ou
institucional externas, se mantendo em desequilíbrio – o que permite o aparente equilíbrio do
sistema aberto e o que é um dos resultados do próprio sistema aberto. Portanto, esses sistemas
abertos, ao entrarem em desequilíbrio por causa de qualquer evento perturbador, têm a
possibilidade de se reintegrar uma vez que são sistemas auto-eco-organizadores. Ou seja, eles
se relacionam com outros sistemas ao invés de se manterem isolados e conseguem, por conta
de seus próprios elementos, se reorganizarem após tal desorganização causada por um evento
perturbador. (MORIN, 2007)
A transposição desta noção de auto-eco-organização para o caso dos desastres parece poder
contribuir na melhor compreensão da categoria resiliência no contexto dos desastres, uma vez
que os indivíduos e as comunidades são sistemas que podem ser afetados por um fator de
desequilíbrio tal como no desastre. Porém, como sistemas abertos (afinal, eles se relacionam
com outros sistemas externos à eles) e complexos, eles têm a capacidade de se reorganizarem
após o impacto e, isto, a partir de seus recursos internos e das suas relações com outros
sistemas.
74
É esta capacidade que Morin nomeia como auto-eco-organização a qual corresponde ao que
será discutido neste subcapítulo como resiliência: a capacidade que um sistema – seja ele um
indivíduo ou comunidade – possui de se reorganizar após um evento estressor – no caso, os
desastres – sem que sua complexidade, suas conexões ou suas características próprias sejam
negligenciadas. Ou seja, apesar de se ter certeza que o conceito de sistemas auto-ecoorganizadores não abordarem a resiliência, são notáveis os pontos tangenciais entre ambos os
temas, a partir dos quais se torna possível pensar a resiliência a partir do processo de
desordem-organização-ordem proposto por Morin (2007).
A discussão sobre o termo resiliência se iniciou na física e na engenharia, sendo conceituada
como a capacidade que dado material tem de ser deformado sem sofrer uma deformação
permanente (TABOADA et. al, 2006). Ou seja, o quão capaz um material é de retornar ao seu
estado inicial após sofrer uma alteração. Ao vir para o campo dos comportamentos humanos,
a resiliência foi definida como a capacidade de um indivíduo superar adversidades (ibid.).
Contudo, há certa dificuldade no processo de definição do termo resiliência uma vez que, de
acordo com
Taboada et. al (2006), outras definições e perspectivas influenciam o
entendimento da resiliência, como a discussão sobre risco, proteção, estresse, adaptação,
superação e ajustamento. Segundo estes autores, o fato destes termos não terem uma única
definição e do termo resiliência ser utilizado em contextos e processos diferentes (como
engenharia e psicologia, por exemplo) faz com que haja implicações metodológicas e práticas
na utilização e desdobramento do termo.
Quanto a variabilidade de concepções apresentadas sobre este processo, Taboada et. al (2006)
referem-se à sistematização proposta por Junqueira e Deslandes (2003) apresentando três
polos que abrangeriam as diferentes definições de resiliência, a saber: processo de adaptação
(estar saudável apesar da adversidade) X superação (desenvolvimento através da
adversidade); fator inato (característica inerente a natureza humana) X fator adquirido
(socialmente construída); algo circunstancial (estratégia utilizada em dado contexto) X
característica permanente (traço de personalidade mantido ao longo da vida). Pinheiro (2004)
ressalta, ainda, que as diversas variáveis e processos envolvidos na capacidade de reação
precisam ser levados em consideração quando a resiliência é estudada. Isto porque a
resiliência, assim como os desastres, a vulnerabilidade e o risco, é um processo complexo.
Com isto concordam Garcia e Yunes (2006) já que, apesar de considerarem a resiliência como
um fenômeno comum e presente no dia a dia de qualquer pessoa ou grupo, não negligenciam
75
o fato da resiliência ser um processo complexo e dinâmico, que depende tanto das condições
individuais quanto das condições coletivas que caracterizam o desenvolvimento humano.
Assim, é possível perceber a resiliência não como uma característica pontual, mas como um
processo e, portanto, multifacetado e complexo.
Ainda, Rutter (1987) distingue a resiliência como sendo uma qualidade individual,
apresentando-a como um processo que varia de indivíduo para indivíduo, quanto às respostas
ao risco. Isto é, capacidade que diferentes pessoas têm de experienciar um mesmo evento de
estresse de formas diferentes. Ainda com relação as condições do individuo, Poletto e Koller
(2006) conceituam o termo como a “capacidade do ser humano em responder a um trauma e
de ser feliz apesar deste ter marcado sua vida” (p. 26), colocando em relevo a marca deixada
nos indivíduos pelo trauma sofrido, não o impedindo de ser feliz; esta definição levanta a
ideia de processo que parece ocorrer durante a vida do indivíduo tornando-o capaz ao
enfrentamento e a reação as adversidades. Ou ainda, de acordo com Moraes e Rabinovich
(1996), a resiliência é definida como “uma combinação de fatores que auxiliam os indivíduos
a enfrentar e superar problemas e adversidades na vida.” (p.11), não especificando se são
somente fatores do indivíduo ou externo à ele próprio ou, se internos, se tais fatores seriam
adquiridos. Borges, Kristensen e Dell’Aglio (2006) trazem o lado emocional para o primeiro
plano, quando abordam ser importante a “presença de saúde emocional em face a adversidade
e estresse.” (p. 266). Para a UNISDR et. al (s.n.), a resiliência é sistematizada como sendo
a habilidade de um sistema, comunidade ou sociedade exposta a riscos de
resistir, absorver, acomodar-se e reconstruir-se diante dos efeitos de um
desastre em tempo e modo adequados, incluindo a preservação e restauração
de suas estruturas e funções essenciais (p. 14)
Em outras palavras, a resiliência é o processo pelo qual se torna possível a reconstrução,
favorecendo o retorno da comunidade ao seu estado prévio, em questões estruturais e
funcionais, independente de quão precárias e vulneráveis eram tais estruturas, podendo haver
um aprimoramento nelas no decorrer da reconstrução, como resultado da resiliência. Isto é
notável no pós terremoto haitiano, no qual atualmente, quatro anos após o desastre, é possível
perceber não só um retorno a estrutura antiga do país como também são vistas algumas
melhorias em áreas diversas da sociedade haitiana.
76
Pelo apresentado, confirma-se o que Taboada et. al (2006) diz sobre a variedade e
multiplicidade de definições e perspectivas sobre a resiliência. No entanto, destaca-se que a
resiliência é um processo que se dá no decorrer do desenvolvimento humano, portanto,
individual, mas que é influenciada pela – e exerce influência sobre – o desenvolvimento da
comunidade no qual tal indivíduo está inserido.
Por conta da ideia de processo inerente à resiliência, é interessante voltar à noção de
desenvolvimento humano. Quanto a isto, o modelo bioecológico do desenvolvimento humano
de Bronfenbrenner (1996) contribui para a compreensão na medida em que traz uma
concepção de desenvolvimento humano como descrito por Dessen e Guedea (2005), ao
discutirem o modelo bioecológico, afirmando ser ele “uma reorganização contínua dentro da
unidade tempo-espaço, que opera no nível das ações, percepções, atividades e interações do
indivíduo com o seu mundo, sendo estimulado ou inibido por meio das interações com
diferentes participantes do ambiente da pessoa.” (p. 17). Esta reorganização contínua, para
Bronfenbrenner (1996) se dá à partir de quatro fatores importantes no desenvolvimento do
sujeito, a saber: a pessoa, o contexto, o tempo e o processo. Quanto ao contexto, são
identificados quatro sistemas, que se relacionam com a perspectiva trazida acima de que a
resiliência é um processo contínuo e influenciado pelo ambiente: o microssistema (que diz das
relações mais próximas, como a família), o mesossistema (relações entre os microssistemas),
exossistema (situações e ambientes externos que influenciam o indivíduo, como o trabalho
dos pais) e o macrossistema (cultura, valores, crenças e ideologias do grupo no qual se insere)
(BRONFENBRENNER, 1996). É no decorrer dessas interações entre aspectos individuais e
ambientais que se dão os fatores de proteção e fatores de risco que influenciarão o
desenvolvimento da pessoa e, consequentemente, o processo de resiliência que ela vai
apresentar ou não, e isto de acordo com sua vulnerabilidade a tais fatores (POTELLO,
KOLLER, 2006). Yunes (2003) descreve os processos-chaves da resiliência familiar a partir
de uma organização panorâmica realizada por Walsh (2003). São eles: sistema de crenças,
padrões de organização e processos de organização. Tais fatores, apesar de terem sido listados
em referência a organização familiar pelos autores, podem ser aplicados em relação à uma
comunidade maior de forma que um grupo que apresenta resiliência, independente de ser
familiar ou não, é um grupo que demonstra os processos-chaves citados. Yunes (2003) se
remete a Hawley e DeHann (1996) e a Walsh (1996) que afirmam que os estudos de
resiliência com foco na família e com foco no indivíduo são similares, pelo fato do fenômeno
ser o mesmo. Isto é, independente do foco ser em grupos sociais, como a família, ou em um
77
único individuo, como o processo observado é o mesmo – a resiliência – pode-se aplicar o
que se estudou sobre um grupo para outro.
Para o caso de eventos como o desastre, procura-se ampliar um pouco mais a perspectiva,
observando, portanto, a resiliência na esfera do macrossistema, isto é, dos valores e padrões
de um grupo social. Sobre isto, Brofenbrenner (1996) diz que “o macrossistema está
manifestado nas continuidades de forma e conteúdo reveladas pela análise de uma dada
cultura ou subcultura com relação aos três níveis anteriores do meio ambiente ecológico
incorporados à nossa estrutura conceitual.” (p. 197). Ou seja, além de aplicável a sistemas
familiares, a resiliência pode também ser transposta e observada em comunidades, cidades e
até mesmo em países pelo viés cultural. Neste sentido, Holling (1973, apud SANTOS, 2008)
definiu resiliência como “la capacidad de un sistema de absorber y utilizar o aún beneficiarse
de las perturbaciones y câmbios que le alcanzan de modo tal que no provocan câmbios
cualitativos en la estrutura del sistema.”31 (p.141).
Como já comentado anteriormente, a resiliência é, assim, um processo que se faz presente
tanto individual como comunitariamente de modo que a resiliência, em cada um destes dois
âmbitos – o individual e o comunitário –, é passível de interferência do outro. E mais, os
impactos sofridos podem, até mesmo, beneficiar o sistema. No entanto, cabe sublinhar nesta
citação que o impacto sofrido pode não ser capaz de produzir alterações significativas naquele
sistema que seja mais resiliente. A resiliência do sistema, ainda, pode se referir, segundo
Perry (2007), à estabilização de normas, podendo envolver a prática de medidas emergenciais
ou de exceção. Neste caso, um sistema resiliente abrangeria a formulação e prática de leis,
políticas e diretrizes que vão normatizar a ação após o impacto estressor, de modo que estas
ações legisladas venham a favorecer a comunidade no processo de retorno a normalidade
socioambiental. É importante ainda frisar que a resiliência interage com a prevenção e com a
preparação, considerando a estabilidade prévia existente na comunidade, ou não, além de
enfatizar, ao mesmo tempo, a uniformidade e a variabilidade, ou seja, as ações que são
comuns a todos e as flexíveis e variadas, que podem ser usadas para lidar melhor com o
desconhecido. (DOUGLAS e WILDAVSKY, 2012)
31
A capacidade de um sistema de absorver e utilizar ou ainda beneficiar-se das perturbações e mudanças que o
alcançam de modo tal que não provocam mudanças qualitativas na estrutura do sistema. (tradução nossa)
78
É com base, principalmente, dentro da perspectiva de macrossistema, na noção de resiliência
e diante de ameaças naturais32 e de problemas urbanos33 que a UNISDR publicou, juntamente
com a Secretaria Nacional de Defesa Civil, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
e o CEPED 34, um manual sobre a construção de cidades resilientes. Estas seriam cidades
capazes de enfrentar e superar os perigos naturais e os problemas sociais através de ações
promovidas pelos governos locais, cidadãos e setor privado em conjunto (UNISDR et al.,
s.n.).
Neste sentido, surge a campanha “Construindo Cidades Resilientes” da UNISDR et. al (s.n.)
que tem por objetivo fazer com que as comunidades sejam resilientes e sustentáveis, incitando
governos locais a ação preventiva de RRD, através da ampliação do conhecimento, do
investimento com sabedoria e da construção com segurança. E, disto, resulta uma cidade
resiliente, caracterizada pela participação da população no planejamento nas decisões locais;
pela garantia, por parte do administrador público, de uma urbanização sustentável e da
participação popular; pela infraestrutura das moradias, construídas fora das áreas de risco ou
da lógica da ocupação desordenada; pelo entendimento dos riscos e pela educação sobre
ameaças e vulnerabilidades; pela prevenção e preparação para que os bens humanos, materiais
e culturais sejam protegidos bem como para que as perdas físicas e sociais sejam
minimizadas; pelos investimentos em RRD e organização prévia, durante e após um desastre;
pelo rápido reestabelecimento, após o desastre, dos seus serviços básicos e das suas atividades
sociais, institucionais e econômicas; e pelo planejamento urbano que envolve as mudanças
climáticas. (UNISDR et. al, s.n.)
Para contribuir para a construção de uma cidade resiliente, a UNISDR et. al (s.n.) apresenta
dez passos essenciais que podem ser implantados por gestores públicos locais, tais como os
prefeitos. Esses dez passos (Quadro 4) estão em consonância com as cinco prioridades35 do
QAH, marco internacional sobre RRD, desenvolvido pela UNISDR e países membros da
ONU.
32
Terremotos, deslizamentos, erupções vulcânicas, tsunamis, ciclones tropicais, inundações e enchentes,
incêndios e estiagem e seca.
33
Crescimento populacional e aumento da densidade urbana, desenvolvimento urbano sem planejamento,
populações de baixa renda em áreas de risco, construções vulneráveis, governança debilitada, concentração de
renda e declínio dos ecossistemas.
34
A versão original é publicada apenas pelo UNISDR, a publicação conjunta é somente na versão Brasileira.
35
As cinco prioridades são: (1) RRD como prioridade; (2) conhecer, identificar, avaliar e observar os riscos e
tomas medidas; (3) desenvolver compreensão e conscientização; (4) reduzir o risco; e (5) preparação e prontidão
para atuar. (UNISDR, 2007)
79
Os dez passos para a construção de uma Cidade Resiliente:
(1) estabelecer mecanismos para organizar e coordenar ações que contem com a
participação da comunidade local, da sociedade civil organizada e dos diversos segmentos
sociais;
(2) elaborar documentos que orientem a RRD, oferecendo incentivos aos que moram em
áreas de risco;
(3) informar sobre as ameaças e vulnerabilidades, avaliando o risco e utilizando tal
avaliação como base para as decisões sobre desenvolvimento urbano e garantindo o acesso
da população a essas decisões bem como um espaço para que elas sejam debatidas;
(4) investir em e manter uma infraestrutura voltada para a RRD assim como ações de
adaptação às mudanças climáticas;
(5) avaliar a segurança e modernizar, se necessário, escolas e postos de saúde;
(6) aplicar e fiscalizar regulamentos sobre construção e planejamento da ocupação do solo,
identificando áreas seguras para a população de baixa renda e modernizando os
assentamentos informais;
(7) investir nos programas de educação e capacitação sobre RRD nas escolas e nas
comunidades;
(8) proteger os ecossistemas e as zonas naturais para atenuar as ameaças, para promover a
adaptação às mudanças climáticas a partir das boas práticas de RRD;
(9) instalar sistemas de alerta e capacitar quanto à gestão de emergência, realizando
simulados que contem com a participação da população; e
(10) garantir que as necessidades dos afetados e sobreviventes de um desastre sejam
atendidas, concentrando o esforço na reconstrução.
QUADRO 4: Os dez passos para a construção de uma Cidade Resiliente. Fonte: UNISDR et, al, s.n.
Para o Relatório de 2012 da campanha “Construindo Cidades Resilientes”, publicado pela
UNISDR (2012b), prefeitos de diferentes cidades do mundo, ao serem pesquisados sobre os
componentes principais para a RRD de acordo com os dez passos essenciais da construção de
cidades resilientes, apontaram, na sua maioria, para componentes relacionados ao primeiro
passo (quadro de ação institucional e administrativo que envolva mecanismos de coordenação
de ações participativas). Entre outros componentes, eles incluíram o interesse pelas
autoridades locais e líderes comunitários, a coordenação entre municipalidades e instituições
não governamentais no gerenciamento do desastre, o engajamento comunitário e o
envolvimento da juventude na coordenação das ações de RRD. Tais componentes, portanto,
80
indicam a relevância da governança e o trabalho conjunto entre diferentes órgão e setores,
para que uma cidade possa se desenvolver de forma resiliente. (UNISDR, 2012b)
O relatório apresenta dados relativos a: (1) medidas já tem sido tomadas por governos locais,
em diferentes cidades do mundo, para construir a resiliência com base nos dez pontos
essenciais acima; e (2) como a resiliência pode ser medida e avaliada nas cidades como, por
exemplo, a partir da demanda expressa pelos governos locais de referenciarem seus esforços
na construção da resiliência urbana em indicadores quantitativos claros, os quais podem
auxiliar os tomadores de decisão da esfera local a colocarem atividades que promovem a
resiliência como prioridade, entendendo a importância deste investimento (UNISDR, 2012b).
O relatório cita alguns exemplos, como o das cidades de Veneza, São Francisco, Quito,
Beirute, Cidade do Cabo, entre outras, que têm desenvolvido instrumentos estruturais ou não
para a construção da resiliência, a partir dos dez passos, quantificando estas ações, como no
caso da cidade de Santa Técia, capital de El Salvador, onde, após passarem por dois grandes
terremotos em 2001, foi elaborado um plano de dez anos de reestruturação da cidade e um
segundo plano que termina em 2020, para o desenvolvimento de um futuro sustentável, além
da criação de grupos chamados “Mesas de Ciudadanos” 36, que integra a comunidade com
tomadores de decisão e conscientiza a população no tocante à RRD e à construção da
resiliência.
A UNISDR (2012b) aponta, no relatório, medidas que podem se desenvolver em indicadores
de avaliação da resiliência acumulada na urbanização e construção da cidade. São elas: (1) os
serviços públicos, como educação, saúde, limpeza urbana, emergência (incêndio, doença,
ferimento e crime), policiamento e manutenção da lei, sistema judiciário, voto e acesso aos
políticos e servidores públicos; (2) serviços públicos que são pagos, como transporte público,
água, saneamento básico, coleta de lixo e eletricidade; (3) redes de previdência, como pensões
e segurança social; (4) infraestrutura padrão, como sistema de drenagem de superfície e
tempestade, pavimentação de rodovias e ruas, iluminação nas ruas; (5) padrões de proteção,
como padrões salariais, condições seguras de trabalho, benefícios do empregador, boas
condições de saúde, gerenciamento do trânsito, proteção ao consumidor, ambiente saudável,
urbanização planejada e implementada; e (6) investimento pessoal em resiliência, como os
seguros de vida, seguro de bens (móveis e imóveis), poupança, pensões e posse de bens
(UNISDR, 2012b). É importante notar que não há nenhum indicador que se refira ao aspecto
36
“Mesas de Cidadãos"
81
cultural, mas somente relacionado a aspectos estruturais, o que é dissonante do discutido
anteriormente, apresentado por Walsh (2003), de que a resiliência também se constitui de
fatores não estruturais como a organização social, a comunicação e a crença.
Fica evidente, portanto, que a infraestrutura e os serviços sociais apontados nos itens do
relatório, dos quais dependem diariamente os habitantes de centros urbanos, são, para o
UNISDR (2012b), “uma medida essencial da resiliência para ameaças naturais” (p. 72),
porque o acesso, proporcionado pela municipalidade, aos serviços básicos, podem influenciar,
geralmente, no grau de resiliência de cidadãos frente às ameaças naturais. Ou seja, quanto
menos vulneráveis socialmente são os cidadãos, mais chances deles serem resilientes, na
medida em que a vulnerabilidade também está relacionada ao acesso ou não aos serviços
básicos. Se ressalta, ainda, que a própria resiliência se torna um indicador, já que, ao se
investir na resiliência pessoal, ou seja, em meios pelos quais o individuo possa superar as
adversidades socioeconômicas e ambientais, como os desastres, tal investimento é acumulado
e transformado em resiliência da comunidade de modo que, quanto maior o acesso dos
cidadãos às medidas de investimento pessoal na resiliência, maior a construção de uma cidade
resiliente.
Complementando e reforçando esta visão do UNISDR (2012b), o Painel de Alto Nível do
Secretário-Geral das Nações Unidas sobre Sustentabilidade Global (2012) afirma que,
somente se for assegurada a resiliência, juntamente com os direitos humanos, as necessidades
básicas e a segurança, as pessoas terão a verdadeira possibilidade de fazerem escolhas
sustentáveis. A construção da resiliência através da segurança social, da RRD e dos planos
adaptativos, é uma das áreas prioritárias de ação, para garantir o direito das escolhas
sustentáveis, que mesmo se feitas individualmente, podem gerar consequências globais
(ibid.). É neste contexto que este painel situa o desenvolvimento sustentável, como sendo um
processo de adaptação, aprendizagem e ação, reconhecendo, compreendendo e atuando nas
relações entre a economia, a sociedade e o meio ambiente natural (PAINEL DE ALTO
NÍVEL
DO
SECRETÁRIO-GERAL
DAS
NAÇÕES
UNIDAS
SOBRE
SUSTENTABILIDADE GLOBAL, 2012).
Portanto, de acordo com o Painel, o desenvolvimento sustentável pode ser abordado na sua
relação com a resiliência por estar contribuindo com os processos de adaptação necessários
para que se enfrentem as crises sociais, econômicas e ambientais, que caracterizam o contexto
82
dos desastres, das vulnerabilidades, dos riscos e, também, da resiliência. Desta forma,
entende-se que
Não podemos mais presumir que nossas ações coletivas não irão desencadear
pontos de ruptura ao ultrapassarem-se limiares ambientais, arriscando a
ocorrência de danos irreversíveis tanto aos ecossistemas quanto às
comunidades humanas. Ao mesmo tempo, esses limites não devem ser usados
para impor tetos de crescimento arbitrários aos países em desenvolvimento que
buscam retirar seu povo da pobreza. De fato, se não resolvermos o dilema do
desenvolvimento sustentável, corremos o risco de condenar até 3 bilhões de
membros da nossa família humana a uma vida de pobreza endêmica. Nenhum
desses resultados é aceitável e precisamos encontrar um novo caminho.
(PAINEL DE ALTO NÍVEL DO SECRETÁRIO-GERAL DAS NAÇÕES
UNIDAS SOBRE SUSTENTABILIDADE GLOBAL, 2012, p. 19)
Sendo assim, a construção de resiliência em comunidades historicamente vulnerabilizadas
pode ser uma forma de se colocar em prática a sustentabilidade do desenvolvimento, já que o
desenvolvimento sustentável, por um lado, resulta em comunidades e pessoas mais preparadas
e adaptadas aos eventos e a resiliência, por outro lado, contribuindo para o enfrentamento de
crises sociais, econômicas e ambientais, pode promover a sustentabilidade. Este novo
caminho presume que a resiliência seja assegurada bem como os direitos humanos, as
necessidades básicas e a segurança humana (ibid.). Ainda, a relação entre a resiliência e o
desenvolvimento sustentável inclui, de acordo com o Painel de Alto Nível do Secretário-Geral
das Nações Unidas sobre Sustentabilidade Global (2012), o fortalecimento da governança
institucional para a qual se faz necessária a efetividade das instituições e dos seus processos
de tomada de decisões local, nacional, regional e global, como também a superação da
estrutura fragmentada das instituições, o que tem como resultado uma liderança e um espaço
político deficitários, má adaptação, prevenção e planejamento quanto aos novos desafios e
crises, prejudicando a elaboração e o êxito de políticas.
Sabe-se que o próprio conceito de desenvolvimento sustentável é debatido e criticado, com
uma literatura própria e extensa que deve ser pesquisada para que se desenvolva mais
detalhadamente a relação entre a sustentabilidade e a resiliência. Contudo, o objetivo de
relacionar os termos é mostrar a amplitude da resiliência, observando ser ela
multidimensional, por se relacionar mutuamente com aspectos sociais, econômicos e
83
ambientais. A partir do que nos é apresentado pelo Painel de Alto Nível do Secretário-Geral
das Nações Unidas sobre Sustentabilidade Global (2012), é possível concluir que a promoção
da resiliência, individual e de grupos e comunidades acaba por afetar o desenvolvimento de
outras áreas da sociedade da mesma forma que, ao trabalhar-se com as mazelas
socioeconômicas e ambientais contemporâneas e que são presentes em cada nível (local,
nacional, regional e global), tem-se como um dos resultados pessoas e comunidades
resilientes.
Com isto concorda a UNISDR (2012b) ao afirmar que
The question of resilience in the context of urban growth recognises that
disaster risk reduction is not limited to preparedness and response, but is a key
determinant for sustainable development. How cities grow – the strategic
planning and design of spatial elements and their impact on the natural and
built environments, the inclusion of the most vulnerable in urban planning —
all dictate a city’s capacity to absorb and recover from disasters, including
those driven by an extreme climate37. (UNISDR, 2012b, p.4)
Isto vem a reforçar o discutido no início deste primeiro capítulo, sobre a relação existente
entre as temáticas abordadas, a saber, os desastres, a vulnerabilidade, o risco e a resiliência,
principalmente a partir da perspectiva complexa e interdisciplinar pela qual os temas em
questão foram abordados.
37
A questão da resiliência no contexto do crescimento urbano reconhece que o risco do desastre não é limitada a
preparação e resposta, mas é a chave determinante para o desenvolvimento sustentável. Como cidades crescem –
o planejamento e o projeto estratégico dos elementos espaciais e seus impactos nos ambientes natural e
construído, a inclusão dos mais vulneráveis no planejamento urbano – tudo dita a capacidade da cidade para
absorver e recuperar de desastres, incluindo aqueles orientados por um clima extremo. (tradução nossa)
84
2
MARCOS POLÍTICOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO
CIVIL: UMA CARACTERIZAÇÃO
A Declaração Universal do Direitos Humanos foi elaborada por representantes jurídicos e
culturais das diferentes regiões do mundo, como uma norma comum a ser alcançada por
todos, sendo proclamada na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948. Ela foi o
primeiro documento a estabelecer a proteção universal dos direitos humanos a fim de
solucionar situações de violações de tais direitos e recomendando que se desenvolvam
soluções e ações como a resposta às emergências. (ONU, 1948, 2013)
Alguns artigos da Declaração Universal apontam para a necessidade de políticas públicas que
promovam a segurança das pessoas com relação às emergências, as quais também englobam
as socioambientais, como estudado neste trabalho, como identificados no Quadro 5.
Artigo III Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo XIII 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das
fronteiras de cada Estado.
Artigo XVII 1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros;
2.Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo XXII Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
QUADRO 5: Artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948)
Estes artigos, em especial, apresentam áreas que podem ser afetadas na ocorrência de um
desastre, como a locomoção, a propriedade, a segurança social e a própria vida. Percebe-se,
então, que os direitos humanos podem ser assegurados tanto pelo viés da redução e prevenção
do risco de desastres socioambientais, como pelo desenvolvimento de ações de resposta e
reconstrução, a partir da criação e prática de politicas públicas que atentem para o desastre, a
vulnerabilidade e o risco como fatores que rompem com os direitos abrangidos nos artigos
citados. Nas palavras da UNISDR (2004),
85
Disaster risk management must be the responsibility of governments.
However, its success also depends on widespread decision-making and the
participation of many others. Policy direction and legal foundations assure
legitimacy but it is the professional and human resources available, on the
ground, that are a true measure of success38. (p. 80)
Ou seja, é possível e necessário que políticas públicas sejam construídas, integrando governos
com comunidades, com o intuito de minimizar a realidade de desastres, riscos e
vulnerabilidades, potencializando a resiliência política e comunitária e resultando, em última
instância, na promoção dos direitos humanos, assegurando-os mesmo em casos extremos,
como na ocorrência de um desastre.
Para aprofundar melhor esses aspectos, neste capítulo será discutido o processo de formulação
e implementação de políticas públicas, apresentando aspectos como a governança e a
interação entre os diversos atores envolvidos, seguido da apresentação do Quadro de Ação de
Hyogo e das políticas nacionais de proteção e defesa civil do Brasil, de Cabo Verde e de
Portugal39. A escolha dos países lusófonos a serem pesquisados é justificada pelo seguintes
fatos: o Brasil foi escolhido por ser o país local e principal de desenvolvimento desta
pesquisa; Portugal, por ser o único país europeu da CPLP e, portanto, se situar numa região de
desenvolvimento econômico mais avançado que os demais países; e Cabo Verde, por ter um
sistema nacional de Proteção e Defesa Civil estabelecido e que fora acessível ao nosso contato
para pesquisa. Ainda, justifica-se a escolha de apenas três países pelo fato de haver prazos
para a entrega desta dissertação, o que inviabiliza a execução de uma pesquisa mais longa que
incluísse todos os oito países da CPLP.
2.1 POLITICAS
PÚBLICAS:
CONSTRUÇÃO,
IMPLEMENTAÇÃO
E
NEGOCIAÇÃO
38
“Gestão de risco de desastre deve ser responsabilidade de governos. No entanto, seu sucesso também depende
da difusão da tomada de decisão e da participação de muitos outros. Direcionamento político e fundamentos
legais asseguram a legitimidade mas são os recursos profissionais e humanos disponíveis, no campo, que são a
grande medida de sucesso”. Tradução nossa.
39
Lembra-se que a discussão sobre as leis no que concerne suas concepções das categorias desastre,
vulnerabilidade, risco e resiliência, bem como quanto a inserção ou não do QAH, é objetivo do próximo
capítulo, sendo este destinado apenas para a exposição descritiva do marco internacional e de cada política.
86
As políticas públicas surgem nos Estados Unidos como área de conhecimento e como
disciplina acadêmica, sem se relacionar com o lado teórico do papel do Estado, mas
enfatizando as ações dos governos, enquanto na Europa, a área das políticas públicas surge a
partir dos trabalhos com base nas teorias explicativas sobre o papel do Estado e do governo, o
produtor das políticas públicas. (SOUZA, 2006)
Não há uma única ou melhor definição de políticas públicas. H. Laswell (apud SOUZA,
2006) afirma que as “decisões e análises sobre política pública implicam responder às
seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz” (p. 24, destaque nosso).
Em outras palavras, as análises procuram observar quem são as pessoas contempladas pelas
políticas públicas, o que elas recebem a partir de tal legislação, quais os motivos que fazemnas serem contempladas, enquanto outras pessoas não são, e quais as mudanças resultantes
desta política. Contudo, esta definição foi criticada por ignorar os conflitos de ideias e
interesses entre os diferentes atores que possam estar envolvidos, e por não abordar as
possíveis cooperações, ou conflito, entre o governo e instituições e grupos sociais (ibid.).
De modo geral, para Souza (2006) as políticas públicas são definidas como a área do
conhecimento que visa a proposição de uma ação para o governo, a análise de tal ação e,
ainda, a sugestão de possíveis mudanças no curso dessas ações, se necessário for. Formular
políticas públicas, de acordo com o autor, é o estágio no qual governos democráticos
traduzem as plataformas eleitorais em programas e ações para produzir resultados ou
mudanças. Assim, as políticas públicas são os meios pelos quais as propostas são colocadas
em prática, podendo ser alteradas de acordo com a necessidade e realidade locais, abrangendo
as cooperações já existentes e/ou potenciais entre diferentes atores e gerenciando os conflitos
de interesse entre as diferentes partes envolvidas.
Na mesma linha, está a definição de Teixeira (2002), segundo a qual que as políticas públicas
são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e
procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações
entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas,
sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de
financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de
recursos públicos. Nem sempre porém, há compatibilidade entre as
intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser
87
consideradas também as “não-ações”, as omissões, como formas de
manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que
ocupam cargos. (p. 2)
Portanto, aquilo que um governo faz ou até o que não faz, em uma democracia estável, pode
ser formulado cientificamente, bem como analisado por pesquisadores independentes – e é
neste pressuposto analítico que os estudos sobre políticas públicas foram constituídas e
consolidadas. (SOUZA, 2006)
No campo da RRD, a UNISDR (2004) aponta para a necessidade de que se hajam mudanças
em áreas que influenciam na construção, implementação e negociação das políticas públicas
na área de desastres socioambientais, como sugeriu Souza (2006). O órgão internacional
reafirma a necessidade de um novo direcionamento e da aplicação de recursos,
descentralizando a coordenação das políticas e das ações e estruturando os programas de ação
de modo a disseminar o conhecimento sobre o tema e a política, uma vez que “the mutual
understanding of rules and regulations should be explicit, transparent and uniform 40 ”
(UNISDR, 2004, p. 81). Neste sentido, pode se pensar sobre o papel dos governos, entre
outros atores implicados na RRD, além de uma mudança referente à ênfase nas funções
governamentais de modo que
a consensus be developed on the roles of government agencies, technical
institutions, commercial interests, communities and individuals themselves.
Governments have vital roles to play in disaster risk management, ideally
serving as a “central impulse” and serving to support sustainable efforts, but
there is now widespread recognition that they also must focus their limited
resources and serve as coordinating bodies if they are to become more
effective. If they are to be relevant in such a role, there is a corresponding
responsibility for subsidiary competencies and increasingly localized
capabilities to come into force.41 (UNISDR, 2004, p.81)
40
“O entendimento mútuo de regras e regulamentos deve ser explícito, transparente e uniforme.” Tradução
nossa.
41
“Um consenso seja desenvolvido nos papéis das agências governamentais, instituições técnicas, interesses
econômicos, comunidades e os próprios indivíduos. Governos têm papéis vitais a atuarem na gestão do risco de
desastre, idealmente servindo como um “impulso central” e servindo para apoiar esforços sustentáveis, mas há
agora amplo reconhecimento de que eles também devem focar seus limitados recursos e servir como corpos de
coordenação se eles quiserem se tornar mais efetivos. Se eles são relevantes nesta atuação, há uma
88
Ou seja, aos governos cabe a iniciativa das ações de RRD, assumindo seu papel de
coordenação, de investimento e de apoio às demais iniciativas de RRD. Compreende-se,
portanto, que a tomada de decisão e, consequentemente, a criação de políticas públicas, por
parte dos atores governamentais, têm uma posição indispensável na gestão do risco de
desastre de modo que esta relevância deve, por um lado, ser percebida e validada pelos
demais atores enquanto, por outro lado, ela deve motivar o governo a ter posicionamentos e
ações sustentáveis e que atendam a demanda de uma gestão de risco de desastre eficiente,
desde a criação até a aplicação da política pública, que diz respeito de tal gestão de risco, em
uma comunidade.
O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC, 2012) também orienta, no “Resumo
para os construtores de políticas”, que os tomadores de decisão saibam sobre os desastres, se
atentando para a exposição, da comunidade sobre a qual eles decidem, ao risco, a
vulnerabilidade, as variabilidades climáticas extremas, os impactos e as perdas consequentes.
O IPCC ainda destaca que o aprendizado com experiências passadas de adaptação a mudanças
climáticas e de gerenciamento de risco de desastre como formas que promovem uma
adaptação e um gerenciamento mais efetivos.
Isto posto, discute-se a seguir sobre três períodos do desenvolvimento de uma política
pública, a saber, a construção, a implementação e a negociação, abordando características
gerais sobre cada fase, o que trará um entendimento, consequentemente, sobre as Políticas
Públicas Nacionais de Proteção e Defesa Civil, do Brasil, de Portugal e de Cabo Verde, a
serem estudadas no subcapítulos seguintes.
2.1.1
CONSTRUÇÃO
A construção aponta para a observação da formulação em si de uma política pública. Kingdon
(apud CAPELLA, 2007) descreve quatro processos: estabelecer uma agenda de políticas
públicas; considerar as alternativas que fundamentem as políticas públicas; escolher a
alternativa dominante dentro do conjunto de alternativas disponíveis; e implementar a
decisão. Tal agenda política aponta para os assuntos sobre os quais o governo e as pessoas
correlatas se concentram em dado momento, uma vez que é grande a quantidade e a
complexidade das questões apresentadas aos formuladores de políticas públicas (CAPELLA,
responsabilidade correspondente para competências subsidiárias e capacidades localizadas crescentes para
entrarem em vigor.” Tradução nossa.
89
2007). Além desta perspectiva de como uma política pública é construída, Souza (2006)
apresenta uma sistematização de alguns dos diferentes modelos de políticas públicas (Quadro
6), que explicam “como e por que o governo faz ou deixa de fazer alguma ação que
repercutirá na vida dos cidadãos” (p. 28).
MODELO
CARACTERÍSTICAS
O tipo da política pública Aponta para o apoio ou rejeição de certa política pública e
as arenas que geram disputas decisórias, podendo ser essa
política
distributiva,
regulatória,
redistributiva
ou
constitutiva.
O incrementalismo
Os recursos provêm de decisões incrementais que não
levam
em
conta
mudanças
políticas
substantivas,
mantendo intacto as estruturas de governo.
O
ciclo
da
política A política pública é vista como um processo dinâmico
pública
formado pelos estágios de: (1) definição da agenda (por
foco nos problemas, foco na política ou foco nos
participantes), (2) identificação de alternativas, (3)
avaliação das opções, (4) seleção das opções, (5)
implementação, e (6) avaliação.
O “garbage can”
São percebidos muitos problemas e poucas soluções, num
viés inconsistente de ideias e numa perspectiva limitada
das soluções, operando por tentativa e erro.
A coalizão de defesa
Apresenta subsistemas estáveis, formados por diferentes
crenças, valores e ideias, e relacionados com o contexto
externo, que vem a nivelar os constrangimentos e os
recursos para cada política.
As arenas sociais
Têm as políticas públicas como uma iniciativa dos
empreendedores sociais, que formam uma comunidade de
especialistas e constituem redes sociais, as quais focam o
conjunto de relações entre indivíduos e grupos. Para que
uma política seja construída neste modelo, as pessoas
precisam prestar atenção mais em uma questão, ignorando
outras, seja pela (1) divulgação dos indicadores de um
90
problema, por (2) eventos como desastres ou que repitam
um mesmo problema, ou por (3) feedback que aponte
falhas e/ou resultados medíocres.
O
“equilíbrio Intercalam-se longos períodos de estabilidade, nos quais
interrompido”
as questões são processadas paralelamente, com períodos
instáveis, nos quais há mudança mais profunda nas
políticas anteriores e nos quais é fundamental que se
construa uma imagem de dada política pública, tendo a
mídia, portanto, um importante papel.
Os influenciados pelo Busca-se a eficiência, a análise racional e a credibilidade,
“novo
gerencialismo delegando
as
políticas
públicas
a
instituições
público” e pelo ajuste independentes e fora dos ciclos eleitorais, mas que
fiscal
garantam
tais
fatores,
promovendo
um
caráter
participativo.
QUADRO 6: Modelos de Políticas Públicas. FONTE: Souza, 2006.
Nestes oito modelos de políticas públicas apresentados, destaca-se o processo diverso que
cada um representa, tendo cada modelo focos diferentes e resultando, portanto, numa
construção desigual de políticas públicas. Destaca-se ainda que estes modelos não se anulam
entre si, ou seja, não é porque um modelo é utilizado em dada ocasião que outro não será
utilizado, pelo contrário, é possível que um país decrete leis estabelecendo políticas
construídas que se encaixem em modelos diferentes, entre os citados no quadro 6. Isto porque
múltiplos atores estão envolvidos nas diversas políticas que vão sendo constituídas, e cada um
deles possui agendas e objetivos próprios bem como cada setor e o próprio contexto político
geral em questão.
Assim, percebe-se que construir uma política pública é um processo amplo e variado, que
envolve diversos fatores, como os ainda destacados por Kingdon (apud CAPELLA, 2007)
como influências na formulação das políticas públicas, a saber, (1) o humor nacional, quando
pessoas diferentes compartilham das mesmas questões durante certo tempo, promovendo
questões e a disseminando ideias; (2) a força política, cujo apoio ou pressão a uma questão
sinalizam o consenso ou o conflito entre os grupos de interesse; e (3) as mudanças no próprio
governo, podendo desencadear a entrada ou bloqueio de novos itens na agenda política, bem
como na permanência ou não do que já existente, apontando para a transitoriedade das
91
oportunidades de mudança.
Sobre esta transitoriedade, vale destacar que as políticas públicas apresentam períodos de
estabilidade e de mudança. Esta alternância se explica tanto com base nas estruturas
institucionais, quanto com base nos processos de formação da agenda. Deste modo, para se
compreender os períodos de estabilidade e mudança, deve-se observar a definição de uma
questão, inserida em um contexto institucional que pode vir a favorecer certas visões políticas
(CAPELLA, 2007). A mudança se instala a partir uma ruptura na estabilidade e os desastres
poderiam ser vistos como eventos que se caracterizam por provocarem ruptura na dinâmica
social de certa localidade, de forma que o próprio sistema sociotécnico fica sujeito a tais
perturbações (Der Voort; Bruijn, apud VALENCIO, 2010)
Porém, se uma vez aceita, a ideia motivadora da construção da política pública é difundida,
ampliando-se a consciência dos atores sobre o tema, mesmo se a comunidade for fragmentada
em suas ideias e crenças. Tal difusão não se dá de forma automática, mas é um processo de
sensibilização e persuasão (CAPELLA, 2007). Sobre isso, Teixeira (2004) destaca que, na
formulação das políticas públicas, a participação democrática deve estar assegurada, de modo
que se compartilhe a responsabilidade entre os diferentes atores, como os setores público e
privado, por exemplo, já que os diferentes grupos e atores envolvidos são capazes de
promoverem mobilização e organização no desenvolvimento de ações políticas (TEIXEIRA,
2004). A participação e a mobilização entre diferentes atores apontam para a necessidade da
governança, que será discutida mais a frente.
Barreto Junior (2008) destaca o papel do Estado, ao discutir sobre a reestruturação e reforma
das políticas públicas e sociais entre os anos 1990 e 2000. Segundo o autor, ao conceber-se
políticas sociais no seu papel de reduzir desigualdade, promover equidade e reparar injustiças
sociais e histórias, deve ser destacado o papel estratégico do Estado (União, Estados e
municípios) na condução e promoção de tais políticas. Na história recente, é percebido que
quanto mais a formulação e o arranjo institucional de uma política social são politizados,
melhores são os resultados para a população. (BARRETO JUNIOR, 2008)
No campo dos desastres, Valencio (2009) ainda ressalta que, quanto maior é o envolvimento
dos atores locais para se formular e implementar estratégias, menor serão os danos causados
por um desastre e mais legítimo será a atuação dos órgãos públicos, como o de defesa civil.
Como os atores são diferentes e provem de áreas variadas da sociedade, Souza (2006) destaca
92
a multidisciplinaridade das políticas públicas, sobre a qual pesquisadores de diversas áreas
têm interesse e as quais devem explicar as diversas inter-relações entre Estado, política,
economia e sociedade.
Ainda sobre a multidisciplinaridade, Valencio (2010) explicita que, no caso dos desastres, o
trabalho em rede, não centralizado, gera relacionamentos horizontais e promove o
compartilhamento transetorial das diferentes perspectivas do problema, ao envolver as
instituições do governo, as não governamentais, o setor privado e também os cidadãos. Essa
seria, segundo a autora, a forma de se lidar com a complexidade dos desastres mais adequada.
2.1.2
IMPLEMENTAÇÃO
A implementação de uma política pública diz de tomar as decisões relacionadas a uma
política pública, com base nos problemas reconhecidos e dos objetivos levantados. Estes
objetivos vêm a caracterizar as políticas públicas como ações intencionais (SOUZA, 2006),
uma vez que elas buscam, propositalmente, alcançar o que fora estabelecido pelos objetivos.
Estes apresentam certo valor e mostram as visões de mundo dos que detém o poder, além de
apontarem para como estes contemplam os interesses do certos segmentos sociais, a partir de
sua habilidade de organização e negociação (TEIXEIRA, 2002). As políticas públicas,
segundo Teixeira (2002), podem apresentar um ou mais dos seguintes objetivos: (1) resposta
às demandas, especialmente dos setores marginalizados e vulneráveis, de modo que os que
estão no poder interpretam essa demanda, mas a mobilização social da sociedade civil
também exerce influência; (2) ampliação e efetivação dos direitos da cidadania, que nascem
nas lutas sociais e ganham reconhecimento institucional; (3) promoção do desenvolvimento
com criação de emprego e renda; e (4) regulação de conflitos, entre diferentes atores sociais,
que necessitam de mediação já que os atores, ainda que hegemônicos, apresentam interesses
contraditórios.
Além dos objetivos que devem ser definidos com respeito a política pública, o método pelo
qual ela será aplicada também precisa ser discutido. Teixeira (2004) não especifica um
método único, mas fica claro em seu texto que ele deve contemplar a interdisciplinaridade, a
intersetorialidade e a horizontalidade, como descrito a seguir:
O planejamento e a gestão de PPS [políticas públicas] em nível nacional e
estadual ou, particularmente, em nível municipal podem vir a ser um espaço
93
privilegiado para a adoção de conceitos e experimentação de métodos, técnicas
e instrumentos que incorporem a interdisciplinaridade na análise dos
problemas, a intersetorialidade na definição das soluções e a horizontalidade
(Santos, 2003) na implementação de ações voltadas para a mudança e
transformação das condições de vida e saúde da população, de acordo com
suas necessidades sociais e demandas políticas. (p. 41, destaque nosso)
Como visto no processo de construção, a implementação também requer que diversos atores
estejam envolvidos na aplicação da política, sendo eles de diferentes setores (poder público,
iniciativa privada, sociedade civil e comunidade científica), com diferentes perspectivas
profissionais e disciplinares, bem como capazes de promover um diálogo que ultrapasse a
hierarquia vertical tradicional do sistema político – ou seja, a governança é necessária. Nas
palavras de Teixeira (2004), a implementação deve promover “a integralidade das práticas e a
participação social na gestão dos planos, programas e projetos de ação, incorporando
métodos, técnicas e instrumentos que subsidiem a tomada de decisões...” (p.40)
Para tanto, na perspectiva das ações de RRD (mas aplicável às demais políticas), “there must
be a systematic approach to relate local decision-making processes with larger administrative
and resource capabilities such as those devised in provincial or national disaster plans and risk
reduction strategies”42 (UNISDR, 2004, p. 80). O que está sugerido é uma abordagem capaz
de envolver não só atores de diferentes proveniências, mas, também, dentro do próprio poder
público, de modo que as instâncias nacional, estadual e municipal se comuniquem no que se
refere a implementação de uma política pública. Desta forma, o que a UNISDR propõe, no
campo específico da RRD, está de acordo com a interdisciplinaridade, a intersetorialidade e a
horizontalidade trazidas por Teixeira (2004), isto é, um diálogo horizontal entre os decisores
de menor e os de maior escalões, integrando saberes e práticas para que os objetivos iniciais
traçados na construção da política pública possam ser alcançados na implementação.
Uma vez implementada, a política pública fica sujeita a acompanhamento e avaliação
(SOUZA, 2006). Um exemplo são os relatórios produzidos por órgãos competentes, como o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sobre políticas públicas nacionais. No
relatório intitulado “Políticas Sociais: acompanhamento e análise”, o Ipea realiza, a cada
42
“Deve haver uma abordagem sistemática para relacionar o processo de tomada de decisão local com maiores
capacidades administrativa [no sentido de serem de níveis superiores como o nacional] e de recursos como
aquelas concebidas nos planos de desastre e estratégias de redução de riscos provinciais [locais] ou nacionais.”
Tradução nossa.
94
exemplar, uma avaliação das políticas de previdência social, assistência social, saúde,
educação, cultura, trabalho e renda, desenvolvimento rural, igualdade racial e igualdade de
gênero (IPEA, 2013).
2.1.3
NEGOCIAÇÃO
A negociação das políticas públicas é o que diz respeito da governança. Não será esgotada a
discussão sobre este termo no presente trabalho, porém é cabível que se apresente algumas
definições gerais do termo, para que se entenda como a governança está envolvida no caso
das políticas públicas. A governança pode ser definida como
the manner in which power is exercised in the management of a country's
economic and social resources for development. Good governance, for the
World Bank, is synonymous with sound development management (…) good
governance is central to creating and sustaining an environment, which fosters
strong and equitable development, and it is an essential complement to sound
economic policies43. (WORLD BANK, 1992, p.1)
Dentro desta conceituação geral da governança como exercício do poder de um ator
hegemônico (o Estado) que resulta em desenvolvimento, tanto pelo viés social como pelo
econômico, o Banco Mundial ainda ressalta quatro fatores que, para eles, são consistentes
com seu trabalho: (1) a gestão do setor público, (2) a prestação de contas, (3) o quadro legal
para o desenvolvimento e (4) a informação e a transparência. Com isto, percebe-se que a
noção de governança se desdobra em ações que vêm a ampliar a concepção e a prática do
termo.
O conceito seguiu se ampliando com o passar dos anos e das discussões, influenciado pela
democratização em alguns países (como no Brasil), passando a incorporar os “padrões de
articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais que
coordenam e regulam transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico”
(SANTOS, 1997, p.4), como os partidos políticos, os grupos de pressão, as redes sociais
informais, as hierarquias e as diversas associações (ibid.). Desta forma, entende-se que a
43
“A maneira na qual poder é exercido no gerenciamento da economia e dos recursos sociais de um país para o
desenvolvimento. Boa governança, para o Banco Mundial, é sinônimo de boa gestão do desenvolvimento (…)
boa governança é central na criação e sustentação de um ambiente que promove desenvolvimento forte e
equitativo e ela é um complemento essencial para boas políticas econômicas.” Tradução nossa.
95
governança diz do compartilhamento de poder entre o Estado e os demais atores sociais a fim
de que se promova o desenvolvimento sócio, econômico e ambiental esperado.
De forma geral, Capella (2007) apresenta dois diferentes tipos de atores: os visíveis e os
invisíveis. Os chamados atores visíveis têm influência ao se definir a agenda governamental,
recebendo atenção da imprensa e do público, como o presidente da república, os dos altos
escalões burocráticos, os que fazem parte da administração, os envolvidos no processo
eleitoral, os grupos de apoio, a mídia e a opinião pública. Já os participantes invisíveis,
influenciam na decisão de alternativas, e são formadores das comunidades onde se criam e
circulam as ideias, como os servidores públicos, os analistas de grupos de interesse, os
assessores parlamentares, os acadêmicos, os pesquisadores e os consultores. (CAPELLA,
2007)
No âmbito da RRD, a relevância dos atores, sejam eles atores visíveis ou participantes
invisíveis, é clara desde antes da ocorrência um “desastre natural”. Chacín (2008) afirma que
o desastre apresenta o papel de cada um desses atores na prevenção do problema. Cada ator
deve cumprir seu papel no desenvolvimento sustentável, na redução da vulnerabilidade,
conhecendo as ameaças, inserindo ações de prevenção e mitigação de riscos, para que a
ocupação do território seja um processo mais seguro. Contudo,
For a long time, the state was considered the centre of all authority as well as
action in dealing with disasters. Communities were considered generally
unaware of the hazards they faced. As a result, disaster management was most
often understood as providing relief to victims, aiding recovery following an
event, and rebuilding damaged infrastructure.44. (UNISDR, 2004, p. 80-81)
Na perspectiva dos desastres, é notável, no período de tempo relatado acima, a não existência
da governança, já que a comunidade não participava na tomada de decisões, sendo vista
somente como vítimas que necessitam de auxilio. Porém há um importante papel a ser
desenvolvido pelos atores da sociedade civil no manejo das situações de desastre, segundo
Basolo et. al (apud VALENCIO, 2010), ao afirmarem que, quando uma comunidade confia
excessivamente no seu gestor e na sua práticas, a autoproteção frente aos fatores de ameaça
44
“Por um longo tempo, o estado era considerado o centro de toda autoridade bem como da ação de lidar com
desastres. Comunidades eram consideradas geralmente inconscientes dos perigos que enfrentavam. Como
resultado, gestão de desastre era mais frequentemente entendido como a providência de socorro às vítimas,
auxiliando na recuperação seguinte, e reconstruindo a infraestrutura danificada.” Tradução nossa.
96
natural é reduzida. Assim, quanto mais valorizada é a atuação das pessoas da própria
comunidade, mais este grupo terá habilidade de manejar a ocorrência de um desastre. Ainda é
valido ressaltar que esta ação comunitária somente ocorrerá mediante aos conhecimentos
sobre sua situação de vulnerabilidade e risco e sobre o que deve ser feito, o que aponta para a
necessidade do compartilhamento de informação e para o papel da educação para que as ações
de RRD sejam praticadas pela comunidade.
2.2 O QUADRO DE AÇÃO DE HYOGO45 (QAH): A CONSTRUÇÃO DO MARCO
REFERENCIAL
2.2.1
A DISCUSSÃO PRÉVIA À 2005
Apesar do Quadro de Ação de Hyogo (QAH) datar de 2005, a discussão sobre gestão de
desastre e de risco, mitigação de vulnerabilidade socioambiental, promoção de resiliência e
redução de exposição e risco já era presente nas arenas internacionais, como na ONU. São
destacados neste trabalho duas ações anteriores ao QAH, mas que fundamentaram o marco
atual, a saber, a Yokohama Strategy for a Safer World46 e a International Decade for Natural
Disaster Reduction47 (IDNDR).
A Yokohama Strategy for a Safer World é o documento final da World Conference on
Natural Disaster Reduction (WCNDR), ocorrida em 1994, na qual países membros e não
membros
da
ONU,
juntos
com
organizações
não-governamentais,
organizações
internacionais, comunidade científica, iniciativa privada e imprensa, numa perspectiva de
parceria e interdependência entre os países e organizações, debateram sobre as consequências
negativas que os desastres têm para o homem e para o desenvolvimento, além de avaliarem a
IDNDR, já em andamento desde 1990 (WCNDR, 1994). É importante notar que a existência
da governança no processo, envolvendo diferentes atores sociais interessados pela temática de
RRD, o que vem a concordar com o apresentado pela literatura quanto a negociação. O plano
de ação estratégico de Yokohama apresentou um debate que abrangeu, de forma geral, os
seguintes pontos: (a) o impacto do desastre (perda de vidas e econômicas) ser mais sentido
45
O documento da ONU sobre o QAH (UNISDR, 2007), que foi traduzido para o português, traz o termo
“marco” ao invés de “quadro”. Neste presente trabalho, porém, opta-se pelo último termo (“quadro”) por ser o
termo oficialmente usado nas discussões atuais no Brasil promovidas pelo Centro de Excelência da UNISDR.
46
“Estratégia de Yokohama para um Mundo mais Seguro”. Tradução nossa.
47
“Década Internacional para Redução de Desastre Natural”. Tradução nossa.
97
por comunidades mais vulneráveis e, portanto, a necessidade de auxiliar, principalmente os
países mais vulneráveis, a promoção de segurança em relação aos desastres; (b) a relação
entre as políticas de desenvolvimento sustentável, proteção ambiental e prevenção, mitigação,
preparação e resposta (sendo este último ineficiente se praticado isoladamente), de modo que
essa relação deva ser contemplada por planos de desenvolvimento e ser passível de
acompanhamento e avaliação; (c) a necessidade de acesso, a baixo custo, às tecnologias, à
informação e ao conhecimento; (d) a importância do envolvimento comunitário, por indicar as
percepções individuais e coletivas, as características culturais e organizacionais e os
comportamentos e interações com o ambiente; e (e) o reconhecimento e fortalecimento da
soberania, das capacidades e das legislações nacionais (WCNDR, 1994). A partir destes
pontos da estratégia de Yokohama, vale retomar o que fora discutido por Álamo (2006), de
que o trabalho com desastres deve ultrapassar o momento do evento em si, como com o
desenvolvimento de espaços comunitários que promovam a socialização e reelaboração do
impacto resultante do desastre socioambiental em questão; com a mobilização de recursos que
previnam crises futuras; e com a reintegração das pessoas às suas antigas rotinas. Nesta ampla
perspectiva de atuação é possível se trabalhar com os aspectos de vulnerabilidade,
informação, conhecimento, inclusão da comunidade e manutenção da soberania nacional,
como proposto pela estratégia.
As ações resultantes do marco de Yokohama fizeram parte da IDNDR, iniciada em 1 o de
Janeiro de 1990, que objetivava a redução das perdas humanas, sociais e econômicas por
calamidades naturais (UN, 1989), e cujo programa
not only provided an institutional framework for countries, but also introduced
basic concepts of disaster reduction to administrators and other specialists who
may not have identified their work within the larger context of disasters. It
began to shift policy emphasis from post-disaster relief and rehabilitation to a
more proactive approach of disaster preparedness and mitigation. This began
a new era in disaster and risk reduction concepts, with an important role
assigned to national planning and legislation. Many countries prepared
national action plans for disaster risk management and presented them to the
World Conference on Natural Disaster Reduction held in Yokohama, Japan, in
1994. Subsequently, countries have been able to report on their activities at
98
regional or sectoral meetings and at the concluding IDNDR Programme Forum
in 199948. (UNISDR, 2004)
A IDNDR, portanto, representa o início da mudança de paradigma, de gestão do desastre para
gestão do risco. Tal mudança está em curso até hoje, estando alguns países mais avançados na
discussão e, principalmente, na prática do que outros. No novo paradigma, a prevenção e a
preparação passam a ser o foco principal ao invés da resposta e reconstrução, pelo fato de,
uma vez minimizadas as vulnerabilidades e os riscos nas ações preventivas e preparatórias, a
ocorrência de um desastre socioambiental vem a acarretar menores prejuízos sociais,
ambientais, econômicos e emocionais.
Cabe ressaltar que a IDNDR, assim como o próprio QAH, como será visto adiante, apresenta
instrumentos para que as ações propostas possam ser acompanhadas e avaliadas, motivando
os países a serem os principais responsáveis na execução do proposto pela Yokohama
Strategy na década designada (1990-2000). Também é importante destacar que, nestes marcos
iniciais, o conceito de desastre ainda era mais limitado ao evento natural, apesar de já serem
presentes os conceitos de vulnerabilidade, risco e resiliência, mesmo que em menor escala e
com menor ênfase na relação entre eles e na complexidade existente do que já se debate nas
discussões atuais. Também já é presente, desde a implantação da IDNDR, a responsabilidade
compartilhada, no âmbito da RRD, entre instâncias políticas (internacionais, regionais,
nacionais e locais) e entre diferentes atores, como a comunidade e a academia. (UN, 1989)
2.2.2
O QUADRO DE AÇÃO DE HYOGO (QAH) 2005-2015
A International Strategy for Disaster Reduction 49 (ISDR) foi adotada em 2000, como um
prosseguimento da IDNDR, e com o objetivo de reduzir as perdas do desastre, construindo
comunidades e nações resilientes, dentro do secretariado da UNISDR, que serve como ponto
focal para a redução do risco de desastre (RRD) com as Nações Unidas e os países membros
(UNISDR, 2007). Em janeiro de 2005, ocorreu a Conferência Mundial sobre Redução do
48
“Não só providenciou um quadro institucional para os países, mas também introduziu conceitos básicos de
redução de desastres para administradores e outros especialistas que podem não ter identificado seu trabalho
dentro do contexto mais amplo de desastres. Isso começou a mudar a ênfase das políticas de socorro e
reabilitação pós-desastre para uma abordagem mais proativa de preparação e mitigação de desastres. Isto iniciou
uma nova era nos conceitos de redução de desastre e risco, com um importante papel designado para o
planejamento e a legislação nacionais. Muitos países prepararam planos de ação nacionais para a gestão de risco
de desastre e apresentaram-nos para a WCNDR realizada em Yokohama, Japão, in 1994. Subsequentemente,
países foram capazes de reportarem suas atividades nas reuniões regionais ou setoriais e no Fórum programático
e conclusivo da IDNDR em 1999.” Tradução e grifo nossos.
49
“Estratégia Internacional da Redução de Desastre”. Tradução nossa.
99
Risco de Desastre 50 , em Hyogo, no Japão, para que os diferentes atores ali presentes
discutissem as questões referentes à RRD. Nesta conferência, 168 países acordaram sobre o
QAH 2005-2015: Construindo a resiliência de países e nações ao desastre (UNISDR, 2013d),
trazendo a resiliência como objetivo do marco e, portanto, das ações de RRD, assinalando a
mudança de paradigma: a resposta emergencial deixa de ser o foco para que os países sejam
resilientes, isto é, não mais vistos como vítimas, mas como capazes de se prepararem
previamente a um desastre a ponto de, uma vez que ele ocorra, haver subsídios sociais e
econômicos necessários para que o país supere o que tal desastre possa acarretar de danos.
Esta referência vem endossada pela Resolução 60/195 da Assembleia Geral das Nações
Unidas, do mesmo ano (UN, 2005). A referida resolução faz menção ao número dos desastres
e o aumento do seu impacto negativo a longo prazo, principalmente em sociedades
vulneráveis nos países em desenvolvimento – como as consequências sociais, econômicas e
ambientais – são estas vulnerabilidades que devem ser mitigadas, preferindo atividades que
desenvolvam o fortalecimento da resiliência das comunidades, em detrimento das que
acentuam as vulnerabilidades socioeconômicas e o risco do desastre, para que se alcance um
desenvolvimento sustentável, o qual se refere à possibilidade das comunidades atuarem, de
forma justa e sustentável, no que se refere às relações existentes entre a sociedade e o meio
ambiente. Fica claro, então, a relação entre o desenvolvimento e a redução do risco, bem
como entre estes e a resposta ao desastre e a reconstrução pós desastre, tendo o acesso à
tecnologia e ao conhecimento cientifico e técnico como instrumentos efetivos na relação
citada. (UN, 2005)
O QAH é descrito como um quadro de ações que visa, em última análise, reduzir as
vulnerabilidades socioambientais, procurando tornar as comunidades mais resilientes frente
aos riscos de desastres, numa perspectiva que
Os desastres podem afetar a qualquer um e por isso são assunto de todos. A
redução do risco de desastres deve formar parte da tomada de decisões
cotidianas: desde a forma em que as pessoas educam a seus filhos e filhas até
50
Intercalada com a Conferencia Mundial, ocorre a Global Platform for Disaster Risk Reduction (GPDRR),
desde 2007. Em 2013 houve a quarta edição do evento global, reunindo quatro mil pessoas de 172 países
(GPDRR, 2013a) em Genebra, Suíça. A GPDRR é o fórum internacional de maior importância para
conscientização e diálogo de governos, agências das Nações Unidas, instituições financeiras internacionais,
instituições privadas, organizações regionais, sociedade civil, academia e comunidades científicas, sobre temas
relacionados a RRD, como adaptação a mudanças climáticas, educação, risco urbano, sistemas de alerta,
recuperação e desenvolvimento de capacidades. (UNISDR, 2007)
100
como planejam suas cidades. Cada decisão pode fazer-nos mais vulneráveis
ou, ao contrário, mais resistentes. (UNISDR, 2007, p.1)
Isto é, os desastres podem afetar a qualquer um e são assunto de todos, fazendo da RRD uma
tomada de decisão cotidiana, ampliando o foco nas populações vulneráveis, e destacando o
papel da educação formal e informal como meio de se compartilhar o conhecimento sobre
ações de RRD e de construção de resiliência.
Assim, o objetivo principal e geral do QAH é abordar, identificar e implementar a redução do
risco de desastre (RRD) de modo compreensivo, integrado e multidisciplinar, de modo a
buscar o resultado de uma redução expressiva das perdas (mortalidade, sociais, econômicas e
ambientais) recorrentes de desastres até 2015, através de cinco prioridade de ação e três
objetivos estratégicos (Quadro 7), visando que os países passem a enfatizar a RRD integrada
nas políticas já existentes, focando-se mais na resiliência planejada do que no gerenciamento
de crise (UNISDR, 2007, 2013d).
Para se alcançar os objetivos, faz-se necessário que as ações desenvolvidas englobem
especificações do QAH como um todo, envolvendo órgãos diversos e incluindo os grupos
vulneráveis na gestão do risco, como as crianças, os idosos e mulheres, já que a construção e
implementação da RRD se tornam “an integral component of development plans and poverty
eradication programmes51” (UNISDR, 2005, p. 4). A gestão de risco é reafirmada como sendo
compartilhada entre os diferentes atores, sem negligenciar as áreas mais vulneráveis da
sociedade. Pelo contrário, essas são partes atuantes do processo, uma vez que se busca a
mitigação da vulnerabilidade.
51
“Um componente integral dos planos de desenvolvimento e programas de erradicação da pobreza.” Tradução
nossa.
101
Objetivos estratégicos:
(1) integração efetiva das considerações sobre risco de desastre com políticas de
desenvolvimento sustentável, com planejamento e programação em todos os níveis, de
modo que se enfatize a prevenção, mitigação, preparação e redução de vulnerabilidade;
(2) desenvolvimento e fortalecimento de instituições, mecanismos e capacidades,
principalmente nas comunidades, que contribuam sistematicamente na melhora da
resiliência aos perigos;
(3) incorporação de abordagens sobre redução de risco de forma sistemática no
planejamento e prática dos programas de preparação, resposta e recuperação e
reconstrução.
Prioridades de ação:
(1) priorizar as ações de RRD;
(2) conhecimento dos riscos e tomada de decisão;
(3) construir entendimento e conscientização;
(4) reduzir o risco;
(5) estar preparado e pronto para agir.
QUADRO 7: Prioridades de ação e objetivos estratégicos do QAH. Fonte: UNISDR, 2007
Desta forma, acorda-se que as responsabilidades da implementação da RRD e do QAH
apontam para a colaboração e cooperação entre esferas estatais, regionais, internacionais,
onde se inclui a própria UNISDR, além das organizações comunitárias, da sociedade civil,
dos voluntários, da comunidade científica, da imprensa e do setor privado (UNISDR, 2007).
Com isso, percebe-se a importância da governança, como colocado por Santos (1997) e
Capella (2007). Na gestão do risco de desastre, é necessário que se busque o paradigma da
governança, já que os países têm progredido nos seus arranjos de governança de risco desde
os anos 90, desenvolvendo leis, políticas e quadros institucionais na gestão de risco
(UNISDR, 2013a). E, com base nisto, é clara a necessidade da construção de
102
a more effective integration of disaster risk reduction into sustainable
development policies, planning and programming; for the development and
strengthening of institutions, mechanisms and capacities to build resilience to
hazards and for a systematic incorporation of risk reduction approaches into
the implementation of emergency preparedness, response and recovery
programmes52. (UN, 2005, p. 3)
Assim, desenvolvendo e reforçando capacidades de múltiplos atores e instâncias, o QAH
divide entre eles as responsabilidades na gestão do risco. Este quadro de ação estabelece,
hierarquicamente, as responsabilidades na gestão desde o nível local até o internacional, com
destaque para a UNISDR. Como responsabilidades dos Estados, são apresentados o
desenvolvimento de mecanismos de coordenação nacional; a avaliação do progresso da RRD;
a publicação, atualização e revisão dos programas nacionais; a implementação de
instrumentos legais internacionais relevantes; e a integração da RRD às estratégias de
mudança climática (UNISDR, 2007). Cada Estado é o primeiro responsável na promoção do
seu próprio desenvolvimento sustentável e da redução de risco, protegendo as pessoas e a
infraestrutura no seu território e implementando o QAH, sem perder a relevância da
cooperação internacional nos esforços nacionais (UN, 2005).
Já as responsabilidades regionais visam promover e fortalecer os programas regionais de
RRD; de agrupar e publicar avaliações regionais e sub-regionais; de revisar o progresso do
HFA na região; de estabelecer centros de cooperação regionais; e de apoiarem o
desenvolvimentos de sistemas de alerta regionais (UNISDR, 2007; UN, 2005).
Em nível internacional, as organizações são responsáveis pela integração da RRD nos
programas de desenvolvimento sustentável e humanitário; pelo fortalecimento do sistema de
assistência aos desastres das Nações Unidas aos países em desenvolvimento com iniciativas
de RRD; pelo apoio ao colhimento, publicação e troca de informações, além do apoio aos
sistemas de alerta; pelo apoio aos esforços estatais conjuntos à assistência internacional; e
pelo fortalecimento do treinamento em gerenciamento de desastre e construção de capacitação
(UNISDR, 2007; UN, 2005). E, finalmente, a UNISDR, responsável por desenvolver a matriz
de papéis e iniciativas quanto ao QAH, facilita a coordenação das ações internacionais e
52
Uma integração mais efetiva da redução do risco de desastre em políticas, planejamentos e programações de
desenvolvimento sustentável; para o desenvolvimento e fortalecimento de instituições, mecanismos e
capacidades para construir resiliência a perigos e para uma incorporação sistemática da abordagem da redução
de risco na implementação de programas de preparação de emergência, resposta e recuperação.
103
regionais; desenvolve indicadores de progresso que assistam aos Estados no acompanhamento
do seu progresso em relação ao QAH; apoia as plataformas e coordenações nacionais;
estimula a troca de boas práticas e lições aprendidas; e prepara revisões quanto ao
cumprimento dos objetivos do QAH (UNISDR, 2007), como é o caso, por exemplo, do
Centro de Excelência para RRD53 no Rio de Janeiro, em parceira da UNISDR com o governo
brasileiro.
2.2.3
O NATIONAL HFA MONITOR
54
E O GLOBAL ASSESSMENT
REPORT55 (GAR): MECANISMOS DE AVALIAÇÃO E DE DIVULGAÇÃO
No biênio 2012-2013, 131 países iniciaram a revisão de seu progresso no QAH: 94 países
submeteram relatórios com suas percepções sobre a implementação do marco e governos têm
revisto seu progresso em cada prioridade do QAH, providenciando evidências que deem
suporte aos desafios mais críticos, como, por exemplo, os investimentos públicos (UNISDR,
2013a). Em 2014, até a presente data, 15 municípios já apresentaram os relatórios online56 de
progresso do QAH, com relação à implementação das cinco prioridades de ação do QAH e os
dez passos essenciais 57 para a construção de uma cidade resiliente. Com exceção de uma
localidade no Quênia, os demais municípios são brasileiros58, a maioria no estado de São
Paulo, o que aponta para a forte participação do Brasil na implementação do QAH, praticando
ações de RRD e construindo cidades resilientes (PREVENTION WEB, 2014b), mesmo que
todas as ações estejam praticamente num mesmo estado. Dois são os instrumento de
monitoramento e avaliação do desenvolvimento do QAH disponibilizados pela ONU aos
Estados para que estes façam um balanço de ações de implementação do marco.
O primeiro instrumento é o “National HFA Monitor”, que é uma ferramenta online de
sistematização de dados, avaliações e revisões nacionais, alimentada pelos próprios governos
nacionais e regionais (UNISDR, 2013d; PREVENTION WEB, 2014a). São 146 países desde
53
A criação do Centro de Excelência para RRD da UNISDR foi uma iniciativa do governo brasileiro após o
mega desastre da Região Serrana do Rio de Janeiro. O Centro trabalha com ações de gerenciamento de risco e
construção de cidades resilientes, integrado com a SEDEC. Ainda, divulga e implementa os programas da
UNISDR e integrando diversos atores, como o poder público, a academia e o setor privado. Disponível em
<http://www.onu.org.br/brasil-tera-centro-de-excelencia-da-onu-sobre-reducao-de-riscos-de-desastres/>.
54
“Monitor Nacional QAH”. Tradução nossa.
55
“Relatório de Avaliação Global”. Tradução nossa.
56
http://www.preventionweb.net/english/hyogo/progress/reports/local.php?pid:222
57
Citados no capítulo anterior, ver página 78.
58
Fernandópolis (SP), Campinas (SP), Mogi Guaçu (SP), Barra Velha (SC), Jundiaí (SP), Americana (SP),
Paulínia (SP), Manaus (AM), Conselheiro Lafaiete (MG), Tubarão (SC), Taubaté (SP), Mogi Mirim (SP), Monte
Mor (SP) e Votuporanga (SP), além do Estado de São Paulo (SP) também ter apresentado seu relatório.
104
2007 acessando tal mecanismo, mas como nem todos os países incluem dados nos mesmos
períodos, o progresso geral é medido parcialmente. Pelo instrumento, pode-se avaliar
qualitativamente os maiores progressos do QAH quanto às cidades resilientes e aos demais
objetivos, apontando para uma mudança de mentalidade com base em políticas, legislações e
planejamento, a partir de governos responsáveis e comprometidos, que fundamentam
resultados quantitativos a serem alcançados (UNISDR, 2013d). O monitoramento objetiva
estimular o planejamento interdisciplinar que considere a RRD no investimento público e no
privado, reduzindo a mortalidade, a exposição física e as perdas, e contribuindo para o
desenvolvimento sustentável. É um instrumento de auxílio para os países avaliarem a
implementação das ações de RRD, bem como de recuperação (UNISDR, 2013d;
PREVENTION WEB, 2014a). Este processo de monitoramento concorda com o discutido
sobre as políticas públicas, no tocante a avaliação e prestação de contas. Neste sentido, o
QAH não só propõe a criação e implementação de políticas, como também já disponibiliza o
instrumento para que elas possam ser medidas e revisadas de acordo com as práticas de cada
país.
Já no âmbito da divulgação e promoção da comunicação, uma das ferramentas de maior
alcance é o GAR, publicado, bienalmente, pela UNISDR. O primeiro relatório, em 2009,
abordou o risco e a pobreza em um ambiente de mudança socioeconômica, discutindo a
intensidade do risco em países vulneráveis; enquanto o segundo, de 2011, abordou o risco na
perspectiva da redefinição do desenvolvimento e de uma nova proposta estratégica de
gerenciamento efetivo do risco de desastre (UNISDR, 2013a). Ambos os relatórios se focaram
em políticas públicas e no papel de governos, tanto nacionais como locais, comunidades e
famílias na redução do risco de desastre (RRD), mas não incluindo os negócios e a iniciativa
privada na discussão.
A terceira edição do GAR (GAR13), em 2013, visa preencher a lacuna da iniciativa privada,
discutindo a transição do risco compartilhado ao valor compartilhado a partir da participação
das empresas na RRD. Para isto, aponta o problema econômico crescente que os desastres
representam, já que, paradoxalmente, investimentos na competitividade e produtividade têm
contribuído para o aumento do risco e, da mesma forma, o setor empresariado tem papel
como parceiro na RRD, dada a responsabilidade do mundo econômico e, particularmente, da
indústria na produção de riscos quando levam comunidades vulneráveis a viverem em
situação de risco socioambiental. Outra justificativa é o alto custo dos desastres: “um trilhão
105
de dólares foram perdidos na última década devido aos desastres e um milhão de pessoas
mortas” (UNISDR, 2013a, p. 38, tradução nossa). A seguradora internacional Munich Re.,
citada no relatório, calculou uma perda de U$1.68 trilhões, de 2001 a 2011, número este que
não demonstra uma figura geral das perdas resultantes dos desastres, já que não abrangem as
perdas não asseguradas e às provenientes de desastres de menor escala e extensivos, com
ocorrência em países com renda baixa ou média.
O GAR13, destaca, também, a necessidade de interação entre os setores públicos e privados,
demonstrando a interdependência entre negócios competitivos, resilientes e sustentáveis com
governos hábeis no gerenciamento de riscos e no desenvolvimento de políticas efetivas. Fica
claro no relatório GAR13 (UNISDR, 2013a) como o risco é compartilhado quando se observa
que, mesmo que a empresa esteja localizada em um lugar seguro, ela pode ser afetada por um
desastre que atinja seus fornecedores, parceiros, empregados ou consumidores que estejam
em um lugar de risco – o que vem a reforçar o já havia sido proposto por Beck (2011), como
também pelo marco de Yokohama, que
The world is increasingly interdependent. All countries shall act in a new spirit
of partnership to build a safer world based on common interests and shared
responsibility to save human lives, since natural disasters do not respect
borders.59 (WCNDR, 1994)
Isto vem a concordar com o quanto as empresas, na Modernidade, são produtoras e
reprodutoras do risco, como discutido no capítulo anterior por Beck (2011) e Douglas e
Wildavsky (2012), sendo, também das empresas, a responsabilidade de mitigar os riscos por
elas produzidos.
Finalmente, o GAR13 encerra apresentando a mudança de risco compartilhado ao valor
compartilhado a partir do gradual aumento na identificação, análise e gerenciamento de riscos
por parte das empresas que, ao analisarem amplamente o custo e a eficácia de diferentes
formas de gerenciamento de desastre, se tornam capazes de tomarem decisões sobre os riscos
que serão reduzidos, compartilhados ou aceitos. Nesta mudança, as empresas podem incitar os
governos a fortalecerem o investimento em RRD e podem ver o gerenciamento do risco como
uma oportunidade e área de desenvolvimento. (UNISDR, 2013a)
59
“O mundo é cada vez mais interdependente. Todos os países devem agir em um novo espírito de parceria para
construir um mundo mais seguro baseado nos interesses comuns e responsabilidade compartilhada para salvar
vidas humanas, já que desastres naturais não respeitam fronteiras”. Tradução nossa.
106
Este investimento, portanto, deve ser não só público como também privado para, desta forma,
ser rompido o ciclo de produção e reprodução do risco e de intensificação da vulnerabilidade
socioeconômica, que resulta na marginalização de comunidades historicamente vulneráveis –
principalmente pelo sistema vigente, que favorece o crescimento do setor privado em
detrimento dessas comunidades.
2.2.4
QUADRO DE AÇÃO DE HYOGO 2 (QAH2)
Durante a GPDRR de 2013 (ver nota de rodapé 50), foram promovidos espaços de discussão e
apresentação para que os participantes contribuíssem na construção do QAH2. Isto resultou
em um combinado de intervenções, apresentações e consultas entre os participantes, que
representavam o poder público, as organizações não governamentais, a sociedade civil e a
academia. As propostas foram categorizadas, segundo itens que se seguem, de acordo com os
fatores relacionados à RRD e à gestão de risco, a saber: o envolvimento da comunidade na
RRD; a inclusão das populações vulneráveis (como jovens, crianças, idosos e mulheres) nas
ações de gestão de risco; o papel de liderança das mulheres; questões de saúde; a integração
entre adaptação às mudanças climáticas e RRD; o desenvolvimento e a RRD; as contribuições
da ciência; o papel da educação e do conhecimento; a importância do financiamento, da
avaliação do risco da preparação e dos alertas no desenvolvimento de capacidades; o
envolvimento da iniciativa privada na RRD; a liderança política; e, finalmente, fatores de
governança, prestação de contas, transparência e inclusão. (UNISDR, 2013e)
A construção e orientação do QAH2 tem em vista, portanto, os itens debatidos pelos
participantes (descritos acima). O Diálogo de Alto Nível, ocorrido durante o encontro da
GPDRR de 2013, propôs que os tomadores de decisão e os diversos atores sociais se apoiem
nas seguintes diretrizes: (1) advogar para que, apoiado por um segundo quadro de ação de
RRD, a
RRD e o desenvolvimento da resiliência sejam centrais no desenvolvimento
sustentável no futuro que queremos para uma agenda de desenvolvimento do quadro pós-2015
e para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas; (2) desafiar países para
desenvolverem padrões acordados nacionalmente, relacionados à avaliação das ameaças de
riscos, principalmente quanto a infraestruturas críticas de escolas, de hospitais, de sistemas
elétricos, de distribuição de água, rodoviários e de transporte; (3) iniciar campanhas para
escolas e estruturas de saúde seguras que se encontram em áreas sujeitas a catástrofes, com
compromissos a serem anunciados na Conferência Mundial para RRD em 2015; (4) desafiar o
setor privado quanto a integração das considerações sobre risco de desastre nas suas práticas
107
de gestão de risco; e (5) estimular a colaboração, na gestão de risco, entre os setores públicos
e privados, local e nacionalmente. (GPDRR, 2013b; UNISDR, 2013e)
Com isto, percebe-se que os objetivos e diretrizes de RRD do primeiro QAH se mantém,
como a integração dos atores públicos e privados e as medidas de adaptação às mudanças
climáticas e de avaliação de risco. O que era para ser construído entre 2005 e 2015 se estende
para após o término da referida década, para que os governos deem prosseguimento nas ações
fortalecimento das ações de gestão de risco comunitárias e, consequentemente, da gestão
municipal, estadual, regional e nacional no tocante a RRD, como a mitigação de
vulnerabilidade, que vem a resultar na construção de comunidades resilientes e, portanto, de
países resilientes.
No mesmo ano da GPDRR, 2013, adotou-se uma nova resolução rumo a próxima World
Conference on Disaster Risk Reduction60, em Sendai (Japão) em 2015. A ONU se prepara,
com antecedência típica dos debates internacionais, para a elaboração do QAH2, propondo
que o marco a ser construído englobe os seguintes objetivos:
(a) To complete the assessment and review of the implementation of the
Hyogo Framework for Action; (b) To consider the experience gained through
the regional and national strategies/institutions and plans for disaster risk
reduction and their recommendations as well as relevant regional agreements
under the implementation of the Hyogo Framework for Action; (c) To adopt a
post-2015 framework for disaster risk reduction; (d) To identify modalities of
cooperation based on commitments to implement a post-2015 framework for
disaster risk reduction; (e) To determine modalities for periodic review of the
implementation of a post-2015 framework for disaster risk reduction.61 (UN,
2013, p. 3-4)
É esperado, portanto, que estes objetivos direcionem os envolvidos na construção do QAH2,
para que ele seja desenvolvido a partir de um processo que envolva a avaliação da discussão
60
“Conferencia Mundial sobre RRD”. Tradução nossa.
“(a) Completar a avaliação e a revisão da implementação do QAH; (b) Considerar a experiência adquirida
pelas estratégias/instituições regionais e nacionais e pelos planos para redução de risco de desastre e suas
recomendações assim como acordos regionais relevantes sobre a implementação do QAH; (c) Adotar um quadro
pós-2015 para a RRD; (d) Identificar modalidades de cooperação baseadas em comprometimentos para
implementar um quadro pós-2015 para RRD; (e) Determinar modalidades para uma revisão periódica da
implementação de um quadro pós-2015 para RRD.” Tradução nossa.
61
108
teórica e da implementação prática do QAH. Juntamente com estes objetivos, fica claro que as
demais propostas sobre o QAH2 reforçam algumas proposições que já vêm sendo feitas desde
a Yokohama Strategy e o QAH. Como exemplos podem ser citados a inclusão de grupos
vulneráveis (gênero e portadores de habilidades especiais); o fortalecimento das capacidades
de RRD nos países em desenvolvimento; a integração dos esforços internacionais, regionais,
nacionais; e o acesso à informação, à tecnologia, aos dados e à capacitação técnica (UN,
2013). Interessante notar que os países foram desafiados a promover ações de redução de
risco e mitigação da vulnerabilidade, desde 1994, e que deveriam se estender pela IDNDR
(1990-2000) de modo a alterar a situação frente aos desastres, sendo esse um apelo de
urgência (UN, 1989).
Essa mesma urgência, depois, viria a se repetir em 2005, com o QAH e que já é vista nas
discussões para o QAH2. Ou seja, mesmo com os apelos repetitivos para a mitigação da
vulnerabilidade e redução do risco, ainda existem contextos nos quais são necessárias ações
de RRD em caráter de urgência. Contudo, existem bons exemplos de governos locais, ONGs
e iniciativa privada que obtiveram êxito na gestão de risco, como as cidades do programa
“Construindo Cidades Resilientes”, já mencionado no capítulo anterior, no qual, a título de
exemplo, já participam 163 cidades no Brasil; cinco em Portugal (Cascais, Amadora e
Funchal). No entanto, em Cabo Verde, ainda nenhuma cidade aderiu ao programa (UNISDR,
2014) e justamente este país é considerado como sendo referencia em políticas públicas de
RRD nos países da CPLP. Estes países e suas práticas de gestão de risco serão discutidos mais
detalhadamente nos próximos subcapítulos.
Para concluir, vale ressaltar que a transição do QAH para o QAH2, coincide com final dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio62 (previstos para o período entre o ano 2000 a
2015), e encoraja-se, ultimamente, que um relacionamento entre ambas estratégias com o fim
de fortalece-las e complementá-las após 2015 (UN, 2013), uma vez que, como discutido em
todo este subcapítulo, não é possível trabalhar a gestão de risco sem mitigar vulnerabilidades
sociais, econômicas e ambientais, como, por exemplo, promovendo acesso à educação e à
saúde – o que vem a reafirmar a relação estreita entre o QAH e os Objetivos do Milênio.
62
Os objetivos são: (1) acabar com a fome e com a miséria; (2) educação básica de qualidade para todos; (3)
igualdade entre sexos e a valorização da mulher; (4) reduzir a mortalidade infantil; (5) melhorar a saúde da
gestante; (6) combater a AIDS, a malária e outras doenças; (7) qualidade de vida e respeito ao meio ambiente;
(8) todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento. Disponível em <http://www.objetivosdomilenio.org.br>.
109
2.3 A COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA (CPLP)
A CPLP é uma comunidade formada por oito países lusófonos: Brasil, Portugal, Cabo Verde,
São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste. O Timor Leste foi
o último país a ingressar na Comunidade, uma vez que o país se tornou independente somente
em 2002. Em 2004, nos oito países citados, a língua portuguesa era utilizada por 230 milhões
de pessoas63, sendo que o uso do mesmo idioma já vinha sendo percebido como fator político
e estratégico há mais tempo, juntamente com o compartilhamento cultural entre os países
(SANTOS, 2004).
Além destes fatores cultural e linguístico, podem ser citados aspectos que contribuíram para a
formação da CPLP que resultaram de uma alteração no plano das Relações Internacionais,
marcada, principalmente, pela queda do Muro de Berlim em 1989, que assinalou o final da
Guerra Fria e o começo de um novo período na história (ALVES, 1995). O embate entre dois
sistemas autocrático durante a Guerra Fria deu lugar a uma política dinâmica que veio a
estimular o surgimento de novas configurações internacionais marcadas pela transição,
abertura, tolerância e democracia (ibid.). As grandes mudanças sociopolíticas globais vieram,
assim, a favorecer o surgimento de uma Comunidade pautada no diálogo entre países de
diferentes continentes, mas interligados por sua história, idioma e cultura, de modo a reforçar
os novos desenhos institucionais e políticos sendo formados na época, ultrapassando os
limites de fronteiras tradicionais.
Neste contexto globalizante, o reconhecimento da CPLP como organização internacional,
jurídica e autônoma conferiu à Comunidade direitos e liberdade de ação bem como atribuiulhe deveres e responsabilidades (SANTOS, 2004). Assim, a instituição se consolidou
internacionalmente, possuindo uma identidade cultural e política própria e que foi sendo
construída com base em seus costumes, práticas e relacionamentos transnacionais informais,
sedimentado no decorrer do tempo (ibid.). Tudo favoreceu para consubstanciar, portanto, a
CPLP diante da comunidade internacional como resultado do comportamento e decisões
coletivos dos seus Estados membros (ibid.).
63
Em 2010, data mais recente de estatística encontrada, a população dos países da CPLP era de 244 478 753
habitantes.
Disponível
em
<http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=157850070&
PUBLICACOESmodo=2>.
110
Pode-se perceber, ainda, a globalização como aspecto desafiador, por transcender o aspecto
intergovernamental dos relacionamentos, gerando expressões diversificadas e apresentando-se
com intensidade variada, interativa e sinergética pelos diferentes níveis (local, nacional,
regional e global). Estas divergências podem resultar em uma certa ausência de coerência
política, diplomática, econômica e cultural bem como na dificuldade de se delinear um
projeto comum de intervenção participativa e construtiva diante das exigências do novo
ambiente internacional (SANTOS, 2004). Se por um lado, portanto, a globalização é um
desafio a ser enfrentado para que os interesses e objetivos de cada país sejam discutidos e
convirjam em propostas comuns a serem apresentadas nas novas configurações
internacionais. Por outro, contudo, a própria globalização é um fator que impulsiona tais
novos desenhos, como no caso da CPLP, uma vez que
Assistimos, de facto, a um processo inovador de redefinição de lógicas e
critérios de coerência espacial, baseado em elementos e factores valorativos
imateriais, intangíveis, virtuais e tecnologicamente potenciados. Esses valores
afirmam-se pelo sentido de pertença e pelo afecto partilhado mas, ao mesmo
tempo, definem-se em termos de identificação de interesses materiais, e do
desenvolvimento de acções no sentido da sua consequente concretização, nos
planos político-diplomático, sócio-económico e estratégico, baseados nos
factores cultural e linguístico. Em última análise, esse fenómeno de afirmação
identitária inscreve-se no desenvolvimento homeostático, adaptativo, dos
actores e da estrutura, no contexto processual de mudança sistémica,
transformacional e acelerada, a que convencionámos chamar globalização.
Com efeito, perante as tendências e os efeitos homogeneizantes dos
respectivos processos uniformizadores, as dimensões culturais e linguísticas
das dinâmicas societais são particularmente afectadas. Ao mesmo tempo, essas
dimensões tornam-se decisivas na defesa da individualidade identitária,
independentemente do estatuto político-jurídico das áreas territoriais nas quais
se inserem, e dos contextos nacionais, étnicos ou religiosos em que essas
identidades específicas adquirem expressão social, e a partir dos quais
desenvolvem interacções com outros grupos, sociedades, povos ou nações.
(SANTOS, 2004, p. 134)
111
Assim, este subitem tem por objetivo apresentar a CPLP, discorrendo sobre seu histórico,
objetivos, órgãos, acordos e cooperação e debater sobre o papel da Comunidade nas
iniciativas nacionais de RRD em cada Estado membro, principalmente nos estudados neste
trabalho.
2.3.1
HISTÓRICO
A criação da CPLP teve início na cidade de São Luís/MA, em Novembro de 1989, durante o
primeiro encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa, a
saber: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e
Príncipe, convidados pelo então Presidente brasileiro, José Sarney (CPLP, 2014). Foi
decidido, nesta reunião, a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) para
promover e difundir o idioma (ALVES, 1995; MONTEIRO, 1996; CPLP, 2014). Além disto,
a criação de uma Comunidade que reunisse os países lusófonos, os quais compartilhavam da
mesma herança histórica, idioma e visão de desenvolvimento e de democracia, era uma ideia
que já vinha sendo levantada anteriormente. (CPLP, 2014)
Este primeiro encontro, também, aprovou o ato constitutivo do IILP, cujos objetivos eram
definidos como a) a promoção da defesa da língua portuguesa enquanto patrimônio comum
dos países e povos lusófonos; b) o fomento, o enriquecimento e a divulgação do idioma como
meio de cultura, educação, informação e conhecimento científico e tecnológico; c) o
desenvolvimento das relações culturais entre os países e povos lusófonos; d) a promoção da
cooperação, da pesquisa e do intercâmbio de especialistas sobre linguística e da cultura; e e) a
preservação e a difusão do Acordo Ortográfico que fora assinado pelos sete Estados membros
da época. (ALVES, 1995)
Sobre este início, é válido observar que foi o Brasil o país a tomar a dianteira da criação da
CPLP. Isto é, foi uma antiga colônia, ao invés do antigo país colonizador, quem protagonizou
a iniciativa, amenizando as possíveis polêmicas relacionadas ao recente processo de
descolonização da África, de modo que Portugal apenas compartilha, igualitariamente, a
responsabilidade do desenvolvimento da Comunidade junto com os demais Estados membros
(MONTEIRO, 1996). Esta posição do Brasil data 1993 quando o embaixador José Aparecido
de Oliveira encaminhou ao então presidente do país Itamar Franco a proposta de criação da
CPLP, ressaltando a sua dimensão histórica (ALVES, 1995). Este fato ocorreu no mesmo ano
em que a União Europeia entrou em vigor, tendo ai Portugal um assento (ibid.). Tendo em
112
vista estes fatos históricos da criação da CPLP, é notável que houve uma mudança no que
seria esperado, já que não foi a antiga potência colonizadora que reagrupou suas antigas
colônias em uma comunidade para que ela pudesse exercer, por um novo paradigma
socioeconômico, sua soberania sobre os demais países; antes, foi um país agora independente
que, mesmo trazendo o histórico de antiga dependência, se mostrou autônomo a ponto de
incitar uma comunidade na qual todos os países, independente de qual posição tinham no
passado colonizador, mantivessem uma relação, agora, entre iguais.
A proposta foi aprovada e submetida pelo Presidente Itamar Franco aos Chefes de Estado da
Angola, de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Moçambique, de Portugal e de São Tomé e
Príncipe, tendo sido entregue pelo Embaixador José Aparecido de Oliveira, pessoalmente, a
cada destinatário (ALVES, 1995). A mesma foi aprovada, unanimemente, pelos Chefes de
Estado, pelas altas autoridades governamentais e pelas altas personalidades dos países
membros (ibid.). A partir dai, deu-se início a realização de mesas redondas para a discussão e
a reflexão sobre o que viria a ser a CPLP: até 1996, elas foram realizadas em outubro de 1993
no Rio de Janeiro, dezembro de 1993 em Lisboa, janeiro de 1994 em Luanda, junho de 1994
em Praia, junto com outras reuniões que abordavam as cooperações, a criação dos órgãos da
CPLP, os processos de paz em Angola e Moçambique e a situação do Timor Leste (ALVES,
1995; MONTEIRO, 1996), após as quais64, assinou-se a Declaração Constitutiva da CPLP em
Lisboa, no dia 17 de Julho de 1996, reconhecendo de forma explícita
a importância matricial da língua portuguesa, referindo o “relacionamento
especial” e “a experiência acumulada em anos de profícua concertação e
cooperação”, como princípios subjacentes a uma plataforma consensual e
legitimadora da vontade política dos estados signatários, que serve de base à
Declaração Constitutiva e programática da Comunidade. Neste sentido, os
estados membros propõem-se conjugar iniciativas para a “promoção do
desenvolvimento económico e social dos seus Povos e para a afirmação e
divulgação cada vez maior da língua portuguesa”. (SANTOS, 2004, p. 126)
64
Monteiro (1996) descreve a participação dos países nas reuniões, os motivos internos de alguns países que
levaram algumas específicas a serem adiadas e alguns outros detalhes sobre os encontros entre 1993 e 1996, o
que não é relatado aqui neste trabalho por não ser considerado necessário, neste momento, para o entendimento
geral da criação da CPLP. Os documentos finais das reuniões (Cimeiras, Conselhos, mesas redondas, etc.)
podem ser encontrados em CPLP, 2014.
113
Assim, a CPLP vem afirmar-se, desde sua criação, como uma comunidade plural e diversa,
vinculada pelos fatores comuns linguístico e cultural, sendo o ponto focal para a potenciação
das culturas dos países de língua portuguesa (SANTOS, 2004). A Comunidade é constituída e
formalizada como a institucionalização do mundo lusófono, relacionando os respectivos
Estados Membros no plano político-diplomático (ibid.). Monteiro (1996) deixa claro que a
própria escolha pelo termo “Comunidade de Países” aponta para o desejo de que ela
significasse e validasse o carácter intergovernamental da instituição, o que é percebido, apesar
das iniciativas brasileiras, na participação de todos os sete países na criação e consolidação da
CPLP.
2.3.2
OBJETIVOS E ÓRGÃOS DA CPLP
A CPLP é constituída com os seguintes objetivos gerais: a) promover aliança políticodiplomática entre os Estados que a compõem, reforçando sua presença internacionalmente; b)
incentivar a cooperação em todos os variados domínios de atuação, como: educação, saúde,
ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, comunicações, justiça,
segurança pública, cultura, esporte e comunicação social; e c) trabalhar para a materialização
de projetos que promovam e disseminem da língua portuguesa (CPLP, 2014). Quanto a este
último objetivo, que ressalta a defesa da lusofonia, Santos (2004) discute que ele transcende o
território da CPLP, uma vez que se reconhece a língua portuguesa como difusa e valorizada
no cenário internacional. Este objetivo é constituído como um interesse permanente dos
países lusófonos na medida em que ele coopera para a projeção estratégica e para a ampliação
de uma influência geográfica e cultural globalizante (SANTOS, 2004).
Em adição aos objetivos, a CPLP é regida por princípios que vêm a concordar com a
participação igualitária entre os Estados membros na Comunidade, sem que haja uma
inferência do passado histórico comum, mas promovendo a integridade, a cooperação e o
desenvolvimento. São eles:

Igualdade soberana dos Estados membros;

Não-ingerência nos assuntos internos de cada estado;

Respeito pela sua identidade nacional;

Reciprocidade de tratamento;

Primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos
humanos e da justiça social;
114

Respeito pela sua integridade territorial;

Promoção do desenvolvimento;

Promoção da cooperação mutuamente vantajosa.
(CPLP, 2014)
Quanto aos princípios, Monteiro (1996) descreve que a criação da Comunidade corresponde à
unanimidade e à liberdade dos sete países fundadores, consolidando uma realidade existente e
cooperativa entre eles, materializando o propósito comum de projeção internacional dos laços
de fraternidade c de solidariedade que unem os Estados membros, dado o valor do vínculo e
do convívio histórico. Neste sentido, a CPLP assume um projeto político fundamentado na
língua portuguesa, agregando sete países de três continentes diferentes, com desenvolvimento
político, econômico e social variados, mas, apesar destas diferenças, a Comunidade se assenta
na promoção de valores como a democracia, os direitos humanos, o desenvolvimento, a
justiça social e a paz; tendo como objetivos a concertação político-diplomática, a cooperação
sociocultural e econômica, visando o desenvolvimento dos seus cidadãos e divulgando a
língua portuguesa e a presença dos países lusófonos no cenário internacional (MONTEIRO,
1996). Finalmente, para o alcance dos objetivos, segundo o autor, a CPLP deve coordenar,
sistematicamente, as atividades públicas, privadas e civis que incrementam a cooperação dos
países lusófonos.
Além das ações, a CPLP deve concretizar iniciativas que mobilizem esforços e recursos
internos e externos e até mesmo a adesão dos países membros a outras entidades
internacionais que correspondam a integração regional (MONTEIRO, 1996). Ou seja, visavase criar uma interface entre os variados processos, já em curso, de integração da economia
regional, como a Mercosul, a União Europeia, a Comunidade para o Desenvolvimento da
África Austral e a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental,
além da
interface com outras organizações financeiras internacionais, como o Banco Mundial, para o
levantamento de recursos, mesmo que haja uma tendência em algumas instituições como o
Banco Mundial para das mais prioridade à projetos sociais do que aos econômicos. (ALVES,
1995). Outra relação com organizações se dá no âmbito da defesa linguística, de modo que a
CPLP busque outras organizações que também são fundadas na representação e na defesa de
outros idiomas, bem como outras possíveis instituições que se relacionem mais diretamente
com a defesa da língua portuguesa. (SANTOS, 2004)
115
Para que seus objetivos e princípios sejam alcançados, foram criados órgãos e uma estrutura,
com objetivos e competências específicos, onde se incluem a Conferência de Chefes de
Estado e do Governo, o Conselho de Ministros, o Comitê de Concertação Permanente e o
Secretariado Executivo foram órgãos estabelecidos na criação da CPLP, e, ainda, as Reuniões
Ministeriais Setoriais e a Reunião dos Pontos Focais de Cooperação
65
, o Instituto
Internacional de Língua Portuguesa66 e a Assembleia Parlamentar67 (CPLP, 2014).
Entre os diferentes objetivos e competências dos órgãos, destaca-se que eles seguem os
objetivos gerais e os princípios da CPLP, mantendo a Comunidade como uma instituição
plural e cooperativa que resguarda a soberania de cada um dos Estados membros. Foram
discutidas, desde as primeiras iniciativas para a construção da CPLP, propostas que fossem
realistas e alcançáveis, rejeitando sugestões como a criação de um Parlamento dos Sete
Estados membros, favorecendo o desenvolvimento da cooperação parlamentar entre as
Assembleias já existentes nos países lusófonos; privilegiando uma cooperação universitária
pela Associação das Universidades de Língua Portuguesa, negligenciando a criação de uma
nova universidade que estivesse ao serviço dos países; incentivando o uso do Instituto
Camões como modelo para o IILP; concordando, finalmente, na necessidade da disposição
de um Secretariado Executivo, inicialmente sediado em Lisboa, com composição e
competências coerentes com os objetivos da Comunidade. (MONTEIRO, 1996)
2.3.3
ACORDOS E COOPERAÇÃO
Defender a lusofonia e promover a cooperação bilateral e multilateral, ampliando o plano da
concertação político-diplomática internacional, são intenções declaradas desde o início da
Comunidade, as quais foramdesenvolvidas posteriormente como objetivos do programa e da
estrutura da organização (SANTOS, 2004). Desta forma, para desdobrar os objetivos em
ações bilaterais e multilaterais, existem acordos entre os Estados membros da CPLP (Quadro
8), além de acordos tratados entre estes e entidades da sociedade civil (Quadro 9) e outras
organizações internacionais (Quadro 10) (CPLP, 2014). É válido destacar a ausência, anterior
a regulamentação da CPLP, de interesses comuns entre os países de língua portuguesa e de
esforços para oficializar o idioma no âmbito da ONU, uma vez que cada país agia com
empenho e custos independentes, ou ligados a organizações mais próximas geograficamente,
65
Estabelecidos na ocorrência da IV Cimeira de Chefes de Estado em Brasília, 2012.
Estabelecidos na ocorrência do X Conselho de Ministros em Luanda, 2005.
67
Estabelecido desde 2007.
66
116
fato que é ressaltado nos discursos oficiais e na produção acadêmica: o dos países lusófonos
pertencerem simultaneamente a outras organizações, o que ampliaria a propagação e
discussão dos interesses da Comunidade, o que não correspondia necessariamente à realidade
(MIYAMOTO, 2009). Porém fica claro que a cooperação e a criação de acordos são
possíveis, principalmente, por dois vieses: os aspectos culturais e os interesses econômicos,
mesmo que a identificação cultural, linguística e histórica não corresponda a vantagens
econômicas (MIYAMOTO, 2009).
Acordos Intra CPLP
1) Acordos: de Cooperação Consular entre os Estados-membros da CPLP; de Cooperação entre
Estados Membros da CPLP sobre o Combate ao HIV/SIDA; de Cooperação entre os Estados
Membros sobre o Combate à Malária/Paludismo; de Cooperação entre os Estados-membros da
CPLP nos domínios cinematográfico e audiovisual; de Cooperação contra o tráfico ilícito de
entorpecentes e substâncias psicotrópicas; de Cooperação entre Instituições de Ensino Superior dos
Países-Membros da CPLP; de Cooperação no domínio da Juventude e do Desporto; Geral de
Cooperação no âmbito da CPLP; sobre a Concessão de Visto para Estudantes Nacionais de
Estados-membros da CPLP; sobre a Concessão de Vistos de Múltiplas Entradas para Determinadas
Categorias de Pessoas; sobre a concessão de Visto Temporário para tratamento médico a cidadãos
da CPLP; sobre balcões específicos nos Postos de Entrada e Saída para o atendimento de cidadãos
da CPLP; sobre o estabelecimento de requisitos comuns máximos para processos de visto de curta
duração; sobre o estabelecimento da Sede da CPLP em Portugal; sobre isenção de taxas de emissão
e renovação de residência para os cidadãos da CPLP; sobre supressão de vistos e passaportes
diplomáticos, especiais e serviço entre os países da CPLP;
2) Convenções: de cooperação técnica entre Administrações Aduaneiras dos países de língua
oficial Portuguesa; sobre assistência administrativa nos Estados lusófonos contra o tráfico ilícito de
psicotrópicos; sobre assistência administrativa nos Estados lusófonos contra infracções aduaneiras;
sobre auxílio judiciário penal entre os Estados Membros da CPLP; sobre extradição entre os
Estados Membros da CPLP; sobre o Centro Regional de Excelência em Administração Pública;
sobre o Centro Regional de Excelência em Desenvolvimento Empresarial; sobre transferência de
pessoas condenadas entre os Estados Membros da CPLP;
3) Declaração Constitutiva da CPLP;
4) Estatutos: da CPLP; do Centro de Análise Estratégica; do Fórum dos Parlamentos dos Países de
Língua Oficial Portuguesa;
5) Instrumento que cria uma Rede de Cooperação Jurídica e Judiciária Internacional dos Países de
Língua Portuguesa;
6) Protocolos: de Cooperação da CPLP no Domínio da Defesa; de Cooperação entre a CPLP e o
Fórum Empresarial de Língua Portuguesa; de Cooperação entre os Países de Língua Portuguesa no
domínio da Segurança Pública; Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa;
Segundo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa;
7) Revisão dos Estatutos do Instituto Internacional de Língua Portuguesa;
8) Resoluções: de Revisão dos Estatutos da CPLP; sobre o Estabelecimento da Assembleia
Parlamentar da CPLP (Revisão dos Estatutos da CPLP); sobre o Fórum dos Parlamentos de Língua
Portuguesa.
QUADRO 8: Ações Intra CPLP. Fonte: CPLP, 2014.
117
Acordos entre a CPLP e Entidades da Sociedade Civil
1) Acordos: de Cooperação com o Fórum da Lusofonia; de Cooperação com a Fundação BIAL; de
Cooperação com o Instituto Camões; de Cooperação com o Instituto de Investigação Científica e
Tropical;
2) Carta de Intenções de Instituto Camões e do Instituto Superior Politécnico de S. Tomé e
Príncipe, sob o Alto Patrocínio da CPLP;
3) Protocolos: com a Câmara Municipal de Lisboa e a Biblioteca Museu República e Resistência;
com a Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento; com a Ordem dos Médicos Dentistas de
Portugal e o Conselho Federal de Odontologia do Brasil; de Cooperação com a Escola Superior de
Educação da Guarda; de Colaboração com a Marketing, Publicidade e Comunicação na Internet,
Ltda.; de Cooperação com a Rádio Renascença; de Cooperação com a Secretaria da Cultura do
Estado de São Paulo e Fundação Roberto Marinho; de Cooperação com a Universidade Lusófona
de Humanidades e Tecnologias; de Cooperação Cultural entre a MUNICIPÁLIA e o Secretariado
Executivo da CPLP; Geral de Cooperação Académica, Cientifica e Cultural entre a Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia e o Secretariado Executivo da CPLP; de Cooperação entre a CPLP
e o instituto Politécnico da Guarda.
QUADRO 9: Acordos entre a CPLP e Entidades da Sociedade Civil. Fonte: CPLP, 2014.
Acordos entre CPLP e Organizações Internacionais
1) Acordos: com a FAO e sobre o Programa de Cooperação Técnica com a FAO; com a UNESCO;
com a União Latina; de Cooperação base com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual;
de Cooperação com a Organização Internacional das Migrações; de Cooperação com a União
Económica e Monetária da África Ocidental; com o Alto Comissariado da Nações Unidas para os
Direitos do Homem; de Cooperação entre a CPLP e a UNCCD; de Cooperação entre a CPLP e o
FIDA sobre Desenvolvimento Rural; de Cooperação entre o Secretariado da Convenção da ONU
de Combate à Desertificação em Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação e o
Secretariado Executivo da CPLP; de Cooperação entre o Secretariado Executivo da CPLP e a
Unidade Portuguesa da Rádio ONU; entre o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
do Homem e a CPLP.
2) Complemento adicional ao Programa de Cooperação CPLP/UNCTAD, com a participação do
SEBRAE/RS;
3) Convénios: com a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e
Cultura; operacional CPLP/UNCTAD/Empretec;
4) Memorandos de Entendimento: entre a Comissão Europeia e a CPLP; com a Organização
Internacional do Trabalho; entre a UNITAR e a CPLP;
5) Programa de Cooperação com a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e
Desenvolvimento;
6) Protocolos de Cooperação: com a Associação das Universidades da Língua Portuguesa; com a
Open City International Foundation; com a Organização Internacional do Trabalho; com a FAO;
com a União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa;
7) Resoluções: de atribuição do Estatuto de Observador à CPLP na Assembleia-Geral das Nações
Unidas; de Cooperação entre a CPLP e a ONU;
8) Termos do Centro Colaborador do Programa da Nações Unidas contra o HIV/SIDA – UNAIDS;
8) União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo- Asiáticas.
QUADRO 10: Acordos entre a CPLP e Organizações Internacionais. Fonte: CPLP, 2014.
Em relação ao viés econômico, deve-se observar que nem sempre o relacionamento entre
países visa apenas lucros, sejam eles imediatos ou não, mas, também, há relações das quais se
espera pouco ou nada economicamente, que são mantidas por conta do histórico, dos vínculos
culturais ou laços afetivos entre os países envolvidos (ibid.). Assim, mesmo que a
118
possibilidade de investimento e retorno econômicos não seja a mesma entre os países
membros da CPLP, os acordos foram dignos de ser criados e mantidos por conta do forte laço
cultural e histórico que os unia. Isto porque os países da CPLP, assim como as demais
comunidades lusófonas do mundo68, constituem uma arena de expressão cultural estratégica
que ultrapassa as fronteiras territoriais, reunindo condições para defender e desenvolver a
língua portuguesa como patrimônio cultural (SANTOS, 2004).
Santos (2004), também, traz à discussão que cada Estado membro tem sua soberania nacional
igualmente reconhecida, o que aponta para o caráter intergovernamental, institucional e
formalizado da Comunidade, facilitando o estabelecimento dos Acordos Intra CPLP
mencionados. Contudo, o autor enfatiza que as diferentes características geoeconômicas,
geopolíticas e socioculturais dos países lusófonos, os diferentes processos de aproximação de
cada um deles à política e à institucionalização da CPLP e a instabilidade de cada um dos
contextos nacionais, resultam em diversas priorizações quanto às agendas de política externa
e aos programas e interesses de cada governo. Esta diversidade, por sua vez, produz processos
de participação que variam na intensidade e na consistência, de modo que as relações setoriais
objetivas, isto é, as que transcendem os aspectos linguísticos-culturais, não tenham uma forma
única de serem consolidadas (SANTOS, 2004). Com isto percebe-se uma dificuldade no
tratado dos acordos, já que este processo fica a mercê do contexto social, político e
econômico de cada país membro, o que pode ser alterado ao longo do tempo, alterando
também, consequentemente, a posição do país no acordo em questão e em relação a própria
CPLP. Ou seja, as agendas políticas dos países membros da Comunidade ainda não são
compatíveis e a ausência de um conteúdo econômico aponta para a fragilidade institucional da
instituição, além das diferenças nas agendas políticas, principalmente externas, as quais
influenciam na importância e na prioridade estratégica que cada Estado membro decide
conferir, variando de acordo com a circunstância, com o espaço de expressão e com a defesa
prioritária dos interesses nacionais. (SANTOS, 2004)
Um exemplo desta variedade, segundo Santos (2004), é a posição em relação aos
componentes não militares de defesa. Enquanto a expressão sobre os componentes militares é
generalizada entre os países, quando a discussão é sobre os aspectos civis é notável a
68
Como os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e a União das Cidades Capitais Luso-AfroAmérico-Asiáticas.
119
ausência de uma perspectiva integradora das convergências, no sentido da
coerência das políticas e das ações, as componentes não militares da Defesa
Nacional, apesar de reconhecidas na singularidade de cada política setorial,
apresentam-se desarticuladas, quer pela diversidade dos objetivos, quer pelo
primado dos interesses próprios de cada uma dessas políticas setoriais, nas
quais, esses objetivos se inserem. (SANTOS, 2004, p. 131)
Contudo, são claros os meios de cooperação entre os países da CPLP. A VI Conferência de
Chefes de Estado e de Governo69, instituiu dois documentos de referência para este processo,
a Estratégia Geral de Cooperação da CPLP
e a Declaração dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milénio, e três anos depois, o XIV Conselho de Ministros70 adotou o
documento de Cooperação na CPLP: uma visão estratégica pós-Bissau – e estes três
documentos regulam e orientam as atividades da chamada Direção de Cooperação, cujas
principais áreas de atuação são: agricultura e segurança alimentar, ciência e tecnologia,
esporte, educação e recursos humanos, juventude, meio ambiente e energias renováveis,
migrações, plano estratégico para o
Timor Leste, saúde, telecomunicações e governo
electrónico, trabalho e solidariedade social, áreas nas quais foram protocoladas cooperações
tanto com organizações internacionais como com entidades da sociedade civil (CPLP, 2014).
Assim, percebe-se o esforço para que as ações da CPLP sejam integradas entre os Estados
membros e entre eles e as demais organizações internacionais, governamentais, civis e
privadas, garantindo que a instituição tenha uma participação abrangente na arena
internacional para atingir seus objetivos e cumprir seus princípios.
2.3.4
A RELAÇÃO DA CPLP COM A RRD
Em outubro de 2007, no 2o Encontro de Representantes dos Bombeiros dos Países de Língua
Portuguesa71, foi criada uma organização com o objetivo de promover a cooperação cientifica
e pedagógica entre os bombeiros dos oito países da CPLP, a União dos Bombeiros dos Países
de Língua Portuguesa (UBPLP) (CPLP, 2014). Ainda, a UBPLP tem por finalidade
1. Promover a cooperação científica, pedagógica, técnica, operacional,
cultural, jurídica e social entre os bombeiros dos países membros. 2.
69
Realizada em Bissau, em 2006.
Realizado na Cidade da Praia, em 2009.
71
Não foram encontrados registros do 1o Encontro de Representantes dos Bombeiros dos Países de Língua
Portuguesa.
70
120
Facilitar e desenvolver a cooperação mútua, nos domínios da prevenção e
da luta contra incêndios, do salvamento de vidas humanas e dos socorros a
prestar em caso de sinistro catástrofes e acções de preservação do meio
ambiente. (UBPLP, 2007, p. 1)
Portanto, a cooperação foi estabelecida dois anos após o QAH e, mesmo não havendo
referências que comprovem a influência do marco na oficialização da UBPLP, é possível que
haja uma relação entre ambos, não só por conta da proximidade entre os anos em que cada um
foi estabelecido, mas, principalmente, por causa dos objetivos da UBPLP, como a parceria e
cooperação regionais, o desenvolvimento técnico dos bombeiros e a promoção das ações de
prevenção e não apenas de resposta, em concordância com o QAH.
Já em maio de 2014, o 5o Encontro de Representantes dos Bombeiros dos Países de Língua
Portuguesa visou a construção de uma proposta, a ser enviada à CPLP, sobre a participação da
UPLP como referência de proteção (de pessoas e bens) nos países membros da Comunidade;
além de dar prosseguimento ao desenvolvimento do que já vinha sendo desenvolvido pela
União nos últimos anos (ROCHA, 2014). Com isto, percebe-se a representatividade da
UBPLP para a CPLP bem como a relevância que a temática de RRD vem ganhando na
Comunidade e nos Estados que a compõe – o que será melhor discutido na análise do próximo
capítulo, a partir das entrevistas realizadas com gestores nacionais de Proteção e Defesa Civil.
2.3.5
AS POLÍTICAS NACIONAIS DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL
Neste subitem serão apresentadas as políticas públicas nacionais referentes ao enfrentamento
do desastre e à redução de risco dos três países pesquisados, Brasil, Portugal e Cabo Verde. O
objetivo desta parte é apenas a descrição do que cada lei propõe e da estrutura de cada órgão
nacional de Proteção Civil, sendo que a relação proposta com o QAH e com as categorias
desastre, vulnerabilidade, risco e resiliência será desenvolvida no próximo capítulo.
2.3.5.1 BRASIL: A POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL
O decreto de lei mais antigo, sobre a defesa civil brasileira, que se tem registro data do ano
1969, instituindo, no Ministério do Interior, o Fundo Especial para Calamidades Públicas
(FUNCAP) (SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL, 2012). Desde então, foram
desenvolvidas outras leis sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC), a saber, leis
6.766, de 19 de dezembro de 1979; a 8.239, de 4 de outubro de 1991; e a lei 9.394, de 20 de
121
dezembro de 1996; a 10.257, de 10 de julho de 2001; e a 12.340, de 1o de dezembro de 2010.
Estas leis foram alteradas em 10 de abril de 2012, com a lei 12.608 (BRASIL, 2012a), a mais
recente sobre o assunto, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
(PNPDEC), dispondo sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC) e o
Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (CONPDEC), além de autorizar a criação do
sistema de informações e monitoramento de desastres no país (BRASIL, 2012a). A atual
situação da Proteção e Defesa Civil brasileira é, portanto, uma construção feita no decorrer de
anos, a partir do desenvolvimento de políticas que foram sendo refeitas e reajustadas às
discussões teóricas e demandas reais da população brasileira, em seus diferentes contextos de
risco e vulnerabilidade.
O deputado Glauber Braga relata que o coronel Humberto Viana (Secretário Nacional de
Defesa Civil na época da criação da PNPDEC) justificou, na Comissão Especial da Câmara
dos Deputados, a necessidade da criação de uma nova lei estabelecida para desenvolver
estudos e propostas referentes às medidas preventivas e saneadoras de catástrofes climáticas
(BRAGA, 2011). Nesta audiência pública, o coronel abordou no seu discurso o que já vinha
sendo discutido internacionalmente, como o novo paradigma da gestão de risco, no lugar da
gestão do desastre, alterando o foco das ações para a prevenção, ao invés das ações de
resposta, ao afirmar que
Houve enfraquecimento das defesas civis estaduais e municipais e
distanciamento entre União, Estados e Municípios. Deve-se promover a
reaproximação dos Entes da Federação e enfrentar as resistências para as
mudanças rumo a novos paradigmas. A lógica atual tem seu foco na reação e
deve ser invertida para a prevenção. Deve-se resgatar as diretrizes aprovadas
na I Conferência Nacional de Defesa Civil. As mudanças devem contemplar:
um novo marco legal, voltado para a Proteção Civil; a criação da carreira de
defesa civil; a definição clara das responsabilidades da União, dos Estados e
dos Municípios; a implantação da Plataforma Brasileira para Redução de
Riscos de Desastres; a inclusão do tema defesa civil nos Ensinos Médio e
Fundamental; a descentralização da Defesa Civil; a criação do Centro Nacional
de Gerenciamento de Riscos e Desastres; a previsão de recursos para
estruturação da defesa civil nos Estados e Municípios; o fortalecimento das
122
COMDECs72 e do voluntariado; a realização de Simulados de Preparação para
Desastres nas diversas regiões; e a formação de parcerias com entidades
nacionais e internacionais que estudam fenômenos climáticos, redução de
riscos e gerenciamento de desastres. (BRAGA, 2011, p. 47)
Esta fala engloba as principais questões que foram abordadas na lei 12.608 e que serão
discutidas a seguir. Além disto, cabe destacar a relevância da gestão do coronel Viana na
construção de uma nova Proteção e Defesa Civil brasileira bem como da participação efetiva
do Poder Legislativo, na pessoa do deputado Glauber Braga. Ainda, destaca-se o contexto de
militarização que persiste, do qual nasceu o nome Defesa, e a partir do qual se escolhem
gestores para o órgão.
Os países envolvidos na Segunda Guerra Mundial foram os primeiros a realizar ações de
proteção e segurança de suas populações. No Brasil, o tema começou a ser abordado em 1942,
pela ocasião de afundamento de navios militares, que levou a óbito 20 tripulantes e 36
passageiros civis, incluindo mulheres e crianças. Isto resultou, ainda, na implantação do
ensino obrigatório da defesa passiva nos estabelecimentos de ensino oficiais e particulares e
na criação do Serviço de Defesa Passiva Antiaérea – que, em 1943, teve o nome alterado para
Serviço de Defesa Civil, incluído na Diretoria Nacional do Serviço da Defesa Civil, do
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, extinto em 1946
(MINISTÉRIO DA
INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2014b).
Destacam-se dois fatores nesta primeira fase histórica da Defesa Civil brasileira: em primeiro
lugar, a concepção que se tinha sobre defesa civil e sobre os desastres, que perpassava a ideia
de passividade, ou seja, como se não houvessem meios de enfrentar ou minimizar o desastre,
seus riscos e seus efeitos. Isto se remete ao que foi discutido por Gilbert (1998), sobre o
desastre, na época das grandes guerras, que era entendido como um agente externo e as
pessoas afetadas como vítimas passivas. Em segundo lugar, destaca-se a então inclusão da
temática da Defesa Civil no ensino, o que não ocorre mais atualmente, apesar de ser alvo de
esforços civis, políticos e acadêmicos para que tal pratica retorne, divulgando as informações
necessárias sobre a atual Proteção e Defesa Civil no âmbito escolar, preparando crianças e
adolescentes quanto à percepção de riscos, à mitigação de vulnerabilidade, à resposta ao
desastre e, consequentemente, contribuindo com a construção de uma comunidade resiliente.
72
Conselho Municipal de Defesa Civil
123
Não foram encontrados na literatura pesquisada registros sobre os avanços institucionais da
Defesa Civil entre 1942 e 1966, época marcada pela Segunda Guerra Mundial e pelo início da
Guerra Fria. Só nos anos de 1966 e 1967 é que começou a estruturação legal da Defesa Civil,
em função de fortes chuvas na região Sudeste, mais especificamente na Serra das Araras/RJ
(deslizamentos), Caraguatatuba/SP (deslizamentos) e no Estado da Guanabara (enchentes e
deslizamentos) (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2014b). Neste estado se
constituiu um Grupo de Trabalho para o estudo da viabilidade de mobilização de diferentes
órgãos estaduais na ocorrência de uma catástrofe. Como resultado, houve a elaboração do
Plano Diretor de Defesa Civil do Estado da Guanabara, a criação das Coordenadorias
Regionais de Defesa Civil e a definição das atribuições dos órgãos envolvidos no Sistema
Estadual de Defesa Civil, de modo a organizar, em 1966, no Estado da Guanabara, a primeira
Defesa Estadual do Brasil (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2014b).
Foi, então, no final dos anos 1960 que se instituíram o Ministério do Interior bem como
outros órgãos com o fim de assistir e defender a população em casos de calamidade pública,
como foi o caso do Fundo Especial para Calamidades Públicas (FUNCAP) e do Grupo
Especial para Assuntos de Calamidades Públicas (GEACAP), sendo que este viria a ser o
embrião para a Secretaria Nacional de Defesa Civil. No final dos anos 1980 se organizou o
Sistema Nacional de Defesa Civil, considerando a Defesa Civil como uma instituição, tendo o
papel estratégico para reduzir riscos de desastres (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO
NACIONAL, 2014b). A institucionalização da Defesa Civil aponta, portanto, para o
reconhecimento das ações e objetivos de assistência e defesa, até então prioritárias do órgão,
além da regulamentação institucional promover a inserção nacional na discussão internacional
sobre desastres.
Assim, visando cumprir os objetivos propostos estabelecidos com a IDNDR pela UNISDR,
nos anos 1990 e, foi elaborado um plano nacional de redução de desastres, com base na
Política Nacional de Defesa Civil (PNDC), baseada na prevenção, preparação, resposta e
reconstrução, além da reestruturação da Secretaria Especial de Defesa Civil (que viria a ser
posteriormente a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, SEDEC), da classificação de
desastres, ameaças e riscos com base na realidade brasileira, da organização de manuais de
planejamento e da capacitação em desastres focada na preparação de gestores (MINISTÉRIO
DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2014b). Já os anos 2000 se caracterizam pelo foco na
gestão de desastres, na capacitação de agentes de defesa civil (como na 1a Conferência
124
Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária), nos princípios de redução de desastre
(como o Planejamento Nacional para Gestão de Risco, o Banco de Dados de Registros de
Desastre e o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais), além da formulação da PNPDEC e a
organização do SINPDEC (ibid.), que serão discutidos a seguir.
Segundo a UNISDR, os principais tipos de eventos que atingiram o Brasil, ocorridos entre
1980 e 2010, foram as enchentes e os deslizamentos de terra, sendo 80 eventos relacionados a
enchentes e 17 relacionados a deslizamentos de terra, dos 146 eventos relatados nos trinta
anos (UNISDR, 2013f), eventos nomeados de desastres naturais, pelo caráter dos
acontecimentos. Ainda de acordo com a UNISDR (2013f), os 146 eventos resultaram em
4.948 pessoas mortas e 47.984.667 pessoas afetadas, além de um prejuízo econômico de US$
9.226.170.000, sendo que US$ 5.760.170.000 provenientes de enchentes, causando maiores
prejuízos econômicos. Apesar de listada em quinto lugar na escala de ocorrência, a seca é o
evento que mais afetou pessoas no período listado: 32.750.000, 68,4% do total pessoas
afetadas por todos os eventos ocorridos. Este foi seguido pelas enchentes: 9.359.949 pessoas
afetadas, 28,5% do total. (ibid.)
Já para o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT, 2014), entre 1988 e 2010, foram um total
de 683 eventos de movimentos de massa (deslizamentos, quedas de blocos e corridas de
massa), com um total de 2277 vítimas fatais nestes eventos. É clara a diferença entre os dados
do IPT e da UNISDR, o que aponta para a necessidade de uma sistematização uniforme e de
uma atualização constante de tais dados nos diferentes órgãos que trabalham com desastres.
Além disto, há a necessidade de que estes números estejam mais acessíveis aos pesquisadores
e gestores, de modo a facilitar, inclusive, a comparação entre eles e sua atualização.
Destaca-se, ainda, outras duas precauções que devem ser tomadas em relação a esses dados.
Em primeiro lugar, eventos de menor porte e em municípios pequenos, geralmente, não são
relatados ou contabilizados mesmo afetando pessoas, tendo óbitos e gerando prejuízos
financeiros de modo que os números expostos revelam um quadro muito generalizado dos
eventos realmente ocorridos no país e naquele período. Em segundo lugar, deve-se atentar
que, em 2011 (após o ano listado pela UNISDR), a Região Serrana do Rio de Janeiro foi
atingido por fortes chuvas, deslizamentos de terra e enchentes que, segundo a British
Broadcasting Corporation (BBC, 2011), foi a quarta enchente mais fatal no mundo em 2011 e
os deslizamentos mais fatais, no país, desde 2000. Cabe se chamar atenção para, pelo menos,
dois aspectos relacionados ao evento da Região Serrana.
125
Ocorrido nos dias 11 e 12 de janeiro de 2011, somente este evento da Região Serrana causou,
no total, 947 óbitos, 300 desaparecidos e 50 mil desabrigados, afetando aproximadamente um
milhão de pessoas, além de R$ 188.451.196,08 investidos somente pela Secretaria de Estado
de Obras do Rio de Janeiro (SEOBRAS) em obras de reconstrução na região (DOURADO,
ARRAES, SILVA, 2012). Ele atingiu sete cidades, a saber: Nova Friburgo, Teresópolis,
Petrópolis, Sumidouro, Areal, São José do Vale do Rio Preto e Bom Jardim, sendo os quatro
primeiros afetados, principalmente, por escorregamentos de encostas e os três últimos por
enxurradas (CENTRO NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RISCOS E DESASTRES,
2012). Em cada um dos municípios atingidos, os impactos foram diferentes por causa do
modo de deslocamento da chuva na região, da descarga de chuva neste trajeto e das
características geológicas, geomorfológicas e morfométricas das diferentes bacias
hidrográficas da região (DOURADO, ARRAES, SILVA, 2012). Devido à proximidade dos
municípios, o escorregamento de um afetava o município vizinho. Sendo assim, Areal foi
afetado pelo material vindo de Petrópolis; São José do Vale do Rio Preto recebeu detritos de
Teresópolis; e as pontes de Bom Jardim foram destruídas pelos materiais das encostas de
Friburgo. Somente os danos de Sumidouro se limitaram as suas fronteiras municipais
(CENTRO NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RISCOS E DESASTRES, 2012). Isto
revela a complexidade na compreensão destes eventos e na desconsideração, pelas políticas
públicas de ocupação do solo, da dinâmica dos materiais em nível local.
Outro fator a se destacar do caso da Região Serrana é que as fortes chuvas, as enchentes e os
deslizamentos de terra não ocorreram pela primeira vez somente em 2011. Estes são eventos
que acontecem anualmente (com maior ou menor intensidade e extensão) já são, portanto,
conhecidos tanto pela população quanto pelo governo como causadores de desastres e de
fatalidades. Porém, apesar da Defesa Civil Estadual ser capacitada para o resgate e
salvamento, não havia no estado uma estrutura técnica e especializada para identificar as áreas
de risco e atuar na prevenção (DOURADO, ARRAES, SILVA, 2012). Ainda, as chuvas
intensas e os outros eventos extremos que ocorreram na região têm relação com alta
densidade demográfica e com a ocupação desordenada em áreas de preservação permanente e
em áreas de risco que ocorre desde as últimas décadas do século XX. Ou seja, o desastre,
apesar de ser considerado como “natural” por conta do evento em si, é fortemente associado a
aspectos sociais e econômicos que perpassam a comunidade como um todo, passando a ser
considerado, por isto, como um desastre socioambiental (CENTRO NACIONAL DE
GERENCIAMENTO DE RISCOS E DESASTRES, 2012). Além do evento relatado na
126
Região Serrana, no total, foram relatados 795 desastres no ano de 2011, sendo 65,44% deles
por eventos hidrológicos. O total dos desastres em 2011 resultaram em 1.094 óbitos, afetando
12.535.401 pessoas e 2.370 municípios. (ibid.)
Apesar de ações e medidas quanto à prevenção e à preparação já existirem antes de janeiro de
2011, como é o caso do Núcleo de Análise e Diagnóstico de Escorregamentos (NADE 73)
(DOURADO, ARRAES, SILVA, 2012), cuja ação mudou após o evento na Região Serrana
do estado do Rio de Janeiro, intensificando as medidas que visam mitigar os riscos e
vulnerabilidades bem como atuar em prol da preparação da população para o desastre. Além
do NADE, a ação de diversos órgãos públicos, civis e privados também sofreu alterações,
principalmente passando a incluir a gestão de risco, como tem sido afirmado por diversos
atores da Defesa Civil em reuniões, seminários e congressos nos quais a autora deste trabalho
esteve presente. Com isto, concorda o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e
Desastres (2012) ao afirmar que as consequências do mega desastre de 2011 foram
responsáveis por mudar o paradigma da gestão dos desastres no Brasil, tanto da população
quanto das autoridades governamentais, dando destaque à prevenção, à mitigação e à criação
de cidades resilientes. A lei 12.608, que homologa a Política Nacional de Proteção e Defesa
Civil (PNPDEC), inclusive, é reflexo das mudanças da perspectiva e atuação nos desastres –
mudança esta necessária já que as “dificuldades atingem, a cada ano, proporções cada vez
maiores e seu enfrentamento depende de que o País institua uma política de defesa civil
abrangente, que contemple o planejamento integrado das ações de prevenção, preparação,
resposta e reconstrução.” (BRAGA, 2011, p.4), o que aponta para a influência do QAH, como
será discutido na análise do terceiro capítulo deste trabalho.
Ainda, é interessante resgatar o processo de formulação da lei 12.608, ao buscarem
proposições já em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, foram
encontrados 93 projetos de lei tratando de catástrofes, defesa civil, calamidade pública,
situação de emergência e outros temas paralelos ao trabalhado pela Comissão Especial de
Medidas Preventivas e Saneadoras de Catástrofes Climáticas 74 . De forma geral, quatro
temáticas básicas tratadas por esta comissão: (1) a prevenção; (2) a mitigação dos efeitos da
73
O NADE foi desenvolvido no Rio de Janeiro para ampliar o conhecimento sobre riscos geológicos, auxiliando
a tomada de decisão do governo estadual no tocante à gestão de risco e apoiando a Defesa Civil estadual e aos
municípios. Disponível em http://www.drm.rj.gov.br/index.php/risco-geologico
74
Comissão desenvolvida pela deputada Perpétua Almeida e pelo deputado Glauber Braga para requerer a
realização de Seminário no âmbito da Comissão, juntamente com Comissões Permanentes da Câmara dos
Deputados. Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/865596.pdf>.
127
catástrofe para as vítimas e as comunidades; (3) a estrutura da defesa civil; e (4) os recursos
para a defesa civil, sendo que não identificaram nenhuma proposição instituindo uma política
nacional de proteção civil, que organizasse as competências de cada um dos três níveis da
Federação e que contemplasse a prevenção, a preparação, a resposta e a reconstrução
(BRAGA, 2011).
A relatoria da Comissão chegou a três proposições finais sobre as medidas necessárias para a
prevenção e saneamento de desastres – nomeados, pela comissão, de catástrofes climáticas,
destacando-se o caráter natural do evento –, a saber: (1) destino de recursos dos impostos para
o Fundo Nacional de Proteção Civil, a ser criado no âmbito do projeto de lei proposto; (2)
instituição da Política Nacional de Proteção Civil, do Fundo Nacional de Proteção Civil, do
Sistema Nacional de Proteção Civil e do Sistema Nacional de Informações e Monitoramento
de Desastres, definindo as competências de cada Ente da Federação; (3) indicação ao Poder
Executivo de ações fora das competências legislativas: (a) apoio institucional aos Estados e
Municípios; (b) apoio técnico e financeiro aos Estados, para a criação de centros de operações
de desastres; (c) aumento dos recursos orçamentários da União para a prevenção de desastres;
(d) criação de carreira de Agente de Proteção Civil; (e) desenvolvimento de protocolos de
precaução e alerta para cada desastre; (f) estabelecimento de fóruns permanentes sobre a
Política Nacional de Proteção Civil; (g) campanhas educativas visando aumentar a percepção
de riscos e mitigar as ocupações em áreas de risco (ibid.). vale dizer que estas proposições
foram posteriormente discutidas, não sendo elas a versão final do que foi estabelecido pela lei
12.608. Contudo, há sim uma concordância entre essas proposições e as temáticas discutidas
pela Comissão com o que veio a ser a PNPDEC e seus objetivos, ou seja, a discussão se
manteve objetiva e coerente com o que propunha, como, por exemplo, a instituição da própria
PNPDEC que fora prevista pela segunda proposição da relatoria.
É tendo como pano de fundo este cenário do mega desastre da Região Serrana do Rio de
Janeiro, juntamente com a discussão internacional sobre o novo paradigma da gestão de risco,
principalmente com o marco do QAH, que foram elaborados os objetivos da PNPDEC
(Quadro 11). Eles abordam os diferentes momentos da atuação – prevenção, preparação,
resposta e reconstrução – de modo a promover uma atuação integral e efetiva frente aos
desastres, desde a percepção e o manejo do risco até a reconstrução e recuperação de áreas
afetadas. Dentre os objetivos, pode ser citado, como exemplo, em relação à prevenção, o
objetivo de combate à ocupação de áreas vulneráveis e em risco, realocando a população
128
nelas residente; à preparação, o da produção de alertas antecipados quanto à possibilidade de
ocorrência de desastres; à resposta, o de socorro e assistência aos atingidos; e à reconstrução,
o de recuperação as áreas afetadas por desastres. Ainda, a integração da PNPDEC com outras
políticas – como as ambientais 75, as urbanísticas76, a habitacional 77 e as de mitigação dos
efeitos sociais das catástrofes78 – também pode vir a cooperar com o alcance dos objetivos,
especialmente com os que visam o desenvolvimento sustentável, como as de ordenamento
territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de
recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação e ciência e tecnologia (BRASIL, 2012a).
I - reduzir os riscos de desastres;
II - prestar socorro e assistência às populações atingidas por desastres;
III - recuperar as áreas afetadas por desastres;
IV - incorporar a redução do risco de desastre e as ações de proteção e defesa civil entre os
elementos da gestão territorial e do planejamento das políticas setoriais;
V - promover a continuidade das ações de proteção e defesa civil;
VI - estimular o desenvolvimento de cidades resilientes e os processos sustentáveis de
urbanização;
VII - promover a identificação e avaliação das ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades
a desastres, de modo a evitar ou reduzir sua ocorrência;
VIII - monitorar os eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos, biológicos,
nucleares, químicos e outros potencialmente causadores de desastres;
IX - produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de desastres naturais;
X - estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em vista sua
conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos hídricos e da vida humana;
XI - combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e promover a
realocação da população residente nessas áreas;
XII - estimular iniciativas que resultem na destinação de moradia em local seguro;
XIII - desenvolver consciência nacional acerca dos riscos de desastre;
XIV - orientar as comunidades a adotar comportamentos adequados de prevenção e de
resposta em situação de desastre e promover a autoproteção; e
XV - integrar informações em sistema capaz de subsidiar os órgãos do SINPDEC na
previsão e no controle dos efeitos negativos de eventos adversos sobre a população, os
bens e serviços e o meio ambiente.
QUADRO 11: Objetivos da PNPDEC. Fonte: BRASIL, 2012a.
75
Lei 4.771/1965: Código Florestal; Lei 9.433/1997: Recursos Hídricos; Lei 9.605/1998: Crimes Ambientais;
Lei 9.795/1999: Educação Ambiental; Lei 11.445/2007: Saneamento Básico; Lei 12.114/2009: Fundo Nacional
sobre Mudança do Clima; Lei 12.187/2009: Política Nacional sobre a Mudança do Clima; Lei 12.305/2010:
Resíduos Sólidos; e Decreto s/nº de 15/9/2010: Controle de Queimadas no 12 Cerrado.
76
Lei 6.766/1979: Parcelamento do Solo Urbano; e Lei 10.257/2001: Estatuto da Cidade.
77
Lei 11.977: Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos localizados em
áreas urbanas
78
Lei 8.666/1993: Lei de Licitações; Lei 8.036/1990: Fundo de Garantia do Tempo de Serviço; Lei 9.472/1997:
Serviços de Telecomunicações; e Lei 12.340/2010: Sistema Nacional de Defesa Civil
129
A intersetorialidade é, portanto, chave para que se atinjam os objetivos propostos, já que os
resultados se influenciam ora no fortalecimento da comunidade, ora no aumento das
vulnerabilidades, ou seja, se uma secretaria, ou órgão, não alcança seus objetivos, isto afeta a
atuação da SEDEC (e vice-e-versa), uma vez que quanto mais vulnerável uma comunidade é,
referente a um aspecto especifico, mais vulnerável ela também se torna em relação a outros
fatores, como, por exemplo, à ocorrência de um desastre socioambiental. Mais que isso, a
interdisciplinaridade do tema de RRD se revela na intersetorialidade, apontando para a
perspectiva complexa de Morin (2007) que pode ser aplicada às situações de desastre,
vulnerabilidade, risco e resiliência. Desta forma, as políticas elaboradas para atuar nestes
contextos devem, também, partir de um pressuposto que englobe a complexidade e, portanto,
a interdisciplinaridade, resultando em ações que busquem minimizar a vulnerabilidade e
fortalecer a resiliência, promovendo a sustentabilidade das ações e prevenção, mitigação de
risco e de reconstrução.
Ainda em 2010 (antes da lei) Valencio apontava para a necessidade de uma política cujos
objetivos abordassem a concepção sobre as incertezas relacionadas a um desastre, as quais
precarizam o acesso a suprimentos, a comunicação e as condições de infraestrutura,
emergindo conflitos entre as instituições envolvidas. A lei brasileira prevê essa incerteza
relacionada ao risco de desastre, mas afirma que ela não deve constituir empecilho para que se
adote medidas de prevenção e mitigação do risco (BRASIL, 2012a) e, portanto, quanto mais
intersetorial forem as ações e quanto mais interdisciplinar for a própria equipe, mais ampla
será a perspectiva quanto aos desastres e as possibilidades de propostas para prevenção e
mitigação do risco. Já que os desastres podem ser considerados eventos que geram
interrupções na estabilidade, se tornando a questão importante e emergencial no período do
acontecimento, acentuando os risco já existentes, além das perdas causadas, deve-se criar
mobilização e atrair atenção a esta questão.
Para também trabalhar com esta mobilização, o SINPDEC, criado na lei 12.608, visa cooperar
com os programas, projetos e ações de proteção e defesa civil pelo viés do planejamento, da
articulação, da coordenação e da execução, sendo formado por diferentes entidades e órgãos
públicos federais, estaduais, municipais, bem como da esfera privada e da comunitária, que
atuam de maneira significativa na proteção e defesa civil (BRASIL, 2012a). Em outras
palavras, o SINPDEC é um órgão de mobilização da sociedade civil quanto à atuação em
situação de emergência ou estado de calamidade pública de modo a coordenar a logística e a
130
desenvolver as ações de proteção e defesa civil (SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA
CIVIL, 2014).
Dirigido pelos agentes políticos nacionais, estaduais e municipais, o Sistema adota medidas
que asseguram a profissionalização e a qualificação de seus agentes, possui um sistema de
informações de monitoramento informatizado que resulta em uma base de dados
compartilhada e atualizada sobre prevenção, preparação, resposta e recuperação, sendo que é,
no decorrer destas fases, incumbência municipal a elaboração do Plano de Contingência de
Proteção e Defesa Civil e a instituição de órgãos municipais de defesa civil que devem ser de
acordo com procedimentos já estabelecidos pelo SINPDEC (BRASIL, 2012a). Com isto,
percebe-se que o SINPDEC busca ser um sistema horizontalizado a ponto de dialogar com os
diversos atores envolvidos, como também com os diferentes níveis de governo, dando um
suporte que seja acessível para atender desde questões centrais nacionais como questões
particulares e locais dos municípios. Além disto, o SINPDEC atua na transferência de
recursos financeiros e no recebimento de prestações de contas (BRASIL, 2012a), sendo este
mais um motivo para ser ele um sistema que se articule com os vários órgãos públicos, além
da articulação também proposta com os órgãos privados e comunitários.
Como órgão consultivo do SINPDEC, instituiu-se o CONPDEC que, também, conta com
diferentes representantes da esfera pública, privada e civil, incluindo membros de
comunidades afetadas por desastres e membros da comunidade acadêmica. Ele visa o auxílio
na formulação, implementação e execução do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil e da
PNPDEC, como, ainda, de procedimentos que cumpram a legislação e regulamentação de
proteção e defesa civil e que busquem atender crianças, adolescentes, gestantes, idosos e
pessoas com deficiência em contextos de desastre (BRASIL, 2012a). Além da SEDEC (do
Ministério de Integração Nacional, órgão central de coordenação, planejamento, articulação e
execução de ações referentes a prevenção, preparação, resposta e reconstrução) e do
CONPED (órgão consultivo), o SINPDEC ainda conta com órgãos regionais, estaduais e
municipais, que coordenam, planejam, articulam e executam as ações do SINPDEC em cada
nível respectivo, e conta com os órgãos setoriais de cada um dos três âmbitos de governo.
(SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL, 2014)
131
2.3.5.2 PORTUGAL: A LEI DE BASES DA PROTEÇÃO CIVIL79
A população portuguesa tinha uma tendência migratória para o litoral, região de maior risco
sísmico no país, principalmente nas áreas de Grande Lisboa, da costa sul atlântica e na costa
algarvia, como os tremores registrados nos anos de 1309, 1318, 1321, 1337, 1344, 1347,
1355, 1356, 1365, 1395, 1504, 1531, 1575, 1587, 1597 o 1598, 1614, 1620, 1630, 1696, 1719,
1722 e 1748, sendo o de 1356 o mais intenso, assolando Lisboa e outras cidades ao sul do rio
Tejo, e reverberando também na Espanha e na Europa Central (TAVARES et al, 2005). O
terremoto de 1o de novembro de 1755, chamado de o Grande Terremoto, originou também um
tsunami, provocando danos desde a costa portuguesa até o litoral noroeste do Marrocos e
dando inicio às indagações sobre as causas físicas de sismos, o que exigiu que fossem
formuladas relações contextualizadas tempo-espacialmente, uma vez que “os tremores de
terra estão condenados a ser eventos que vão ter sempre um carácter de surpresa, mesmo que
se ensaie substituir o inesperado pelo esperado, tentando reduzir o stress social e individual
que eles acarretam habitualmente” (ibid., p. 47). Para explanar este fenômeno, Tavares et. al
(2005) destacam que apenas nos anos 1960 a teoria sobre placas tectônicas ofereceria um
modelo explicativo global e coerente, de forma que se recorria, na segunda metade do século
XVIII, a três tipos principais fontes bibliográficas de explicação: autores clássicos (como
Aristóteles ou Séneca), autores contemporâneos (como Kircher ou Leclerc) e autores
emergentes da química, física e filosofia natural (como Bolyle, Nollet ou Lémery). Derbli
(2010) concorda com o fato do Grande Terremoto ter sido um evento chave para a produção
de novos estudos e pesquisas sobre o tema, apontando para as reflexões de Voltaire e suas
rupturas com o pensamento da soberania divina sobre o evento, Rousseau e suas críticas às
transformações desordenadas do homem sobre a natureza, e Kant e sua explicação natural
para o terremoto.
Independente de como era interpretado, é certo que o terremoto de 1755 destruiu quase por
completo a cidade de Lisboa, deixando milhares de óbitos (2 a 200 mil, numero variável de
acordo com a literatura), pessoas desaparecidas, afogadas, sufocadas, feridas por
soterramento, esmagamento, contusões, ou arrastadas pelas aguas do Tejo, além dos demais –
79
Para uma pesquisa mais detalhada sobre a legislação portuguesa de Proteção Civil, indica-se a Compilação
Legislativa de Proteção Civil, que contém todas as leis, decretos-leis, decretos legislativos, despachos e portarias
no tocante à Legislação Estruturante, Legislação Orgânica, Legislação Técnico-Operacional, Legislação
Concorrente,
Legislação
Complementar
e
Legislação
Diversa.
Disponível
em
http://www.prociv.pt/Legislacao/Documents/Compilacao_legislativa_PCivil_www.pdf.
132
mas não menos intensos – prejuízos sociais, físicos, estruturais, financeiros e psicológicos,
como
pânico, angústia, medo, horror, aflição e confusão generalizadas,
provocadas pelo elevado número de mortos, pela visão de moribundos,
feridos e mutilados, por uma incontável quantidade de desaparecidos,
pelo incêndio, pela destruição de casas e vivendas e pela perda de bens,
juntou-se o temor de que epidemias se viessem a desenvolver na
cidade. (TAVARES ET. AL, 2005, p. 63)
Com este exemplo do Grande Terremoto é possível de se ver o quanto um desastre não é um
evento isolado, pois juntamente com o terremoto houveram outros desastres, como maremoto,
inundações decorrente de chuvas, incêndio, abertura de fendas no solo, perda de habitação,
queda de hospitais e hospícios, carência de médicos e cirurgiões, soterramento de animais,
intensificação de problemas sanitários e o risco de aumento de pestes (ibid.). Uma das razões
do terremoto ter resultado em tantos desastres consequentes é por conta do dia do
acontecimento, dia 1o de novembro, ser dia de Todos os Santos, no qual grande parte da
população de Lisboa, católicos, estarem nas igrejas oferecendo velas acesas aos santos
durante os estimados sete minutos de terremoto de magnitude, também estimada, de 8,7 graus
na escala Richter, o que resultou em incêndios pela cidade e, portanto, num impacto
sociocultural, além do impacto econômico, já que Lisboa, que também sofreu de um
maremoto resultante do terremoto, era uma cidade portuária e importante posto comercial (4a
cidade mais importante da Europa), de modo que os navios e os portos também foram
drasticamente afetados. (DERBLI, 2010)
Como resposta emergencial, foram mobilizados médicos (clínicos e cirurgiões),
farmacêuticos e enfermeiros, enquanto os habitantes sobreviventes auxiliavam (sem poder
negar ajuda) a retirar sobreviventes presos a destroços, a buscar desaparecidos, a enterrar
cadáveres, a desobstruir ruas e canais de água, e a auxiliar nos serviços de saúde, destacandose a ajuda essencial dos grupos religiosos e a ajuda do exército, que prestou socorro
emergencial junto com o seu serviço de prover segurança (TAVARES ET. AL, 2005). A
reconstrução de Lisboa se iniciou já ao final de novembro de 1755, através de decretos,
avisos, éditos, alvarás e planos de urbanização, datando do mês referido até junho de 1758,
procurando-se empregar um novo conceito de urbanização na reconstrução da cidade que
133
abrangia a minimização do risco e da exposição a ele, tanto nas construções de edifícios,
quanto em relação a sistema de saúde, de higiene pública e de segurança, por exemplo. (ibid.)
O serviço proteção civil portuguesa era parte do Ministério de Defesa, por conta da
necessidade de uma abordagem e resposta civis de emergência, ligado a defesa, para ajudar os
militares em situação de crise ou guerra, até que, na década de 80, dividiu-se a proteção civil
(atuando com prevenção e avaliação do risco, desde a referida década) do serviço dos
bombeiros (na maioria voluntários que atuavam somente no socorro, ser ter uma estrutura
hierárquica, como o exército), resultando num conceito nacional de planejamento civil de
emergência, nos anos 1980 e 1990, sendo a proteção civil um organismo pequeno para apoio
estratégico, formado por uma comissão de 10 secretarias e subcomissões, que criavam um ou
dois cenários de situação complexa, faziam simulados em cima de tais situações e, depois,
faziam um plano setorial (PIRES, COSTA, 2014). Os dois órgãos (proteção civil e
bombeiros) voltaram a se fundir em 2007, um ano após a criação da Autoridade Nacional de
Protecção Civil (ANPC), já no Ministério da Administração Interior, e a criação da Lei de
Bases (ibid.).
A ANPC foi outorgada pelo decreto-lei no134/2006 e alterada pelo decreto-lei no 114/2001 e
pelo decreto-lei no 72/2013 e 73/2013, para ser um órgão central, da administração direta do
Estado, com autonomia nos âmbitos administrativo, financeira e patrimonial (MINISTERIO
DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, 2013). O decreto-lei mais atual, além de alterar o
modelo de organização da ANPC evoluindo seu modelo operacional, ao diminuir o número de
subsídios utilizados na estrutura operacional e ao racionalizar a própria estrutura, a fim de
possibilitar a alocação de recursos para outras áreas de proteção civil, além de, a partir da
alteração da ANPC, adaptar o Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro (SIOPS)
unificando seu comando, independente da respectiva hierarquia referente a cada órgão
constituinte do SIOPS, e reforçar o Comando Nacional de Operações de Socorro (CNOS)
com maior capacidade, uniformidade e constância às diferentes respostas que são necessárias
(ibid.). A missão da ANPC se manteve em
planear, coordenar e executar a política de proteção civil,
designadamente na prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes,
de proteção e socorro de populações e de superintendência da atividade
dos bombeiros, bem como assegurar o planeamento e coordenação das
necessidades nacionais na área do planeamento civil de emergência
134
com vista a fazer face a situações de crise ou de guerra. (MINISTÉRIO
DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, 2013, p. 3200)
Sem que nenhum desastre socioambiental fosse o propulsor principal para sua elaboração
(PIRES, COSTA, 2014), a Lei de Bases da Protecção Civil (lei no 27/2006) foi aprovada no
dia 3 de julho de 2006, estabelecendo a proteção civil como uma atividade a ser desenvolvida
por todos os órgãos públicos e privados, por todos os cidadãos, em todos os níveis e por todo
o território nacional, sendo ela permanente, multidisciplinar, plurissetorial e descentralizada,
com “a finalidade de prevenir riscos colectivos inerentes a situações de acidente grave ou
catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando
aquelas situações ocorram”. (ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 2006, p.1). A participação
cidadã e do setor privado é sancionada pela lei, sendo eles obrigados a colaborarem no que
lhes for requerido pelas autoridades, respeitando e correspondendo às ordens, orientações e
solicitações, sendo a recusa classificada com o crime de desobediência. (ASSEMBLEIA DA
REPÚBLICA, 2006)
Quanto a este fator da cooperação comunitária e privada, dois aspectos se levantam para
discussão: em primeiro lugar, tal lei, se aplicada integralmente neste quesito, facilitaria, de
certa forma, o trabalho das equipes na remoção de pessoas que habitam em área de risco, uma
vez que a recusa a sair seria crime de desobediência às autoridades de proteção civil e,
portanto, a remoção seria compulsória. Em segundo lugar, observa-se que, se a lei fosse
conhecida em sua totalidade e se as sanções fossem aplicadas em todos os casos cabíveis, não
haveriam áreas de risco habitadas ou problemas com a comunidade e/ou setor privado em
casos de risco ou de emergência, o que aponta para a importância da fiscalização dos casos
que vão contra a colaboração proposta pela lei. Ainda um terceiro ponto emerge, quanto à
demanda de políticas de outros setores que integrem e cooperem com o direcionado pela Lei
de Bases, isto é, uma vez que há politicas de habitação construídas e implementadas,
contemplando as necessidades socioeconômicas e ambientais, por exemplo, menor é a
probabilidade de que pessoas habitem em áreas de risco e, portanto, estejam passíveis de
serem julgadas pelo crime de desobediência.
Quanto à estrutura da proteção civil, ela é organizada nos níveis nacional, estadual e
municipal, sendo constituída por agentes de proteção civil (corpo de bombeiros, força de
segurança e armadas, autoridades marítimas e aeronáuticas, Instituto Nacional de
Emergências Médicas, demais serviços de saúde e os guardas florestais); pela Cruz Vermelha
135
Portuguesa; por outras agências parceiras que, assim como a Cruz Vermelha, atuam por
estatuto próprio, cooperando com o SIOPS; pelas instituições de investigação técnica e
científica públicas e privadas, cuja atuação deve buscar: (a) levantar, prever, avaliar e prever
os riscos naturais, humanos ou tecnológicos, e as vulnerabilidades das comunidades e dos
ambientes expostos; (b) estudar meios de proteção adequada para edifícios, monumentos e
demais bens culturais, instalações e infraestruturas; (c) investigar sobre novos equipamentos e
tecnologias que sejam apropriados para a busca, o salvamento, o socorro e a assistência; e (d)
estudar meios adequados para os recursos naturais sejam protegidos (ASSEMBLEIA DA
REPÚBLICA, 2006). Nota-se, desta forma, na proposta que a lei mantem de
interdisciplinaridade no decorrer do documento, validando uma ação dialogada e que abranja
os diversos órgãos públicos, bem como a sociedade civil, a academia e o setor privado.
Como previsto pelo decreto-lei no. 73/2013, a ANPC é dotada de autonomia financeira
(MINISTERIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, 2013), e lei 27/2006 também orienta
sobre os recursos e meios para a prevenção e no enfrentamento dos riscos e das catástrofes, os
quais devem ser utilizados com adequação ao objetivo e de acordo com a proximidade e
disponibilidade, além de ser preferencial o uso de recursos públicos ao invés de privados,
sendo tais recursos e meios já previstos nos Planos de Emergência ou determinados pela
ANPC que estivem a cargo das operações, se o plano for ausente ou insuficiente
(ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 2006). Estas operações podem se dar tanto pelo SIOPS,
quanto pelos Centros de Coordenação Operacional, pelos Planos de Prevenção e Emergência
e/ou pelo auxilio externo, quando requisitado pelo Governo nacional. (ibid.)
A Lei de Bases apresenta quatro objetivos fundamentais, domínios e princípios, que dialogam
entre si, direcionando a ANPC a uma pratica coerente com o previsto pelo decreto-lei 72/2013
e 73/2013 (MINISTERIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, 2013), citado anteriormente.
Os objetivos apontam para um trabalho cuja finalidade é a prevenção dos riscos e da
ocorrência de acidente/catástrofe; a minimização dos riscos, limitando seus efeitos no caso de
um evento; o socorro e a assistência às pessoas, aos outros seres vivos, aos bens e aos valores
culturais, ambientais e públicos que estiverem em perigo; e o apoio na reposição da rotina dos
afetados por acidente/catástrofe (ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 2006). Estes objetivos se
descrevem de forma completa no processo de um desastre socioambiental, por abordarem
desde a prevenção até a reconstrução, de modo que o trabalho em uma fase seja relacionado a
outra, por exemplo, a lei apresenta a perspectiva de que a minimização dos riscos, que é um
136
trabalho preventivo, abranja e influencie também o momento do desastre em si, onde ocorrem
as ações de resposta.
Já os domínios da Lei de Bases se dão na análise e prevenção dos riscos e das
vulnerabilidades mapeados, no planejamento de emergência que envolva desde a busca até o
alojamento dos afetados, arrolando os recursos que estejam disponíveis e que sejam
mobilizáveis mais facilmente, estudando meios adequados de se proteger os edifícios e obras
de infraestrutura, bem como recursos ambientais, informando e capacitando a população no
tocante à proteção civil, e estando preparados para assistir a áreas que fiquem isoladas como
consequência dos riscos (ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 2006), o que se assemelha com o
descrito como atuação das instituições de pesquisa, na estrutura da proteção civil. Ou seja, ao
se repetir, de certa forma, a lei se valida, confirmando a necessidade e relevância de tais
ações.
Finalmente, os princípios que direcionam a ANPC são cinco, a saber, o da prioridade das
ações de proteção civil, sem prejudicar a defesa nacional, a segurança interna e a saúde
pública; o da prevenção antecipada de riscos, eliminando suas causas ou reduzindo suas
consequências; o da precaução, minimizando o risco em cada atividade especifica, sendo o
dano responsabilidade do infrator do cuidado; o da subsidiariedade, no qual o nível superior
só atua quando o inferior não alcança os objetivos; e o da cooperação entre proteção civil,
Estado, Regiões Autônomas, autarquias locais, cidadãos, órgãos públicos e setor privado
(ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 2006). Estes princípios são, portanto, os que orientam e
baseiam toda a ação a ser desenvolvida pela ANPC, integrando, entre os mesmos cinco
princípios, o caráter da proteção civil permanente, interdisciplinar, multisetorial e
descentralizado, como a própria Lei de Bases descreve.
2.3.5.3 CABO VERDE: A LEI 12/VIII/2012
A lei de número 12/VIII/2012, aprovada em 26 de janeiro de 2012, promulgada em 20 de
fevereiro de 2012, assinada e 23 de fevereiro de 2012 e publicada no dia 7 de março de 2012,
foi homologada na Assembleia Nacional da República de Cabo Verde, constituindo as bases
gerais da proteção civil a ser desenvolvida em todo território nacional e/ou em cooperação
com outros Estados Nacionais e com organizações internacionais das quais o país seja
participante. Ela estabelece que
137
A actividade de protecção civil tem carácter permanente, multidisciplinar e
plurissectorial, cabendo a todos os órgãos e departamentos da Administração
Pública promover as condições indispensáveis à sua execução, de forma
descentralizada, sem prejuízo do apoio mútuo entre organismos e entidades do
mesmo nível ou proveniente de níveis superiores.80 (CABO VERDE, 2012, p.
1, artigo 2o, grifo nosso)
Foram
grifadas
as
palavras
“permanente”,
“multidisciplinar”,
“plurissetorial”
e
“descentralizada” por estarem em consonância com o apontado por Valencio (2010) e Souza
(2006), anteriormente, sobre características das políticas públicas na área. Estes destaques no
início da lei 12/VIII/2012 apontam para o que vai ser apresentado no decorrer do documento
sobre as bases gerais da proteção civil: uma perspectiva que integre o máximo de atores
possíveis, de diferentes disciplinas, setores ou ordem hierárquica, de modo que estas
características sejam mantidas permanentemente na proteção civil, independente da mudança
de gestão que venha a influenciar direta, ou indiretamente, as ações do órgão em questão.
Para se compreender melhor o contexto da referida lei, cabe assinalar que a República de
Cabo Verde é afetada por crises de seca, dada sua aridez climática, além do constante risco de
desertificação e erosão do solo. Além disto, é uma área com risco de cheias, movimentos de
massa, inundações e tempestades no período de julho a setembro, época de chuvas irregulares
no arquipélago (MONTEIRO et. al, 2011/12). Cabo Verde vivencia um processo de ocupação
desordenada tanto decorrente do êxodo rural quanto de imigrações da costa ocidental da
África, o que contribui para acentuar a vulnerabilidade socioambiental dos habitantes. Por
terem uma baixa renda e construírem casas com materiais pouco resistentes e, ainda, em áreas
de risco, muitas vezes, eles erguem uma casa durante a noite para não serem pegos pela
fiscalização,
ampliando,
assim,
o
número
de
casas
irregulares
e
precárias
e,
consequentemente, da população vulnerável e exposta aos riscos citados. (ibid.)
No entanto, o evento que ocasionou a estruturação da proteção civil foi a erupção do vulcão
da ilha do Fogo, uma das dez ilhas que compõe o arquipélago da República de Cabo Verde
(Figura 1)81. Esta ultima erupção do vulcão (que permanece ativo), foi em 1995, ocorrência
80
As citações diretas foram mantidas com a grafia portuguesa original do país, e serão feitas alterações, em nota
de rodapé, somente se necessário para a melhor compreensão do texto.
81
Juntamente com as ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal, Boa Vista, Maio,
Santiago e Brava, além de ilhéus e ilhotas, possuindo altitudes maiores que mil metros em algumas dessas ilhas,
chegando a, aproximadamente, 2.882 metros na ilha do Fogo (CABO VERDE, 2014)
138
esta que serviu para despertar o governo quanto aos riscos que envolviam o vulcão e quanto à
necessidade de ações de minimização do risco, já que, em 1995, as ações dos órgãos
envolvidos, como as Forças Armadas, a Cruz Vermelha, os serviços de portos, aeroportos e
polícia, foram descoordenadas e, portanto, ineficientes. A título de exemplo, na época, o
governo construiu novas casas para os habitantes de Fogo em uma área de menor risco, na
mesma ilha, mas eles retornaram para a área de maior risco por ser mais propícia para
agricultura (zona produtora de uva e vinho, maçã, marmelo etc.) (LIMA, 2014). Ou seja, se a
ação de relocação dos habitantes fosse conjunta a ações de desenvolvimento agrícola e de
geração de emprego, é provável que o assentamento desses habitantes em área nova e de
menor risco fosse melhor aceito por eles.
FIGURA 1: Mapa de Cabo Verde. Fonte: EMBAIXADA DE CABO VERDE NO BRASIL
(EMBCV, 2014)
Em 1999, quatro anos após a erupção do vulcão, foi instituída a Secretaria Nacional de
Proteção Civil de Cabo Verde (SNPC) com a Lei de Bases de Protecção Civil, que, também,
estabeleceu o Conselho Nacional de Protecção Civil (CNPC), o qual será descrito mais
adiante (CABO VERDE, 2001). Como relatado pela United Nations Space-based Information
139
for Disaster Management and Emergency Response 82 (UN-SPIDER, 2012), a atividade da
SNPC era central no
disaster risk management and emergency operations in Cape Verde. As
outlined above it was established in 1999 and with the adoption of the new law
in March 201283, it is foreseen to include also the coordination of fire brigades
with the new name SNPCB (Serviço Nacional de Protecção Civil e
Bombeiros). Main activities of SNPC include general surveys and studies,
prevention activities, vulnerability assessments, inventories of resources and
means, information dissemination and training, forecasting and early warning
as well as activities in the response phase. SNPC serves all levels (national,
cities, and municipalities) in Cape Verde and has established specific civil
protection organs at the council level. Currently the focus is on the response
and recovery phase, whereas a shift towards the prevention phase is clearly
expressed in the new legislation but also seen as essential by the key staff
members of SNPC. It is important to mention that SNPC is engaged in several
national and international collaborative projects and has established strong
links with different national organizations (police, army, Red Cross, maritime
and aerospace authorities, health services etc.)84. (p. 31)
Desta forma, pode-se perceber que a SNPC passa a trabalhar na prevenção e na preparação,
ampliando, assim, sua atuação para além das respostas emergenciais, mesmo que estas
continuem fazendo parte do seu escopo de ações principais. Também, é interessante que se
destaque a interação apontada da SNPC com diversos órgãos nacionais e internacionais,
indicando uma gestão de risco compartilhada e interdisciplinar. Tendo atuado no evento de
82
“Informação Espacial para Gerenciamento de Desastres e Resposta a Emergência das Nações Unidas”.
Tradução nossa.
83
Lei no 12/VIII/2012
84
“gerenciamento de risco de desastre e operações de emergência em Cabo Verde. Como delineado acima ela foi
estabelecida em 1999 e com a adoção da nova lei em Março de 2012, prevê-se que se inclua também a
coordenação das brigadas de incêndio com o novo nome SNPCB (Serviço Nacional de Protecção Civil e
Bombeiros). Atividades principais da SNPC incluem pesquisas e estudos gerais, atividades de prevenção,
relatórios de vulnerabilidade, inventários de recursos e meios, disseminação de informação, de treinamento, de
previsão e de alerta bem como atividades na fase da resposta. A SNPC serve todos os níveis (nacional, cidades e
municipalidades) em Cabo Verde e estabeleceu órgãos específicos de proteção civil no nível da assembleia.
Atualmente o foco está na fase da resposta e da reconstrução, ao passo que uma mudança para a prevenção é
claramente expressa na nova legislação, mas também é vista como essencial pelos membros chave do staff da
SNPC. Ë importante mencionar que a SNPC é engajada em vários projetos colaborativos nacionais e
internacionais e tem estabelecido fortes conexões com diferentes organizações nacionais (polícia, exército, Cruz
Vermelha, autoridades da marinha e da aeronáutica, serviços de saúde, etc.).”. Tradução nossa.
140
1995 e listados como parceiros da SNPC em 1999, estes órgãos continuam, atualmente, como
agentes da Proteção Civil, sendo que as Forças Armadas são os principais parceiros, estando a
postos e tendo um grupo já dentro da proteção civil pronto para intervir em casos de risco
(LIMA, 2014). Este processo de ação descoordenada, como em 1995, para ação conjunta se
deu no decorrer dos anos, a partir do evento brevemente relatado. Somente em 2007, doze
anos após a erupção do vulcão da ilha do Fogo, o Ministro cabo-verdiano da Administração
Interna criou a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), que trabalharia para além da
resposta, mas, também, com um plano estratégico de redução dos riscos de catástrofes,
elaborando a Plataforma Nacional para a Redução dos Riscos de Catástrofes de Cabo Verde
(EMBCV, 2014). A ANPC foi constituída a partir do dialogo entre setores públicos e
privados e instituições internacionais, acadêmicas e comunitárias, dada a origem vulcânica
das ilhas que formam o arquipélago e, consequentemente, os riscos frequentes às pessoas, ao
ambiente e aos bens públicos e privados (ibid.). Além do risco de erupção vulcânica, a ANPC
foi criada, também, pelo fato de Cabo Verde estar situado numa área de intenso tráfego aéreo
e marítimo de materiais como combustíveis, o que se torna um fator de risco de acidentes a
mais, podendo resultar em prejuízos ambientais e econômicos, de outra ordem (ibid.). Vale
ressaltar este ponto porque a percepção do risco abrange, não somente aspectos naturais do
desastres, mas, também, outros fatores que podem ser influenciados e que podem sofrer
prejuízos, como as atividades econômicas e as vias de transportes aéreo e marítimo. Isto se
remete à discussão do desastre no seu viés socioambiental, uma vez que a perspectiva
utilizada para entender desastre engloba variados fatores. (DOMBROWSKY, 1998;
ALEXANDER, 2005; LINDELL, 2011)
Tendo este contexto em mente, cabe reforçar que o artigo 4O da lei 12/VIII/2012 (CABO
VERDE, 2012) descreve os objetivos fundamentais da Proteção Civil da República de Cabo
Verde, a saber: (a) a prevenção de riscos coletivos, dos eventos graves e das catástrofe
consequentes; (b) a minimização dos riscos coletivos, limitando seus resultados, caso
ocorram; (c) o socorro e a assistência às pessoas e aos demais seres vivos que estejam em
perigo, bem como bens econômicos, culturais, ambientais e públicos; e (d) a restituição da
normalidade da vida (rotina) dos que tenham sido afetados por certa catástrofe. Vê-se que
estes objetivos estão de acordo com o que fora até então apresentado sobre a ANPC quanto à
mudança de paradigma de gestão do desastre para gestão do risco, o que acompanha a
discussão global sobre o tema, como será mais detalhado no capítulo seguinte. Eles estão
141
coerentes com a perspectiva de processo de gestão de risco com o antes e o depois do
desastre.
Para que tais objetivos fundamentais sejam alcançados, a Lei 12/VIII/2012 traça os chamados
domínios de atuação, no seu 5o artigo, que são:
(a) levantamento, previsão, avaliação e prevenção dos riscos colectivos; (b)
análise permanente das vulnerabilidades perante situação de risco; (c)
informação e formação das populações, visando a sua sensibilização em
matéria de autoprotecção e de colaboração com as autoridades; (d)
planeamento de soluções de emergência, visando a busca, salvamento,
prestação de socorro e de assistência, bem como a evacuação, alojamento e
abastecimento das populações; (e) inventariação dos recursos e meios
disponíveis e dos mais facilmente mobilizáveis, ao nível local e nacional; (f)
estudo e divulgação de formas adequadas de protecção dos edifícios em geral,
de monumentos e de outros bens culturais, de infra-estruturas, do património
arquivístico, de instalações de serviços essenciais, bem como do ambiente e
dos recursos naturais; e (g) previsão e planeamento de acções atinentes à
eventualidade de isolamento de áreas e populações afectadas por riscos.
(CABO VERDE, 2012, p. 1-2)
É notável a coerência entre estes domínios de atuação e os objetivos fundamentais da lei no
tocante à gestão de risco, à mitigação de vulnerabilidades e à preparação dos órgãos
competentes e recursos necessários. Tal fato é relevante já que, como visto anteriormente, a
atuação histórica da proteção civil cabo verdiana foi caracterizada, no tocante a seu mais
recente desastre socioambiental do país (em 1995), como desordenada entre os atores. Assim
sendo, a lei 12/VIII/2012 vem a responder esta demanda de coordenação e trabalho conjunto,
ao estabelecer os domínios e os objetivos, ou seja, as áreas de implementação e execução da
lei, bem como as finalidades que estruturam e sistematizam os diversos atores e suas práticas,
seja na prevenção, na preparação, na resposta ou na reconstrução.
Além dos objetivos fundamentais e dos domínios de atuação, a lei sinaliza, no seu 6o artigo,
oito princípios que se aplicam as ações de proteção civil, a saber, o princípio da: (1)
prioridade, que aponta para a predominância do interesse público pela proteção civil sem
prejudicar as questões de defesa nacional, segurança interna ou saúde pública, quando os
142
interesses forem conflitantes; (2) prevenção, que faz considerar os riscos antecipadamente,
eliminando as próprias causas, quando possível, ou reduzindo as consequências; (3)
precaução, que diz da adoção de medidas de RRD e da responsabilidade que há na não adoção
das medidas pelos danos resultantes dos desastres; (4) subsidiariedade, que direciona que a
entidade superior de proteção civil só deve agir quando os objetivos não são alcançados pelos
níveis inferiores de proteção civil; (5) cooperação, pelo qual se atribui a proteção civil não
somente ao Estado e às autarquias locais, mas também aos cidadãos e aos demais entes
públicos e privados; (6) coordenação, que assegura a definição e a execução articuladas das
políticas nacionais e municipais concernentes a proteção civil; (7) unidade de comando, que
articula a ação dos diferentes agentes, sem prejudicar a hierarquia e funcionalidade do
sistema; e, finalmente, (8) informação, que aponta para o dever das informações relevantes
sobre proteção civil serem divulgadas, de acordo com os objetivos já mencionados. (CABO
VERDE, 2012)
Estes princípios vão, portanto, direcionar e sustentar com os objetivos fundamentais e com os
domínios de atuação, incorporando os aspectos, já comentados, como gestão de risco e
atuação integrada da proteção civil com os diferentes órgãos parceiros. Dentre eles, se
sobressaem nestes princípios dois pontos ainda não tratados: a municipalidade e a divulgação
de informações. O primeiro, quanto a municipalidade, que está presente no quarto e no sexto
artigo e que aponta para a relevância da atuação local e para a prioridade na ação dos agentes
de nível municipal, estando esta ação articulada com as iniciativas nacionais, tanto no viés
legislativo quanto no executivo. Este destaque às ações locais se valida, também, com o
quinto principio, que traz a própria comunidade local como como cooperadores da proteção
civil, juntamente com o poder público municipal, reforçando o papel da municipalidade e dos
seus diversos atores nos princípios e, consequentemente, nos domínios de atuação e nos
objetivos fundamentais da lei 12/VIII/2012.
Em visita a República de Cabo Verde, em fevereiro de 2014, me foi possível participar do III
Fórum RiesgoMap 85 , com representantes públicos municipais e nacionais, acadêmicos e
atores comunitários, realizado pelas Ilhas Canárias e por Cabo Verde. Neste encontro, apesar
do apontado pela lei de 2012, os municípios ainda assinalavam o desafio que há na
coordenação das ações como, por exemplo, referente aos processos dos chamados Planos de
85
O III Fórum RiesgoMap teve apoio do Programa MAC 2007-2013 de cooperação transnacional, do Fundo
Europeu de Desenvolvimento Regional da União Europeia, do governo de Canárias, do governo de Cabo Verde,
e do governo da Mauritânia.
143
Urbanização, que são elaborados juntamente com plantas de condicionantes (mapas de
vulnerabilidades, riscos e segurança geotécnica local), mas que não são utilizados pelos
municípios nem como diagnóstico da situação atual. Isto representa, segundo destacado no
Fórum, a necessidade de uma ação integrada que resulte numa política que seja, na prática,
realmente conjunta.
Além disto, também foi discutido no Fórum, a necessidade de dados técnicos e específicos
dos riscos sistematizados e disponíveis aos tomadores de decisão e aos gestores, o que se
relaciona ao segundo ponto destacado nos princípios da lei 12/VIII/2012, o qual diz respeito
às informações produzidas e, principalmente, divulgadas, de modo a propagar os dados e
conhecimentos concernentes aos diversos aspectos de um dado desastre socioambiental. Desta
forma, tanto os cidadãos como poder público, a sociedade civil, o setor privado ou a
academia, passam a ter mais uma fonte de preparação, no caso, a informação confiável e
compartilhada, resultando em decisões coordenadas a serem tomadas, em cada um destes
campos, uma vez que se baseiam em informações comuns que foram divulgadas em
concordância com os objetivos fundamentais. Porém, como observado no Fórum, estas
informações ainda não são compartilhadas e/ou utilizadas como deveriam, sendo esta uma
ação desintegrada de gestão de informação individualista, onde cada ator procura produzir e
usar informações dentro do seu próprio setor, sem dialogar com setores e disciplinas que
trabalham com o mesmo tema. Citam-se dois exemplos práticos, discutidos no dito encontro:
o primeiro é sobre a demanda de se repensar o modo de construção civil recorrente, no qual se
cobram mapas das instituições de estudo (como os Planos de Urbanização e as plantas
condicionantes), mas não se tem uma participação ativa dos órgãos governamentais locais; o
segundo é o inventário de riscos, com dados primários que relacionam os desastres
socioambientais já ocorridos em Cabo Verde, que foi construído a partir de demanda
levantada por instituições governamentais e privadas, ao buscarem documentos de RRD, o
que indica que, apesar de, em algumas áreas, ainda ser notável uma ação descoordenada, em
outras, já se vê uma integração de dados e, portanto, de ações sendo construída, em
concordância com o que a lei prevê.
A UNI-SPIDER (2012), também, debate sobre a necessidade de compartilhamento de dados e
informação, principalmente por conta da ausência total de dados em 2012, resultante da pouco
uso de informações espaciais pela SNPC. Apesar disto, a UN-SPIDER (2012) destacou a
colaboração da SNPC em aprimorar as capacidades de informação, numa ação conjunta com
144
outras instituições, assim como em estabelecer um número de emergência, o que facilita o
processo. Os alertas, segundo o mesmo relatório, são disseminados por TV e rádio, sendo que
para as organizações responsáveis é enviado um e-mail com o aviso necessário, mas,
sobretudo, ainda há a demanda de mapeamento do fluxo de informação tanto durante o
desastre quanto em atividades preventivas.
145
3
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE OS PAÍSES DA CPLP
Tendo em vista a apresentação já realizada neste trabalho do Quadro Internacional de Hyogo
e com base na discussão teórica sobre as categorias desastre, vulnerabilidade, risco e
resiliência, construiu-se uma matriz de análise para o estudo comparativo entre o conteúdo
das políticas nacionais do Brasil, de Portugal e de Cabo Verde, a fim de investigar a inserção
destas categorias para se compreender a perspectiva que cada política em RRD, por país, traz
sobre elas. O estudo das políticas públicas dos três países se baseia em uma análise de
conteúdo categorial, empregando as seguintes categorias: (1) categorias conceituais: (a)
conceito da categoria presente na lei, (b) influência dos conceitos nas práticas de proteção
civil, (c) categoria principal para o ator entrevistado; (2) QAH: (a) influência do QAH na
formulação da política, (b) incorporação da noção de gestão de risco nas ações de proteção
civil, (c) presença dos princípios do QAH na política, (d) participação de outras secretarias na
gestão de risco e (e) participação comunitária na gestão de risco; (3) CPLP (a) comunicação
sobre boas práticas, (b) intercâmbio acadêmico (pesquisas, alunos, professores, congressos,
etc.), (c) intercâmbio profissional (treinamentos, cursos, ações conjuntas, etc.), (d)
intercâmbio legislativo (discussão sobre as políticas atuais) e (e) comunicação pós GPDRR
(2013).
A escolha das categorias de análise se deve a importância que elas têm para a RRD,
principalmente, em seu recorte social. Segundo Robert e Bouillaguet (1997), a análise de
conteúdo pretende estudar de forma metódica, sistemática e objetiva o conteúdo de textos tais
como os de políticas públicas. Ela busca relevar, com base em uma matriz de leitura, os
elementos constitutivos do texto que passam desapercebidos a uma leitura corriqueira. A
análise de conteúdo guia a leitura a partir de uma intenção previamente dada na medida em
que ela está sendo orientada por parâmetros estabelecidos previamente pelo pesquisador. Tais
parâmetros são as categorias de análise escolhidas, no caso presente, com base em uma dada
temática (id., 1997), no caso presente a RRD, bem como na revisão de literatura feita sobre a
mesma.
De acordo com Bardin (2012), a organização da análise de conteúdo se dá em três fases
cronológicas: (1) a pré-análise, (2) a exploração do material e (3) o tratamento dos resultados,
a inferência e a interpretação. A primeira fase é fase da organização, de operacionalizar e
sistematizar as ideias iniciais, para resultar num plano de análise que, mesmo que flexível,
seja preciso, subdividindo-se em três outros períodos que não seguem ordem cronológica, mas
146
que se mantêm ligados uns aos outros: (a) escolha dos documentos: exaustivos,
representativos, homogêneos e pertinentes; (b) formulação das hipóteses e dos objetivos86; e
(c) elaboração de indicadores que fundamentam a interpretação final, que vêm ser precisos e
seguros, aplicáveis em recortes que possam ser categorizados e codificados. Já a segunda fase
é a da exploração do material, na qual ocorre uma aplicação sistemática das fases de pré
análise, com codificação, decomposição ou enumeração das informações de acordo com as
regras já formuladas, ou seja, é a analise em si. Finalmente, a terceira fase é a do tratamento
dos resultados, da inferência e da interpretação, quando “os resultados brutos são tratados de
maneira a serem significativos (‘falantes’) e válidos” (BARDIN, 2012, p.131)
Assim, nesta parte são utilizados os depoimentos coletados por meio de questionário
semiestruturado aplicado a atores executivos da Proteção e Defesa Civil em seus respectivos
países. São eles: o presidente da ANPC de Cabo Verde; e o Diretor Nacional de Planeamento
de Emergência 87 da ANPC de Portugal, juntamente com a Chefe do Núcleo de Riscos e
Alertas na mesma instituição. Além destes, em cada país, foram ouvidos outros atores em
relação a temática, como deputados, secretários nacionais, estaduais e municipais e
professores e pesquisadores acadêmicos, cujas reflexões sobre as respectivas legislações de
proteção civil foram essenciais para o desenvolvimento da análise a ser apresentada bem
como deste trabalho como um todo. No Brasil, contudo, o questionário enviado a três gestores
da área não retornou até a finalização desta pesquisa, mesmo tendo sido contatados por email
ou telefone várias vezes e até pessoalmente88.
Desta forma, será apresentado, neste capítulo, além das informações coletadas via
questionário, a matriz de análise com o fim de realizar uma análise de conteúdo das políticas
nacionais de proteção e defesa civil, de acordo com o orientado no QAH e com o discutido
sobre a teoria das diferentes categorias – desastre, vulnerabilidade, risco e resiliência – para
que, posteriormente, possam ser discutidos os resultados apresentados neste capítulo.
3.1 CATEGORIAS CONCEITUAIS
86
Segundo Bardin (2012) uma hipótese é definida como uma “suposição cuja origem é a intuição e que
permanece em suspenso enquanto não for submetida à prova de dados seguros” (p.128); e um objetivo é a
“finalidade geral (...), o quadro teórico e/ou pragmático, no qual os resultados obtidos serão utilizados” (p.128)
87
Cargo correspondente à vice presidência da ANPC.
88
No dia em que a entrevista estava marcada, o ator a ser entrevistado precisou viajar para Curitiba por conta de
uma emergência na cidade.
147
Esta primeira parte visa discutir (a) o conceito das categorias desastre, vulnerabilidade, risco e
resiliência presente em cada política nacional de proteção e defesa civil; (b) a influência
destes conceitos nas práticas de proteção civil tanto sugeridas nas políticas públicas quanto
apresentadas pelos diferentes atores entrevistados; e (c) a categoria principal, dentre as quatro
acima citadas, para o ator político entrevistado, sendo estes atores da esfera pública
envolvidos com a proteção e defesa civil de seus respectivos países. As respostas obtidas em
cada país juntamente com os documentos pesquisados serão comparados com base na
literatura estudada no primeiro capítulo do presente trabalho.
A PNPDEC, prevista pela lei brasileira 12608, não descreve nenhuma das categorias, como as
leis portuguesa e cabo verdiana. Portanto, dada a impossibilidade de contato com os atores
brasileiros para a pesquisa, como relatado, e a impossibilidade de inferência na lei sobre a
definição de cada categoria, o Brasil não será citado nesta sessão.
3.1.1
O CONCEITO DAS CATEGORIAS PRESENTE NA LEI
Nesta parte da análise, observou-se o que as categorias desastre, vulnerabilidade, risco e
resiliência significam em cada política e a partir da fala dos gestores entrevistados,
relacionando cada conceito com a literatura estudada. A pergunta feita aos entrevistados era
aberta, descrita da seguinte maneira: “Qual a concepção adotada pela proteção civil E/OU
pela lei com relação a: (a) desastre; (b) vulnerabilidade; (c) risco; e (d) resiliência?”.
a) Desastre
CATEGORIA
DESASTRE
PORTUGAL
- A conceituação está na Lei de Bases. Não é utilizado o
termo desastre em si, mas sim os termos acidente grave e
catástrofe, descritos no artigo 3o da lei89
- “1—Acidente grave é um acontecimento inusitado com
efeitos relativamente limitados no tempo e no espaço,
susceptível de atingir as pessoas e outros seres vivos, os
bens ou o ambiente. 2—Catástrofe é o acidente grave ou a
série de acidentes graves susceptíveis de provocarem
elevados prejuízos materiais e, eventualmente, vítimas,
89
A partir deste item, serão apresentados em itálico os trechos que se referirem às falas dos atores.
148
afectando intensamente as condições de vida e o tecido
sócio-económico em áreas ou na totalidade do território
nacional” (ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 2006, p. 1)
CABO VERDE
- Acidente de grande envergadura que pode afetar um
município uma ilha ou um país e, conforme a área afetada,
este desastre pode ser considerado como um estado de
calamidade nessa área ou na zona afetada. De acordo com
sua envergadura, ele poderá ser enfrentado pelo município
ou então ainda pelo SNPC. Se for de grande envergadura,
é assumido e coordenado pelo SNPC.
- “2—Acidente grave é um acontecimento inusitado com
efeitos relativamente limitados no tempo e no espaço,
susceptível de atingir as pessoas e outros seres vivos, os
bens ou o ambiente. 3—Catástrofe é o acidente grave ou a
série de acidentes graves susceptíveis de provocarem
elevados prejuízos materiais e, eventualmente, vítimas,
afectando intensamente as condições de vida e o tecido
socioeconómico em todo ou parte do território nacional”
(CABO VERDE, 2012, p. 1)
QUADRO 12: Conceito das categorias desastre segundo as políticas públicas e os atores
entrevistados. Fonte: entrevistas e políticas públicas.
No conceito português e no cabo-verdiano (Quadro 12), o desastre em si é referido como um
acontecimento externo, de origem natural, sem relações socioeconômicas prévias ao seu
acontecimento. Esta visão se distancia daquela discutida por Quarantelli (2005), ao afirmar
que os desastres são um fenômeno social enraizados na estrutura social, ou seja, o desastre
não tem origens naturais apenas, mas, também, sociais, especialmente por causa da
transformação da natureza realizada pelo ser humano (GIDDENS, 1991; DOMBROWSKY,
1998). A concepção que aparece nessas duas leis, portanto, não engloba a ação humana e o
contexto social como fatores prévios ao desastre, definindo sua ocorrência como um acidente.
Na descrição de Portugal, porém, o termo catástrofe traz em sua definição as consequências
socioeconômicas do evento. Esta ideia está em concordância com o proposto por Lindell
(2011) sobre os impactos causados, decorrentes da interação entre fatores ambientais e sociais
149
em um desastre, sendo os impactos sociais, para o autor, os psicossociais, os demográficos, os
econômicos e os políticos. Assim, Lindell conceitua os desastres como antecessores de
rupturas sociais, como, também, propôs Perry (2005) ao reconhecê-los como disruptivos para
relações sociais em um contexto específico de mudança e adaptabilidade humana e
institucional. Como visto no capítulo 1, outros autores como Ribeiro (1995) e Valencio
(2009a), também, discutem as consequências sociais do desastre. Assim, a definição de
Portugal sobre desastres se assemelha ao chamado período clássico (PERRY, 2007), no qual o
desastre era visto como um agente externo sim, mas causador de rupturas sociais. Percebe-se
estas rupturas na lei quando fala de prejuízos “afetando intensamente” a vida e o tecido
socioeconômico causados, portanto, pela catástrofe.
Já na descrição de Cabo Verde, é notável a influência portuguesa na formulação da lei e na
definição categorial. Ainda mais, se destaca a dimensão espacial do desastre. Esta dimensão é
debatida, principalmente, por Dombrowski (1998) e Lindell (2011), quando apontam que este
modelo espacial especifica as áreas de impacto, regionais ou comunitárias, de vítimas e de
danos físicos, sendo que os limites entre as possíveis zonas de impacto podem ser incertos,
dadas as características do evento, de ocupação e da comunidade em si. Também, se destaca
no conceito cabo-verdiano a necessidade de assistência após o evento, como definido por
Guha-Sapir et. al (2012) ao relacionarem o desastre com a restrição da capacidade local de
agir consequente a ocorrência de tal desastre, o que vem a resultar na demanda de assistência
local, nacional ou internacional.
b) Vulnerabilidade
CATEGORIA
VULNERABILIDADE
PORTUGAL
- Não há um conceito específico na lei
- A definição se refere à afetação de pessoas, bens e
ambiente por um acidente ou catástrofe.
CABO VERDE
- Aquilo que é anterior ao desastre e que vai afetar em
grande medida o risco.
- Por exemplo, pode haver o risco de deslizamento de terra,
então, são estudadas as vulnerabilidades, isto é, o que
devemos ter para enfrentar esse risco – se não temos é
porque estamos vulneráveis.
150
QUADRO 13: Conceito das categorias vulnerabilidade segundo as políticas públicas e os
atores entrevistados. Fonte: entrevistas e políticas públicas.
Na fala dos atores de Portugal (Quadro 13), a vulnerabilidade é considerada apenas após o
desastre, de acordo com o quanto as pessoas, bens ou ambiente foram afetados por um
acidente ou catástrofe. Esta perspectiva se relaciona a apresentada por Carmo (2012) ao
discutir que, mesmo que a exposição a riscos possa ser igual, a capacidade de enfrentá-los se
difere entre grupos sociais que são
mais ou menos vulneráveis – sendo estes últimos
considerados invisíveis. Porém não há uma perspectiva que abranja o contexto
socioeconômico e ambiental da vulnerabilidade prévio ao desastre, construído historicamente
pelo modelo de desenvolvimento e que é intensificado durante e após sua ocorrência. Assim,
a noção portuguesa se distancia de Valencio (2009c), que destaca a construção da
vulnerabilidade prévia ao desastre e sua influência sobre os riscos e sobre as capacidades
adaptativas, uma vez que as desigualdades socioeconômicas e ambientais fazem com que o
acesso às informações e tecnologias bem como a possibilidade de inclusão e habitação em
áreas seguras sejam assimétricos.
Já para Cabo Verde (Quadro 13), é existente a concepção da vulnerabilidade antes do desastre
e de sua relação com o risco na medida em que ela se refere a ausência de habilidades e/ou
estruturas para enfrentá-lo. Isto é, quanto menor a capacidade para reagir a um risco, mais
vulnerável é a comunidade ou ambiente, sendo que esta capacidade é construída antes do
desastre ocorrer. Perry (2007) e Da-Silva-Rosa et al (2013) deixam claro que a
vulnerabilidade é um fator que vem influenciar o rompimento de dada estrutura social em um
contexto de desastre, o que na política pública de Cabo Verde não aparece quando se refere a
desastre e vulnerabilidade.
c) Risco
CATEGORIA
RISCO
PORTUGAL
- Não tem definição única, dependendo do tema, aplica-se
uma definição: para cheias é uma definição 90 , para
acidentes industriais91, outra.
- Em termos gerais, o risco é a probabilidade de algo
90
91
Decreto 254/2007.
Decreto 344/2007
151
acontecer com consequências danosas.
CABO VERDE
- O que poderá vir a ser, que está iminente, podendo
desembocar num acidente ou num desastre. Por exemplo,
um risco de inundação que, quando concretizado, é um
acidente/calamidade/desastre.
QUADRO 14: Conceito das categorias risco segundo as políticas públicas e os atores
entrevistados. Fonte: entrevistas e políticas públicas.
Nas perspectivas portuguesa e cabo-verdiana (Quadro 14), o risco está ligado com o evento
natural e a probabilidade de sua ocorrência, sem abordar fatores socioeconômicos e políticos
ausentes na definição de desastre, como a relação entre o risco e os fatores socioambientais
apresentada por Giddens (1991), Lenzi (2006), Beck (2011) e Douglas e Wildavsky (2012). A
incerteza do risco vem presente nas descrições da categoria risco referente à probabilidade da
ocorrência do desastre, porém não ultrapassa os fatores ambientais. Desta forma, o risco não é
considerado em todas as suas possibilidades, como social, econômica e cultural, deixando a
desejar no que concerne à sua complexidade. Portanto, o que se tem é uma noção de risco
tradicional, por nem considerá-lo como historicamente construído e nem como sendo
multidimensional.
d) Resiliência
CATEGORIA
RESILIENCIA
PORTUGAL
- Palavra em voga que aponta para a capacidade de
recuperação de um acidente grave ou catástrofe e de
retorno ao estado prévio.
CABO VERDE
- Aquilo que gera força e resistência para enfrentar as
consequências do risco, perante a existência de um
desastre. Ser resiliente a uma inundação, por exemplo, é
haver capacidade para que, no caso da ocorrência da
inundação, menos pessoas possíveis sejam afetadas.
QUADRO 15: Conceito das categorias resiliência segundo as políticas públicas e os atores
entrevistados. Fonte: entrevistas e políticas públicas.
Percebe-se na fala dos atores de Portugal e de Cabo Verde (Quadro 15) uma consonância no
sentido de conceituarem a resiliência, tal como proposto por Moraes e Rabinovich (1996)
como o conjunto de fatores que vêm a colaborar no enfrentamento e na superação de
152
problemas como, neste caso, um desastre socioambiental. Nos três polos apresentados por
Junqueira e Deslandes (2003) 92 os conceitos de ambos os países se encaixariam como
adaptação e algo circunstancial sem deixarem margem para que se discuta se a resiliência
seria um fator inato ou adquirido.
Assim, percebe-se, com base no exposto sobre Portugal e Cabo Verde, certa semelhança entre
os conceitos das categorias risco e resiliência enquanto as categorias desastre e
vulnerabilidade apresentam algumas dissonâncias. Autores como Taboada et al (2006),
Valencio (2009a) e Perry (2007) concordam quanto a dificuldade na definição única de tais
categorias, o que justifica a variabilidade de significados apresentados. Porém, como se
tratando de um tema complexo, faz-se necessário que cada uma das categorias, também, seja
abordada a partir de uma perspectiva complexa, sem se limitar a um único fator ou dimensão,
como o ambiental, ou a um único momento, como o pós desastre.
3.1.2
A INFLUÊNCIA DOS CONCEITOS NAS PRÁTICAS DE PROTEÇÃO
CIVIL
Com as informações levantadas, buscou-se avaliar o quanto o conceito de cada categoria
influenciaria na prática de cada proteção civil nacional. Neste sentido, os entrevistados
deveriam responder se cada categoria é muito relevante, parcialmente relevante ou pouco
relevante. Para tal, foi perguntado “como essas concepções influenciam na prática das ações
de proteção civil?”, sendo uma resposta fechada por categoria de múltipla escolha entre:
muito relevante, parcialmente relevante ou pouco relevante, não sendo mandatória a
justificativa (Quadro 16).
PAÍS
RELEVÂNCIA DA CATEGORIA
PORTUGAL
-
Todas
as
categorias
são
muito
relevantes.
CABO VERDE
- Todas as categorias são assinaladas
como muito relevantes, já que todos os
92
Processo de adaptação (estar saudável apesar da adversidade) X superação (desenvolvimento através da
adversidade); fator inato (característica inerente a natureza humana) X fator adquirido (socialmente construída);
algo circunstancial (estratégia utilizada em dado contexto) X característica permanente (traço de personalidade
mantido ao longo da vida).
153
termos
influenciam
nas
operações,
devendo ser levados em conta todos estes
fatores, tanto no planejamento como nas
operações.
QUADRO 16: Relevância das categorias por país. Fonte: Entrevista, 2014.
Todos os atores entrevistados apresentam a mesma opinião quanto à relevância que as
categorias teóricas têm para suas respectivas práticas de proteção civil. Isto aponta para uma
prática, pelo menos a princípio, respaldada numa reflexão teórica sobre o significado das
temáticas com as quais se trabalha, num caráter convencional. Ainda, esta relevância parece
se desdobrar em uma ação conjunta do executivo com os que lidam diretamente com a
conceituação e discussão sobre cada uma das categorias, tais como pesquisadores e
professores acadêmicos, provenientes das diversas áreas de estudo e atuação. Esta governança
promove, de certa forma, a construção e a prática mais interdisciplinar das políticas públicas,
como proposto por Souza (2006), Capella (2007), Chacín (2008) e Valencio (2009d). Estes
autores discutem que o maior número de atores locais envolvidos, atuando na formulação e
implementação das políticas pode, por um lado, minimizar os danos de um desastre,
enquanto, por outro lado, pode aumentar a legitimidade dos órgãos públicos.
3.1.3
A
CATEGORIA
PRINCIPAL
PARA
O
ATOR
POLÍTICO
ENTREVISTADO
Foi pedido para cada entrevistado, dentre as quatro categorias, qual delas seria considerada
como a principal, a fim de se observar o foco da gestão e o direcionamento da atuação no
âmbito da proteção civil nacional (Quadro 17).93
PAÍS
CATEGORIA PRINCIPAL
PORTUGAL
- RISCO, por ser considerada a base
para uma análise sobre o que pode vir a
afetar
o
país
ou
uma
localidade
específica e é a partir desta análise que
se
constrói
o
planejamento
de
emergência e de resposta.
93
“Gostaria de destacar a influência de algum conceito como principal ou mais relevante?”
154
CABO VERDE
- RESILIÊNCIA, considerada necessária
a criação da resiliência em todas as
áreas e comunidades do país, de forma a
construírem um país resiliente aos riscos
ou
desastres
específicos
de
cada
localidade.
- Para isto, o presidente da ANPC deixa
claro que a identificação de um risco é
essencial
no
processo
de
criar
a
resiliência para que, em caso do risco se
tornar um desastre, as pessoas serão
menos afetadas.
QUADRO 17: Categoria principal. Fonte: Entrevistas, 2014.
Apesar do caráter convencional apontado no item 3.1.1, as respostas portuguesa e caboverdiana confirmam o que fora apresentado sobre a atual mudança no paradigma da proteção
civil: de gestão do desastre para gestão de risco. Assim, a priorização das categorias risco e
resiliência se adequa à mudança de paradigma no sentido dos países se prevenirem e se
prepararem para as possíveis ocorrências de desastre, possibilitando a integração em suas
iniciativas do paradigma da sustentabilidade e promovendo uma ação conjunta entre o
governo, as instituições técnicas, o setor privado e a própria comunidade (UNISDR, 2004,
2013a). No entanto, fica uma dúvida: como seria isto possível considerando o caráter
convencional destas categorias identificado anteriormente?
3.2 A INFLUÊNCIA E O PAPEL DO QAH
Neste item, buscou-se analisar (a) a influencia do QAH na formulação da política; (b)
presença das prioridades de ação do QAH em cada política; (c) a incorporação da noção de
gestão de risco nas ações de proteção civil; (d) a participação de outras secretarias na gestão
de risco; e (e) a participação comunitária na gestão de risco. Para isto, com base na discussão
prévia sobre o marco, serão focados os possíveis desdobramentos do mesmo em cada política,
uma vez que o marco
155
Support the creation and strengthening of national integrated disaster risk
reduction mechanisms, such as multi sectoral national platforms, with
designated responsibilities at the national through to the local levels to
facilitate coordination across sectors.94 (UNISDR, 2007, p. 6)
Além de buscarem facilitar a coordenação dos diferentes setores envolvidos, as plataformas
nacionais podem ser compreendidas como estratégias capazes de incentivar a inserção da
RRD nas políticas de desenvolvimento em qualquer nível e setor, inclusive naquelas voltadas
para a redução da pobreza. Neste sentido, o marco procura reconhecer, ainda, as
especificidades locais quanto ao processo de construção de risco, promovendo, também, o
incentivo às atividades de redução de risco.
Da mesma forma que no item 3.1, os gestores executivos de Proteção e Defesa Civil do Brasil
não participaram das entrevistas, se tornando inviável que se tente inferir as respostas apenas
com base na Lei 12.608, o que ocorreu apenas no item 3.2.2 e 3.2.5. já no item 3.2.3, sobre a
incorporação da noção de gestão de risco nas ações de Proteção Civil, o caso brasileiro foi
discutido com a apresentação do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres
Naturais.
3.2.1
INFLUÊNCIA DO QAH NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA
Neste aspecto, avaliou-se o quanto o QAH foi relevante na construção das políticas nacionais
de proteção civil no âmbito nacional de cada país, já que o marco prevê que políticas sejam
estabelecidas como resultado da implementação do QAH no país. Para tal, utilizou-se a
pergunta fechada “Você considera haver alguma influencia do QAH na formulação da
política?”, com possibilidade de resposta sim ou não, sendo a sua justificativa mandatória.
Para Portugal, o QAH parece não ter influenciado na formulação da Lei de Bases, porque os
princípios contemplados no marco já estivam implementados no país desde a década de 1990,
sem o QAH. É provável, porém, que com a campanha das cidades resilientes e de mitigação
de riscos, entre outras campanhas, a influência se amplie, de acordo com os relatos. Mesmo
94
“a) Apoia a criação e fortalecimento de mecanismos nacionais integrados para RRD, como plataformas
nacionais multi-setoriais, com responsabilidades designadas do nível nacional ao local para facilitar a
coordenação através dos setores.” Tradução nossa.
156
estando este esforço de acordo com o objetivo estratégico do QAH (UNISDR, 2007) 95, o
QAH vem, muito mais, fortalecer as políticas e planos de RRD já existentes naquele país,
incorporando-se a eles. Ainda de acordo com a informação obtida na entrevista, o grande
incentivador do tema em Portugal foi o European Forum for DRR96, fazendo com que o QAH
passasse a exercer maior influência. É válido destacar que a relação de Portugal com
European Forum for DRR não diminui sua participação na CPLP, até porque esta
Comunidade mobiliza os países membros a participarem de outras entidades internacionais
que promovam a integração regional, criando uma conexão entre os diferentes processos de
integração da economia regional e internacional (ALVES, 1995; MONTEIRO, 1996).
Já no Cabo Verde, o QAH influenciou mais diretamente no processo de formulação da Lei
12/VIII/2012. Ou seja, esta é um resultado de um compromisso assumido dentro do QAH
entre os países que estiveram na plataforma, os quais assumiram fundamentalmente quanto à
construção e fortalecimento da resiliência nos respectivos países. Ë visível para a ANPC
cabo-verdiana que as ações do governo têm criado infraestrutura e, consequentemente,
aumentado a resiliência: como a construção da barragem de Santa Cruz, que promoveu a
mitigação quase completa do risco de inundação, afetando menos a agricultura e as pessoas; o
asfaltamento das estradas; e a construção de diques, que contribuem para que as localidades
não fiquem isoladas. O desenvolvimento da Lei 12/VIII/2012, portanto, vem a corresponder
ao primeiro objetivo estratégico do QAH (UNISDR, 2007), que visa a coesão entre as
considerações sobre RRD e as políticas de desenvolvimento sustentável, de modo que o
planejamento nos diferentes níveis enfatizem a prevenção, a mitigação, a preparação e a
redução de vulnerabilidade.
3.2.2
PRESENÇA DAS PRIORIDADES DE AÇÃO DO QAH NA POLÍTICA
Independente da influência do QAH na formulação das leis, o que se buscou com este tópico
foi analisar se as cinco prioridades de ação do QAH97 estão previstas, ou não, em cada política
nacional. Isto porque o marco propõe que a RRD seja assegurada como prioridade nacional a
partir de uma forte base institucional (UNISDR, 2007). Para tal, na entrevista, utilizou-se a
95
De incorporar sistematicamente as abordagens de RRD no planejamento e nas práticas de preparação, resposta
e recuperação e reconstrução.
96
O Fórum Europeu para RRD (tradução nossa) foi criado em 2009 e lançado oficialmente em 2010, servindo
como uma arena que facilita a comunicabilidade entre os pontos focais nacionais europeus para o QAH, as
plataformas nacionais e os parceiros regionais, estimulando a discussão coordenada sobre RRD e a troca de
experiências, de boas práticas e de informações entre os países membros. Disponível em
http://www.unisdr.org/files/19800_efdrrwebfinal.pdf. Acesso em 12 de junho de 2014.
97
Descritos na página 130 (capítulo 2) deste trabalho.
157
pergunta fechada “com relação às cinco prioridades de ação do QAH, na sua opinião quais
estão previstas na lei do país?”, com respostas entre mais presente, parcialmente ou pouco
presente.
Para a ANPC de Portugal, as cinco prioridades de ação estão muito presentes na Lei de Bases,
como podem ser vistos, no Quadro 18, alguns artigos da lei que ilustram esta presença.
PRIORIDADE
LEI DE BASES
DE AÇÃO
(1) Priorizar as Artigo 4o “1 – São objectivos fundamentais da protecção civil: a)
ações de RRD
Prevenir os riscos colectivos e a ocorrência de acidente grave ou de
catástrofe deles resultante”
(2)
Conhecer Artigo 4o “2—A actividade de protecção civil exerce-se nos
os
riscos
tomar decisão
e seguintes domínios: a) Levantamento, previsão, avaliação e
prevenção dos riscos colectivos; b) Análise permanente das
vulnerabilidades perante situações de risco.”
(3)
Construir Artigo 4o “2—A actividade de protecção civil exerce-se nos
entendimento e seguintes domínios: c) Informação e formação das populações,
conscientização visando a sua sensibilização em matéria de autoprotecção e de
colaboração com as autoridades; (…) f) Estudo e divulgação de
formas adequadas de protecção dos edifícios em geral, de
monumentos e de outros bens culturais, de infra-estruturas, do
património arquivístico, de instalações de serviços essenciais, bem
como do ambiente e dos recursos naturais.”
(4) Reduzir o Artigo 5o “Para além dos princípios gerais consagrados na
risco
Constituição e na lei, constituem princípios especiais aplicáveis às
actividades de protecção civil: b) O princípio da prevenção, por
força do qual os riscos de acidente grave ou de catástrofe devem ser
considerados de forma antecipada, de modo a eliminar as próprias
causas, ou reduzir as suas consequências, quando tal não seja
possível; c) O princípio da precaução, de acordo com o qual devem
ser adoptadas as medidas de diminuição do risco de acidente grave
ou catástrofe inerente a cada actividade, associando a presunção de
imputação de eventuais danos à mera violação daquele dever de
158
cuidado.”
Estar Artigo 4o “1 – São objectivos fundamentais da protecção civil: c)
(5)
preparado
pronto
e Socorrer e assistir as pessoas e outros seres vivos em perigo
para proteger bens e valores culturais, ambientais e de elevado interesse
agir
público; d) Apoiar a reposição da normalidade da vida das pessoas
em áreas afectadas por acidente grave ou catástrofe.”
QUADRO 18: Presença das prioridades de ação na Lei de Bases. Fonte: ASSEMBLEIA DA
REPÚBLICA, 2006
Também para a ANPC de Cabo Verde, todas as cinco prioridades de ação estão muito
presentes na Lei 12/VIII/2012, como demostrado no Quadro 19. Como a Lei 12/VIII/2012 foi
construída com base na Lei de Bases portuguesa e com auxilio de legisladores portugueses, os
artigos a serem citados como exemplos da presença dos princípios de ação do QAH na lei
cabo-verdiana são semelhantes ao citados no caso de Portugal.
PRIORIDADE
LEI 12/VIII/2012
DE AÇÃO
(1) Priorizar as Artigo 4o “São objectivos fundamentais da protecção civil: a)
ações de RRD
Prevenir os riscos colectivos e a ocorrência de acidente grave ou de
catástrofe deles resultante”
(2)
Conhecer Artigo 5o “A actividade de protecção civil exerce-se nos seguintes
os
riscos
tomar decisão
e domínios: a) Levantamento, previsão, avaliação e prevenção dos
riscos colectivos; b) Análise permanente das vulnerabilidades
perante situações de risco.”
(3)
Construir Artigo 5o “A actividade de protecção civil exerce-se nos seguintes
entendimento e domínios: c) Informação e formação das populações, visando a sua
conscientização sensibilização em matéria de autoprotecção e de colaboração com
as autoridades; (…) f) Estudo e divulgação de formas adequadas de
protecção dos edifícios em geral, de monumentos e de outros bens
culturais, de infra-estruturas, do património arquivístico, de
instalações de serviços essenciais, bem como do ambiente e dos
recursos naturais.”
(4) Reduzir o Artigo 6o “Para além dos princípios gerais consagrados na
risco
Constituição e na lei, constituem princípios especiais aplicáveis às
159
actividades de protecção civil: b) O princípio da prevenção, por
força do qual os riscos de acidente grave ou de catástrofe devem ser
considerados de forma antecipada, de modo a eliminar as próprias
causas, ou reduzir as suas consequências, quando tal não seja
possível; c) O princípio da precaução, de acordo com o qual devem
ser adoptadas as medidas de diminuição do risco de acidente grave
ou catástrofe inerente a cada actividade, associando a presunção de
imputação de eventuais danos à mera violação daquele dever de
cuidado.”
Estar Artigo 4o “São objectivos fundamentais da protecção civil: c)
(5)
preparado
pronto
e Socorrer e assistir as pessoas e outros seres vivos em perigo
para proteger bens e valores culturais, ambientais e de elevado interesse
agir
público; d) Apoiar a reposição da normalidade da vida das pessoas
em áreas afectadas por acidente grave ou catástrofe.”
QUADRO 19: Presença das prioridades de ação na Lei 12/VIII/2012. Fonte: CABO VERDE,
2012
Por conta do foco neste item ser para a política pública em si, abaixo está apresentada a
análise da PNPDEC brasileira (Quadro 20).
PRIORIDADE
LEI 12.608
DE AÇÃO
(1) Priorizar as Art. 4o “São diretrizes da PNPDEC: I - atuação articulada entre a
ações de RRD
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para redução
de desastres e apoio às comunidades atingidas”
(2)
Conhecer Art. 4o “São diretrizes da PNPDEC: V - planejamento com base em
os
riscos
tomar decisão
e pesquisas e estudos sobre áreas de risco e incidência de desastres no
território nacional.”; Art. 5o “São objetivos da PNPDEC: X estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo
em vista sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos
recursos hídricos e da vida humana; XI - combater a ocupação de
áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e promover a
realocação da população residente nessas áreas; XII - estimular
iniciativas que resultem na destinação de moradia em local seguro.”
160
(3)
Construir Art. 5o “São objetivos da PNPDEC: XIII - desenvolver consciência
entendimento e nacional acerca dos riscos de desastre; XIV - orientar as
conscientização comunidades a adotar comportamentos adequados de prevenção e
de resposta em situação de desastre e promover a autoproteção; e
XV - integrar informações em sistema capaz de subsidiar os órgãos
do SINPDEC na previsão e no controle dos efeitos negativos de
eventos adversos sobre a população, os bens e serviços e o meio
ambiente.”
(4) Reduzir o Art. 5o “São objetivos da PNPDEC: I - reduzir os riscos de
risco
desastres; IV - incorporar a redução do risco de desastre e as ações
de proteção e defesa civil entre os elementos da gestão territorial e
do planejamento das políticas setoriais; VII - promover a
identificação
e
avaliação
das
ameaças,
suscetibilidades
e
vulnerabilidades a desastres, de modo a evitar ou reduzir sua
ocorrência;”
Estar Art. 5o “São objetivos da PNPDEC: II - prestar socorro e assistência
(5)
preparado
pronto
e às populações atingidas por desastres; III - recuperar as áreas
para afetadas por desastres.”
agir
QUADRO 20: Presença das prioridades de ação na Lei 12/VIII/2012. Fonte: BRASIL, 2012.
Os cinco princípios de ação de Hyogo estão, portanto, presentes na PNPDEC tanto em seus
objetivos como em suas diretrizes, de modo que a legislação nacional brasileira esteja de
acordo com a discussão internacional sobre a RRD. Assim, percebe-se que nas três leis os
princípios de ação do QAH estão presentes, independente do marco ter influenciado a
formação da lei cabo verdiana, ou não, como na lei portuguesa, o que parece apontar para
uma conscientização e entendimento sobre a gestão de risco nas políticas nacionais do Brasil,
de Portugal e de Cabo Verde.
3.2.3
INCORPORAÇÃO DA NOÇÃO DE GESTÃO DE RISCO NAS AÇÕES
DE PROTEÇÃO CIVIL
O objetivo desta parte era de verificar a inserção da gestão de risco na prática de cada órgão
de proteção civil; isto é, o quanto ela está presente na implementação da política e, para tal,
foi perguntado aos atores: “Na sua opinião, a Proteção e Defesa Civil do país tem alguma
161
atuação na gestão de risco OU incorporou a noção de gestão de risco nas suas ações?
Exemplifique.” Além disto, serão apresentados aqui os planos nacionais referentes a gestão de
risco, a saber, o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais
(incluindo o Brasil na discussão), a Plataforma Nacional para Redução do Risco de Catástrofe
(Portugal) e a Plataforma Nacional para a Redução de Risco de Desastre (Cabo Verde),
mencionados nos relatos dos entrevistados.
No Brasil, o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais não consta
descrito na lei 12.608, mas se respalda nas diretrizes desta lei que validam as ações neste
plano, como a referência aos planos habitacionais e à criação de sistemas de monitoramento
(BRASIL, 2012a). O Plano propõe, para o período de 2012 a 2014, um investimento de R$
18,8 bilhões divididos entre prevenção, mapeamento das áreas de risco (R$ 162 milhões),
monitoramento e alerta, e resposta (BRASIL, 2012b). Destaca-se que a quantidade destinada
para a prevenção é superior às demais quantidades já que a gestão de risco pressupõe o foco
na prevenção que visa diminuir, antecipadamente, prejuízos de vidas, físicos e econômicos.
Cada fase do Plano de Gestão de Risco conta com uma série de ações que vêm sendo
desenvolvidas desde 2012 e têm enfrentado os desastres socioambientais a partir de um
trabalho mais integrado, englobando desde a prevenção até a resposta.
O Plano indica a classificação de 170 municípios como prioritários em casos de inundação e
deslizamentos e, para o caso da seca, propõe a ampliação de oferta de água para todos os
estados do Nordeste e para o Semiárido do estado de Minas Gerais. Na fase da prevenção, a
previsão de R$ 15,6 bilhões prioriza obras de prevenção a serem feitas como de contenção de
encostas, drenagem, contenção de cheias, barragens, adutoras, sistemas de abastecimento de
água, sendo R$ 6,5 bilhões para obras já selecionadas, a serem realizadas em diferentes
estados das regiões nordeste, sudeste e sul do país (BRASIL, 2012b). Apesar das ações serem
extensas e variadas, percebe-se que são estritamente técnicas e estruturais, não envolvendo
projetos que englobem o viés da educação, por exemplo, que faria com que as informações
sobre prevenção chegassem até a comunidade; porém sabe-se que tais ações não-estruturais já
são desenvolvidas e que contribuem para a gestão de risco, mesmo que não homologadas
dentro deste Plano específico.
Na preparação, o Plano prioriza o mapeamento de 821 municípios com áreas de risco de
deslizamentos e enxurradas e 17 bacias que, em 2012, estavam em risco crítico de inundação,
de forma que as áreas não mapeadas não sejam negligenciadas nas ações de monitoramento e
162
alerta. Estas ações são: a criação e o fortalecimento do Centro Nacional de Monitoramento e
Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN), que emite alertas de enxurradas e deslizamentos,
principalmente nos municípios mapeados, com 2 a 6 horas de antecedência e emite previsão
de impacto da seca na agricultura com até 2 meses de antecedência, expandindo, portanto, a
rede de observação; e do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (CENAD),
que comunica os alertas para todos os estados e municípios, fazendo com que a resposta a
desastres, a análise e o compartilhamento das informações sobre áreas de risco e desastres
sejam articuladas entre os órgãos federais, estaduais e municipais. (BRASIL, 2012b)
Finalmente, a resposta inclui uma integração da força nacional do SUS, força nacional de
emergência, forças armadas, cartão de pagamento da defesa civil98, processo simplificado de
compra e nova logística de distribuição99, fortalecimento das defesas civis em 106 municípios
com apoio técnico e equipamentos, capacitação em defesa civil e gestão de riscos para 10 mil
agentes de defesa civil, 4 mil membros da sociedade civil organizada e 2130 profissionais
especializados, R$ 2,6 bilhões para atender a assistência, socorro e reconstrução e o programa
Minha Casa, Minha Vida, que disponibilizou 50 mil unidades habitacionais e dispensou o
pagamento das prestações para a população atingida por desastres com renda até R$3100,
sendo que a contrapartida de estados e municípios é oferecer infraestrutura, terreno e aluguel
social. (BRASIL, 2012b)
No caso de Portugal, a Plataforma Nacional para Redução do Risco de Catástrofe foi lançada
tendo em sua composição diferentes órgãos públicos, ONGs, Universidades, setor privado e
outras instituições e grupos setoriais, em 2010, cinco anos após o QAH, integrando a GPDRR
em 2011 e definindo um plano de atividades em 2012, para o biênio 2012-2014
(PORTUGAL, 2014). O plano de atividades proposto conta com dez iniciativas, sendo que
uma, na época da pesquisa (fevereiro/2014) já havia sido concluída, quatro eram
categorizadas “em curso”, e cinco “em progresso” (Quadro 20).
EM CURSO
INICIATIVAS
- desenvolvimento de pesquisas universitárias sobre as
necessidades do sistema quanto à prevenção, previsão, resposta e
mitigação de risco;
- formação de professores na área de proteção civil, em parceria
com o Ministério da Educação e elaborando manuais de apoio de
98
267 municípios e 19 estados já possuem este cartão, 72 municípios e 16 estados já receberam recursos pelo
cartão, R$243 mi até julho 2012.
99
Com de cooperação com Correios.
163
formação;
- ampliação da segurança das estruturas de saúde e ensino,
envolvendo outras entidades responsáveis para politicas de
prevenção, preparação e resposta;
- construção de brigadas locais para primeira intervenção nos
centros urbanos antigos.
EM
- coordenação de um concurso municipal, anual, para reconhecer
PROGRESSO
as boas práticas de RRD;
- aumento da aproximação entre as ordens e as associações
profissionais, incorporando matérias sobre a proteção civil nos
currículos universitários de engenharia, medicina, arquitetura e
enfermagem;
- concurso nacional de desenho sobre a proteção civil nas escolas;
- desenvolvimento de bolsas de voluntários para psicólogos,
engenheiros, arquitetos e engenheiros técnicos;
- Rede Nacional de Comunicadores de Proteção Civil, definindo
uma estratégia de comunicação integrada e integradora, por uma
plataforma web com uma biblioteca online de boas práticas,
resultando na informação pública.
CONCLUÍDAS - aprimoramento dos currículos escolares. nas matérias de proteção
civil;
QUADRO 21: Iniciativas do plano de atividades. Fonte: PORTUGAL, 2014
Entre tantas atividades, é claro o forte envolvimento das ações propostas pelo plano com o
sistema de educação, desde a infantil até a universitária. Deste modo, observa-se a
preocupação de ser uma atividade intersetorial e interdisciplinar por integrar o sistema e os
profissionais da proteção civil com os do Ministério da Educação. Ressalta-se, ainda, que
aponta para a relevância da educação e do compartilhamento de informação com a
comunidade no tocante à temática da proteção civil, envolvendo crianças, adolescentes e
jovens no processo de prevenção e preparação, bem como na multiplicação deste
conhecimento ministrado nas escolas, em linguagem apropriada e com profissionais treinados
para isto.
A Plataforma Nacional para Redução do Risco de Catástrofe ainda indica atividades da ISDR
em diferentes níveis. No nível local, cita-se as brigadas de intervenção local e as cidades
resilientes; e no nacional, a elaboração do quadro legal, que inclui o planejamento
emergencial, o ordenamento territorial, a avaliação dos impactos ambientais e o plano setorial
de prevenção e RRD, e a demarcação de áreas de intervenção (áreas de incêndios florestais e
urbanos, inundações, etc.). Além disto, há as atividades de RRD, que incluem a identificação,
a avaliação e o monitoramento dos riscos (plataforma de planos de emergência 100 online e
100
http://planos.prociv.pt/Pages/homepage.aspx
164
mapas de risco), a promoção da cultura de segurança e preparação para emergência (com forte
trabalho na divulgação de informação com publicação impressa101 e online102) e a redução dos
fatores de risco (guias, manuais e estudos) (PORTUGAL, 2014). Sobre isto, a Lei de Bases
afirma, no 7o artigo do capítulo I sobre o direito à informação sobre os riscos e sua
prevenção/minimização, as responsabilidades da proteção civil e demais instituições e a
inclusão nos diversos programas de ensino de matérias de proteção civil e autoproteção
(ASSEMBLEIA DA REPUBLICA, 2006), o que não é visto no caso brasileiro.
Ou seja, as ações da Plataforma Nacional para Redução do Risco de Catástrofe de
compartilhamento de informação e de inserção da temática da proteção civil na educação, em
seus diversos níveis, são coerentes com o proposto pela Lei de Bases quanto ao direito
existente aos cidadãos de terem acesso ao conhecimento sobre esta temática, sendo
conscientizados sobre os riscos e os desastres socioambientais, tanto pelo viés da educação
formal quanto por ações publicitarias e de divulgação oficial da ANPC.
Ainda é valido ressaltar, quanto às cidades resilientes, que quatro municípios portugueses já
possuem o selo de Cidade Resiliente a saber, os municípios de Amadora, Cascais, Funchal e
Lisboa, tendo como atividades realizadas e previstas a integração da análise de risco nos
treinamentos de voluntariado e nos currículos escolares, a elaboração de planos municipais
que visem a resiliência comunitária, a ampliação da informação pública, a sistematização dos
instrumentos de gestão territorial, o estudo e a implementação e o estudo dos sistemas de
alerta à população, o estudo do risco e de metodologias para a RRD e a elaboração de material
para a divulgação, tanto online como de panfletos (PORTUGAL, 2014).
Finalmente, em Cabo Verde, a Plataforma Nacional para a Redução de Risco de Desastre foi
criada em 2007, durante a gestão do dr. Julio Lopes Correia, então ministro de Administração
Interna (EMBCV, 2014), procurando respeitar os compromissos assumidos em Hyogo/2005 e
envolvendo órgãos públicos, setor privado e a sociedade civil organizada. O objetivo é que a
plataforma fosse
101
O material impresso de divulgação para a comunidade é composto por panfletos explicativos sobre
prevenção, preparação e resposta, sendo cada um de um tema específico e com publicação separada para adultos
(sobre ondas de calor, frio intenso, gás de cozinha, espaços públicos, seca, inundações, sismos, incêndios no
hotel e florestais, e acidentes rodoviários e no transporte de mercadoria perigosas) e para crianças (sobre
incêndios na floresta, em casa e na escola, inundações, sismos, seca e segurança nos passeios no campo e na
montanha).
102
Destaca-se o material disponível para crianças, em linguagem adequada e acessível, como a cartilha online
“Nós e os riscos”, http://www.proteccaocivil.pt/nos_e_os_riscos/index.html
165
um instrumento estratégico que irá trazer ganhos importantes em matéria de
investigação, gestão e redução dos riscos, e que desenvolvera a sua actuação
em harmonia com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e, por
conseguinte, com as grandes metas de Desenvolvimento Sustentado, propostas
pelo Governo de Cabo Verde. (PREVENTION WEB, 2014c)
Em outras palavras, a Plataforma é uma estrutura que traz a preocupação de coerência da
atuação com as metas de dois documentos internacionais de referência. Além disso, ela parece
visar a interação de diversos setores e disciplinas, integrando variadas instituições, as quais
podem contribuir na minimização de riscos, mobilizando a sociedade civil e o setor privado,
promovendo, portanto, a governança (MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA,
2007a). A UN-SPIDER (2012) destaca que a Plataforma é de responsabilidade da SNPC, por
não haver divisão de tarefas, o que intensifica e justifica a necessidade de maior coesão com
outras instituições para que se possa compartilhar as responsabilidades, principalmente, as
relacionadas à prevenção. Vale citar, também, que estavam presentes diversos representantes
públicos e privados, locais, nacionais e internacionais no lançamento da plataforma, em
novembro de 2007. Entre eles, os participantes do CNPC, outros ministérios e secretarias que
não são membros do conselho, alguns órgãos do sistema da ONU
103
, um corpo
diplomático104, câmaras municipais, organizações interacionais e instituições parceiras, como
institutos de pesquisas, confissões religiosas, órgãos de comunicação social, individualidades
e quadros nacionais, ONGs internacionais, sociedade civil organizada, sindicatos e empresas
privadas (MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, 2007a, 2007b). Isto vem
reforçar a intenção da plataforma de mobilização e interação dos diversos atores envolvidos
na governança da RRD.
São dez os objetivos da Plataforma cabo verdiana, como a interação entre atores do setor
público, acadêmico e privado bem como o compartilhamento de conhecimento e informação,
baseados num plano estratégico de ação que se desdobre em projetos e programas que
concretizem as ações necessárias, promovendo maior compreensão de RRD e colocando-a
como uma das prioridades locais e nacionais. (MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO
INTERNA, 2007b). Com isto, conclui-se que, apesar de ainda haver áreas que devem ser
103
Coordenadora Residente das Nações Unidas, PNUD, OMS, FAO e UNICEF.
Estavam presentes os embaixadores dos Estados Unidos da América, da França, da República de Angola, de
Portugal, de Cuba, do Senegal, da República Popular da China, da República Federativa do Brasil, da Federação
Russa, da Espanha e um representante da Cooperação Austríaca.
104
166
executadas, provenientes da lei 12/VIII/2012 e da própria Plataforma Nacional para a
Redução de Risco de Desastre, a SNPC de Cabo Verde tem realizado importantes progressos
na gestão de riscos integrada a fim de ampliar a governança e atingir os objetivos assumidos
em Hyogo.
3.2.4
PARTICIPAÇÃO DE OUTRAS SECRETARIAS NA GESTÃO DE
RISCO
Ao perguntar para os atores nacionais de proteção civil “Você considera haver a participação
de outras secretarias na gestão de risco? Como isto ocorre? Quais secretarias mais se
envolvem?”, procurou-se saber sobre a interação intersetorial, que, de acordo com Teixeira
(2004) e com a UNISDR (2004), é essencial no planejamento e na gestão de políticas
públicas.
Em Portugal, especialmente por causa da crise financeira atual, outras prioridades têm sido
eleitas no lugar da RRD. Porém há participação de outras secretarias na elaboração das leis da
Proteção Civil – quem as escreve é o pessoal da ANPC e, depois, elas seguem para a
Comissão Nacional de Proteção Civil. Quando o Ministério de Administração Interior aprova
a nova lei elaborada, ela é repassada para os outros ministérios concordarem ou não,
propondo alterações e justificando-as. Neste sentido, parece se buscar através da contribuição
dos ministérios, a mobilização e o compartilhamento de responsabilidades não somente na
formulação da política bem como na gestão de risco.
No caso de Cabo Verde, é interessante perceber a divisão de tarefas e de responsabilidades de
cada ministério. Assim, de acordo com o relato do ator entrevistado, participam na gestão de
risco o Ministério das Infraestruturas e Economia Marítima com construções; o Ministério do
Desenvolvimento Rural, com construção de diques; o Ministério do Ambiente, Habitação e
Ordenamento do Território, estudando o risco territorialmente e previamente, em especial nas
área de risco e em áreas nas quais haverá a construção de um novo bairro, promovendo,
portanto, uma ocupação ordenada. Também atua na gestão de risco a Cruz Vermelha,
propagando informação e formação de voluntários, de funcionários públicos e da comunidade
quanto a prevenção de risco, primeiros-socorros e emergência. Além deste treinamento
ocorrer por conta das emergências dos desastres, segundo o presidente da ANPC cabo
verdiana, ele está sendo intensificado porque a Proteção Civil está para assumir, no país, a
167
responsabilidade de atender às emergências pré-hospitalares, de modo que tem sido realizada
toda uma preparação para que as pessoas estejam prontas para prestar o serviço.
Vale apontar que nos três órgãos nacionais cabo verdianos, há investimento em ações que
promovem a intersetorialidade, estimulando a horizontalidade e a integração dos saberes e das
práticas entre as diversas secretarias e órgãos públicos. Além disto, outras instituições
internacionais podem contribuir para que os objetivos de cada política pública de Proteção
Civil possam ser alcançados. Este é o caso da Cruz Vermelha e a própria UNISDR. Assim,
parece ocorrer neste arquipélago o que Teixeira (2004) sugere. Ao adotarem conceitos,
métodos, técnicas e instrumentos intersetoriais e interdisciplinares, as proteções civis cabo
verdiana e portuguesa, no caso, passam a implementar e ações que visam a transformação nas
condições de vida e de saúde da comunidade, atendendo às suas necessidades sociopolíticas e
as especificidades locais. Isto não parece evidente no caso dos outros dois países estudados.
3.2.5
PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA GESTÃO DE RISCO
Buscando discutir sobre o quanto a comunidade de cada país está inserida nas iniciativas de
gestão de risco de cada proteção civil, perguntou-se aos atores nacionais de Proteção Civil de
Cabo Verde e de Portugal se, “Na sua opinião, há a participação comunitária na gestão de
risco no pais? Como isto ocorre? Em quais regiões do país isto tem mais destaque? Poderia
apontar as razões que facilitariam o destaque destas áreas geográficas?” Com isto, pretende se
perceber se as diferentes comunidades de cada país podem estar envolvidas no processo de
RRD, isto é, se a construção e a implementação da gestão de risco envolve as comunidades,
no sentido de vir a promover a governança.
Em Portugal, várias são as possibilidades de envolvimento das populações situadas em área
de risco. Elas podem ser separadas em duas categorias de ação: aquelas voltadas para a
mobilização da comunidade e as ações educativas formais e não formais. A participação
comunitária local se dá com a organização dos planos de emergência municipais, sobre os
quais há consulta pública. Nelas, as pessoas têm a possibilidade de discutirem sobre o plano e
darem suas opiniões. Os municípios e as câmaras desenvolvem, ainda, ações com a
população, como formação das brigadas, nas quais os próprios habitantes atendem aos casos
de emergência antes mesmo da chegada dos bombeiros. Também, há os que se voluntariam
para trabalharem junto a Proteção Civil. Com certa frequência, ocorrem os exercícios
simulados com participação da população. Outro meio de envolvimento comunitário são as
168
campanhas de sensibilização em escolas com material impresso (panfletos), também
disponíveis em postos de saúde e outros espaços públicos, desenvolvidos em linguagem
acessível e clara sobre o que fazer em caso de cada risco e/ou emergência, além dos manuais
específicos para as comunidades, para os gestores locais e para iniciativa privada.
Ainda, o Plano Centurial diz do envolvimento comunitário, por ser um plano de ordenamento
do território municipal (como os Planos Diretores Municipais), enumerando os riscos e
obrigando que os municípios façam estudos, cartografias e ordenem o território de modo a
fazer com que o processo se torne bem planejado e transparente, ou seja, passível de prestação
de contas. A Lei 105/2007 também aponta para a inserção da comunidade na gestão de risco
ao descrever as competências dos municípios no tocante à Proteção Civil, como a
coordenação integrada com outros serviços, as análises de risco, a elaboração de plano de
emergência, etc. Este é um processo recente – há 10 anos, ele não existia em municípios
menores somente em grandes cidades.
Em Cabo Verde, a comunidade é sempre convocada a agir em cooperação com a ANPC e tem
respondido de maneira positiva. Uma das ações que está sendo desenvolvida em 2014 é a
construção de núcleos de Proteção Civil nos diferentes bairros para o caso de haver qualquer
acidente/emergência em certa comunidade. Formado por membros da comunidade que
recebem formação pela Proteção Civil, o núcleo comunica à Autoridade em tempo real o
ocorrido e já inicia o processo de resposta. A população cabo-verdiana tem se mostrado
solidária para enfrentar os riscos, de modo que, havendo alguma ocorrência em determinado
bairro, as pessoas se organizam para apoiar a Proteção Civil. Este comportamento é notável
pelo país, principalmente por causa da cultura local existente, que estimula a participação
comunitária.
No Brasil, apesar de não terem relatos da entrevista aplicada sobre a participação comunitária,
a Lei 12.608 aponta a participação da sociedade civil como uma das diretrizes da PNPDEC.
Isto é percebido nas Defesas Civis locais como prática já implementada ou em processo de
inclusão da sociedade civil. Como exemplo, citam-se as Conferências Municipais, Estaduais e
Nacional de Proteção e Defesa Civil, nas quais a sociedade civil conta com representantes em
todas as reuniões, debates e votações quanto aos regulamentos e diretrizes e princípios a
serem levados até a fase nacional da Conferencia. Também pode-se citar como exemplo da
participação comunitária brasileira na Proteção e Defesa Civil, os Núcleos Comunitários de
Defesa Civil (NUDECs), que visam o envolvimento das comunidades em situação de risco,
169
promovendo a conscientização e percepção do risco bem como a minimização de desastres
pelo viés da preservação do ambiente local105.
Pode-se concluir, portanto, que nos três países a comunidade é envolvida na gestão de risco,
de modo que o processo de governança é construído. Assim, este espaço de mobilização
parece responder ao que foi sugerido por Santos (1997), Chacín (2008) e Valencio (2010), os
quais destacaram a importância da participação dos atores locais a partir da articulação e
cooperação de seu maior número, inclusive no desenvolvimento sustentável, na redução da
vulnerabilidade e dos riscos e no manejo das situações de desastre. A UNISDR (2007),
também, prevê a participação comunitária na gestão de risco, afirmando que “communities
and local authorities should be empowered to manage and reduce disaster risk by having
access to the necessary information, resources and authority to implement actions for disaster
risk reduction” 106 (p. 5). Portanto, fica evidente que a comunidade e os atores locais são
centrais na gestão de risco, como é percebido tanto em Cabo Verde como em Portugal.
3.3 A INFLUÊNCIA E O PAPEL DA CPLP
Finalmente, esta última categoria de análise busca atentar para (a) a comunicação sobre boas
práticas entre os países da CPLP; (b) o intercâmbio acadêmico (pesquisas, alunos,
professores, congressos, etc.); (c) o intercâmbio profissional (treinamentos, cursos, ações
conjuntas, etc.); (d) o intercâmbio legislativo (discussão sobre as políticas atuais); e (e)
comunicação pós GPDRR (2013)107. Com isto, será observado o quanto a temática de gestão
de risco está sendo debatida em diversos setores no âmbito da CPLP. Acredita-se que poderá
servir de parâmetro para uma análise da eficácia da Comunidade quanto a RRD nas arenas
políticas, legais, privadas e acadêmicas.
105
Alguns
exemplos
de
NUDEC
estão
disponíveis
em
<http://www.defesacivil.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=34>
e
http://www.defesacivil.sc.gov.br/index.php/gestao-de-risco-2013/educacaocontinuada-2013.html, que relatam
sobre os casos do Paraná e de Santa Catarina.
106
“Comunidades e autoridades locais devem ser habilitadas para gerenciarem e reduzirem o risco de desastre
pelo acesso a informação, recursos e autoridade necessários para implementar ações para RRD.” Tradução
nossa.
107
Os subitens foram apresentados em uma única tabela para facilitar a visualização das respostas.
170
Esta discussão se integra ao subitem anterior sobre o QAH, já que o marco prevê iniciativas
regionais e internacionais no tocante à RRD. As ações da Comunidade, portanto, refletem ou
não o que está direcionado no QAH quanto a gestão de risco e, principalmente, quanto ao
compartilhamento de informação, conhecimento e boas práticas.
3.3.1
AS AÇÕES DE COMUNICAÇÃO E INTERCÂMBIO
Na última GPDRR, em 2013, os países lusófonos se reuniram para debater acordos
multilaterais no tocante a ações de RRD, que promoveriam intercâmbios acadêmico,
profissional e legislativo entre os países da Comunidade. Para investigar se houve
prosseguimento a estas ações propostas, o gestor entrevistado deveria responder à pergunta de
múltipla escolha fechada, “na sua opinião, como é a relação entre os países membros quanto
a: (1) Comunicação sobre boas práticas; (2) Intercâmbio acadêmico (pesquisas, alunos,
professores, congressos, etc.); (3) Intercâmbio profissional (treinamentos, cursos, ações
conjuntas, etc.); (4) Intercâmbio legislativo (discussão sobre as políticas atuais); e (5)
Comunicação pós Global Platform 2013?” com as opções existente, parcial ou pouco, não
sendo mandatória a justificativa (Quadro 21). O caso do Brasil não será apresentado nesta
sessão, já que não é possível inferir o posicionamento do país em relação a CPLP pela Lei
12.608.
AÇÃO
PAÍS
RELAÇÃO
COMUNICAÇÃO PORTUGAL - Pouco: encontram-se uma vez por ano e só
DE BOAS
agora que vai ser desenvolvido um site para
PRÁTICAS
troca de informação, desenvolvido por
Portugal.
CABO
- Existente: foi criada uma plataforma da
VERDE
CPLP para a proteção civil em 2012 e, em
2013, houve um encontro em Moçambique
para discutir as ações de boas práticas. Neste
momento, a plataforma é coordenada por
Moçambique. O que é feito por cada país é
enviado ao coordenador e ele envia aos países,
através do ponto focal que existe em cada país
da CPLP.
171
INTERCÂMBIO
PORTUGAL - Existente: com Moçambique e Brasil (através
ACADÊMICO
deste presente trabalho).
CABO
- Parcial: não há meios para atingir todas as
VERDE
instituições, mas há uma boa coordenação e
parceria com a direção geral de ensino e com
a delegada de ensino municipal em Cabo
Verde. Quanto a CPLP, há o desejo de se
implementar tal intercâmbio. Para isto, foi
realizado um encontro em Cabo Verde ano
passado, com a participação de Cabo Verde e
Moçambique para a discussão sobre a
formação no tocante à Proteção Civil.
INTERCÂMBIO
PORTUGAL - Existente: principalmente com Angola,
PROFISSIONAL
Moçambique e Cabo Verde.
CABO
- Existente.
VERDE
INTERCÂMBIO
PORTUGAL - Existente: com Angola, Moçambique e Cabo
LEGISLATIVO
Verde. Estes tentam adequar o que foi
desenvolvido por Portugal.
CABO
- Existente: com Portugal – a lei 12/VIII/2012
VERDE
tenta adequar o que foi desenvolvido pela
legislação portuguesa.
COMUNICAÇÃO PORTUGAL - Pouco.
PÓS GPDRR
CABO
- Existente: ha comunicação por e-mail com os
(2013)
VERDE
demais gestores.
QUADRO 22: Intercâmbio e comunicação entre os países da CPLP. Fonte: entrevistas.
Percebe-se que há certa dissonância entre Portugal e Cabo Verde nas percepções sobre a
comunicabilidade e o intercambio entre os países da CPLP e uma concentração geográfica do
intercâmbio de Portugal com suas antigas colônias africanas. Esta perspectiva variada sobre o
que está acontecendo no tocante à comunicabilidade parece se remeter ao que fora discutido
por Santos (2004) sobre a influência da globalização, que resulta em expressões diversas e de
intensidades variadas, que transcendem o aspecto intergovernamental dos relacionamentos
locais, nacionais, regionais e globais, podendo ter como consequência uma incoerência
172
política, econômica e cultural além da possível dificuldade de planejar uma intervenção
comum, participativa e construtiva. Isto é, as diferentes percepções dos países – como sobre a
comunicação pós GPDRR, o intercâmbio acadêmico e a comunicação de boas práticas – são
esperadas, mesmo se tratando de uma temática comum, podendo, ainda, segundo o autor,
resultar na dificuldade de se delinearem ações comuns no âmbito de tal temática.
É também interessante notar que o gestor cabo verdiano afirmou ser existente a comunicação
sobre as boas práticas entre os países da Comunidade. Apesar disto, ele afirma que é
necessário que haja um aprimoramento nesta comunicabilidade, principalmente, se o país que
estiver na coordenação da discussão sobre Proteção Civil na CPLP fosse mais “agressivo”,
comunicando-se e estimulando o contato com a Proteção Civil dos diferentes países. O
presidente da ANPC cabo verdiana afirma que ainda há muitas ações que ocorrem nos outros
países da CPLP sobre as quais ele não tem conhecimento, tendo acesso apenas pela imprensa.
Por exemplo, Moçambique tem um problema de inundação e já mostraram que sabem lidar
com este evento. Assim, eles deveriam transmitir a forma de como resolver o problema para
os outros países. Com isto, percebe-se que, mesmo que o gestor tenha afirmado ser existente o
diálogo, ele mesmo aponta as falhas existentes nesta comunicabilidade.
Destaca-se, ainda, que o diálogo entre os países da CPLP vem sendo construído no decorrer
dos anos, se expandindo para temas específicos, como o caso da Proteção Civil. Este presente
trabalho, por exemplo, foi citado como um dos poucos intercâmbios acadêmicos entre os
países da Comunidade. Porém, é sabido que existem iniciativas como a Associação das
Universidades de Língua Portuguesa 108 , ONG fundada em 1986, que visa a promoção da
cooperação, da comunicação e do intercâmbio entre as Universidades e Institutos de Ensino
Superior, da qual fazem parte os oito países membros e Macau (China) (AULP, 2014). A
ONG não foi reconhecida ou citada por nenhum gestor de Proteção Civil como tendo
contribuição sobre a temática da RRD nem no âmbito do intercâmbio acadêmico. Isso pode,
no mínimo, ser um indício de que a temática é ausente da pauta de temas de interesse de tal
associação. Finalmente, a comunicação e intercâmbio parece ser, ainda, um campo aberto
para ser explorado pela CPLP e que necessite ser aprimorado no sentido de promover um
maior compartilhamento de conhecimentos e informações.
3.3.2
108
MEIOS DE APRIMORAMENTO
http://aulp.org
173
Para finalizar a entrevista, perguntou-se aos atores: “Você poderia sugerir pelo menos dois
meios que aprimorariam a comunicação entre os países membros da CPLP no âmbito da
discussão sobre a gestão de risco e o HFA?”, para que fosse possível observar suas propostas
de aperfeiçoamento do diálogo e do intercambio entre os países da Comunidade. Neste
sentido, foi reconhecida a importância de se promover reuniões anuais bem como de se ter um
site capaz de agilizar a comunicação, principalmente, das ações desenvolvidas e em
desenvolvimento em cada país membro.
Assim, os meios citados por Cabo Verde são: o uso de e-mail para a troca de informações e a
criação de um site pra compilar as ações e as organizações. De acordo com a última reunião
do GPDRR, os portugueses ficaram de criar esse site com a participação financeira dos outros
países.
No caso de Portugal, destacou-se, além do site (de sua responsabilidade e que está em
construção), a organização de reuniões anuais, após as quais cada país deva se mobilizar em
prol dos avanços propostos, principalmente Portugal e Brasil, por serem países maiores;
Angola, por sua crescente economia; e Cabo Verde, por ser um grande destaque entre os
demais, na opinião dos gestores portugueses.
Vale, ainda, observar que, de todos os países da CPLP, a fala dos entrevistados se reduziu a
cinco deles – Brasil, Moçambique, Cabo Verde, Angola e Portugal – deixando à margem os
outros três – São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Timor Leste. Em termos de comunicação e
intercâmbio, a CPLP parece estar deixando de cumprir o seu papel, inclusive em termos de
prevenção e de construção da resiliência. Mesmo que estes países não citados nas entrevistas
não apresentem risco hoje (o que poderia justificar a ausência no discurso dos informantes),
num contexto de mudanças ambientais globais (como no caso das variabilidades climáticas), a
CPLP estaria deixando de preencher um espaço internacional fundamental – o de
compartilhar experiências, pelo menos, de prevenção e de aumento da resiliência de
comunidades vulnerabilizadas.
174
CONCLUSÃO
Este presente trabalho buscou comparar as políticas nacionais de Proteção e Defesa Civil de
três países da CPLP (Brasil, Portugal e Cabo Verde) empregando a análise de conteúdo como
procedimento metodológico. Complementarmente, foram feitas entrevistas a gestores
responsáveis pela Proteção e Defesa Civil dos três países da CPLP. Como referência para este
estudo, foi feita uma revisão da literatura sobre as categorias desastre, vulnerabilidade, risco e
resiliência bem como uma discussão sobre o QAH e sobre a própria CPLP. Buscou-se
investigar a inserção das categorias citadas em cada política nacional, a influência do QAH na
construção e implementação de cada uma delas e o papel da Comunidade no que se refere a
Proteção Civil. Após realizar esta pesquisa, destacam-se alguns pontos como conclusivos.
Quanto a discussão teórica sobre as categorias desastre, vulnerabilidade, risco e resiliência,
ficou claro que é um tema em expansão no Brasil e que vem ganhando destaque na academia
e nos centros de pesquisa. A criação da Rede de Pesquisa em RRD pela UNISDR e pela
SEDEC, citada anteriormente, vem a comprovar a validade que o tema tem recebido no país.
Apesar dos livros de referência ainda serem de língua inglesa (principalmente os trabalhos de
Enrico L. Quarantelli, Ronald W. Perry, entre outros), autores brasileiros já se destacam na
produção e compilação da discussão, como Norma Valencio e os professores pesquisadores
membros da citada Rede. Ainda, vale grifar que as categorias desastre, vulnerabilidade, risco
e resiliência são complexas e dependem de uma análise que abranja tal complexidade, através
de uma pesquisa de caráter interdisciplinar. São múltiplas as perspectivas possíveis para
analisar cada uma dessas categorias e é possível encontrar na literatura estes diferentes vieses
que perpassam tal pesquisa. Neste trabalho, por exemplo, puderam ser apresentados autores
não só da sociologia e da política, mas os que discutem no âmbito da psicologia, antropologia
e história, referentes às categorias propostas.
Sobre a categoria desastre, ficou claro que é necessário uma abordagem que integre suas
diferentes vertentes. Em outras palavras, ao invés de se discutir o desastre apenas como
natural ou apenas como social, discuti-lo como sendo socioambiental, abrangendo as diversas
variáveis que estão implicadas no processo. Sobre a vulnerabilidade, ressalta-se que a
construção e a implementação conjunta de políticas de diferentes setores, como redução de
pobreza, educação, segurança pública, entre outras, auxiliaria na mitigação da vulnerabilidade
socioambiental, preparando as comunidades frente aos riscos e aos desastres, se a temática de
RRD perpassasse transversalmente cada uma delas. Talvez, a experiência de Cabo Verde
175
possa ser replicada com devidas adequações às especificidades de outros membros da CPLP
(ver item 3.2.4). Quanto aos riscos, o que vale se destacar ao final é sobre a importância da
mudança de paradigma: da gestão do desastre para a gestão de risco, fazendo com que a
incerteza e as probabilidades concernentes aos desastres sejam abordadas no sentido de serem
percebidas e manejadas preparando a comunidade para a ocorrência do desastre em si. Por
fim, quanto à categoria resiliência, é interessante citar a campanha “Construindo cidades
resilientes” para a divulgação e conscientização sobre a resiliência, envolvendo atores locais
nas ações que resultem no fortalecimento de suas comunidades para que elas sejam capazes
de se reconstruírem, superando os danos consequentes, mitigando vulnerabilidades prévias ao
desastre e promovendo um desenvolvimento pautado na sustentabilidade.
Apesar das categorias terem sido discutidas separadamente, é importante salientar que elas
devem ser estudadas e trabalhadas de maneira integrada, reconhecendo que cada uma está
intrinsecamente relacionada com a outra. Desta forma, para que as discussões e ações
alcancem seus objetivos, é necessário que todas as categorias sejam, minimamente,
abordadas. Também, é necessário, visando abordar as categorias de maneira completa e
eficaz, que os diferentes atores estejam incluídos, tanto os do poder público, como os do setor
privado, das academias, instituições técnicas e comunidades. Somente assim, se promoverá a
governança no âmbito da Proteção Civil e da gestão do risco.
Sobre as categorias, ainda é válido ressaltar que elas apresentam, em cada uma das três leis
pesquisadas, um caráter conservador, tratando o desastre, a vulnerabilidade, o risco e a
resiliência por um viés tradicional. Ou seja, a perspectiva predominante nas leis diz de uma
ameaça externa que causaria prejuízos apenas depois a ocorrência do evento em si, sem
considerar as vulnerabilidades prévias ao desastre e a influência da ação do homem para
intensificar ou minimizar o risco. Apesar disto, as práticas de cada país pesquisado se
mostram diferentes, tratando cada categoria numa perspectiva complexa e interdisciplinar,
integrando diferentes secretarias e grupos sociais no enfrentamento de cada uma delas.
Questiona-se, como conclusão, se não seria necessária uma revisão de cada lei para que as
categorias fossem definidas a partir da atuação prática que se tem sobre elas.
Com respeito à relação entre o QAH e as políticas nacionais de proteção e defesa civil, podese concluir que o marco cumpre seu papel seja na construção seja no desenvolvimento das
políticas, promovendo as arenas de discussão e de dialogo bem como munindo os países de
instrumentos para o monitoramento e avaliação do progresso nacional e local do QAH. A
176
UNISDR tem realizado um trabalho importante, integrando os países e suas políticas,
auxiliando na mitigação de vulnerabilidades, promovendo a gestão de risco e cooperando na
construção de cidades resilientes. Por exemplo, as visitas técnicas feitas junto aos gestores
nacionais de Proteção Civil, para complementar esta pesquisa, só foram possíveis a partir da
parceria do Centro de Excelência para RRD da UNISDR no Brasil, na pessoa do seu Senior
Programme Adviser, o senhor David Stevens. Além disso, o Centro de Excelência ainda
cooperou com a promoção de seminários sobre gestão de risco pelo país, que muito ajudaram
para a integração desta pesquisadora no tema discutido e para contatos com gestores e
pesquisadores da área.
Sobre a CPLP, ficou clara a possibilidade de aprimoramento da construção e desenvolvimento
do diálogo e dos intercâmbios, especialmente, no tocante a Proteção Civil, apesar de muito já
ter sido feito. Há, também, espaço para o prosseguimento da pesquisa nos demais países da
CPLP, não entrevistados por conta do pouco tempo disponível para a finalização desta
pesquisa. Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Timor Leste e São Tomé e Príncipe têm muito
a oferecer para que esta pesquisa seja ampliada, abrangendo todos os países da Comunidade e,
portanto, avaliando de fato o papel da CPLP na discussão sobre a gestão de risco, sobre o
QAH e sobre as categorias conceituais.
Também ficou clara, na discussão sobre os países da CPLP, a participação entre cinco países
apenas, a saber: Portugal, Moçambique, Cabo Verde, Angola e Portugal. Isto aponta para a
necessidade da inclusão de São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Timor Leste na discussão
sobre RRD. Uma das possíveis hipóteses para estes países estarem distantes dos intercâmbios
e das boas práticas em RRD seria por causa de questões políticas internas, o que ressaltaria a
necessidade de serem apoiados pela CPLP.
É importante, ainda, destacar as posições dos países pesquisados em relação a Proteção Civil.
Portugal, dos três, é o país que se mostrou melhor estruturado e organizado no tocante a
discussão, construção e prática da legislação, por ser o país que trabalha com a temática a
mais tempo e o que conta com mais recursos. Já Cabo Verde é um país que se apresenta bem
organizado para o enfrentamento de RRD, buscando aprimorar seu sistema, apesar de ser o
que que tem menos recursos entre os pesquisados. Surpreendentemente, o Brasil foi o país
mais difícil de se ter acesso para resposta das entrevistas, apesar de ser o país local da
pesquisa. Apesar disto, a SEDEC é um sistema amplo e estruturado, buscando se adequar
cada vez mais ao novo paradigma da gestão de riscos – o que é visto, inclusive, na alteração
177
no nome Defesa Civil para Proteção e Defesa Civil. Como pontos comuns, foi visto nos três
países a inclusão das prioridades de ação do QAH nas políticas e ações de Proteção Civil, o
que envolve a inclusão das comunidades e dos atores locais na discussão e nas tomadas de
decisões; o compartilhamento de informação e a conscientização; e o mapeamento de riscos e
a preparação, como nos casos dos planos nacionais de gestão de riscos apresentados. Assim, é
possível concluir que os países pesquisados da CPLP estão inseridos na discussão
internacional sobre a gestão de risco, buscando mitigar vulnerabilidades locais e construir
comunidades resilientes, para que, como consequência, cada um dos países possam ser
também resilientes.
Para finalizar, vale apontar as lacunas que este trabalho evidencia com base na literatura sobre
a sua temática central, as quais deixam margem para pesquisas futuras. Elas são,
principalmente, duas: a primeira é quanto aos países da CPLP ainda não pesquisados e ao
Brasil, que não respondeu ao questionário. Estes países podem, em muito, contribuir para as
discussões sobre políticas públicas, CPLP e proteção e defesa civil, por conta de suas relações
complexas com risco e vulnerabilidade. A segunda lacuna a ser apontada é quanto a discussão
teórica das categorias desastre, vulnerabilidade, risco e resiliência. Dada a variedade de
autores e conceitos relacionados, há a necessidade de uma maior sistematização dos termos e
das definições, de modo que haja uma possibilidade de que tais termos sejam utilizados pelas
disciplinas de diferentes áreas envolvidas no estudo sobre e no trabalho prático no campo dos
desastres.
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194
ANEXO 1 – ENTREVISTA
Pesquisadora: Raquel Otoni de Araújo
Professora Orientadora: Prof. Dra. Teresa da Silva Rosa
Objetivo da pesquisa: Esta pesquisa faz parte da dissertação Políticas Públicas de Proteção
e Defesa Civil no contexto de desastres socioambientais: um estudo comparativo dos
discursos dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para obtenção do
título de Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia Política da Universidade
Vila Velha, ES, Brasil. O questionário semi-estruturado a seguir tem por objetivo investigar
os discursos das respectivas Secretarias de Proteção e Defesa Civil nacionais relacionados às
categorias desastre, vulnerabilidade, risco e resiliência bem como à inserção do Quadro de
Ação de Hyogo nas políticas nacionais de Proteção e Defesa Civil. A partir deste
questionário, será elaborada uma matriz de análise para a comparação entre os países da
primeira etapa do estudo, a saber: Brasil, Portugal e Cabo Verde.
Esta dissertação tem o apoio institucional do Centro de Excelência no Brasil da United
Nations International Strategy for Disaster Reduction (UNISDR), da Universidade Vila Velha
(UVV) e do Núcleo de Estudos Urbanos Socioambientais (NEUS/UVV). Desde já, agradeço a
contribuição para esta pesquisa, que pretende contribuir para a construção já existente da
gestão de riscos nos países da CPLP e para a divulgação das boas práticas de tais países.
1. IDENTIFICAÇÃO DO INFORMANTE:
a. Pais:_____________________________________________________
b. Nome:___________________________________________________
c. Cargo:___________________________________________________
d. Instituição:______________________________________________
Nível ao qual esta ligado: ( ) federal ( ) regional ( ) municipal
2. CONTEXTO DE ELABORAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DA LEI ATUAL:
a. Você poderia explicar brevemente o histórico da Proteção e Defesa Civil no
seu país?
b. Na sua opinião, qual foi o contexto do pais no qual se deu o processo de
elaboração da lei? Houve algum evento específico que estimulou o processo?
195
c. Há outros órgãos (governamentais ou não) envolvidos no processo de
elaboração ou aplicação da lei? ( ) SIM ( ) NÃO.
Quais?
3. SOBRE AS CATEGORIAS:
a. Qual a concepção adotada pela proteção civil e/ou pela lei com relação a:
(1) Desastre:
(2) Vulnerabilidade:
(3) Risco:
(4) Resiliência:
b. Como essas concepções influenciam na prática das ações de proteção e defesa
civil?
CONCEITO
INFLUÊNCIA PRÁTICA
Desastre
( ) Muito relevante
( ) Parcialmente relevante
( ) Pouco relevante
Vulnerabilidade
( ) Muito relevante
( ) Parcialmente relevante
( ) Pouco relevante
Risco
( ) Muito relevante
( ) Parcialmente relevante
( ) Pouco relevante
Resiliência
( ) Muito relevante
( ) Parcialmente relevante
( ) Pouco relevante
c. Gostaria de destacar a influência de algum conceito como principal ou mais
relevante?
4. HFA E A LEI DE PROTEÇÃO CIVIL DO PAIS:
a. Você considera haver alguma influencia do HFA na formulação da política?
( ) SIM ( ) NÃO
Por quê?
196
b. Na sua opinião, a Proteção e Defesa Civil do pais tem alguma atuação na
gestão de risco OU incorporou a noção de gestão de risco nas suas ações?
( ) SIM ( ) NÃO
Exemplos:
c. Você considera haver a participação de outras secretarias na gestão de risco?
( ) SIM ( ) NÃO
Como isto ocorre? Quais secretarias mais se envolvem?
d. Na sua opinião, há a participação comunitária na gestão de risco no pais?
( ) SIM ( ) NÃO
Como isto ocorre? Em quais regiões do pais isto tem mais destaque? Citar
nominalmente. Poderia apontar as razões que facilitam para o destaque destas
áreas geográficas?
e. Com relação as cinco prioridades de ação do QAH, na sua opinião quais estão
previstas na lei do pais?
PRIORIDADES DE AÇÃO
POLÍTICA NACIONAL
(1) Fazer com que a redução dos riscos de desastres seja uma prioridade
( ) Mais presente
( ) Parcialmente
( ) Pouco
(2) Conhecer o risco e tomar medidas
( ) Mais presente
( ) Parcialmente
( ) Pouco
(3) Desenvolver uma maior compreensão e conscientização
( ) Mais presente
( ) Parcialmente
( ) Pouco
(4) Reduzir o risco
( ) Mais presente
( ) Parcialmente
( ) Pouco
(5) Esteja preparado e pronto para atuar
( ) Mais presente
( ) Parcialmente
( ) Pouco
5. A RELAÇÃO ENTRE OS PAÍSES DA CPLP:
a. Na sua opinião, como é a relação entre os países membros quanto a:
197
AÇÃO
RELAÇÃO
(1) Comunicação sobre boas práticas
( ) Existente
( ) Parcial
( ) Pouco
(2) Intercâmbio acadêmico (pesquisas, alunos, professores, congressos, ( ) Existente
etc.)
( ) Parcial
( ) Pouco
(3) Intercâmbio profissional (treinamentos, cursos, ações conjuntas, etc.)
( ) Existente
( ) Parcial
( ) Pouco
(4) Intercâmbio legislativo (discussão sobre as políticas atuais)
( ) Existente
( ) Parcial
( ) Pouco
(5) Comunicação pós Global Platform 2013
( ) Existente
( ) Parcial
( ) Pouco
b. Você poderia sugerir pelo menos dois meios que aprimorariam a comunicação
entre os países membros da CPLP no âmbito da discussão sobre a gestão de
risco e o HFA?
198
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