Festival
ES de Dança
Vitória, Julho de 2011
Festival
ES de Dança
Vitória, Julho de 2011
Reunir um grupo seleto de bailarinos, dançarinos,
pensadores e interessados pela dança de vários
Estados brasileiros em um evento de três dias em
Vitória não foi uma tarefa fácil, mas deu destaque
a uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura,
que evidenciou a todos a importância desta linguagem artística na vida cultural do Espírito Santo.
Incentivar o contato com o processo criativo de
outros artistas foi também um dos propósitos do
Festival ES de Dança, visando sempre ao aprimoramento e ao fortalecimento desta manifestação
artística em nossa comunidade. As apresentações
de espetáculos no Teatro Carlos Gomes e no Teatro
do Sesi, as mesas de debates, a dança de rua, as
oficinas, as performances e os encontros informais,
movimentaram de maneira saudável e produtiva o
intercâmbio de ideias e experiências entre grupos
locais e nacionais.
Para muitos, a arte mais antiga criada pela humanidade, a dança em suas diversas modalidades
continua sendo uma das artes mais praticadas na
sociedade. Forma de expressão de sentimentos, de
elaboração estética de emoções através de gestos e
movimentos e de celebração individual e coletiva,
a dança, através da primeira versão do Festival a
ela dedicado, mobilizou um público amplo para
desfrutá-la e refletir sobre os seus mais variados
aspectos estéticos, culturais e sociais.
Esta publicação pretende registrar este momento
tão significativo na cultura do Espírito Santo e
prosseguir os debates e trocas de idéias sobre a
sua continuidade.
Vida longa ao Festival ES de Dança!
José Paulo Viçosi
Secretário de Cultura do Espírito Santo
2
sumário
Apresentação Um estado de espírito permanente, 8
Homenagem Alegria de viver a arte,10
Espetáculos Interação e encantamento com o corpo, 13
Embodied Voodoo Game, 14
Espalha pra Geral, 15
Ma’kwenda! Ma’kuisa! Memórias de um Corpo Negro, 16
Inabitáveis, 17
Passagens, 18
Adorno, 19
Super Nany, 20
Stultifera Navis, a Nau dos Loucos, 21
Céu da Boca, 22
Coreógrafos Independentes, 24
dedicatória
Maria Lúcia Calmon
* Itaguaçu (ES),
17 de novembro de 1945
† Vitória (ES),
Fim de tarde, 24
ECO · 3 solos, 25
Extremos, 26
Elos, 27
Afro Continente, 28
O poder da transformação, 29
Espetáculos de Rua A arte ganha as ruas, praças e parques, 32
4 de fevereiro de 2010
Atividades Complementares Dança de Norte a Sul, 35
Oficinas Espaço de Experimentação, 36
Mesas de Debate As questões políticas e sociais da dança, 38
Análise, 44
Diretora e coreógrafa,
fundou em 1989 a
Cia. Corpo em Cena.
Apresentou espetáculos
como Otelo, Medéia e
Penélope, entre outros,
em palcos do
Espírito Santo,
Minas Gerais
e Rio de Janeiro.
A retomada de um movimento, 45
A arte que dança, 46
Embodied Voodoo Game, Cena 11 Cia. de Dança
Apresentação
Um estado de espírito
permanente
Ao criar espaços favoráveis à troca de experiências e oferecer apresentações artísitcas
de altíssima qualidade, Festival ES de Dança se afirma no cenário nacional da dança
O
Festival ES de Dança pode ser entendido como
uma evolução natural. Evolução do movimento
da dança no Espírito Santo ao longo das últimas
décadas e mais especificamente do Fórum ES de
Dança, evento que ocorreu em 2010 e determinou diretrizes para a política cultural no âmbito
da dança. Natural pois é o reflexo dos anseios e
demandas dos profissionais e amantes da dança
no Espírito Santo.
O Festival ES nasce, assim como aconteceu
com o Fórum ES, incentivado e organizado pela
Secretaria de Estado da Cultura (Secult) como
parte importante das políticas públicas culturais.
É, sem dúvida, parte de um processo de retomada,
se não da dança, que nunca deixou de ser pensada,
produzida e apresentada pelos artistas locais, então
da imagem da dança capixaba para o restante do
país. Uma retomada que pode ser entendida como
reafirmação de potência e identidade, em um momento no qual faz-se necessário exibir qualidades
e demarcar espaços.
À medida em que ocorre essa reafirmação, há
em paralelo uma reaproximação enfática dos artistas e companhias locais com as danças criadas e
disseminadas nos outros estados, tanto nos pólos
tradicionais de produção quanto em novos centros
que vêm surgindo, destacando-se e servindo como
exemplo. Pois não basta mais chamar atenção para
si sem dialogar artística e politicamente com seus
pares. E se esse diálogo esteve ausente por um
longo período - silêncio quebrado em raras ocasiões,
quando alguma companhia ousava se apresentar por
aqui ou quando nossos criadores rompiam barreiras
regionais – o Festival ES de Dança ousou em sua
primeira edição criar um ambiente favorável à
interlocução, estruturado de maneira clara e ciente
de que não pode ser um evento efêmero, mas um
estado de espírito permanente.
Encurtando essas distâncias e quebrando esse
isolamento perverso, o Festival ES de Dança reuniu entre 6 e 9 de setembro de 2011, na Região
Metropolitana de Vitória, convidados de diversas
partes do país, grupos de renome internacional,
além de artistas e companhias em atividade no
Espírito Santo. Em uma programação intensa e
abrangente, o público pôde assistir a uma seleção
apurada de espetáculos nacionais consagrados nos
últimos anos pela crítica e pelas plateias, além de
conferir estreias nacionais de companhias com
largo repertório. Aos estudantes e interessados
pela prática, as oficinas foram o espaço ideal de
aprimoramento. À classe artística profissional foram
dedicados espaços de intercâmbio de ideias como
as mesas de debates que aproximaram artistas que
produzem em diversas partes do país.
“Esses encontros são o oxigênio da dança no
Brasil. Somos muito absorvidos pelo nosso fazer
artístico e nesses momentos de reflexão é muito
prazeroso poder escutar”, afirmou Suely Machado,
diretora da Primeiro Ato Cia. de Dança, sediada em
Minas Gerais e que conta com 25 anos de trajetória
profissional e 14 espetáculos em seu repertório.
Suely Machado participou de todos os espaços
do festival: promoveu a oficina “Criação do Gesto”,
participou da mesa Espaços da Dança: Olhares
sobre a Articulação Criativa das Cias. de Dança
do Brasil e ainda acompanhou sua companhia nas
apresentações de Adorno, no Theatro Carlos Gomes,
e Quebra-Cabeça, espetáculo de rua mostrado no
Parque Pedra da Cebola em um domingo ensolarado.
As ruas, parques e praças de Vitória, Vila Velha e
Cariacica foram importantes espaços criados para que
um certo público, distante dos palcos por motivos
de ordem econômica ou social, se reaproximasse
da arte. A apresentação de espetáculos pensados
especialmente para os espaços públicos e a criação
de flashmobs que envolveram intervenção urbana e
dança serviram para chamar a atenção de plateias
involuntárias, mostrando que a dança, essa arte
tão próxima do cotidiano do homem que anda,
sente e vive pelo corpo, ainda tem muito o que
nos dizer e fazer pensar.
O Festival ES de Dança não se limitou aos quatro
dias principais de evento e nem esteve restrito
aos espaços da Grande Vitória: os municípios de
Montanha, no norte do Estado, e Castelo, no sul,
receberam, no final de julho, oficinas complementares do festival em parceria com a Funarte. Em
Montanha, a professora Michelle Camargo, de Curitiba
(PR), foi a instrutora da oficina de “Investigação do
Movimento”, com o objetivo principal de expandir
as possibilidades de criação em dança a partir da
pesquisa de determinados elementos que compõe
o movimento, e ao final do trabalho se disse
surpresa e feliz com o ambiente favorável à dança
que encontrou na cidade.
“Não esperava encontrar tantas pessoas com
tamanha vontade de aprender, visto que a cidade
tem apenas 17 mil habitantes. Tanto a participação
dos oficineiros quanto o envolvimento da secretaria
na organização da oficina permitiram que as vinte
horas de oficina fossem aproveitadas intensamente”,
afirmou Michelle Camargo.
Além da interiorização do evento, dois outros
pontos contam a favor do Festival ES de Dança
no quesito democratização: a gratuidade de toda
a programação, que inclui espaços de formação
importantes, como as oficinas, fundamentais para
os profissionais que vivem da dança e carecem de
conhecimento renovado sem cessar, e a pluralidade
das linguagens em todos os espaços. O festival
pode se vangloriar de ter estado aberto a todas
as tendências da dança, do balé clássico à dança
contemporânea, passando por pesquisas tão específicas quanto a dança afro, butoh e vertentes
expressionistas, sem deixar de lado, além disso,
diversas vertentes da dança urbana de rua.
“O festival está valorizando todas as danças
e os artistas. Dança é dança, antes de entrar a
técnica, existe o sentimento”, afirma Thaís de
Luca, 27 anos, diretora e uma das coreógrafas do
Movimenturbano, grupo de Vila Velha que pratica
vertentes da dança urbana.
O Festival ES de Dança também dá um salto
importante ao criar no Espírito Santo um evento
que surge consagrado por profissionais importantes
e possibilita assim a inserção definitiva do Estado
no cenário da dança nacional, consolidando no calendário artístico sua programação e possibilitando
ao artista que produz no Estado a oportunidade de
despertar a atenção do público e dos formadores
de opinião para o seu trabalho.
Nas próximas páginas, seguirá relatos da atmosfera criada no festival com pontos de vista diversos
sobre o que foi vivenciado em espaços tão diversos
por pessoas apaixonadas pela dança. Ao final, resta
a esperança de que tudo o que foi construído se
desdobre em ações as quais poderemos considerar
também evoluções naturais desse primeiro Festival
ES de Dança.
9
homenagem
ALEGRIA DE VIVER A ARTE
Angel Vianna é a homenageada da primeira edição do Festival ES de Dança.
Ausente por motivos de saúde, ela foi lembrada em vídeo na abertura do festival.
Carreira
Foto: Bruno Descaves
C
omo se pedindo a benção aos deuses da arte, o
Festival ES de Dança, em sua primeira edição,
presta homenagem mais que devida à bailarina,
coreógrafa, pesaquisadora e professora Angel
Vianna, grande referência brasileira nos palcos,
no desenvolvimento de técnicas corporais e no
ensino da dança.
Angel Vianna, 83 anos, não pôde viajar a Vitória
para acompanhar a programação do evento e
receber pessoalmente o carinho do público em
sua homenagem, mas foi lembrada na noite de
abertura com um a exibição de um bate-papo em
vídeo realizando no Rio de Janeiro. Lamentando a
ausência, Angel também conversou com a revista
sobre sua carreira, o atual estágio da dança no
Brasil e a importância de eventos como o Festival
ES de Dança, que ampliam os horizontes e abrem
novas perspectivas aos profissionais.
“Quando penso em festival, penso em comunicação, todos se comunicam: os bailarinos, os
coreógrafos, os técnicos, o público; acontecem
encontros, trocas de conhecimentos, de criação,
de afetividade, de vida, de linguagens artísticas,
de amizades. A convivência aumenta a coragem, o
desempenho, as maneiras de se colocar no palco.
O festival amplia a percepção do corpo pensante
da gente em sua totalidade. Os encontros pessoais
geram intercâmbios entre os trabalhos ultrapassando os limites, as distâncias entre as pessoas,
criando assim outras possibilidades de mudanças,
de transformação”, afirma Angel.
Angel Vianna iniciou os estudos de balé clássico
no ano de 1948 com Carlos Leite, no Ballet de
Minas Gerais, sediado em Belo Horizonte. Em 1955
se casou com Klaus Vianna, com quem abriu seu
primeiro centro de ensino, a Escola Klaus Vianna,
ainda em Minas Gerais. No início da década de
60, lecionou na Escola de Dança da Universidade
Federal da Bahia.
Em 1964 se mudou para o Rio de Janeiro, onde
passou a ensinar balé e deu aulas de expressão
corporal. Na década de 70 se notabilizou por realizar a preparação corporal de atores para o teatro.
Angel e Klaus abriram em 1983, no Rio de
Janeiro, o Espaço Novo – Centro de Estudos do
Movimento e Artes. No mesmo local, em 2001,
passou a funcionar a Faculdade Angel Vianna,
com graduações bacharelado e licenciatura em
dança, além de diversos cursos de férias e de pós-graduação lato sensu.
Com tamanha experiência, Angel sabe que
ainda há muito a ser feito pela dança no Brasil.
“Gostaria de dizer que a situação está confortável,
mas não é verdade. Falta muito a ser feito, não
é possível que apenas os professores façam seu
trabalho nas escolas, nas faculdades, nos cursos
livres; não adianta, precisa existir programas de
desenvolvimento, de política publica em todas as
esferas: federal, estadual e municipal, mas todos
em sintonia. É preciso acreditar mais na cultura do
país – isto está faltando, alguns estados avançam
outros nem tanto”, declara.
Paralelamente, Angel Vianna reconhece o trabalho
que tem sido realizado por dançarinos, coreógrafos e professores em Vitória, com a contribuição
importante do poder público. “Fico feliz que vocês
estão empenhados para a dança,. Já estive algumas
vezes em Vitória e sei que vocês trabalham duro
por aí, pelo bailarino, pela arte da dança”, diz a
experiente bailarina.
Transformação
Criadora do método “Conscientização do Movimento”,
que busca proporcionar maior conhecimento do
corpo através da percepção de sua estrutura e funcionamento, Angel Vianna é uma criadora atenta à
importância da dança na redescoberta da liberdade
pelo homem.
É a essa força que ela credita a escolha de seu
nome e de sua carreira como homenageados do
Festival ES de Dança. “É a paixão, o empenho, a
atenção – o estar atento com o ser humano e gostar
de gente, criar através da dança a transformação,
a alegria de viver, porque desde os primórdios o
homem dança a própria vida”, afirma.
Ciente do papel da arte na busca pela essência
da vida, Angel tem consciência do papel transformador de sua atuação ao longo das últimas seis
décadas. “O mais legal é a transformação do ser
humano através do movimento e da arte de dançar”,
conclui Angel.
“É preciso criar um
fórum permanente
de discussão das políticas públicas para
a área cultural”
Verônica Gomes, presidente do Satedes (Sindicato do Técnicos do Espírito Santo)
Adorno, Primeiro Ato Cia. de Dança
espetáculos
Interação e encantamento
com o corpo
Nos quatro dias de evento, o Festival ES de Dança levou nove espetáculos aos
palcos do Theatro Carlos Gomes e Teatro do Sesi, em Vitória, em um panorama da
dança brasileira dos últimos três anos.
O
s nove espetáculos apresentados no Festival ES
de Dança desenham um mosaico interessante do
cenário da dança brasileira produzida no Espírito
Santo, Goiás, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa
Catarina. Videogame, cultura afro, expressionismo
e tantos outros suportes, interações e linguagens
somados à dança contemporânea demonstraram a
energia que pulsa na criação artística nacional.
Para o público, o contato inicial com as apresentações nacionais não poderia ter se dado de forma
mais radical: o Grupo Cena 11 Cia. de Dança e seu
Embodied Voodoo Game (2009). O espetáculo é
construído com a participação ativa da plateia e
possui uma coreografia calcada no contato físico
direto e violento, além de apresentar personagens
que beiram o estado selvagem da natureza, com
urros e movimentos animalescos. A companhia
catarinense desestabilizou as concepções pré-estabelecidas de palco, direção e público, trazendo
para a coreografia conceitos de jogos eletrônicos
e manipulação do corpo.
De forma lúdica e com uma linguagem dedicada
ao público infanto-juvenil, Denise Stutz e Felipe
Ribeiro com seu Espalha pra Geral (2010) seguiram
a tendência e partiram da poesia para conquistar o
público no Teatro do Sesi, em duas sessões lotadas
de estudantes do ensino médio na faixa etária de
7 a 14 anos. Com um início convencional, fabular,
os dois personagens, a menina que sonhava com o
mar e o menino que não sabia dançar, ganham aos
poucos a audiência e vão se misturando a ponto
de, no fim, o espetáculo extrapolar o espaço do
palco, sair do teatro e ganhar a rua.
Três espetáculos do Espírito Santo se apresentaram no Theatro Carlos Gomes na segunda noite
do Festival ES de Dança. A Mitzi Cia. de Dança,
dirigida pela bailarina e coreógrafa Mitzi Marzzuti,
mostrou Passagens, que comemora os 25 anos da
companhia. Criação do coreógrafo mineiro Mário
Nascimento, com direção de Mitzi, o espetáculo
apresenta momentos de intensa sensibilidade, com
belas cores criadas a partir da iluminação cênica e
elementos de cenografia. Pensado como objeto de
contemplação, Passagens frisa o tempo cronológico
e a luta constante por manter o frescor da vida, as
renovações e alegrias.
Inabitáveis, da Cia. de Dança In Pares, com os
bailarinos Marcelo Vitor e Mauro Marques dirigidos
e coreografados por Gil Mendes, cria uma atmosfera
urbana com a contribuição da música e do vídeo para
expressar os dilemas e angústias de dois homens
em um relacionamento. A linguagem próximo do
público, com intenções claras, e dois bailarinos em
perfeita sintonia são pontos altos do espetáculo.
Ma’kwenda! Ma’kuisa! Memórias de um Corpo
Negro (2008) é o nono espetáculo da Negraô
Cia. de Dança e segue a pesquisa de dança afro
realizada há duas décadas. O grupo, que tem direção artística de Gil Mendes, surgiu em 1991 com
o objetivo de resgatar e difundir a cultura negra
capixaba e tornou-se conhecido por aprofundar a
relação da cultura popular com as raízes africanas,
notadamente as danças tradicionais.
A terceira noite do festival trouxe de volta
ao Theatro Carlos Gomes a Primeiro Ato Cia. de
Dança, dessa vez estreando Adorno, que também
tem influências diretas da cultura africana, mas
ressignificadas pela coreógrafa Suely Machado nos
moldes da pesquisa de dança contemporânea realizada há 25 anos pelo grupo mineiro. Adorno segue
caminho distinto de outras peças do grupo, como
Geraldas e Avencas e Sem Lugar, apostando em um
figurino rebuscado, repleto de cores e adereços (e
o adorno do nome ganha múltiplos significados),
em uma cenografia carregada de tecidos e sombras
que criam diferentes níveis e territórios no palco,
buscando refletir sobre o primitivo e o etéreo na
evolução do ser humano.
Pontuada por sutis ironias e com uma visão cínica
da sociedade, Super Nany, do Balé da Ilha Cia. de
Dança, está no limite entre teatro e dança, com
tons de comédia que conquistaram o público do
Teatro do Sesi no início da última noite do festival.
O espetáculo é uma parceria do diretor e coreógrafo
Marcos Pitanga com a bailarina Patrícia Miranda.
Com referências do cinema expressionista, da
pintura de Hieronymus Bosch e do teatro de Antonin
Artaud, Sultifera Navis - A Nau dos Loucos, o
último espetáculo apresentado no Teatro do Sesi,
é uma releitura da obra de mesmo nome criada por
Magno Godoy à frente da Cia. Neo-Iaô em 1986.
O coreógrafo e bailarino Marcelo Ferreira, com a
Cia. Teatro Urgente, promove aqui uma releitura
daquele espetáculo, com a liberdade de recriar e
desconstruir gestuais, o que resulta em uma obra
visualmente fascinante, pautada por movimentos
rigorosos e um esforço de caracterização que consolida de maneira radical a atmosfera expressionista
buscada pelo grupo.
Se a abertura do festival trazia o Cena 11 com sua
linguagem híbrida, sua coreografia áspera e aparatos
tecnológicos, o encerramento levou o público do
Theatro Carlos Gomes de volta às origens da vida
e aos dilemas entre terra e paraíso com sutileza,
bom humor e sensibilidade. Céu na Boca (2009),
da goiana Quasar Cia. de Dança, arrebatou a platéia
nos seus 75 minutos de duração. A trilha sonora
impecável, alternando entre boleros dos anos 50
e música eletrônica, a coreografia plasticamente
deslumbrante e uma comunicação e identificação
perfeitas dos bailarinos com a plateia fizeram do
encerramento do Festival ES de Dança um momento
emocionante e concluíram de maneira brilhante os
quatro dias de evento.
Céu na Boca, Quasar Cia. de Dança
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Embodied Voodoo Game
Espalha pra Geral
Cena 11 Cia de Dança (SC)
Denise Stutz e Felipe Ribeiro (RJ)
Ano: 2009
Duração: 60 minutos
Classificação Indicativa: Livre
Ano: 2010
Duração: 50 minutos
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: Desenvolvido para a Mostra
GamePlay – Itaú Cultural, o espetáculo
cumpre com os princípios de pesquisa
da companhia materializando na dança
a discussão entre tecnologia, arte e interatividade. O Grupo Cena 11 propõe
uma formulação coreográfica que expõe
relações entre dança, corpo e videogame.
A interatividade total é atingida com a
participação do público, que é convidado a
participar do jogo proposto compartilhando
das ações de controle na construção de
um comportamento cênico.
Sinopse: Era uma vez uma menina que
sonhava com o mar, era uma vez um
menino que não sabia dançar, era uma
vez um cachorro que não sabia latir, era
uma vez uma menina que ficou pequenininha e sumiu, era uma vez um menino
que via cores, era uma vez uma menina
que brincava de era uma vez. Espalha pra
geral! é assim, uma brincadeira sem fim!
No Grupo Cena 11, um núcleo de criação com formação em várias
áreas compõe a base para uma produção artística em que a ideia
precisa ganhar expansão num corpo e se organizar como dança.
Em 1994, sob direção de Alejandro Ahmed, produziu seu primeiro
espetáculo: Respostas sobre dor e a partir de 1998 começou a
atuar como uma companhia profissional. Recebeu vários prêmios
e tem circulado pelos principais festivais de dança no Brasil,
sendo convidado para festivais na Alemanha e em Portugal.
Denise Stutz e Felipe Ribeiro iniciaram a parceria em 2009. Juntos
criaram Justo uma Imagem (2010), para o Rumos Itaú Cultural.
Denise Stutz iniciou seus estudos de dança em Belo Horizonte.
Em 1975, junto com outros dez bailarinos, fundou o Grupo
Corpo. Trabalhou com Lia Rodrigues como bailarina, professora e
assistente de direção. Há dez anos cria e interpreta suas próprias
obras, com grande circulação nacional e internacional. O carioca
Felipe Ribeiro, que tem formação em cinema, cria imagens em
vídeo para os espetáculos e aos poucos vem se integrando aos
espetáculos de Denise, tornando-se também bailarino.
Direção artística e coreografia: Alejandro Ahmed / Elenco e coreografia: Adilso Machado, Aline Blasius, Cláudia Shimura, Jussara Belchior, Karin Serafin, Leticia Lamela,
Marcos Klann, Mariana Romagnani / Trilha sonora e coordenação de montagem: Hedra Rockenbach / Operação de som, luz e projeção: Alejandro Ahmed e
Hedra Rockenbach / Figurino: Karin Serafin / Núcleo de criação: Alejandro Ahmed, Karin Serafin, Hedra Rockenbach
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Roteiro, Texto, Direção e Elenco: Denise Stutz e Felipe Ribeiro
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Ma’kwenda! Ma’kuisa!
Memórias de um Corpo Negro
Inabitáveis
Cia de Dança In Pares (ES)
Negraõ Cia de Dança (ES)
Ano: 2008
Duração: 50 minutos
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: Retrospectiva de algumas coreografias do repertório de espetáculos
produzidos pelo grupo NEGRAÔ ao longo
dos seus 19 anos de existência. Nele
estão representados elementos tradicionais, religiosos, releituras folclóricas de
manifestações da cultura afro-brasileira e
criações contemporâneas. Os quadros geram
situações que nos remetem aos diferentes
espaços e tempos das manifestações negras. Nessa cosmogonia negra repleta
de símbolos da nossa cultura, queremos
ressaltar a cultura afro-capixaba. Trata-se
de um trabalho onde o grande exercício
é vasculhar a memória, reencontrar no
corpo as posturas, o gestual, o modo de
cantar, o imaginário dos filhos da diáspora
africana. O resgate dos fatos e das histórias
fantásticas que moldaram a nossa ‘negra
maneira de ser’!
A Cia. já montou sete espetáculos desde 1992, com circulação
por todo o Espírito Santo e pelo Brasil. Em 2004, a Cia. Participou do VI Encontro das Nações – Brasil de Todos Os Tons, em
Florianópolis, com o espetáculo Furdúncio.
Ano: 2011
Duração: 25 minutos
Classificação Indicativa: 14 anos
Sinopse: O espetáculo mostra dois homens
que poderiam ser muitos outros e suas
trajetórias, paralelas, tangenciais e de
entrelaçamento. Explora no limite entre
dois seres as infinitas possibilidades de
recompor o espaço do cotidiano e da
diversidade através de construções e desconstruções coreográficas. Desejos, medos,
anseios, sublimação, enfrentamento, são
os conteúdos simbólicos explorados no
trabalho.
Fundada no ano de 2004, a Cia. De Dança In Pares se intitula
como um grupo de pesquisa em novas linguagens na dança
contemporânea. O primeiro trabalho da companhia estreou no 7º
Festival Nacional de Monólogos - Prêmio Cidade de Vitória Teatro
e Dança 2004, no qual o bailarino Mauro Marques recebeu o
prêmio de Melhor Intérprete. Concebido inicialmente no formato
solo, o trabalho ganhou o formato duo com o bailarino Marcelo
Vitor e a partir de então a Cia de Dança In Pares tem conquistado
bons resultados em suas apresentações em mostras e festivais
tendo sido agraciado com diversas premiações. A companhia
trabalha com ensaios regulares de aprimoramento técnico e
artístico e de construção de uma linguagem particular e incentiva
seus bailarinos a buscar aprimoramento com outros profissionais
visando manter a filosofia de ‘Unidade na Diversidade’. Seus
membros vêm de experiências sólidas em outras companhias.
Coordenador: José Nilson Coutinho do Amparo / Diretor de Produção: Magno Encarnação / Diretor Artístico e Coreógrafo: Gil Mendes
Iluminação: Overlan Marques / Assistente de palco: Maria Gisela do Amparo Paes / Concepção de Figurino: Magno Encarnação
coreografia e direção: Gil Mendes / Bailarinos: Marcelo Vitor e Mauro Marques / iluminação: Overlan Marques
Dançarinos: Giovana Gonzaga, Kátia Cuzzuol, Nilson Coutinho, Gislene Bento, Mauro Marques, Izabela Azevedo, Luciano Coelho, Joilson Santana.
Pesquisa Musical: Gil Mendes, Marcelo Vitor e Mauro Marques / Pesquisa de vídeo: Marcelo Vitor
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Passagens
Adorno
Cia. Mitzi de Dança (ES)
Primeiro Ato Cia. de Dança (MG)
Ano: 2011
Duração: 60 minutos
Classificação Indicativa: Livre
Ano: 2010
Duração: 60 minutos
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: Como lidar com o tempo? Permitir que o correr cronológico da vida seja
contribuinte e construtor de uma personalidade jovial, não somente o caminho
de entrega ao envelhecer. Como buscar
constantemente manter o frescor e desfrutar a vida? Renovar-se a cada instante, não se permitindo enfraquecer com a
passagem do tempo.
Sinopse: Entre o instante e o extinto,
entre o humano e o sideral, acontece o
fenômeno. O som desperta o instinto e
a luz, e na criação o possível. O homem
e suas possibilidades. As imagens das
tribos Mursi e Surma, da região do Vale
do Omo, na África, serviram de estímulo
para a construção, levando a equipe a uma
reflexão sobre o primitivo e o sideral na
evolução do ser humano, na aproximação
entre masculino e feminino, suavizando
as diferenças e diluindo barreiras.
Responsável pelo movimento profissional da dança no ES, a Cia.
de Dança Mítzi Marzzuti foi fundada em 1986 e reúne em seu
repertório coreografias assinadas por coreógrafos de renome
nacional e internacional. Representou o Espírito Santo nos maiores eventos e festivais de dança do país, entre eles: Plataforma
de Dança para Saint Dennes (França), Encontro Nacional de
Dança (Paraíba), Festival Nacional (Recife), Vila Dança Convida
(Salvador), Observatório de Dança (Belo Horizonte), entre
outros. São 21 prêmios nacionais conquistados ao longo de
todos esses anos.
Sob a direção de Suely Machado, realiza um trabalho em dança
contemporânea diverso e singular. Desde o início, em 1982,
tem por objetivo investigar e ampliar o universo da dança em
espetáculos expressivos, com apuro cênico, rigor técnico e forte
apelo emocional, através de processos colaborativos de pesquisa.
A participação ativa dos bailarinos na criação traz um resultado
consequente no desenvolvimento do processo criativo. O grupo
tem 14 espetáculos em repertório.
Concepção, direção coreográfica e direção geral: Suely Machado / Estudo do Movimento: Alex Dias / Assistente de Direção: Marcela Rosa
Arquitetura do Movimento: Alex Dias, Ana Virginia Guimarães,Danny Maia, Lucas Resende, Marcela Rosa, Pablo Ramon, Thiago Oliveira, Verbena Cartaxo, Verônica Santos
Desenho de luz: Jorginho de Carvalho / Operação de luz: Elias do Carmo / Operação de som: Fabrício Galvani / Cenotécnico: Roberto Duque / Figurino: Ronaldo Fraga
direção geral: Mítzi Marzzuti / coreografia: Mário Nascimento / Iluminação: Edgard Barbosa / Figurinos: Mítzi Marzzuti / Trilha sonora: Mário Nascimento
Trilha Sonora: Lula Ribeiro e Marco Lobo / Canto: Mauricio Tizumba e Titane / Concepção e Direção de criação de cenário: Guile Seara / Produção: Regina Moura
Elenco: Carolina Mattedi, Nerdin Montenegro Alvarez, Gabriela Camargo, Paloma Tauffer e Marcos Saleme.
Artista colaboradora do processo: Inêz Vieira
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Super Nany
Stultifera Navis, a Nau dos Loucos
Balé da Ilha Cia. de Dança
Cia. Teatro Urgente (ES)
Ano: 2011
Duração: 30 minutos
Classificação Indicativa: Livre
Ano: 2010
Duração: 30 minutos
Classificação Indicativa: 16 anos
Sinopse: Super Nany é uma investigação
em dança-teatro, não como denominação
ou estilo, mas com perguntas próprias.
Possui uma Narrativa, concebendo uma
narração do corpo e da cena. Com humor
dosado narra momentos da vida da personagem Maria Eugênia, vulgo “Nany”, que
em um momento quase epifânico, quando
resolve mudar radicalmente o rumo de sua
vida, largando tudo. O foco do trabalho é
a personagem, para falar do caos no qual
se encontra a sociedade contemporânea,
sobretudo no que diz respeito a violência
contra a mulher, do olhar que ainda hoje
se tem sobre o gênero feminino e suas
possibilidades.
Sinopse: A coreografia Stultifera Navis foi
originalmente concebida pela Cia. Neo-Iaô
em 1986 sob direção de Magno Godoy e
se baseava em teorias de Michel Foucault
e quadros de Hieronymus Bosch. Passados
24 anos da estréia, Marcelo Ferreira, que
era um dos bailarinos daquela primeira
montagem, decide embarcar outra vez
nessa nave e jogar-se num processo de
(dês)construção de cenas e gestuais anteriormente concebidos por Godoy.
Marcos Pitanga e Patrícia Miranda retomam uma antiga parceria,
com a produção executiva de Karla Ferreira.
A Cia. Teatro Urgente, sediada em Vitória, iniciou suas atividades
em 2003, dirigida por Marcelo Ferreira, também ator, bailarino e
professor. Desenvolve pesquisa de linguagem cênica e formação
de intérpretes-criadores, revelando em seu estilo referências
estéticas influenciadas pelo expressionismo, pela dança butoh
e dança neo-iaô (cuja Cia. de Dança o diretor fundou em 1986,
com Magno Godoy e atuou até 2001), pelo teatro de Grotowski e
Antonin Artaud, situando-se no limiar do teatro-dança. Exemplos
dessa fase de realizações que dialogam também com o cinema
são as coreografias Nosferatu e Metrópolis, ganhadora do Prêmio
Klaus Vianna de Dança em 2007.
CRIAÇÃO E DIREÇÃO: Marcelos Ferreira / supervisão: Maura Baiocchi (Cia. Taanteatro – SP) / Elenco: Arcanjo Nobre, Diego Pinto, Marcela Cavallini, Marcelo Ferreira, Vinicius
Cavatti / Iluminação: Everaldo Nascimento / Músicas: Jaceguay Lins, Magno Godoy, Erik Satie / Trilha Original: Raphael Coutinho / Vídeo: Juba Paixão (Nova Filmes) /
direção executiva: Karla Ferreira / direção artística: Marcos Pitanga / coreografia: Marcos Pitanga / bailarinos: Patricia Miranda e Marcos Pitanga
20
Figurino, cenário e maquiagem: David Scardua (a partir de figurino e cenário originais de Magno Godoy e Jeveaux) / Produção: Cia. Teatro Urgente
21
Céu na Boca
Quasar Cia. de Dança (GO)
Ano: 2009
Duração: 75 minutos
Classificação Indicativa: Livre
Sinopse: As leis físicas e as teorias evolucionistas serviram de ponto de partida
para a criação de Céu na Boca. O trabalho
discute a relação entre o paraíso que se
deseja e a realidade que nos é oferecida,
concluindo que melhor mesmo é tirar proveita da vida como ela é. Cria paralelos
entre o céu, como lugar ideal, e a boca,
metáfora para a realidade palpável. Humor
e drama, movimento e não-movimento,
música eletrônica contemporânea e o instrumental dos 50 são outros paradoxos
da obra.
Fundada em 1988 por Vera Bicalho e Henrique Rodovalho, a
Quasar Cia. de Dança tem suas origens no Grupo Energia, formado
em Goiânia no início dos anos 80. Instalada no Brasil Central, a
Quasar se consolidou como companhia profissional, independente,
e alcançou lugar de destaque no cenário da dança contemporânea
nacional e internacional. A linguagem própria desenvolvida pelo
grupo é referência estética para pesquisadores em todo país.
“É uma oportunidade
enorme ter pessoas
de estilos e conceitos
diferentes reunidas.
Foi bonito ver espetáculos tão distintos
e para pessoas tão
diferentes”
Suely Machado, diretora do Primeiro Ato Cia. de Dança (MG)
Coreógrafo: Henrique Rodovalho / Trilha Sonora: Hendrik Lorenzen, Taylor Deupree, Marc Leclar, Goldie, Stacey Kent, Ray Coniff, Umebayashi Shigeru
Figurino: Cássio Brasil
Stephanine Ricciardi, bailarina do Salzburg Ballet (Áustria)
22
23
coreógrafos independentes
espaço de
experimentação
Fim de tarde
A Cia Kerigma propõe na simplicidade do movimento acalmar com sutileza o coração daquele que
espera. Num momento de reflexão, elevar a fé e o
espírito em uma dança que vai além das fronteiras
do movimento e alcança a alma do espectador.
Processo de criação: Se deu de forma natural.
Minha pesquisa se desenvolve em torno do amor
e as ações relativas a esse sentimento, principalmente explorando o contexto da espera, conforme
o texto bíblico “O amor, tudo crê, tudo espera e
tudo suporta”. O trabalho se dá com um grupo
de bailarinos que consegue romper as cadeias do
movimento, pessoas que falam com suas almas e
vidas, facilitando assim o trabalho do coreógrafo.
Coreógrafo e diretor: Álvaro Leal
Bailarina e Diretora: Vanessa Leal
Bailarinos: Jackeline Nepomuceno,
Izabella Farias, Leonardo Soprani, Camilla Prota,
Camilla Rocha, Tatiane Passos, Bruno Correa,
Eduardo Galvão, Gabriela Azevedo
ECO · 3 solos
Coreografia e Luz: Armando Aurich
Bailarinos e Figurinos: Jordélio Vieira,
Isabela Medeiros e Fernanda Cassilhas
Processo de criação: Trabalho abstrato em que
a relação se faz através do movimento versus
música e também pela qualidade do movimento.
Elos
Extremos
Direção e concepção de figurino: Liliani Cunha
Bailarinos: Anna Paulina Cardoso,
Luisa Matias Vilar e Isabela Castor Altoé
Sinopse: Coreografia com a formação clássica de
três bailarinas e coreografia neoclássica.
Processo de criação: “A música utilizada me sugeriu
trabalhar no universo de extremos tanto no lado
musical como também na linguagem corporal. A
coreografia foi desenvolvida com elementos também
sugeridos pelas próprias bailarinas, dando liberdade
para que o corpo pudesse criar novos caminhos.”
Coreógrafo: Nerdin Montenegro
Música: Alexandre Desplat
Bailarinas: Lara Tosi Modolo,
Marina Abelha Barreto, Carla Bruno Assis
Figurino: Atelier Inez
Afro Continente
o poder da transformação
Coreógrafo: Alecsandro Lacerda da Silva
Diretor: Eduardo Cezini
Bailarinos: Matheus Venancio Pimenta, Gean
Pimenta Nunes, Roberio Pimenta Santos,
Paulo Luiz Soares de Souza, Dheison Rodrigues
dos Santos, Erick Rena Sabino, Dayvison
Vasconcelos, Willian Tiago da Silva.
Diretor, coreógrafo e bailarino: Fabricio de
Jesus Santos
Bailarinos: Igor Henrique Gonçalves, Jamily
Rodrigues, Géssica Fernades, Andressa Dosse,
Isabela Rabelo, Rafaela Cunha, Isis das Neves,
Fabiola Lopes, Geovania Souza
Sinopse: Todas as danças são fatos da África.
Temos a Dança dos Mortos, o Canto da África, a
Dança da Lua.
Processo de criação: Quatro coreografias desenvolvidas ao longo dos últimos dois anos, como
estudos de dança africana, com diversos símbolos
e muita pesquisa. São ritmos diferentes e danças
que contém pequenas histórias.
Sinopse: Espetáculo com 13 integrantes tem como
eixo temático a análise do surgimento do hip hop
e transformações.
Processo de criação: A ideia era que nós, adultos, seremos eternamente crianças. Mas às vezes,
por trauma ou inveja, pessoas querem impedir as
crianças de sonhar. Acreditamos que através da
dança todos possam aos menos sonhar.
“A arte de rua é uma
coisa que não pode
morrer. É muito importante, principalmente para quem
não pode pagar para
ir a um teatro. Meu
neto nunca tinha assistido a teatro na rua
e ficou emocionado”
Corina Gonçalves de Oliveira, aposentada, 65 anos, sobre a perfomance
A Caixa de Bonifácia, de Ingrid Mendonça, na Praça Costa Pereira
A Caixa de Bonifácia, Ingrid Mendonça
30
31
espetáculos de rua
a arte ganha as
ruas, praças e parques
Espaços públicos da Grande Vitória receberam performances, flashmobs e espetáculos
de rua para alegria do público, surpreendido pela espontaneidade das ações
E
m uma quinta-feira de temperatura amena, no
Centro de Vitória, a vendedora de picolés Eunice
Machado Monteiro interrompeu seu trabalho por
alguns instantes e começou a recolher do chão alguns
papeis vermelhos em formato de coração que ela
guardaria como lembrança do Festival ES de Dança.
Naquele dia, o segundo do festival, duas perfomances movimentaram a Praça Oito e a Praça Costa
Pereira, onde Eunice trabalha, à hora do almoço.
Primeiro a União dos Dançarinos do Espírito Santo
(UDES) promoveu um flashmob – termo que define
um tipo de mobilização rápida com um objetivo
pré-estabelecido – com 40 bailarinos reunidos de
diversos grupos e estilos. A intervenção urbana
acabou tendo transmissão ao vivo de uma rede
de TV que transmite da Praça Costa Pereira para
todo o Estado.
“Nesse flashmob tem gente que nunca dançou
em companhia, tem dançarino do movimento hip
hop, de balé, de contemporânea e de afro”, definiu
a organizadora, Yuriê Perazzini, 26 anos, integrante
da UDES. Segundo ela, as danças de rua voltam
a ocupar seu espaço, depois de um período de
pouca divulgação e estímulo. “O movimento hip
hop andava decaído e sem espaços para dançar.
Então começamos a promover eventos por amor à
dança, como o Encontro de Danças Urbanas, focado
no street dance, que acontece no último sábado de
cada mês na Praça dos Namorados. Após o Fórum ES
de Dança, em 2010, também as escolas começaram
a retomar o ensino de outras modalidades, além do
balé e da dança contemporânea”, analisa Yuriê.
Quem passava pela praça foi pego de surpresa
pela movimentação repentina e pelo espetáculo
espontâneo, estimulado pelo Festival ES de Dança.
“Gosto de dançar, mas dessa vez fiquei só assistindo. Achei ótimo”, afirmou o vigilante Gentil
Roberto, 40 anos.
Após o flashmob, Ingrid Mendonça apresentou a
performance A Caixa de Bonifácia em um dos jardins
da Praça Costa Pereira, esquete que a coreógrafa
encerrou distribuindo os pequeninos corações com
mensagens de auto-estima que a vendedora Eunice
recolheria. “Espero que possam ajudar a solucionar
o que aparentemente não tem solução, que é a
situação do país hoje”, afirma Ingrid.
Para Eunice, a surpresa e a possibilidade de sentir
a emoção proporcionada pela arte foram chances
raras que precisam ser compartilhadas por todos. “É
uma diversão para as pessoas que estão oprimidas.
Se tivesse mais crianças assistindo seria muito bom,
porque se isso mexe tanto com nós adultos, imagina
com elas”, definiu a vendedora.
Já a aposentada Corina Gonçalves de Oliveira, de
65 anos, moradora de Cariacica, passava pela praça
com o neto, Mateus, de nove anos. “A arte de rua é
uma coisa que não pode morrer. É muito importante,
principalmente para quem não pode pagar para ir a
um teatro. Meu neto nunca tinha assistido a teatro
na rua e ficou emocionado”, revelou.
A Caixa de Bonifácia, Ingrid Mendonça
atividades complementares
Dança de Norte a Sul
Parceria da Secult com a Funarte promove oficinas de capacitação em Montanha,
no norte do Estado, e Castelo, na região sul, descentralizando ações de política
cultural e expandindo fronteiras da dança
A
Flashmob na Praça Costa Pereira, UDES
Bunda e Progresso, Urucum Cia. de Dança
Primeiro Ato Cia. de Dança
programação do Festival ES de Dança foi além
dos limites da Grande Vitória. Em uma parceria
com a Funarte, a Secult promoveu em Montanha,
entre os dias 15 e 17 de julho, e em Castelo, entre
os dias 29 e 31 de julho, duas oficinas de dança
como atividades complementares à programação
do festival.
Montanha, na região norte do Espírito Santo,
recebeu a professora paranaense Michelle Camargo,
bacharel em dança pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Atualmente, Michelle é professora das disciplinas de “Dança” e “Movimento
e Ritmo” para o curso de formação de atores do
Cena Hum escola de artes cênicas; professora de
dança contemporânea no espaço de dança Vila Arte;
integrante do IMP (Investigação do Movimento
Particular), grupo de pesquisa em dança coordenado
por Juliana Adur, e oficineira do Colégio Expoente,
com a oficina de dança nos encontros temáticos
de 2011, todos em Curitiba.
A oficina de Investigação do Movimento atraiu a
atenção dos bailarinos da cidade e de toda região,
inclusive alguns que participaram das atividades
do festival em Vitória. Para a professora, foi uma
oportunidade incrível de incentivar o movimento
de dança no interior do Espírito Santo. “Não esperava encontrar tantas pessoas com tamanha
vontade de aprender. Tanto a participação dos
alunos quanto o envolvimento da secretaria na
organização da oficina permitiram que as vinte
horas de oficina fossem aproveitadas intensamente”, avalia Michelle.
Segundo ela, parte do sucesso é fruto do estímulo do governo municipal que incentiva a criação
artística pela dança. “Existe um apoio e incentivo
muito grande por parte da secretaria de cultura
em Montanha, o que representa um diferencial
para a produção em arte, neste caso, em dança.
Sabe-se que só o apoio das políticas culturais não
é suficiente para que haja produção em dança, mas
em Montanha vejo que além deste apoio político
existe muita vontade por parte das pessoas em
fazer, pensar e fruir a dança na região”, explica.
Já Castelo, na região sul do Estado, sediou as
aulas do professor e coreógrafo Gil Mendes, reconhecido por coreografias realizadas para a extinta
Cia. Quorum, para a Homem Cia. de Dança e também
para o Grupo de Dança Afro Negraô, companhia que
ainda coreografa. Gil integra ainda a In Pares Cia.
de Dança, grupo de dança contemporânea fundado
em 2004. A oficina contou com a participação ativa
de 15 bailarinos.
“Penso que a oficina proporcionou uma vivência
intensa em métodos investigativos para composição
Foto: Raquel baelles
Ao final da apresentação, Ingrid Mendonça ouviu
de Eunice e de Dona Corina elogios e agradecimentos. “Isso me empurra para o improviso, estar
preparado para o inusitado. A arte engessada não
me enriquece tanto”, disse Ingrid. Com o projeto A
Caixa de Bonifácia a coreógrafa pretende percorrer
todas as praças da Capital.
Na mesma tarde a UDES promoveu uma apresentação de dança urbana na área externa do Teatro do
Sesi, acompanhada pelo público e pelos convidados
que participavam das mesas e oficinas do festival.
“É muito importante o festival abrir espaço para os
dançarinos mostrarem seu trabalho e ainda serem
remunerados por isso. Estamos sendo valorizados”,
afirmou Thaís de Luca, 27 anos, diretora e uma das
coreógrafas do Movimenturbano, grupo que abriga
todas as vertentes da dança urbana e que já foi
premiado com uma bolsa para núcleo de criação
do Programa Rede Cultura Jovem.
“Os debates estão tocando em pontos muito
importantes e pouco abordados aqui no Estado. Por
exemplo, temos poucas companhias no Estado. Tenho
formação de balé clássico, sou professora de balé
e se eu não montasse um grupo, eu teria que sair
do Estado para poder trabalhar”, continuou Thaís.
Naquela noite, a sequência de performances
continuou em uma das ruas mais movimentadas
de Vitória. A Avenida Anísio Fernandes Coelho,
mais conhecida como Rua da Lama, pólo de bares
e restaurantes próximos à Universidade Federal
do Espírito Santo, tornou-se palco do espetáculo
Bunda e Progresso, da Urucum Cia. de Dança. Atores
surpreenderam o público que desfrutava o que seria
apenas mais uma simples noite de sexta-feira se
não houvesse a intervenção crítica da Urucum.
Mas os espetáculos de rua não se restringiram
a Vitória. A Bunda e Progresso também tomou de
assalto a Avenida Expedito Garcia, pólo comercial
da cidade de Cariacica, na Grande Vitória. No sábado
a UDES levou sua performance urbana para Terra
Vermelha, na periferia de Vila Velha, cidade mais
populosa do Estado.
A última apresentação promovida pelo Festival
ES de Dança em espaços públicos aconteceu no
Parque Pedra da Cebola, em Vitória. Quebra-Cabeça,
do Primeiro Ato Cia. De Dança, que mescla a dança
a outras manifestações artísticas como o teatro, o
circo e a mímica, fez a manhã dos capixabas mais
feliz. O espetáculo é uma montagem leve e divertida,
de fácil identificação com o público, feito no ponto
certo para fazer a platéia rir.
coreográfica e proporcionou novos conhecimentos
aos participantes conforme podemos constatar
nas declarações nas fichas de avaliação. Fiquei
muito satisfeito com o comprometimento dos
participantes e sua disposição para execução das
atividades propostas”,
Para Gil, a boa qualidade dos bailarinos da cidade
de Castelo e seu condicionamento se devem ao
trabalho de uma academia local, mas esse preparo
deve ser aliado ao desenvolvimento criativo dos
artistas. “Vejo que o foco é a formação do bailarino
visando o domínio técnico, a parte criativa não
é o foco de trabalho com esses alunos, por isso a
grande importância dessa oficina”, avalia.
Gil e Michelle vêem como um passo importante
a interiorização das ações de política cultural para
a dança. ”O interior é carente de informações e
de diálogo com a capital. Precisamos tomar conhecimento da produção cultural de nosso Estado
e fazer esse produto circular preocupados com a
sua qualidade, por isso a necessidade de constantes cursos de capacitação. Mas é preciso ações
constantes que façam com que tenhamos um
desenvolvimento realmente eficaz e diálogo regular
com esses municípios, procurando integrar cada
vez mais essas pessoas nas atividades da cultura
do Estado.”, afirma Gil, profissional experiente e
que conhece como poucos a situação da dança no
Espírito Santo.
Já Michelle acha que o resultado poderá ser
conferido a curto prazo. “Espero no ano que vem
ver outros grupos, com produções de qualidade,
resultado desse apoio político e da vontade e
esforço de cada um”, diz a professora.
Michelle Camargo,
oficina Investigação do
Movimento em Montanha
OFICINAS
APRENDIZADO
E CRIAÇÃO
Suely Machado: é bailarina, professora, coreógrafa, fundadora e diretora do Primeiro Ato Cia. de Dança, com quase 30
anos de carreira. Formada em Dança Moderna, graduada em
Psicologia (PUC/MG), com especialização em Coreoterapia
e Psicomotricidade e curso de extensão em Pedagogia do
movimento para o ensino da dança (Escola de Belas Artes/
UFMG). Ela também dirige os projetos Primeiro Ato Centro de
Dança, centro de formação em dança; Projeto Dançando na
Escola, ação social no Grupo Estadual D. Augusta, na Barragem
Santa Lúcia, em Belo Horizonte; e o EACC – Espaço de Acervo
e Criação Compartilhada, em Nova Lima.
Oficinas do Festival ES de Dança aproximam estudantes de profissionais
possibilitando um espaço de troca de conhecimentos e criação com o corpo
A
s salas de aulas da escola CriDança, em Vitória,
receberam professores muito especiais durante
o Festival ES de Dança. As coreógrafas Vera Sala,
Suely Machado e Letícia Teixeira e o coreógrafo
Marcelo Ferreira receberam cerca de 80 alunos
durante três manhãs nas oficinas promovidas pelo
festival e oferecidas gratuitamente.
“Ter quatro oficinas que dialogam entre si e que
estiveram bem cheias é sinal de interesse. Foi uma
oportunidade de tocar as pessoas acordando o corpo
delas. Uma chance de poder ajudar a criar essa
intimidade com o corpo”, resume Suely Machado,
do grupo mineiro Primeiro Ato.
Suely ofereceu a oficina “Criação do Gesto”,
trabalhando as diferentes qualidades de cada um
dos alunos e exercitando a preparação cênica dos
bailarinos. Para Patric Leris, a oficina com Suely foi
uma oportunidade de redescobrir os movimentos
praticando alguns exercícios. “Muitas vezes usamos
movimentos de forma exagerada. A primeira coisa
é a descoberta. Ela está mostrando um processo de
trabalho. Está sendo bem interessante. Acrescenta
ao que já conhecemos. Com a oficina eu me conscientizo novamente e me recordo o tempo inteiro
de que preciso refletir sobre os movimentos que
já se tornaram cotidianos”, afirma o bailarino de
30 anos.
Letícia Teixeira, professora da Faculdade Angel
Vianna, apresentou a técnica desenvolvida por
Angel ao longo dos últimos 30 anos na oficina
“Consciência do Movimento”. A técnica busca
um maior conhecimento do corpo, novos usos e
percepções.
“É um trabalho aberto, de escuta do corpo,
voltado para a sensibilidade corporal e para o
autoconhecimento. Não são exercícios codificados,
fechados, eles têm uma grande amplitude pois visam
qualquer corpo”, explica Letícia, que se considera
“cria” de Angel Vianna, a homenageada do Festival
ES de Dança. “A faculdade aceita gente, não apenas
bailarinos, mas qualquer um capaz de se mover. E
para se mover basta se levantar da cama. A questão
é: como você lida com o seu corpo?”.
A oficina de Letícia teve a participação de
professores de dança que buscavam aprimorar seu
conhecimento. “Estou muito feliz com a receptividade, o carinho e atenção que os alunos da oficina
estão me oferecendo. Parece que já os conheço
há muito tempo, e estamos apenas no segundo
dia”, conta Leticia. Estudantes de balé também
participaram e avaliaram positivamente a oficina
oferecida por Letícia. “O que estou conhecendo é
uma técnica complementar ao que já estudei. Eu
não conhecia o método desenvolvido pela Angel
Vianna, que a Letícia está nos apresentando e explicando. É bom pois adquirimos mais consciência
dos movimentos. Quanto mais trabalhamos o corpo,
melhores bailarinos nos tornaremos”, avaliou Tatiana
Brioschi, 44 anos.
O coreógrafo, diretor teatral e bailarino Marcelo
Ferreira guiou a oficina “Gestual Dramático
Expressionista”, que buscou envolver o aluno na
dramaturgia contemporânea, nas artes visuais
e audiovisuais, e foi reduzida a dois alunos. “A
qualidade do processo é ótima. Uma aluna vai me
apresentar um trabalho inspirado na obra ‘Retirantes’,
de Candido Portinari”, contou o bailarino.
Já a professora e criadora paulista Vera Sala
concebeu o workshop “Investigação da Dramaturgia
no Corpo” com o objetivo de ampliar o vocabulário
corporal do aluno a partir da pesquisa de novos
caminhos, novas relações e conexões no corpo.
“Trabalhei algumas bases de corpo, fiz uma introdução necessária para começar a pensar o corpo.
A oficina está repleta de pessoas perguntando e
se lançando para experimentar. É em grande parte
formada por estudantes de dança e bailarinos, apenas uma pessoa que não tem experiência. Mesmo
assim é possível participar, a ideia é que cada um
resolva os exercícios com o repertório que tem,
isso não impede ninguém e faz com que quem já
tenha experiência abra mais seu conhecimento”,
contou Vera.
Com tanta gente interessada e alunos dispostos
a conhecer e a criar em parceria com os professores, a tônica das oficinas do Festival ES de Dança
pode ser resumida em uma frase de Vera Sala que
descreve o espírito do festival e dos espaços de
experimentação coletiva: “Fiquei bem contente de
ver pessoas interessadas em experimentar”.
Marcelo Ferreira (ES): Ator, coreógrafo, bailarino e professor. Com a Cia. Neo-Iaô, de Godoy, Ferreira apresentou-se
em importantes teatros do Brasil, além de ter desenvolvido
trabalhos em diversos países da América Latina. Apresenta
influências estéticas do expressionismo e da dança butoh. Atua
como encenador da Cia. Teatro Urgente, fundada em 2003,
que já apresentou os espetáculos “Metrópolis”, “PlayBeckett”,
entre outros.
Letícia Teixeira: Educadora Corporal atuante na área de
Consciência e Expressão Corporal desde 1981 (crianças, jovens
e adultos) com formação pelo Método Angel Vianna em 1983.
Graduada e Licenciada em Filosofia (UFRJ), Pós-graduada em
Educação Psicomotora (IBMR) e Mestre em Teatro (UNIRIO).
Autora do livro: Conscientização do Movimento: uma prática
corporal: Editora Caioá, 1998 (esgotado) e de vários artigos
que envolvem o trabalho corporal de Angel Vianna. Docente
da Faculdade Angel Vianna na Graduação e na Pós-Graduação.
Coordenadora da Pós Graduação Lato Sensu Metodologia
Angel Vianna.
Vera Sala (SP): Criadora-intérprete, desenvolve pesquisa na
área de dança desde 1987. Faz parte do Centro de Estudos do
Corpo da PUC-SP, no Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica. É Professora do Curso de Comunicação
das Artes do Corpo da Faculdade de Comunicação e Filosofia,
PUC/SP desde 1999. A produção artística da criadora já
recebeu inúmeros prêmios, como o da Associação Paulista
dos Críticos de Arte (APCA) nas categorias criação-intérprete
(2005) e pesquisa em dança (1999), o Mambembe (1998) e o
do Movimentos SESC de Dança (1989-92). Vera Sala também
foi bolsista da renomada Fundação John Simon Guggenheim
Memorial Foundation com a pesquisa Os Estados do Corpo,
O Corpo Como Mídia (2002/2003).
mesas de debate
As questões políticas
e sociais da dança
Mesa 02: A Dança e as Novas Linguagens: Convergências
Ação política, convergência de linguagens, criação coletiva e política cultural foram
alguns dos temas abordados nas três mesas promovidas pelo Festival ES de Dança.
Espaço para a reflexão reuniu convidados de renome e público interessado em ideias.
Mantendo a vocação de promover o debate de conceitos e a troca
de informações iniciada com o Fórum ES de Dança, ocorrido em
2010, o Festival ES de Dança, em sua primeira edição, convidou
profissionais de renome internacional para compartilhar experiências e apontar caminhos em linhas temáticas que dialogam
sob diversos aspectos com a realidade da dança no Espírito
Santo e no Brasil.
Para além da diversidade de opiniões e análises, regidas
pelos eixos temáticos O Significado Social da Dança no Século
XXI, A Dança e as Novas Linguagens: Convergências e Espaços
da Dança: Olhares sobre a Articulação Criativa das Cias. de
Dança do Brasil, a ação política do corpo foi um tema central a
ligar todas as mesas que ocuparam o Teatro do Sesi, em Vitória.
Paulo Fernandes (ES): Dirige a Cia. Enki
de Dança Primitiva Contemporânea, criada
em 2001 e que desenvolve pesquisa de
dança afro contemporânea. Seu espetáculo
SIMBOLEIN foi premiado em 2009 com o
Prêmio Klaus Vianna, da FUNARTE. Iniciou
sua carreira nos anos 70. Desde 1988 se
dedica a dança, primeiro como integrante
da renomada Cia. Neo-Iaô, dirigida por
Magno Godoy. Em 2010, Paulo se apresentou
na cidade francesa de Aix-en-Provence.
Mesa 01: O Significado Social da Dança no Século XXI
Armando Aurich (ES): Interpretando obras
de importantes coreógrafos nacionais e
estrangeiros, trabalhou durante 28 anos
ininterruptos (1981-2009) com o Tucson
Metropolitan Ballet (EUA), Cia. de Dança
Rio, Cia. de Dança de Minas Gerais, Cisne
Negro Cia. de Dança, República da Dança
e Balé da Cidade de São Paulo. Aplica sua
prática de ensino “O Corpo Expressivo”
em aulas de balé clássico e contemporâneo. Recebeu os prêmios Lei Sarney
(1988), como Intérprete Revelação, o da
Associação Profissional dos Críticos de Arte
- APCA (1992), como Melhor Bailarino, e
o Estímulo SMC (2003) como coreógrafo.
Atualmente, é professor da Escola Cridança,
em Vitória (ES).
38
Vera Sala (SP): Criadora-intérprete, desenvolve pesquisa na área de dança desde
1987. Faz parte do Centro de Estudos do
Corpo da PUC-SP. É Professora do Curso
de Comunicação das Artes do Corpo da
Faculdade de Comunicação e Filosofia,
PUC/SP desde 1999. Já recebeu inúmeros
prêmios, como o da Associação Paulista
dos Críticos de Arte (APCA) nas categorias
criação-intérprete (2005) e pesquisa em
dança (1999), o Mambembe (1998) e o
do Movimentos SESC de Dança (1989-92).
Vera Sala também foi bolsista da renomada Fundação John Simon Guggenheim
Memorial Foundation com a pesquisa Os
Estados do Corpo, O Corpo Como Mídia
(2002/2003).
Sônia Sobral (SP): Gestora cultural. Dirige
o Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural,
em São Paulo, desde 1999. É membro da
Red Sudamericana de Danza desde 2002.
Foi coordenadora nacional do site www.
idanca.net e atualmente integra o conselho editorial.
Alejandro Ahmed (SC): Coreógrafo residente, diretor artístico e bailarino do
Grupo Cena 11 Cia. de Dança, fundado
em 1992. O trabalho como coreógrafo
surgiu de forma autodidata, respondendo
à necessidade do artista de integrar o seu
pensamento sobre o mundo e a dança
que experimentava. Junto ao Cena 11,
promoveu o desenvolvimento de uma
técnica que objetiva produzir a dança em
função do corpo. Esta técnica, nomeada
de “percepção física”, é um dos pontos
que estrutura o seu trabalho.
Aissa Guimarães (ES): Graduada em Filosofia
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
- IFCS/UFRJ,mestre em Filosofia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro
- IFCS/UFRJ e doutora em Comunicação
e Cultura pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro - ECO/UFRJ. Atualmente
é professora adjunta da Universidade
Federal do Espírito Santo/UFES, na área
de Artes; atuando no campo da estética
e do patrimônio imaterial,com ênfase nas
práticas artísticas, culturas e tradições
populares brasileiras.
Mesa 03: Espaços de Dança: Olhares sobre a Articulação Criativa das Cias. de Dança do Brasil
Suely Machado (MG): Bailarina, professora, coreógrafa, fundadora e diretora do
Primeiro Ato Cia. de Dança, com quase
30 anos de carreira. Formada em Dança
Moderna, graduada em Psicologia (PUC/
MG), com especialização em Coreoterapia
e Psicomotricidade e curso de extensão em
Pedagogia do movimento para o ensino da
dança (Escola de Belas Artes/UFMG). Ela
também dirige os projetos Primeiro Ato
Centro de Dança, centro de formação em
dança; Projeto Dançando na Escola, ação
social no Grupo Estadual D. Augusta, na
Barragem Santa Lúcia, em Belo Horizonte;
e o EACC – Espaço de Acervo e Criação
Compartilhada, em Nova Lima.
Denize Marques (ES): Diretora e coreógrafa
da Cia. Somos Dez, busca a união do
esporte com a arte nas apresentações.
Realizou os espetáculos “Inzone” (1999)
e “Reviravolta” (2010) em parceria com
Claudio Baltar da Intrépida Trupe. Em
1976, fundou em Vitória o grupo Balé
Aplicado que apresentou em Vitória,
Salvador e Rio os balés “‘Rhythmetron”,
“São Mateus: Colônia” e “Quem Sabe as
Coisas se Aclaram”. Dirigiu os musicais
“Os Saltimbancos” (1984) e “A Revolta
dos Brinquedos” (1985). Nasceu no Rio
de Janeiro onde foi assistente de Nino
Giovanetti e Mercedes Batista.
Vera Bicalho (GO): Bailarina e diretora
fundadora da Quasar Cia de Dança, criada
em 1988. Graduou-se em Psicologia pela
Universidade Católica de Goiás. Atuou
como professora de balé clássico e dança
contemporânea, integrando o elenco da
Quasar até 1994, além de desempenhar
a função de diretora/produtora da Cia.
Em 2008, Vera Bicalho passa a integrar o
Conselho de Cultura do Estado de Goiás.
39
O Significado Social da
Dança no Século XXI
“Que visão de mundo você cria quando
está em cena?”, questionou Vera Sala,
bailarina que investiga o corpo como
instalação, na primeira mesa do festival,
como que inaugurando as reflexões que
norteariam o Festival dali em diante.
“Dançar é organizar ações políticas, mas
não no sentido panfletário. O fazer artístico
é um questionamento constante do estar
no mundo”, completou.
Além da paulista Vera Sala, a primeira
mesa reuniu Sônia Sobral, gestora cultural
que dirige o Núcleo de Artes Cênicas do
Itaú Cultural desde 1999 e integrante da
Red Sudamericana de Danza desde 2002;
com o bailarino e coreógrafo capixaba
Armando Aurich, com carreira de mais de
duas décadas em companhias do Brasil e
do exterior, no papel de mediador.
A Vera Sala interessa refletir sobre o
que move os corpos que dançam. “Cada
produção de cada época tem a ver com as
relações de poder, as relações políticas,
sociais e econômicas daquele período.
Não acredito no artista fechado em sua
salinha sem conexão com o mundo”, disse,
declarando-se afetada pelo mundo em
tempo integral.
“A forma como o artista intervém
no mundo dá a dimensão da arte e do
que é ser humano hoje. Eu trabalho para
que a potência da arte seja disseminada.
Porque considero que é a arte é a única
dimensão que interessa nessa lógica cruel
40
do capitalismo”, declarou Sônia Sobral,
defendendo a criação artística como potência transformadora da realidade.
A gestora do Núcleo de Artes Cênicas
do Itaú Cultural continuou definindo o
que pra ela seria a função social e a função política da dança, na busca por uma
resposta para a questão sugerida pelo
eixo da mesa. “O público também tem
que ser autônomo, crítico. O público de
dança contemporânea não está procurando
paz, ele quer ser movido, ele não é alheio,
assim como o artista também não é. É
essa a função social e a função política
da dança”, declarou.
Essa primeira rodada de apontamentos
passeou principalmente pelo papel do bailarino como ator social e político, mas não
se restringiu a isso. A preocupação com a
formação de plateia, o papel da internet na
propagação da dança, a função da escola
no ensino da arte e também as políticas
culturais voltadas para a dança no Brasil
nortearam a conversa, acompanhada com
interesse e participação ativa da plateia.
“O que é pior [na política cultural] é a
falta de continuidade nos programas e nas
ações dos governos”, definiu Sônia Sobral,
do Itaú Cultural, ao final do debate. Para
ela, a escola tem uma função primordial:
retirar os jovens de uma postura passiva
frente à arte. “É preciso começar na escola.
A arte produz sentidos e conhecimentos.
A educação, junto com a família, é uma
Mesa 01
das soluções, mas para isso os professores
tem que ser melhor qualificados para o
ensino da arte. É preciso que tenham uma
formação de professores mais bem cuidada”.
“Hoje as leis de fomento ocuparam
o lugar da política cultural completa e
abrangente. Não se investe, por exemplo,
na distribuição e circulação dos trabalhos
produzidos. O fomento é uma fatia pequena
do que precisa realmente ser feito. Estamos
muito distantes de uma política cultural
e de ações culturais efetivas. O edital
substituiu uma política cultural abrangente e continuada. Não adianta construir
cem teatros se não se tem uma política
de ocupação. Só vamos conquistar uma
política completa com a mobilização dos
artistas”, argumentou Vera Sala.
O bailarino Armando Aurich, que voltou
a trabalhar no Espírito Santo há dois anos,
falou sobre a necessidade de uma política
cultural estável no estado e também sobre
a inauguração de espaços como o Cais das
Artes. “Acredito que deva se estabelecer
algo que seja permanente. Não é só o
espaço, é como ele será administrado. No
Espírito Santo, precisamos pensar em um
projeto de companhia que seja estável.
Além disso, a Escola de Teatro e Dança
Fafi seria de extrema importância para a
formação dos dançarinos, porque é uma
escola pública”, defendeu.
A Dança e as Novas Linguagens:
Convergências
A segunda mesa do Festival contou com
a participação do bailarino e coreógrafo
Alejandro Ahmed, da Cena 11 Cia. de
Dança, da professora do Centro de Artes
da Universidade Federal do Espírito Santo
Aissa Guimarães, e do bailarino e coreógrafo
Paulo Fernandes, da Cia. Enki de Dança
Primitiva Contemporânea. A partir dessa
conversa, as mesas se tornaram também
espaço para o público conhecer mais sobre
os processos criativos das companhias que
se apresentaram no festival, como foi o
caso da Cena 11.
A conversa guiada pelo eixo A Dança
e as Novas Linguagens: Convergências
abordou tanto a memória e o território,
temas caro à pesquisa realizada por Paulo
Fernandes como diretor da Cia. Enki de
Dança Primitiva Contemporânea, quanto
o diálogo com os aparatos digitais promovidos por Ahmed à frente da companhia
catarinense Cena 11. Ambos enfatizaram o
poder e a necessidade da pesquisa, sem se
colocarem como reféns da opinião pública,
dos editais ou da cobrança por resultados.
“A Cena 11 acredita em uma dança em
função do corpo. Provocar e desvendar
questões do corpo que possam revelar-se
dança. A ideia de renovação pode ser muito
nociva pelo imediatismo que ela causa. A
investigação tem que aceitar a frustração
como parte dela, mesmo por parte de quem
patrocina, de quem financia a pesquisa”,
defendeu Ahmed.
Sobre sua pesquisa, que envolve a
dança negra, a memória e os territórios,
Paulo Fernandes, que tem origem banta,
afirmou a vivacidade do corpo que dança.
“Esquecemos que o corpo tem uma membrana viva, além do papel social. A minha
maior felicidade e agonia é trazer a memória
da minha pele para dentro do trabalho.
Eu danço a vida”.
Questionado acerca da recepção do
público aos espetáculos da Cena 11, Ahmed
se dedicou a relativizar os conceitos de
arte e entretenimento. “Eu danço, eu faço
entretenimento e faço arte. Arte, dança e
entretenimento não precisam de hierarquia
de valor. O problema vem quando se produz
entretenimento e o traveste de arte. O
entretenimento que anestesia é o mais
preocupante”, afirmou.
Aissa Guimarães completou a ideia do
coreógrafo a respeito da não divisão de
fronteiras entre arte e entretenimento.
“Não há uma distinção muito bem definida do que seja arte, entretenimento
ou espetáculo, principalmente dentro
da arte contemporânea”, o que para ela
funcionaria como um estímulo e mais um
ponto de reflexão e pesquisa.
A respeito do momento atual da dança
no país, Ahmed acredita que “começa
uma era de responsabilidade democrática
diferente do que a gente vivia há apenas
20 anos”. E Paulo Fernandes é enfático
ao cobrar dos governos atenção também
Mesa 02
para as companhias independentes e que
realizam pesquisas de novas linguagens. “É
importante que o estado se comprometa
a criar espaços para todos os tipos de
espetáculos”, afirmou. Aissa Guimarães
complementou salientando a importância
de espaços de reflexão. “Se não houver o
debate, teremos espaços mas não saberemos
usá-los da melhor maneira possível”, disse.
Alejandro Ahmed também aproveitou o
espaço para definir o lugar do público em
sua pesquisa de dança contemporânea e
como analisa a questão do diálogo entre
diferentes linguagens. “A plateia tem uma
outra materialidade, mas faz parte do
palco. Na Cia. Cena 11 nossa preocupação
é fazer do público uma extensão da nossa
pesquisa. Não gosto da alegoria interativa,
apenas considero que quem está sentado
na plateia dança também. Se vamos agradar, não sabemos. Eu especularia que isso
[convergências de linguagens] não é uma
novidade. É uma extensão de desvendamentos do corpo que acabam trazendo outras
linguagens. É uma ampliação da pesquisa
e da investigação. Para surgir algo novo é
difícil, é preciso de aprofundar”, definiu
o coreógrafo.
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Espaços da Dança: Olhares sobre a Articulação
Criativa das Cias. de Dança do Brasil
A última mesa do Festival ES de Dança
reuniu três experientes coreógrafas. No
papel de mediadora, Denize Marques, uma
das pioneiras do movimento profissional
de dança no Espírito Santo, recebeu as
convidadas Suely Machado, diretora da
Primeiro Ato Cia. de Dança, com 25 anos
de trajetória profissional, e Vera Bicalho,
da Quasar Cia. de Dança, companhia criada
em Goiânia há 23 anos. Na pauta, Espaços
da Dança: Olhares sobre a Articulação
Criativa das Cias. de Dança do Brasil
e experiências complementares de dois
grupos com longa experiência.
O principal tópico da mesa foi a relação
das companhias com o patrocínio, quando
ele se realiza ou quando falta. “Tivemos o
mesmo patrocinador por 15 anos. Começou
com um cartaz, depois investiram em um
figurino e foi aumentando aos poucos, assm
a gente foi construindo uma estrutura. A
relação de patrocínio tem que ser muito
profissional. Ao fim dessa parceria, a primeira coisa que eu descobri foi que havia
as pessoas que comungavam comigo de
um projeto e as que comungavam de um
patrocínio. Foi um divisor de águas na
história do grupo”, relatou Suely Machado
sobre a experiência do Primeiro Ato que
reúne 14 espetáculos em seu repertório.
Suely completou afirmando a importância de manter uma identidade e uma
autonomia para criar. “O patrocínio nunca
me impediu de fazer o que eu queria. Nunca
fui cerceada. E agora, nesse momento,
estamos sem patrocínio”, disse.
O Primeiro Ato, que surgiu de um desejo
de assinatura coletiva e com a característica
de dialogar com as artes afins, mantém,
além da companhia profissional, outras
três ações: um centro de formação com
450 alunos de todos os estilos; um projeto social chamado Dançando na Escola,
realizado há 13 anos; e o EACC – Espaço
de Acervo e Criação Compartilhada, um
galpão onde preservam figurinos, objetos
de cenografia e a história da companhia
e dos espetáculos.
Vera Bicalho compartilhou a experiência
da Quasar Cia. de Dança, que além da companhia profissional mantém há dez anos
uma sala multiuso na qual a companhia
cria e também recebe outros grupos, no
momento em que se depararam com o fim
de um patrocínio. “Passamos dois anos
sem patrocínio. Foi um momento crítico.
Permanecemos e foi interessante porque
a necessidade fez com que buscássemos
outras formas de recursos. Quando a gente
não passa em um edital, é preciso buscar parcerias de outras formas. É preciso
manter a qualidade artística e a formação
técnica”, destacou.
Suely concluiu: “O problema da sustentabilidade das companhias começa com o
problema da articulação da classe artística”.
Mesa 03
Reunindo coreógrafas que prezam o
trabalho coletivo, a participação da plateia
tocou o ponto da dificuldade de manter
companhias mas também valorizou os
resultados obtidos. A professora da Escola
Angel Vianna Letícia Teixeira, convidada
do festival para ministrar uma oficina,
ressaltou o valor das trocas e intercâmbios
com outras áreas da cultura. “Quem sabe
estejamos em um momento de oportunidades e espaços para a dança. E daí a
importância das colaborações com outros
artistas, mesmo de outras áreas, senão
a gente não sai do lugar”, destacou,
contribuindo para estimular a criação de
coletivos criativos.
“É muito bom que o
Fórum ES de Dança
tenha tido uma continuidade, é uma oportunidade de chamar as
pessoas e promover um
intercâmbio de idéias
e experiências.”
Ayssa Guimarães, professora do Centro de Artes da Universidade Federal do
Espírito Santo
Embodied Voodoo Game, Cia. 11 de Dança
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43
a retomada de
um movimento
Isabella Motta, jornalista do portal iDança
C
om a apresentação, na noite de domingo (10/07), do espetáculo
Céu na boca, da Quasar Cia. de Dança (GO), chegou ao fim a
1ª edição do Festival ES de Dança, em Vitória. A programação
que movimentou a capital capixaba durante quatro dias teve
espetáculos locais e de outros estados brasileiros, oficinas e
debates. O festival representou mais um passo na retomada de
uma movimentação no cenário da dança profissional no Espírito
Santo, iniciada em setembro de 2010 com a realização do Fórum
de Dança do ES.
O ponto alto do festival foram os debates, que percorreram
temas como criação, consumo de arte no Brasil e sustentabilidade,
passando por questões relacionadas à formação e mercado de
trabalho para quem vive da dança. A mesa Espaços da dança:
olhares sobre a articulação criativa das companhias de dança
do Brasil, que teve a participação de Suely Machado (Primeiro
Ato Cia. de Dança, MG), Denize Marques (Cia. Somos Dez, ES)
e Vera Bicalho (Quasar Cia. de Dança), foi a que despertou
maior interação com o público e mostrou que a dança capixaba
ainda tem um difícil caminho a percorrer no que diz respeito
à sustentabilidade.
Suely e Vera falaram de suas experiências em gerir companhias, ora com patrocínio, ora sem. “Eu parei de dançar para me
dedicar à parte administrativa. A gente tem que brigar muito
para manter o grupo, já vi muitos se desmembrarem por falta
de dinheiro. É preciso ter um foco, saber onde se quer chegar
e lutar por aquilo. Mas ainda somos muito jovens na luta por
políticas públicas, o movimento articulado de dança é muito
recente”, afirmou Vera.
Suely reafirmou a importância do diálogo para alcançar os
objetivos da classe. “Temos que nos unir, conversar e saber o
que reivindicar. Há diferenças entre estados, mas antes temos
que nos fazer vivos e presentes. O problema da sustentabilidade
começa na falta de articulação política”, enfatizou.
Os debates tiveram início na quinta-feira (7/07), com a mesa
O significado social da dança no século XXI, com Armando Aurich
(ES), Sonia Sobral (SP) e Vera Sala (SP). Como o tema é bastante
amplo, os debatedores e o público puderam dar um ‘passeio’ por
diversos temas, como a importância social da criação artística, a
questão da formação, mercado de trabalho e também de consumo
de arte. Artista e professora do curso de Comunicação das Artes
do Corpo, da PUC-SP, Vera Sala afirmou que frequentemente se
sente dividida entre as duas funções sociais. “Minha função é
trabalhar para a criação. O que fazemos é produzir conhecimento
organizado no corpo”, afirma. “O papel da formação passa por
como a sociedade encara a arte. Por que o trabalho artístico já
não é potencial de formação? Temos que procurar sempre um
novo ponto de vista, ensino meus alunos a pensar. É uma ideia
de formação a partir da deformação”, diz Vera.
Na sexta-feira (8/07), Alejandro Ahmed (SC), Paulo Fernandes
(ES) e a professora Aissa Guimarães (ES) falaram sobre A dança
e as novas linguagens: convergências. Este encontro abordou
vários aspectos da questão da criação, passando pelas definições
de linguagem, corpo, dança, arte e entretenimento. “A pesquisa
é vital na dança contemporânea. Mas precisamos trabalhar com
uma possível frustração, o que experimentamos pode não dar
certo. Às vezes caímos em armadilhas para chegar a algo novo,
pulamos algumas etapas da pesquisa”, refletiu Ahmed. “No Cena
11, nós e a plateia somos a mesma coisa. Trabalhamos com o
público como uma ideia de extensão do nosso corpo. Se vamos
agradar ou não, nós não sabemos”, completou.
Oficinas reuniram um bom número de alunos durante
o festival
“A dança capixaba alterna momentos bons e ruins. O festival
foi ótimo para iniciar uma comunicação maior com artistas
locais e de fora. Minha expectativa a partir de agora é boa,
temos que nos unir para reivindicar conquistas políticas, faltam
espaços de apresentação”, analisou o bailarino capixaba Jordan
Fernandes, integrante da Homem Cia. de Dança e que marcou
presença nas discussões e também na oficina dada por Vera
Sala durante três dias.
A 1ª edição do Festival ES de Dança prestou homenagem
a Angel Vianna. Infelizmente, a coreógrafa não pode estar
presente por questões de saúde. O público ficou conhecendo
melhor a trajetória da mestra através de um minidocumentário
que foi exibido. Na mesma noite o Grupo Cena 11 Cia. de Dança
(SC) apresentou Embodied voodoo game. Além das companhias
convidadas de outros estados, o festival abriu um bom espaço à
produção local, reservando três programas para as companhias
capixabas.
“É um momento importante para a dança do estado, uma
movimentação que foi retomada em setembro com a realização
do Fórum de Dança do ES, com uma programação de oficinas,
debates e grupos de trabalho. Há 10 anos que nenhuma ação como
essa era realizada. O importante agora são os desdobramentos
do festival, que linhas de ação poderemos seguir a partir do
que foi discutido aqui”, afirmou o subsecretário de Cultura do
Estado, Erlon Paschoal.
O festival foi importante pois abriu um canal de comunicação
entre os próprios artistas capixabas. E também levou informação
do que vem sendo produzido fora das fronteiras do estado, o
que pode – e deve – render frutos futuramente.
a arte que dança
Flávia Dalla Bernardina
A
arte no seu sentido mais amplo constitui-se através do olhar
que a usufrui. Ou seja, a obra já está lá, mas só se constitui
através do olhar que se repousa sobre ela.
Mas para que a obra de arte esteja lá é preciso ir além. É
preciso que alguém se movimente em alguma direção para
criá-la. Então a pergunta se modifica: o que move o artista em
direção à arte de criar? Mais especificamente sobre o tema que
nos atinge, o que mobiliza o bailarino a dançar, o coreógrafo a
coreografar, o público a assistir?
Essa foi uma pergunta lançada no primeiro dia de diálogos
das mesas do Festival ES de Dança e que deve ser incorporada
como um mantra por cada ser pensante, que dança ou não.
Para o artista que usa o corpo para se expressar, ignorar
esse drama é o mesmo que ser um vivo-morto (ou morto-vivo)
reproduzindo conceitos e repetindo passos previsíveis pelos
palcos da vida.
O conformismo, a unanimidade, o comodismo e o conforto
não pertencem ao rico universo de quem deve manter terremotos constantes sob os pés, como se espera que aconteça com
os artistas. Na maioria das vezes, não há espaço para beleza
ou aplausos. Existe redenção além desses clichês. É preciso ter
coragem, afinal, viver é para os corajosos.
Ora, se o ponto de vista cria o objeto, a falta no artista está
consumada na própria arte e em como ela se relaciona com quem
a observa. Também está na constante tensão entre a fragilidade
para se deixar afetar e a força para lidar com esses afetos.
Veja a profundidade desse raciocínio mencionado num dos
debates: é preciso se manter em uma constante corda bamba
para se fragilizar e estar aberto o bastante para apreender as
experiências, ao mesmo tempo em que é preciso estar vivo
e sagaz para se manter ativo diante dessas afetações, para
transformá-las em molas que impulsionam a criação.
O corpo que dança é um corpo que vai, puxa, levanta, explora, cai e tenta alcançar possibilidades de expressão além do
universo mecanizado de que nos apropriamos — sem perceber
— em pleno 2011. Essa é a verdadeira transgressão na dança
contemporânea: desmecanizar, desconstruir, deformar, para
mecanizar, construir e formar. E tome mais coragem para jogar
tudo no chão e começar tudo de novo.
Os trabalhos apresentados nas noites do Festival traduziram
a diversidade de linguagens e provaram como cada ato criativo
empreende atos de coragem particulares.
Estranhos e instigantes em ‘Embodied Voodoo Games’,
o Cena 11 Cia. de Dança apresenta uma linguagem amarga,
às vezes incômoda, através da pluralidade dos corpos e das
possibilidades que imprimem em cena. “O corpo é um campo
de operações, a dança existe em função do corpo e a emoção
é um músculo”, afirma (não nessa ordem) Alejandro Ahmed,
coreógrafo do Cena 11.
Poéticos e constantes em ‘Passagens’, da Cia. de Dança Mitzi
Marzzuti, em coreografia de Mário Nascimento, que já assinou
outros trabalhos e, por isso, mantém boa sintonia com o grupo.
É possível identificar a assinatura do coreógrafo em suas peças.
Pergunto-me se há algo de mal nisso.
Em ‘Adornos’, a excessiva beleza do cenário e da trilha sonora
em algum momento pareceu perigosa. Preparo físico dos bailarinos,
coerência entre os movimentos, é o que inspira Suely Machado,
coreógrafa e idealizadora do Primeiro Ato Cia. de Dança. Gostar
ou não? Um detalhe. Para quem busca respostas definitivas, terá
que se contentar em descobrir que não há vencedores.
Mel no ‘Céu da Boca’, da Quasar Cia. de Dança, de Goiânia.
Incrível precisão nos movimentos dos bailarinos e no enredo que
costura o espetáculo. Palco enxuto, sem elementos cênicos e
corpos que bastam por si, que se expressam parados, que enchem
a cena. Não há desperdícios e cada detalhe é um protagonista.
Além disso, as performances nas ruas, as intervenções, os
flashmobs e os trabalhos experimentais possibilitaram a subversão
da relação entre palco e plateia, através da (pouca) distância
e do elemento surpresa.
Uma coisa é certa: de nada adiantam esses trabalhos se não
houver quem aponte o olhar em direção a eles para constituí-los
no mundo, a começar pelos envolvidos na criação. É preciso que
esse olhar deseje o que falta ao bailarino ou ao coreógrafo. Daí
sairá um embate ou uma troca interessante, antes mesmo que
os corpos partam em direção a qualquer movimento.
É preciso haver um encontro de faltas para que a arte nasça.
O que não quer dizer que essas faltas concordarão entre si, ou
se emocionarão umas com as outras. Essa é a transcendência,
isso é modificar a ordem do dia. Ou, como disse Camus em
“O Estrangeiro”, é “destruir o equilíbrio do dia”, para que o
público descubra o que não sabia que lhe faltava, e para que
o artista saiba o que fazer com o desejo satisfeito, quando as
cortinas se fecharem.
É possível que a falta no coreógrafo reverbere em incômodo na
plateia. Ou que o desejo do público coincida com o movimento
dos bailarinos no palco.
A verdadeira troca acontece quando os interlocutores se
ouvem (ou se veem), e não tentam modificar o que o outro
pensa, sente ou manifesta. Isso é de domínio extremamente
particular e seria, no mínimo, deselegante. Cada um é responsável
por si, e para transformar o outro, o máximo que podemos é
transformar nós mesmos.
Enquanto artistas da dança, exploramos endereços de todas
as possibilidades, carregando uma única chave, que abre todas
as portas. Sei que seria mais fácil se a chave abrisse somente
uma. Ser artista, entretanto, é viver nesse profundo, e às vezes
turvo, mar de amplidão diante da vida. É o lugar invejado pelo
homem comum, pois o artista tudo pode, é um privilegiado.
Na dança contemporânea lidamos com essa desordem de
sentimentos: do corpo desbravador, que pensa por si, e acima
de tudo que duvida de si. Um corpo inteligente que recusa
dominações, e pretende chegar a um lugar que desconhece.
Que se posiciona no mundo, porque reconhece o mundo, e nele
encontra a si mesmo, em quedas, saltos e rolamentos. Na tensão
da coxia do que está por vir no palco, que derruba ou levanta
quem nele pisa. Não há meio termo.
Parece-me que os trabalhos em dança contemporânea não
se encontram resumidos em questões de múltipla escolha com
as opções “gostei” ou “não gostei”. É possível, inclusive, se
interessar mais pela paixão que move em direção à criação do
que pelo resultado criado em si.
Durante os dias do Festival ES de Dança fomos incomodados,
desafiados, entediados e agraciados. O remorso não existe, uma
vez que a obra diz mais sobre o artista do que ele mesmo poderia.
É preciso sentir. Esse é o nosso desafio, enquanto coreógrafos,
bailarinos e plateia.
“A arte só revela a realidade, inventando-a”, disse brilhante,
de dentro de seu apartamento, Ferreira Gullar. Nessa revelação
reinventada por cada um de nós, é capaz que o enigma de
criar nunca se desvende. Que seja então como Picasso que não
procura, mas acha. Que venha o próximo ato criativo, sempre.
Adorno, Primeiro Ato Cia. de Dança
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ficha técnica
Festival
ES de Dança
Vitória, Julho de 2011
Secretaria de Cultura
do Espírito Santo
Ana Ortelã
Paulo Viçosi
João Carlos
Secretario de cultura
Recepção
Erlon Jose Paschoal
Maria de Fátima Pimentel
Sub-secretário
Diretoria
Mauricio Jose da Silva
Dayse Mara Maciel
Gerente
Assessoria Especial
Camareira
Carlos Augusto Brotas Corrêa
Coordenação de Formação
Artística e Cultural
Técnico Administrativo
Luiz Carlos Almeida Lima
Produção Executiva Contratada
Coordenador
Leandro Bacelar
Marcelo Siqueira
Palco Teatro Sesi
Assessoria
Ivone Carvalho Vieira
Raquel Baelles
Receptivo e logística
Assessoria
Mauricio Ramos de Aguiar
Hendrix Lippaus
Cenotécnica e Sonoplastia · Teatro Sesi
Estagiário
Stoffel Tour
Transporte
Coordenação de Difusão
e Intercâmbio
Lucianara Braga
Escola de Ballet Cridança
Rita Sarmento
Coordenadora
Apoio Técnico e Administrativo
Rita de Cassia Rodrigues
Assessora
Maria José Bolzani
Escola de Ballet Cridança
Simone Devens
Assessora
Bethina
Vinicius Fabio
Assessor
Equipe SESI
Thiago Bossois
Theatro Carlos Gomes
Silvia Bassini
Alcides Pereira
Nilson C. Sodré
Alan M. Neves
Revista
Luz
Carlos Antolini
Eudes Roberto
Lucas S. Coelho
Fotografia
Som
Vitor Graize
textos e edição
Luiz Claudio
Namir S. Carneiro
Wérllen Castro
Palco
projeto gráfico e diagramação
José Carlos Damasceno
Luciana R. Lucas
Bilheteria
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51
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Revista Festival ES de Dança 2011