INFORMAÇÕES TÉCNICAS
Editoração e Diagramação: André de Oliveira Gerônimo; Francieli Martins Batista.
Revisão Editorial: Carla Almeida; Eide Sandra Azevedo Abreu; Eva Lenita Scheliga; Fagner
Carniel; Felipe Fontana; Meire Mathias; Patrícia Lessa; Pedro Jorge de Freitas; Thomas
Burneiko Meira.
Capa: Ana Laura Rodrigues
Seminário de Ciências Sociais (11. : 2013 : Maringá, PR)
Anais do 11º Seminário de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá:
Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo, 21 a 25 de
Outubro, Maringá, PR, Brasil.
HTML + E-book.
Disponível também em <http://www.dcs.uem.br/xiseminario/index.html/> 549p.
ISSN: 2318-1524
Evento realizado pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual
de Maringá (DCS/UEM), Maringá, PR.
1. Seminário de Ciências Sociais. 2. Pesquisa Social.
I. Universidade Estadual de Maringá; Departamento de Ciências Sociais
XI SEMINÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CIÊNCIAS SOCIAIS EM FOCO:
FACES DO BRASIL NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
COMISSÃO ORGANIZADORA
Eide Sandra Azevedo Abreu
Fagner Carniel
André de Oliveira Gerônimo
Camila Galetti
Eduardo Oliveira de Almeida
Francieli Martins Batista
Samanta Elisa Martinelli
Rafael Adílio Silveira dos Santos
Stefany Ferreira Feniman
APOIO TÉCNICO
Denise Montanher
PROJETO GRÁFICO
Ana Laura Rodrigues
Departamento de Ciências Sociais - Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo, 5.790 - Bloco G-34 - Térreo - Jd. Universitário - Maringá - Paraná
Tel.: (44) 3011-4288 | Fax: (44) 3011-4971
[email protected] | http://www.dcs.uem.br/
APRESENTAÇÃO
A décima primeira edição do Seminário de Ciências Sociais da Universidade Estadual
de Maringá (UEM), intitulado Ciências Sociais em Foco: Faces do Brasil no Mundo
Contemporâneo, abordou diferentes temáticas que têm inquietado os pesquisadores do vasto
campo formado pelas disciplinas Antropologia, Ciência Política e Sociologia.
O evento foi constituído de atividades destinadas a propiciar a realização de aprofundadas
e fundamentadas reflexões a respeito de questões candentes do contexto social do Brasil
contemporâneo, inclusive a respeito das formas pelas quais o conjunto das Ciências Sociais
têm dado respostas a tais problemáticas.
Nestes Anais, oferecemos ao leitor os textos das apresentações realizadas nos Grupos de
Trabalho, que, em sintonia com a orientação geral do evento, ofereceram um contexto para uma
ampla gama de debates, permitindo o diálogo e a reflexão acerca das contradições do Brasil
contemporâneo em seus diversos aspectos, ensejando também a problematização a respeito da
atuação do cientista social diante dos impasses e possibilidades trazidas pelas relações sociais,
em suas dimensões particular e universal.
Esperamos que a publicação contribua para que tais debates reverberem de maneira
frutífera em outras searas. Boa leitura!
A comissão organizadora
SUMÁRIO
GRUPO DE TRABALHO I
MARX E OS MARXISMOS
Coord.: Prof. Dr. Pedro Jorge de Freitas
Dialética de Hegel a Marx
Gregório Henrique Silva Duarte ...............................................................................................................................................11
Marxismo e a escrita da história: estudos iniciais
Leiliane Aparecida Alcantara Felix..........................................................................................................................................18
A determinação ontonegativa da politicidade em Marx: análise dos escritos de Janeiro de 1842 a
Abril de 1844
Marco Aurélio Palu ......................................................................................................................................................................28
A atualidade paradoxal do Manifesto Comunista 150 anos depois: uma leitura das contribuições de
Eric Hobsbawm e James Petras
Paulo Eduardo Pedrassoli..........................................................................................................................................................42
GRUPO DE TRABALHO II
PRÁTICAS RELIGIOSAS CONTEMPORÂNEAS:
AGENTES E REPERTÓRIOS
Coord.: Profª Drª Eva Scheliga
Transformações do campo religioso brasileiro: pensando a partir da família e da comunidade
Carlos Eduardo Machado..........................................................................................................................................................61
A cura pela fé na Renovação Carismática Católica (RCC)
Gleici Kelly Tozzi Würzler ...........................................................................................................................................................75
A modernidade sobre influências das crenças
Samanta Elisa Martinelli............................................................................................................................................................82
GRUPO DE TRABALHO III
CULTURA, COTIDIANO E CIDADES
Sessão I – Identidades – Coord.: Prof. Thomás Burneiko Meira
As relações sexuais e a identidade de jovens homossexuais de Maringá
Alessandro Ribeiro Hafemann .................................................................................................................................................92
As performances das identificações: um jogo de fachadas
Clayton Alino da Silva ..............................................................................................................................................................101
Estudos sobre o processo de formação e estruturação do campo específico do basquetebol no
mundo
Felipe Mellini ...............................................................................................................................................................................108
A música como produto da Indústria Cultural e sua presença na sociedade
Rafaela Mano .............................................................................................................................................................................117
Identidades étnicas e globalização: apontamentos teóricos para pensar a situação de indígenas em
contextos urbanos
Samuel Douglas Farias Costa.................................................................................................................................................123
Alimentação e Identidade: desvelando a construção identitária por meio de hábitos alimentares
Stefany Ferreira Feniman ........................................................................................................................................................136
GRUPO DE TRABALHO III
CULTURA, COTIDIANO E CIDADES
Sessão II – Políticas Urbanas - Coord.: Ms. Felipe Fontana
Contribuições da teoria da mudança social para os debates acerca da violência nas Ciências Sociais
Bruno Ueno Bertão ....................................................................................................................................................................151
O significado do albergue para o município de Maringá (PR)
César Costa Sanches; Sueli de Castro Gomes .....................................................................................................................162
Direito à moradia: a remoção como deslegitimação do direito à cidade
Cristine Palma Zochio ..............................................................................................................................................................174
A ampliação da segregação socioespacial de Maringá e sua Região Metropolitana:
um estudo sobre os impactos da obra PAC “Contorno Norte”
Felipe Fontana; Fernanda Martins Valotta .........................................................................................................................183
Revisitando o documentário “notícias de uma guerra particular” (1999) a partir de perspectivas
sociológicas de identidade
Júlio César Lourenço .................................................................................................................................................................200
O peso da velhice: entre o discurso e a ação
Tatiane Gonçalves Damasceno .............................................................................................................................................213
GRUPO DE TRABALHO IV
POLÍTICA EXTERIOR E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Coord.: Profa. Dra. Meire Mathias
A internacionalização da indústria farmacêutica
Aline Evelin Fabricio de Macedo ............................................................................................................................................231
O cinema político do grupo de cinema Dziga Vertov: perspectivas internacionalistas em Le Vent d’Est
Ana Laura Sé Silva .....................................................................................................................................................................240
A função do Egito no projeto imperialista dos Estados Unidos para o Mundo Árabe: linhas gerais
Felipe Alexandre Silva de Souza.............................................................................................................................................250
Brasil: constituição e continuação do capitalismo dependente
Francieli Martins Batista ..........................................................................................................................................................265
Apontamentos sobre política externa brasileira para o continente africano pós-segunda-guerra
mundial até o governo ditatorial de Geisel
José Francisco dos Santos .......................................................................................................................................................273
Ministério da Defesa: entre a égide militar e a esfinge civil
João Vicente Nascimento Lins................................................................................................................................................289
Fragilidade e posição periférica das ilhas da Oceania no sistema internacional
Raony Palicer ..............................................................................................................................................................................302
Projeto Chile: um elo ativo na revolução passiva
Rodolfo Sanches ........................................................................................................................................................................313
A questão ambiental no Mercosul e a política externa brasileira
Talita Martinelli..........................................................................................................................................................................324
GRUPO DE TRABALHO V
EDUCAÇÃO E ENSINO EM DEBATE:
PERSPECTIVAS PARA AS CIÊNCIAS SOCIAIS
Coord.: Prof. Dr. Fagner Carniel
Desigualdades sociais e escolares nos municípios de Maringá, Paiçandu e Sarandi - PR, Brasil
Ana Carolina Torrente Pereira ...............................................................................................................................................339
Escola e prisão
Fabiana Virginio da Rocha .....................................................................................................................................................368
Reflexões sobre a utilização do filme documentário como recurso didático
Isadora Coutinho Moraes; Laís Vitória Moreira Bonifácio ..............................................................................................375
Contribuição anarquista para uma critica ao modelo educacional
Luciano Scuissatto da Cruz .....................................................................................................................................................382
Educação e racismo: o racismo velado da sociedade brasileira presente na escola brasileira
Miriã Anacleto ............................................................................................................................................................................392
A sociologia no ensino médio: o que pensam sobre ela e como se configura no ambiente escolar?
Tabata Larissa Soldan ..............................................................................................................................................................398
Violência e preconceito homofóbico na educação: experiência com professores do ensino público
em Campo Grande/MS
Yasmine Braga Theodoro ........................................................................................................................................................411
GRUPO DE TRABALHO VI
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E DEMOCRACIA
Coord.: Profª Drª Carla Almeida
Partido Social Cristão: novidade no cenário político conservador?
Ana Paula Brito Maciel .............................................................................................................................................................421
Os efeitos dos potenciais associativos no desempenho parlamentar feminino
Ana Paula Cavalcante Limão da Silva .................................................................................................................................428
A participação dos consumidores nas políticas públicas de segurança sanitária de alimentos com
enfoque na doença de chagas veiculada por alimentos
Edvaldo Sapia Gonçalves ........................................................................................................................................................437
Os limites da democracia no Brasil: a leitura de Oliveira Vianna sobre a formação do Brasil revisitada
levando em consideração as problematizações de Adrián Gurza Lavalle acerca da esfera e da vida
pública brasileira
Felipe Fontana; Carla Cristina Wrbieta Ferezin .................................................................................................................445
Arte e política no teatro do oprimido
Fernanda Peres Maranho ........................................................................................................................................................465
Lei da anistia - da primeira à terceira fase: uma leitura das mutações deste conceito
Melina Sumaia Rissardi............................................................................................................................................................473
A família Barros na política paranaense
Tiago Valenciano.......................................................................................................................................................................484
GRUPO DE TRABALHO VII
POÉTICAS FEMINISTAS:
CORPO, POLÍTICA E ARTE NAS PRÁTICAS SOCIAIS
Coord.: Profª Drª Patrícia Lessa
Política, Arte e feminismo: a trajetória da artista Rian
Camila Carolina Hildebrand Galetti; Herculanum Ghirello Pires; Profª Drª Ivana Guilherme Simili ....................497
Movimentos identitários: associações entre o feminismo e a escolha pelo parto humanizado
Fernanda Lacerda Duarte .......................................................................................................................................................505
Algumas rupturas com o modelo de corpo feminino vigente: análise das novas barbies
Karina Rita Martins Pino; Patrícia Lessa ..............................................................................................................................524
As pluralidades na identidade da marcha das vadias de Londrina: narrativas de um sujeito masculino
Rafael Pereira Simonetti ..........................................................................................................................................................533
Corpo-performance e as experimentações anti-violência sexista
Tamires Pereira Schmitt ..........................................................................................................................................................542
GRUPO DE TRABALHO I
MARX E OS MARXISMOS
Coord.: Prof. Dr. Pedro Jorge de Freitas
Dialética de Hegel a Marx
Gregório Henrique Silva Duarte ...............................................................................................................................................11
Marxismo e a escrita da história: estudos iniciais
Leiliane Aparecida Alcantara Felix..........................................................................................................................................18
A determinação ontonegativa da politicidade em Marx: análise dos escritos de Janeiro de 1842 a
Abril de 1844
Marco Aurélio Palu ......................................................................................................................................................................28
A atualidade paradoxal do Manifesto Comunista 150 anos depois: uma leitura das contribuições de
Eric Hobsbawm e James Petras
Paulo Eduardo Pedrassoli..........................................................................................................................................................42
DIALÉTICA DE HEGEL A MARX
Gregório Henrique Silva Duarte
Graduando em Ciências Sociais - UFCG
Resumo: O objetivo do presente trabalho, é abordar as mais abrangentes perspectivas filosóficas
que se propõe a utilizar o método dialético, ou seja, escolas filosóficas que se apropriam da
tradição metodológica dialética. A partir da compreensão dialética, surgem maneiras de explicar
os atos humanos, tratarei de apresentar aqui, através das categorias filosóficas marxistas, como
deram-se as determinações hegelianas e marxistas, no desencadear dos processos históricos.
Procurarei apresentar seus determinados conceitos, estabelecendo relações e co-relações entre
elas, caracterizarei as diferenciações existentes entre a dialética idealista hegeliana e a dialética
materialista marxista.
Palavras-chave: Dialética; Determinações; Idealismo; Materialismo.
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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GREGÓRIO HENRIQUE SILVA DUARTE
“A dialética é também uma teoria engajada. Ao contrário da metafísica, é
questionadora, contestadora. Exige constantemente o reexame da teoria e a crítica
da prática. Não existe nenhum critério de relevância (nem científico, social, teórico,
nem prático) que possa determinar que um ponto de vista é relativamente mais
válido que outro. O professor pensador de sua práxis, deverá manter uma crítica e
uma autocrítica constante, uma dúvida levada à suspeita, e a humildade de que fala
Paulo Freire, para reconhecer cotidianamente as limitações do pensamento e da
teoria. Concluindo, a dialética opõe-se ao dogmatismo, ao reducionismo, portanto,
é sempre aberta, inacabada, superando-se constantemente”. (CARVALHO, Jaciara
de Sá, 2011)
A partir da perspectiva de trabalho, ou seja, processo pelo qual o homemse faz homem,
diante dessas relações, o trabalho exige do homem novas posições acerca da realidade, tendo
em vista, Engels em “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”, afirma
que o anseio da fala, isto é, a comunicação é uma necessidade posta pelo trabalho. Fazendo
uso dessa perspectiva, abordarei aqui, a dialética de Hegel a Marx, partindo de uma análise
etimológica de dialética:
Do latim diaectica, do grego dialektike(tekhne), (a arte de) discussão filosófica ou
discurso, de dialektos, “conversa, assunto”.
Do L. diálogus, do G. diálogos, conversação relacionado adialogesthai “falar, conversar,
formado por dia “através” + legein “falar”
Tendo como conseqüência da análise etimológica, me cabe explicar os fundamentos
dialéticos, entretanto, sinto a necessidade de conceituar novamente dialética. Tendo dialética,
enquanto a ação humana que utiliza-se do debate ideológico, que ocorre nas discussões. Neste
artigo, tentarei transmitir filosoficamente, apresentando e explicando a dialética de Hegel e
Marx. Ou seja discussões voltadas para o campo do idealismo hegeliano e o materialismo
segundo Marx.
Dando continuidade, esboçarei aqui acerca do idealismo alemão e da dialética
hegeliana, entretanto faz-se necessário situar historicamente Hegel, modo pelo qual facilitará
a compreensão de suas obras. Hegel vivencia o século XVI, cria uma estrutura filosófica que
procura contemplar a lógica, a natureza e o espírito. É preciso ressaltar que Hegel sofre inúmeras
influências de Kant, de modo que o idealismo alemão parte do próprio Kant.
Acerca do o idealismo alemão, este é oriundo das correntes pós-kantianas, isto é, a parti
de Johann GotthedFicthe(1762-1814) até Hegel. Destaque-se da filosofia neo-kantiana ainda,
a presença do “Eu transcedental”, a filosofia subjetiva. Ainda referente ao idealismo em Hegel
trabalhando com a ciência do espírito, o idealista Hegel vê o espírito em três momentos:
-
Espírito subjetivo: quando refere-se ao indivíduo a consciência individual.
-
Espírito objetivo: quando refere-se as instituições e costumes historicamente produzidos
pelo homem:
-
Espírito absoluto: que se manifesta na arte, na religião e na filosofia como espírito que se
compreende a si mesmo. (REDYSON, DEYVE, 2011)
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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DIALÉTICA DE HEGEL A MARX
A partir da conceituação dada por Deyve e Redyson, conseguimos compreender a
estrutura idealista, sobretudo pelo modo como Hegel aborda as ciências do Espírito, entretanto,
busco apresentar o amadurecimento, ou seja, a raiz do pensamento dialético, com isso estabeleço
o giro desde o contexto histórico que Hegel viveu, transitando para o campo do idealismo
alemão, analisando as ciências do espírito, para enfim poder adentrar a lógica idealista e a
dialética hegeliana.
Quando aborda a lógica enquanto condição que antecede o pensamento dialético,
Hegel divide o conceito lógico em duas perspectivas: a lógica objetiva e a lógica subjetiva
(no que se refere a lógica objetiva, Hegel diferencia essa estrutura lógica, da estrutura lógico
formal(tradicional), definindo-a através de dois campos filosóficos, isto é, o campo da doutrina
do ser e a da doutrina da essência, onde é possível caracterizar o campo da doutrina do ser, pelas
análises voltadas para a oralidade, quantidade, medida) e na doutrina da essência, destaca-se o
contraponto entre a realidade e aparência, discussão, isto que só se faz presente na abordagem
kantiana, quando Kant utiliza-se do “Eu transcedental”.
Ainda apresentando o campo da lógica hegeliana, por fim, chego a lógica subjetiva,
Hegel assim como na caracterização da lógica objetivo, usa a doutrina, entretanto, a doutrina
pertinente no campo da lógica subjetiva é a doutrina do conhecimento, discussão presente no
choque filosófico entre o idealismo kantiano a a metafísica, de tal forma que Kant afirma que
a metafísica não produz conhecimento, voltando para a doutrina do conhecimento, essa área
lógica trabalhará com a subjetividade, objetividade e a idéia.
Depois desse longo giro acerca da lógico, remete-me ao conceito dado por Hegel:
“Até hoje, o conceito de lógica se baseia na separação definitiva pressuposta na
consciência comum do conteúdo do conhecimento e da forma do mesmo, ou da
verdade da certeza. Pressupõe-se primeiro, que a matéria do conhecimento existe
como o mundo pronto em si e para si fora do pensar, que o pensar para sim é
vazio, que se acrescenta como forma externa à aquela matéria, completando-se
com ela, só então adquirindo conteúdo e tornando-se um conhecimento real.” (44)
A partir dessa conceituação dada por Hegel, podemos perceber o rompimento entre o
sujeito e o objeto, mas procurarei não me ater a essa discussão, de modo que, o que quero deixar
claro é que na Lógica Objetiva, é onde Hegel lança o conceito geral da lógica, apresentando
a divisão desta ciência da lógica em lógica do ser, lógica da essência e finalmente a lógica do
conceito.
Diante dessas considerações, antes de adentrar a dialéticaHegeliana, preciso dissertar
sobre a doutrina da essência, haja visto que a mesma é parte constitutiva da lógica objetiva,
elemento da qual, relativamente origina as elucubrações dialéticas. Partindo do pressuposto da
reflexão, enquanto condição dialética, Hegel diz:
“A essência é em primeiro lugar reflexão. A reflexão se determina: suas
determinações são um ser posto que ao mesmo tempo é reflexão em si. Em
segundo lugar, temos que considerar destas determinações, as reflexões que
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GREGÓRIO HENRIQUE SILVA DUARTE
querem se dizer essencialidades. Em terceiro lugar a essência, como reflexão do
determinar em si mesmo, converte-se em fundamento e transpassa na existência
e na aparência.” (45)
Essa discussão, pode ser considerada o principal entrave entre Hegel e Feuerbach, onde
percebe-se a interrogação acerca de que por que não começar com o ser mesmo? Por que ter que
criar um começo do começo para somente depois verdadeiramente começar.
Adentrando agora, de fato, na dialética, a priore é importante mostrar como Hegel define
a dialética,a partir de então, tentarei explicar como funciona a dialética idealista, para Hegel a
definição de dialética é:“A conciliação dos contrários nas coisas e no espírito” (67).
Desse modo, afirmo que a dialética trabalha com as contradições, ou seja, o método
dialético é o método de contrapor-se. Para que aja essa compressão, é preciso perceber que
a realidade não estática, ao contrário, ela é dinâmica, ou seja, ela está em constante mudança
(movimento) e o que, de fato, caracteriza e singulariza a dialética hegeliana é a percepção
através do desdobramento das idéias, logo, para Hegel, “Todo real é racional...”, a partir disso,
pode-se observar que a realidade está posta no campo das idéias, portanto, a idéia e o espírito é
o que está na raiz do movimento dialético idealista.
No tocante ao processo dialético em si, Hegel apresenta três momentos desse processo.
- Tese / “É a afirmação geral sobre o ser, por exemplo: a cadeira é de madeira .Tal
afirmação pode ser negada.”
- Antítese“Constitui a negação da tese, por exemplo “a cadeira não é feita só de madeira”
,mas produto de árvores destruídas pelo trabalho humano e pelos instrumentos utilizados pelo
homem. A antítese é a primeira negação que também pode ser negada.”
- Síntese / “Constitui a negação da negação, nela se encontram a tese e antítese repensadas,
no caso reformuladas: a cadeira é produto do trabalho humano com o auxilio de instrumentos.
A síntese constitui uma nova tese a ser desenvolvida. Esta em constante movimento, não é
estanque em momento nenhum.”
Depois de apresentar a perspectiva dialética hegeliana, ou seja, idealista, tentarei aqui
apresentar os desdobramentos filosóficos oriundos dessa teoria. Tratarei agora da dialética
marxista. Para facilitar a compreensão dessa teoria é preciso situar Marx historicamente. Marx
baseia sua teoria a partir da análise de produção capitalista, na nascente sociedade burguesa do
século XVIII. A tradição metodológica que esse teórico segue é o método dialético, embora ele
faça inúmeras questionamentos à filosofia hegeliana, tentarei aqui discorrer sobre a dialética
marxista e, de certo modo, confrontar a dialética marxista e a idealista.
Marx desenvolve enquanto seu método, o materialismo histórico dialético, maneira pela
qual, investiga a realidade. Desse modo a teoria marxista não é uma teoria conceitualista, ou
seja, Marx não trabalha com definições e sim com determinações. Partindo para a lógica do
materialismo histórico dialético, observamos as três maneiras que o movimento pode vir a
manifestar-se.
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DIALÉTICA DE HEGEL A MARX
“A dialética da natureza, dialética inteiramente objetiva, ou seja, independente
da existência de projetos, de intenções ou de motivações do homem, que não age
diretamente sobre a história humana. Isso não exclui que o desenvolvimento das
forças produtivas, a humanidade possa utilizar as leis da natureza para remodelar
o seu meio natural.”
Continuando,Mandel assim se expressa:
“A dialética da história, dialética largamente objetiva à partida, mas na qual a
irrupção do projeto proletariado para reconstruir a sociedade segundo um programa
pré-estabelecido, constitui uma viragem revolucionária, mesmo se a elaboração
e a realização desse projeto estão ligadas a condições materiais, objetivas, pré
existentes e independentes da vontade dos homens;”
Com relação a dialética do conhecimento, Mandel, diz:
“A dialética do conhecimento que é uma dialética objeto- sujeito por excelência o
resultado de uma inter-ação constante entre os objetos a conhecer (os objetos de
cada uma das ciências) e a ação dos sujeitos que procuram compreende-las (e que
são condicionados pela sua situação social, os meios de investigação herdados e
a seu alcance – tanto os meios de trabalho quanto os conceitos – a transformação
destes meios pela atividade social corrente).
Marx por ser materialista compreende os atos humanos de maneira oposta a Hegel. Ao
desenvolver uma teoria voltada para a classe trabalhadora, ele avança Hegel principalmente nas
diferenciações de lógica, isto é, para Marx diferentemente de Hegel, a lógica formal assenta-se
em três elementos fundamentais.
A dialética ou lógica do movimento, distingue-se da lógica formal ou da lógica estática.
A lógica formal assenta em três elementos fundamentais,MANDEL assim define:
“ A lei da identidade: A é igual a A; uma coisa permanece sempre igual a si
mesma.A lei da contradição: A é diferente de não A, A não pode jamais ser igual
a não A; A lei do terceiro excluído: Ou bem A, ou bem não A; nada pode ser nem
A nem não A.”
Refletindo sobre a abordagem de Mandel, concluímos que o caracteriza a lógica formal
é a orientação que consiste em colocar (o movimento e a mudança).
Precisei explorar um pouco sobre as diferenciações residentes na filosofia dialética de
Marx, quando comparado a de Hegel, entretanto, abordarei agora de modo bem dialético o
passo a passo, para compreender as categorias dialéticas marxista. Buscarei referências nos
intelectuais Sérgio Lessa e Ivo Tonet, haja vista anteriormente um pequeno estudo acerca do que
é dialética, até a abordagem idealista, nessa pesquisa vou me ater as quatro categorias dialéticas
marxista, que são: a totalidade, a contradição, a mediação e as fluidificação dos conceitos.
Primeiramente, para compreender a dialética é necessário ter a noção de totalidade em
Marx. Para ele totalidade é “todo e qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte
de um todo...”
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GREGÓRIO HENRIQUE SILVA DUARTE
Nesse trecho, LESSA ao explicar totalidade deixa claro que as interligações constituem
a estrutura de todos os atos humanos, portanto, dialeticamente pensando todo e qualquer objeto
é parte de uma totalidade. É importante ressaltar, que essa característica transcende o plano
material, ou seja, também é uma categoria filosófica que podemos encontrar no idealismo
alemão.
Acerca da contradição e da mediação, posso dizer que para Marx, a contradição é o
princípio básico para a movimentação dialética, de modo que, através dela terá surgimento a
antítese enquanto oposição à tese e acarretará na síntese. Quando abordo as mediações refirome ao método de Marx, a mediação pode ser considerada a reflexão acerca das totalidades, no
sentido de que nela reside as concretudes da dialética. As mediações é que nos permite afirmar
que a contradição é a manifestação de um defeito do raciocínio, entretanto,nem Marx nem
Hegel vêem a contradição enquanto defeito, vêem enquanto condição básica para reprodução
do movimento humano.
Para encerrar a discussão acerca da dialética marxista, apresento as leis gerais da
dialética:
- Lei da passagem da quantidade à qual idade (e vice-versa)
- Lei da interpretação dos contrários
- Lei da negação da Negação
Diante dessa amostra filosófica de Marx, sinto a necessidade de apresentar as contradições
existentes entre a filosofia idealista e a filosofia marxista, tendo em vista que vou me ater as
discussões referentes a filosofia marxista e a hegeliana, utilizando o método dialético, enquanto,
ferramenta para compreensão do mesmo. Antes disso, busco referência para a contradição
referente a consciência a partir da seguinte afirmação de Hegel:“ Tudo que é real é racional.”
Digo, que essa problemática levantada por Hegel, resolve-se a partir das regras do
método de pensamento de Hegel, isto é, o próprio Hegel diz que “Tudo o que existe merece
perecer”, de fato, reside aí, a significação real e o caráter revolucionário da filosfia hegeliana,
de modo que, podemos perceber o encerramento do caráter definitivo de todos os resultados
do pensamento e da ação do homem, a partir disto, é o período em que Marx, aproxima-se da
filosofia Hegeliana. Mais adiante, nas considerações finais, procurarei estabelecer contrapontos
entre o pensamento idealista e o materialista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Diante do exposto, compreendo um pouco mais acerca da dialética hegeliana e marxista, as
diferenciações que posso apontar reside inicialmente no modo dialético de compreender a
realidade, ou seja, Hegel defende enquanto dialética o desdobramentos das idéias, portanto,
a realidade é fruto da imaginação, Marx materialista, vai dizer que é o contrário, a realidade
é a mediação, dialeticamente pensando, haja vista que mediação é o concreto da dialética. A
partir dessas abordagens entre a filosofia moderna e o materialismo, dialeticamente, remete-se
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DIALÉTICA DE HEGEL A MARX
a constituição da existência, logo podemos observar as diferenças de abordagem, Hegel dirá
que “todo real é racional”, Marx, dirá acerca da existência e da consciência social, voltando a
discussão filosófica sobre o “eu transcendental”, Marx dirá que: “ Não é a consciência quem
determina o ser social, ao contrário, o ser social é quem determina sua consciência.”
Analisando o contraponto, observamos á virada filosófica que Marx propõe, ou seja,
uma abordagem materialista superando o idealismo, logo, torna-se notória que as idéias são
oriundas da existência, então, penso que sem a (mediação) existência não haveria pensamento
(idéia). Nessa mesma linha de raciocínio, procurando concluir o artigo, um ótimo exemplo para
compreendermos à “virada” filosófica materialista, é a partir da afirmação de René Descartes.
Descartes este, que foi umfilósofo, físico e matemático francês. Considerado um dos primeiros
pensadores modernos, ou seja, influenciou grandemente toda a filosofia idealista alemã. René
Descartes, afirma, “penso, logo existo”. Apropriando-me da perspectiva materialista, logo,
veremos que a existência antecede o pensamento, de modo que, o pensar é um desdobramento
da realidade, das concretudes humanas, isto é, pensar é uma condição dada pela existência.
Desse modo, torna-se mais simples, a compreensão de uma nova abordagem filosófica, de
modo que, o materialismo histórico dialético revoluciona a filosofia e transita em várias outras
vertentes, como a Sociologia, Pedagogia e a História.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DANTAS, Gilson (org). LudwingFeuerbach e o fim da filosofia clássica alemã.Textos
universidade aberta nº 2. Brasília, DF: centelha cultural, 2010.
KONDER, Leandro. O que é dialética. Brasiliense, 25 ed. Brasília (DF): 1980
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MARXISMO E A ESCRITA DA HISTÓRIA:
ESTUDOS INICIAIS
Leiliane Aparecida Alcantara Felix
Universidade Estadual de Maringá
Resumo: Este artigo pretende apresentar e discutir elementos iniciais afetos a Ciência da
Historia, ou Materialismo Histórico Dialético, método desenvolvido por meio das elaborações
de Karl Marx e Friedrich Engels, dando principal importância aos elementos que contribuem
para o desenvolvimento das pesquisas científicas da área da educação. Destacamos que a partir
da obra de Marx e Engels inaugura-se uma nova forma de pensar a história, que considera as
contradições inerentes ao sistema capitalista.
Palavras-chave: Marxismo; Ciência da História; Educação.
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MARXISMO E A ESCRITA DA HISTÓRIA: ESTUDOS INICIAIS
PALAVRAS INICIAIS
Temos aqui a intenção de apresentar, ainda que minimamente, algumas das contribuições da
obra marxista para a pesquisa educacional, destacamos que foi inaugurada a partir de Marx uma
nova forma de se escrever a história, falamos aqui da teoria elaborada por ele, em companhia
de Friedrich Engels, a Ciência da Historia ou Materialismo Histórico Dialético. Cabe aqui
mencionar o papel revolucionário que as elaborações apresentam, e que não se pode compreender
a Ciência da Historia, sem considerarmos o Karl Marx revolucionário e comunista, como afirma
Netto (2011) “Marx nunca foi um obediente servidor da ordem burguesa: foi um pensador que
colocou na sua vida e na sua obra, a pesquisa da verdade a serviço dos trabalhadores e da
revolução socialista” (p.11)
Neste sentido, destacamos como principal objetivo de nosso texto, apresentar os elementos
principais da Ciência da Historia. Este estudo visa também ampliar nosso conhecimento acerca
do método, dada a importância primordial para a realização de pesquisas, educacionais ou não.
E a relevância das elaborações marxistas para a história, a partir do século XIX, neste sentido,
Oliveira e Quintaneiro (2007) afirmam:
As formulações teóricas de Karl Marx acerca da vida social, especialmente a
análise que faz da sociedade capitalista e de sua superação, provocaram desde o
princípio tamanho impactos nos meios intelectuais que, para alguns, grande parte
da sociologia ocidental tem sido uma tentativa incessante de corroborar ou negar
as questões por ele levantadas. Mas a relevância prática de sua obra não foi menor,
servindo de inspiração aqueles envolvidos diretamente com a ação política. (p.27)
Como fonte de pesquisa e estudo para a escrita deste texto, foram utilizadas as obras de
autoria de Marx e Engels, sendo elas: A ideologia alemã e o Manifesto do Partido Comunista,
e a Miséria da Filosofia, Introdução a critica da economia política e Manuscritos econômico filosóficos escritas por Marx, pois acreditamos que o estudo dos clássicos impõe legitimidade
ao nosso trabalho. Nos valeremos também dos escritos de autores contemporâneos, dentre os
quais destacamos: José Paulo Netto e Marcelo Braz.
MARX E A HISTÓRIA
Iniciamos este item de nosso texto com as brilhantes palavras de Engels e Marx em o Manifesto
do Partido Comunista: “A história de todas as sociedades ate hoje é a história das lutas de
classes.” (p. 04), que definem em poucas palavras o cerne da história humana, desde o fim da
comunidade primitiva ate os dias atuais. A história do homem em sociedade é a contradição
entre classes sociais.
Marx viveu no XIX, período em que a burguesia deixa de ser revolucionária e passa a
ser reacionaria, a preocupação neste momento é fortalecer a ordem capitalista, neste sentido os
socialistas são alvos, pois colocam em perigo a lógica social em vigência, coube a Karl Marx
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LEILIANE APARECIDA ALCANTARA FELIX
e Friederich Engels a tarefa histórica de fornecer ao socialismo as bases científicas sólidas,
contrapondo o socialismo utópico ao científico. (NOSELLA, 2002). De acordo com as palavras
de Nosella (2002):
Coube ao socialismo científico ou marxismo se contrapor, de forma racional e
determinada, ao refluxo revolucionário da restauração fornecendo as doutrinas
socialistas utópicas bases científicas sólidas. Karl Marx e Friederich Engels
fixaram no Manifesto Comunista de 1848 uma feliz síntese sobre a distinção entre
socialismo utópico e socialismo científico. (p. 140)
O papel único de Marx na história, é inegável seja por pesquisadores que se denominam
e realizam suas pesquisas sob a luz do Materialismo Histórico Dialético, seja dos críticos e
estudiosos que comungam de outras e variadas vertentes teóricas. Segundo Hobsbawn (1998)
poucas foram as obras marxianas que traziam no título a palavra história, porém o estudo do
contexto histórico permeou todos os seus escritos.
Marx inaugurou uma nova forma de escrever a história, que considerava as contradições,
inerentes a uma sociedade organizada em classes, e baseada na exploração do homem pelo
homem. E que considerava que para se compreender as superestruturas, há que se primeiro
compreender as estruturas, ou seja, as relações existentes na materialidade. Esta forma de
escrever a história tinha objetivos bem claros, comprovar que a história é resultado das relações
humanas, ou seja, produzida pelos próprios homens. E está em movimento, sendo assim,
nada é inerte, ou inexorável, a história é movimento. De acordo com Oliveira e Quintaneiro
(2007) Marx “questiona a perspectiva para qual as relações de produção são naturais, como se
estivessem de acordo com as leis da natureza.” (p. 31) e completam afirmando que neste sentido
“[…] os processos ligados a produção são transitórios, como as ideias, as concepções, gostos,
crenças, categorias do conhecimento e ideologias os quais, gerados socialmente dependem do
modo como os homens se organizam para produzir.” (p 31 -32)9
Ao comprovar que o movimento histórico é fruto das relações humanas e que nada esta
fadado a existir para sempre, Marx e seu companheiro Engels, mostram que é possível um
processo revolucionário e uma sociedade baseada em outra forma de organização que não a da
exploração humana. Sendo assim a sociedade capitalista não é inexorável. Lessa e Carvalho
(2011) bem ilustram, ao dizer que:
Sua constante revisão e continuo ressurgimento, apesar das fundamentadas
críticas, mostram a força e inegável contribuição do pensamento de Marx,
responsável por uma mudança significativa na produção histórica. Marx apesar
de não ser historiador, pensou historicamente. Sua pretensão não era estudar o
passado pelo passado e sim a serviço do presente. (p. 1)
Marx e Engels (1998) afirmam que a burguesia teve seu papel revolucionário, em relação
ao Feudalismo, “criou maravilhas maiores que as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e
as catedrais góticas; levou a cabo expedições de maior porte que as antigas migrações e as
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MARXISMO E A ESCRITA DA HISTÓRIA: ESTUDOS INICIAIS
cruzadas.” (p.8), porém quando a burguesia se torna a classe reacionária, e os processos de
crise do capitalismo passam a ser inerentes a este sistema. Acerca desta temática Lessa (2008)
afirma: “Esta contradição é o fundamento da gênese e desenvolvimento de relações sociais que
compõem o que Mészáros denomina de ‘produção destrutiva’: uma produção que só pode gerar
mais-valia se destruir a si própria e a humanidade” e complementa “[...] o modo de produção
capitalista passa a ser o maior obstáculo histórico ao desenvolvimento das forças produtivas”
(p. 1 e 2)
O papel revolucionária passa a ser da classe trabalhadora, denominada por Marx como
proletariado, da qual a processo histórico exige a organização para uma revolução que leve
a um novo sistema de organização social, brilhantemente Marx e Engels (1998) encerram o
“Manifesto do Partido Comunista”, dizendo “Podem as classes dominantes tremer ante uma
revolução comunista! Nela, os proletariados nada tem a perder- exceto os seus grilhões. Tem
um mundo a ganhar” e em letras garrafais encerram o manifesto dizendo “Proletários de todos
os países, uni-vos” (p. 46). Ainda nos valendo da análise de Lessa (2008), o autor afirma que
para Marx e Engels “não era então concebível que a humanidade se alienaria a tal ponto e que
chegaria a novo patamar de barbárie sem a revolução” (p. 4).
O Manifesto é o documento político em que pela primeira vez, se expressa
teoricamente a perspectiva de classe do proletariado – ou seja: em que o
proletariado rompe com a sua subordinação e se propõe como sujeito histórico
revolucionário. (NETTO, 1998, p. 45)
Segundo a obra de Marx os homens e mulheres são produtos e produtores da sua própria
história. O que é evidenciado em A ideologia alemã, quando Marx e Engels (1986) salientam
que:
Pode se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por
tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão
logo começam a produzir seus meio de vida, passo este que é condicionado por
sua organização corporal. Produzindo seus meio de vida, os homens produzem
indiretamente, sua própria vida material. (p. 27)
Apesar de muitos alegarem que os fatores econômicos eram para Marx os determinantes
da história, compreendemos que estes eram para ele, primordiais, mas não os únicos a interferirem
no percurso da história dos homens, neste sentido Pereira (2008) afirma:
[...] admitir a primazia do fator econômico em Marx não é um problema.
Primeiro, porque isso não é sinônimo de determinismo, segundo porque as
relações econômicas foram, de fato, o objeto predileto do autor e, por fim, porque
o período que Marx analisou e no qual viveu foi, concretamente, o tempo da
civilização do mercado (p.107)
Consideramos relevante, frisar também que para Marx a classe dominante vem ate o
momento determinando o percurso da história, em o Manifesto do Partido Comunista, referindo
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se ao poder de mover a história, naquele período histórico pertencente a burguesia, ele afirma:
“Todo o movimento histórico esta, assim concentrado nas mãos da burguesia e todas as vitórias
assim alcançadas são vitórias da burguesia.” (p. 15)
Afirmamos que não cabe a Marx, formular soluções para as contradições da atualidade,
vivemos um momento histórico diferente do qual ele estava inserido, e apesar de ainda não
termos superado o capitalismo, muitas foram as modificações do mesmo ate os dias atuais,
o avanço tecnológico, a globalização, duas grandes guerras mundiais, entre outros inúmeros
fatores separam substancialmente o período em que ele viveu e o nosso. Não cabe ao pesquisador
olhar para o marxismo como um dogma, esperando que ele forneça todas as respostas para
os problemas sociais latentes. Marx é um clássico, e sua obra perpassa as gerações e traz
contribuições inestimáveis, entre elas destacamos a perspectiva de história, que considera a
materialidade e as contradições inerentes a uma sociedade que tem seus moldes na exploração
do homem pelo homem. Em termos metodológicos Marx atende de forma substancial nossos
anseios como pesquisadores, e consideramos tal concepção de história, falamos aqui a da
Ciência da Historia a mais adequada na realização das pesquisas educacionais, tendo em vista
que para superar o sistema econômico vigente, devemos conhecê-lo em essência e gênese a fim
de termos uma pratica efetiva de luta contra o capitalismo.
CIÊNCIA DA HISTORIA OU MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO
A Ciência da História ou Materialismo Histórico Dialético foi elaborada por Karl Marx e
Friedrich Engels, a partir da publicação do Manifesto Comunista, 1848. Porém, antes disso, em
1847, Marx já apresentava em sua obra “A miséria da Filosofia”, da referida teoria. De acordo
com Netto (2011) “[…] com o estimulo provocado pelas formulações do jovem Engels acerca
da economia política que Marx vai direcionar as suas pesquisas para a análise concreta da
sociedade moderna [...]” (p.17)
Em a miséria da filosia Marx e Engels apontam o papel central da materialidade e da
história na vida dos homens, afirmando que “[...] o movimento da história produz as relações
sociais.” (p. 104), e retomam em “A ideologia alemã”: “Não é a consciência que determina a
vida, mas a vida que determina a consciência.”
Segundo Lukacs (1974), ao referir ao método marxista:
O marxismo ortodoxo refere-se ao seu método. Implica na convicção científica
de que com o marxismo dialético encontrou-se o método correto de investigação
e de que este só pode ser desenvolvido, aperfeiçoado e aprofundado no sentido
indicado por seus fundadores; mais ainda: implica na convicção de que todas as
tentativas de ‘superar’ ou ‘melhorar’ este método conduziram e necessariamente
deveriam fazê-lo – a sua trivialização, transformando-o num ecletismo. (s/p)
Hobsbawm (1998) afirma que o materialismo histórico é uma percepção mais acertada
de história pois se atenta ao que os seres humanos podem realizar na condição de produtos e
produtores da história.
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MARXISMO E A ESCRITA DA HISTÓRIA: ESTUDOS INICIAIS
Na origem do materialismo histórico dialético, que teve como principais elaboradores
Karl Marx e Friedrich Engels, se encontra o árduo e durador combate ao idealismo de Hegel,
e aos ideais neo-hegelianos, representado sobretudo pela figura de Ludwig Feuerbach. Em A
ideologia alemã, Marx e Engels (1986) em relação hegelianos e aos neo-hegelianos afirmam:
Os velhos hegelianos haviam compreendido tudo, desde que tudo fora reduzido
a uma da lógica hegeliana. Os jovens hegelianos criticavam tudo, introduzindo
sorrateiramente representações religiosas por baixo de tudo ou proclamando
tudo como algo teológico. Jovens e velhos hegelianos concordavam na crença
do domínio da religião, dos conceitos e do universal no mundo existente. A
única diferença era que uns combatiam como usurpação o domínio que os outros
aclamavam como legítimo. (p. 25)
E complementam, no que tange ao teor idealista de tais teorias: “A nenhum destes
filósofos ocorreu perguntar qual era a conexão entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a
conexão entre a sua critica e seu próprio meio material” (p. 26)
O ponto de partida para a análise da vida social para Marx e Engels (1986), não era
como para Hegel e seus sucessores o mundo das ideias, mas ao contrário se baseavam nos
“indivíduos reais, a sua ação e as suas contradições materiais de existência, quer se trate daquelas
que encontrou já elaboradas quando do seu aparecimento, quer das que ele próprio criou”, e
complementam “A primeira condição de toda a história humana, é evidentemente, a existência
de seres humanos vivos” (p. 18)
Neste sentido Marx e Engels (1986) postulam que sendo a existência humana a primazia
da existência da humanidade e de toda a história, é necessário primeiramente que os homens
tenham condições efetivas de sobrevivência, ou seja, tenha atendido suas necessidades básicas
para se manter vivo. Para atender tais necessidades, o homem se viu obrigado a produzir meios
para tal, esta foi a primeiro fato histórico de acordo com Marx, na relação com a natureza,
por meio dos instrumentos os homens a modificam e se modificam, na intenção de garantir a
sobrevivência da espécie humana. Ao atender as necessidade básicas, os homens criam nova
necessidades, que são estabelecidas socialmente, deixando assim de serem biológicas.
A fome é a fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozinhada, comida de faca
e garfo, não é a mesma fome da carne crua, servindo-se das mãos, das unhas, dos
dentes. Por conseguinte, a produção, determina não só o objeto de consumo, mas
também o modo de consumo, e não só de forma objetiva, mas também subjetiva.
Logo a produção cria o consumidor. (Marx, 1973)
De acordo com a análise realizada por Oliveira e Quintaneiro (2007) o processo de
humanização ocorre por meio do trabalho, entendemos aqui trabalho como ação transformadora
da natureza, ao humanizar a natureza ele se humaniza. E segundo as autoras mencionadas,
para Marx o trabalho é o meio de produção e reprodução da vida, e é pelo qual a história
humana é delineada, “é para ele que se volta o materialismo histórico, método de análise da
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vida econômica, social, política, intelectual.” (p. 33)
Em o Manifesto do Partido Comunista, Marx apresenta o cerne da história humana,
e de sua análise, que define como luta de classes, ao afirmar isso Marx demonstra o caráter
antagônico, contraditório e dialético da realidade da humana. A luta de classe é para Marx o
motor da história. Que no momento histórico em que Marx produziu sua obra, era representado
por burgueses e proletariado. De acordo com ele “para oprimir uma classe, é necessário
assegurar-lhe ao menos as condições mínimas em que possa ir arrastando sua existência servil.”
(p. 19, 1998)
Na mesma medida em que a burguesia – isto é, o capital – se desenvolve,
desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários modernos, que só
vivem enquanto tem trabalho e só tem trabalho enquanto o seu trabalho aumenta
o capital. Estes operários, que tem que vender-se no varejo, são uma mercadoria
como qualquer outro artigo do comércio e então, por isto mesmo, igualmente
expostos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.
(MARX; ENGELS, 1998)
Para compreendermos em gênese e em profundidade as elaborações de Marx, é
necessário frisarmos a importância do modo de produção, em sua análise da estrutura e dinâmica
da sociedade capitalista.
As relações sociais estão intimamente ligadas as forcas produtivas. Adquirindo
novas forças produtivas, os homens transformam o seu modo de produção e, ao
transformá-lo alterando a maneira de ganhar a vida, eles transformam todas as
suas relações sociais. O moinho movido pelo braço humano nos da a sociedade
com o suserano; o moinho movido a vapor dá-nos a sociedade com o capitalista
industrial. (p. 106)
Afirmamos aqui que o Materialismo Histórico Dialético é extremamente revolucionário,
a análise realizada por Marx e Engels sobre as estruturas e as superestruturas sociais capitalista,
ou seja, a dinâmica de funcionamento do capitalismo, tem como objetivo primordiais rompêlas a fim de instrumentalizar proletários e comunistas para o processo revolucionário, com
intuito último de instaurar um novo modo de produção, o qual denominamos de Comunismo.
Sobretudo em o Manifesto do Partido Comunista este teor revolucionário é latente:
Todas as classes que no passado, conquistaram o poder procuraram conservar,
a situação alcançada, submetendo toda a sociedade as suas condições de
apropriação. Os proletários só podem se apoderar das forças produtivas sociais
abolindo o modo de apropriação a elas correspondente e, com ele, todo modo de
apropriação ate hoje existente. Os proletários nada tem de seu a proteger; tem a
missão de destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada ate aqui
existentes. […] O movimento proletariado é o movimento autônomo da imensa
maioria no interesse da imensa maioria. (Marx, 1998, p.18)
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MARXISMO E A ESCRITA DA HISTÓRIA: ESTUDOS INICIAIS
Neste sentido, Netto (2011) afirma que apesar de Marx ser considerado o principal
elaborador do Materialismo Histórico Dialético, não encontramos em sua bibliografia uma obra
que trate especificamente do método, mas a aplicação do método é visível em toda sua vasta
obra. Netto (2011) ilustra ao dizer que o interesse de Marx “não incidia sobre um abstrato
‘como conhecer’, mas sobre ‘como conhecer um objeto real’ e determinado” e complementa
“Marx não deixou a Lógica, deixou a lógica d’ O capital” (p. 27 – 28)
Ainda fazendo uso das palavras de Netto (2011), destacamos que o mesmo, faz um
analise eu suma relevância, no diz respeito ao método para Marx, ao dizer que “o método
não é um conjunto de regras formais que se ‘aplicam’ a um objeto que foi recortado para
uma investigação determinada nem, menos ainda, um conjunto de regras que o sujeito que
pesquisa escolhe conforme sua vontade de ‘enquadrar’ seu objeto de investigação.” (p. 52),
e complementa afirmando que “O método implica, pois, para Marx uma determinada posição
(perspectiva) do sujeito que pesquisa, aquela em que se põe o pesquisador para, na sua, relação
com o objeto, extrair deles as suas múltiplas determinações.” (p. 53)
PALAVRAS FINAIS
A realização deste texto, nos levou a realizar uma reflexão acerca da confusão de paradigmas e
da confusão metodológica no meio acadêmico, sobretudo nas pesquisas educacionais, percebese uma tendência em seguir modismos, teorias que desconsideram as contradições e a totalidade
do processo histórico. Virou-se um tudo pode em matéria de pesquisa educacional, e por muitas
vezes pesquisas que contribuem com a “perpetuação” da ideologia capitalista. Tonet (2012)
aponta que muitos autores passam a elaborar teorias para dar sustentação a ordem capitalista,
tais teorias indicam, para o fim da história, a morte do sujeito, e tem como fim mostrar que é
impossível superar o modo de produção capitalista
Os clássicos foram abandonados, e observa-se ainda que muitos retiram da teoria
marxista seu caráter revolucionário, o que lhe causa a perca do sentido. Lessa (2009) acerca
desta temática afirma:
Esta volatilidade é marcada por sucessivas modas intelectuais e, neste suceder-se
de modismos, os clássicos foram abandonados. Entre tais clássicos está Marx.
Abandonar os clássicos é o mesmo que abandonar o pensamento científico. E,
abandonar Marx, significa a perda da radicalidade teórica indispensável para a
crítica do mundo em que vivemos. Sem uma concepção de mundo científica e sem
uma crítica radical do mundo que vivemos – e, no mundo contemporâneo, uma
não pode vir sem a outra já que se trata de um mundo essencialmente alienado
– o que resta é a idéia pela idéia, a moda pela moda. Este é um terreno no qual a
ciência tem, na melhor das hipóteses, muita dificuldade em sobreviver. Pois bem,
o primeiro aspecto a ser considerado quando tratamos o debate contemporâneo é
seu caráter superficial, marcados por modismos. (p. 01)
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A discussão teórico metodológica, iniciada nesta elaboração, ainda que carecendo de
maior aprofundamento teórico, é extremamente valiosa para instrumentalizar nossa pratica
inicial de pesquisa. Mais do que isso, assumir se como marxista, é um ato político, dado o
caráter critico e altamente revolucionário de tal teoria, significa se colocar na contramão dos
ideais divulgados pelo sistema, e realizar pesquisas que demonstrem as contradições inerentes
ao modo de produção capitalista e a possibilidade de sua superação, o que outrora foi nos
apresentado por Karl Marx.
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MARXISMO E A ESCRITA DA HISTÓRIA: ESTUDOS INICIAIS
NOSELLA, Paolo. A linha vermelha do planeta infância: o socialismo e educação da criança.
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A DETERMINAÇÃO ONTONEGATIVA DA
POLITICIDADE EM MARX: ANÁLISE DOS ESCRITOS DE
JANEIRO DE 1842 A ABRIL DE 1844
Marco Aurélio Palu
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá
Bolsista PIBIC- Fundação Araucária
Resumo: O presente trabalho tem por finalidade realizar uma síntese bibliográfica dos
escritos que compõe a obra de juventude de Karl Marx (1818 – 1883), especificamente aos de
importância para análise de seu pensamento político. Reunimos os escritos de Marx datados
entre janeiro de 1842 e Abril de 1844: Gazeta Renana, Crítica à Filosofia do Direito de Hegel,
e os Anais Franco Alemães - Crítica à Filosofia do Direito de Hegel – Introdução, Sobre a
Questão Judaica e duas correspondências com Arnold Ruge - aqui tratados como fundamentos
na compreensão do roteiro formativo do pensamento de Marx. Sob o impulso do filósofo
brasileiro José Chasin que postula a necessidade de reconhecimento da nova posição ontológica
resultante da evolução de Marx, procuramos reproduzir o discurso marxiano em seus nexos
constitutivos, não recorrendo a um padrão de cientificidade autoposto ou alguma fundamentação
a priori do saber. Outrossim, entendemos que observação e análise desses escritos se fazem
imprescindível na apreciação da natureza do pensamento político de Marx quando salientado
o trânsito entre: 1) defesa da política como racionalidade intrínseca ao homem e do estado
moderno enquanto instituição racional; 2) discussão sobre a verdadeira democracia e uma
reforma de consciência; 3) a ruptura de natureza ontológica com seu pensamento anterior, ou a
determinação ontonegativa da politicidade. Esta última emerge enquanto conquista teórica de
primeira ordem no pensamento adulto de Marx, ou propriamente marxiano, o qual se manifesta
no último dos escritos analisados opondo emancipação humana à emancipação política, sendo
a primeira o télos de seu pensamento.
Palavras-chave: Ontonegatividade da politicidade; Crítica ontológica; Marx.
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A DETERMINAÇÃO ONTONEGATIVA DA POLITICIDADE EM MARX:
ANÁLISE DOS ESCRITOS DE JANEIRO DE 1842 A ABRIL DE 1844
INTRODUÇÃO:
Aos nos propormos a tratar do tema da concepção de política em Marx, defrontamos logo
de saída com um universo prático e teórico que remonta num movimento de afastamento – e
mesmo impedimento- no reconhecimento dos lineamentos políticos de Marx. O juízo de Lênin
de que Marx no Manifesto do Partido Comunista de 1848 teria descoberto a luta de classes
por meio da ciência da história, mas que ainda não havia materializado uma teoria do Estado,
por este ainda ser uma ideia muito abstrata, é bem conhecido. O mesmo não se dá com os
manuscritos de juventude de Marx, em que este se dedicara abertamente ao tema: em a Crítica
da Filosofia do Direito de Hegelde 1843 pouco se há se de explorado para o entendimento do
tema, pois se considerarmos a validade deste escrito:
Trata-se de uma viragem ontológica que a leitura da Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel comprova indubitavelmente, se dela o leitor de aproximar sem
preconceitos gnosiológicos, não importa quanto o texto seja impreciso e lacunar,
por vezes impreciso e até mesmo obscuro, visto não ter jamais ultrapassado a
condição de glosas para o auto-esclarecimento do autor. (CHASIN, J.2009, p. 56)
Para que não haja nenhuma injustiça teórica com Lênin, é preciso dizer que estes
manuscritos só vieram a ser conhecidos anos depois de sua morte, em 1927 com o projeto
MEGA -Marx-Engels Gesamtausgabe, que visa reunir e publicar a totalidade da obra de Marx
e Engels, impulsionado por David Riazanov1.
Não deve, no entanto, parecer estranho àqueles que se debruçam ao tema que um
amontoado de elementos estranhos pesa no obscurecimento e vulgarização dos escritos de
Marx: desde a socialdemocracia alemã, passando pelo fenômeno do stalinismo e chegando ao
marxismo frankfurtiano, a perversão, da obra marxiana encontrou multiplicidade de moradas
em seu itinerário, de modo que em meio às vicissitudes a que foi submetido “o eterno enjeitado,
mil vezes sepulto e sempre temido formulador teórico” (CHASIN, 1993, p. 129) foi sendo
desconhecido a cada vez em que era reinvocado. Entretanto não cabe aqui - e nem é a real
intenção desse trabalho - expor os descaminhos da obra marxiana na voz de seus principais
locutores, mas tão somente se deter no ponto chave para a discussão aqui apresentada: quais os
resultados no campo do marxismo no conhecimento do pensamento juvenil de Marx, em que
concerne particularmente a seu entendimento de política? A reposta remete a uma apresentação
e revisão dos melhores empreendimentos no resgate do itinerário teórico ou do roteiro formativo
marxiano.
Destarte, é preciso dizer, que no interior do debate marxista, temos que a concepção de
política de Marx, quando localizada, não é atribuída a sua fase juvenil, mas sim às formulações
posteriores à sua ruptura com o idealismo filosófico – que por sua vez é devidamente identificado
e bem conhecido - em sua fase materialista. Dessa maneira como não é questionada, com raras
1 David Riazanov (1870 – 1938), editor do projeto MEGA, quando em 1927. descobre as Glosas de
Kreuznach.
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exceções, a originalidade das teses de Marx ao período de A Gazeta Renana, particularmente no
que se refere à política – não sendo tomado como período referencial, justamente para estudá-lo
como assunto de segunda ordem. No entanto, é preciso sinalizar que num esforço de retomada,
algumas questões se nos impõe o reconhecimento de que o assunto não é novo, ao contrário,
pois amplamente debatido nos círculos da política marxista e dentre os vieses mais díspares
que reivindicam a obra – ou parte dela – e a herança marxiana. É por esse motivo que nos
amparamos nas formulações do filósofo brasileiro José Chasin a fim de expor de maneira mais
próxima e atual possível o quadro complexo e problemático na qual se insere nosso trabalho.
De acordo com Chasin, é preciso neste tipo de procedimento se ater aos escritos
fornecidos pelo próprio autor a respeito. No caso em questão, temos como base de nossa
periodização da obra de Marx seus próprios relatos a respeito no Prefácio Para a Crítica da
Economia Política de 1857, onde procura traçar o roteiro de sua evolução teórica, informando
que “primeiramente encontrei-me pela primeira na embaraçosa obrigação de opinar sobre os
chamados interesses materiais”, período em que participava da Gazeta Renana – Janeiro de
1842 – Março de 1843 – e estava envolvido com questões de natureza prática que o recurso
à filosofia política tradicional não o permitiram resolver de forma satisfatória; em segundo
lugar Marx relata de forma sintética que “O primeiro trabalho que empreendi para resolver as
dúvidas que me assaltavam foi uma revisão crítica da Filosofia do Direito, de Hegel, trabalho
cuja introdução apareceu nos Anais franco-alemães, publicados em Paris 1844, e servem como
parâmetro para a investigação do período de revisão da teoria política hegeliana, carregado das
“dúvidas” que o assaltavam. Ainda de acordo com esse fragmento, temos que Marx informa
que enfrentou os desafios gerados pela dúvida, mas não informa como; no terceiro e último
momento, Marx conclui que:
Minhas investigações conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas,
bem como as formas de Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem
pela evolução geral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas
raízes nas condições materiais de existência, em suas totalidades, condições estas
que Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do século 18, compreendia pelo
nome de sociedade civil. (MARX, K. 2008, p. 49)
Exposto nesse formato o problema, podemos dar início na exposição dos motivos que
nos fizeram optar por esta pesquisa.
PROBLEMAS TEÓRICO-METODOLÓGICOS NA PERIODIZAÇÃO DA OBRA:
Desse movimento de revisão bibliográfica destacamos que no início dos anos 1960, veio à
tona a obra do filósofo estruturalista francês Louis Althusser, que separa a obra marxiana
através do conhecido “corte epistemológico”, como ficou conhecida sua inflexão, dá início
ao debate em torno do debate sobre a validade e relevância da obra de juventude de Marx.
Todo projeto que se debruçasse em sua redescoberta esbarraria nessa obra, por se tratar de uma
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ANÁLISE DOS ESCRITOS DE JANEIRO DE 1842 A ABRIL DE 1844
ruptura epistemológica que privilegiaria o Marx maduro de O Capital, em detrimento do Marx
humanista, mais próximo de Hegel e da atmosfera idealista neo-hegeleliana. Em reação a essa
postura os marxistas vinculados Escola de Frankfurt, impulsionados pelo posicionamento de
Marcuse, debatiam na defesa de uma continuidade do método dialético hegeliano, presente
desde o início da obra marxiana até seus últimos escritos. Nesse caso se tratava de enfatizar uma
questão presente já nos clássicos do marxismo no que tange à obra de juventude de Marx, a de
que a ruptura se localiza na inversão metodológica processada da dialética hegeliana, quando
da crítica ao idealismo.
O conteúdo presente nesta tese sustenta que a ruptura se situava na síntese aforismática
Ad Feuerbach. De modo que, em um e outro caso, trata-se de pressupor a ruptura e não de
atestá-la em sua veracidade textual. Dessa maneira, como pondera Chasin:
/.../ dado que a ampla problemática das origens é restringida e por isso empalada
à questão da origem do método científico, o conjunto das discussões acabou
matizado pela exageração dos seus pólos: de um lado aproximado a Hegel, a ponto
de ser convertido, nos casos extremos, a simples aplicador da lógica hegeliana ao
sistema capitalista de produção , o que arrasta o questionamento para fora de seu
pensamento, passando a ser mera cobrança abstrata em relação à dialética e aos
seus fundamentos, igualmente esvaziados em abstrações; no outro extremo Marx
é é liminarmente afastado de Hegel, e a extravagância então, é repetida com sinais
trocados: à obra de maturidade é atribuída uma resolução epistêmica, no entanto,
reconhecidamente inexplícita, ademais de não inteiramente dominada pelo seu
criador que, todavia, a teria empregado com muita fertilidade... (CHASIN, J;
2009, p. 30)
Dessa forma inaugura-se no marxismo a tese de que Marx teria, juntamente com os
neohegelianos, dado continuidade ao método dialético hegeliano na crítica que opunha sistema
filosófico a método, sendo que politicamente a inversão metodológica idealismo/materialismo,
apontaria em defender no método a própria superação dialética da doutrina de Hegel, enquanto
que o sistema se utilizava como para o existente:
Com a publicação dos Princípios da filosofia do direito de Hegel, em 1820, a
teoria hegeliana do Estado passou a ocupar um lugar central no debate político
alemão. Discípulos de Hegel, divididos em dois grupos antagônicos - os ‘jovens’,
ditos ‘de esquerda’, e os ‘velhos’, ditos ‘de direita’-, iniciaram uma acirrada
disputa pelo título de herdeiros legítimos de seu espólio teórico. Tal disputa girava
fundamentalmente em torno da interpretação do tema da “reconciliação” do real
com o racional. (ENDERLE, R.2010, p. 11).
Nessa apreciação Marx estaria reduzido a um mero aplicador da dialética hegelinana, na
esteira epistemológica natural do procedimento proposto por Hegel, de modo que os problemas
que daí nascem dificultam qualquer retomada dos textos marxianos de juventude, dando o
assunto por superado.
Para se ter uma idéia da importância do resgate proposto por Chasin, temos datado
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desde Lênin e Kautsky, com a tese do tríplice amálgama2, a inauguração de uma problemática
que obscurece – e mesmo impede - o acesso adequado do roteiro formativo marxiano, até
porque “do amálgama não há qualquer vestígio textual” (CHASIN, 2009, p. 39). Passando por
nomes consagrados do marxismo como Althusser, Meszáros, Della Volpe, Löwy, dentre outros,
a questão do tríplice amálgama ganhou repercussão, passando a se tornar um mote definitivo na
abordagem do tema, de modo que:
Nem quando a inclinação analítica pendeu rigidamente para o diapasão
gnosioepistêmico e foi decretado que o alfa e o ômega estavam incrustados na “obra
econômica” de Marx, o tríplice amálgama foi submetido à crítica, mesmo porque,
agora, na unilateralização sofisticada sob a qual passaram a ser empreendidas as
investigações, desimportavam as origens, passando a valer apenas a desembocadura
do método redentor. O que leva a descartar o exame de todo o caminho
mediador, que vai das primeiras ao pretendido ponto de chegada, pela simples
desqualificação da rota constitutiva a mero aglomerado de vicissitudes intelectuais
superadas, quando não puramente amputada a frio ilusionismo da “censura”.
(CHASIN, J; 2009, p. 30)
Outro postulado leniniano, lembrado por Meszáros, já na intenção de procurar em Marx
a crítica do capital na aplicação invertida da dialética hegeleliana, obscurece a reflexão de
natureza ontológica no proceder marxiano, em que:
É impossível compreender completamente O Capital de Marx, especialmente
seu primeiro capítulo, sem ter estudado exaustivamente e sem ter compreendido
toda a Lógica de Hegel. Conseqüentemente, meio século depois, nenhum dos
marxistas compreendeu Marx. (MEZSÁROS, I. 2008, p. 108).
A atualidade de Marx e da crítica à política é seguida pela sua própria tematização, com
o rigor devido a uma pesquisa de natureza ontológica, seguindo a trilha do “renascimento do
marxismo”, proposto por GyorgyLukács3, Chasin retoma pelos próprios textos marxianos sempre ressaltando que a “interrogação pertinente tem de assumir por alvo a análise ou crítica
imanente e sua adequação para a leitura das formações ideais” (CHASIN, 2009, p. 26) - as
proposituras e lineamentos que autorizam alguma tomada de posição a respeito de sua obra.
É também mérito de Chasin – no que concerne ao tema política e atualização marxista
– a atenção dada aos escritos que versam sobre as obras de Marx só foram conhecidas muito
tempo depois da morte de seu autor. Dentre elas estão as Glosas de Krezunach, como ficaram
conhecidas, que nos fornecem o material para tratar do tema proposto. Em especial a Crítica
da filosofia do direito de Hegel, é um texto muito pouco investigado, por que obscuro e lacunar.
Ou como nos informa melhor Ester Vaisman:
2 “O marxismo é o sucessor legítimo do que melhor criou a humanidade no século XIX: a filosofia alemã, a
economia política inglesa e o socialismo francês” (Lenin apud. Chasin, 1995)
3 A obra de Lukács é aqui aferida mas deixa lacunas na compreensão do roteiro formativo de Marx, pois
apesar de seu mérito no equacionamento da questão ontológica em Marx, ainda nutre preconceito para com
uma obra fundamental na apreciação do período, Crítica a Filosofia do Direito de Hegel.
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Sobre a formação do pensamento de Marx /.../ intérpretes como Lukács, Cornu
e Rossi, não põe em evidência, na ruptura idealismo/materialismo, o modo e a
natureza da ruptura, pois não basta e é mesmo superficial reduzir o contraste
marxiano/pré-marxiano à oposição idealismo versus materialismo. Em Cornu e
Rossi não há vestígios sobre a questão ontológica e Lukács, além de não ter efetuado
estudos monográficos, jamais ultrapassou, exceção feita aos Manuscritosde 1844.
(VAISMAN, E. 2000, p.18)
Mas antes de explorá-las com a devida atenção vale mais uma advertência sobre o
período jornalístico de Marx, da forma como é concebido por Cornu, Rossi e Lukács. A estes
autores escapa - o que é mesmo um traço característico da análise epistemológica - que:
/.../ tais momentos não alteram a natureza e o arcabouço ideal que matriza
o conjunto desses escritos, nem tampouco são traços constitutivos do futuro
desenvolvimento teórico de seu autor. Essa é a questão decisiva, que até mesmo
em face dos depoimentos biográficos de Marx. Em outros termos, o que suas
interpretações elidem é o advento de uma viragem radical no pensamento do
Marx, que este promoveu, imediatamente a seguir, não com, mas contra a natureza
do pensamento político de Marx contido em seus artigos da Gazeta Renana.
(CHASIN, J.2009, p. 53)
Chasin objetiva esclarecer que a fase juvenil de Marx, encontra-se no período datado
entre 1841-1843, ou seja, desde a tese doutoral até os artigos de A Gazeta Renana. Não se deve,
portanto encontrar nesses textos qualquer vestígio embrionário que autorize alguma relação
com a obra posterior, pois estes levaram Marx “ao questionamento e subseqüente abandono de
todo o complexo teórico em que, até então, inseria sua reflexão” (CHASIN, 2009, p. 53,).
Parte dos manuscritos e cadernos de anotações de que nos valemos aqui, são conhecidos
como Glosas de Kreuznach, e situam o momento preciso de viragem ontológica no pensamento
marxiano. De forma que a passagem acima aludida serve para nós enquanto síntese do período
em que Marx procurou resolver os problemas do quadro alemão pelo recurso das análises
filosóficas e políticas tradicionais.
Contraposto a este espírito, assim chamado gniosioepistêmico, e demandando uma
análise de rigor, Chasin postula que Marx apresenta suas próprias indicações sobre o tema no
Prefácio, portanto, já em sua fase plenamente madura - que oferecem um traçado evolutivo do
período, bem como de seu itinerário intelectual. Do Prefácio destacamos as linhas quedizem
respeito à época em que esteve na A Gazeta Renana4, entre os anos de 1842-1843, em que se
viu “pela primeira vez em apuros por ter que tomar conhecimento diante da discussão sobre
os chamados interesses materiais” 5. Também foi na Gazeta Renana que pela primeira vez se
4 Diário Renano que congregava os filósofos influenciados por Hegel na contestação do quadro vigente e da
burguesia emergente na região, por participação política. Àquele tempo a imprensa representava o veículo de
manifestação de conflito de interesses (CORNU, apud EIDT, 1998).
5 “Minha especialidade era a Jurisprudência, a qual exercia, contudo como disciplina secundária ao lado
de Filosofia e História. Nos anos de 1842/43, como redator da Gazeta Renana (RheinischeZeitung) vi-me
pela primeira vez em apuros por ter que tomar parte na discussão sobre os chamados interesses materiais.
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relacionou com as correntes francesas do comunismo e do socialismo6 e das quais manifestou
interesse crítico – que na ocasião do periódico renano, apressou por se afastar delas. Diante
desta advertência soma-se outra dificuldade na aproximação e interpretação do pensamento
político original de Marx, a de que “o livro sobre o Estado previsto no plano de sua Economia
jamais fora redigido7”. Por essas razões torna-se necessário revisitar o itinerário teórico de
Marx começando pelo quadro histórico à época, para que alcancemos uma elaboração segura
do conceito de Estado – em suas formas modernas - e de política.
A ALEMANHA AO TEMPO DE MARX:
A Alemanha – na época, Prússia - no início do século XIX não havia ainda alcançado uma
revolução burguesa e nem mesmo um desenvolvimento pleno do capitalismo - aos moldes
clássicos de países como França, Estados Unidos e Inglaterra -, mantendo-se atrasada em
relação a outros países da Europa, com uma economia baseada essencialmente na agricultura e
com um proletariado incipiente.
Os maiores responsáveis por essa situação semi-feudal eram os aristocratas chamados
Junkers, fornecedores de quadros para a burocracia e exército prussianos. Não havendounidade
nacional devido às lideranças da então Confederação Alemã, que se aferroavam ao poder em
seus “absolutismos em miniatura” e somente “aceitam se mobilizar em torno de temas novos”
“quando seu poder estava gravemente posto em questão pelas idéias da Revolução Francesa” 8.
A Alemanha de Marx tinha chegado ao capitalismo sem gerar um desenvolvimento
social em consonância a uma burguesia capaz de dirigir os interesses da nação. Essa frágil
burguesia alemã consciente do antagonismo com o proletariado abandona suas tarefas políticas,
realizando apenas as econômicas – temerosa com o desenvolvimento deste último, como na
Inglaterra e França. A partir daí se torna evidente o conchavo político entre burguesia e nobreza
prussiana contra os trabalhadores e camponeses.
Entretanto, havia diferenças regionais entre as burguesias prussianas. Na região da
Renânia, que faz fronteira com a França, estavam localizados os impulsos mais progressistas
para a ascensão de uma burguesia liberal, devido à ocupação napoleônica nos imediatos anos
anteriores. É nesta região, na cidade de Colônia, que viveu Marx quando articulista da Gazeta
Renana.
As deliberações do Parlamento renano sobre o roubo de madeira e parcelamento da propriedade fundiária, a
polemica oficial que o Sr. Von Schaper, então governador da província renana, abriu com a Gazeta Renana
sobre a situação dos camponeses do vale do Mosela, e finalmente os debates sobre o livre-comércio e proteção
aduaneira, deram-me os primeiros motivos para ocupar-me de questões econômicas”. Apud: CHASIN,
J.Marx no Tempo da Nova Gazeta Renana.”
6 “Alem do mais, naquele tempo em que a boa vontade de “ir à frente” ocupava muitas vezes o lugar do
conhecimento do assunto, fez-se ouvir na Gazeta Renana um eco de fraco matiz filosófico do socialismo e
comunismo francês”. Op.cit.
7 CHASIN, J. Marx no Tempo da Nova Gazeta Renana, p.20.
8 Assunção, V.N.F, apud. (Châtelet, 1971, pp. 21 e 24).
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De outra parte, os hegelianos de esquerda eram aqueles que irão prosseguir na crítica da
religião e na formulação de idéias que visavam à organização do Estado, e por isso a defesa de
uma racionalidade política e a colisão com o sistema lógico de Hegel. Apesar da polêmica em
torno dessa questão podemos dizer que Marx jamais foi um deles. Com a ascensão de Frederico
Guilherme IV e a promessa de reformas liberais o debate dos neo-hegelianos desaguou na
defesa das políticas estatais reformistas.
A política, então, aparece como o resumo das questões sociais (embates práticos) e é
visionada por Marx na direção do Estado, no molde característico do ideário neohegeliano,
ainda que Marx considerasse Hegel como seu principal teórico. Neste sentido, somente a
política poderia emancipar a Alemanha do atraso histórico que então se encontrava, sob o
comando de princípios religiosos, legitimados por Hegel em seu sistema filosófico. No entanto,
se faz imprescindível sinalizar que o que Marx retinha de Hegel era idéia de Estado enquanto
organismo formado pelo conjunto dos homem distribuídos na sociedade civil.
ANÁLISE DOS TEXTOS MARXIANOS:
Destacou-se como eixo nesse trabalho a investigação dos textos que revele o trânsito ocorrido
no itinerário terórico de Marx entre a defesa da emancipação política e a emancipação humana
baseado na sequência bibliográfica dos seus escritos. A tese da emancipação – visionada à
época com realização na política, como exposto acima - habitava as entrelinhas do debate na
Alemanhaenquanto meio por excelência de realização do projeto humanista dos neo-hegelianos.
Entendemos que esta mudança de concepção se manifesta num ponto que subjaz todo esse
curto – mas intenso – período da vida de Marx e que fora assinalado por ele próprio como parte
fundamental na formação de seu pensamento político-filosófico ulterior. O momento preciso
da clivagem intelectual de Marx se dará em meados de 1843, quando da redação das Glosas de
Kreuznach. Dito de forma sintética:
[as Glosas de 43 são] um conjunto crítico radical à concepção
hegeliana de Estado, que acaba desembocando no limiar da
concepção onto-negativa da politicidade, à revelia mesmo das
intenções de Marx, palpáveis ao longo de quase todo o conjunto
das Glosas, uma vez que, preso ainda (esta foi a última vez) à
concepção racionalista de homemque vem da fase anterior,
persiste na busca de sustentação para o Estado verdadeiro, mas
desaguando na antecâmara de sua oposta concepção subseqüente,
que é a tematizada a partir de Sobre A questão Judaica. Ou seja, a
porta aberta, ao que parece involuntariamente, é transposta no seu
texto seguinte. Assim, Sobre a questão Judaica, Para a Crítica da
Filosofia de Hegel: Introdução e as Glosas de 44 (contra Ruge) são
o desenvolvimento e o desfecho da crítica a política, que conduzem
à crítica da economia política, cuja primeira manifestação são os
Manuscritos de 1844. (VAISMAN, E., 2000, p. 19)
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O tema da emancipação, no entanto, será explicitamente debatido por Marx em uma obra
em que demonstra e ultrapassa a tese da emancipação política: em SobreA Questão Judaica
(1844), na qual dedicará ao trabalho de distinguir emancipação política e emancipação humana.
Dessa maneira, compreendidos os antecedentes que marcam as posições que irá assumir
Marx naquela situação, e tracejando o período anterior à formulação das doutrinas específicas
que o viriam a caracterizar, dividimos os escritos analisados em três momentos, cada um deles
apresentando uma etapa na progressiva radicalização de seu liberalismo-filosófico rumo ao
abandono da posição ontopositiva da politicidade a conseqüente conquista da ontonegatividade
da politicidade.
Num primeiro momento, no período da prática jornalística, Marx deu continuidade ao
processo gestado na tese de doutorado, orientada pelo neohegeliano Bruno Bauer, em que marcando a influência bauerinana – deseja unir filosofia a liberalismo, e dava especial relevância
ao papel fundante da autoconsciência na relação mundo-consciência. É na Gazeta Renana,
que se revela uma antropologia racional, típico de uma postura idealista kantiano-fichteano
em que o homem é o espírito livre e racional. Assim, nesses escritos, o Estado era tido como
o responsável pelo ordenamento social, mas o era o indivíduo quem detinha a determinação
política que era por ele positivada no Estado, o máximo universal e racional. Bem ao estilo dos
neo-hegelianos – ainda que com traços bem específicos - Marx via no Estado político a livre
razão mediada pelo caráter racional do direito, reconhecendo a universalidade do Estado oposta
à particularidade da propriedade privada. Aqui se observa com nitidez a filiação de Marx a
concepção ontopositiva da politicidade:
De cabo a rabo, uma subjetividade racional, fundante e operante, que não nega o
mundo objetivo, mesmo porque o concebe como passível de racionalização pela
ação crítica da filosofia libertadora. (CHASIN, J. 2009, p. 52)
Pode-se ter também aí uma primeira apreciação da natureza da política e do Estado no
pensamento pré-marxiano9 de Marx. Ou como nos revelaum importante marxista brasileiro:
Era a vida mesma empurrando Marx, do seu terreno profissional originário, da
sua “especificidade”, da filosofia e da jurisprudência, para o campo de indagações
que, desde Hobbes, pusera-se na ordem do dia da reflexão ocidental: a natureza da
sociedade política, com o privilégio do Estado. (Netto; J.P. 2004, p. 18).
Um trecho da época em que Marx contribuía para A Gazeta Renana confirma uma tomada
de posição específica - e que serve de exemplo da diferença para com os jovens hegelianos - em
relação ao Estado moderno, em contraposição a Karl Hermes, um agente do governo prussiano
que publicava na Gazeta de Colônia, jornal opositor à Gazeta Renana:
9 A periodização entre o Marx pre´-marxiano e Marx marxiano obedece aos apontamentos realizados
por José Chasin. Não se trata de mera concordância teórica ou analíica, mas na busca de objetividade na
delimitação do roteiro formativo de Marx. Ver. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica, São
Paulo, Boitempo, 2009.
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ANÁLISE DOS ESCRITOS DE JANEIRO DE 1842 A ABRIL DE 1844
Quase contemporaneamente à época da grande descoberta de Copérnico sobre o
verdadeiro sistema solar, foi descoberta a lei de gravitação do Estado; seu centro
de gravidade foi encontrado nele mesmo. E, assim como os diversos governos
europeus buscaram, com a primeira superficialidade da prática, empregar esse
resultado no sistema de equilíbrio dos Estados, assim começaram, primeiro
Maquiavel, Campanela, depois Hobbes, Espinosa, Hugo Grotius, até Rousseau,
Fichte até Hegel, a considerar o Estado com olhos humanos e a desenvolver as
suas leis naturais a partir da razão e da experiência, e não a partir da teologia,
assim como Copérnico não se deixou deter pelo fato de que Josué teria ordenado
que o sol se detivesse em Gideón, e à lua que ficasse no Vale de Ajalón, a mais
recente filosofia não fez mais que levar adiante um trabalho já iniciado por
Heráclito e Aristóteles. Vós, portanto, não polemizais contra a racionalidade da
mais nova filosofia, mas sim contra a filosofia sempre nova da razão.(MARX, K.
1998, p.16-17)
Sintomático que já em sua tese de doutorado, no ano de 1841 - sobre a diferença entre o
materialismo de Demócrito e o de Epicuro - Marx estava inserido no interior do idealismo ativo,
- postura filosófica propugnada pelo movimento neo-hegeliano, que basicamente almejava unir
a filosofia crítica de seu tempo ao programa político do liberalismo alemão – prática intelectual
e forma de proceder que o propugnava a uma intervenção crítica em questões sociais de seu
tempo, particular e especialmente no que se refere às questões de ordem política. A política era
tida como a racionalidade ausente na quadratura histórica em que se encontrava a Alemanha,
então Prússia, um país que por não haver passado por uma revolução aos moldes franceses e
ingleses, não tinha experimentado historicamente as qualidades fundamentais da modernidade
e do Estado Moderno, vivendo sua atmosfera somente em filosofia. Sobre esse ponto, em fase
posterior, no período em que é expulso do Estado prussiano e ruma à Paris, e informa em uma
carta a Arnold Ruge10:
Assim como os povos antigos viveram sua pré-história na imaginação, na
mitologia, nós, alemães, temos vivido nossa pós-história no pensamento, na
filosofia. Somos contemporâneos filosóficos do presente sem sermos seus
contemporâneos históricos /.../. A filosofia alemã do direito e do estado é a única
história alemã que se encontra a pari do presente oficial moderno. Por isso o povo
alemão deve acrescentar também essa história imaginária à situação existente e
submeter à crítica não apenas esta situação existente, mas também e ao mesmo
tempo sua prolongação abstrata. (MARX, K, p. 150, 2010).
A carta que citamos foi publicada no ano seguinte no volume único dos Anais FrancoAlemães juntamente com Sobre a Questão Judaica e Crítica a Filosofia do Direito de Hegel
- Introdução e foi escrita anteriormente ao período de repouso e lua-de-mel, em que esteve no
balneário alemão de Krezunach, entre meados e o final do ano de 1843, se ocupando da revisão
crítica da filosofia do direito hegeliana e buscando sanar “as dúvidas” que carregava consigo do
10 Neo-hegeliano e um de seus parceiros intelectuais.
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MARCO AURÉLIO PALU
período em que trabalhou como jornalista. Por esse fato, os manuscritos e cadernos de anotações
do período também são conhecidos como Glosas de Kreuznach, e situam o momento preciso de
viragem ontológica no pensamento marxiano. De forma que a passagem acima aludida serve
para nós enquanto síntese do período em que Marx procurou resolver os problemas do quadro
alemão pelo recurso das análises tradicionais, delimitando o transcurso de seu período prémarxiano, para seguir na esteira da reflexão chasiniana.
Se essas indicações se mostram suficientes para o levantamento da hipótese de que Marx
- muito antes de sua elaboração de um comunismo científico e da ditadura do proletariado - fora
aderente à filosofia política liberal e especulou sobre um “Estado Racional”, são, entretanto,
insuficientes para delinear com precisão o período em que se radicaliza essa concepção de
política, pois no parágrafo seguinte do Prefácio, Marx não informa como enfrentou esses desafios
além de se retirar para o gabinete de estudos com o propósito de realizar uma reavaliação crítica
da Filosofia do Direito de Hegel11. Como informa Chasin:
“Marx ao referir no Prefácio de 59 os artigos de A Gazeta Renana, ressalta apenas
que ficou em apuros ao ter de discutir “os chamados interesses materiais”,mas
não informa comoenfrentou o desafio. Dado a sua evolução subsequente, uma
inferência preciptada retroativa pode conduzir à suposição de que tenha alterado a
natureza do talhe analítico que então praticava. Isto, porém, não ocorreu; continuou
a proceder, essencialmente, embora com brilho e progressiva radicalização,
pelas vias da análise política e jurídica tradicionais. Em outros termos, muito
signitavamente, procurou resolver problemas socioeconômicos através do recurso
ao formato racional do estado moderno e da universalidade do direito”.(CHASIN,
J. 2000, p. 132).
CONCLUSÃO:
O acesso à crítica marxiana à política, segue os relatos de Marx contidos no Prefácio de 1859
de carregava consigo a necessidade da “revisão da filosofia do direito de Hegel”, alimentado
com pelo desafio teórico de solucionar “os interesses materiais” e imbuído pela crítica de
Ludwig Feuerbach à filosofia hegeliana - bem como à filosofia especulativa em geral –, o que
marcou uma ruptura de natureza ontológica “numa extensão que implica o reconhecimento dos
contornos de uma nova posição teórica” (CHASIN, 2000, p.54).
A crítica da política realizada por Marx, e nomeada por Chasin de determinação
ontonegativa da politicidade, tem início pela crítica do pensamento hegeliano na qual suas teses
fundamentais são recusadas. Assim, não podemos aproximar Marx excessivamente de Hegel –
como faz parte da tradição marxista -, pois nas Glosas de Kreuznach, Marx procura se insurgir
contra a filosofia política de Hegel “através da instauração política da pura e nua individualidade,
11 “O primeiro trabalho que empreendi para resolver a duvida que me assediava foi uma revisão crítica da
filosofia do direito de Hegel, trabalho este cuja introdução apareceu nos Anais Franco-Aiemiies (DeutschFranzosischeJahrbiicher).”Op.cit.
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A DETERMINAÇÃO ONTONEGATIVA DA POLITICIDADE EM MARX:
ANÁLISE DOS ESCRITOS DE JANEIRO DE 1842 A ABRIL DE 1844
deliberadamente despojado de todos os predicados que o indivíduo possui enquanto membro da
sociedade civil, em oposição ao ‘indivíduo círculo’ de Hegel” (VAISMAN, 2000, p. 20).Em a
Crítica da filosofia do direito de Hegel aparece o resultado lógico do estudo, e em atendimento
à racionalidade hegeliana, tem conclusão a revisão bibliográfica de Marx marcando já a tomada
de posicionamento próprio, vem à tona pela primeira vez a crítica ontológica ou determinação
ontonegativa da politicidade, expressa na impugnação do procedimento hegeliano pela
dissolução do Estado político abstrato e da sociedade civil:
O conteúdo concreto, a determinação real aparece como formal. A inteiramente
abstrata aparece como o conteúdo concreto. A essência das determinações do estado
não consiste em que possam ser consideradas como determinações do estado,
mas sim como determinações lógico-metafísicas em sua forma mais abstrata. O
verdadeiro interesse não é a filosofia do direito, mas a lógica. O trabalho filosófico
não consiste em que o pensamento se concretize nas determinações políticas,
masem que as determinações políticas existentes se volatizem no pensamento
abstrato. O momento filosófico não é a lógica da coisa, mas a coisa da lógica. A
lógica não serve à demonstração do Estado, mas o Estado serve à demonstração
da lógica. (MARX, K. 2010, p. 38)
No entanto, não deixando de reconhecer o caráter avançado na reflexão hegeliana,
ressalta Marx:
A crítica da filosofia alemã do direito e do estado, que com Hegel alcançou sua
versão mais consistente, rica e completa, consiste tanto na análise crítica do estado
moderno e da realidade com ele relacionada como na negação decidida de todo
o modo de consciência política e jurídica alemã, cuja expressão mais distinta,
mais universal, elevada ao status de ciência, é justamente a própria filosofia
especulativa do direito. Se a filosofia especulativa do direito só foi possível na
Alemanha – esse pensamento extravagante e abstrato do Estado moderno, cuja
efetividade permanece como um além, mesmo que esse além signifique tão
somente o além do Reno - a imagem mental alemã do Estado moderno, que faz
abstração do homem efetivo, só foi possível, ao contrário, porque e na medida
em que o próprio Estado moderno faz abstração do homem efetivo ou satisfaz
o homem total de uma maneira puramente imaginária. Em política, os alemães
pensaram o que outras nações fizeram. A Alemanha foi sua consciência teórica.
A abstração e a presunção de seu pensamento andaram sempre no mesmo
passo da unilateralidade e da atrofia de sua realidade. Se, pois o status quo do
sistema político alemão exprime o acabamento do ancién regime, o acabamento
do espinho na carne do Estado moderno, o status quo da ciência políticaalemã
exprime o inacabamento do Estado moderno, a deterioração de sua própria carne.
(MARX, K, 2010, p. 151)
A crítica acima apontada, que teve início no abandono dos fundamentos políticos
hegelianos, e a conseqüente determinação do ontológico sobre o gnosiológico,“a mais ampla
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MARCO AURÉLIO PALU
crítica realizada por Marx” (VAISMAN, 2000, p. 16), é entendida e retida por Marx como
uma conquista e se manifesta e desenvolve nos textos imediatamente subsequentes, como “a
filosofia não pode se realizar sem a superação do proletariado”(MARX, K, apud, CHASIN,
1993, p. 143) e “O limite da emancipação política fica evidente de imediato no fato de ser o
Estado ser capaz de se libertar de uma limitação sem que o homem realmente fique livre dela,
no fato de o Estado ser capaz de ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre”.
(MARX, K. 2010, p. 38).
Assim temos no itinerário intelectual de Marx que suas proposições rumam à suas
próprias formulações, e a nova posição filosófica assumida enquanto a defesa da emancipação
humana, o télos definitivo de sua filosofia.
REFERÊNCIAS:
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UnB, 1998.
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v. 3 (1), p. 5-78, 2000.
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Burguesia e a Contra-Revolução. 3 ed. São Paulo: Ensaio, 1993
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DE ASSUNÇÃO, V. N. F. Marx no tempo da Gazeta Renana, Revista da APG/PUC-SP,v. 11,
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artigos de A Gazeta Renana (1842-1843). Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Belo Horizonte, MG, 1998.
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A DETERMINAÇÃO ONTONEGATIVA DA POLITICIDADE EM MARX:
ANÁLISE DOS ESCRITOS DE JANEIRO DE 1842 A ABRIL DE 1844
ENDERLE, R. M. Ontologia e política: a formação do pensamento marxiano de 1842 a 1846;
Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, UFMG. Belo Horizonte,
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A ATUALIDADE PARADOXAL DO MANIFESTO
COMUNISTA 150 ANOS DEPOIS: UMA LEITURA DAS
CONTRIBUIÇÕES DE ERIC HOBSBAWM E JAMES PETRAS
Paulo Eduardo Pedrassoli
Doutorando em Sociologia – Unicamp
Resumo: Esse artigo faz uma leitura das contribuições de E. Hobsbawm e J. Petras para
análise da atualidade do Manifesto Comunista, na ocasião comemorativa de seus 150 anos.
Fez-se um mapeamento das principais questões que apontariam o vigor e fragilidade do
texto de 1848. Contemplou-se a problema da perspectiva unitária entre a compreensão do
capitalismo contemporâneo e a possibilidade de superação revolucionária do mesmo. Dentro
dessa problemática, que está no pensamento clássico, levanta-se a hipótese de uma atualidade
paradoxal do Manifesto. O desenvolvimento econômico atual, marcado pela retomada
dos interesses burgueses em plano global, mediante a reestruturação do trabalho e apoiada
pelas políticas de Estado, pode ser referência fundamental na atualidade. Em contraposição,
a constituição política do proletariado, como classe revolucionária, passa a ser questionada.
De um lado, Petras faz a constatação crítica, mesmo sob uma economia que deteriora as
condições de vida e trabalho, da separação entre desenvolvimento da produção e proletariado
com consciência e organização de classe revolucionária. De outro lado, Hobsbawm desloca a
constituição da alternativa revolucionária da sua determinação diretamente econômica para o
campo da escolha política, fundada numa dada práxis social dos agentes sociais. Em suma, essa
atualidade paradoxal do Manifesto abre a possibilidade para o marxismo se emancipar de certas
leituras dogmáticas e mecânicas de sua base clássica.
Palavras-chave: Manifesto Comunista; Marxismo; Capitalismo; Comunismo.
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A ATUALIDADE PARADOXAL DO MANIFESTO COMUNISTA 150 ANOS DEPOIS:
UMA LEITURA DAS CONTRIBUIÇÕES DE ERIC HOBSBAWM E JAMES PETRAS
INTRODUÇÃO
O Manifesto Comunista, obra clássica das ciências sociais e, em específico, do marxismo,
completou 150 anos de sua publicação, em 1998. Esse trabalho tem como proposta um
mapeamento das contribuições, específicas para essa data comemorativa, de dois significativos
autores do pensamento marxista: Eric Hobsbawm e James Petras. Em particular, das suas
reflexões sobre a atualidade e limites do Manifesto no final do século XX. Tem-se como
questão central a relação entre o desenvolvimento do capitalismo como modo de produção
de dominação burguesa e a constituição de uma classe revolucionária, o proletariado. Dentro
dessa problemática, que está no pensamento clássico, levanta-se a hipótese de uma atualidade
paradoxal do Manifesto. O desenvolvimento econômico atual, marcado pela retomada dos
interesses burgueses em plano global, mediante a reestruturação do trabalho e apoiada pelas
políticas de Estado, pode ser referência fundamental na atualidade. Em contraposição, a
constituição política do proletariado, como agente revolucionário, passa a ser questionada. O
texto se divide em duas partes que retratam a situação desse paradoxo. Termina por sugerir que
sua maior contribuição é a possível conclusão da necessidade de se repensar, na atualidade,
uma leitura que associa, mecanicamente, produção e política na construção de uma alternativa
revolucionária ao capitalismo.
O MANIFESTO ATUALIZADO: A REGRESSÃO AO PROGRESSO DOS INTERESSES
BURGUESES NA RECONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DO ESTADO NA
“GLOBALIZAÇÃO”
Retomar o Manifesto 150 anos depois, qual o propósito? Conforme Hobsbawm (2011, p.103),
“O objetivo é lembrar a nós mesmos que o Manifesto tem muito a dizer ao mundo às vésperas
do século XXI.” E, em linhas gerais, o que teria a dizer?
A tese geral é a de que o capitalismo contemporâneo estaria regressando à constituição
da sociedade e do Estado de acordo com os interesses burgueses. Portanto, ela pressupõe o
reconhecimento do Estado do Bem-estar social como um momento específico do capitalismo,
quando a ameaça de classe proletária e do comunismo teriam forjado arranjos sociais e
políticos que atuariam para amenizar as tendências de desigualdades e polarizações inerentes ao
capitalismo. Desse modo, as teses revisionistas e reformistas, que advogam certa flexibilidade
e avanços sociais dentro do capitalismo, acabam sendo questionadas pelo processo regressivo
da luta de classes atual
“A análise de classe resistiu muito melhor do que os socialistas “revisionistas”
(Bernstein e Kautski) e do que os teóricos reformistas do pós-guerra. Enquanto
Marx e Engels analisavam as “inflexibilidades” do capitalismo — tendências ao
aprofundamento da polarização e da desigualdade — os revisionistas e reformistas
enfatizavam “a flexibilidade e a adaptabilidade”. Enquanto os primeiros destacavam
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PAULO EDUARDO PEDRASSOLI
a centralidade da luta de classe e a importância do “espectro” do comunismo
na moldagem das políticas do capitalismo, os reformadores ressaltavam as
transformações internas do capitalismo — a evolução rumo à “maturidade” —
a culminação do que foi o Estado de bem-estar. Em retrospectiva histórica, da
perspectiva do ano 2000, é fácil perceber que o Estado de bem-estar não foi um
estágio avançado do capitalismo, mas uma condição temporária moldada pela luta
de classe e pelo espectro do comunismo.”( PETRAS, 2002. p. 241)
Fato que “atestaria” essa tese da luta de classes como ainda pertinente na apreensão das
tendências necessárias de polarização e desigualdades sociais do capitalismo seria, portanto, o
próprio refluxo do bem-estar social. A década de 1990, configurada pelas as reformas burguesas
e o declínio do perigo comunista, trariam à tona a lógica interna da exploração capitalista, com
a manifestação da pobreza e desigualdades sociais que lhe correspondem.
“Do ano 2000, em retrospectiva, é fácil ver que o “capitalismo de bem-estar” seria
revertido e as reformas abolidas com o fim do espectro do comunismo. Aquelas
condições de trabalho e da vida social começariam a ser revertidas às do século
XIX. A análise da luta de classe como a base do avanço social e o declínio da mesma
como a condição da regressão social e ao retorno do capitalismo selvagem está
demonstrada. A lógica interna de desigualdade, pobreza, exploração desenfreada
e dominação unilateral, que Marx faz da análise histórica do capitalismo, atingiu
o ápice nos anos 90.” (PETRAS, 2002, p. 241)
Esse processo de luta de classes atual é justamente o que vai fundamentar a atualidade
do caráter especificamente de classe do Estado, recuperando, inclusive, a forma de compreensão
do mesmo como instrumento próprio a serviço da classe dominante, e não como uma entidade
que tem autonomia para mediar as relações de classes. O meio de atuação destacado para
identificar tal relação entre Estado-classe dominante no capitalismo atual seria a política estatal
que afeta diretamente o processo econômico de produção. Ou seja, as políticas de estado atuais
atingiriam a economia em dois pontos centrais que, de um lado, mantém uma característica
intrínseca ao capitalismo e, de outro, revelam a sua especificidade atual. No primeiro caso,
a reestruturação do trabalho já mencionada enfraquece os trabalhadores e seus sindicatos na
influência do desenvolvimento econômico. No segundo caso, o movimento do capital, em
sua dominância financeira, é estimulado pela política fiscal do Estado e pela transferência dos
recursos “públicos”. Portanto, essa volta do Estado como instrumento de dominação de classe
burguesa passa, antes, por uma análise centrada em suas ações, ou seja, em suas políticas.
“O caráter de classe do Estado. A esmagadora ênfase da política de Estado tem
sido para facilitar o principal processo econômico empreendido pela classe
capitalista dominante. A “reestruturação” do trabalho tem sido promovida
pelas políticas de Estado que enfraquecem os sindicatos de trabalhadores.
O movimento do capital tem sido subsidiado pela política fiscal do Estado:
concentração de capital pela “desregulamentação”; “transferência” dos
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UMA LEITURA DAS CONTRIBUIÇÕES DE ERIC HOBSBAWM E JAMES PETRAS
prejuízos privados por intermédio da intervenção estatal através do tesouro
público. As principais mudanças na renda, baseada no poder do Estado para
intervir em favor do capital, reduziram a função de “legitimação” a uma
atividade menor. O Estado não é uma entidade autônoma que media as relações
entre as classes. Ele é, como sempre foi, um instrumento de dominação de
classe e, por isso, suas principais decisões podem ser melhor compreendidas
no âmbito de referência do seu caráter de classe.” (PETRAS, 2002, p. 249)
A regressão burguesa nas condições econômicas e ações estatais nesse cenário de
reconfiguração do mundo parecem retomar o contexto da época de análise do Manifesto .
“Entretanto, o que sem duvida há de impressionar também o leitor de hoje é o
notável diagnóstico que o Manifesto faz do caráter e do impacto revolucionários da
‘sociedade burguesa’ [...] É que o mundo transformado pelo capitalismo que Marx
descreveu em 1848, numa prosa sombria e lacônica eloquência, é visivelmente, o
mundo em que vivemos 150 anos depois.” (HOBSBAWM, 2011, p.106)
Para Hobsbawm, o Manifesto tem força em duas situações. O primeiro, seria o
desenvolvimento do capitalismo em sua marcha triunfal sobre a Humanidade ao mesmo tempo
em que denunciava, em 1848, o mesmo como “fase” particular histórica, ou seja, transitória da
humanidade.
“Duas coisas conferem força ao Manifesto. A primeira é sua percepção mesmo no
limiar da marcha triunfal do capitalismo, de que esse modo de produção não era
permanente, estável, ‘o fim da história’, e sim uma fase temporária na história da
humanidade, e, como suas predecessoras, uma fase a ser suplantada por outro tipo
de sociedade [...]” (HOBSBAWM, 2011, p. 106-107)
Constatação contraditória, pois hoje, relevância atual da marcha capitalista se dá
regressivamente dentro de seus próprios padrões. Não de um desenvolvimento para além de si
próprio. Como lembrou Petras (2002, p. 241), “o Manifesto descreve claramente uma história
que não é linear, cujo progresso não é inevitável — e cujas alternativas históricas e regressões
são possíveis.” Todavia, a segunda situação colocada por Hobsbawm, e mais pertinente, é a
antevisão do Manifesto do que seria o capitalismo numa época histórica posterior.
“A segunda é o reconhecimento das necessárias tendências históricas a longo
prazo do desenvolvimento capitalista. O potencial revolucionário da economia
capitalista já estava evidente. Marx e Engels não pretendiam ter sido os primeiros
a reconhecê-lo [...] Não obstante, o fim da década o que a ‘burguesia’ realizara era
muito mais modesto do que os milagres a ela atribuídos no Manifesto [...] Não era
difícil para os historiadores demonstrar que, mesmo na Grã-Bretanha, a Revolução
Industrial (expressão usada especificamente por Engels a partir de 1844) de modo
algum criara um país industrial ou mesmo um pais predominantemente urbano
antes da década de 1850. Marx e Engels não descreveram o mundo como o
capitalismo já o transformara em 1848, mas previram como o capitalismo estava
destinado inelutavelmente a transformá-lo.” (HOBSBAWM, 2011, p.107)
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Nesse sentido de descrever um mundo burguês em suas tendências históricas, o aspecto
global do desenvolvimento capitalista aparece como a grande predição do Manifesto. Também,
parece ganhar mais atualidade durante o século XX do que à própria época. Todavia, até a
década de 1970, ainda, sob um processo de industrialização que estava condicionada pelas
regiões de sua origem.
“Em certos aspectos, podemos até ver a força das predições do Manifesto mais
claramente do que as gerações que se seguiram a sua publicação. Porque até a
revolução nos transportes e nas comunicações iniciada com a Segunda Guerra
Mundial, houve limites à globalização da produção, ao anseio de dar ‘um caráter
cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países’. Até a década de 1970,
a industrialização manteve-se predominantemente confinada a suas regiões de
origem”. (HOBSBAWM, 2011, p.107)
A partir de então, a globalização passa a desafiar a análise marxista, sem deixar de
encontrar no Manifesto uma referência. É nesse sentido de perceber a globalização – para além
de sua ideologia - como internacionalização do capitalismo que a análise de Petras também
se coloca. Capta o declínio das industriais locais, estabelecimento de nova divisão social do
trabalho e mercado mundial como a retomada dos termos em que foram colocados pelo texto
de 1848
“A internacionalização do capitalismo, referida pelas ideologias capitalistas da
“globalização”, minou as indústrias locais e criou uma nova divisão social do
trabalho e um “mercado mundial” nos termos da análise contida no Manifesto.”
(PETRAS, 2002, p. 242)
Não obstante, não se trata de transportar, acriticamente, uma análise em 1848 para
1998. Assim, é possível constatar que o sentido da “globalização” no texto de Marx passa,
centralmente, pela ideia de interdependência que, por sua vez, se fundamentaria numa
simplificação do conceito de capital. Essa simplificação se daria pela separação da dimensão
histórico-social-política da tecnológica. Por isso, o Manifesto consegue distinguir os países,
que seriam imperialistas, como civilizados, e os países coloniais como bárbaros. Essas relações
globais de mercado entre países de acordo com o que cada um pode oferecer, curiosamente,
se aproximariam mais da ideologia capitalista da globalização do livre mercado, tamanha sua
descrição semelhante com a atualidade.
“Marx e Engels têm uma idéia particular de “interdependência”, segundo a qual,
uma região exporta escravos e matérias primas com pouco valor agregado e outros
países e regiões acumulam capital. A descrição deles dos países imperialistas como
“civilizados” e os países coloniais explorados como “bárbaros” está baseada em
uma grosseira simplificação da natureza do capital. Os movimentos do capital, a
expansão e a tecnologia são separados da dimensão política, das relações sociais
e do momento histórico. A ironia é que a concepção de globalização capitalista de
Marx e Engels está mais afinada com a ideologia contemporânea de livre mercado
do que com algum entendimento histórico materialista.” (PETRAS, 2002, p. 244)
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No entanto, ao tema dessa globalização se imbrica a ideia de imperialismo, derivada não
diretamente do Manifesto, mas na escola marxista clássica posterior. Essa seria fundamental
para ir além da ideologia uniformizadora de mercado entre os países para apanhar o processo
de continuidade das desigualdades entre os mesmos, gerando o subdesenvolvimento nos
chamados países de terceiro mundo. .
“Algumas escolas de marxistas podiam até argumentar que o capitalismo, ao
menos em sua forma imperialista, longe de ‘forçar todas as nações, sob pena
de extinção, a adotarem o modo burguês de produção’, estava, por sua própria
natureza, perpetuando, ou mesmo criando, ‘subdesenvolvimento’no chamado
Terceiro Mundo.” (PETRAS, 2002, p. 108)
É interessante notar que, a análise marxista do imperialismo serve não só para
complementar, mas para reparar o Manifesto na atualidade. Em particular, rever a ideia de que
a globalização transforma similarmente o mundo em uma mesma imagem de desenvolvimento.
Fato que comprovaria a necessidade desse cuidado analítico seria o próprio desejo das
instituições internacionais, como o Banco Mundial, em modernizar o terceiro mundo de acordo
com a imagem burguesa do primeiro mundo.
“A globalização burguesa não criou um “mundo à imagem da burguesia”, como
os autores argumentaram. Hoje, esta é a “piedade sentimental” estampada nos
boletins de relações públicas do Banco Mundial trombeteando a “modernização”
do terceiro mundo.” (PETRAS, 2002, p. 245)
Desse modo, o imperialismo pode ser entendido com o processo de acumulação capitalista
que se expande em escala global e submente as economias nacionais menos desenvolvidas aos
interesses de um capital estrangeiro dos Estados capitalistas mais desenvolvidos. Portanto, a
formação do chamado “mercado mundial” corresponderia em sua essência, aos interesses das
potencias imperialistas.
“O imperialismo é uma característica dominante na definição das relações entre
os Estados capitalistas avançados e os menos desenvolvidos. A subordinação
da Europa Oriental e da ex-União Soviética ao capital da Europa ocidental e dos
Estados Unidos se evidencia na pilhagem daquelas economias e na crescente
penetração e subordinação do mercado chinês ao do Japão. Hong Kong e
Taiwan são testemunhas do fato de que a expansão global — imperialismo — é
a força dirigente de nossa época. A acumulação global de capital cria relações
de dependência e submete todas as economias nacionais dos países menos
desenvolvidos, penetradas pelos interesses do capital estrangeiro, pela lógica
do “mercado mundial” e pelas considerações geoestratégicas das potências
imperialistas.” (PETRAS, 2002, p. 248-249)
Nesse contexto, a ideia de que o Estado nacional estaria enfraquecido não se colocaria
adequadamente. Na verdade, o Estado, enquanto instrumento desse processo capitalista,
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fortalece sua presença na sociedade com vista a reconfigurar a economia nacional de acordo
com suas diretrizes de um capitalismo mundializado. O enfraquecimento seria das sociedades
nacionais, com a política estatal que corta gastos sociais para sustentar a expansão internacional
do capital.
“O fortalecimento do Estado-nação como um instrumento para a expansão
internacional do capital tem sido acompanhado pela erosão da economia nacional
que sustenta as atividades internacionais do capital e do Estado. A diversificação
de recursos (privados e estatais) para o mercado global tem levado a crise fiscal
do Estado e ao corte maciço em salários e em gastos sociais. Como a competição
global aumenta, as sociedades nacionais se deterioram.” (PETRAS, 2002, p. 250)
Nesse processo de “globalização”, seria possível identificar a deterioração das condições
de vida e trabalho, com a intensificação e extensão da exploração pelo capital. Rendas menores,
aumento das jornadas de trabalho e da produtividade, com eliminação de benefícios sociais,
tem sido a marca da exploração capitalista na época atual globalizada. Os casos dos Estados
Unidos e Japão comprovariam esse processo com dados referentes ao desenvolvimento do
salário, produtividade e jornada de trabalho.
“A intensificação e a extensão da exploração que acompanham a expansão e a
competição capitalistas. O declínio da renda, jornadas de trabalho prolongadas,
a eliminação de benefícios como assistência à saúde, pensão, férias e outros,
acompanhada da extensão das horas de trabalho e do crescimento da produtividade,
atesta a relevância da análise marxista. De fato, a exploração capitalista do salário
e de outras formas de ganho, sob a “globalização”, tem se elevado a níveis inéditos,
em todo o mundo. Nos Estado Unidos, o salário semanal sofreu queda de mais
de 10% entre 1973 e 1996. O trabalhador médio nos Estados Unidos, em 1987,
trabalhou 163 horas a mais que em 1969. O desempenho econômico do Japão
mostra uma enorme lacuna entre o crescimento da produtividade e os salários
reais estagnados. Enquanto a produtividade do trabalho manufatureiro mais que
dobrou (117% entre 1975 e 1984), o índice dos salários reais cresceu apenas
5,9%. No mesmo período, os trabalhadores industriais do Japão trabalharam,
em média, 11% a 13% mais horas que os trabalhadores da Grã-Bretanha e dos
Estados Unidos, e 31% mais que os da Alemanha.” (PETRAS, 2002, p. 246-247)
Portanto, atualmente, para Petras (2002, p. 247) “a análise de Marx da relação entre a
expansão capitalista e a deterioração dos padrões de vida da classe trabalhadora é particularmente
relevante.”
As crises como forma de existência intrínseca ao capitalismo continuam a provar sua
atualidade. Continua a basear-se no processo de acumulação capitalista que, ao privatizar a
riqueza, oblitera o seu acesso, o seu consumo ao coletivo social. Em última análise, a crise
ainda mantém em vigor o desenvolvimento contraditório da sua acumulação, tanto que novas
tecnologias falham na utilização das suas forças produtivas do trabalhador imediato. Essa
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lógica capital atual tem como resultado mais imediato e intenso o crescimento do desemprego,
como pode ser atestado por dados de vários países capitalistas centrais da Europa, dos Estados
Unidos e da extinta União Soviética. No capitalismo contemporâneo, a crise, porém, tem suas
especificidades, que vão diferencia-lo e, até opor-se, as ponderações do Manifesto, como: a
desindustrialização e a desproletarização do trabalho excedente. Resultados imediatamente
relacionados com a globalização capitalista sob o domínio de sua esfera financeira, que
subordina a acumulação as transações de mercado de capital não-produtivas, configurando uma
espécie de “economia de papel”
“A tendência do capitalismo para crises e estagnação. Com o declínio dos
produtos, a falta de inovações capazes de estimular a reconversão e o crescimento,
o aumento das dívidas e dos déficits fiscais, a elevação da produtividade e um
estreitamento da base de consumidores, as tendências a crises vieram à tona.
Os principais países europeus, tais como a França, a Bélgica e a Alemanha
estão confrontadas com taxas de desemprego de dois dígitos; Na Espanha é de
mais de 20% e muitas das nações póscomunistas do Leste europeu ostentam
taxas de 30%. Nos Estados Unidos, o sub-emprego, o trabalhador pobre e os
desempregados somam 37% da força de trabalho. O ritmo intenso da destruição
de postos de trabalho na era da “globalização” está interrelacionado à lógica
interna do sistema capitalista — super-acumulação e falha na utilização plena
da capacidade produtiva — e às recentes tendências do capitalismo tardio, a
desindustrialização, a ascendência do capital financeiro e especulativo, capital
flutuante, e a desproletarização da força de trabalho excedente. [...]O capital,
agora, se reproduz por intermédio de investimentos na “economia de papel” —
bolsa de mercadorias, mercado internacional de capital, e todo tipo de transações
financeiras e outras não-produtivas. O mercado mundial de câmbio tem crescido
brutalmente no movimento total desde o começo dos anos setenta. Há registro de
que, em 1973, US$ 3 bilhões ao dia eram convertidos em moedas européias. No
final dos anos setenta, o movimento total diário em todo o mundo era estimado
em US$ 100 bilhões; uma década depois atingiu US$ 650 bilhões.” (PETRAS,
2002, p. 248)
Esse retrocesso no campo social e político dos trabalhadores, junto à caracterização do
mundo de acordo com a natureza capitalista, em sua vocação de domínio global, parece ser a
referência de maior atualidade para se pensar a realidade social do final do século XX. Essa
seria a conclusão sobre a importância e atualidade do Manifesto.
“Em suma, aquilo que em 1848 um leitor imparcial poderia ver como retórica
revolucionária ou, no máximo, como previsão plausível pode ser considerado hoje
uma caracterização concisa do começo do novo milênio. De qual outro documento
da década de 1840 pode-se dizer o mesmo?.” (HOBSBAWM, 2011108)
Todavia, isso não quer dizer que não tenham ocorrido mudanças históricas mundiais
que o desafiam o marxismo. Entre elas, pode-se destacar a questão (re)configuração da força de
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trabalho, em sua especificidade e diversidade, numa era pós-industrial. Seria preciso considerar
tanto o setor de serviços, contratos temporários e trabalho autônomo, em países centrais e
atrasados. Esse fenômeno, que passa pela precarização o trabalho e do refluxo industrial, pode
ser compreendido como a desproletarização da força de trabalho excedente.
Existem variações significativas na força de trabalho “pós-industrial”. Nos países
capitalistas avançados, há um número crescente de trabalhadores por “contratos”
temporários de baixos salários e profissionais da área de serviços. Os meios de
produção e/ou de distribuição high tech são administrados por trabalhadores mal
remunerados do setor de serviços e “mantidos” e “dirigidos” por um pequeno
estrato de trabalhadores e executivos permanentes com altos salários. No terceiro
mundo, o crescimento dos trabalhadores autônomos e mal remunerados do setor
de serviços opera como distribuidores de mercadorias baratas e estão disponíveis
como trabalho produtivo barato e rotativo. A “proletarização” do trabalho tem
avançado a um grau, que cria o seu oposto — uma desproletarização da força de
trabalho excedente.” (PETRAS, 2002, p. 250)
Desse modo, paradoxalmente, o ponto que encontraria maio dificuldade de atualidade
é justamente o fator político contraditório do processo de dominação burguesa: o proletariado
como classe revolucionária. É o que se trata na segunda parte do texto.
O MANIFESTO DESATUALIZADO: A CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO PROLETARIADO
COMO CLASSE REVOLUCIONÁRIA
Se a retomada do capitalismo a partir dos interesses burgueses, sob a globalização, assombra
como atualidade, o Manifesto se encontraria “desatualizado” em um ponto central: o proletariado
como sujeito revolucionário.
“Não obstante, se hoje nos impressiona a agudeza com que o Manifesto anteviu o
futuro, então remoto, de um capitalismo enormemente globalizado. O insucesso
de outra de suas previsões é igualmente digno de nota. Está agora evidente que a
burguesia não produziu ‘principalmente seus próprios coveiros’ no proletariado.
‘Sua queda e a vitória do proletariado’ não se mostraram ‘igualmente inevitáveis’.”
(HOBSBAWM, 2011, p.108)
Petras, ainda debatendo sob o efeito contraditório da globalização capitalista, ratifica a
questão da ausência da união proletária e de sua consciência de classe dentro desse processo
de expansão. Sugere que o Manifesto não teria se empenhado na importância que os laços
tradicionais e culturais pré-capitalistas podem exercer nas consciências das pessoas. Esse erro
derivaria da perspectiva de que universalização do dinheiro e do processo econômico produtivo,
colocada pelo domínio burguês, levaria necessariamente a uma crítica social por parte do
proletariado. E mais, que só poderia ser e se desenvolver numa perspectiva pós-capitalista,
revolucionária, ao ser o resultado do enfrentamento direto das condições reais de vida.
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UMA LEITURA DAS CONTRIBUIÇÕES DE ERIC HOBSBAWM E JAMES PETRAS
“A sequência da expansão capitalista, segundo Marx a destruição dos laços
tradicionais e a integração global, foi o processo de criação de uma classe
trabalhadora unificada, consciente dos seus interesses de classe e com vínculos
além das fronteiras nacionais. A esta cadeia de raciocínio falta uma compreensão
clara sobre a importância dos laços sociais e tradicionais precedentes ao
capitalismo que, por sua vez, cria os laços para confrontar o capitalismo e sustentar
a consciência de classe. Quando Marx descreve o burguês tanto como uma
redução das relações humanas ao “nexo monetário” quanto como um prelúdio ao
desenvolvimento da consciência de classe, ele está descrevendo, essencialmente,
as condições da classe trabalhadora dos Estados Unidos — provavelmente a menos
interessada e apta a identificar a fonte de exploração e travar a luta contrária. O
descarte das crenças mais antigas, que Marx e Engels, infelizmente, chamaram
“sentimentalismo filisteu” inclui o sentido de comunidade e não necessariamente
a crença no “sobrenatural”. Assim, a afirmação de que “a insegurança e a agitação
perpétuas”, que Marx e Engels associavam à “revolução dos meios de produção”
pelo capital, não “compele” necessariamente “o homem a enfrentar com sentido
sóbrio suas reais condições de vida e o tipo de relações que mantém com elas”.
(PETRAS, 2002, p. 244-245)
Por isso, para Hobsbawm (2011. p.108), “o contraste entre as duas metades da análise
do Manifesto em sua parte intitulada ‘Burgueses e proletários’ pede maiores explicações depois
de 150 anos do que na época de seu centenário.”
Essas ponderações levam até a problematização da configuração do proletariado hoje,
pensado em sua inserção econômica, Não se trataria de questionar o aumento de pessoas
despossuídas que dependem da venda de sua força de trabalho. Antes, seria necessário
compreender, como resultado do processo de transformações tecnológicas sob a economia
capitalista de altos investimentos, a menor necessidade de mão de obra industrial clássica.
Embora no Marx tardio exista a brecha para se pensar as configurações de uma era póscapitalista, nesse sentido, esse é o ponto de limitação do Manifesto, pois sequer foi vislumbrado.
“O problema reside não na visão de Marx e Engels de um capitalismo que
necessariamente transformava a maioria das pessoas que ganhavam a vida nessa
economia em homens e mulheres que dependiam, para seus sustento, de vender-se
em troca de salários e ordenados. [...] Tampouco o problema reside essencialmente
no fato de Marx e Engels acreditarem que essa população trabalhadora seria
formada por uma mão de obra industrial. [...] É indiscutível que esse não é mais
o caso da produção moderna de alta tecnologia e alto investimento, um fenômeno
não considerado no Manifesto, ainda que em estudos econômicos mais tardios
o próprio Marx previsse o possível surgimento de uma economia com cada vez
menos mão de obra, ao menos numa era pós-capitalista.” (HOBSBAWM, 2011.
p.108-109)
Se a derrubada do capitalismo tem como pressuposto o caráter revolucionário do
proletariado, faz-se necessário aprofundar a questão paradoxal da formação dessa classe de
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trabalhadores na era atual de seu refluxo. Para Hobsbawm, a caracterização revolucionária do
proletariado não seria derivada de seu aumento numérico, mas de sua posição na economia. É esta
posição que, ao se elevar politicamente, poderia fazer do proletariado uma classe revolucionaria
ao conseguir aglutinar em si os interesses descontentes de outras classes. Desse modo, ao seu
redor seria constituído um movimento majoritário na sociedade. Portanto, teoricamente, não se
interdita a tese do proletariado revolucionário, capaz de se tornar força dirigente de uma nação.
“Seja como for, a derrubada do capitalismo prevista no Manifesto não se baseava
na transformação prévia da maioria da população ocupada em proletários, e sim
no pressuposto de que a situação do proletariado na economia capitalista era tal
que, uma vez organizado como movimento necessariamente político, ele poderia
assumir o comando e reunir ao redor de si os descontentes de outras classes e, assim,
adquirir poder político como ‘o movimento independente da imensa maioria, em
proveito da imensa maioria’. Assim, o proletariado haveria de ‘tornar-se a classe
dirigente da nação, [...] tornar-se a própria nação’.” (HOBSBAWM, 2011, p.109)
Entretanto, essa saída teórica para reafirmar o caráter revolucionário do proletariado,
deslocando o problema da sua expansão para sua posição na economia, ainda se vê desafiada pela
realidade empírica contemporânea. É por essa razão que Petras chama atenção para a ruptura
justamente dessa problemática teórica central na análise do Manifesto: a expansão da economia
capitalista não vem gerando efeitos sociais e políticos revolucionários na configuração do
proletariado. Pois, atualmente, a posição na economia dos oprimidos não vem garantindo uma
maior união e consciência de classe do mesmo. Mas, ao contrário, observa-se uma atomização,
reações adversas de solidariedade. E, mais uma vez, chama atenção para a importância de
certas tradições culturais e comunitárias se colocarem em primeiro plano na sua consciência.
Com isso, Petras é levado até a crítica do papel revolucionário do desenvolvimento das forças
produtivas por parte de Marx e Engels na configuração política do proletariado.
“A ruptura profunda entre a análise de Marx e Engels da expansão capitalista e
os efeitos políticos e sociais dela é de vital importância para o momento atual.
Os processos econômicos que eles discutem estão apresentando efeitos opostos:
reação aguda, atomização do trabalho, estímulo à guerra étnica e corrosão de
vastas faixas da produção econômica de toda a América Latina, da África, da
ex- União Soviética e em outros lugares [...]Assim, a centralidade da “tradição”,
da cultura e da comunidade na definição da formação da consciência de classe
é muito anterior à celebração ampla e acrítica de Marx e Engels do potencial
revolucionário do desenvolvimento das forças de produção.” (PETRAS, 2002, p.
245)
Essa negação da constituição revolucionária do proletariado na contemporaneidade pode
levar a um questionamento mais amplo de sua importância histórica para a política em geral. Se
a análise se prender apenas ao momento de sua possível constituição revolucionária, é provável
que se perca a importância do proletariado, já que aquela, historicamente, se mostrou uma
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previsão não confirmada. Por isso, Hobsnawm, deixa de lado esse pressuposto para lembrar
a relevância do proletariado na configuração política de vários partidos. Assim, de modo
intrigante, houve crescimento da política com base no proletariado na Europa democrática, mas
não a queda do capitalismo.
“Como o capitalismo não foi derrubado, preferimos deixar de lado essa previsão.
No entanto, por mais improvável que isso pudesse parecer em 1848, a vida
política da maioria dos países capitalistas da Europa viria a ser transformada
pela ascensão de movimentos políticos organizados que tinham como base
trabalhadores com consciência de classe, quase inexistentes fora da Gra-bretanha,
Partidos operários e socialistas surgiram na maior do mundo’desenvolvido’ da
década de 1880 e tornaram-se partidos de massa em países onde vigorava o direito
de voto democrático pelo qual eles tanto haviam lutado.” (HOBSBAWM, 2011,
p.109)
Desse modo, Hobsbawm se encontra numa situação de crítica intermediária da análise
do Manifesto quanto ao papel político do proletariado. O que estaria equivocada, com base na
história, não seria a importância que o Manifesto atribui ao proletariado clássico na configuração
da base política, mas uma leitura que atribui ao mesmo uma necessária e exclusiva vocação
revolucionária.
“Para resumir, o que deu errado não foi a predição do Manifesto quando ao papel
central dos movimentos políticos baseados na classe operária ( e que ainda, às
vezes, ostentam o nome de classe, com os Partidos Trabalhistas da Grã-Bretanha,
Holanda, Noruega e Australásia). Foi a afirmação de que ‘de todas as classes que
hoje confrontam a burguesia, apenas o proletariado é uma classe verdadeiramente
revolucionaria’, uma classe cujo destino inevitável, implícito na natureza do
desenvolvimento do capitalismo, é derrubar a burguesia.” (HOBSBAWM, 2011,
p.110).
O questionamento do caráter necessariamente revolucionário do proletariado leva
à investigação de suas bases teóricas. Uma delas seria a tese, não exatamente nova, da
pauperização do proletariado, que ao tornarem mais agudas as crises sociais no capitalismo,
desembocariam no abalo da dominação burguesa. A realidade empírica histórica também pode
tornar essa reflexão questionável.
“Até mesmo durante os ‘hungry forties’, o mecanismo que garantiria isso, a
inevitável pauperização dos operários, não era de todo convincente, a não ser
como pressuposto, implausível mesmo então, segundo o qual o capitalismo estava
em sua crise final e prestes a ser imediatamente derrubado.” (HOBSBAWM,
2011, p.110)
Portanto, lembrando o Manifesto, tratar-se-ia de um mecanismo duplo para a queda
inevitável do capitalismo. Incapacidade de a burguesia assegurar a existência social de seu
escravo e, contraditoriamente, necessidade de sustenta-lo ao invés de nutrir-se economicamente
dele.
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“Era um mecanismo duplo. Além do efeito de pauperização sobre o movimento
operário, provava que a burguesia ‘é incapaz de exercer seu domínio porque não
pode mais assegurar a existência de seu escravo em sua escravidão, porque é
obrigada a deixa-lo cair num estado tal que deve nutri-lo em lugar de se fazer
nutrir por ele’. Assim, longe de proporcionar o lucro que alimentava o motor do
capitalismo, o proletariado agora o dissipava” (HOBSBAWM, 2011, p.110)
Outro aspecto que também não contribui para consciência proletária e união política
em torno do mesmo é a precarização da classe média, que sofre com a erosão do empreço
estável e bem remunerado, bem como declínio das políticas de benefícios sociais, como pensão
e saúde. Mesmo diante desse retrocesso, a classe média não tem apresentado uma consciência
de classe comum com condições de precariedade que também se manifestam no proletariado,
o que mina, por sua vez, qualquer tipo de solidariedade e alternativa política comum. Portanto,
não corroborando uma possibilidade do Manifesto, o declínio da classe média não traz união
com o proletariado, nem, portanto, elementos de educação política ao mesmo.
“Nos Estados Unidos, as mudanças nos processos de trabalho não têm apenas
rebaixado a renda e as condições de trabalho dos trabalhadores assalariados, mas
têm, também, afetado significativamente os salários profissionais, dos empregados
e dos técnicos. O declínio da classe média é evidenciado pela erosão do emprego
estável e bem remunerado, dos benefícios da assistência à saúde e a pensão, e pela
emergência de contrato de trabalho temporário entre os profissionais, executivos
e outros. A proletarização da classe média, entretanto, não tem sido acompanhada
por qualquer reconhecimento “subjetivo” das causas e das condições comuns —
há uma ausência de qualquer sentido de solidariedade de classe. As experiências
de classe passadas pesam fortemente na consciência. As políticas de ressentimento
de classe são muito mais fortes do que a identificação com os trabalhadores
assalariados na mesma posição de classe.” (PETRAS, 2002, p. 251)
Petras também traz esse debate para a realidade dos países do chamado terceiro mundo.
Esse processo de ruptura entre desenvolvimento econômico e consciência e união de classe
teria uma existência semelhante, mas mais negativa, nos países que encontram em relação
subordinada na globalização capitalista.
“Igualmente, o desenvolvimento da força de trabalho na selvageria do terceiro
mundo, sob a égide da internacionalização do capital não tem levado a maior
consciência de classe ou a comportamento “civilizado”; ao contrário, tem quebrado
os laços de classe existentes e criado mais diferenças e servidão. A observação das
Zonas de Livre Comércio dissuade daquela noção de Marx e Engels.” (PETRAS,
2002, p. 245)
É justamente essa não atualidade da constituição do sujeito revolucionário derivado do
próprio processo econômico da produção que dificulta a reformulação teórica, por parte dos
marxistas atuais, do processo de superação revolucionária do capitalismo. Os trabalhadores
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atuais estariam na condição de instáveis, temporários e, consequentemente, amedrontados
e subordinados às necessidades de servidão monetária ao capital. Muito diferente da visão
prospectiva vitoriosa e otimista do Manifesto, como classe unida, combativa e questionadora
do capital.
“A falta de um sentido de consciência de classe diretamente relacionado aos
produtores, e não derivado do processo capitalista de produção, é decisiva para
explicar as dificuldades que muitos marxistas têm para criar uma alternativa ao
capitalismo. Ao contrário do que era para Marx e Engels, hoje os capitalistas
não “arregimentam os homens que manejarão as armas” que desferirão o golpe
mortal no próprio capitalismo. Eles criam milhões de trabalhadores temporários,
instáveis, amedrontados, amarrados ao nexo monetário.” (PETRAS, 2002, p. 245)
Essa desconfiguração política do proletariado atual leva a uma revisão das bases teóricas
clássica. Pode-se dizer que chega a ser tão impactante a ponto de fazer com que Hobsbawm
já encontre à época do Manifesto a possibilidade teórica da separação entre desenvolvimento
capitalista e projeção revolucionária do proletariado. O historiador entende que há uma separação
entre visão e conclusão ou, pode-se dizer, entre análise do capitalismo e projeção comunista.
“A visão que tinha o Manifesto do desenvolvimento histórico da ‘sociedade
burguesa’, inclusive a classe operária por ela gerada, não levava necessariamente
à conclusão de que o proletariado derrubaria o capitalismo e, com isso, abriria o
caminho para o desenvolvimento do comunismo, porque a visão e a conclusão
não provinham da mesma análise.” (HOBSBAWM, 2011, p.111)
E como Hobsbawm separa a análise do capitalismo da projeto comunista no Manifesto?
Primeiro, retomando uma discussão filosófica em Marx, anterior ao texto de 48, supondo que
já conteria o proletariado como elemento central, mesmo sem contar, portanto, com uma teoria
do desenvolvimento capitalista.
“O objetivo do comunismo, adotado entes que Marx se tornasse ‘marxista’, não
procedia de uma análise da natureza e do desenvolvimento do capitalismo, mas
de uma discussão filosófica, na realidade, escatológica, sobre a natureza e o
destino do homem. A ideia – fundamental para Marx a partir de então – de que
o proletariado era uma classe que não poderia se libertar sem libertar sociedade
como um todo surgiu como ‘uma dedução filosófica e não como um produto da
observação’. Como disse George Lichtheim, ‘o proletariado faz sua primeira
aparição nos textos de Marx como uma força social necessária para concretizar os
anseios da filosofia alemã’, como Marx a entendia em 1843-44.” (HOBSBAWM,
2011, p.111)
Todavia, em um segundo momento, Hobsnawm promove essa separação, ainda que de
modo parcial, entre desenvolvimento do capitalismo e proletariado revolucionário também no
período do Manifesto. Mesmo reconhecendo que o contexto tornava plausível uma revolução
proletária, Hobsbawm situa essa relação no plano da possibilidade, talvez para se preservar de
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uma conclusão objetiva que nem sempre se confirmou na história, como ele mesmo indicou.
Independentemente disso, a tese contestada é que o capitalismo gera, obrigatoriamente,
um proletariado unicamente revolucionário. Logo, não haveria necessária uma projeção
do proletariado revolucionário deduzida da análise desse desenvolvimento. Mas restaria a
possibilidade.
“Na década de 1840, a conclusão de que a sociedade estava à beira da revolução
não era implausível. Tampouco a predição de que caberia à classe operária,
por mais imatura que fosse, conduzi-la [...] No entanto, a perspectiva de que o
desenvolvimento capitalista geraria um proletariado essencialmente revolucionário
não podia ser deduzida da análise do desenvolvimento capitalista. Trata-se de uma
consequência possível desse desenvolvimento, mas não havia como demonstrar
que fosse a única consequência possível.” (HOBSBAWM, 2011, p.112)
Pode ser que a demonstração da necessária constituição revolucionária do proletariado
mediante o desenvolvimento capitalista seja difícil pela demonstração história. Mas a sua
elaboração teórica à época do Manifesto, não. Tanto que a crítica de Petras parte dela. O mesmo
chega a sugerir a necessidade do marxismo reexamir com rigor crítico o Manifesto nessa mesma
elaboração teórica que explica a transformação dos trabalhadores em classe revolucionária a
partir das transformações levadas a cabo pela burguesia. Nesse sentido, parte do pressuposto de
que seriam falsas afirmações sobre papel revolucionário da burguesia.
“Para tornar-se um marxista no sentido de perceber os objetivos do Manifesto,
deve-se transcender as falsas afirmações de Marx e Engels sobre o “papel
revolucionário” da burguesia. Para se dirigir à ação da classe trabalhadora, a
concepção deles de transformação dos trabalhadores em classe revolucionária
deve ser submetida ao mais severo exame crítico.” (PETRAS, 2002, p. 245)
E o que seriam essas falsas palavras? A transformação contínua operada pela burguesia
nos instrumentos de produção não tem sido revolucionárias a ponto de, por si, produzirem o
efeito contraditório descrito no Manifesto. Ou seja, não teria obrigado o proletariado a confrontar
conjuntamente suas condições de vida diante e e em contraposição ao capital. Contrariamente,
esse processo de declínio da consciência revolucionária não se dá conjuntamente com melhores
condições de trabalho e vida dos trabalhadores, mas com sua deterioração. Portanto, se a
teoria da consciência (social) em Marx, que a concebe fundada sobre determinadas condições
materiais de existência e de suas relações sociais, continua a ser verdadeira, é necessário pensar
sua constituição mediada pelas relações sociais e políticas que moldam a produção.
“Se estava correta a afirmação geral dos autores de que “a consciência dos
homens muda com a mudança das condições materiais de existência, nas relações
e na vida social”, as mudanças tecidas pelo capitalismo têm minado em todos os
aspectos a construção de uma consciência revolucionária. Isto não ocorre porque
as condições de vida e de trabalho tenham melhorado. Ao contrário, elas têm se
deteriorado severamente. A noção de que a burguesia revoluciona a produção por
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meio da competição e, junto com isso, “força” os trabalhadores a confrontar suas
condições e, consequentemente, os reúne, é falsa em todos os pontos. A mudança
mais importante é a difícil revolução da produção, isto é, a transformação das
relações políticas e sociais por todo o mundo para eliminar a possibilidade do
“reconhecimento material dos proletários.” (PETRAS, 2002, p. 246)
Hobsbawm chega a concluir que o caráter essencialmente revolucionário do proletariado,
como agente capaz de derrubar o capitalismo e findar a sociedade de classes, derivaria, antes, de
uma esperança de Marx, do que, necessariamente, de uma análise do capitalismo.
“A visão de Marx de um proletariado cuja própria essência o destinava a emancipar
toda a humanidade e assim pôr fim à sociedade de classes, mediante a derrubada
do capitalismo, representa uma esperança de ele inseriu em sua análise do
capitalismo, mas não uma conclusão imposta por essa análise.” (HOBSBAWM,
2011, p.112)
Para Hobsbawm (2011, p.113), a questão da derrubada do capitalismo, se desloca para
o campo da política. “Na visão marxiana, [...] a atividade política será um elemento essencial
nesse momento.” Desse modo, até como fuga de uma determinação mecânica da economia
difícil de demonstrar, Hobsbawm vê como traço distintivo do Manifesto a história como
práxis humana coletiva. Quando esta se organiza e em se empenha em torno de um projeto de
sociedade, adquirindo uma forma de ser politica, pode agir na transformação revolucionária da
mesma. Assim, o Manifesto, em seu recorte mais político, que vai da organização da classe em
partido até a conquista da democracia, ainda poderia guardar validade atual.
“Na essência do Manifesto está a mudança histórica através da práxis social, através
da ação coletiva. Ele vê o desenvolvimento do proletariado como a ‘organização
dos proletários numa classe e, consequentemente, num partido político’. A
‘tomada do poder político pelo proletariado’ (‘a conquista da democracia’) é ‘o
primeiro passo na revolução dos trabalhadores’, e o futuro da sociedade depende
das ações políticas subsequentes do novo regime (‘como o proletariado usará sua
supremacia política’).” (HOBSBAWM, 2011, p.114)
Essa projeção do caráter revolucionário como possibilidade política, nos termos
do Manifesto, e fugindo da determinação econômica, parece estar vinculada a experiência
fracassada do “socialismo real”.
“Reconhecidamente, a experiência soviética no século XX nos ensinou que
poderia ser melhor não fazer ‘o que deve ser feito’ em condições históricas
que praticamente punham o êxito fora do alcance. Essa lição, contudo, também
poderia ter sido aprendida pelo exame das implicações do Manifesto comunista”.
(HOBSBAWM, 2011, p.114)
Todavia, como se viu, o capitalismo contemporâneo reconfigura a sociedade e Estado
de acordo com a lógica do capital, intensificadas em seus processos de dominação política e
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PAULO EDUARDO PEDRASSOLI
exploração econômica, repondo a necessidade de uma alternativa. Por isso, para, Hobsbawm
(2011, p.115), “muitos anos depois, outro marxista reformulou a ideia, dizendo que seria uma escolha
entre o socialismo e a barbárie. Qual opção há de prevalecer? Essa é uma pergunta que caberá ao século
XXI responder”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises de Hobsbawm e Petras indicam que a realidade histórica e contemporânea provoca
uma necessária reavaliação do Manifesto que, para não se reduzir a puro dogmatismo e repetição,
pressupõe algumas novas considerações sobre a reflexão teórica e política do marxismo clássico,
mesmo tomando-o como referência fundamental. Esse é o paradoxo em que se encontraria o
marxismo na virada do século XX para o XXI, diante das predições e análises do Manifesto.
Se a interpretação dos rumos do desenvolvimento econômico e capitalista e do processo de
dominação política burguesa o confirma e o atualiza, o processo de constituição revolucionária
do proletariado o contesta. A hipótese para apanhar o núcleo dessa paradoxal atualidade reside
na própria problemática clássica presente no Manifesto, responsável por organizar a relação
entre desenvolvimento capitalista e constituição revolucionária do proletariado. Conforme as
contribuições dos dois autores marxistas analisadas nesse trabalho, seria necessário avançar
criticamente em outra direção analítica. Ambos apresentam argumentos e dados que, se
organizados e relacionados, podem contribuir para se pensar, a partir de agora, a necessidade
de superação desse paradoxo. De um lado, Petras faz a constatação crítica da não relação
entre desenvolvimento da produção e proletariado com consciência e organização de classe
revolucionária, mesmo sob uma economia que deteriora as condições de vida e trabalho. De
outro lado, Hobsbawm desloca a constituição da alternativa revolucionária da sua determinação
diretamente econômica para o campo da escolha política, fundada numa dada práxis social que
passa, antes, pela existência dos agentes sociais. No fundo, essas análises também suscitam um
problema político em torno da compreensão da relação entre realidade material e consciência
social. Se aceita-se que existência e consciência estão imbricadas numa sociedade de classes
como a burguesa, o desenvolvimento da produção e, em específico, das forças produtivas,
bem como das crises econômicas, não levam, obrigatoriamente, a uma consciência política
de classe revolucionária do proletariado. Outro caminho há de se constituir. Nessa escolha a
ser feita no século XXI, pelo menos um ponto de partida parece estar se colocando na crítica
marxista: deslocando-se o centro político da transformação social da determinação mecânica
do desenvolvimento da economia e das forças produtivas para ação organizada da classe,
como escolha a ser produzida na sua própria práxis social. Resta saber se esse projeto irá se
desenvolver e se consolidar, não só na teoria marxista, como na prática política consciente das
classes subalternas.
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A ATUALIDADE PARADOXAL DO MANIFESTO COMUNISTA 150 ANOS DEPOIS:
UMA LEITURA DAS CONTRIBUIÇÕES DE ERIC HOBSBAWM E JAMES PETRAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOBSBAWM, E. O Manifesto comunista. In: ______. (Org.). Como mudar o mundo: Marx e
o marxismo, 1840-2011. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2011. p. 98-115
MARX, K. ENGELS, F. Manifesto Comunista. In: COGGIOLA, O. (Org.). Manifesto
Comunista. São Paulo: Ed. Boitempo, 2002. p. 37-69.
PETRAS, J. O Manifesto Comunista? Qual sua relevância hoje. In: COGGIOLA, O. (Org.).
Manifesto Comunista. São Paulo: Ed. Boitempo, 2002. p. 239-254.
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GRUPO DE TRABALHO II
PRÁTICAS RELIGIOSAS CONTEMPORÂNEAS:
AGENTES E REPERTÓRIOS
Coord.: Profª Drª Eva Scheliga
Transformações do campo religioso brasileiro: pensando a partir da família e da comunidade
Carlos Eduardo Machado..........................................................................................................................................................61
A cura pela fé na Renovação Carismática Católica (RCC)
Gleici Kelly Tozzi Würzler ...........................................................................................................................................................75
A modernidade sobre influências das crenças
Samanta Elisa Martinelli............................................................................................................................................................82
TRANSFORMAÇÕES DO CAMPO
RELIGIOSO BRASILEIRO: PENSANDO A
PARTIR DA FAMÍLIA E DA COMUNIDADE
Carlos Eduardo Machado
Graduando em Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista – Unesp/Marília.
Agência financiadora: FAPESP.
Resumo: As transformações do campo religioso brasileiro incidem sobre os demais campos
da vida social, além da esfera pública que passa a experimentar manifestações e contatos
mais plurais, os espaços privados e os núcleos familiares também sentem os impactos deste
movimento. Desta forma, não apenas o campo religioso muda, mas as próprias práticas religiosas
e as relações entre indivíduos de diferentes pertencimentos religiosos são alteradas. Partindo
destas considerações e da literatura especializada, neste estudo apresentamos o resultado da
pesquisa realizada na cidade de Borá, interior do Estado de São Paulo, Brasil. Conhecida como
a menor cidade brasileira em termos populacionais, Borá apresenta características singulares em
sua formação. As relações entre os boraenses ou são parentais ou bastante próximas, as famílias
que primeiro chegaram à região constituíram uma estrutura comunitária com características
católicas presentes até hoje. Com as recentes transformações que atingem o campo social e
econômico, somando ao crescimento das igrejas protestantes no município, Borá fornece um
retrato contemporâneo das mudanças internas do campo religioso brasileiro, e de como as
noções de família e de comunidade estão presentes como mediadoras neste novo contexto.
Palavras-chave: Família; Comunidade; Religião; Borá.
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CARLOS EDUARDO MACHADO
INTRODUÇÃO
Considerando as transformações no campo religioso brasileiro, sobretudo, as mudanças
que geram no interior das famílias e na experiência comunitária, apresento nesse artigo os
resultados da pesquisa realizada entre os anos de 2011 e de 2013, na cidade de Borá, São
Paulo. Reconhecida em 2010 como o menor município brasileiro em termos populacionais
(IBGE, 2010), somando um quantitativo de 805 habitantes, ganhou evidência nos noticiários e
propagandas publicitárias. Longe da ideia evolucionista de explorar o “exótico”, o “primitivo”
ou o “distante”, a escolha de Borá como campo para o desenvolvimento da pesquisa se deve
muito mais pela possibilidade de examinar em um contexto geograficamente delimitado as
relações entre católicos e evangélicos nos espaços públicos e privados.
Borá não é “uma ilha”, nem mesmo corresponde a qualquer quimera “bucólica” que
muitas pessoas possam imaginar (principalmente no que diz respeito a categoria interior, se
referindo ao caipira ou camponês). Na realidade, o que pude constatar é que os boraenses
constroem redes articuladas e complexas de relações dentro e fora da pequena cidade, seus
conflitos entre tradição e modernidade, correspondem aos mesmos conflitos enfrentados por
qualquer habitante de uma metrópole. São, no entanto, as particularidades de seu processo
histórico que levamos em consideração como critério para o lócus da pesquisa.
Neste contexto, onde católicos e evangélicos compartilham os mesmos espaços de
convivência, nosso objetivo foi o de identificar e compreender como, nos diferentes níveis
de interações nos espaços públicos e privados, entre as famílias e no grupo, as imagens de
santos podem revelar processos de transformação das percepções e representações do universo
religioso.
Para isso, utilizamos como material de pesquisa a monografia de Valdirene Marconato
(1997) para compor uma narrativa histórica sobre a formação de Borá. Também utilizamos os
dados fornecidos pelo IBGE a fim de traçar comparativos e problematizações. Na pesquisa
de campo realizamos a aplicação de questionário semiestruturado, utilizamos o método da
observação participante, depoimentos e a descrição etnográfica.
Realizei cerca de vinte e cinco visitas entre 2011 e 2013, dividindo neste período de
pesquisa um ano de trabalho antes do financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo), e dois anos seguidos com o financiamento, o que possibilitou
maiores recursos para o desenvolvimento da mesma. Como em Borá não há hospedarias ou
pensionatos, em todas as visitas precisei retornar à cidade vizinha de Paraguaçu Paulista e
retomar o trabalho no dia seguinte. As conversas informais foram registradas no caderno de
campo, assim como os depoimentos. As fotografias apresentadas no trabalho foram de nosso
próprio registro e compõem o material etnográfico da pesquisa.
Em suma, este artigo busca se inserir na discussão sobre as transformações do campo
religioso brasileiro contemporâneo trazendo uma contribuição original sobre estas mudanças,
partindo do núcleo familiar e comunitário.
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TRANSFORMAÇÕES DO CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO: PENSANDO A PARTIR DA FAMÍLIA E DA COMUNIDADE
BORÁ, SÃO PAULO: CONTEXTUALIZANDO
Borá é vizinha das cidades de Lutécia, Paraguaçu Paulista, Quatá e Quintana, cidades que
compõe um pequeno núcleo no centro-oeste paulista. Com uma unidade territorial de 118, 450
km², localizada a 486 km da capital de São Paulo, sua economia é baseada na produção rural,
contando com setores da agricultura e pecuária. A produção agrícola fornece subsídios para o
desenvolvimento econômico da cidade, com a produção de algodão, amendoim, arroz, aveia,
centeio, cevada, feijão, girassol, mamona, dentre outros. Os entornos de Borá são cercados
por sítios e fazendas onde se desenvolve o plantio destes gêneros. A pecuária desempenha
importante papel, com a criação de bovinos, equinos, bubalinos, muares, suínos, caprinos,
ovinos, galos e frangos, com esta produção os pecuaristas também se valem de ovos, lã, mel e
leite de vaca para complementarem suas demandas.
As primeiras incursões a campo foram pegando caronas na estrada, as margens da rodovia
Richard Rayes que seguem em direção as cidades de Echaporã, Assis e Paraguaçu Paulista,
onde iniciei meu percurso etnográfico. Com o passar do tempo ao adquirir o financiamento
junto a Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP), pude dar continuidade ao trabalho de
campo viajando de ônibus e/ou moto taxi. No entanto, pude perceber que foram nas caronas
com caminhoneiros de passagem pela estrada, ou em ônibus rurais lotados com turmas de
trabalhadores da usina de cana de açúcar da região, ou com moradores de Paraguaçu e de Borá,
que me permitiram ter um primeiro acesso a realidade dos habitantes da cidade.
Ao adentrar em Borá qualquer visitante oriundo de cidades maiores, é capaz de notar as
casas de alvenaria dividindo o espaço de seus muros com as casas de madeira. Em sua maioria
são casas com muros baixos, os portões não possuem cadeados, as roupas são estendidas nos
varais, as portas costumeiramente estão abertas, e por elas é possível ver no interior das casas
os mobiliários, pessoas conversando e uma relativa e aparente tranquilidade pelas ruas.
As ruas principais que cortam Borá dirigem-se para a praça da cidade. Nesta praça está
a Igreja de Santo Antônio, a partir de onde a cidade passou a se desenvolver. A praça e a Igreja
caracterizam um local de extrema importância para a vida social dos boraenses. Durante todo o
trabalho notamos pessoas sentadas conversando ou cruzando a praça para irem a algum lugar. A
praça e o barracão da Igreja são os locais onde a Festa de Santo Antônio é realizada anualmente
e congrega a população.
Ao seu redor está o Paço Municipal (prefeitura), um fundo social de solidariedade, uma
padaria, uma delegacia civil e outra militar, uma agência bancária, um centro comunitário, um
açougue, uma farmácia, uma escola infantil e uma pequena mercearia. Nos entornos da praça
existem casas, e pelo que pude perceber são residências de membros de famílias tradicionais,
mais antigas na cidade. Ainda que se espalhem pelas ruas mais próximas da praça, é uma
localidade que demarca um espaço de tradição e de alguma hierarquia entre as famílias mais
novas e as que estão há muito tempo estabelecidas.
Acompanhei no período de pesquisa de campo a transformação da praça. Quando iniciei
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CARLOS EDUARDO MACHADO
a pesquisa, sua estrutura física era bem diferente do que é hoje. Com uma reforma realizada
pela prefeitura, a praça ganhou luminárias novas, um coreto, e a imagem de Santo Antônio,
que antes figurava num bebedouro de azulejos, tornou-se uma imagem de gesso em tamanho
grande, mais moderna e rejuvenescida.
Além dos derredores da praça, encontra-se um pequeno comércio espalhado por ruas
que dão acesso a praça. Na rua de entrada para a cidade – que é a rua de cima da praça – estão:
o “Mercado do Povo”, uma lotérica, um restaurante, o cemitério, dois bares, um Centro de
Informática com acesso a internet gratuito para a população fornecido pelo Governo do Estado
de São Paulo (parte do programa Acessa São Paulo, que visa à integração à internet) e um posto
de gasolina. Em uma rua paralela a esta descrita e que também vai de encontro à praça, há uma
loja dos Correios, uma pequena butique e o velório municipal. A cidade também conta com uma
base policial em uma de suas extremidades, um terminal rodoviário, onde ficam os ônibus que
se encarregam do transporte da população pelas cidades vizinhas, um estádio municipal (um
grande campo de futebol, com arquibancadas, em que os times regionais marcam seus torneios
e onde o rodeio é realizado anualmente).
No que diz respeito à religiosidade dos boraenses, observei que como nos diferentes
aspectos de suas vidas, estão intimamente relacionados aos laços familiares. Antes de entrar
especificamente no perímetro urbano de Borá, os sítios e fazendas que a cercam foram
batizadas com nome de santos, como por exemplo, Sítio Nossa Senhora da Graça, Fazenda
Nossa Senhora Aparecida, Sítio Santo Antônio e Sítio São José. Em um trecho de seu trabalho
Valdirene Marconato (1997)1 rememora a experiência religiosa de sua infância e do contato
familiar que se desenvolvia nestes sítios:
A igreja onde tive as primeiras instruções em relação a Deus, espera todo ano
pela festa de Santo Antônio, o padroeiro. [...] As ruas mais afastadas oferecem os
horizontes, verdes sítios que deixaram outras saudades. Das estripulias de criança
e broncas das avós, do certo e do errado (MARCONATO, 1997, p. 29).
No trecho citado e em todo o trabalho de Marconato, é possível identificar que o
desenvolvimento da cidade e as biografias de muitos dos habitantes estão relacionados com o
convívio familiar e comunitário. Como, por exemplo, alguns sobrenomes como das famílias
Vedovatti, Bregolato, Leovezete, Marconato e Furniel, são recorrentes nos importantes
momentos de Borá. Desde a abertura das matas para a construção da então “Vila Borá”,
passando pela construção da capela, pelo desenvolvimento do comércio agropecuário, pela sua
emancipação a município em 1964 e suas primeiras eleições, até os dias de hoje, os boraenses
desde crianças estão envoltos em relações consanguíneas ou por laços vicinais.
Na primeira visita que realizei a Borá, ao percorrer as ruas, me deparei com uma casa
de madeira, de portões e muros pequenos, que estava com a porta da sala aberta, onde pude
1 Nascida e criada em Borá, Valdirene Marconato em sua monografia Borá: fragmentos do recanto (1997)
elaborou um livro-reportagem sobre a história da cidade. Coletou entrevistas, verificou arquivos e com
pessoalidade construiu um importante material sobre o desenvolvimento de Borá desde a chegada de seus
primeiros habitantes até o final da década de noventa.
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ver algumas imagens de santos católicos pelas paredes. Resolvi interpelar os moradores da
residência para saber um pouco mais sobre a cidade e questionar sobre a devoção aos santos.
A casa pertence à dona Germina2, 89 anos, descendente direta de uma das famílias
portuguesas que colonizaram a localidade. No momento estava acompanhada de sua filha,
que há anos mora na capital de São Paulo, mas passou parte de sua vida em Borá. Em nossa
conversa, dona Germina contou que viu a cidade nascer. Lembra, ainda hoje, de seus pais e das
demais famílias abrindo as matas, construindo suas casas, dos bailes que eram realizados entre
os jovens, da igreja sendo construída, dentre tantas outras memórias. Como relata Marconato
(1997, p. 7), em entrevista com dona Germina em 1997, os casamentos antigamente eram
realizados entre as famílias que ali conviviam. Membros de uma família casavam-se com os de
outra, assim, quase todos na cidade são parentes próximos ou distantes.
Ao questionar sobre as imagens de santos que possuía em sua sala, me convidou para
entrar e vê-las de perto. Em uma das paredes havia um grande crucifixo de madeira pendurado,
portando cerca de uns 50 cm, o crucifixo estava rodeado de imagens: um quadro de tamanho
grande da Santa Ceia, um anjo de metal, à direita e à esquerda haviam retratos dos pais já
falecidos.
A trajetória pessoal de dona Germina, como de alguns remanescentes diretos das famílias
precursoras está intimamente ligada à história da cidade, pois, como ela mesma disse “ajudou a
arrancar a mata para que a cidade fosse construída”. Devido a este importante vínculo familiar
forjado desde o início da cidade, uma das falas de dona Germina apontou diretamente para o
que mais tarde eu iria compreender com maior exatidão sobre as transformações na cidade de
Borá3. Nas palavras de nossa interlocutora,
Antes a gente conhecia todo mundo que passava pela rua. Agora já não se sabe
mais quem é quem. (Dona Germina, 89 anos, boraense).
O depoimento de dona Germina, assim como as demais falas dos boraenses, podem
ser bem compreendidas como percepções dos habitantes sobre as transformações que passa
a cidade e alteram o conjunto de relações estruturadas por relações comunitárias. Ferdinand
Tonnies (1973) em sua tipologia ideal propõe uma separação entre comunidade (Gemeinschaft)
e sociedade (Gesellschaft). Considerando as comunidades como formas sociais marcadas por
relações pessoais, intenso espírito emocional, e constituída pela cooperação, pelos costumes e
pela religião. Ela é encontrada na família, na aldeia e em pequenas comunidades urbanas.
As sociedades (Gesellschaft), segundo o autor, são típicas de uma organização de grande
escala, como as grandes cidades, o estado ou a nação, que se fundam nas relações impessoais,
nos interesses particulares, no direito e na opinião pública. Para Tonnies a família, a vizinhança
e o grupo de amigos são exemplos de estruturas comunitárias, enquanto a cidade e o estado são
exemplos de estruturas societárias.
2 O nome de dona Germina é citado sem pseudônimo por ser uma referência direta ao trabalho de Marconato.
3 Refiro-me a presença dos trabalhadores migrantes. No início do trabalho, não levei em consideração que
na fala de dona Germina, estava contida a percepção das recentes transformações em Borá. Por mais que
houvesse notado alguns trabalhadores rurais transitando pela cidade, somente nas visitas seguintes soube da
usina de cana de açúcar e do fluxo migratório que sua reativação ocasiona.
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CARLOS EDUARDO MACHADO
Como na maioria das cidades interioranas do Estado de São Paulo, Borá também
conforma o mesmo quadro de estrutura de sociabilidade caipira em sua formação. Antônio
Candido (1975) em seu estudo sobre as condições da vida no campo sustenta que um dos
aspectos fundamentais na constituição da vida rural foram os agrupamentos de famílias, que
em auxilio mútuo organizaram-se e de maneira comunal e desenvolveram os bairros, vilas e
cidades.
Esta é a estrutura fundamental da sociabilidade caipira, consistindo no agrupamento
de algumas ou muitas famílias, mais ou menos vinculadas pelo sentimento de
localidade, pela convivência, pelas práticas de auxilio mútuo e pelas atividades
lúdico-religiosas (CANDIDO, 1975, p. 62).
Segundo Marconato (1997, p. 1-2), em 1918 a família Vedovatti chega ao Bairro do
Cristal, passando pelos rios que cortam a atual Borá para ir até a cidade de Sapezal, onde
se dava a parada do trem da Alta Sorocabana, para comercializar produtos alimentícios. Três
anos mais tarde, em 1921, com a chegada de famílias portuguesas, fizeram de residência os
acampamentos dos engenhos – acampamentos estes que haviam sido utilizados pelas expedições
organizadas pelo Governo do Estado no inicio do século para desbravar as terras do então
“sertão desconhecido” –, localizados na fazenda de Dionísio Zirondi.
Em seguida, outras famílias, desta vez de imigrantes italianos, chegaram e se assentaram
no acampamento. Juntamente com as outras famílias, abriram as primeiras picadas – as atuais
estradas que ligam Borá ao distrito de Sapezal e a cidade de Paraguaçu Paulista. A primeira
medida foi a derrubada da mata para plantio, que automaticamente, também abriria um caminho
maior para as estradas e facilitaria o comércio nas épocas de safra.
Em fins de 1923 e inicio de 1924, essas famílias, todas de orientação religiosa católica,
tomaram por iniciativa construir uma capela para realizar suas orações, missas, batizados dos
filhos, etc. De imediato, foi levantado um cruzeiro de madeira, onde eram realizadas as missas.
Pouco tempo depois as famílias se reuniram para tratarem da escolha de um local adequado
para a edificação da capela. O local escolhido, por fim, foi no sítio de José da Costa Pinto, por
serem terras que estavam no centro das demais propriedades.
Como relata Marconato (1997, p. 4), com tamanha honraria, Costa Pinto doou um alqueire
de terras para a construção da capela. Em mutirão as famílias auxiliaram na sua edificação toda
de madeira. Alguns derrubaram árvores de perobas, outros transportaram as madeiras em carros
de boi, e numa cooperação mútua nasceu a Capela. O santo padroeiro escolhido foi Santo
Antônio, e no mesmo período da construção foi instituída a Vila Borá.
As junções das famílias imigrantes e das demais famílias brasileiras que se encontraram
na região deram origem a um tipo de sociabilidade que pode ser compreendido na síntese de
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1973, p. 3), que devido às grandes transformações pelas quais
passou o Estado de São Paulo desde o final do século XIX, com a entrada de grande massa de
imigrantes europeus e pela coexistência de diferentes grupos no espaço rural, promoveu-se um
tipo de sociabilidade comunal, onde a família e os parentes formavam a base desta estrutura
comunitária.
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Para obtermos um panorama geral sobre o campo religioso em Borá, consultamos o
Censo das Religiões no Brasil (IBGE, 2010), onde os dados apontam para as seguintes pertenças
e declarações religiosas:
Católicos
Evangélicos
Espíritas
Candomblé e Umbanda
Sem religião
68,76%
27,07%
0,0%
0,0%
0,0%
Fonte: IBGE 2010.4
Como podemos ver na tabela a maioria da população se declara como católicos. Este
dado corrobora com a característica geral do país. Mesmo com crescimento evangélico, os
católicos continuam a representar uma parcela grande da população com cerca de 64, 6%. O
crescimento acelerado dos evangélicos a partir de 1991, como aponta o Censo, colocou em
cheque a hegemonia católica.
Em Borá, fica nítido que declarantes católicos e evangélicos são predominantes na
cidade. No caso dos católicos, por serem maioria, configura o quadro histórico da própria
formação e tradição da cidade. Os evangélicos são resultado da inserção das igrejas evangélicas
em Borá desde a década de oitenta. Atualmente estão presentes igrejas protestantes que podem
ser caracterizadas como pentecostais clássicas de primeira e segunda onda, conforme as
tipologias propostas por Paul Freston (1993). São elas: Igreja Assembleia de Deus (Ministério
do Ferreira), Igreja Assembleia de Deus (Ministério de Belém), Igreja Congregação Cristã do
Brasil e Igreja do Evangelho Quadrangular.
Segundo Mariano (2012, p. 23), a Congregação Cristã e a Assembleia de Deus, fundadas
no Brasil respectivamente em 1910 e 1911, sempre apresentaram claras distinções eclesiásticas
e doutrinarias, mas com o passar do tempo, geraram formas e estratégias evangelísticas e de
inserção social bem distintas. No caso da Igreja do Evangelho Quadrangular, presente no país
a partir da década de cinquenta, teve em sua gênese formativa os fragmentos denominais do
pentecostalismo, diversificando seu aparato institucional, e que acabou por atingir suas doutrinas
e derivou suas ênfases proselitistas (idem).
A notoriedade do crescimento dos evangélicos em Borá pode ser notada quando
confrontamos os dados do Censo conforme apresentamos anteriormente com os dados obtidos
em nossa pesquisa. Foram constatados na pesquisa casos de pluralidade religiosa intrafamiliar,
ou seja, famílias que em sua composição encontram-se católicos e evangélicos convivendo sob
o mesmo teto. Também identificamos famílias que se declararam “sem religião” e espíritas,
mesmo não havendo um centro para as reuniões na cidade, acabavam por ir às cidades próximas,
inclusive, estes mesmos declarantes espíritas residem com familiares católicos.
4 http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/temas.php?codmun=350720&idtema=91&search=saopaulo|bora|c
enso-demografico-2010:-resultados-da-amostra-religiao-
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CARLOS EDUARDO MACHADO
Ao aplicarmos um questionário5 semiestruturado em 52 residências para verificar a
composição familiar e as pertenças religiosas, obtivemos os seguintes dados:
Total de Famílias entrevistadas
52
Famílias que se declararam totalmente católicas
31
Famílias que se declararam totalmente evangélicas
4
Famílias que se declararam sem religião
1
Famílias que apresentaram pluralidade religiosa (católicos,
evangélicos, espíritas e de múltiplas pertenças)
16
Fonte: Elaboração própria a partir do material etnográfico da pesquisa
Identificamos um expressivo número de famílias com pluralidade religiosa, isto é,
uma pluralidade religiosa que transpassa o espaço público e adentra o espaço privado da casa.
Embora poucos trabalhos na literatura especializada discutam a questão da pluralidade religiosa
intrafamiliar6, diversos autores ao visualizarem o crescimento dos segmentos protestantes
no Brasil, apontavam para diferentes direções que este crescimento teria e quais seriam os
resultados numa sociedade historicamente formada pelo catolicismo. No que tange a esfera
familiar, partimos do que coloca Pierre Sanchis (2010)7 em entrevista, que diz:
[...] a dimensão do absoluto continua sendo um marcador no campo da religião, e o
encontro generalizado de religiões que conhece o mundo contemporâneo significa
o encontro de absolutos diversos. Quer dizer, com frequência, o confronto de
vários absolutos. O conflito. Sabemos o risco que isto significa em termos de
concórdia familiar e cívica (SANCHIS, 2010).
A dimensão do absoluto, o qual se refere Sanchis, é a qualidade de verdade implicada
em todas as religiões. Ainda mais se tratando das religiões de caráter salvacionista, o absoluto
como verdade caracteriza-se como um importante marcador identitário para os religiosos. Nesse
5 O questionário foi composto pelas seguintes questões: 1) Possui religião? 2) Qual religião? 3) Frequenta
alguma igreja? 4) Quantas pessoas residem na mesma casa? 5) Quais as idades das pessoas que moram na
mesma casa? 6) Todas as pessoas da casa pertencem a mesma religião? 7)Alguém da casa possui algum
santo de devoção? 8) Algum membro da residência possui imagens de santo dentro da casa? Mais adiante
abordaremos com maior clareza como o questionário foi construído, quais foram às prerrogativas para
auferimos tais questionamentos e quais foram os resultados obtidos.
6 As discussões sobre pluralidade religiosa concentram-se nos espaços urbanos metropolitanos (cf.
CAMURÇA, 2003; GIUMBELLI, 2008; MERLO, 2008; NEGRÃO, 2009). Outra perspectiva adotada são
os estudos da pluralidade religiosa dentro do núcleo familiar por meio do viés psicológico (cf. OSORIO,
1996; BRUSGAGIM, 2004). Poucos trabalhos adotam uma perspectiva antropológica para a compressão
deste fenômeno, porém, cabe ressaltar neste quesito os trabalhos realizados por Maria Barbosa (1983), Maria
das Dores do Campo Machado (1996), Edlaine Gomes (2006) e por Silvana Sobreira de Matos (2008).
7 Entrevista concedida à Revista do Instituto Humanitas Unisinos em 16/12/2010.
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sentido, Marcelo Camurça (2009), pondera que no caso brasileiro, o encontro do catolicismo
e das outras religiões em certos espaços, como no espaço privado da casa, não se dão em um
simples processo de assimilação e concórdia, mas são permeados por diversas situações como
conflitos, tensões e enfrentamento. Como coloca o autor:
[...] as fricções e interfaces existentes entre as distintas religiões que convivem
em solo brasileiro obedecem a linhas de forças que as colocam ora em situações
de trocas, interpenetrações e comunicações, ora em situações de diferenciação,
competição e enfrentamento (CAMURÇA, 2009, p. 174).
Este contato ambivalente, onde as religiões travam suas disputas e permitem diferentes
modos de convivência entre seus adeptos, ganham fôlego quando voltamos nosso olhar para o
espaço familiar. Nas palavras de Weber (1982, p. 377), “sempre que as profecias de salvação
criaram comunidades religiosas, a primeira força com a qual entraram em conflito foi o clã
natural”. Todavia, as características singulares de cada grupo elaboram outros meios de conduzir
as relações entre familiares de pertencimentos religiosos diferentes. Descrevo, portanto, uma
das situações narradas por uma de nossas interlocutoras.
Dona Lucia8, 42 anos, separada, católica, dona de um comércio bastante frequentado em
Borá, nos forneceu depoimentos sobre sua relação com sua irmã que se converteu e tornou-se
evangélica, e como em certa vez, vizinhas tentaram levá-la para assistir um culto.
Ao chegar a Borá para um dia de trabalho de campo, parei no comércio de dona Lucia
como de costume9, e logo ela me questionou sobre uma matéria que havia visto na televisão
sobre o crescimento dos evangélicos no país10. Como estava ciente da pesquisa, queria saber
minha opinião sobre o assunto. Iniciamos uma conversa a respeito do tema, e de antemão dona
Lucia disse, “Borá é pequena, mas tem bastante igreja evangélica”.
Em seguida, relatou o caso de sua irmã, que após se converter a uma igreja evangélica
parecia que haviam feito “lavagem cerebral nela”. Disse que a irmã passou a frequentar a igreja
quase todos os dias, até parou de trabalhar para realizar trabalhos da igreja. Depois de sua
conversão quando a irmã a visitava em casa sempre falava para jogar fora as imagens de santos.
Dona Lucia replicava e dizia para “deixar em paz seus santinhos”. Certa vez, ao visitar a irmã,
e como de costume esperava que fosse recebida com um café. Mas, em suas próprias palavras,
...ela não tinha nem café em casa... Eu fui na casa dela e ela falou que o resto de
café que tinha, fez pros irmãos da igreja que tinham ido visitar ela mais cedo.
(Dona Lucia, 42 anos)
Dona Lucia também contou que há algum tempo era vizinha de uma pastora e de uma
irmã frequentadoras de uma das igrejas evangélicas da cidade. Estas, sempre lhe convidavam
8 Utilizamos pseudônimos no lugar do nome real da entrevistada, procurando preservar sua privacidade.
9 Por diversas vezes durante as visitas que realizei a Borá, dona Lucia estava no balcão de seu estabelecimento
com uma Bíblia aberta com um rosário ao meio.
10 O trabalho de campo neste período coincidiu com a divulgação pela mídia do Mapa das Religiões do
Brasil pelo IBGE em 2012.
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CARLOS EDUARDO MACHADO
para ir ao culto, mas dona Lucia sempre alegava que não poderia deixar o comércio sozinho.
Embora, segundo ela, não tinha problemas com as vizinhas, nem mesmo com os evangélicos,
até recebia orações das vizinhas e gostava bastante, acreditando que as orações sempre faziam
bem. Mas num certo dia, apareceram as duas no estabelecimento e disseram “hoje você vai!”.
Seguraram-na pelos braços e a levaram para a igreja. Como todos se conhecem em Borá, ela
disse para um dos clientes tomar conta do comércio enquanto estaria fora. Ao chegarem à
igreja, ao iniciar o culto, dona Lucia disse: “quando elas se ajoelharam pra orar, vi que elas se
distraíram, virei às costas e saí de lá, nunca mais voltei!”.
Ao questioná-la sobre o desfecho de ambas as situações, contou que não discutiu com a
irmã, mesmo não concordando com suas novas atitudes. Ao ver a situação financeira da irmã,
que no momento estava desempregada, comprou cestas básicas para que pudesse se manter. No
caso das vizinhas, disse que “ficaram meio estranhas, mas depois voltaram ao normal, somos
amigas até hoje, só que nunca mais me chamaram pra ir à igreja”.
Estes casos sugerem que em Borá, e para os boraenses, as noções de família e comunidade
interagem e desenvolvem reações distintas das clássicas reações conflituosas existentes nas
diferentes adesões religiosas na esfera familiar (cf. MACHADO, 1996). Em suas relações não
se trata de tolerar o outro por possuir uma vinculação religiosa que se distingue da família ou da
tradição da comunidade, mas o que está em jogo para eles é: quais os mecanismos que estão ao
alcance em cada situação de tensão para serem acessados a fim de negociar às relações, de modo
que cada envolvido saia, ainda que parcialmente, satisfeito com o resultado da negociação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, a maneira como os boraenses experimentam as relações entre parentes e amigos, na
família e na comunidade, apontam para o tipo de cristianismo patrimonial (HERVIEU-LÉGER,
2008, p. 76), onde há uma intensificação emocional do sentimento de pertença comunitária
e também da ideia da possessão de uma herança cultural que estabelece uma separação
radical entre o grupo dos “herdeiros” e “os outros”. Isto é, ainda que a experiência religiosa
se individualize e intensifique seu processo de subjetivação, noções que estão relacionadas
à experiência religiosa coletiva resgatada pelos rituais e pela narrativa histórica, parecem
estar produzindo novas formas de sociabilidade em determinados contextos orientados pelo
cristianismo, ao menos isto está presente no caso empírico estudado.
Desta forma, as noções de família e de comunidade estão intimamente relacionadas
com a experiência religiosa de nossos interlocutores. Seja nos espaços privados ou públicos,
as manifestações de suas identidades religiosas estão inseridas na lógica das próprias relações
na cidade, entre amigos e parentes. O envolvimento emocional que a experiência religiosa na
modernidade possibilita, ganha força nas redes de relações desenvolvidas a partir das noções
de coletividade.
No que diz respeito ao universo religioso podemos listar as igrejas evangélicas presentes
a pouco mais de trinta anos na cidade reconfiguram e dinamizam os pertencimentos religiosos,
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TRANSFORMAÇÕES DO CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO: PENSANDO A PARTIR DA FAMÍLIA E DA COMUNIDADE
do mesmo modo que altera as relações familiares ora gerando tensões, ora produzindo
negociações, sempre em torno do significado de família e de comunidade. Embora os dados
do IBGE (2010) e de nosso estudo comprovem a maioria católica na cidade, o número de
famílias com pluralidade religiosa tende a crescer. O enfoque do discurso proselitista é o tema
da família, indicando que as alterações do campo religioso podem ser melhor sentida dentro
desta instituição social. Contudo, a família não é alvo de um proselitismo de ordem evangélica
apenas, como descrevemos na missa que assistimos em Borá, a pregação era voltada para as
famílias.
Outro aspecto a ser considerado dentro desta transformação do campo religioso são as
próprias práticas religiosas que também mudam. No caso dos católicos que possuem imagens
de santos em casa, com a pluralidade religiosa presente na família passa a alterar suas práticas
devocionais. A imagem de santo que antes figurava na sala precisa ocupar um lugar mais discreto,
menos visível, buscando preservar assim a harmonia familiar. Esta dinâmica de ressignificar
espaços e práticas também estão presentes nos católicos que não convivem diretamente com a
pluralidade religiosa dentro de suas casas. Como as relações entre vizinhos ou são de parentesco
ou bastantes próximas, e o espaço público da cidade conforma um ambiente proximidade,
acabam por experimentar este contato, alterando também suas práticas devocionais.
No que tange as transformações sociais e econômicas de Borá, podemos considerar que
a partir da construção do novo conjunto habitacional o quantitativo populacional da cidade irá
aumentar. Provavelmente no próximo Censo Populacional a cidade não seja a “menor cidade
brasileira”, embora seja difícil estimar um número aproximado, o que podemos sugerir como um
dos principais impulsos para este crescimento seja a presença fixa dos trabalhadores migrantes.
O aumento populacional irá gerar novas mudanças no campo religioso, na configuração familiar
e econômica da cidade.
De modo geral, consideramos que o campo religioso em Borá continuará em
transformação a partir de mudanças derivadas de outras esferas da vida social. Assim, devido às
particularidades históricas na constituição das famílias, a noção de comunidade, de um coletivo,
também passa a ser transformado neste contexto. O atual momento da cidade permite constatar
estes movimentos e dinâmicas no interior das famílias e do próprio campo religioso.
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CARLOS EDUARDO MACHADO
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CARLOS EDUARDO MACHADO
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A CURA PELA FÉ NA RENOVAÇÃO
CARISMÁTICA CATÓLICA (RCC)
Gleici Kelly Tozzi Würzler
Graduando Ciências Sociais / Universidade Estadual de Maringá
Resumo: A Renovação Carismática Católica (RCC) é uma organização pertencente à Igreja
Católica Popular. A RCC surgiu quando houve um enfraquecimento do catolicismo brasileiro
em decorrência da perda significativa de fiéis, passando a representar alternativa para a sua
reversão. A RCC tem sido avaliada como “um novo jeito de ser Igreja”. Considerando a atual
magnitude alcançada pela RCC, o trabalho objetiva analisar os nexos entre fé e cura para doenças
no contexto das práticas rituais da Renovação Carismática Católica (RCC). Mediante enfoque
etnográfico, procuramos compreender as formas de relacionamentos travadas entre os ministros
da cura pertencentes ao chamado Ministério da Cura e Libertação da RCC e os “doentes” que
procuram no campo religioso a solução para seus problemas de saúde. O trabalho de campo para
tal pesquisa privilegia um grupo de oração: Grupo de Oração Raio de luz, situado na cidade de
Maringá- PR. Conclui-se que a eficácia da cura esta na própria crença de sua existência e logo,
existindo a crença, a cura pode consequentemente ser interpretada como efetiva para os fiéis.
Palavras-chave: Cura; Fé; Catolicismo; Renovação Carismática Católica.
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GLEICI KELLY TOZZI WÜRZLER
INTRODUÇÃO:
A RCC, como organização religiosa pertencente à Igreja Católica, tem tido um papel muito
influente na sociedade brasileira, desde que se observa que muitos fiéis têm abandonado a
igreja católica tradicional, indo ao encontro da RCC. A Renovação Carismática, de acordo
com informações disponibilizadas no portal da RCC, site brasileiro, (http://www.rccbrasil.org.
br/portal/), surgiu nos anos 60 nos Estados Unidos, chegando então, ao Brasil nos anos 70.
Segundo informações também encontradas no portal, há em média 3,8 milhões de carismáticos
no território brasileiro, um número que vem crescendo cada vez mais.
Diferente do Catolicismo Popular, a RCC é formada por ministérios, e o ministério abordado
neste trabalho é o da Cura e Libertação, considerado o ministério mais forte dentro da instituição.
Este é formado por ministros e fiéis que buscam a cura para suas doenças e sofrimentos na
religião.
Os ministros através dos rituais específicos da RCC colocam-se, como ponte de ligação
entre o divino e o humano para que a cura se efetive na vida dos que necessitam dela.
Este trabalho também se compromete a analisar o papel da fé nos momentos de tanta
dificuldade, tal como é o caso da doença na vida do individuo. Observa-se que estudos sobre
Renovação Carismática no Brasil, destacando o Ministério de Cura e Libertação são escassos,
fato que justifica nossas reflexões.
Para discutir tais questões, o texto encontra-se dividido em três partes: 1- A Renovação
Carismática Católica; 2- Ministério de Cura e Libertação da RCC; 3- A Cura pela Fé.
A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA
Comentando os dados do IBGE 2010 referente à religião no Brasil, Faustino Teixeira (2012)
observa:
“Os dados que acabam de ser apresentados pelo IBGE com respeito às religiões
brasileiras no Censo Demográfico de 2010 confirmam a situação de progressivo
declínio na declaração de crença católica. Os dados apresentados indicam que a
proporção de católicos caiu de 73,8% registrados no censo de 2000 para 64,6%
nesse último censo, ou seja, uma queda considerável. Trata-se de uma queda que
vem ocorrendo de forma mais impressionante desde o censo de 1980, quando
então a declaração de crença católica registrava o índice de 89,2%.” (TEIXEIRA,
2012).
Reginaldo Prandi, perante esta perda de fiéis da igreja católica diz que:
“A RCC passou a ser vista como um braço muito operante, a estratégia para
defender e reconquistar os territórios perdidos para as religiões pentecostais, afrobrasileiros, orientais, crenças da new age e outras ameaças menores” (PRANDI,
1997, p. 53).
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A CURA PELA FÉ NA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA (RCC)
Carranza (2000, p. 37) nomeia a renovação como “um novo jeito de ser Igreja” Com
este novo jeito de ser Igreja, a RCC proporciona oportunidade para que os fiéis encontrem traços
de outras religiões dentro da própria Igreja Católica, inibindo sua mudança para outra religião.
Conforme Brandão (2044, p. 282):
“É possível ver que as práticas religiosas da RCC assemelham-se com as das
igrejas evangélicas e pentecostais, quando observada de perto, vemos como ela se
abre e se permite diversificar, de modo a oferecer, em seu interior, quase todos os
estilos de crença e de prática da fé existentes também fora do catolicismo”.
A RCC é formada por vários ministérios, porém, o ministério de nosso interesse é o
Ministério de Cura e Libertação, um dos ministérios mais “fortes” dentro deste movimento
religioso. É pelo o fato deste ministério ser tão forte, que será estudado, nos limites deste
trabalho, a questão da Cura e Fé na Renovação Carismática Católica. A seguir tratamos de
abordar este referido Ministério.
MINISTÉRIO DE CURA E LIBERTAÇÃO DA RCC
O Ministério da Cura e Libertação é formado por ministros e os fiéis que são os doentes.
Maués, Santos, Santos (2002) mostra que, é necessário rigorosa preparação para que
uma pessoa venha a se tornar um ministro(a) como, por exemplo: já pertencer por alguns anos a
um Grupo de Oração, participar de seminários que é chamado de “Querigma” que os preparam
para este cargo, ser uma pessoa que tenha sempre contato com o divino, tenha uma vida de
oração com Deus, chegando muitas vezes a realizar jejuns quando realizará o processo de cura
com os fiéis, entre outros preparativos além de, tomar parte de outros rituais que são pessoais,
nos quais o ministro ao realiza-los se sente mais próximo de Deus.
Por ritual entendemos, a partir da perspectiva de Turner (1999), como sendo uma prática
formal, algo que não faz parte da rotina, acontecendo em ocasiões especiais e que se relaciona à
crenças, seres e forças místicas. Desta perspectiva, buscamos analisar como funciona a questão
da cura no contexto da RCC. Para tanto, realizamos trabalho de campo junto a um grupo de
Oração, o grupo Raio de Luz, da cidade de Maringá-PR.
As terças-feiras, às 19:00 horas no Auditório Dona Guilhermina, o Ministério da Cura
e Libertação realiza o atendimento aos fiéis. Durante este atendimento, os ministros sendo
homens e mulheres, jovens e mais velhos, se reúnem para exercerem os seus dons como o de
cura, de visões, de escuta, de aconselhamento, entre outros. Os ministros são vistos como “ um
instrumento de Deus”, assim como me disse uma das ministras sobre o seu papel desenvolvido
dentro do ministério ao exercitar os seus dons.
Por dons carismáticos entende-se de acordo com Borges (http://www.portalcarismatico.
com.br):
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GLEICI KELLY TOZZI WÜRZLER
(...) dividimos os dons em: ordinários e os extraordinários, os ordinários são os de
natureza comum, como por exemplo, o dom musical, aquele que tem facilidade
no relacionamento com a música; e os extraordinários são aqueles citados em 1
Co 12.8-10 – (1) Palavra da Sabedoria; (2) Palavra do Conhecimento; (3) Fé; (4)
Curas; (5) Operação de milagres; (6) Profecia; (7) Discernimento de espíritos;
(8) Variedade de línguas; (9) interpretação de línguas, portanto sobrenatural,
concedidos por Deus através do Espírito Santo. Teologicamente, definiremos
dom partindo de sua origem que se encontra no grego charisma, que significa
“donativo de caráter imaterial, dado de graça”, portanto, os dons são capacidades
sobrenaturais concedidas pelo Espírito Santo com o propósito de edificar a Igreja,
visto que os dons são dados à igreja para a sua própria edificação (1Co 14.12),
levando-a a manter e a desenvolver sua unidade no corpo de Cristo (Ef 4.4-6).
É importante lembrar que o cerne do processo de cura é a fé que o doente deve ter para
que seus problemas por Deus sejam resolvidos, “ Deus não age sem a nossa permissão”, algo
que se é muito ouvido durante os cultos do Grupo de Oração.
Sem a fé, os rituais seriam desnecessários, foi o que uma ministra alegou dizendo que
as orações, os rituais representam demonstração da entrega que o fiel esta fazendo a Deus mas
que, sem fé em Deus, não adianta em nada.
Há diferentes modos de atendimentos que os ministros realizam aos fiéis, tais como: o
fiel se dirige à um ministro e em conversa pessoal com este lhe conta seus problemas e então, o
ministro realiza rituais como leitura da bíblia, orações segurando a mão do doente ou colocando
a sua mão sobre a cabeça do fiel, muitas vezes realizando a glossolalia, que é o dom de línguas
e em alguns casos recebendo visões.
Há também o atendimento que é feito em grupo, que é quando as pessoas contam para os
ministros os seus problemas e vários ministros estendem as suas mãos, geralmente em forma de
circulo onde todos os fiéis, todos os que já conversaram com os ministros, os que já entregaram
seus problemas a Deus ao estarem ao centro deste circulo, recebem todos os rituais que já foram
mencionados à cima pois, independente se os rituais são realizados para muitos fiéis ao mesmo
tempo ou para somente um, eles são realizados de modo semelhante.
Muitas vezes também, quando o grau de enfermidade é muito alto, ao qual a pessoa
debilitada encontra-se sem condições de ir ao Grupo de Oração, os ministros também realizam
visitas às casas, aos hospitais se for o desejo do fiel, realizando os mesmo rituais que são feitos
no Grupo de Oração.
Quando o enfermo se encontra internado na UTI, sendo este um local proibido, de acesso
restrito, os padres, por serem entidades autorizadas a ter acesso a este local, vão junto com os
ministros no momento da visita para que os rituais possam serem realizados com o doente pois,
se os ministros não podem ter acesso a certos lugares, os padres tendo este direito, realiza os
rituais da cura no lugar dos ministros.
A RCC também realiza muitos congressos sejam estes regionais, estaduais ou até
nacionais, onde o Ministério tem realizado seu trabalho de cura para com os fiéis. O Ministério
da Cura e Libertação é um dos maiores motivos para que as pessoas possam procurar por estes
congressos.
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A CURA PELA FÉ NA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA (RCC)
Como o nome diz, para o Grupo de Oração a oração está presente em todos os ministérios
da RCC, sendo que para o Ministério de Cura e Libertação não seria diferente.
Conforme relato de uma ministra, os mesmos não são contra o doente buscar ajuda
médica, ao contrário, veem o médico como um instrumento de Deus mas, as doenças muitas
vezes podem acontecer como consequência a uma doença espiritual. Contou também sobre o
caso de uma mulher que doente, com dores, buscou o médico porém, sem resultados buscou um
Grupo de Oração e seu caso só foi resolvido após uma sessão de “retirada do demônio” de seu
corpo realizada por um padre.
O Ministério da Cura e Libertação, tem crescido mais a cada dia que passa, sendo um
auxílio para a RCC em busca de fiéis. É o Ministério mais ativo dentro da RCC. O Ministério
da Cura e Libertação atua com seus fiéis, os amparando e colocando-se em disposição para
servir como meio de ligação com o divino.
A CURA PELA FÉ
De acordo com Alves (1979), quando o doente não encontra na ciência, na medicina a solução
para seus problemas de saúde, ele procura soluções alternativas para que seus desejos sejam
realizados.
A principal solução alternativa procurada pelos doentes são as Igrejas. É no metafísico
que as pessoas encontram o amparo que a medicina muitas vezes não pode propor a eles.
Estar doente não significa apenas possuir uma doença. Segundo Maués, Santos, Santos
(2002), estar doente para a medicina é quando o corpo não funciona no estado normal; ser
curado é quando o corpo que não respondia mais retoma o estado normal, volta a ser o que era
antes da doença; a cura tende a trazer não apenas a recuperação do estado normal de um corpo
de forma fisiológica, mas, também, a tranquilidade e bem estar do doente.
Perguntado a um doente qual a sensação após ser atendido pelos ministros, o mesmo
informou que ainda que a cura levasse um tempo para chegar, estava tranquilo pois, sabia que
Deus estava no controle e na hora certa o milagre aconteceria.
Conforme Lévi- Strauss (1973), há três elementos fundamentais para a eficácia da cura,
e não há motivos para duvidar disto já que, ela depende da crença, (subjetividade). Os elementos
são: a crença do curador, a crença do doente e a crença do coletivo. Quando o doente deposita
sua fé no ministro, sendo este um representante da imagem de Deus, um ser usado como
veiculo para o milagre, o doente pode obter a cura para a sua doença. A fé surge como sendo
uma “representação psicológica (...) é invocadas para combater perturbações fisiológicas...”
(STRAUSS, 1973, p.221); estas perturbações fisiológicas seriam o estado anormal substituindo
o que era antes, o estado normal.
Entrando em contato e vendo os pedidos realizados pelo fiéis, percebe-se que a busca da
cura não remete apenas à cura física ou de doenças mas, também, a cura para seus problemas
pessoais como os problemas com o cônjuge, com os filhos, a família e também os problemas
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GLEICI KELLY TOZZI WÜRZLER
espirituais já que, para os ministros, esta é a “pior doença”, e junto com isto, os ministros além
de procurar a cura, procuram também realizar um processo de conversão, trazendo de volta
as pessoas que um dia foram afetados pela “força do mal”, causa de tanto sofrimento às suas
vidas.
De acordo com Madruga (2005), a fé está ligada à muitas conexões cerebrais, e que foi
comprovado que orações realizadas com frequência trazem resultados ao corpo como: diminuição
da respiração, dos batimentos cardíacos e também, abaixa a velocidade das ondas cerebrais e
baixam a pressão sanguínea. Grande é a importância para o paciente se os especialistas da saúde
entenderem a questão da fé durante a realização de tratamentos.
Para Paiva (2007, p. 101):
“ do ponto de vista psicológico, na eficácia da religião em promover comportamentos
saudáveis e restringir comportamentos nocivos; na influência da religião nos estilos de vida
pessoal; na integração e apoio, favorecidos pelos atos religiosos sociais; na intensificação dos
sentimentos de auto-estima e de auto-eficácia providos pela religião; no enfrentamento das
situações estressantes num quadro de referência religioso e, possivelmente, nas alterações das
conexões psiconeuroimunológicas ou neuroendócrinas que afetam os sistemas fisiológicos”.
Segundo Guerrero, Pinto, Sawada e Zago (2011) os dados mostram que independente de
religião, muitos são os que procuram auxilio no metafísico para a solução de seus problemas,
e mesmo quando a cura não vem, a fé continua servindo de auxílio para o fim da enfermidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Bourdieu (1987), atualmente esta sendo analisado o fato sobre uma suposta distinção
entre alma e corpo, e o que pode levar também, a uma análise entre a cura de alma e corpo.
O corpo estando ligado à alma logo, os pensamentos, usando neste caso a fé, podem trazer
resultados ao corpo já que, ambos formam uma unidade. Segundo o autor, até os cientistas,
os não religiosos usam discursos normativos em vez de discursos positivos, o que mostra uma
interligação entre o saber científico e o saber religioso.
A fé não pode ser comprovada cientificamente mas, não resta dúvidas de que ela está
fortemente presente em nossa sociedade, e que em muito tem ajudados as pessoas ao passarem
por momentos de dificuldades como é a descoberta de alguma doença.
Como resultados preliminares do estudo ainda em andamento, notamos que como LéviStrauss (1973) afirma, a eficácia da cura está na própria crença de sua existência e logo, se a
crença existe, a cura pode consequentemente ser interpretada como efetiva por parte dos fiéis.
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A CURA PELA FÉ NA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA (RCC)
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03 out 2013
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A MODERNIDADE SOBRE INFLUÊNCIAS DAS CRENÇAS
Samanta Elisa Martinelli
Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Resumo: O artigo examina como em uma sociedade moderna as influências das crenças se
fazem ainda presentes. Fazemos uma analise das idéias formuladas por uma modernidade, que
através do uso da razão e do propósito do progresso, confiou que o fenômeno secular traria
uma menor dependência em relação ao religioso, naquilo que tange as decisões dos indivíduos.
Destacamos o fenômeno de secularização, o processo da laicidade, e os paradoxos existentes na
concepção da separação do moderno em relação ao religioso. Por fim, evidenciamos o quanto
as crenças ainda influenciam a sociedade moderna, porém, agora sobre novas características.
Palavras-chave: Modernidade; Secularização; Laicidade; Religião; Crenças.
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A MODERNIDADE SOBRE INFLUÊNCIAS DAS CRENÇAS
INTRODUÇÃO
A proposta da Modernidade era a de promover um progresso com a ajuda de um novo
fenômeno, chamado secularização. A esperança seria que no âmbito das sociedades modernas,
processos múltiplos ocorreriam, nos quais se verificariam a redução da presença e influência de
organizações e práticas religiosas. Os homens passariam a regerem-se, através do uso da razão,
e não mais por atitudes provenientes do saber elaborado de suas crenças. Acreditou-se por
muito tempo em uma emancipação do homem em relação ao religioso, assim, a aposta moderna
estava firmada no fenômeno de secularização, não havendo mais necessidade de se explicar o
mundo por algo “mágico”, e sim, pela ciência. Porém, a entrada no século XXI demonstra que
o comparecimento do religioso na vida dos homens, esta mais presente do que nunca, mais é
claro, sobre uma nova proposta.
Talvez o uso de alguns conceitos analíticos como; secularização; modernidade; laicidade;
e religião, devam ser melhores analisados, para não se incorrer em erros que destorçam essa
nova realidade do religioso no espaço moderno. Devemos lembrar que os pioneiros da
sociologia européia, se alinharam com ideologias secularizas – da Europa desde o século XIXe compartilharam desses valores seculares. “Os pais da sociologia tomaram a secularização
como ideal societário e, em sua maior parte, como projeto político”. (MARIANO, p. 242).
Assim, através desse ideal, a ciência colocou em voga muitas discussões, que alicerçaram
alguns clássicos da sociologia da religião, como o trabalho weberiano. Através de alguns
desses trabalhos investigamos hoje a modernidade e as influências das crenças. Contudo, é
importante ressaltar que a realidade moderna nos propõe um desafio, o de examinar conceitos
historicamente construídos, dentro de um espaço moderno que a cada dia se transforma.
O QUE A MODERNIDADE BUSCOU?
A modernidade buscou colocar à frente, as ações racionais, para que estas conduzissem o
processo de progresso moderno. No plano das relações sociais, isso significou que os indivíduos
“modernos” deveriam manter seu status social em função da educação, herança e atributos
pessoas que lhe foram atribuídos. Assim, neste novo modelo, o mágico perderia valor, e apenas
por noções científicas o mundo tenderia a ser explicado. Da ciência foi esperado o dizimar
da ignorância gerado pelas crenças tradicionais. Comportamentos irracionais não seriam mais
permitidos nesta nova era moderna.
Sendo assim, observando o que pretenderá e o que realmente se realizou na sociedade
moderna, percebemos que muitas das perspectivas não foram correspondidas. Por mais que a
“racionalidade, no entanto, não deixe de representar a referência que mobiliza as sociedades
modernas” (HERVIEU-LÉGER, 2011, p. 32), e por mais que, o processo secular corrobore para
a efetivação do processo moderno, temos ainda a influência do religioso neste espaço.
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SAMANTA ELISA MARTINELLI
O QUE É A SECULARIZAÇÃO?
A secularização é um fenômeno que corrobora para a perda da influência das instituições
religiosas, e a recomposição sob uma nova forma, das representações religiosas “que permitem
a esta sociedade pensar a si mesma como autônoma” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p37). É na
secularização que o poder de fundar a história, a lei e o sentido dos atos, pertence ao homem.
Contudo a dimensão deste fenômeno é muito maior, como relata Ricardo Mariano:
“O conceito de secularização, por sua vez, recobre processos de múltiplos níveis ou
dimensões, referindo-se a distintos fenômenos sociais e culturais e institucionais
jurídicas e políticas, nos quais se verifica a redução da presença e influência das
organizações, crenças e práticas religiosas” (MARIANO, 2011, p.244)
O secular não deve ser visualizado como algo inerente a modernidade, e sim, como
um fenômeno que contribui para que alguns anseios da sociedade moderna se realizem. A
secularização atua de certa forma como um projeto, onde na sociedade moderna foi utilizado
para efetuar um progresso racional, com emancipação em relação ao religioso. De certa forma,
trabalhou na intenção de uma transformação social. Contudo, no Brasil se consolidou um
secularismo tolerante a religiosidade, não baseado naquela idéia antagônica da separação do
estado e da religião.
Ainda hoje o trabalho da “modernidade” tem sido na tentativa de afirmar a ocorrência da
secularização. Porém, o que se é necessário entender é que o fenômeno secular, não significou
a perca total da religião, e sim, um projeto em que a religião não produz mais satisfação para
explicar o mundo e mover as atitudes individuais.
O MITO DA INCOMPATIBILIDADE ENTRE MODERNIDADE E RELIGIÃO
Pretendemos evidenciar que a noção moderna não necessariamente é aposta a questão religiosa.
Não é por este caminho que devemos interrogar a realidade da modernidade e também do
secularismo. Na citação abaixo, Ricardo Mariano expressa a linha de pensamento de Grave
Davie, sobre a crítica da vertente teórica da secularização que sustenta a incompatibilidade
entre religião e modernidade:
“Davie não questiona que ocorreu a secularização na modernidade, rejeita apenas
a hipótese de que a religião é necessariamente incompatível a modernidade e que,
por isso, esta fadada a extinção”. (MARIANO, 2011, p.240)
Atualmente, o debate científico tem simplificado a noção do “secular”, e ambicionado
a todo custo uma resposta exata sobre a realização ou não da mesma no propósito moderno. É
fato que um projeto secular ocorreu e impulsionou a era moderna, mas isto não significa dizer
que a religião não esta presente no cenário moderno, e pior, que a modernidade e a religião são
incompatíveis. Não é isso que temos notado no presente.
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A MODERNIDADE SOBRE INFLUÊNCIAS DAS CRENÇAS
A realidade tem se demonstrado como cita Danièle Hervieu-Léger:
“a idéia segundo ao qual o desenvolvimento da ciência e da técnica é uma
condição para o progresso e para o desenvolvimento humano e global continua
sendo aí uma idéia central, mesmo no momento em que se tem a crítica das
ilusões do cientificismo e do positivismo. A racionalidade está longe de se impor
uniformemente em todos os registros da vida social e nós, sob muitos aspectos,
somos mais conscientes disso do que nunca” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p.32)
O autor demonstra que apesar do desenvolvimento da racionalidade ter sido efetivo na
sociedade moderna, a mesma tem sofrido um momento de desilusão, por não ter conseguido
alcançar todos os seus propósitos. Neste momento, onde se percebe a perca da aposta total na
racionalidade, é que o apego as crenças aparece. Assim, não necessariamente o moderno se
afasta do religioso, e sim coexistem.
Portanto, devemos ter o cuidado ao analisar alguns conceitos. Atualmente, muitas
pesquisas tomam a religião “a partir de categorias como ‘tradição’ (tomada no sentido de algo
passadista) e superstição” (MARIANO, p. 243), sempre em contraste absoluto com a idéia
de uma suposta secularização, que na maioria dos casos, esta associada “automaticamente
com ‘modernidade’, ‘racionalidade’, ‘ciência’, e ‘progresso’ ”(MARIANO, p. 243). Devemos
estar atentos ao trabalhar com esses conceitos na atual conjectura, para entendermos melhor as
crenças no espaço moderno.
O PROCESSO DE LAICIDADE
A primeira distinção que uma análise minuciosa da questão da laicidade exige, se encontra na
diferenciação ao tratarmos esta como fato histórico ou como conceito. Historicamente sabemos
que o marco em que se adota o conceito de laicidade é o início da república brasileira1, a partir
de então se inicia uma tentativa de fazer da laicidade um modo operante da separação entre
Estado e igrejas. Contudo, na história do Brasil é fato a grande influência que a igreja católica
sempre teve na política, na educação, nas relações sociais, na cultura e em diversas esferas do
cenário brasileiro. Não seria tarefa fácil promover a laicidade em um país que mal conseguiria
estabelecer inteiramente uma república.
Devemos em primeiro lugar tomarmos cuidado para não confundirmos a noção de
laicidade com o conceito de secularização. Para elucidarmos melhor tal questão, recorro às
palavras de Ricardo Mariano:
“A noção de laicidade, de modo sucinto, recobre especificamente a regulação
política, jurídica e institucional das relações entre religião e política, igreja
e Estado em contextos pluralistas. Refere-se, histórica e normativamente, a
emancipação do Estado e do ensino público dos poderes eclesiásticos e de toda
referência e legitimação religiosa, á neutralidade confessional das instituições
1 GIUMBELLI, Emerson. A presença do religioso no espaço público: modalidades do Brasil. Religião &
Sociedade, 2008, p. 81.
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SAMANTA ELISA MARTINELLI
políticas e estatais, á autonomia dos poderes político e religioso, á neutralidade do
Estado em matéria religiosa, à tolerância religiosa e ás liberdades de consciência,
de religião e a de culto”. (MARIANO, 2011, p. 244)
O primeiro questionamento ao se analisar a citação de Ricardo Mariano, esta situada na
questão da educação. É sabido que desde a constituição de 1934, o Estado brasileiro permitiu
e ainda permite que o ensino religioso seja ministrado nas escolas, onde até este momento se
verifica as influências de referências religiosas na educação brasileira.
Outro caso a ser debatido esta na questão da “liberdade de consciência, de religião e a de
culto”. Notamos que na sociedade moderna ainda é transmitido à consciência dos indivíduos, a
noção cristã de religião e moralidade. Na história brasileira, a “liberdade de culto” foi conquistada
pela religião cristã e espírita- esta última fez uso do discurso da caridade para conseguir legitimar
sua fé2. As religiões afro foram e são perseguidas por muitos setores conservadores da sociedade
brasileira, pois estas religiões carregam a imputação de serem responsáveis por práticas de
magias que invocam “o mal”. Durante muito tempo a nação brasileira tratou como crime as
religiões afros, e se evidenciam relatos onde “a polícia e o judiciário reprimiam severamente
os ritos, cultos e práticas afro-brasileiras até os anos de 1940, enquadrando-os como crimes de
feitiçaria, curandeirismo e charlatanismo (MAGGIE, 1986 apud MARIANO, 2001, p. 246).
Outra analise a ser trabalhada, é a que nos faz repensar a laicidade como fato histórico,
e visualizarmos ainda a influência da religião na sociedade civil- através de valores- e no
cenário público. A igreja católica no Brasil sempre atuou materialmente e simbolicamente na
formulação da idéia e das conquistas dos direitos civis. No período pós- ditadura sua força
de influência aparece na “teologia da libertação”. Em períodos mais recentes a igreja ainda
atua como força política da esfera civil em construção. Já os evangélicos não ficaram atrás,
buscaram nos últimos anos nova forma de colocação e atuação no cenário do poder, usando
dos mecanismos midiáticos para expandirem seu domínio e influência. Como coloca Ricardo
Mariano (MARIANO, 2011, p.247), “sua ascensão se consolidaria somente no último quarto
do século, com o progresso da democratização, o acelerado crescimento dos pentecostais e seu
ingresso na teve e na política”.
Por último, trato aqui da questão do judiciário, onde é já fato pesquisado3, que tanto a
instituição do “Direito” quanto suas teorias para formulação de leis, foram emanadas de valores
de uma concepção ocidental de mundo, muito influenciada pelo cristianismo. O debate jurídico
perpassa a noção de moralidade, da dignidade, de justiça, que são embasadas na idéia judaicocristã. Um exemplo disso é o debate estabelecido em pleno século XXI, em relação ao uso de
crucifixos nos espaços jurídicos e educacionais4.
2 GIUMBELLI, Emerson. A presença do religioso no espaço público: modalidades do Brasil. Religião &
Sociedade, 2008, p. 84.
3 RABENHORST, Eduardo. A dignidade do homem e os perigos da pós-humanidade. Verba Juris, ano 4,
n.4, Jane./dez. 2005.
4 GIUMBELLI, Emerson. Crucifixos invisíveis: polêmicas recentes no Brasil sobre símbolos religiosos em
recintos estatais. Anuário Antropológico/2010-I, 2011, p. 77-105.
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A MODERNIDADE SOBRE INFLUÊNCIAS DAS CRENÇAS
Existem hoje novas formas do religioso na política. Casos como a presidência da
comissão de direitos humanos e a bancada evangélica expõe essa realidade. Sem contar nos
inúmeros projetos entre igrejas e estado para área de assistencialismo social. O que trago a tona
são as dificuldades enfrentadas na sociedade brasileira para a efetivação real da laicização- como
processo. Vale destacar que a laicidade detêm sim um sucesso no processo social brasileiro,
contudo, existem muitas lacunas para a realização plena da mesma.
PARADOXO
Primeiramente é preciso dizer que a noção do secular só faz sentido na instituição da
Modernidade. Pois é nessa forma de idealização do progresso- que contesta a forma em que
a instituição religiosa vinha agindo na vida social e privada do indivíduo-, que se almejou
uma suposta separação da religião e do espaço público, da religião e da ciência, da religião
e do homem, e etc. É evidente que esta separação seria praticamente inconcebível. Pois a
modernidade fez dessa racionalidade problemática – onde tudo deve ser explicado pela ciência
e que comportamentos irracionais são inadmissíveis- seu emblema e horizonte. Colocou como
traço uma sociedade que separaria esferas como; política e religião; religião e ciência; dentre
outras. Mas estas esferas possuem um intercâmbio de influências, que como não previsto, hoje
na era moderna, são cada vez maiores.
É claro que devemos registrar as diferenças de sentidos de uma sociedade tradicionalonde um código social é gerado pelo religioso, assim conduzindo as atitudes autônomas dos
indivíduos- da sociedade moderna, onde o indivíduo atribui a si a responsabilidade pelo sentido
de suas ações. O que queremos demonstrar e que “toda sociedade concreta, sempre associa, em
proporções variadas elementos que dependem de um e de outro” (HERVIEU-LÉGER, 2008,
p.32), ou seja, associam o mágico e o racional, o tradicional e o moderno. É esta associação que
deve ser compreendida hoje, para não acharmos que a secularização falhou.
Existe um grande paradoxo na concepção modernidade/religião. A grande dificuldade
de se entender o novo processo atual entre modernidade e religião, ainda reside em uma
interpretação de que estes não podem coexistir. Primeiramente, o fenômeno de secularização,
pelo qual essa suposta separação ocorreria, possui forma de concretizações diferentes de acordo
com as particularidades de cada nação. O fenômeno secular originário do ocidente, não se
realizada por completo e nem da mesma maneira nos países da América Latina. É preciso que
levemos em consideração o fator histórico, busquemos compreender como o fenômeno secular
se relacionou com circunstâncias históricas particularmente brasileiras-como o fato do país ter
sido uma colônia portuguesa muito influenciada em suas decisões pela igreja católica.
Em segundo lugar, o paradoxo da questão “modernidade/religião”, está no fato de que
as bases de formação da sociedade moderna se originam de uma sociedade anteriormente
construída por pilares religiosos. Portanto, a forma de agir da sociedade que se formava a
caminho da modernidade, era composta por um “ethos” judaico-cristão. O trabalho de Daniele
Hervieu-Léger demonstra claramente esta questão:
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SAMANTA ELISA MARTINELLI
“(...) o que está colocado é o problema mais vasto das relações entre os traços
da modernidade e a tradição religiosa ocidental. Esta questão mobilizou diversas
reflexões filosóficas, históricas e sociológicas, que demonstram principalmente
a contribuição do judaísmo e do cristianismo para emergência da noção de
autonomia que caracteriza a modernidade”. (HERVIEU-LÉGER, 2008, p.36)
Portanto, esta grande autonomia dita “moderna” provém da noção de aliança (Berith,
em hebraico), onde o povo escolheria ser fiel ou não a Deus. A aliança só teria sentido através
do ato de aceitação, contudo, a noção de autonomia da história humana, esta ligada a idéia do
livre arbítrio. O que tentamos elucidar é que “o grande paradoxo das sociedades ocidentais está
no fato de que estas extraíram suas representações do mundo e seus princípios de ação, em
parte, de seu próprio campo religioso”. (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 35). Esse “ethos” que foi
estabelecido, conduziu a vida na modernidade e suas discussões.
NOVOS RUMOS
Na sociedade moderna atual não existe indiferença em relação às crenças. Ao contrário, esta
tem se tornado cada vez mais encaixada na vida desses indivíduos racionais autônomos. O que
tem ocorrido na modernidade é uma manifestação daquilo que se denomina de “bricolagem das
crenças”. Este seria um fenômeno que destaca a perca da regulamentação e controle por parte
das grandes igrejas e instituições religiosas, passando os indivíduos a produzirem sua própria
crença, resgatando em cada religião aspectos que mais lhe interessam.
Essa bricolagem evidencia um rompimento entre a crença e as práticas antigas. O indivíduo
passa a construir seu próprio sistema de crença- flexibilidade das crenças5. Portanto, o que
ocorre na modernidade não é a extinção da religiosidade e perca de influência da mesma, e sim,
um desdobramento da crença, que aparece sobre novos aspectos, não mais tão fáceis de serem
compreendidos.
A secularização de certa forma se manifesta na sociedade brasileira através do uso da
ciência, da tecnologia, no pensamento do progresso através dos meios, e da apresentação de um
ser autônomo. Porém, o século XX configurou um cenário de grandes aflições e inseguranças
para a humanidade, com o acontecimento das duas guerras mundiais, com experiências de
economias totalitárias, com as crises econômicas, assim, as promessas de um futuro melhorprometido pela modernidade- foram se tornando questionável. Então, aqueles que agem
por racionalidade hoje, também preferem contar com ajuda da fé- novas representações do
sagrado- para encarar uma era de tantas incertezas. Daniele Hervieu-Leger demonstra bem essa
insegurança moderna em seu comentário:
“A oposição entre contradições do presente e o horizonte do cumprimento do
futuro cria, no coração da modernidade, um espaço de expectativas no qual se
5 HERVIEU- LÉGER, Danièle. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Petrópolis- RJ:
Vozes, 2008, p. 45.
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A MODERNIDADE SOBRE INFLUÊNCIAS DAS CRENÇAS
desenvolvem, conforme o caso, novas formas de religiosidade que permitem
superar essa tensão: novas representações do sagrado ou novas apropriações da
tradição das religiões históricas” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 40)
O indivíduo moderno é aquele que age de acordo com a razão, mas crê-devido às
incertezas do vazio social que a modernidade produz, com as dinâmicas de mudanças rápidas,
que ameaçam a estabilidade do mesmo. Assim, as religiões- viés para se alcançar a crença- se
tornam atrativas. Os sistemas religiosos tradicionais readquirem, em novas formas, um poder
de atração sobre os indivíduos e sobre a sociedade moderna. Dessa forma a modernidade
possibilita uma reação adversa a aquela planejada e esperada, pois permitiu as crenças maior
atratividade e fortalecimento.
É claro que ainda hoje na sociedade existem a influências das religiões tradicionais,
mas também contamos com aqueles indivíduos que não cultuam nenhuma forma religiosa.
Atualmente as crenças “autodefinida” dos fiéis, colocam Deus como uma força superior e
impessoal, “e formulam sua adesão ao cristianismo essencialmente como a aceitação de um
conjunto de valores morais” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p.43)
CONCLUSÃO
Tentamos expor neste trabalho o quanto a modernidade tem sofrido influências das crenças.
Esta conclusão, não revela uma descoberta extraordinária, porém, muitos dos trabalhos
científicos a respeito do tema, tratam ainda a modernidade com bases nos aspectos que essa
pretendia promover. A própria conduta de Peter Berger, “que em 1999, rejeitou sua perspectiva
teórica, afirmando ser falsa a suposição de que vivemos em um mundo secularizado e que
toda a literatura escrita por historiadores e cientistas sociais vagamente chamada teoria da
secularização, esta essencialmente equivocada” (MARIANO, 2011, p. 241), alimenta este tipo
de pensamento equivocado.
Como o fenômeno secular recobre processamentos múltiplos, a secularização influencia
em grande dimensão a sociedade moderna. Atitudes racionais que se utilizam do meio para certos
fins, como suscitada por Max Weber, continuam em voga, evidenciando formas “religiosas
seculares” no atual contexto. Deste modo, devemos compreender que a sociedade moderna não
extingue as formas de crenças, elas somente aparecem sob nova fisionomia.
Em suma, toda a insegurança- criada pelo contexto moderno- acarretou alguns
fenômenos, que fizeram com que as crenças façam parte do cenário moderno. Cita Danièle
Hevieu-Léger:
“De um lado são desqualificadas as grandes explicações religiosas do mundo
pelas quais as pessoas do passado encontravam um sentido global. As instituições
religiosas continuam a perder sua capacidade social e cultural de impor e regular
as crenças e práticas. Os números de seus fiéis diminuem “vêm e vão”, não apenas
em matéria de prescrições morais, mas igualmente em matérias de crenças oficiais.
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De outro lado, esta mesma modernidade secularizada oferece, geradora que é, a
um tempo, de utopia e de opacidade, as condições mais favoráveis à expansão
da crença. Mais a incerteza do porvir é grande, mais a pressão da mudança se
intensifica e mais as crenças proliferam, para uma sociologia da ‘modernidade
religiosa’, é, portanto, tentar compreender conjuntamente o movimento pelo qual
a modernidade continua a minar a credibilidade de todos os sistemas religiosos
e o movimento pelo o qual, ao mesmo tempo, ela faz surgirem novas formas de
crença”. (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 41)
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GRUPO DE TRABALHO III
CULTURA, COTIDIANO E CIDADES
Sessão I – Identidades – Coord.: Prof. Thomás Burneiko Meira
As relações sexuais e a identidade de jovens homossexuais de Maringá
Alessandro Ribeiro Hafemann .................................................................................................................................................92
As performances das identificações: um jogo de fachadas
Clayton Alino da Silva ..............................................................................................................................................................101
Estudos sobre o processo de formação e estruturação do campo específico do basquetebol no
mundo
Felipe Mellini ...............................................................................................................................................................................108
A música como produto da Indústria Cultural e sua presença na sociedade
Rafaela Mano .............................................................................................................................................................................117
Identidades étnicas e globalização: apontamentos teóricos para pensar a situação de indígenas em
contextos urbanos
Samuel Douglas Farias Costa.................................................................................................................................................123
Alimentação e Identidade: desvelando a construção identitária por meio de hábitos alimentares
Stefany Ferreira Feniman ........................................................................................................................................................136
AS RELAÇÕES SEXUAIS E A IDENTIDADE DE
JOVENS HOMOSSEXUAIS DE MARINGÁ
Alessandro Ribeiro Hafemann
Bacharel em Ciências sociais /Universidade Estadual de Maringá
Resumo: Este é um projeto de pesquisa que tem como intuito analisar e compreender a
identidade de homens gays na faixa etária dos 18 aos 25 anos de idade, moradores da cidade
de Maringá. O projeto vai alem de simplesmente compreender a identidade destes jovens
homossexuais, mas concentra-se na busca de um entendimento aprofundado nas relações sociais
em que estes jovens se encontram bem como o entendimento das relações sexuais praticadas no
meio gay, com o intuito de elucidar o estereótipo de que tais relações sexuais estão cominadas
ou não em uma heteronormatividade.
Palavras-chave: Sexualidade; Identidade; Homossexuais.
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AS RELAÇÕES SEXUAIS E A IDENTIDADE DE JOVENS HOMOSSEXUAIS DE MARINGÁ
INTRODUÇÃO
Com o intuito de compreender a identidade dos jovens homossexuais da cidade de Maringá,
uma das consideradas cidades pólos do noroeste do estado do Paraná, partiremos de estudos já
elaborados por autores conceituados na área de estudos de gênero e sexualidade. Primeiramente,
o porquê de termos escolhido a cidade de Maringá está no fato dela ser uma cidade pólo e que
comporta uma considerável população gay assumida, mediante o fato também desta possuir
uma quantidade grande de ambientes reservados para esse publico como bares, casa noturna,
saunas e pontos de encontros públicos.
Desta forma partindo para a fundamentação teórica deste trabalho levamos em conta um
artigo considerado clássico, onde D´Emilio (1983) argumenta que a transição para o capitalismo
industrial no século XIX proporcionou as condições sociais, políticas e econômicas para que a
identidade homossexual emergisse. Dentre as implicações demográficas, sociais e psicológicas
das mudanças que ocorreram nesse período, podemos citar a transformação da família (que
passou de unidade de produção econômica para um local onde se encontra afeto e segurança
emocional), o declínio das taxas de nascimento (visto que a procriação se desconectou do prazer
sexual), urbanização acelerada e uma crescente ênfase no indivíduo e na vida pessoal como o
caminho para a felicidade. Segundo Greenberg (1988), o controle social exercido pela família e
vizinhos nas pequenas cidades tornou-se inviável nos grandes centros urbanos, particularmente
para os homens e mulheres solteiros que emigraram para as cidades em busca de emprego,
sendo a partir deste momento capazes de prover suas necessidades fora de um contexto familiar
heterossexual tradicional.
As condições e demandas do capitalismo também facilitaram o crescimento econômico e
geográfico das comunidades homossexuais no século XX. À medida em que as cidades cresciam,
um número cada vez maior de indivíduos abandonava a família rural para viver nelas. Este
desenvolvimento possibilitou que homossexuais encontrassem outros indivíduos que estavam
organizando suas identidades com base em sua sexualidade. Em suma, o capitalismo permitiu
que desejos e comportamentos sexuais se transformassem em uma base para identidades
distintas, contribuindo, neste sentido, para a formação da identidade homossexual e de
movimentos sociais baseados nesta identidade. No entender de Chasin (2000), os homossexuais
se mobilizaram ao redor de sua identidade sexual porque era na sua sexualidade onde eles se
sentiam mais invalidados.
A princípio, se aceitamos falar em nome de uma identidade homossexual, pressupomos
que a homossexualidade é alguma coisa, uma relação fixa e idêntica entre diferentes pessoas
do mesmo sexo. Desse modo, o termo identidade se refere à sedimentação de significados, de
atributos físicos e culturais, de papéis sexuais, naturalizados a ponto de definir um ser imutável
e essencial, nomeável pelos outros. De fato, pessoas do mesmo sexo desenvolvem infinitas
formas de combinar ato sexual e afeto. Histórica e culturalmente, essas combinações são
alteradas e ressignificadas esvaziando assim uma idéia de identidade.
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ALESSANDRO RIBEIRO HAFEMANN
O que seria, então, identidade? Uma dramática história comum? Uma objetável visão
de mundo, de sentimentos e experiências? O que nos faz presumir que a identidade persiste
através do tempo, auto-identificada como a mesma, unificada e internamente coerente? Em
que medida práticas sexuais regulares, constituição de identidades diacríticas correspondem
a uma coerência interna do sujeito, a um status auto-identificado da pessoa? Em que medida
identidade é um ideal normativo ao invés de um descritivo aspecto da experiência? E como
práticas regulares que governam o sexo também governam noções de identidade culturalmente
inteligíveis? Em outras palavras, a “’coerência’, a ‘continuidade’ da‘pessoa’ não são aspectos
lógicos e analíticos da personalidade, mas, ao contrário, normas de inteligibilidade socialmente
instituídas e mantidas” (BUTLER,1990).
De acordo com Troiden (1985, 1989) a identidade é um rótulo que as pessoas se aplicam
e que representa o seu eu em uma situação social específica. Freqüentemente, a identidade
se refere à inserção em uma categoria social (baseada no gênero, raça, idade ou orientação
sexual, por exemplo) e quando removida da situação social que a ativa esta identidade
relevante pode tornar-se dormente. Assim, a identidade homossexual seria apenas uma de uma
série de identidades incorporadas no auto-conceito de um indivíduo, isto é, a definição que
o sujeito tem de si mesmo. O auto-conceito é entendido por este autor como a totalidade das
identidades, estejam estas ativadas ou dormentes. Além de ser ativada apenas em situações
sociais particulares, a identidade homossexual também pode ser apresentada a outras pessoas
em diversos graus.
Stuart Hall sustenta que as práticas de representação de identidade implicam em
posições de enunciação. Quem fala e a pessoa de quem se fala nunca são idênticos, nunca estão
exatamente no mesmo lugar, ou seja,
A identidade não é tão transparente ou tão sem problemas com nós pensamos.
Ao invés de tomar a identidade por um fato que, uma vez consumado, passa,
em seguida, a ser representado pelas novas práticas culturais, deveríamos pensála, talvez, como uma “produção” que nunca se completa, que está sempre em
processo e é sempre constituída interna e não externamente à representação.
Esta visão problematiza a própria autoridade e a autenticidade que a expressão
“identidade cultural” reivindica como suas (HALL, 1996).
Sendo assim, é preciso termos claro qual posição de enunciação assumimos quando
atribuímos uma identidade homossexual a todas as combinações de sexo e afeto entre pessoas
do mesmo sexo. Caso contrário, esta identidade pode parecer mais natural do que ela realmente
é, pode permitir a definição de padrões biológicos, psicológicos e comportamentais que nem
sempre vão estar de acordo com o que os sujeitos realmente fazem, pensam e dizem fazer. Desta
forma, é preciso que façamos um trabalho de profunda análise de observação e interpretação
das entrevistas que serão feitas com os participantes da pesquisa.
A prática sexual entre pessoas do mesmo sexo ainda é mais identificada através da
combinação entre identidades sociais e sexuais com o sexo biológico e os papéis sexuais dos
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AS RELAÇÕES SEXUAIS E A IDENTIDADE DE JOVENS HOMOSSEXUAIS DE MARINGÁ
sujeitos. Assim, paradoxalmente, sobretudo entre as classes mais baixas, rurais, urbanas ou
semi-urbanas, podemos ter relações homossexuais ou heterossexuais entre pessoas do mesmo
sexo, uma vez que, vulgarmente, acredita-se ser o masculino quem “come”, o feminino
quem “dá”. O maior questionamento desta pesquisa se baseia nessa complexidade dos papeis
heteronormativizados entre os homossexuais onde alguns apresentam-se como masculinos e
outros como femininos.
Daí que se pode afirmar que a categoria identitária homossexual muitas vezes não faz
sentido no contexto brasileiro. Faz muito mais sentido a identidade social e o papel sexual
combinados com o sexo biológico dos sujeitos. Por exemplo, espera-se que aquele que
biologicamente é homem, mas socialmente é visto e se define como “bicha” ou “travesti”
desempenhe o papel sexual “passivo”, seja aquele que “’dá”, logo a “mulher” da relação. Por
outro lado, espera-se que aquele que biologicamente também é homem, e socialmente é visto
como tal e se define como homem desempenhe o papel sexual “ativo”, seja aquele que “come”,
logo o “homem” da relação. Assim, é tolerável que um “homem” (o “bofe”, o “macho”) se
relacione com uma “bicha” desde que socialmente fique assegurado que ele é “ativo” e a “bicha”
“passiva”. Escandaloso é o “homem” ser “comido” pela “bicha” ou “travesti”, ou uma “bicha”,
“travesti” ou “homem” se relacionar com outra “bicha”, outro “travesti” ou outro “homem”.
É claro que, na realidade, esses estereótipos nem sempre são cumpridos, e pelas mais diversas
razões, mas, em todo caso, permanecem e orientam as relações.
É partindo deste ponto de complexidade nas relações homossexuais é que nos
perguntamos se estes estereótipos realmente existem no meio gay? Se as relações sexuais se
dão de acordo como uma heteronormatividade? Como os jovens homossexuais se posicionam
sexualmente diante da sociedade? Será que o posicionamento social é o mesmo posicionamento
na cama? Essas dentre outros questionamentos é que norteamos nossa pesquisa.
É interessante observar, neste sentido, quais os aspectos da “masculinidade” e
“feminilidade” são escolhidos neste jogo com os papéis sexuais. Enquanto as
“mulheres-macho” dão ênfase aos aspectos de força física e uma certa rudeza do
papel masculino, os “homens afeminados” escolhem justamente os aspectos do
papel feminino que ressaltam a delicadeza, o lazer e o luxo. Os dois estereótipos
são o chofer de caminhão, por um lado, e a vamp de Hollywood por outro. As
“mulheres” produzidas pelos travestis nunca são donas-de-casa, por exemplo,
e se aproximam muito mais da figura da prostituta de luxo. Assim, é escolhido
um modelo de “mulher fácil”, de sexualidade solta, que contrasta com o modelo
de “mulher certa”, esposa e mãe. Deste modo, na concepção popular brasileira
da sexualidade estão colocadas diferenças de poder, onde o homem é sempre
socialmente superior à mulher. Esta sexualidade fala mais de “masculinidade” e
de “feminilidade”, de “atividade” e de “passividade”, de quem está por cima e de
quem está por baixo, do que sobre a heterossexualidade ou a homossexualidade,
que são aspectos que entram no esquema sorrateiramente, por assim dizer” (FRY
e MACRAE, 1983).
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Portanto ao analisarmos os homossexuais é possível perceber que algumas vezes a
sua relação com o corpo se diferencia do padrão dominante, indo além da divisão binária dos
sexos, quebrando o padrão exposto por Butler (2003) chamado de gêneros “inteligíveis”. Para a
autora, os gêneros “inteligíveis” são aqueles que “mantêm relações de coerência e continuidade
entre sexo, gênero, prática sexual e desejo”. Cabe ressaltar que essa “coerência” se dá dentro
do padrão heteronormativo, onde um indivíduo do sexo masculino, por exemplo, assume as
características relativas ao gênero masculino, sentindo desejo e praticando sexo com pessoas
do sexo oposto, nesse exemplo, feminino.
Cabe ressaltar que sexo e gênero aparecem como conceitos distintos, podendo atuar em
consonância ou não. Nesse sentido, segundo Butler (2003) temos que o sexo aparece como um
pré-discurso, anterior a cultura enquanto o gênero seria culturalmente construído, ajudandonos a interpretar e entender o pensamento de Simone de Beauvoir ao dizer: “A gente não nasce
mulher, torna-se mulher”. Portanto o sexo, nesse contexto é composto pelo caráter biológico do
indivíduo, enquanto o gênero surge como uma construção social, podendo variar independente
do sexo do individuo, indo além da divisão binária homem/mulher.
No caso dos homossexuais, como dito anteriormente, pode ocorrer uma quebra dessa
relação “coerente” entre sexo e gênero, podendo se dar de diversas formas, variando de acordo
com as suas posturas.
Peter Fry (1982) irá articular esses conceitos numa pesquisa onde procurou criar
modelos de categorias onde os homossexuais masculinos seriam encaixados de acordo com
suas posturas e práticas. Os modelos criados de acordo com perfis detectados em meados do
século XX podem ser analisados e muitas vezes refletem a realidade de muitos indivíduos
atualmente, podendo variar também de acordo com a região.
Para criar esses modelos Fry (1982) utiliza quatro elementos que em muito se
assemelham aos que Butler (2003) cita para definir os gêneros inteligíveis, pois são utilizados
o sexo fisiológico, o papel de gênero (ou simplesmente o gênero), o comportamento sexual e a
orientação sexual. Esses elementos são organizados de forma simples pelo autor, que, diferente
de Butler, nomeia os sexos como sendo compostos pelo macho e pela fêmea.
Para o autor os gêneros são compostos pelo masculino e feminino, pois dependem
do comportamento do individuo e de traços de sua personalidade que estariam associados a
determinado papel. O comportamento sexual é encarado como sendo a forma como o individuo
se comporta em uma relação sexual, variando entre a atividade e a passividade, ou seja,
praticando o ato de penetrar ou de ser penetrado durante a relação sexual, excluindo do modelo
a não prática, ou prática celibatária bem como a possibilidade do individuo exercer os dois
papéis, situação mais comum nos dias atuais. Por último a orientação sexual é definida de
acordo com o objeto de desejo do indivíduo, sendo este do mesmo sexo, o individuo é definido
como homossexual, sendo do sexo oposto é tido como heterossexual e caso sua atração seja
pelos dois sexos o indivíduo é definido como bissexual.
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AS RELAÇÕES SEXUAIS E A IDENTIDADE DE JOVENS HOMOSSEXUAIS DE MARINGÁ
Desta forma é que mantemos o nosso questionamento de como essas relações se dão
no cotidiano dos homossexuais? Queremos entender a identidade assumida pelos jovens
homossexuais de Maringá. Buscaremos definir os papeis que estes jovens apresentam à
sociedade bem como, os papeis que estes mesmos apresentam em suas relações sexuais. A idéia
de que as relações homossexuais são baseadas em uma heteronormatividade onde o ativo é o
macho, o homem, o que “come” e o passivo é a fêmea, a mulher, o que “dá” nos perguntamos
quais são os fatores que levam a estes posicionamentos? De que forma a sociedade influencia
nas relações sexuais? Ou se tal influencia se dá somente no meio social e não na relação sexual
em si?
Sendo assim, a importância deste trabalho se fundamenta na perspectiva de encontrar
elucidações reveladoras a cerca da identidade dos jovens homossexuais da cidade de Maringá,
bem como, fornecer a estes mesmos jovens um trabalho que possa lhes orientar e ao mesmo
tempo lhes responder vários questionamentos a cerca de seu posicionamento dentro da sociedade.
Essa reflexão é de suma importância para nos atermos à problemática que é o desafio
de se tornar homossexual. Com a maioria de seus direitos desrespeitados e outra grande parte
fingidos que estão sendo cumpridos, os homossexuais precisam saber de que lugar eles estão
falando e quais são os discursos produzidos a seu respeito e com isso ter a consciência de quem
se é para o que se quer ser, para a partir daí poder reclamar seus direitos e trilhar um caminho
em que os discursos reproduzidos serão aqueles que o identificarão como seres humanos que
tem que ser respeitados. Está é uma das mais relevantes importância do estudo da identidade,
garantir posição, dar vos e vez para que se possa ser exigido o que já se é de direito. Bem como
nos esclarece Hall:
“Utilizo o termo identidade para significar o ponto de encontro, o ponto de sutura,
entre, por um lado, os discursos e as praticas que tentam nos interpelar, nos falar
ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como sujeitos sociais de
discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades,
que nos constrói como sujeitos dos quais se pode falar (Hall, 2000).
Neste contexto em especial onde há grande resistência de aceitação das identidades
como é o caso dos jovens homossexuais, gerando consequentemente um movimento de
dominação, o que já marca este cenário com conflitos, tensões, confrontos, avanços e recuos,
é preciso entendermos que como efeito negativo do poder machista, não podemos descrevêlos como exclusão, repressão, recalque, censura, marginalização mas sim como produção. O
poder produz, reproduz realidade, produz campos de objetos e rituais da verdade, inclusive,
o conhecimento e o individuo que obtém se origina desta produção de acordo com o que diz
Foucault (1996).
Portanto, a relevância deste trabalho está no poder que este pode contribuir para o
conhecimento de si dos homossexuais assim como, uma produção de autoridade diante da
sociedade como forma de expressão de sua identidade, de seu jeito de ser.
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METODOLOGIA
Em razão da perspectiva de análise adotada na pesquisa, a cerca da compreensão da identidade
dos jovens homossexuais, serão fontes de investigação dados teóricos encontrados na literatura
especifica da área, assim como serão utilizados dados coletados em campo por meio de
entrevistas com alguns jovens homossexuais da cidade de Maringá. Esta cidade foi previamente
determinada por apresentar uma grande visibilidade homossexual de jovens na faixa etária de
18 a 25 anos, sendo portanto um pólo de representação da parcela social estudada.
A observação será de caráter participativo, no qual o pesquisador participa do ambiente
onde estão inseridos os entrevistados. Ambiente este definido por lugares de predominante
visibilidade homossexual como bares e boates GLS da cidade. O observador estará em relação
face a face com seus observados, e, participando com eles em seu ambiente natural de vida,
coleta seus dados. Logo, o observador é parte do contexto, sendo observado, no qual ele ao
mesmo tempo modifica e é modificado por este contexto.
Segundo Margareth Mead (1981), o etnógrafo deve desenvolver uma consciência das
diferenças, a fim de assimilar e de compreender a cultura em estudo. Ele entra na organização,
mas sem modificá-la. Deve aprender os hábitos das pessoas pesquisadas prendendo-se a cada
detalhe, porém, sem interferir nas suas ações. Não se pode esperar, também, que o envolvimento
do etnógrafo com o seu campo de pesquisa o transforme em membro daquela comunidade, pois,
conforme observa Gluckman (1990), as pessoas observadas rejeitam a idéia de que o etnógrafo
seja igual a elas, mas podem aceitá-lo muito bem como um membro diferente das pessoas da
comunidade. A observação participante convive, então, com a contradição do etnógrafo que
pretende ser um participante, mas que tem uma agenda “secreta” de observação, que não quer
interferir no ambiente que está observando, mas é um participante desse ambiente.
O pesquisador deve ter em mente sempre a idéia de que o que parece conhecido nem
sempre é familiar. O pesquisador deve “transformar o exótico em familiar e o familiar em
exótico” (Da Matta, 1978), para não se perder em seus preconceitos. Falar a mesma língua não é
suficiente para considerar determinado campo de pesquisa familiar, já que, além do vocabulário,
pode haver diferenças de significados e de interpretações, que devem ser previamente
considerados e estudados pelo pesquisador.
Como meio de registro de dados será utilizada, nesta pesquisa, a história oral que basease na entrevista como melhor fonte de captação de informação. Primeiramente serão elaboradas
as questões de acordo com o interesse norteador da pesquisa, em seguida estas serão aplicadas a
campo e por fim transcritas e analisadas. Os jovens a serem entrevistados serão homens na faixa
etária de 18 a 25 anos. A quantidade de jovens será determinado de acordo com a disponibilidade
dos mesmos.
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CONCLUSÕES
Levando-se em consideração que este projeto ainda está em andamento, não podemos apresentar
conclusões definitivas, porem, podemos explanar alguns pontos importantes elucidados até este
momento, pois algumas entrevistas já foram realizadas. Um primeiro ponto relevante nesta
pesquisa é a forma como identificamos os entrevistados, buscamos observar em todas as casa
noturnas e bares da cidade voltados para o publico gay a forma como os jovens se apresentam,
percebemos a distinção de alguns grupos: temos o grupo dos meninos tidos como comportados,
discretos, que freqüentam muito pouco os ambientes denominados gay e quando freqüentam
vão sempre em lugares mais elitizados, elitizados no sentido de que selecionam as pessoas de
acordo com a classe econômica e social, não que isto os coloque nestas mesmas classes, muitas
vezes são de classe baixa mas economizam muito para manter um nível de status social elevado.
O segundo grupo é composto pelos gays mais ousados que se apresentam com roupas justas
e extravagantes, cortes de cabelo marcantes, falas mais escancaradas sobre sua sexualidade e
freqüentam ambientes considerados pelos próprios gays como sendo lugares de baixo nível.
Dentro dos dois grupos podemos encontrar variações, ou seja, dentro do grupo dos
discretos podemos encontrar meninos com cortes de cabelo semelhantes ao dos mais ousados,
vestimentas justas e extravagantes, bem como, o contrario.
Toda essa distinção de grupos já era evidente que encontraríamos, portanto, o foco da
nossa pesquisa vai alem dos lugares que estes gays freqüentam, buscamos entender a forma
como estes gays apresentam sua identidade e como essa identidade está relacionada as suas
praticas sexuais.
Algo muito interessante observado é que os gays do primeiro grupo buscam através de
suas posturas exporem uma certa atividade e os do segundo grupo uma passividade, no entanto,
em ambos os grupos existem passivos e ativos.
Sendo assim, percebemos desde já que a forma como os gays se apresentam na
sociedade é intrinsecamente influenciado pelos padrões heteronormativos, que denominam
quem é o “macho” e quem é a “fêmea”, ou seja, o ativo e o passivo no sentido de que o
ativo é supostamente superior ao passivo, dentro do padrão machista de relacionamento onde
o homem é, visivelmente, colocado como superior a mulher. Ainda não entramos em um ponto
da pesquisa que possamos dizer quais vantagens e o que leva estes gays a se postarem dessa
forma, o que podemos dizer é que na pratica sexual estes papeis não são levados ao pé da
letra, pois é permissível dentro dos relacionamentos que o passivo, de aparência e expressão,
seja o penetrador, o que “come” e o ativo de aparência e expressão, seja consequentemente, o
penetrado, o que “dá”.
Constatamos, dessa forma, que de fato existe uma certa exigência da sociedade para
que todos, tanto heteros como homossexuais, se dividam em dois sexos, macho e fêmea, e
que esta divisão seja supostamente visível, porem, na pratica do sexo em si parece ser tudo
permitido como se os gays vivessem uma dupla personalidade, caracterizando, desta forma,
uma identidade vivida porem, oculta.
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AS PERFORMANCES DAS IDENTIFICAÇÕES:
UM JOGO DE FACHADAS
Clayton Alino da Silva
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina
Resumo: Diante à diversidade de informações e significados quais os indivíduos são imersos
desde que nascem nas sociedades pós-modernas e se deparam com suas várias possibilidades
de identificações socioculturais que são fundidas num só corpo, multicultural e hibrido, e que
se mantem em constante transformação na vida cotidiana. Através de suas representações, o
individuo começa a compreender a dramaticidade desses processos culturais e assimila o jogo
comportamental por trás dessas identificações e diferenças entre os indivíduos. Essas diferentes
identificações são partes do conflito social e são inclusas aos processos dramáticos, por suas
características tanto ritualísticas quanto performáticas, que assim como um jogo tem suas
bases nas fachadas representativas e as regras sociais convencionadas; mesmo que de forma
inconsciente; o cambio de máscaras é feito e ritualizado várias vezes num dia e estes sujeitos
pós-modernos se colocam a interpretar personagens variados nos diferentes âmbitos sociais
e relações pessoais, de acordo com as suas necessidades, principalmente nas que sugerem
uma relação diplomática. Assim, o jogo das identificações é também uma função da vida pósmoderna é regrado e dependente de um público, e principalmente, natural e livre. O objetivo
desta pesquisa é compreender os aspectos fundamentais desse jogo de identificações, desde
a construção dos personagens, seus ritos de passagem, até as ações de representação e seus
desdobramentos na interação social. Seus objetivos específicos com cada fachada diferente, e,
porque não, tentar entender as regras do convívio social pós-moderno e suas identificações?
Palavras-chave: Performance; Identificações; Jogos rituais.
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CLAYTON ALINO DA SILVA
INTRODUÇÃO
A condição do mundo pós-moderno culminou socialmente no alargamento das identidades e
diferenças entre os homens por via das transformações culturais e da globalização decorrente
desde o final do século XX. Os seres humanos que antigamente acreditavam ter algo que
expressasse si mesmos como uma essência não cambiável e própria, acabaram por se tornar
híbridos, e vem transformando-se a cada momento, a cada nova relação social e isso é refletido
em suas vidas cotidianas. O estudo das diferentes identificações e identidades sociais se dá aqui
pelo viés da antropologia da performance, concisa à inclusão de rituais e representações num
processo que é intrínseco à essa nova fase da sociedade, onde se muda personagem, máscara,
atuação e outros referentes performáticos a todo momento, sem nem, se quer, dar conta.
As identificações sociais aqui são dadas como jogos performáticos e provenientes de
diversos rituais, inclusos na vida cotidiana. O uso das diversas máscaras e de como vincular
performance a estudos de personificação das personalidades, da simulação e transformação
constantes que ocorrem no cerne social. Portanto, o objetivo dessa pesquisa é apontar que algumas
diferentes identificações e identidades dos sujeitos pós-modernos podem ser interpretadas como
um estudo de performances e de jogo, diante às varias mudança de máscaras e fachadas durante
a vida social e suas várias relações interpessoais.
“Não é provavelmente mero acidente histórico que a palavra “pessoa” em sua
acepção primeira, queira dizer máscara. Mas, antes o reconhecimento do fato de
que todo homem está sempre em todo lugar, mas ou menos conscientemente,
representando, um papel [...] é nesses papeis que nós conhecemos uns aos
outros; é nesses papeis que conhecemos a nós mesmos” (PARK. R. E, 1950 apud
GOFFMAN, E. 1985).
Assim como as afinidades sociais, o jogo se apresenta como a junção de competição,
simulacro e diversão. O jogo é considerado uma das necessidades imediatas da vida e que,
embora caracterizada como lúdico, é um fator determinantemente cultural da vida e que é
essencial para o desenvolvimento e fortalecimento de uma cultura, pela sua capacidade de
fazer trocas de cultura e de produção subjetividades na sociedade, e ainda tão essencial para a
representação do eu público, a um público.
Jogos são afirmativas eloquentes; um sistema de conflitos, regrados com começo, fim,
objetivos e um campo e regras especificas. O jogo é função de vida, detém vários elementos da
vida social e espiritual. É um sistema de ações, criações e repetições além do entretenimento, do
pedagógico e do lúdico. O sistema de regras do jogo impõe o que é natural ou não dentro dele.
Suas regras são arbitrárias, imperativas e inapeláveis. O que faz do jogador a aceitar as regras de
um jogo é a vontade de jogar, ou sua necessidade como, por exemplo, uma forma de ser aceito
num âmbito social restrito sob uma ideologia.
A brincadeira do “faz de conta” se dá como um jogo mais livre e habitualmente
com o uso da imaginação. Esse jogo possui regras brandas ou quase nulas e sem um tipo de
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AS PERFORMANCES DAS IDENTIFICAÇÕES: UM JOGO DE FACHADAS
punição previamente estipulado quando são subvertidas. Esse jogo começa com a criação do
personagem e de como será feita a sua interpretação, sua performance. Também se cria o campo
de jogo, e durante aquele momento, o que não condiz com o jogo, o mata. No “faz de conta”
não há espaço para abstração, pois a fantasia que nele é criada da transformação da vida real,
interrompendo por algumas horas o espaço-tempo cotidiano. A brincadeira é dada numa outra
dimensão espacial, somente delimitada por suas regras, ou com o fim do jogo.
Principalmente em jogos que usam da imaginação é importante o uso das fachadas,
um elemento da performance teatral que nos jogos podem aparecer como brinquedos ou outro
tipo de objetos que, durante o momento do jogo, significam o que os jogadores querem que
signifique que, juntamente aos jogadores, também passam por um processo ritual quando o jogo
começa, um processo transformador que só acaba no fim da brincadeira. Fachadas são parte
do desempenho dos jogadores, funcionam para definir uma ideia fixa e geral na representação.
Conceituando a ideia de jogo, ela oferece, então, um conteúdo indispensável em qualquer
sociedade. O jogo dramatiza a vida social, demonstra comportamentos restaurados - repetições
que decorrem do cotidiano, isso é, a repetição do jogo é que ensina como ele é jogado. No jogo
se pode ser quem o jogador-ator quiser interpretar. O jogo dá o espaço para que os jogadores
experimentem por tempo delimitado o que é tabu, o impossível e o criticado numa espécie de
segunda realidade que é criada no jogo. As transformações temporárias que o jogo cria liberta
as pessoas a expressarem se como se fossem outra pessoa, através dos ritos passagem.
Ritos de passagem são partes de um ritual do cambio de status de uma pessoa em
sua vida social, como o casamento, o nascimento ou a primeira menstruação de uma jovem.
Passamos uma grande parte do dia por rituais cotidianos, sejam eles religiosos, ou ritos de vida
diária, profissionais, mudanças de papeis sociais, políticos e etc. Os rituais mais notáveis são
comumente ligados à religiões primitivas, mas todo nós e até animais fazemos regularmente
nossos próprios rituais. Os rituais seculares, diferente dos sagrados, são executados de forma
sutil e fora de um cerimonial, os indivíduos já estão tão adaptados que não mais conseguem
notar a sua realização. Como o ir a uma festa, reuniões de trabalho, momentos de higienização.
Os rituais podem ser entendidos, segundo Gennep, por quatro perspectivas: A) sua
estrutura espacial, quem os realiza e como são realizados. B) Funções de sua realização por
grupos, culturas ou indivíduos. C) A dinâmica que são conduzidas as mudanças, e D) como é a
experiência do ritual.
Essas ações são performizadas, isto é, comunica e expressa padrões conhecidos de
comportamento e ideias, além de as incorporarem.
Aqui então assimilo o jogo do faz de conta à transformação ritual que o jogador-ator é
passado no processo de criação e interpretação do personagem; uma transição entre o mundo
real e o imaginário, de forma simbólica e que transaciona pela unidade do liminar, o não ser uma
coisa, tampouco outra, mas ambas. O jogador durante o ritual não é si mesmo, mas também não
é o personagem que está sendo interpretado, mas ao mesmo tempo, ele é os dois.
Imaginar-se em outro mundo, ou uma pessoa é tão presente na sociedade durante a
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CLAYTON ALINO DA SILVA
história da humanidade que facilmente se encontra exemplos: crianças fingindo serem
professores, profissionais que usam do mimetismo e as diversas fantasias sexuais. Nesse jogo
sócio dramático de interpretação e significados é necessário o uso de elementos da performance,
nesse jogo de interações em que além da atuação do ator-jogador é importante a atuação do
público participante, que eles também compartilhe dos significados e sensações dessa atividade.
É dado aqui então a problematização dessa pesquisa, há no jogo então a característica
que transforma a identificação, a fachada de uma pessoa por um determinado período; será que
no dia-a-dia não passamos por jogos em que nossas identificações cambiam de acordo com o
espaço social que convivemos? Será que mudamos nosso comportamento, nossa interpretação
de nós mesmo dependente das pessoas com quem estamos em convívio naquele certo momento?
Não usamos disso com uma finalidade, e de acordo com um regramento substancial?
A antropologia da performance surge também na pós modernidade, e que busca a
compreensão das dimensões de uma nova dinâmica social conflituosa. É da exibição, do que
é mostrado sendo feito, que são feitos os estudos performáticos, tão quanto também é feito no
teatro. A busca pelo entendimento do papel do ator, da plateia e de outros elementos dramáticos
é o esforço reflexivo desta ciência social. Performances marcam identidades e contam estórias
e determinam o comportamento cultural, os papeis sociais a serem interpretados no cotidiano.
A performance se difere diante das hierarquias existentes, que cria durante o arrebatamento –
não ser uma ou outra coisa, mas ao mesmo tempo ambas – uma nova forma de organização,
contraditória à estrutura já existente. As máscaras, esses papeis sociais que são adquiridos
conforme o individuo ache necessário e como o ambiente propicia. Assim como no teatro a
base da performance social também necessita de treino e prática para melhor interpretação: As
performances são dadas através de comportamentos restaurados, já vivenciados e que interferem
tanto na atuação quanto no resultado proveniente da ação.
Aqui então se enaltece o entendimento do homem contemporâneo, que está sempre em
busca de uma nova forma de se identificar com a sociedade em que vive. Várias transformações
culturais ocorreram na modernidade e têm seus reflexos facilmente notados nas identidades
culturais pós-modernas, que são nômades, híbridas e não permanentes ou compostas de uma
essência, como era visto pelas diversas ciências nas outras concepções de homem e sujeito pela
história.
O sujeito pós-moderno é condicionado e fragmentado pela diversidade de culturas que
lhe dão informações e signos constantemente e que o obriga a seguir por várias identidades e
personagens no cotidiano, sempre de forma provisória. Para pensar numa realidade social, como
esta, não deve esquecer-se do contexto social histórico que vem sendo produzido desde o final
do século XX e que vem transformando as sociedades modernas e as suas paisagens culturais,
fendendo os sujeitos sociais e introduzindo novos sistemas simbólicos, por consequência,
principalmente, do processo de Globalização que gerou uma perene crise de identificações que
alavancou o processo de multiculturalização criando misturas e inovações nas culturas e nas
identidades já conhecidas.
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AS PERFORMANCES DAS IDENTIFICAÇÕES: UM JOGO DE FACHADAS
A identidade pós-moderna é formada e transformada constantemente pelas formas em
que os indivíduos se apresentam, interpretam e representam na vida cotidiana. O processo da
interpretação das identificações se dá através de uma falta de identidade única, sobretudo, pelo
sentimento de não pertencimento do individuo ao mundo social e cultural em que vive, diante
de um processo volátil da sociedade e de globalização que emanam numa crise de identidade.
O indivíduo já nasce em contato com o exterior da sua civilização, globalizado e que vive num
período de diversidade cultural do mundo, que está sempre em processo de formação, ocaso
e transformação, contrário ao modelo de homem que se identificava com a sociedade em que
vivia como um ser pleno e possuidor de uma essência que o identificaria com o interior da sua
sociedade, como é a descrição do sujeito cartesiano.
As representações sociais têm um importante papel na formação de identificações
sociais pela dramaticidade desses processos culturais, que assim como um jogo é um modo
comportamental; a representação se dá pelas práticas de significação do cotidiano e nas
identidades multifacetadas, conscientemente ou não, dos sujeitos. É por meio dos significados
que a representação é pautada, seguindo um teatro, uma fantasia, uma simbologia que torna
possível o que o que o sujeito deseja se tornar, por aquele espaço curto de tempo.
Outro aspecto aqui muito importante é como essas identificações são representadas,
como é feito o mostrar-se dos diferentes personagens que um indivíduo interpreta. Qual dos
personagens deve ser representado em certo momento? E, como se sabe quando o personagem
deve ser cambiado para outro? Como são dadas as interpretações dessas Performances? Quem é
o público alvo, para quem elas são interpretadas? Quantas máscaras, em média, representamos
em um dia? Existem rituais que marcam as mudanças de identificações? Como é dada a relação
de aceitação pelo público dessas identidades atuadas? A busca por certos jogos se dá para
satisfazer a interpretação de uma das identidades? Dá-se, essa busca, para a melhor interpretação
do ator a uma identidade? Ou, em certos casos, para interpretar um personagem que não está
disponível no cotidiano?
Performances marcam identidades; pela arte, rituais ou pelo próprio cotidiano porventura,
são comportamentos restaurados de experiências anteriores e ações que são aprendidas/ensaiadas
nas diversas práticas culturais. As performances de identidade do cotidiano são dadas pelo fluxo
de representações que trocamos conforme se muda o tipo de relação que é dada a cada momento
– a máscara profissional não é usada no momento de ludicidade e esta não é adequada para
ser usada em um evento religioso. As representações são então performances coletivas diante
das várias máscaras usadas por todos os atores sociais, que descendem das identidades desses
sujeitos e que mudam conscientemente ou não. Como uma brincadeira de interpretação, o faz
de conta se torna faz de um jogo das relações sociais, tendo o personagem assim o molde que o
ator precisa que ele tenha numa determinada ocasião.
(...) no palco um ator se apresenta sob a máscara de um personagem para
personagens projetados por outros atores. A plateia constitui um terceiro elemento
da correlação. Elemento que é essencial, e que, entretanto, se a representação
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fosse real, não estaria lá. Na vida real, os três elementos ficam reduzidos a
dois: o papel que um indivíduo desempenha é talhado de acordo com os papéis
desempenhados pelos outros presentes e, ainda, esses outros também constituem
a plateia (GOFFMAN, 1999, p. 9).
De acordo com os personagens em ação, o ator tem de manter a máxima descrição e
espontaneidade para a manutenção desse caricato, da aparência do que é interpretado por ele
e que é parte essencial do seu ser social, o que faz ser pressuposto pelos outros como algo
particular e essencial de si. Usando de elementos da performance, como a fachada e o fluxo,
é importante passar uma imagem, um discurso que colabora com a demonstração consistente
do personagem, que confirme sua comunicação durante a interação social do evento em
acontecimento, o personagem é predefinido pelo ator social antes da realização da performance,
é dotado de um valor social em meio ao grupo que servirá de espectadores de sua performance,
tão quanto compartilharão o valor simbólico próprio dessa fachada, ainda mais o atorpersonagem que terá sensações de sua atuação, como orgulho e honra ou sentimentos negativos
dependendo do nível de satisfação sua e do seu publico sobre a interpretação de sua fachada.
Há toda uma intencionalidade para que hajam performances de fazer acreditar, que mantem um
limite marcado entre o artista, seu mundo e a sua realidade; e também performances que buscar
fazer de conta, que por ventura, apagam ou ignoram esse limite.
Há todo um processo para a criação do personagem que vai ser performado, pequenas
formas de rituais, mesmo inconscientes, exatamente como em um jogo, na elaboração do
seu campo, regras e personagens. A fachada do personagem de um ator se interage com as
fachadas dos outros atores numa interação social, tendo os sentimentos de todas essas fachadas
expressas juntas nessas interpretações dos seus diversos ‘eus’, conforme o fluxo corrente
em devido momento – uma relação de interdependência com a interação social; é um jogo
interpretativo durante a vida corrente, fora do ambiente lúdico e que há algo a perder quando
uma personificação é má interpretada.
Todos os atores-personagens buscam assim manter as suas fachadas realizando ações
que as protejam, mesmo que inconscientemente. Manter a fachada é uma ordem ritual do
cotidiano, a perda de uma fachada é seguida de uma retaliação do personagem representado,
um feito contra os sentimentos do ator
e toda a credibilidade do papel atuado. Então o
indivíduo é forçado a entregar sua autoimagem, criada socialmente através da sua fachada, à
diplomacia que, para Goffman, se trata da forma conceitual do que é uma relação social.
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AS PERFORMANCES DAS IDENTIFICAÇÕES: UM JOGO DE FACHADAS
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ESTUDOS SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO
E ESTRUTURAÇÃO DO CAMPO ESPECÍFICO DO
BASQUETEBOL NO MUNDO
Felipe Mellini
Universidade Estadual de Marigá
Resumo: O presente trabalho objetiva o estudo acerca do processo de formação e estruturação
do basquetebol no Brasil e no mundo, tendo como prisma analítico a Teoria dos Campos
do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Para tal, buscar-se-á compressão de como ocorreu a
passagem da modalidade, de apenas uma forma de atividade física, para um desporto voltado a
lógica do esporte-espetáculo a partir da estruturação do campo específico do esporte.
Palavras-chave: Basquetebol; Esporte e Sociedade; Esporte e Modernidade.
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ESTUDOS SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DO CAMPO ESPECÍFICO DO BASQUETEBOL NO MUNDO
DISCUSSÃO
Durante o rigoroso inverno de 1891, nascia na cidade estadunidense de Springfield, no estado
de Massachussets, uma forma de atividade física que consistia basicamente em lançar uma
esfera forjada a partir da câmara de ar de uma bola de futebol dentro de um cesto de colher
pêssegos fixado a 3,05 metros do chão. Era o início do basquetebol, concebido pelo canadense
James Naismith, formado em teologia e professor de educação física da tradicional Associação
Cristã de Moços (YMCA).
As condições para o surgimento da modalidade decorreram da necessidade do diretor da
entidade, Dr. Luther Halsey Gullick, em proporcionar para seus alunos, durante o inverno, uma
atividade física alternativa ao futebol americano e que ao mesmo tempo em que fosse dinâmica
e motivante pudesse ser praticada em ambientes fechados. Para resolver essa equação, Gullick
resolveu incumbir Naismith, que lecionara futebol e ginástica durante seis anos na McGill
University of Monstreal, de criar um jogo com essas características.
Naismith, após aplicar um curso de ginástica utilizando o método sueco na Universidade
de Vinegrad junto com o Barão Nills Posse, vislumbrou a necessidade de criar um jogo atraente,
que pudesse ser praticado por um grande número de alunos, fácil de aprender, sem a violência
típica do futebol americano e que fosse adaptável a qualquer espaço (DAIUTO, 1991).
Entretanto, apesar de constadas as necessidades empíricas de criar um novo jogo, a
formulação do que viria a ser o basquetebol surgiu de uma aparente banalidade cotidiana.
Naismith, após incessantes tentativas de esboçar, no papel, um jogo que fosse novo e original, se
viu atirando os rascunhos, em formato de bolinhas de papel, em um cesto de lixo. Partindo dessa
ideia e baseando-se em estudos sobre os demais esportes, Naismith criou uma atividade física
que envolvia cinco princípios básicos: o jogo seria praticado com uma bola esférica e grande;
o jogador não poderia correr com a bola; a bola deveria ser passada somente com as mãos; não
poderia haver contato corporal; e o alvo seria colocado de forma horizontal (DAIUTO, 1991;
OLIVEIRA, 2012).
A partir daí, Naismith começou a dar vida ao novo jogo conforme o que dispunha de
material ao seu redor. Para lançar a bola (adaptada com a câmara de ar de uma bola de futebol
que permitia ser quicada no solo), ele resolveu improvisar colocando duas cestas vazias de
colher pêssego de 0,381 metros de diâmetro e profundidade em lados opostos numa altura de
3,05 metros. Daí surgiu o nome do jogo, basketball (bola ao cesto em inglês).
A primeira partida de basquetebol foi realizada no dia 21 de dezembro de 1891, sendo
jogado por 18 alunos do curso de secretários da YMCA, divididos em duas equipes (A e B)
com nove integrantes cada. A partida terminou com o placar de 1x0 a favor da equipe A e
foi marcada por muitas faltas (que eram punidas colocando o infrator na linha lateral até que
próxima cesta fosse convertida).
No ano seguinte, foram criadas por Naismith as primeiras regras oficiais da modalidade
contendo 13 itens dispostos a seguir:
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FELIPE MELLINI
I – A bola pode ser arremessada em qualquer direção com uma ou com ambas as
mãos; II – A bola pode ser tapeada para qualquer direção com uma ou com ambas
as mãos (nunca usando os punhos); III – Um jogador não pode correr com a bola.
O jogador deve arremessá-la do ponte onde pegá-la. Exceção será feita ao jogador
que receba a bola quando estiver correndo a uma boa velocidade; IV – A bola deve
ser segura nas mãos ou entre as mãos. Os braços ou corpo não podem ser usados
para tal propósito; V – Não será permitido sob hipótese alguma puxar, empurrar,
segurar ou derrubar um adversário. A primeira infração desta regra contará como
uma falta, a segunda desqualificará o jogador até que nova cesta seja convertida
e, se houver intenção evidente de machucar o jogador pelo resto do jogo, não
será permitida a substituição do infrator; VI – Uma falta consiste em bater na
bola com o punho ou numa violação das regras 3, 4 e 5; VII – Se um dos lados
fizer três faltas consecutivas, será marcado um ponto a mais para o adversário
(consecutivo significa sem que o adversário faça falta neste intervalo entre faltas);
VIII – Um ponto é marcado quanto à bola é arremessada ou tapeada para dentro
da cesta e lá permanece, não sendo permitido que nenhum defensor toque na
cesta. Se a bola estiver na borda e um adversário move a cesta, o ponto será
marcado para o lado que arremessou; IV – Quando a bola sai da quadra, deve ser
jogada de volta à quadra pelo jogador que primeiro a tocou. Em caso de disputa,
o fiscal deve jogá-la diretamente de volta à quadra. O arremesso da bola de volta
à quadra é permitido do tempo máximo de 5 segundos. Se demorar mais do que
isto, a bola passará para o adversário, Se algum dos lados insistirem em retardar
o jogo, o fiscal poderá marcar uma falta contra ele; X – O fiscal deve ser o juiz
dos jogadores e deverá observar as faltas e avisar ao árbitro quando três faltas
consecutivas forem marcadas. Ele deve ter o poder de desqualificar jogadores, de
acordo com a regra 5; XI – O árbitro deve ser o juiz da bola e deve decidir quando
a bola está em jogo, a que lado pertence sua posse e deve controlar o tempo. Deve
decidir quando um ponto foi marcado e controlar os pontos já marcados, além
dos poderes normalmente utilizados por um árbitro; XII – O tempo de jogo deve
ser de dois meio-tempos de 15 minutos cada, com 5 minutos de descanso entre
eles; XIII – A equipe que marcar mais pontos dentro deste tempo será declarada
vencedora. Em caso de empate, o jogo pode, mediante acordo entre os capitães,
ser continuado até que outro ponto seja marcado (CBB, 2013).
Ainda em 1892 – mais especificamente no dia 11 de março daquele ano – foi disputada
a primeira partida oficial da modalidade, realizada no ginásio Armory Hill e onde os alunos
venceram os professores por 5x1 na presença de aproximadamente duzentas pessoas.
Entretanto, o ano de 1892 foi marcado também por uma série de circunstâncias em que é
possível apontar o início da passagem do basquetebol, que era até então apenas uma alternativa
de atividade física, para um crescente processo de profissionalização e mercantilização da
modalidade. Digo isso pois, além da delimitação das regras oficiais do esporte, foi neste ano
que a primeira bola oficial de basquete foi produzida pela A. C. Spalding & Brothers, empresa
que nos dias atuais é responsável por comercializar bolas e outros materiais esportivos para
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ESTUDOS SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DO CAMPO ESPECÍFICO DO BASQUETEBOL NO MUNDO
a NBA, NBB e as principais ligas de basquete do planeta. No mesmo ano começaram a ser
comercializadas também as primeiras cestas oficiais de basquete, desenhadas por Lew Allen de
Connecticut e que consistiam em cilindros de madeira com bordas de metal. No ano seguinte, a
Narraganset Machine & Co passou a produzir um anel metálico com uma rede fixada a ele, bem
próximo do formato atual que os aros da modalidade são conhecidos e aceitos mundialmente
(CBB, 2013).
Dito isso, é possível destacar que, mesmo de maneira precária, foram as fabricantes
de artigos esportivos as primeiras empresas a desenvolverem sistematicamente o marketing
através do esporte. Além do basquetebol, nota-se que, por volta de 1890, os fabricantes de
bicicletas na França já se utilizavam do esporte para conseguir espaço na mídia impressa e
divulgar seus produtos, inventando novas provas de velocidade e resistência e também dando
nome a velódromos (SILVA, 1991).
A esse respeito, faz-se necessário destacar de que não se trata, neste estudo, de realizar
uma busca pelas “origens” do basquetebol enquanto prática pré-esportiva, mas apreender a
especificidade da prática propriamente esportiva ou, mais precisamente, de determinar como alguns
exercícios físicos pré-existentes passaram a receber um significado e uma função radicalmente novos tão radicalmente novos como os casos de simples invenções, como o vôlei ou o basquete - tornando-se
esportes definidos em seus objetos de disputas, suas regras de jogo e, ao mesmo tempo, na qualidade
social dos participantes, praticantes ou espectadores, pela lógica específica do “campo esportivo”
(BOURDIEU, 1983: 138).
Delimitadas as regras oficiais do jogo e as condições estruturais para sua prática, foi
possível a difusão cada vez maior da modalidade ao redor dos EUA e do mundo. O Brasil foi
um dos primeiros países a conhecer o esporte, trazido pelo professor estadunidense Augusto
Shaw que em 1894 recebera o convite para lecionar no Mackenzie College, em São Paulo, na
época voltado ao ensino e alfabetização de Mórmons daquele país que migravam ao Brasil
e demais países da América Latina com o intuito de difundir sua religião. Embora houvesse
emigrado com a missão de ministrar a disciplina de história da arte, o professor Shaw, que havia
tido seu primeiro contado com a modalidade em 1892, trouxe consigo também uma bola de
basquetebol de sua terra natal e foi o responsável por introduzir o basquetebol no país.
Começa a surgir, nesse contexto, a construção social do campo esportivo do basquetebol
ao redor do planeta por meio da constituição de regras próprias para a prática da modalidade.
Sobre essa questão, o sociólogo francês Pierre Bourdieu destaca que:
A necessidade da aplicação universal de regras fixas se impõem desde o momento
em que as “trocas” esportivas se estabelecem entre as diferentes instituições
escolares, e depois entre regiões, etc. A autonomia relativa do campo das práticas
esportivas se afirma mais claramente quando se reconhece aos grupos esportivos
as faculdades de auto-administração e regulamentação, fundadas numa tradição
histórica ou garantidas pelo Estado: estes organismos são investidos do direito de
fixar as normas de participação nas provas por eles organizadas, de exercer, sob o
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FELIPE MELLINI
controle dos tribunais, um poder disciplinas (exclusões, sanções, etc.), destinado
a impor o respeito às regras específicas por eles editadas; além disso, podem
conceder títulos específicos, como os títulos esportivos ou, como na Inglaterra, os
títulos de treinadores (BOURDIEU, 1983: 140).
No Brasil, o basquetebol teve inicialmente maior aceitação entre as mulheres, fato
que dificultou a propagação da modalidade entre os homens devido ao forte machismo que
imperava no país na época. Ademais, soma-se a isso o fato de que, naquele momento, surgia ao
país um outro esporte, trazido por Charles Miller em 1894 da Inglaterra, e se tornara a grande
coqueluche esportiva da época entre os homens (CBB, 2013).
Recém-chegado ao país, a prática do basquetebol acabou por refletir a condição de
opressão de gênero que vigorava no Brasil naquela época. O esporte, enquanto prática restrita as
“frações dominantes da classe dominante, tendem sempre a pensar sua oposição às frações dominadas
através da oposição entre masculino e feminino, o viril e o afeminado, que assume conteúdos diferentes
segundo as épocas, para compreender uma das implicações mais importantes da exaltação do esporte
e em particular dos esportes “viris”, como o rugby, e para ver que o esporte, como toda prática, é um
objeto de lutas entre frações da classe dominante e também entre as classes sociais” (BOURDIEU,
1983, 141).
Mas apesar da resistência inicial, o basquetebol alcançou uma aceitação nacional
graças ao professor Oscar Thompson, da Escola Nacional de São Paulo e Henry J. Sims, então
diretor de Educação Física da Associação Cristã de Moços (ACM), do Rio de Janeiro. Outro
colaborador para a difusão do esporte no país foi o próprio Augusto Shaw, que era um entusiasta
da propagação da cultura estadunidense no Brasil, e aos poucos foi persuadindo seus alunos
de que o basquetebol não era um esporte voltado apenas para as mulheres e que poderia ser
praticado por todos os gêneros, sem distinção.
A partir disso, Shaw conseguiu formar a primeira equipe de basquete do país, em
1896, constituída por alunos da Mackenzie College. Entretanto, o esporte começou a ter mais
visibilidade a partir de 1910, graças a Thompson e Sims que começaram a organizar eventos
e outras atividades referentes à modalidade. Um desses momentos refere-se à primeira partida
oficial do esporte disputada no país, entre a ACM e Mackenzie, realizada em São Paulo no ano
de 1912 (CBB, 2013).
Desde então o basquetebol no Brasil começou a ganhar praticantes e se difundir. Em
1913 ocorre o primeiro jogo internacional de uma equipe do país, a convite do América Futebol
Clube do Rio de Janeiro, entre membros da ACM de Santiago (capital do Chile) e integrantes
da ACM trajando uniformes do clube fluminense. A partida teve o curioso placar de 5 a 4 e
culmina na adoção do esporte pelo América. Em 1915 as primeiras regras foram traduzidas
para o português, o que facilitou e muito a prática e propagação do esporte pelo país. Na mesma
data acontece o primeiro torneio de basquetebol da América do Sul, organizado pela ACM
e que contou com a participação de seis equipes. Diante do sucesso da competição, a Liga
Metropolitana de Sports Athléticos, responsável pelos esportes terrestres na até então capital
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ESTUDOS SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DO CAMPO ESPECÍFICO DO BASQUETEBOL NO MUNDO
federal, decide englobar a modalidade entre seu rol de atividades no ano de 1916. Três anos
depois, é realizado o primeiro campeonato oficial organizado pela entidade e que acabou com a
vitória do Flamengo (CBB, 2013).
O ano de 1920 marca a chegada do técnico estadunidense Fred Brown, formado pela
YMCA, ao Rio de Janeiro. Brown é convidado pelo Fluminense Futebol Clube para atuar
como técnico de campo e de gabinete, auxiliando na organização e condução do basquetebol
no país. Ele inclusive foi o responsável por dirigir a primeira seleção brasileira, em 1922, para
a disputa de um torneio continental em comemoração ao centenário do Brasil nos jogos latinoamericanos. A competição reuniu, além da seleção brasileira, a Argentina e Uruguai e que teve o
Brasil como campeão. Os esforços desse estadunidense renderam a criação da Escola Nacional
de Educação Física e Desportos (DAIUTO, 1991).
No dia 24 de abril de 1924 é fundada a Federação Paulista de Bola ao Cesto, responsável
por organizar e administrar o esporte no estado de São Paulo. No ano seguinte acontece o
primeiro campeonato brasileiro da modalidade, promovido pela Confederação Brasileira de
Desportos (CBD) e que contou com equipes de São Paulo, Rio de Janeiro e do antigo Distrito
Federal (Idem, 1991).
A expansão da prática do basquetebol pelo país, aliada com a presença cada vez maior
da seleção brasileira em torneios internacionais, como no primeiro Campeonato Sul-Americano
de Basquete, realizado em Montevidéu no ano de 1930, alertou para a necessidade de uma
confederação nacional para gerir a modalidade no Brasil. Entretanto, o estopim para a criação
da Federação Brasileira de Basquetebol surgiu da cisão que ocorreu no esporte nacional como
um todo, quando os clubes que adotaram o profissionalismo no futebol fundaram entidades
especializadas de vários esportes. Nasceu assim a FBP, fundada em 25 de dezembro de 1933,
no Rio de Janeiro, e que passou a se chamar Confederação Brasileira de Basketball em 1941.
No ano seguinte foi a vez da Federação Paulista de Bola ao Cesto mudar de nome, passando a
se chamar Federação Paulista de Basketball (CBB, 2013).
A crescente estruturação da modalidade pelo país em federações e do surgimento do
basquetebol como sub-campo dentro do campo esportivo demarca a modificação das funções que
os próprios esportistas e os que os enquadram dão a prática, quanto de uma transformação da prática
esportiva que vai no mesmo sentido da transformação das expectativas e exigências do público, que por
sinal engloba muito mais do que os antigos praticantes (BOURDIEU, 1983: 147).
A formação da CBB veio em consonância com a organização do basquetebol ao redor
do mundo. A priori, o esporte foi regido de maneira oficial conjuntamente com o handball
indoor e de quadra pela Federação Internacional de Handebol Amador (IAHF), fundada em
1928 e que era responsável por administrar ambos esportes jogados com as mãos. Entretanto,
desde a formação da IAHF houve o anseio por parte de alguns integrantes da federação de que
os dois esportes fossem administrados de forma distinta. Como consequência, em 1931 o inglês
Renato Willie Jones, um dos principais expoentes desse movimento, reúne-se com o então
secretário da IAHF, German Hassler, com o intuito de discutir a emancipação do basquetebol
da federação, mas sem obter sucesso.
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Entretanto, a partir deste anseio foi convocada, por Elmer Berry, então diretor da Escola
de Educação Física da YMCA, no dia 18 de julho de 1932, a 1ª Conferência Internacional de
Basquetebol em Genebra, na Suíça, e que teve como desdobramento a criação da Federação
Internacional de Basquetebol Amador. A partir da constituição da FIBA, várias federações
nacionais espalhadas pelo mundo1 iniciaram um processo de reconhecimento da mesma,
filiando-se a ela com o intuito de conferir legitimidade à instituição e para que deste modo fosse
possível obter a separação da IAFH.
Diante desse cenário, foi assinado em 1934 um documento por ambas as partes,
conferindo independência e autonomia a FIBA. O reconhecimento oficial da instituição foi
obtido um ano depois, quando a mesma foi reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional,
resultando na inclusão do basquetebol nos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlin2, sendo James
Naismith, o criador da modalidade, o responsável por lançar a bola ao alto na primeira partida
oficial de basquetebol nos jogos.
Desde então, a crescente organização do basquetebol pelo mundo acaba iniciando
a passagem do esporte como prática de elite, reservada aos amadores, ao esporte como
espetáculo produzido por profissionais e destinado ao consumo de massa (BOURDIEU, 1983:
145). Segundo consta, existia apenas nos Estados Unidos algo em torno de 15 milhões de
praticantes da modalidade no ano de 1926 (LOTUFO, 1953).
Além da formação e consolidação do campo político da modalidade, uma série de
outros fatores contribuíram para a passagem do basquetebol de esporte amador para esporteespetáculo. No início dos anos 30, estima-se que o esporte já era praticado em mais de 30 países
(GRASSO, 2010). Apesar da grande difusão da modalidade ao redor do mundo, em grande
medida graças a YMCA nos EUA e de soltados estadunidenses que serviam na Europa durante
a I Guerra Mundial (LOFUTO, 1953), até então o basquetebol era considerado um esporte
voltado mais aos seus praticantes do que aos telespectadores. Contudo, esse cenário começou a
mudar a partir da grande depressão econômica ocorrida nos Estados Unidos em 1929.
Naquele período, o boxe era considerado um dos esportes mais populares dos EUA,
contando com grandes arenas espalhadas por diversas cidades do país. Com a depressão,
iniciou-se um processo de declínio financeiro e de espectadores da modalidade. Diante disso,
surgiu a necessidade de encontrar outro esporte que pudesse aproveitar esses locais sem que
houvesse grandes alterações, e o basquetebol foi o escolhido. A partir disso, houve uma maior
preocupação em como transformar o basquetebol em algo atrativo aos seus espectadores.
Outro importante fato que auxiliou na mudança de estigma sobre a modalidade foi a
realização de uma competição de basquetebol universitário em 1934 organizada por jornalistas
1 Uma desses casos se deu na França, onde ocorreu um processo de ruptura com a Federação de Atletismo
daquele país (até então responsável por gerir a modalidade) e a criação de sua própria federação de basquetebol.
A partir disso, solicitaram em 1933 sua filiação junto à FIBA, sendo imediatamente aceitos e corroborando
com a consolidação e independência da entidade internacional.
2 O basquetebol já havia sido praticado nos Jogos Olímpicos de Saint Louis, em 1904, mas a nível de
esporte de demonstração, não como modalidade olímpica oficial.
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esportivos dos EUA visando superar os efeitos da grande depressão sobre o setor. Utilizando
os recursos midiáticos que dispunham naquela época para seduzir o público, os jornalistas
conseguiram atrair mais de 16 mil espectadores a competição realizada no Madison Square
Garden, em Nova Iorque.
Com o notável sucesso dessa empreitada, Edward “Ned” Irish, um dos responsáveis
por organizar o evento, continuou a organizar competições de basquetebol a partir de 1936,
se transformando em um dos empresários mais bem sucedidos da história do esporte. Seus
eventos alcançavam uma média de 25 mil espectadores por temporada, até que, trabalhando
apenas com equipes universitárias, alcançou no ano de 1950 o estrondoso número de 600 mil
telespectadores (RADER, 1983).
Em decorrência, a década de 30 é marcada pelo surgimento, de fato, da lógica do basquete
enquanto espetáculo e voltado ao lucro. Esse período é marcado pelo aumento dos patrocínios à
companhias de basquetebol, especialmente no centro-oeste dos Estados Unidos. A partir desses
negócios surgiu a Midwest Basketball Conference (MBC), formada por nove equipes que se
consistiam principalmente por times patrocinados por empresas e que não possuíam calendários
fixos, embora requeriam para se apresentarem um mínimo de oito partidas contra pelo menos
quatro adversários. A MBC pode ser considerada a avó da National Basketball Association
(NBA). Após dois anos de sucesso, a MBC foi renomada para National Basketball League
(NBL) e se tornou a liga mais importante de basquete dos Estados Unidos pelos próximos 12
anos (GRASSO, 2010).
Outro marco que corroborou para a expansão do basquetebol pelo mundo enquanto
espetáculo foi a já destacada criação da FIBA. A partir do surgimento da entidade, foi possível
unificar as regras do basquetebol e realizar competições entre diferentes países que já praticavam
o esporte. Em 1935 a FIBA organizou o primeiro Campeonato Europeu de Basquetebol
masculino sediado em Genebra e que teve a Letônia como campeã. Três anos depois foi a vez
do primeiro Campeonato Europeu feminino realizado em Roma e vencido pelas anfitriãs do
torneio.
Essa conjunção de fatores fizeram com que o basquetebol entrasse, terminantemente, em
uma nova era. Aliado a isso se soma a introdução do rádio no esporte nos anos 30 e na televisão
no início da década de 50, que possibilitou a mercadorização cada vez maior do esporte. Em
decorrência, o basquetebol, que iniciou simples e inexpressivo, tornou-se o centro das atenções
nacionais (RADER, 1983: 279).
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FELIPE MELLINI
CONCLUSÕES
Em suma, nota-se que o basquetebol, que surgiu nos Estados Unidos como uma alternativa de
atividade física para ser praticada durante o inverno, sofreu ao longo das primeiras décadas após
sua invenção uma série de modificações e transformações. A delimitação das regras próprias
para a prática da modalidade e a estruturação obtida por meio da formação das primeiras ligas e
confederações ao redor do mundo demarca a constituição do campo específico do basquetebol,
munido com sua lógica própria, este lugar com práticas sociais inteiramente particulares, que foram
definidas no curso de uma história própria e que só podem ser compreendidas a partir desta história
(BOURDEIU, 1983: 138).
BIBLIOGRAFIA
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BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
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com.br. Acesso
em 02.09.2013.
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ELIAS, Norbert; Dunning, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1987.
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Acesso em 02.09.2013.
GRASSO, John. Historical Dictionary of Basketball. Washington, Scarecrow Press, 2010.
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em 02.09.2013.
RADER, Benjamin. American sports: from age of folk games to the age of spectators. New
York: Prentice-Hall, 1983.
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humano. 1991. 125p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa
Catarina – UFSC, Santa Catarina, 1991
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A MÚSICA COMO PRODUTO DA INDÚSTRIA
CULTURAL E SUA PRESENÇA NA SOCIEDADE
Rafaela Mano
Graduanda em História pela Universidade Estadual de Maringá
Resumo: O presente artigo visa apresentar a função social da música, que no decorrer da
história da humanidade possibilitou o desenvolvimento das relações sociais entre diferentes
pessoas e grupos a oportunidade de mobilizar culturalmente uma sociedade a cada novo período
histórico. Porém, essa função foi além dessas prerrogativas, visto que a música possui o poder
de influenciar a moral e o comportamento de um povo, sendo construtora da identidade, assim
como influenciando as emoções, seja coletiva ou individualmente. Os procedimentos utilizados
para a realização deste artigo foi por meio de pesquisas bibliográficas, técnica capaz de fornecer
um conjunto teórico de conhecimento científico necessário para esta produção.
Palavras-chave: Música; Indústria cultural; Sociedade; Política.
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RAFAELA MANO
A música, enquanto meio de comunicação, no decorrer da história da humanidade possibilitou,
tal como as demais artes (teatro, cinema, poesia), o desenvolvimento das relações sociais entre
diferentes pessoas e grupos a oportunidade de mobilizar culturalmente uma sociedade a cada
novo período histórico. Porém, a função social da música vai além dessas prerrogativas, visto
que ela possui o poder de influenciar a moral e o comportamento de um povo. Segundo uma
visão antropológica das funções da música, a partir da sua inserção em contextos socioculturais,
normas sociais e ideais estipulados por um determinado grupo são revitalizados (MERRIAM,
1964).
Hargreaves e North (1999, apud Poli, 2008) estabeleceram três funções psicológicas
da música que atuam no comportamento individual: social, emocional e cognitiva. Entretanto,
a função que interessa a esse estudo é a social. Socialmente, os autores estabeleceram dois
segmentos.
O primeiro ocorre no contexto social e histórico, em um domínio coletivo onde o
indivíduo recebe valores que são compartilhados socialmente e sentidos que são moldados
conforme esses valores. Sendo a música construída a partir da ação do individuo diretamente
com o seu contexto histórico-cultural, esse individuo torna-se constituído e constituinte do
contexto em que está inserido.
O segundo segmento esta estabelecido entre as relações interpessoais. Em vista disso,
Wazlawick; Camargo e Maheirie (2007, p. 106), afirmam:
A atividade musical, enquanto integrante de uma cultura, criada e recriada pelo
fazer reflexivo-afetivo do homem, é vivida no contexto social, histórico, localizado
no tempo e no espaço, na dimensão coletiva, onde pode receber significações
que são partilhadas socialmente e sentidos singulares que são tecidos a partir
da dimensão afetivo-volitiva e dos significados compartilhados. Desta forma,
falamos de vivências coletivas e singulares da música, sempre em meio ao
contexto histórico-social.
Sendo assim, é necessário compreender os aspectos com que fazem a música conter um
significado para cada indivíduo ou grupo e que isso se encontra vinculado à experiência vivida
por cada um.
A música aparece presente na sociedade como construtora da identidade, assim como
influenciando as emoções, seja coletiva e individualmente. Também presente na cultura, a
música constrói relações entre indivíduos, seja afastando ou aproximando-os de outras pessoas
ou grupos que possuam um mesmo gosto musical.A indústria cultural é o mecanismo pela qual
a cultura se tornou capaz de atingir as grandes massas por meio da produção em série, mesmo
que este público não esteja intelectualmente preparado para assimilar o conteúdo proposto.
Já as obras de arte como palavras de ordem política são oportunamente adaptadas
pela indústria cultural, levadas a preços reduzidos a um público relutante, e o seu
uso se torna acessível a todos como o uso dos parques. Mas a dissolução do seu
autêntico caráter de mercadoria não significa que elas sejam custodiadas e salvas
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A MÚSICA COMO PRODUTO DA INDÚSTRIA CULTURAL E SUA PRESENÇA NA SOCIEDADE
na vida de uma sociedade livre, mas sim que desaparece até a última garantia
contra a sua degradação em bens culturais (ADORNO, 2002, p. 38).
A função da indústria cultural de reproduzir em massa de manifestações artísticas
(músicas, pinturas, livros) faz com que a arte seja transformada em mais um dos produtos
ofertados em um mercado popular, porém, lucrativo. Para Adorno (2002), essa massificação da
cultura proposta pela indústria cultural busca atender apenas os interesses do capitalismo, sem
levar necessariamente em consideração sua originalidade e qualidade.
Coelho (1987) explica a indústria cultural através de duas faces opostas: o bem e o
mal. O bem, tido como o lado positivo da indústria cultural, seria o fato de que ela permitiu
que um público de baixo poder aquisitivo tivesse acesso ao conhecimento. O mal, seu lado
negativo, estaria no fato dela estar trocando conhecimento por dinheiro, assim, colaborando
com o capitalismo.
A dificuldade na distinção entre essas formas culturais continua quando se
pretende estabelecer uma relação entre elas e as classes sociais. Ainda hoje se
tenta defender a tese segundo a qual os produtos da cultura superior são de fruição
exclusiva da classe dominante (COELHO, 1987, p. 9).
Os produtos da indústria cultural possuem a característica de transitar pelas classes
sociais, sendo assim, não existem barreiras intelectuais ou econômicas que impeçam um
sociólogo de ler uma obra popular ou um operário de ouvir uma música erudita.
A indústria cultural é um dos meios pelo qual o produto musical alcança o seu público
consumidor. Por esse motivo, não demorou muito para que essa indústria percebesse que a
música teria êxito como um dos seus produtos e a utiliza-se a seu favor.
A indústria desvendara o código comercial. Ela havia descoberto a fórmula secreta
para produzir hits: vender homens jovens e varonis mulheres. O que funciona com
Elvis Presley agora podia ser replicado em escala industrial. Tudo tinha a ver com
aparência e personalidades produzidas. A música em si, que era tercerizada para
um pequeno exército de profissionais (52 pessoas constam na lista de créditos de
No Strings Attached), pouco importava (ANDERSON, 2006, p. 29).
Uma considerável parte do sucesso comercial da música deve-se a condição de ídolo
que os artistas tendem a assumir ao longo de suas carreiras, além de fatores fundamentais como
qualidade, originalidade e o alcance popular que ela atinge.
Dentro do conceito de indústria cultura, encontra-se um personagem denominado como
“alienado”:
Dois desses traços merecem uma atenção especial: a reificação (ou transformação
em coisa: a coisificação) e a alienação. Para essa sociedade, o padrão maior de
avaliação tende a ser a coisa, o bem, o produto; tudo é julgado como coisa, portanto
tudo se transforma em coisa — inclusive o homem. E esse homem reificado só
pode ser um homem alienado (COELHO, 1987, p. 6).
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RAFAELA MANO
Esse sujeito é um consumidor dos produtos provenientes da indústria cultural,
caracterizado pela ausência de pensamento crítico e a incapacidade de exercer escolhas e
questionamentos mais profundos relacionados ao seu modo de vida e a sociedade.
A música é uma capacidade naturalmente humana. A sua prática ao longo da história
está paralelamente relacionada a algum contexto social, por conseguinte, a políticas que atuam
sobre este contexto. Se a possibilidade da música de transformar o mundo ainda é contestada,
ela ao menos é capaz de influenciar e fazer o indivíduo refletir.
Censura, corrupção, desigualdade social, guerra, violência, discriminação, ou ainda todo
juntos representados através da instituição conhecida como sistema, estão entre os assuntos
preferidos dos protestos musicais. Assuntos mais específicos também servem de inspiração para
a composição de letras engajadas, assim como foi a ditadura militar brasileira, os distúrbios
raciais nos Estados Unidos nos anos 60 e o conflito na Irlanda do Norte.
Martinelli (2008) faz um resgate na história da música buscando períodos em que ela
esteve estreitamente ligada – seja a favor ou contra – à política vigente.
Inicialmente, na Grécia antiga, o poder da música sobre o comportamento dos homens
era tão forte a ponto de levá-la a ser discutida pelos principais filósofos em termos basicamente
políticos.
Porém, modernamente, a relação entre música e política que mais nos chama
atenção é aquela na qual a música é utilizada de meio de expressão ideológica. É
famoso o caso de Beethoven (novamente ele) e sua terceira sinfonia, a “Eroica”,
inicialmente dedicada a Napoleão Bonaparte, na época em que o compositor ainda
acreditava que o general francês simbolizava os ideais políticos da Revolução
Francesa e de tudo o que esta representava (MARTINELLI, 2008, p. 1).
Assim como primeiramente a música lhe serviu como uma homenagem, logo foi
posicionada contra Napoleão, pois a partir do momento que Beethoven tomou conhecimento
que ele havia se auto-proclamado imperador, imediatamente, cancelou a dedicatória. Ainda
no meio clássico, superficialmente, a “Bodas de Fígaro”, composta por Mozart, pode ser
compreendida como uma ópera cômica, porém, o enredo é em si político por ser uma pesada
crítica aos costumes da aristocracia da época.
Na antiga União Soviética a música era um assunto de Estado, onde não raro
altas autoridades protagonizavam debates artístico-ideológicos com os músicos
(vide a tensa relação do compositor Shostakóvitch com o ditador Stálin). Hitler,
por sua vez, fez da música matéria fundamental em sua propaganda política, não
só estabelecendo um cânone nazi-fascista, como expurgando toda e qualquer
música que estivesse desalinhada de seu ideal musical, conferindo-lhe o carimbo
de Entartete Musik (“música degenerada”) (MARTINELLI, 2008, p. 1).
Na Alemanha, muitos compositores e músicos foram expulsos ou enviados para a
câmara de gás, assim como no Brasil, muitos foram exilados e torturados (estudos dos próximos
capítulos). São momentos históricos onde a presença da música manteve uma relação intensa e
“explosiva” com a política.
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A MÚSICA COMO PRODUTO DA INDÚSTRIA CULTURAL E SUA PRESENÇA NA SOCIEDADE
Sobre o campo musical do período pós-guerra, Chacon (1985) afirma:
A pop music representava a herança da música branca, conservadora, adulta e
kitsch dos anos 40. Refletia uma proposta de vida que defendia o status que, se
autoglorificava pela vitória na II Guerra e reproduzia os valores do american way
of life. Estática, a pop music se apoiava no que sobrava das grandes bandas e nos
“heróis jovens” que nada mais eram do que reprodutores dos padrões adultos mas
que se tornaram as únicas opções de canalização da libido juvenil até meados dos
anos 50 (CHACON, 1985, p. 9).
Nesse período, os Estados Unidos passou a ter sua tradicional sociedade questionada
pelos jovens. Os jovens foram os principais atingidos pelas transformações musicais que
estavam acontecendo nesse período, além das transformações sociais como a disputa entre o
capitalismo e o comunismo; e da valorização do consumismo e da modernização (adventos do
progresso científico criado no pós-guerra).
A partir dos anos 60, os jovens passaram a se mostrar mais engajados e politizados. O
momento político e social desse período, como a guerra do Vietnã e os movimentos negros,
favoreceu o surgimento de músicas de protestos apoiados na ascensão do rock’n’roll. Após a
queda do muro de Berlin, a relação entre música e política assumiu uma postura ideológica mais
sutil e dissimulada por parte dos compositores.
REFERÊNCIAS
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ANDERSON, Chris. A calda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2006.
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MARTINELLI, Leonardo. Música e política, ou as relações perigosas. In: Revista Concerto,
2008. Disponível em: <http://www.concerto.com.br/textos.asp?id=50>. Acesso em: 05/09/13,
às 21h07min.
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RAFAELA MANO
POLI, Silvia T. de. A Função Sinestésica do Jingle Político. Trabalho apresentado no
II Compolitica, 2011. Disponível em: <http://www.compolitica.org/home/wp-content/
uploads/2011/01/sc_epp-thais.pdf>. Acesso em: 27/09/13, às 16h28min.
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IDENTIDADES ÉTNICAS E GLOBALIZAÇÃO:
APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA PENSAR A
SITUAÇÃO DE INDÍGENAS EM CONTEXTOS URBANOS
Samuel Douglas Farias Costa
Licenciado e bacharelando em Ciências Sociais/UEM
Resumo: Os dados do IBGE apontam para um relevante crescimento demográfico das
populações indígenas no Brasil nas duas últimas décadas. Em contextos urbanos, constatouse que 80,5% dos municípios brasileiros possuem pelo menos um indígena autoidentificado
(IBGE,2010). Esse cenário aponta para um espalhamento dos indígenas pelas cidades brasileiras
e realidades à serem investigadas. A proposta deste trabalho é reunir perspectivas teóricas e
promover um debate que possibilite pensar as configurações identitárias dos indígenas em
contextos contemporâneos, especificamente, urbanos e globalizados.
Palavras-chave: Populações indígenas; Espaços urbanos e globais; Identidade.
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SAMUEL DOUGLAS FARIAS COSTA
INTRODUÇÃO
Nas ciências sociais, a literatura clássica sobre as identidades sociais entendem que estas
são resultados de processos relacionais entre os grupos (ARAÚJO, 1997). Ao pensarmos a
identidade étnica de um grupo indígena, isso fica claro quanto a sua relação com a sociedade
nacional ou outros grupos étnicos. As diferenças étnicas e culturais são evidenciadas a partir da
relação. Ou seja, a identidade é acionada quando é preciso estabelecer ou reconhecer fronteiras
entre grupos (BARTH, 1998).
É também recorrente o uso da noção de identidade contrastiva, que está relacionada à
oposição entre grupos étnicos. Segundo Cardoso de Oliveira,
A identidade contrastiva parece se construir na essência da identidade étnica,
i.e., a base da qual esta se define. Implica a afirmação de nós diante dos outros.
Quando uma pessoa ou um grupo se afirmam como tais, o fazem como meio
de diferenciação em relação a alguma pessoa ou grupo com que se defrontam.
É uma identidade que surge por oposição. No caso da identidade étnica ela se
afirma “negando” a outra identidade, “etnocentricamente” por ela visualizada
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, p.5-6).
A noção de identidade étnica em Cardoso de Oliveira se baseia em uma outra teoria
dele, a fricção interétnica, que consiste em uma relação de oposição entre os grupos étnicos.
“A situação de contato, [...], pode ser analisada graças ao que chamarei Fricção Interétnica o
que será o equivalente lógico, (mas não ontológico) do que os sociólogos chamam ‘Luta de
classes’” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1978a, apud ATHIAS, 2007, p.110). É esse caráter de
oposição e conflito que se dá nas fronteiras étnicas que caracterizam a identidade étnica como
contrastiva, ela se pauta em uma relação entre grupos étnicos onde ambos se opõem e são
interdependentes ao mesmo tempo.
A teoria de fricção interétnica é crítica as teorias que consideravam que, nas relações
interétnicas, apenas um dos grupos participantes era agente ativo, especificamente, os indígenas
eram entendidos como passivos e supostamente desapareceriam em decorrência da influência
da sociedade nacional (ATHIAS, 2007). Essa perspectiva foi contestada por antropólogos e
pelos recentes dados demográficos sobre a população indígena no Brasil1. A teoria de fricção
interétnica faz parte de uma perspectiva de integração (ATHIAS, 2007). Sendo assim, os povos
indígenas, “deverão integrar-se à sociedade nacional sem perder, contudo sua particularidade
cultural e étnica, tendo suficiente autonomia para dispor de sua própria organização política e
cultural. Em outros termos, são os próprios povos indígenas que decidirão o seu próprio destino”
1 Segundo os dados do IBGE do Censo de 2010, 817.963 brasileiros se autodeclaram indígenas. No
período 1991 /2000, o crescimento da população indígena no país foi de aproximadamente 150%, cerca
de um crescimento demográfico de 440 mil indígenas. No período 2000/2010 esse aumento foi de 11,4%,
contabilizando um crescimento demográfico de 84 mil indígenas. Este último dado é modesto em comparação
ao da década anterior, mas, ainda assim, demonstra o equívoco das teorias que defendiam que os povos
indígenas desapareceriam.
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IDENTIDADES ÉTNICAS E GLOBALIZAÇÃO:
APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA PENSAR A SITUAÇÃO DE INDÍGENAS EM CONTEXTOS URBANOS
(p. 56). Apesar da importância dessa abordagem, ela não nos oferece suportes consistentes
para pensar processos mais dinâmicos e fluídos, diacríticos do mundo contemporâneo, aqui me
refiro especificamente aos fluxos da globalização e a crescente presença indígena em contextos
urbanos.
A comparação dos dados dos Censos Demográficos do IBGE de 1991, 2000 e 2010,
a respeito das populações indígenas brasileiras, nos apresenta um notável crescimento
demográfico. A partir da metodologia da autodeclaração de cor ou raça, constatou-se um
aumento demográfico da população indígena de 10,8% ao ano entre o período de 1991 à 2010,
mais especificamente, foram contabilizados 294.131 em 1991, 734.127 em 2000 e 817.963 em
2010 (IBGE, 2012). Segundo este último Censo, 315.180 são residentes em áreas urbanas, mas
o que se destacou foi um espalhamento de indígenas por diversas cidades.
[...] o Censo Demográfico 1991 revelou que em 34,5% dos municípios brasileiros
residia pelo menos um indígena autodeclarado; no Censo Demográfico 2000, esse
número cresceu para 63,5%; e, segundo os dados mais recentes, do Censo Demográfico
2010, atingiu 80,5% dos municípios brasileiros (IBGE, 2012, p. 4).
Esse contexto nos instiga a pensar qual são as condições, experiências, percepções,
ressignificações, imaginários e diversas outras questões ligadas aos indígenas em contextos
urbanos. Nos termos de Sahlins (1997), devemos nos atentar para o processo de indigenização
da modernidade.
MÉTODO
Este trabalho propõe um debate teórico no âmbito das ciências sociais, sobretudo da antropologia,
sobre globalização, urbanidade, identidade étnica e índios em contextos urbanos no Brasil.
Realizei uma busca por artigos em revistas científicas das ciências sociais que articulassem
essas temáticas. Com foco nas discussões contemporâneas, limitei a busca a artigos com data
de publicação posterior a 1995.
Esse primeiro trabalho resultou em uma seleção de 51 artigos dos quais foram eleitos
aqueles que melhor interrelacionavam antropologia e os temas citados acima. A partir destes,
de suas citações e referências bibliográficas, outros materiais considerados relevantes foram
consultados, utilizando-se, portanto, do método snowball (bola de neve) aplicado a textos
bibliográficos.
O trajeto percorrido entre a grande gama de material levantado prioriza os assuntos de
interesse deste trabalho em abordagens antropológicas, mas foram aproveitados também textos
sociológicos ou produzidos no âmbito do que vem sendo classificado como estudos culturais.
Outros materiais encontrados por outros caminhos e condições, como indicações de terceiros,
anais de eventos e publicações anteriores à data inicialmente estipulada, foram introduzidos
à pesquisa na medida em que foram considerados potencialmente profícuos para se pensar
identidades indígenas em contextos urbanos e globalizados.
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SAMUEL DOUGLAS FARIAS COSTA
IDENTIDADES ÉTNICAS E GLOBALIZAÇÃO
As evoluções sociais e políticas das últimas décadas impõem, [...] um objeto
empírico relativamente novo para a antropologia: o dos grandes empreendimentos
indentitários [...]. Assistimos então atitudes que se dão o ar de retornos (‘retorno
à etnia’) ou de recolhimento (‘recolhimento sobre si’, ‘recolhimento identitário’,
busca de ‘raízes’) quando, ao descodificar os processos e resultados de sua busca,
descobrimos antes inovações, invenções, mestiçagens e uma grande abertura para
o mundo presente. Como abordar essas formas atuais de afirmação identitária?
(AGIER, 2001, p. 10-11).
As reflexões e o questionamento de Michel Agier (2001) sobre as afirmações identitárias
no mundo contemporâneo, nos permite pensar que um dos grandes desafios da antropologia,
que não é de hoje, mas que se evidencia a partir de demandas empíricas do mundo globalizado,
é o de analisar e interpretar as interações entre realidades locais e contextos globais. Nesse
sentido, vários autores contemporâneos tem se dedicado a essa tarefa e tomado a globalização
como objeto e/ou perspectiva dos estudos antropológicos.
Stuart Hall (2011), ainda que não especificamente antropólogo, tem influenciado muito
nos debates antropológicos. No livro A identidade cultural na pós-modernidade realiza uma
introdução sobre as identidades culturais na modernidade tardia. Esta se refere a um momento
contemporâneo caracterizado pela globalização, que, baseado em Anthony McGrew, ele
entende como “processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais,
integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo,
tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado” (HALL, 2011, p. 67).
Para o autor, essas mudanças na escala tempo-espaço resultam na construção de
identidades deslocadas e fragmentadas, isso quer dizer que a definição das identidades culturais
na contemporaneidade são caracterizadas por atravessar fronteiras e alternâncias dependendo
do momento ou situação (HALL, 2011). Por exemplo, um sujeito pode se identificar mais com
um “outro” que mora do outro lado do mundo, que consome um mesmo estilo musical que o seu,
do que com seus vizinhos. Isso também é evidente na esfera da política, pois, frequentemente,
os sujeitos acionam identidades que lhes ligam a causas, ideologias e conflitos políticos, fora
de seus contextos locais. Em síntese, os indivíduos assumem diversas identidades e transitam
entre elas de acordo com as situações, contextos e interesses locais ou globais (HALL, 2011).
No geral, as culturas indígenas não passaram por um processo de globalização de grande
2
escala , e as mobilizações de identidades políticas ligadas aos seus interesses se expressam,
em grande parte das vezes, em âmbitos locais, regionais e/ou nacionais. Isso exige um maior
2 É importante ressaltar que, como afirma Hall (2011), a globalização não se distribui pelo globo de forma
igualitária e está centrada em grandes metrópoles e nos países economicamente mais desenvolvidos. Segundo
Canclini (2007), a globalização favorece a produção e circulação de bens culturais em centros econômicos como os
EUA, Japão e Europa, dos quais a sociedades latino-americanas dependem econômica e culturalmente. A mesma
lógica pode ser atribuída aos diferentes atores dentro de um mesmo Estado Nação, nem todos estão igualmente
inseridos nos fluxos globais. No entanto, mesmo que em ritmo desigual, a globalização atinge as periferias e
grupos minoritários (HALL, 2011).
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IDENTIDADES ÉTNICAS E GLOBALIZAÇÃO:
APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA PENSAR A SITUAÇÃO DE INDÍGENAS EM CONTEXTOS URBANOS
esforço, refinamento teórico-metodológico e sensibilidade etnográfica para a percepção da
relação entre indígenas e globalização. Outro desafio, de um ponto de vista etnográfico, está em
perceber a globalização, não em escalas macrossociais e demasiado abstratas, mas na vivência,
na experiência e cotidiano dos sujeitos.
Gustavo Lins Ribeiro (2008) nos apresenta caminhos interessantes a partir de como
define globalização.
Primeiramente penso a globalização como o aumento da circulação das coisas,
pessoas e informações em escala global. Estas diferenciações são apenas analíticas.
Muitas vezes as pessoas, coisas e informações viajam juntas. Quero frisar que se
trata de um aumento, isto é, do incremento de vários processos que já existiam.
[...]
A segunda definição de globalização relaciona-se com o reembaralhamento das
relações entre lugares. Globalização é o aumento da influencia do que não está aqui,
aqui. Tal concepção, ao mesmo tempo em que permite pensar o presente, mantém
seu caráter processual (estamos falando, de novo, do aumento de intensidade
de um processo) levando a considerar a história das diferentes relações entre o
próximo e o distante, entre ‘nosotros’ e ‘los otros’, fórmula que fica muito mais
clara em espanhol (RIBEIRO, 2008, 14-15).
Acompanhar o fluxo de pessoas, coisas e/ou informações, pode ser um caminho
interessante para pensar as identidades indígenas. Pois, na medida em que indígenas estão
inseridos e/ou em interação com esses fluxos globais, eles possivelmente (re)elaboram,
modificam e (re)afirmam suas identidades étnicas.
Adentrando mais detalhadamente nas propostas de Ribeiro (2008), ele ainda nos aponta
cinco caminhos os quais ele considera noções fundamentais para compreender a globalização.
A primeira é a de sistema mundial, do marxista Immanuel Wallerstein, que evidencia as relações
entre centro e periferia e a existência de um sistema em expansão, do qual unidades participam
de formas diferenciadas. A segunda advém do livro A condição pós-moderna de David Harvey,
onde a compreensão do espaço-tempo é contextualizada histórica e socialmente e resulta no
fenômeno expresso pela metáfora de “encolhimento do mundo”. A terceira noção diz respeito
à “níveis de integração sociocultural”, ideia formulada pelo antropólogo Julian Steward que
propõem que sejam desenvolvidos instrumentos etnográficos de interpretação da imersão/
exposição de pessoas em contextos locais e supralocais, na interpretação de Ribeiro, locais,
regionais, nacionais, internacionais e transnacionais. A quarta é menos uma noção do que um
quadro interpretativo e se refere à ideia de panoramas (etnopanorama, finançopanorama,
tecnopanorama, mídiapanorama e ideopanorama), de Arjun Appadurai, que leva em
consideração a posição dos agentes em determinados contextos para a definição da perspectiva,
o ângulo especifico, do que é experimentado e visto. A última noção que Ribeiro propõe é a de
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SAMUEL DOUGLAS FARIAS COSTA
segmentação étnica do mercado de trabalho, desenvolvida por Eric Wolf, que se refere a um
cruzamento entre as noções de classe e etnia e nos permite perceber como uma mesma realidade
(capitalista) é compartilhada por olhares diferenciados.
Como vimos, Ribeiro (2008) reúne um amplo quadro teórico, pois, entende a globalização
como um fenômeno complexo que está atrelado a uma tensão entre processos de homogeneização
e heterogeneização da vida social, cultural, política e econômica. Em contextos globalizados,
torna-se mais evidente a complexidade, diversidade e pluralidade étnico-cultural. Nesse sentido,
é importante nos atentarmos também para os efeitos causados pelos discursos sobre o Estado
Nação nesses contextos plurais. Para Hall (2011), as culturais nacionais são comunidades
imaginadas (conceito desenvolvido por Benedict Anderson [2008]), discursos e narrativas
construídas a partir de símbolos e representações, tanto do passado quanto da modernidade,
em busca de uma unificação. Essa unidade forja uma identidade étnica (nacional) que passa
por cima das diferenças étnico-culturais internas de uma nação. A eleição dos elementos que
compõem um discurso de identidade nacional é feita, sobretudo, por sujeitos que ocupam uma
posição de poder, no caso na história brasileira, estamos falando dos colonizadores europeus.
Para Hall, nenhuma nação é composta por um único povo, cultura ou etnia, sendo assim, afirma
que as nações modernas são todas híbridos culturais. Nesse sentido, o discurso nacionalista
escamoteia a diversidade étnica dos povos indígenas que habitam o território brasileiro.
A noção de hibridismo utilizada por Hall (2011) permite pensar que diversas identificações
culturais estão ligadas a fusão de tradições, ressignificações culturais, combinações, misturas
e criação de novas identidades que transitam entre o local e o global. Ele nega o argumento
de que as identidades nacionais estão sendo completamente homogeneizadas pelos processos
da globalização, essa ideia seria demasiado simplista. Ao lado da corrente homogeneização
cultural difundida pelos centros de poder, percebe-se o fascínio pela diferença e a produção
de identidades plurais dentro de contextos nacionais. Para Hall, a globalização pode ser parte
do movimento de descentramento do Ocidente. Dessa forma, em vez de perceber o mundo
contemporâneo como homogeneizado e unificado, é muito mais correto e profícuo pensar as
várias identificações e articulações entre local e global.
Ao propor a ideia de hibridismo, Stuart Hall (2011) enfatiza menos a noção de identidades
culturais e mais a de identificações culturais, o que nos remete a ideia de pertencimentos mais
fluídos e fragmentados. Outro autor que trabalha com esta questão é Néstor García Canclini
(2008), que adota o termo híbrido para pensar a heterogeneidade composta pela combinação
e interação entre diferentes elementos culturais (populares, eruditos, de massa, tradicionais,
modernos, etc.) no lugar do que ele considera definições genéricas de identidade. Nessa
perspectiva, a ideia de hibridismo tem se mostrado como um caminho alternativo à noção de
identidade, embora não seja necessariamente uma oposição ou negação das mesmas.
A noção de comunidades imaginadas de Anderson (2008) também tem sido muito
presente nos estudos sobre globalização. Além de Hall, como já vimos em suas formulações
sobre o Estado Nação, outro pesquisador que se apropria dessa noção e que também pode nos
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IDENTIDADES ÉTNICAS E GLOBALIZAÇÃO:
APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA PENSAR A SITUAÇÃO DE INDÍGENAS EM CONTEXTOS URBANOS
ajudar a compreender as coletividades e a cultura no mundo globalizado é Arjun Appadurai
(1996). Segundo este autor
[...] a comunicação eletrónica e as migrações marcam o mundo do presente, não
como forças tecnicamente novas, mas como aquelas que parecem impelir (e, por
vezes, compelir) a obra da imaginação. Juntas, criam irregularidades específicas
porque espectadores e imagens estão em circulação simultânea (APPADURAI,
1996, p. 15).
Appadurai destaca os meios de comunicação e migração em massa como dois diacríticos
do mundo contemporâneo globalizado. Esses dois elementos interligados possuem efeitos
significativos na construção de eus imaginados e mundos imaginados. A imaginação aqui não
se restringe à arte, mito e ritual, mas constitui a atividade mental cotidiana. Diz respeito à
imaginação como fato social, algo coletivo e objetivo, que, além de impulsionar para a ação,
pode gerar comunidades de sentimentos (quando grupos começam a imaginar e sentir coisas em
conjunto) e comunidades transnacionais (APPADURAI, 1996).
Segundo Clanclini (2007), a globalização mobiliza a interculturalidade e também a
produção de imaginários. O extra-local é sempre obscuro, não indentificável, e os sujeitos criam
imaginários sobre esses circuitos desconhecidos. Nesse sentido, para o autor, a globalização
é um objeto não-trabalhável, fugidio e, sendo assim, possível de ser abordado por meio de
narrativas e metáforas dos sujeitos e coletivos sobre o global, ou, em outras palavras, os diversos
globais imaginados. É importante destacar que o autor não considera o imaginado como algo
falso, mas como constituinte da vivencia dos sujeitos.
Nessa perspectiva, considero que o estudo de comunidades imaginadas, impulsionadas
pela circulação de objetos, pessoas e informações, é relevante para compreendermos os discursos
identitários dos indígenas nas cidades. Etnograficamente, este é um caminho que parece ser
profícuo, pois, podemos tomar a globalização como objeto de análise por meio das narrativas
dos sujeitos. Se a identidade nacional é um discurso pautando em uma comunidade imaginada
(o Estado Nação), outras identidades sociais podem seguir a mesma lógica. É uma possibilidade
a se verificar em casos empíricos.
Apesar da grande relevância de toda essa bagagem de estudos para pensar as populações
indígenas, os autores apresentados aqui até o momento não tiveram estes sujeitos como foco
específico de suas formulações. Nesse sentido, chamo à conversa o etnólogo João Pacheco de
Oliveira (1998), uma das principais referência da etnologia indígena contemporânea que se
debruçou a pensar essas populações inseridas em fluxos culturais.
Oliveira (1998) se baseia especificamente no caso dos povos e culturas indígenas do
Nordeste brasileiro para pensar a etnicidade e a emergência de novas identidades em contextos
contemporâneos. O autor verifica que é, sobretudo, a partir de demandas políticas que os atuais
povos indígenas do Nordeste são colocados como objetos de atenção dos antropólogos. Oliveira
(1998) afirma que “[...] o desafio à ação indigenista é reestabelecer os territórios indígenas,
promovendo a retirada dos não índios das áreas indígenas, desnaturalizando a “mistura” como
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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única via de sobrevivência e cidadania” (p. 53, grifos do autor). Nesse sentido, esse fenômeno no
Nordeste foi entendido por alguns como um processo de etnogênese, que se refere à emergência
de novas identidades e a reinvenção de etnias já conhecidas. Porém, Oliveira privilegia uma
leitura através da noção de territorialização, que ele define como
[...] um processo de reorganização social que implica: 1) a criação de uma nova
unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica
diferenciadora; 2) a constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a
redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; 3) a reelaboração da
cultura e da relação com o passado (OLIVEIRA, 1998, p.55, grifos do autor).
Para a leitura desse processo de reorganização social, Oliveira (1998) coloca em diálogo
antropologia e história e considera a presença colonial como um fato histórico que instaura
uma nova relação entre sociedade e território. Considero relevante levar essa abordagem para
além da “etnologia do Nordeste” para pensar a situação de indígenas que habitam aldeias ou
comunidades urbanas. No entanto, será que todos os indígenas citadinos se organizam de acordo
com uma unidade sociocultural?
Dentre algumas indicações teórico-metodológicas oferecidas por Oliveira (1998), uma
delas diz respeito a não tomar a cultura como coextensão de sociedades nacionais ou grupos
étnicos. Dentre as abordagens que buscam escapar dessa armadilha, ele traz Ulf Hannerz
(1997), com o qual abandonamos os sistemas fechados para pensar a cultura a partir de fluxos
e circulações de significados. Com Hannerz, mais uma vez nos deparamos com a ideia de
hibridez cultural.
Dentre os vários autores e suas teorias apresentadas aqui, gostaria de destacar alguns
elementos que considero relevantes pra pensarmos identidades étnicas e globalização.
Primeiro, a noção de globalização que atenta para a circulação de coisas, pessoas e informações
(RIBEIRO, 2008). Segundo, a abordagem da cultura inserida em fluxos e circuitos dinâmicos
e a noção de hibridez (CANCLINI, 2008; HALL, 2011; HANNERZ, 1997). Terceiro, as
noções de comunidade imaginada e globalização imaginada como profícuas para pensar a
organização de diferentes tipos de comunidades no mundo globalizado e a possibilidade de,
em consonância com elas, emergirem identidades/identificações étnicas (ANDERSON, 2008;
APPADURAI, 1996; CANCLINI, 2007; HALL, 2011). Quarto, a noção de territorialização
para pensar especificamente associações e comunidades indígenas dentro das cidades ligadas a
demandas territoriais, reorganizações culturais, étnicas e demandas políticas, e a construção de
identidades que articulem esses elementos (OLIVEIRA, 1998).
O caminho de teorias percorridas aqui até o momento não pretende dar conta de toda a
discussão sobre identidades étnicas e globalização. A preocupação aqui é encontrar subsídios
teórico-metodológicos considerados profícuos para pensar indígenas em contextos urbanos.
Nesse sentido, faz-se necessário articularmos a esse debate algumas especificidades dos estudos
das/nas cidades.
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IDENTIDADES ÉTNICAS E GLOBALIZAÇÃO:
APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA PENSAR A SITUAÇÃO DE INDÍGENAS EM CONTEXTOS URBANOS
CIDADES FLUÍDAS
Nas ciências sociais, pensar as cidades diz respeito mais às relações sociais, culturais,
econômicas e políticas presentes nos contextos urbanos, do que o espaço físico em si. Alguns
autores clássicos nos dão bases para entender as cidades dessa forma. Esse é o caso do sociólogo
alemão Georg Simmel (1858-1918), que, em texto publicado pela primeira vez em 1902, afirma
que
Não são apenas o tamanho imediato da área e o número de pessoas que, em função
da correlação histórica universal entre o aumento do currículo e a liberdade
pessoal interior e exterior, fizeram da metrópole o local da liberdade. É antes
transcendendo essa expansão visível que qualquer cidade dada se torna a sede do
cosmopolitismo. [...] Pois é da natureza característica da metrópole que sua vida
interior transborde em ondas para uma vasta área nacional ou internacional. [...] A
característica mais significativa da metrópole é essa extensão funcional para além
de suas fronteiras físicas (SIMMEL, 1979, p. 20-21).
Já por volta da virada do século XIX para o XX, Simmel nos possibilita pensar
o cosmopolitismo em relação a vida urbana. Embora ele trabalhe com noções um tanto
essencializadas, como a oposição entre a metrópole e a vida rural, o autor é uma referência
importante para os estudos sobre o urbano na perspectiva que se propõe aqui.
Dentre os autores contemporâneos, Michel Agier (2011) é um dos que ultrapassa essa
noção de uma cidade “dada” (como coloca Simmel). Para ele, a cidade deve ser tomada como
uma noção universal, global e planetária, pode estar presente nos mais diversos contextos e
deve ser construída pelo antropólogo a partir de situações etnográficas.
[...] o antropólogo tem necessidade de se emancipar de qualquer definição
normativa e a priori de cidade para poder procurar a sua possibilidade por toda
a parte, trabalhando para descrever o processo. É essa posição que dá ao saber
antropológico um lugar à parte e reconhecível no conjunto dos conhecimentos da
e sobre a cidade, disponibilizando-os para todos. Cidade vivida, cidade sentida,
cidade em processo... Trata-se de uma interrogação que diz respeito aos citadinos
e à sua experiência de cidades. A cidade já não é considerada “uma coisa” que
eu possa ver nem “um objeto” que eu possa apreender como totalidade. Ela
transforma-se num todo decomposto, um holograma perceptível, “apreensível” e
vivido em situação (AGIER, 2011, p.37-38).
Nessa perspectiva, a noção de cidade defendida pelo autor não condiz com uma definição
externa, urbanística, estatística ou administrativa, mas está relacionada a um urbano presente na
experiência dos sujeitos (AGIER, 2011), nesse sentido, podemos afirmar que a cidade está na
cultura, nos estilos de vida, gostos e práticas dos citadinos, e não confinada às fronteiras de um
determinado espaço geográfico.
Nessa perspectiva, outro teórico importante nas discussões sobre a vida urbana e a
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globalização é Ulf Hannerz (1997; 1999). Este elege as noções de fluxos, fronteiras e híbridos,
como palavras-chaves nos debates contemporâneos da antropologia, sobretudo devido à
influência da globalização e transnacionalização no que os antropólogos entendem como cultura.
Hannerz nos aponta para a necessidade de superarmos pressupostos de espaço e localidade
para entendermos a vida social em termos relacionais. Essa perspectiva nos é muito útil para
abordarmos as cidades como um urbano fluído e não fixo a um território específico. Para o autor,
[...] a cidade tende a ser o lugar onde a relações de distância e curta distâncias
coexistem, e onde as pessoas interagem mais intensivamente a partir das
combinações dessas relações. [...] De meu ponto de vista, por exemplo, as cidades
deveriam ser os lugares estratégicos para pensar a cultura em termos de uma
organização da diversidade. (1999, p. 154)
Nas cidades a influência do que não está aqui, aqui, salta aos nossos olhos. O meio
urbano é caracterizado pelo cosmopolitismo e pluralidade – diferenças, diversidades e
desigualdades sociais e culturais –, as relações entre local e global são evidenciadas. Sendo
assim, a cidade é um caminho profícuo pelo qual podemos compreender algumas faces da
globalização. Canclini (2010) propõe realizar a articulação entre urbanidade e globalização,
sobretudo, pelo impacto causado pelos meios de comunicação e pelo consumo nos moldes
contemporâneo nas identidades “clássicas” (nacionais, étnicas, de classe) e o que isso gera em
termos de heterogeneidade e hibridação (noções por ele priorizadas em vez de identidade).
Sobre as grandes cidades latino-americanas, ele afirma que
[...] as transformações que nelas ocorrem tem como principais focos geradores,
processos intrínsecos derivado do desenvolvimento desigual e das contradições
destas sociedades: migrações maciças, contração do mercado de trabalho, políticas
urbanas de habitação e de serviços insuficientes para a expansão da população e do
espaço urbano, conflitos interétnicos, deterioração da qualidade de vida e aumento
alarmante da insegurança. As grandes cidades do continente, que os governos e
os migrantes camponeses imaginavam até há poucos anos como avanços de nossa
modernização, são hoje os cenários caóticos de mercados informais nos quais
multidões procuram sobreviver sobre formas arcaicas de exploração, ou nas redes
da solidariedade ou da violência.
Tudo isso deve ser visto como produtos de dinâmicas internas e, simultaneamente,
em relação com as novas modalidades de subordinação das economias periféricas,
da reestruturação transnacional dos mercados de bens materiais e de comunicação
(CANCLINI, 2010, p. 16).
Nesse trecho, o autor nos lembra do caráter desigual da globalização e evidencia como
isso está caracterizado no continente latino-americano. Sendo assim, pluralidade e diferenças
nas cidades expressa-se tanto na diversidade quanto nas desigualdades socioculturais, o que
torna os processos de construção de identidades mais complexos. Nesse sentido, é profícuo
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IDENTIDADES ÉTNICAS E GLOBALIZAÇÃO:
APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA PENSAR A SITUAÇÃO DE INDÍGENAS EM CONTEXTOS URBANOS
pensarmos em termos de heterogeneidade e hibridação, como coloca Canclini, e no que se
refere ás identidades, talvez, a noção de identificação seja mais apropriada, devido ao seu
caráter explicitamente situacional e fluído.
Mas seriam, então, apenas as grandes cidades os espaços para se pensar a diversidade,
heterogeneidade e o cosmopolitismo? Não necessariamente, é importante retomarmos a noção
de Agier de cidade, a qual é desterritorializada e deve ser construída a partir da etnografia com
os citadinos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir que os debates clássicos a respeito das identidades étnicas são uma importante
base para pensarmos os encontros entre grupos distintos, processo que está intimamente
interligado com a globalização. Apesar das grandes e inegáveis contribuições de teóricos como
Barth e Cardoso de Oliveira nessa discussão, estes ainda trabalhavam com noções de identidades
dentro de jogos binários, de oposições, “eu” e o “outro”, “nós” e os “outros”. Ao longo deste
trabalho tentei demonstrar como pensar sujeitos urbanos no mundo contemporâneo implica em
pensar múltiplas identidades em jogo. Estas são sempre instáveis, fluídas e situacionais, e, por
isso, a noção de identificações pode vir a ser profícua.
No que diz respeito especificamente às populações indígenas, a ideia é pensar a
etnicidade dentro do que Hall (2011) chama de “jogo de identidades”. Afinal, é relevante
questionar em quais relações a etnia é um elemento acionado pelos indígenas? Quando essa
identidade se oculta? E, além disso, como se configura essa identidade étnica no meio urbano?
Quais elementos são eleitos para compô-la? Como são utilizados? Como se dão os processos de
ressignificação? Como estes sujeitos consomem cultura? Como dialogam com os fluxos globais
e processos de hibridação, imaginam a globalização e a partir disso acionam uma identidade/
identificação étnica específica?
O debate aqui apresentado nos indica alguns caminhos e nos suscita várias questões.
A relação entre indígenas, cidades e globalização, não é muito comum de ser encontrada nos
trabalhos antropológicos. Todavia, a emergência deste tema, seus diversos aspectos e possíveis
abordagens, tem o potencial para servir de fonte de reflexões e contribuições para os debates
contemporâneos sobre o fazer etnográfico e com a antropologia em geral. Ainda, possíveis
estudos empíricos sobre o tema, podem vir a se relacionar com uma antropologia aplicada e
servir como consulta para criação de políticas públicas e projetos voltados especificamente
para indígenas em situação de urbanidade. Em síntese, aponto aqui um tema potencialmente
profícuo à antropologia e com possíveis contribuições para com o universo social.
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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SAMUEL DOUGLAS FARIAS COSTA
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IDENTIDADES ÉTNICAS E GLOBALIZAÇÃO:
APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA PENSAR A SITUAÇÃO DE INDÍGENAS EM CONTEXTOS URBANOS
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ALIMENTAÇÃO E IDENTIDADE: DESVELANDO
A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA POR MEIO DE
HÁBITOS ALIMENTARES
Stefany Ferreira Feniman
Graduada em Ciências Sociais, pesquisadora extensionista de cultura alimentar em assentamentos
de reforma agrária do Paraná SETI-PR, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Universidade Estadual de Maringá – UEM/PR
Resumo: A proposta deste artigo é analisar a adoção de hábitos alimentares específicos a
partir da teoria da identidade, como um modelo científico de interpretação antropológica. Isso é
possível graças ao fato de que há múltiplos comportamentos sociais centrados na comida e, se
compararmos, cada um deles expressa diretamente a cultura em que está inserido. Para tanto,
este trabalho elucida características básicas pertinentes ao conceito de Identidade, articulando,
na sequência, com dimensões dos comportamentos alimentares e sustentando, ao fim, que a
identidade e a alimentação são associações que contam com o amparo da memória.
Palavras-chave: Hábitos alimentares; Identidade; Memória.
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ALIMENTAÇÃO E IDENTIDADE: DESVELANDO A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA POR MEIO DE HÁBITOS ALIMENTARES
NOTAS SOBRE A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA
Apesar das múltiplas diferenças culturais existentes entre os diversos setores da humanidade,
a mente humana é dotada de capacidades comuns a todos os indivíduos. Esta é uma das
grandes contribuições deixadas pelo legado de Lévi-Strauss (1978) acerca das congruências
entre o pensamento primitivo e o pensamento civilizado. A humanidade, em sua igualdade de
capacidade mental, caracteriza-se por uma fecunda pluralidade de trajetórias que coexistem em
inter-relações, em âmbito material e simbólico.
Nesta pluralidade de trajetórias, os elementos que podem definir os sujeitos são tantos,
que há a necessidade de autoconsciência de si: para si, para o grupo e para os outros. Isto faz
parte d o processo de elaboração da ideia de pessoa no mundo, ou seja, da identidade sendo
construída e reconstruída de forma permanentemente fluída, de forma nenhuma fixa e constante,
mas sim passível de mudanças ao longo do tempo, conforme a dinamicidade das relações e do
imaginário social.
A identidade social, portanto, é um processo ativo, em movimento, de pulsões e conflitos,
que diz respeito a um projeto coletivo que se afirma e possui certa constância, mas não é algo
estático e imóvel, está sujeita a transformações. A identidade pode mudar, e ganhar diversos
sentidos.
De acordo com Guillermo Raul Ruben (1992, p. 89), a teoria geral da identidade
contemporânea “pretende a formulação das condições de agregação e reprodução de toda
e qualquer sociedade”. Isto porque o autor considera esse caráter dinâmico das identidades,
todavia pondera pelo paradigma antropológico que defende as continuidades dos diferentes
grupos sociais, as suas permanências, as afirmações de si próprios, resistindo às ideias de
perspectivas antropológicas que defendiam as dispersões culturais diante de outras sociedades
maiores e mais hegemônicas.
Ruben (1992, p. 85) também afirma que “Todas as sociedades são portadoras de
dimensões culturais especiais, próprias e únicas”. Essas dimensões manifestam-se sob muitos
aspectos, pautando os valores de sua organização social, e é assim que “persistem e configuram
a sua estrutura viabilizando, portanto, a sua reprodução como sociedade humana” (Ruben,
1992, p.85).
A expressão dessas dimensões culturais dá origem às fronteiras identitárias que são
acionadas pelos indivíduos. Elas são de ordens simbólicas, materiais e morais, traçadas por
meio de significados, símbolos e representações, elaborados e reelaborados constantemente
pelos grupos. Isso leva à identificação do sujeito com aquilo que lhe é próximo, semelhante e
lhe aprouver, mas também levando à retaliação daquilo que lhe é diferente e alheio. Isso quer
dizer que é a partir de elaborações culturais, representações criadas pela coletividade, que as
identidades se revelam e se traduzem.
Roberto Cardoso de Oliveira (1975) preconiza que “o homem não pensa isoladamente,
mas através de categorias engendradas pela vida social”. Partindo de Durkheim, Oliveira
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STEFANY FERREIRA FENIMAN
entende essas categorias da vida social como elaborações feitas de peças e fragmentos onde o
indivíduo é o obreiro desta construção.
Uma vez criadas, as identidades ganham autonomia, transitam, se topam, se aproximam
e engendram nova gama de representações. Nas dimensões culturais, elementos são acionados
para caracterizar o sujeito e o grupo quanto aos hábitos alimentares, artefatos, costumes,
ancestralidade, gêneros de vida, meio, território, instituições, concepções, atividades, crenças,
nacionalidades, faixas etárias, etc.
Roberto Cardoso de Oliveira (1975) entende a Identidade como um fenômeno
bidimensional, que se apresenta tanto em âmbito social, por meio da identidade coletiva, quanto
em âmbito pessoal, por meio da identidade individual. Sendo assim, a partir da fidelidade
durkheimiana, ela é explicada pela via sociológica sem, contudo, ignorar o psíquico. Em
diferentes situações concretas, ocorrem mecanismos de identificação, que refletem a identidade
em processo, ou seja, a maneira como ela é assumida por indivíduos e grupos.
A partir da leitura de Erving Goffman (1963), Roberto Cardoso de Oliveira (1975)
também fixa que a identidade social – uma ideologia e uma forma de representação coletiva –
surge a partir da atualização desse processo de identificação, envolvendo a noção de grupo, do
coletivo social, e como reflexo, este processo tem em si a identidade pessoal.
O autor reconhece os efeitos que as representações sociais partilhadas dentro de um
grupo possuem sobre o indivíduo, quando este se reconhece como membro, ou integrante,
ou pertencente àquela categoria em jogo, diante de uma situação específica de afirmação.
Reconhece, portanto, esse caráter bidimensional do coletivo manifesto na identidade individual
do sujeito.
Indo nesta mesma linha de raciocínio, de acordo com o sociólogo Michael Pollak, em
Memória e Identidade Social:
A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros,
em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade,
e que se faz por meio da negociação direta com os outros (POLLAK, 1992, p. 5).
Há elementos que são centrais na demarcação dessas fronteiras entre o “eu” e o “outro” e
isso significa dizer que na medida em que se constrói a representação do “Eu”, simultaneamente
se constrói também a representação sobre o que é o “outro”, uma vez que a identidade se
estabelece e se fortalece a partir de relações de negação e diferenciação em relação ao Outro.
Concomitante ao processo de pertencimento na elaboração da identidade ocorre também
o processo de diferenciação. Na medida em que se defende uma posição social específica
dentro de uma cultura, de costumes, hábitos, tradições determinadas, ou seja, na medida em
que se adota uma assimilação de si, a sua representação do “eu”, consequentemente, estabelece
um processo de distanciamento, de contrapontos em relação àquilo que não lhe diz respeito,
demarcando diferenças.
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ALIMENTAÇÃO E IDENTIDADE: DESVELANDO A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA POR MEIO DE HÁBITOS ALIMENTARES
Marcelo Paixão, em Manifesto anti-racista (2006), ao tratar de relações étnico-raciais,
apresenta uma síntese interessante acerca da construção das identidades coletivas na plenitude
de sua complexidade:
“Deve-se reconhecer que as formas de identidade pessoal de um indivíduo não
são únicas e que, portanto, negros, indígenas e brancos, de ambos os sexos, além
de portadores de uma determinada aparência física, são igualmente brasileiros,
desenvolvem uma dada atividade econômica, realizam atividades educacionais,
esportivas e culturais, moram em uma certa região do país, professam uma
determinada fé e, a cada momento de suas vidas, inscrevem-se em faixas
etárias específicas. Todas essas formas de identidade, na dinâmica da vida real,
interpenetram-se, produzindo múltiplos vínculos sociais.” (PAIXÃO, 2006, p.
13).
Vale ressaltar que na externalização da identidade, apenas uma parte dessa multiplicidade
de elementos possíveis é retida para se definir. Compreende-se então outra de suas características:
a flexibilidade. Isso implica considerar que as identidades não são neutras, os indivíduos
assumem determinado pertencimento ou distanciam-se dele de forma calculada, no sentido de
que sua expressão ocorre com uma finalidade bem demarcada de intencionalidade no espaço e
no tempo.
A partir dessa localização histórica e espacial, Stuart Hall, em Quem precisa da
identidade? (2004), afirma:
É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do
discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos
e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas
específicas, por estratégias e iniciativas específicas. Além disso, elas emergem no
interior do jogo de modalidades específicas de poder e são assim mais o produto
da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica,
naturalmente constituídas, de uma “identidade” em seu significado tradicional
– isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma identidade sem costuras, inteiriça,
sem diferenciação interna. (HALL, 2004, p. 109)
Esse acionar de apenas uma parte de seus elementos identitários, diante de estratégias
e iniciativas específicas, revelando sua intencionalidade, também foi explanado por Roberto
Cardoso de Oliveira (1975), chamando de “manipulação em situações de ambiguidade”, atributo
que revela que a identidade é manifesta a partir de critérios valorativos, com vistas a ganhos
e perdas na situação de contato diante do outro. Ou seja, diante de inter ou intrarrelações,
representações são acionadas pelo indivíduo e por seu grupo, em termos das quais classificam a
si próprios e aos outros, de forma a afirmar-se positivamente diante de seu interlocutor.
A permanência dessas amplas dimensões significantes em jogo que contribui para que as
diferenças entre as sociedades se mantenham. Diante de tais elucidações a respeito do conceito
de identidade, coloca-se agora o desafio de pensar o ato de se alimentar como um desses vieses,
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capazes de expressar pertencimentos e afastamentos. E ainda, ponderar a perpetuação de valores,
símbolos e signos alimentares que qualificam uma identidade coletiva, apesar da dinâmica de
transformação e mudança do mundo globalizado contemporâneo, como um marco identitário
de afirmação de uma cultura, contando, para tal, conta com o mecanismo da memória coletiva.
COMIDA E IDENTIDADE
A incorporação da comida significa a introdução de alimentos pela via oral enquanto substâncias
nutritivas a serem metabolizadas pelo organismo permitindo a nossa subsistência, e também a
expressão de significados referentes à escolha alimentar, traduzindo valores por meio da seleção
e opção por aquilo que comemos e desejamos comer.
O fato de a comida ser ingerida e adentrar o organismo de cada ser humano leva à
relação de substanciamento, encarnação de pessoa. Este ato portanto é carregado de carga moral
e simbólica que se traduzem pelo modo como se come. (Mintz, 2001). A culinária, os hábitos
alimentares, os critérios de comestibilidade, as comidas, são engendrados por uma estrutural
cultural complexa que expressa características, relações e implicações da sociedade.
Dize-me o que comes e te direi qual deus adoras, sob qual latitude vives, de qual
cultura nascestes e em qual grupo social se incluis. A leitura da cozinha é uma
fabulosa viagem na consciência que as sociedades têm delas mesmas, na visão
que elas têm de sua identidade. (Maciel apud Bassis: 1995, p. 10)
Diante disso, é possível refletir sobre a alimentação em seu potencial de comunicar
identidades sociais, étnicas, religiosas, etc., uma vez que ao mesmo tempo em que sacia o corpo
a comida também aponta pertencimento, adesão a um sistema de seleção de múltiplos valores
simbólicos, compartilhados e reconhecidos social e culturalmente.
É possível chegar à reflexão sobre o que se é por intermédio do que se come. A partir da
antropóloga Vivian Braga, em Cultura Alimentar: contribuições da antropologia da alimentação
(2004), se entende que os sentidos dados as nossas escolhas e aos nossos hábitos alimentares
são provenientes das identidades sociais que possuímos:
Sejam as escolhas modernas ou tradicionais, o comportamento relativo à comida
liga-se diretamente ao sentido que conferimos a nós mesmos e à nossa identidade
social. Desse modo, práticas alimentares revelam a cultura em que cada um está
inserido, visto que comidas são associadas a povos em particular. (BRAGA,
2004, p. 39)
Conforme já anunciava Lévi-Strauss (2004), a comida é boa para comer e também boa
para pensar. Se usada como um mecanismo de reflexão da sociedade, por ela se expressam
significados e representações coletivas. A partir desta premissa, é possível compreender como
o sentido da identidade social guarda relações diretas com os hábitos alimentares: o contexto
como surgem, a forma com que se reinventam, como e onde se manifestam, seus significados,
traduzindo, enfim, a especificidade de diferentes campos em interação de uma sociedade.
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ALIMENTAÇÃO E IDENTIDADE: DESVELANDO A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA POR MEIO DE HÁBITOS ALIMENTARES
Com atitudes apreendidas desde a primeira infância, os ensinamentos e aprendizados
sobre a comida são transmitidos e recebidos em conformidade com os lugares onde se situam e as
crenças que os cerceiam, remetendo a uma identidade de lugar. A forma com que desde crianças
aprendemos a comer guarda relação com dimensões simbólicas diretamente da cultura onde
estamos inseridos. Somos iniciados às questões alimentares relativas à higiene, à classificação,
hierarquia, valores e tabus, determinados em função de um aparato material cultural, simbólico
e historicamente derivados.
A capacidade de traduzir identidades presente nos alimentos aparece na afirmação de
determinados hábitos alimentares ou no significado que a comida, ou certos pratos, assumem
entre os grupos. As preferências e a seleção dos alimentos como comestíveis e não-comestíveis
guardam relação com esses fatores, com essas dimensões. Diversos exemplos de pesquisas em
antropologia reconhecem a presença dessa razão cultural em nossos hábitos alimentares.
Marshall Sahlins (1979), a partir da sociedade americana, expressa a unidade de
produção, distribuição e consumo que tipifica seu sistema alimentar. O autor estabelece que
a relação produtiva de alimentos é dada por avaliações qualitativas de comestibilidade e não
comestibilidade, que não se justificam por critérios prioritariamente biológicos, ecológicos ou
econômicos.
A ordem cultural e simbólica dos americanos é que determina os sistemas de produção,
mercado e consumo das carnes animais de porco, boi, cavalo e cachorro. Seus níveis de
comestibilidade são proporcionais ao distanciamento do animal com a humanidade. De forma
bastante sucinta, cachorros e cavalos, respectivamente, não são alimentos autorizados porque
são animais que participam da sociedade, possuem a condição de sujeitos entre os humanos. Em
contrapartida, porcos e bois tem status de objetos, são anônimos, portanto comestíveis.
Sua estrutura social, portanto, orienta a produção para satisfação de comida e vestuário
com caráter utilitarista e funcional. De acordo com Sahlins, a racionalidade do mercado
e o mecanismo de oferta-demanda-preço são implicados pela ordem da cultura e do código
simbólico da sociedade burguesa americana.
Nas palavras de Sahlins (1979):
[...] o esquema simbólico de comestibilidade se junta com aquele que organiza
as relações de produção para precipitar [...] toda uma ordem totêmica, unindo
em uma série paralela de diferenças o status das pessoas e o que elas comem.
(Sahlins, 1979, p. 196).
É essa lógica simbólica, portanto, que organiza a demanda: o calculo da preferência
de comida é dado por uma dimensão significativa. Isto quer dizer também que o valor social
estabelece o valor econômico. Indivíduos de menor poder aquisito compram pesos simbólicos
mais baratos de comida, quer dizer, classificados socialmente como de menor prestígio.
Enquanto indivíduos mais abastados adquirem pesos mais altos e comidas de grande carga
simbólica valorativa (Sahlins,1979).
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STEFANY FERREIRA FENIMAN
Isso indica que a comida também serve como veículo para pensar a identidade do pobre
e a sua privação, pois existe um distanciamento entre os alimentos apropriados e os alimentos
desejados. A definição da comestibilidade vincula-se a critérios econômicos, cerceados pela
renda e nível de escolaridade da população, no entanto possui raízes muito mais fortes e
resistentes, uma vez que estão presas, além das condições materiais e de acesso, às marcas da
cultura, à aprendizagem de seus elementos, à socialização, permeadas de simbolismo, crenças
e valores.
Registra-se polarização entre comida de rico/comida de pobre, apenas como uma
dentre múltiplas e complexas classificações possíveis, marcando seu potencial de identificar e
subdividir indivíduos consumidores por classe social, gênero, faixa geracional, etc.
O valor social impõe-se de tal forma preponderante, que até mesmo do ponto de visto
nutritivo, as noções de “melhor” e “inferior”, “saudável” e “nocivo”, são difíceis de defender,
uma vez que nem sempre as comidas classificadas e defendidas por profissionais de nutrição
coincidem com aquelas comidas de prestígio social. (Sahlins,1979).
Sidney Mintz (2001) constrói interessante dissertação sobre os rumos do mercado
mundial de alimentos, sobre a complexificação das comunidades no mundo moderno e suas
interconexões econômicas, alertando para o fato de não produzirem o que comem ou o que
consomem, e pondera ainda sobre a acelerada difusão da alimentação, produzindo uma
padronização em escala mundial.
Os sistemas de distribuição existentes hoje na era globalizante e essa difusão de novos
e diferentes alimentos permitem ao público consumidor que se identifique com múltiplos
referenciais que podem variar, por exemplo com o consumo dos fast-foods e de comidas
asiáticas em diversas partes do mundo, presentes em localidades que não foram o berço de seu
concebimento.
Neste panorama de Mintz, os atos de compra e de consumo, no geral, e de alimentos, em
específico, possuem a capacidade de evidenciar materialmente uma identidade transcendental,
revelando um pertencimento e adesão a um mercado que nesse cenário não se limita a fronteiras
geográficas. Trata-se de um comportamento alimentar, de um discurso, que manifesta um
pertencimento, típico de um grupo de pessoas que compartilham dos mesmos atos, podendo
estar em diferentes lugares do globo.
Diante do cenário de difusão das diferentes dietas alimentares ao redor do mundo,
portanto, possuir uma identidade na alimentação hoje é ser amparado pela expectativa de
encarnar um produto, determinado item ou objeto, independente do fato de se tratar do seu
lugar de origem. Isto porque acompanhado de seu consumo, espera-se que junto, evoque a um
território, a uma lembrança, a um cenário, a costumes e referencias.
Sidney Mintz (2001) reconhece que “Os comportamentos relativos à comida podem, às
vezes simultaneamente, ser os mais flexíveis e os mais arraigados de todos os hábitos” (2001,
p.34). Cabe ressaltar que a dieta alimentar, enquanto um fenômeno individual pode assumir
esse caráter flexível, não totalmente rígido e coerente, com a adoção de diferentes costumes,
que não dizem respeito eminentemente aos de sua cultura de origem.
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Hábitos alimentares também revelam certa ambiguidade porque após serem cristalizados
se expressam como um dos costumes mais arraigados de uma cultura também, como os mais
difíceis de serem modificados, de acordo com o próprio autor, característica que se observa
marcante junto à vários grupos identitários que se afirmam por meio da alimentação e que
portanto, dificilmente abririam mão de seus marcos diacríticos.
E o autor chega à ponderação de que “uma estranha congruência de conservadorismo
e mudança nos acompanha sempre no estudo da comida”. (MINTZ, 2001, p.34). Apesar da
tendência à mundialização da dieta alimentar, ele identifica exceções a tal inclinação, pois
enquanto um fenômeno coletivo, a comida também manifesta comportamentos arraigados,
associados à história de seus povos, nações ou regiões. Por isso remetemos a questões constantes
de identidade e etnicidade, a tal ponto que o abandono de comidas tradicionais em determinadas
sociedades, requereria um rearranjo social e simbólico considerável (Mintz, 2001; Sahlins,
1979).
A comida é tão fortemente associada à cultura, e expressa identidades de forma tão
marcante, que é difícil desconstruir o enraizamento simbólico que persiste em torno de
determinados pratos culinários e receitas. Seria um processo laborioso desvinculá-los dos
hábitos ou da cultura de um indivíduo e de um povo. Ainda que não faça parte da frequência do
dia-a-dia, no cotidiano, trata-se de um de seus traços de maior evidência.
Sobre esse mesmo recorte, Gilberto Freyre, em Açúcar (1997), também pondera sobre a
resistência de determinados alimentos:
Não fique sem registro fato de que há doces ou bolos que, depois de épocas de
esplendor, caem da moda; ou que, esquecidos durante anos, voltam de repente à
moda. Mas há também – em maior número, os que atravessam épocas sucessivas
com o seu prestígio inalterado. São valores clássicos: superiores aos caprichos
das modas ou aos frenesis dos momentos. (Freyre, 1997, p. 20).
As construções de ambos os autores, tanto de Mintz (2001) quanto de Freyre (1997),
vêm reforçar a constatação de que há alimentos que raramente são consumidos, marcados por
temporalidades de consumo específicas, como iguarias em datas especiais. Por isso, há ainda
que se considerar a rotatividade de alimentos, preparados dentro de ocasiões especiais e com
combinações características, diferentemente de produtos clássicos, aqueles alimentos que
resistem ao passar do tempo, comparados coringas.
A identidade nacional brasileira foi marcantemente valorizada pela via da alimentação
na literatura em 1939 com o livro Açúcar, porque Freyre enaltecia, com caráter sociológico,
científico e subjetivo, a doçaria e a culinária regional do nordeste, em seu curioso e complexo
contexto histórico, como representante da nação brasileira.
O cenário gastronômico retratado no livro evoca a representação da nação brasileira
em dois antagonismos. O primeiro, quando o açúcar assume a função de matéria prima para
sofisticadas receitas elaboradas ao paladar da aristocracia nacional, sob a forma de bolos e
sobremesas fidalgas, contrastando com segundo, do açúcar na função de matéria prima para
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bolos convencionais, de rua, doces de tabuleiros, sem especiarias e ainda na rapadura, alimento
popular caracterizado por atribuir “substância”.
Por meio de comidas, pensando as representações coletivas que engendram identidades
nacionais hoje no Brasil, temos como exemplos: a farinha e a carne-seca como comidas
associadas à nordestinos; o arroz com pequi associado aos goianos, tutu com feijão e torresmo
remete aos mineiros, o acarajé é um símbolo baiano; barreado é uma comida tradicional do litoral
paranaense; o tradicional churrasco e seu ritual de comensalidade, sobre como é preparado,
servido e compartilhado socialmente, associa-se aos gaúchos; entre os paraenses seus símbolos
são o pato ao tucupi, o tacacá e a maniçoba. (Canesqui & Garcia, 2005; Brandão, 1981).
Limitando-nos ao cenário nacional, estas são ilustrações de confirmações em que
a alimentação marca identidades específicas: como é ser nordestino, como é ser goiano, ser
mineiro, ser baiano, ou paranaense, como é ser um gaúcho, ou paraense. A comida, junto com
outros elementos e referenciais, ajuda a responder o que é possuir essas identidades.
O exemplo desses pratos culinários pode não estar presente no dia-a-dia de brasileiros,
possuidores de tais identidades, ou ainda, pode não dizer respeito à totalidade consensual
dos indivíduos daquela mesma localidade. No entanto, para aqueles que aderem a tais signos
gastronômicos, a identidade culinária é patrimônio de sua cultura, existe e reconhecem uma
representação simbólica de sua tradição.
Ocorre o processo de reconhecimento, aceitação e afirmação pela via da comensalidade,
da partilha de laços, relações e vínculos sociais cerceados por essas comidas. Enquanto que a
comida dos outros, por si, elucida curta e diretamente as diferenças identitárias existentes com
relação a outros e diferentes grupos.
Não é à toa que a feijoada foi promovida como prato nacional expoente da identidade
brasileira. Há os que não se identificam ou não apreciam esta receita. Mas no geral, a população
brasileira consente que a feijoada se expressa como símbolo nacional, vinculado ao contexto
de sua origem, à história de como foi apropriada pela população majoritária. (Barbosa, 2007).
Além dos âmbitos locais e regionais, as identidades alimentares também são evocadas
em outras dimensões culturais, como aquelas que remetem à religião ou à determinada convicção
política-ideológica. Como exemplos, respectivamente, a dieta alimentar adotada pelos filhos de
santo, vinculados às religiões afro-brasileiras, ou a dieta alimentar vegetariana ou vegana.
Até aqui se apresentaram alguns aspectos para a explicação dos olhares antropológicos
voltados para as diversas e múltiplas cozinhas ao redor do mundo, uma vez que se tratam
de elementos emblemáticos de dimensões culturais. Os efeitos que os hábitos alimentares
tradicionais ganharam e vêm ganhando ao longo da história, transformando-se, também são
objetos de grande interesse, uma vez que sintomáticos de transformações no tempo e espaço na
sociabilidade contemporânea.
Não obstante, como se o campo já não fosse repleto de elementos interessantes de
análise, há outras tantas dimensões possíveis de serem alvo de reflexões, aqui se pretendeu
apenas esboço, longe da possibilidade de esgotar a temática e como reforço à esse exercício,
parte-se, por fim, para o exercício de ponderar a identidade alimentar reforçada na memória
individual e coletiva.
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ALIMENTAÇÃO E IDENTIDADE: DESVELANDO A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA POR MEIO DE HÁBITOS ALIMENTARES
MEMÓRIA, COMIDA E IDENTIDADE
Por que não comemos com as mãos ou por que não comemos sentados diretamente sobre
o chão são regras de etiquetas vinculadas ao comer que começamos a aprender tão logo somos
“desmamados”. A memória é remetida ao momento de introdução aos hábitos alimentares
adultos de nossa cultura, quando aprendemos a comer utilizando garfo e faca e sentando em
cadeiras dispostas à mesa.
As técnicas do ato de comer são determinadas culturalmente e foram anunciadas por
Marcel Mauss, em “Noção de técnica do corpo” (2003), ao narrar sobre a ausência do uso da
faca entre os Seri, da Ilha de Madalena, na Califórnia e nem por isso eram os mais primitivos
dos homens. Respeitando o referencial de cada cultura, narra ainda a anedota do xá da Pérsia
que foi convidado a comer com o imperador Napoleão III e recusava se servir com um garfo de
ouro, em nome do prazer de comer com os dedos.
Essas colocações abrem a reflexão sobre a memória, a identidade e a comida. Revelando
o quanto nossos hábitos alimentares são sociais e culturais, datados e localizados, encontráveis
em nosso aprendizado e em nossa reprodução de conhecimentos, ligados aos saberes e fazeres
que dizem respeito à como somos representados para nós e para os outros.
Técnicas do ato de comer foram descritas com mais precisão por Lévi-Strauss em
sua série “Mitológicas”, no geral, e em “O cru e o cozido” (2004), “Origem dos modos à
mesa” (2006), em específico, onde ilustra a interferência de recursos do meio, organização da
produção, perpetuação das permissões e proibições alimentares, conferindo especificidade à
cada caso onde se desenrolam.
Os sujeitos de um grupo social têm a posse de saberes e fazeres culinários, repassados
adiante como um conjunto de técnicas relativas à cultura em questão. Analogamente, podemos
especular tratar-se de um patrimônio imaterial social, que ao ser compartilhado com o próximo
sujeito do grupo transmite junto uma especificidade que é do grupo, do coletivo. Cria-se um
pertencimento, familiaridade com algo que é próximo de si, e por outro, distancia-se dos demais.
A memória portanto constitui-se como uma grata ferramenta de importante reprodução
desses saberes e fazeres, dessas técnicas assimiladas anteriormente e compartilhadas ao longo
do tempo pelo grupo social, agindo junto com as lembranças “[...] de um conhecimento em sua
grande maioria, adquirido empiricamente, da geração anterior, por meio da convivência e da
própria atividade laborativa”. (Feniman, 2012, p. 58).
Em Comida e antropologia: uma breve revisão, Sidney Mintz (2001) também afirma:
[...] Os hábitos alimentares podem mudar inteiramente quando crescemos, mas
a memória e o peso do primeiro aprendizado alimentar e algumas das formas
sociais apreendidas através deles permanece, talvez para sempre, em nossa
consciência. (Mintz, 2001, p. 32).
O que Mintz aborda diz respeito à forma como nosso comportamento relativo à comida
guarda ligação direta com o sentido de nós mesmos e a nossa identidade coletiva. Demonstra
como a organização e as relações sociais centradas na alimentação servem de base para a
compreensão do grupo, de sua identidade e suas implicações sociais.
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STEFANY FERREIRA FENIMAN
E para isto contamos com o reforço da memória, como mecanismo que retém essa
consciência sobre nós mesmos, que aprendemos a cultivar ainda quando crianças em nossas
primeiras iniciações e significações ligadas ao ato de comer.
Uma análise de Carlos Fortuna (1995) expõe sobre um espaço construído na memória,
vivido empiricamente ou idealizado no imaginário, tratando de ruínas de edificações
arquitetônicas, que remontam a memória dos indivíduos à um passado que se deteriorou, uma
vez que tais ruínas contam uma história, dizer a respeito à narrativa de um povo.
Esse espaço construído na memória, os acontecimentos à que remete e as respectivas
memórias são recordações mantidas que se apresentam como um contraponto à lógica de
mudanças, de transformações, contrastando as perspectivas de desenvolvimento, de consumo,
do sempre novo. Para além das ruínas, o autor estende a reflexão também para os monumentos,
estátuas, e outros elementos importantes da construção, reconstrução e manutenção das histórias
de um grupo e de uma cultura.
A memória não se trata de um elemento individual, exclusivamente. Ela possui também
dimensões coletivas, que são sociais e a partir destas é que a memória individual vai se
constituindo e sendo apropriada pelo indivíduo. Esta afirmativa advém da seguinte ponderação
de Michael Pollak (1992): “Vale dizer que a memória e identidade podem perfeitamente ser
negociadas, e não são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma pessoa
ou de um grupo”. (Pollak, 1992, p. 5)
O indivíduo vai construindo a sua memória própria a partir de elementos sociais, ou
seja, vai fazendo recortes do contexto no qual ele está inserido para montar e configurar sua
própria perspectiva sobre os acontecimentos. Neste processo ele incorpora as representações do
coletivo do qual faz parte, assimilando também o sentimento de pertencimento e de afastamento
que estão implícitos.
Desta forma, a memória, bem como a identidade, também é flutuante, flexível, pois
guarda relação com o lugar e com a coletividade da qual faz parte. Possui um caráter dialético
e dinâmico, onde o indivíduo acaba sendo o meio por onde esses paradigmas se manifestam.
A leitura de Myrian Sepúlveda dos Santos (1998) e sua análise acerca do pensamento
de Maurice Halbwachs vem confirmar essa perspectiva sobre o conceito de memória, pensada
a partir de princípios durkheimianos, de um momento anterior ao seu. Partindo dos mesmos
pressupostos, afirma que não são as memórias individuais que vão construir uma memória
coletiva. Mas sim, a coletividade que influência a memória individual.
Essas contribuições de Fortuna (1995), Pollak (1992) e Santos (1998) sobre a memória
oferecem subsídios para refletir também sobre o espaço que ocupam, no imaginário social,
aquelas comidas do passado. Suas lembranças ficam arquivadas na mente dos sujeitos, com
intensa capacidade de evocar emoções.
Diante da dinâmica de intensa difusão da alimentação no mundo moderno, já explanada
por Mintz (2001), as memórias dessas “ruínas culinárias” ajudam a manter vivos os sentimentos
de pertencimento a uma identidade específica, que não encontra mais lugar para sua fiel
reprodução, integralmente, no presente.
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ALIMENTAÇÃO E IDENTIDADE: DESVELANDO A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA POR MEIO DE HÁBITOS ALIMENTARES
Por meio de um conjunto cultural de hábitos alimentares, o diálogo que se estabelece
entre a memória, o passado e a realidade do presente desemboca em um mito nostálgico
de construção identitária. Uma vez que é coletiva, a memória compartilhada trás consigo o
sentimento de pertença ao grupo social, neste sentido, tem o potencial de possibilitar e reforçar
o sentimento de identidade.
A memória coletiva perpetua o estilo de conduta da geração anterior até a atualidade,
de um momento passado, para um momento presente. Os primeiros ensinamentos adquiridos
quanto à culinária se renovam por meio da memória em uma tradição cerceada pela oralidade e,
geralmente, pela figura feminina, impondo valores sociais compartilhados pelos integrantes do
grupo, como por exemplo, quanto às “regras de hospitalidade” e “regras de etiqueta”. (Feniman,
2012)
Analogamente ao estudo de Fortuna (1995) sobre as ruínas arquitetônicas, os estudos
da alimentação vinculados à memória demonstram que esta permite reviver antigos hábitos
que compuseram uma cultura alimentar, hoje esquecidos ou relegados a um segundo plano. A
memória é seletiva, diz respeito a acontecimento, lugares e personagens. Com isso, ela trás a
possibilidade de recuperar antigos instrumentos e utensílios culinários.
Com o advento da industrialização, as diferentes sociedades ao longo do mundo passaram
por mudanças tecnológicas e mudanças nas relações de produção e de trabalho, no preparo de
alimentos especialmente. Fogões à lenha, colheres de pau, pilões de barro ou de madeira bruta,
latas de alumínio usadas para conservação da carne, caçarolas, tachos e caldeirões, cuias e louças
de cerâmica, contam narrativas de um período histórico onde a tecnologia e a globalização
ainda não tinham ampliado em demasia seus domínios sobre os utensílios de procedimentos
culinários. (Simões, 2008).
Comidas consideradas tradicionais estão vinculadas a lembranças coletivas, ou seja,
pratos culinários associados à uma ocasião ou a pessoas em um reservatório de memórias
gustativas que são familiares. Mais do que exemplificar, esta ideia aparece ilustrada na cena
do longa-metragem animado Ratatouille (2007), exibindo a incrível capacidade que a comida
possui de evocar experiências do passado, trazendo à tona, por meio do paladar, memórias de
sensações gustativas de momentos familiares, vividas anteriormente.
Entretanto, esta mesma memória que evoca tradições culinárias coexiste também com
inovações e mudanças. Pois existe uma lógica simbólica que define o uso dos alimentos dentro
do sistema cultural, operando dentro dessa lógica existe também a questão do acesso, as razões
do gosto, a comida que expressa a identidade e também a relação que ela possui com o corpo,
com as reações que provoca, os sentimentos que evocam e as lembranças que acionam.
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STEFANY FERREIRA FENIMAN
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ALIMENTAÇÃO E IDENTIDADE: DESVELANDO A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA POR MEIO DE HÁBITOS ALIMENTARES
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GRUPO DE TRABALHO III
CULTURA, COTIDIANO E CIDADES
Sessão II – Políticas Urbanas - Coord.: Ms. Felipe Fontana
Contribuições da teoria da mudança social para os debates acerca da violência nas Ciências Sociais
Bruno Ueno Bertão ....................................................................................................................................................................151
O significado do albergue para o município de Maringá (PR)
César Costa Sanches; Sueli de Castro Gomes .....................................................................................................................162
Direito à moradia: a remoção como deslegitimação do direito à cidade
Cristine Palma Zochio ..............................................................................................................................................................174
A ampliação da segregação socioespacial de Maringá e sua Região Metropolitana:
um estudo sobre os impactos da obra PAC “Contorno Norte”
Felipe Fontana; Fernanda Martins Valotta .........................................................................................................................183
Revisitando o documentário “notícias de uma guerra particular” (1999) a partir de perspectivas
sociológicas de identidade
Júlio César Lourenço .................................................................................................................................................................200
O peso da velhice: entre o discurso e a ação
Tatiane Gonçalves Damasceno .............................................................................................................................................213
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA MUDANÇA
SOCIAL PARA OS DEBATES ACERCA DA
VIOLÊNCIA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Bruno Ueno Bertão
Graduando em Ciências Sociais – UEL / Bolsista PROIC/CNPq
Resumo: Uma multiplicidade de fenômenos relacionados à violência urbana pode ser tomada
como objetos na área das Ciências Sociais. Homicídios, roubos, seqüestros, violência de
policiais ou vigilantes, linchamentos, grupos de extermínio. Análises de dados que busquem
encontrar meios de diminuir as taxas de criminalidade também são recorrentes. O presente
texto se volta para as contribuições que as teorias da mudança social podem contribuir para
estes estudos citados. De que forma uma análise histórica pautada em um longo período de
tempo, buscando, por exemplo, elementos que constituem a estrutura de personalidade de certo
grupo social contribui no momento de construir uma teoria propositiva. No texto também são
retomadas algumas categorias metodológicas e posicionamentos utilizados por pensadores da
mudança social. Acredita-se que os pesquisadores dos estudos da violência devem a todo o
momento se questionar se nas entrelinhas de seus trabalhos há uma perspectiva de mudança
social e de que forma ela se manifesta.
Palavras-chave: Violência urbana; Índices de criminalidade; Teorias da mudança social.
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BRUNO UENO BERTÃO
UM DEBATE NECESSÁRIO: A MUDANÇA SOCIAL EM PERSPECTIVA
O presente estudo aponta algumas perspectivas teóricas concernentes ao debate da mudança
social em paralelo a estudos já publicados na área de Ciências Sociais que problematizam
fenômenos da violência urbana. A teoria da mudança social apresenta discussões sobre como
certas instituições sociais ou a sociedade em sua totalidade permanecem em um estado de
relativa estabilidade (estática) ou se transformam (dinâmica). Entre os autores há um grande
número de divergências quanto à abrangência das mudanças sociais, quem realiza as mudanças,
em que ritmo, se é diretiva ou cíclica, linear ou multilinear ou espiralizada. Todavia, o objetivo
deste presente texto não é apresentar uma revisão bibliográfica dos teóricos da mudança social,
mas apontar de que forma os debates da teoria da mudança social podem acrescentar questões
e possíveis propostas para os estudos da violência urbana. Dentro deste campo de estudos nas
Ciências Sociais há uma tendência à especialização dos debates1, o que leva a uma carência de
discussões aprofundadas acerca da violência enquanto fenômeno histórico de longa-duração na
sociedade. Nesta perspectiva se questionaria de que forma a violência se configurou no Brasil ao
longo das décadas ou séculos atravessando diferentes sistemas econômicos e tipos de governo.
Em análises nesta perspectiva histórica mais longa ocorre a possibilidade do pesquisador se
defrontar com diferentes problemáticas que estão presentes na conjuntura atual, mas que já se
manifestavam há décadas ou séculos passados em um contexto sócio-político muito distinto.
Os estudos de conjuntura, centrados em uma perspectiva de curta-média duração (surveys,
análises quantitativas diversas como os sensos, pesquisas de campo) também possuem validez
no momento de se pensar em políticas públicas que possam alterar o status quo da violência
urbana no Brasil. Teorias propositivas na área da violência apresentam um máximo grau de
eficácia quando tem em seus alicerces a junção de informações da conjuntura atual e de análises
históricas.
O presente estudo será dividido em três partes: a primeira realizará uma revisão de
certas categorias de análise e posicionamentos metodológicos utilizadas nos estudos das
mudanças sociais. Em um segundo momento, um fenômeno específico da violência urbana
– os linchamentos – será tomado a fim de realizar paralelos analíticos aos questionamentos
acerca da mudança social. Por fim, uma amostra de como o fenômeno da violência em si pode
ser correlacionada com movimentos históricos mais amplos da realidade social brasileira e a
necessidade deste tipo de abordagem para uma melhor compreensão das possíveis conseqüências
das medidas políticas tomadas nas esferas social e cultural.
1 Apesar de ser uma revisão realizada há alguns anos, os resultados do levantamento de Alba Zaluar (1999)
ainda são possíveis de ser observados nas temáticas trabalhadas pelos grupos de pesquisa e pelos artigos
publicados acerca da violência na área de Ciências Sociais: uma aparente dispersão de temas e abordagens.
Faz-se necessária uma nova revisão a fim de apontar os campos de estudo mais visados nas Ciências Sociais
do Brasil quando a temática é violência urbana.
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CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA MUDANÇA SOCIAL PARA OS DEBATES ACERCA DA VIOLÊNCIA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS
UMA BREVE RETOMADA DOS ESTUDOS DA MUDANÇA SOCIAL
Enquanto hoje vivemos uma situação de maior fragmentação dos estudos nas Ciências Sociais2,
nos primórdios desta ciência os debates acerca da estática/dinâmica social eram predominantes
– parte dos pesquisadores chamam estes estudos de “teoria social”. Ao longo do século XIX e
do início do século XX parte dos países europeus e os Estados Unidos viviam em uma época de
progresso material e expansão territorial ascendentes. Desenvolveram-se embates conceituais
entre autores da Sociologia e da Antropologia acerca da “chave” teórica que explicaria este
progresso social (SZTOMPKA, 1998, p. 62-70). O termo “progresso” era correspondente ao
desenvolvimento industrial, a especialização da organização do trabalho, o aprimoramento
tecnológico e o aumento populacional vividos naquela época. Estes autores procuravam também
demarcar quais seriam as “fases” da evolução humana, os estágios que necessariamente todos
os grupos sociais deveriam atravessar até o “ápice evolutivo” (a cultura ocidental, racional,
democrática). Augusto Comte, por exemplo, acreditava que o conhecimento seria uma “chave”
fundamental para compreender o progresso. Para situar em que estágio uma sociedade se encontra
(teológico, metafísico, positivo) é preciso avaliar em primeira instância o tipo de conhecimento
que é socializado. A ordem, a coesão entre os indivíduos, também estavam entre as preocupações
deste autor que considerava a Sociologia uma ciência fundamental para determinar ações políticas
a fim de diminuir a possibilidade de desvios e estimular o progresso do conhecimento. Herbert
Spencer, por sua vez, postulou que as sociedades passagem por dois estágios fundamentais: a
sociedade militar (bárbara, violenta, instável) e a sociedade industrial (democrática, pacífica,
especializada). Acreditava que na passagem à sociedade industrial os indivíduos adquiririam
maior autonomia sobre suas ações e que o Estado progressivamente deixaria de interferir no
livre-arbítrio humano (TIMASHEFF, 1971, p. 49-62). Émile Durkheim, influenciado pelos
pressupostos dos dois autores anteriores, escreve que no progresso social há uma passagem da
solidariedade mecânica (potencial homogeneizador) para a solidariedade mecânica (potencial
diferenciador) e que nesta os indivíduos teriam um espaço maior para o desenvolvimento de suas
aptidões e representações individuais. Em Durkheim havia uma preocupação quanto à ligação
entre os indivíduos e a sociedade e a alta especialização do trabalho na sociedade moderna,
estes seriam elementos fundamentais para a passagem de uma solidariedade para outra. Os três
autores podem ser considerados “evolucionistas” (SZTOMPKA, 1998, p. 191) por postularem
leis de desenvolvimento lineares e diretivas. Tratam a evolução enquanto um potencial interno a
qualquer agrupamento humano (endógeno) e separam categoricamente as sociedades “simples”
ou “selvagens” das sociedades “complexas” ou “civilizadas”.
2 Na obra de Boaventura de Sousa Santos (1987, p. 46-49) é possível encontrar uma crítica veemente a
respeito da tendência atual em fragmentar os debates das Ciências Humanas. A fragmentação não seria uma
problemática tão grande caso os pesquisadores não deixassem também de avaliar a conexão entre dados de
diferentes temáticas e ciências. Esta importância já havia sido ressaltada por Mauss ao relatar que o fato
social total é compreensível na medida em que não observamos apenas os componentes sociais e culturais,
mas também certas dimensões biológicas e psicológicas das sociedades (MAUSS, 1979). Atribuo este
fechamento de fronteiras e recusa da interdisciplinaridade como uma postura que procura demarcar “nichos
de carreira” ligada ao próprio mercado de trabalho.
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BRUNO UENO BERTÃO
O pensamento evolucionista clássico exerceu grande influência na Sociologia
brasileira. Devida preocupação quanto aos elementos que determinariam o desenvolvimento
social e a industrialização, sociólogos brasileiros como Fernando de Azevedo e Euclides da
Cunha questionaram os fatores que levavam o Brasil a se situar em um estágio “atrasado” de
desenvolvimento (GRAHAN, 1973, p. 241-260). Destaco aqui o entendimento de Azevedo
que considerava o atraso, o “subdesenvolvimento”, um problema a ser resolvid o por vias
educacionais, criando nos indivíduos um sentimento de nação, de coletividade, fortalecendo
assim a coesão social - a chamada “Escola Nova” (AZEVEDO, 1932, p. 108-127). As teorias do
“subdesenvolvimento” levam em consideração um pressuposto evolucionista fundamental: no
evolucionismo é possível pensar o progresso social como uma escala de valor vertical na qual
dispomos as sociedades entre as mais “bárbaras, tradicionais, não-especializadas” e as mais
“civilizadas, racionais, desenvolvidas, democráticas”.
Estes pressupostos evolucionistas também eram compartilhados pelos primeiros teóricos
da Antropologia como Henry Morgan (ERIKSEN, NIELSEN, 2007, p. 28-31) que considerava
a cultura das sociedades tribais como amostras da forma como as sociedades industriais se
relacionavam e se organizavam séculos atrás. Assim, a Antropologia buscou em seus primórdios
apreender ligeiramente o máximo de dados possíveis destes grupos culturais, tendo em vista
a progressiva expansão dos valores modernos e industriais nestes grupos “tradicionais”.
Posicionamento que caiu em desuso após a extensa crítica de etnógrafos que visualizaram o
potencial imperialista que as teorias evolucionistas poderiam resultar – através do discurso “os
auxiliaremos a progredir”. Após os acontecimentos das Guerras Mundiais e suas atrocidades,
também foram criticadas as proposições lineares que tomavam o Ocidente enquanto ideal de
sociedade, ápice do processo de evolução. A emancipação advinda da racionalidade iluminista
começa a ser contestada devida ao alto pragmatismo e burocratização envolvidos nos conflitos
bélicos (LÖWY, 2000, p.46-56), um pessimismo acomete as perspectivas que visavam uma
“ocidentalização” mundial e o evolucionismo entra em descrédito.
Por mais que ocorresse uma perda de crédito aos ideais evolucionistas clássicos, os
debates acerca da evolução continuaram, agora na procura de “atenuar” o caráter positivo
atribuído ao “progresso tecnológico e material” da modernidade (SZTOMPKA, 1998, p.
201-203) emergendo assim o neoevolucionismo. Este agora propõe uma análise multilinear,
questionando a diretividade das rígidas etapas da evolução social defendida pelos evolucionistas
clássicos. A sociedade seria composta de diversos elementos sociais como: cultura, economia,
tecnologia, arte da guerra, religiosidade, política, estrutura familiar, e estas partes teriam uma
relativa autonomia uma às outras. Em suma, determinado setor poderia sofrer mudanças bruscas
ao passar de algumas décadas, enquanto outros, simultaneamente, poderiam permanecer em uma
relativa “estática”, apresentando poucas alterações. As condições de determinadas estruturas
poderia (há um maior uso de probabilidades) causar efeitos no sistema político, mas não seria
o fator determinante de mudança para todas as estruturas restantes. Dentro deste debate é
possível demarcar o posicionamento de Talcott Parsons (SZTOMPKA, 1998, p. 210-215) e
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CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA MUDANÇA SOCIAL PARA OS DEBATES ACERCA DA VIOLÊNCIA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS
sua preocupação quando ao dualismo adaptação/diferenciação. Para o sociólogo, a diferença
quanto aos evolucionistas clássicos se encontra em encarar a evolução enquanto um processo
multilinear, tomando a sociedade como um composto de subsistemas que apresentarão diferentes
temporalidades de diferenciação. Todavia, ainda permanece o equívoco de na totalidade de seus
pressupostos ter uma dicotomização entre os “outros” e os “ocidentais, racionais, especializados,
melhor adaptados”, tomando estes últimos como ideal de desenvolvimento.
Tanto os pensadores do evolucionismo clássico quanto Parsons podem ser também
categorizados dentro de uma perspectiva funcionalista. Nesta, há uma preocupação em
compreender a sociedade enquanto um sistema composto por estruturas, sendo que cada um
destas tem uma função correspondente dentro do organismo social. Há uma preocupação destes
quanto à organização no funcionamento destas estruturas – muito presente na obra de Comte
-, tendo em vista os perigos que a “desordem” causa quando certas estruturas passam a agir
de forma ambígua, prejudicando o funcionamento do sistema – uma “anomia”, nos termos de
Durkheim. A mudança social não vem com processos bruscos de alteração do funcionamento
sistêmico, mas sim com certa obediência aos limites impostos pelo organismo social, levando
em consideração mudanças a médio-longo prazo (BARRETO, 2001, p. 14-16).
Por mais que as teorias funcionalistas viriam a ser contestadas, a sua influência no
pensamento social perdura até a contemporaneidade. Mesmo que os autores raramente utilizem
teorias que visam encontrar os estágios evolutivos da humanidade, em muitos casos há o
reconhecimento da linearidade de determinados fenômenos sociais em contextos geográficos e
históricos bem especificados. A diferenciação do trabalho com sua progressiva especialização
tão debatida por Durkheim e Marx são dificilmente discutíveis. Apesar de ocorrer divergências
quanto à diretividade sem retrocessos, suas causas e consequências, é inconteste a especialização
das funções sociais em diversos grupos sociais, inclusive no campo científico. Também a teoria
weberiana tem na teoria da burocratização uma amostra de análise linear que toma a “jaula de
ferro” como uma previsão do desenvolvimento social enquanto permanecerem os processos de
especialização do Estado e das funções sociais.
Diferentes perspectivas atravessam historicamente as Ciências Sociais após o debate
do evolucionismo clássico. Não só o neoevolucionismo de Parsons questionará os seus
pressupostos. Teóricos como Spengler e Pareto debaterão a idéia não só de linearidade dos
evolucionistas, como a de multilinearidade proposta pelos teóricos do neoevolucionismo. Para
estes, a sociedade não muda em direção a um rumo linear de especialização, desenvolvimento
e modernização, mas segue um movimento cíclico de ascensão e queda (BARRETO, 2001,
p. 7-8). Spengler realiza a correlação entre a cultura e o organicismo, considera que passa por
estágios como a infância, a juventude, a maturidade e por fim a velhice. Pareto, por sua vez,
acredita que historicamente as sociedades passam por períodos de equilíbrio, desestabilização e
a constituição de um novo equilíbrio. O que diferencia uma fase da outra é a elite que governa
as massas desorganizadas, a ascensão e queda de uma elite para a posterior substituição para um
novo grupo líder. Assim, ao invés de caminharmos impreterivelmente para uma maior civilidade
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BRUNO UENO BERTÃO
e racionalização, passamos por ciclos de racionalidade/barbárie. A despeito da suposta evolução
linear e diretiva proposta pelos evolucionistas, os conflitos bélicos foram considerados exemplos
de “retorno” a uma condição de barbárie, em muito similares à brutalidade guerreira das tribos
tradicionais – este um ataque direto ao pacifismo das sociedades industriais modernas de Spencer.
As teorias evolutivas e cíclicas serão amplamente criticadas pelos teóricos da chamada
Sociologia Histórica. A exemplo de Charles Tilly (1977) os defensores da teoria cíclica ao
conceituarem a possibilidade de uma sociedade voltar a um estágio já percorrida em sua histórica.
Para Tilly, este pressuposto é contestável pela evidência de que a sociedade nunca volta a um
contexto já atravessado. Os valores, os costumes, as instituições sofrem modificações, estão a
todo o momento se situando em contextos distintos, impossíveis de serem reproduzidos da mesma
forma que anteriormente. Mais do que isso, a diferenciação social defendida pelos evolucionistas
e neoevolucionistas não apresenta a linearidade inexorável defendida pelos autores. Ao mesmo
passo em que ocorrem processos de diferenciação, simultaneamente outros processos de
“desdiferenciação” podem acontecer (TILLY, 1977, p. 440). Acrescenta-se que a suposta evolução
social pode sofrer dos mesmos percalços, passando por “devoluções”, retrocedendo. Uma crítica
aos evolucionismos especialmente pautados em mudanças endógenas que consideram a evolução
uniforme e isenta de ruptura, descontinuidades (SZTOMPKA, 1998, p. 191)
A proposta de Tilly reverba nas obras do sociólogo Norbert Elias. Em uma análise do
possível “retorno à barbárie” ocasionado pelas grandes guerras, Elias realiza um estudo histórico
dos costumes alemães antes da ocorrência dos conflitos de forma a explicar que os comportamentos
ligados ao “ethos guerreiro”, viril, que tinha na batalha um meio de resolução de conflitos e
hierarquização das relações já estava presente (ELIAS, 1997). Não foi apenas a ascensão de
um governo totalitário que propiciou repentinamente uma escala da violência ou o processo de
racionalização e burocratização corrente na modernidade. É preciso levar em consideração as
condições sócio-históricas, como a estrutura de personalidade dos alemães, um dos principais
“motores” daqueles eventos na perspectiva de Elias.
Da mesma forma é possível de se analisar o surgimento do Estado Moderno e as chamadas
“revoluções burguesas” (ELIAS, 1990). Por mais que vários teóricos sociais ainda aleguem sobre
o turnaround ocorrido pelas “revoluções”, Elias postula que a burguesia já vinha desde séculos
antes da Revolução Francesa se aproximando e tendo influência nas decisões políticas. O ponto
da perspectiva da Sociologia Histórica é a atenção quanto à historicidade nos processos sociais,
desacreditar nas “mudanças bruscas” da estrutura social, compreender de que forma certos
processos considerados “evolutivos” sofrem constantes “devoluções” simultâneas. A visualização
de acontecimentos apenas por perspectivas de curto prazo engessam a análise sociológica, por
impossibilitar o pesquisador de avaliar as manifestações de fenômenos similares em contextos
históricos distintos - processo denominado por Elias de “distanciamento” (ELIAS, 1997).
Em resumo, na perspectiva evolucionista clássico, a mudança social era vista como
uma linha diretiva, inexorável, na qual eram dispostas as diferentes sociedade em qualificações
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CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA MUDANÇA SOCIAL PARA OS DEBATES ACERCA DA VIOLÊNCIA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS
de “simples” a “complexas”. Na perspectiva neoevolucionista ainda permanecem estas
qualificações, mas são visualizadas várias linhas diretivas, várias estruturas em diferenciação
ou estagnação, reagindo a diferentes elementos externos e internos. Não consideram a evolução
enquanto um fenômeno inexorável, mas como uma probabilidade diante de determinadas
condições. Na perspectiva cíclica, todas as sociedades passam por períodos de ascensão/
civilidade e queda/barbárie. Nesta tendência, não é possível estabelecer meios de atuação sobre
as estruturas ou indivíduos, tendo em vista que a ascensão e queda são fenômenos que perpassam
a interferência humana. Na perspectiva da Sociologia Histórica, as sociedades apresentam
diferentes características dependendo do contexto e do período, suas estruturas se modificam,
porém em movimentos tanto evolutivos quanto devolutivos. Cabe para cada fenômeno social,
como violência, o estudo de sua manifestação ao longo da História, em que condições apresenta
avanços ou regressões, de forma se altera em diferentes territórios.
LINCHAMENTOS, VIOLÊNCIA URBANA E NATUREZA HUMANA
Os paralelos a serem realizados com as teorias construídas sobre a violência urbana podem
ser múltiplos. Primeiramente, será analisada uma expressão específica da violência urbana: o
linchamento. Estudos de conjuntura destes fenômenos são variados. No caso dos linchamentos,
os estudos podem prover observações acerca de como a mídia tem retratado este fenômeno
(CERQUEIRA, NORONHA, 2004), as simbologias de Justiça que foram atribuídas a um
linchamento (SINHORETTO, 2001) e os rumores que procederam a um caso específico de
linchamento (SANTOS, 2004). Os linchamentos são fenômenos urbanos ligados a diversos
acontecimentos correlatos: a ritualização da violência, os “bodes expiatórios”, a violência
das massas, de que forma os indivíduos concebem termos como justiça, bem/mal e vingança.
E estes fatores atravessam as fronteiras da modernidade brasileira. Por mais que a categoria
“linchamento” seja moderna (MARTINS, 1996) este tipo de acontecimento é presente em
diversos territórios em diferentes temporalidades da história da humanidade. Tratar a morte
como punição que ainda carece de estudos históricos precisos nas Ciências Sociais3. A questão
é que mudanças ou permanências efetivas a sociedade brasileira passou ao longo dos séculos
em relação à violência coletiva e à justiça privada. É questionável se o linchamento é mais uma
expressão de deslegitimação de um judiciário ineficaz, do que efetivamente uma desqualificação
dos indivíduos acerca de qualquer instância – por melhor que funcione – que vise controlar seus
meios de “acertar as contas”. Seria preciso investigar de que forma os diferentes grupos sociais
no Brasil lidaram o comportamento desviante, ultrapassar a conjuntura relativamente recente
dos tempos ditatoriais.
Um dos trabalhos na área de linchamentos que realiza um interessante movimento de
revisão é o estudo histórico de Helena Singer publicado em “Discursos Desconcertados” (2003)
3 Na área da Filosofia, um interessante estudo acerca da morte enquanto pena é encontrada em MEREU,
2005.
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BRUNO UENO BERTÃO
no qual trata não do linchamento em si, mas dos discursos produzidos por parte dos defensores
dos Direitos Humanos – nisso incluso pesquisas acadêmicas – que para tratar da situação
apóiam um discurso punitivo (prisão aos linchados ou relativa legitimação aos linchadores). A
pesquisa não realiza apenas a análise discursiva, mas entrecorta os discursos com o contexto
social-político das décadas e os linchamentos que vieram a ser mais publicizados pela mídia.
A punição como fim último, o sufrágio enquanto meio de ordenação social, atravessa governos
e sistemas econômicos como bem demarca Singer, se embasando nos escritos de Foucault
e Nietzsche. Está presente enquanto imperativo do comportamento social, o qual deve ser
debatido, questionado, problematizado, historicizado. A expansão e fortalecimento deste
discurso favorece um processo de inércia na mudança social quanto às questões relativas ao
encarceramento. Deixa o debate em suspenso, entrava as possíveis mudanças.
No caso de considerar a violência urbana como o objeto de análise, uma série de
questões é possível de ser estabelecida: estaríamos encaminhando por um processo evolutivo
de pacificação4? Ou estaríamos continuamente passando por períodos cíclicos de civilidade
e barbárie? Seria a violência um componente estrutural da dinâmica social que deveria ter
conceber menor relevância? Encarar mais como efeitos de outros determinantes como a
economia e a política influenciam em seu aumento ou diminuição?
Novamente, é preciso demarcar aqui que as proposições realizadas não retiram a
importâncias das pesquisas em contextos micro – tanto históricos quando de campo. Para os
estudos históricos de longa duração são necessários documentos, dados (como os obtidos por
surveys e sensos), informações advindas de etnografias, uma série de materiais que provém
de pesquisas qualitativas e quantitativas que visem análises conjunturais. Todavia, há uma
preocupação na limitação de estudos pautados apenas em conjunturas. É preciso também, a
todo o momento, tentar ampliar o escopo das análises, realizar distanciamentos históricos,
analisar e buscar processos sociais, culturais, econômicos, ligados aos fenômenos da violência.
Os meios a serem utilizados para tal empreitada podem ser múltiplos a ponto de extravasar as
fronteiras das Ciências Sociais. Literatura, Filosofia, Psicologia Social, Lingüística, entre outros
campos científicos igualmente realizam distanciamentos buscando compreender movimentos,
processos, de certos fenômenos como a violência, o medo urbano e o heroísmo. Os paralelos
são múltiplos e já estão sendo procurados, a exemplo do estudo de Yuri Costa no qual o medo
das multidões e seu potencial de violência – sua aparente “força e descontrole” – é paralelo aos
escritos de Edgar Allan Poe (COSTA, 2012). Possível de correlacionar a obra com a intensa
repressão promovida pelo poder instituído contra movimentos de massa em diversos momentos
históricos – como as mobilizações de Julho no Brasil neste ano. Ou mesmo a sensação de
anonimato dos indivíduos dentro destes mesmos grupos aglomerados – como nos casos de
4 Autores já discursam a respeito dessa possibilidade, em muito remetendo a um posicionamento evolucionista
no qual estaríamos encaminhando linearmente por um caminho de menores brutalidades (PINKER, 2011).
Bauman também acredita que parte da paranóia urbana quanto à sua própria segurança - expressa na compra
de diversos equipamentos de segurança, armas, contratação de profissionais - é injustificada. Estaríamos
passando por um período de menores riscos de sofrer algum tipo de violência (BAUMAN, 2008).
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CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA MUDANÇA SOCIAL PARA OS DEBATES ACERCA DA VIOLÊNCIA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS
linchamentos.
Estudos clássicos dentro da área de violência urbana tentaram realizar este movimento
de compreensão dos significados atribuídos ao ato de violência. René Girard em “A Violência
e o Sagrado” (1998), apesar de suas limitações quanto à teoria desenvolvida, aponta como que
historicamente as sociedades ocidentais passaram de um modelo de sacrifícios a fim de evitar
as espirais de violência5 para o estabelecimento da lei e dos juristas enquanto intermediários
de um conflito. Alba Zaluar (1981), por sua vez, trata da violência contra grupos específicos da
população como um aspecto cultural que advém desde a colonização brasileira: a influência da
dicotomização cristã. Almeja-se assim em ultima instância a “destruição do mal”, a “supremacia
do bem”. Categorias que vão mudando conforme o contexto social e que no Brasil atual o
indivíduo que trabalha, estuda e constitui família se situa em uma categoria de “bom”, enquanto
o criminoso, desorganizado, desempregado, usuário de drogas, já pode ser enquadrado em um
“mal” a ser eliminado. As categorizações são fortes e presentes a todo o momento no discurso
midiático em termos como “guerra contra o tráfico”, atribuindo às ações dos criminosos um grau
de escolha total (“escolheu o caminho mais fácil, não aproveitou as oportunidades como quem
trabalha”). Através dos estudos de Angelina Peralva (2000), também é possível compreender
uma série de fenômenos ligados à violência. A autora postula que após o período da ditadura
militar, as organizações repressivas passam por uma década de liminaridade e relativa autonomia,
atuam de forma ambígua. Não possuem mais o domínio das funções estatais, mas gozam de boa
legitimidade e legalidade, por mais que em várias situações atuem em proveito próprio.
O debate dificilmente será esgotado. Como bem explicita Cohen (1976, p. 190-222), a
mudança social pode ser pensada sob diversos paradigmas. Em muito este posicionamento do
sociólogo poderá estar atrelada a uma posição filosófica de “natureza humana” (SORJ, 1994),
ou, dependendo do tipo de abordagem, uma “estrutura de personalidade” do grupo social em
questão. Poderíamos pensar que o problema da violência está realmente atrelado às desigualdades
impostas pelos sistemas econômicos. Retomaríamos em Rousseau uma perspectiva filosófica
que tem na desigualdade de posses um dos alicerces da desconfiança, da inveja e da ganância
entre os indivíduos, resultando em maiores chances de violência generalizada entre os
mesmos. Sendo assim, teríamos que colocar em primeiro plano as mudanças econômicas,
as desigualdades de posses. Ou talvez pensar que as coerções deveriam ser ampliadas, tendo
em vista a tendência natural dos indivíduos em ultrapassar as fronteiras visando benefício
próprio – posição filosófica que seria retomada em Hobbes. Uma das mudanças da estrutura de
comportamento que tem na violência um meio de resolução de conflitos pode ser encontrada
5 Entende-se por espirais de violência uma analogia às “espirais de vingança”. Em suma, quando um
indivíduo comete algum ato considerado criminoso ou ofensivo a outra pessoa, esta se sente no direito de
fazer valer alguma “justiça”. É uma retomada da “Lei de Talião”. A problemática é que assim que o ciclo se
inicia, ele pode não se findar. Caso não exista uma instância intermediária (ritos religiosos, o sistema jurídico)
coloca em risco a existência e a ordem dos grupos sociais envolvidos (mútuo extermínio). Já que para cada
retaliação, ocorrerá uma de volta. Exemplos de espirais da vingança são retratadas em várias obras fílmicas
como: “Cidade de Deus” (2002) dirigido por Fernando Meirelles, “Oldboy” (2003) dirigido por Park Chanwook e “Dogville” (2003) dirigido por Lars Von Trier.
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talvez na educação. A violência pode ser o resultado da falta de mecanismos de socialização,
processo no qual o indivíduo desde cedo aprende e é coagido acerca dos limites impostos pela
sociedade, fortalecendo seu autocontrole. Postura em muito remetida aos escritos de Fernando
de Azevedo e Norbert Elias. Por fim, poderia se pensar que a violência decorre também do
estabelecimento de fronteiras identitárias, especialmente quando radicalizadas. A partir do
momento em que a fluidez dessas fronteiras passar a ser maior haverá maiores chances de
estabelecer uma pacificação internacional. Caberá ao pesquisador determinar a que tipo de
perspectiva caberá sua análise: tomar um único elemento de transformação ou vários, adotar
uma perspectiva multilinear, cíclica ou espiral. O que é de suma importância é não deixar
de pensar no seguinte debate. Apenas no fortalecimento destas discussões junto às análises
conjunturais serão possíveis melhores encaminhamentos para as teorias propositivas no campo
da violência urbana.
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O SIGNIFICADO DO ALBERGUE PARA O
MUNICÍPIO DE MARINGÁ (PR)
1
2
César Costa Sanches; Sueli de Castro Gomes
1 [email protected]
2 Departamento de Geografia - Universidade Estadual de Maringá / [email protected]
Resumo: Esta pesquisa tem por finalidade estudar o albergue Santa Luiza de Marillac,
localizada no município de Maringá, situado no noroeste do Paraná, de modo com que
entendemos a importância da instituição para a mobilidade humana e o que ele altera no
processo de desenvolvimento da cidade, tanto econômico como populacional. Para isso, será
observado e relatado o que se passava no albergue, o contexto histórico em que a cidade se
encontrava, a origem dos migrantes, seus principais objetivos, o que buscavam ou pretendiam
fazer quando chegavam ao albergue e qual era o período que esses albergados pretendiam ficar
na casa de abrigo ao migrante. Mediante a isso foi usado para a realização desta pesquisa,
entrevistas orais com membros do albergue, com auxilio da realização de leituras, afim de
adquirir um embasamento teórico necessário sobre tal assunto, para que possamos compreender
e demonstrar de forma mais clara os resultados obtidos. Nesta pesquisa podemos notar como
se deu a origem do albergue no município de Maringá e assim notarmos que ele tornou-se algo
necessário para abrigar os migrantes que vinham para a cidade. Na presente pesquisa é possível
observar como a politica da cidade auxilia a manter instituição e a sua relação com esta a fim de
manter o trabalho feito aos migrantes.
Palavras-chave: Albergues; Migrante; Processo migratório.
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O SIGNIFICADO DO ALBERGUE PARA O MUNICÍPIO DE MARINGÁ (PR)
INTRODUÇÃO
O estudo do albergue, espaço de acolhimento e apoio ao migrante, que usa sua força de trabalho
como mercadoria, nos ajuda a compreender as mudanças que são evidentes no processo de
crescimento populacional e o contexto urbano em que está inserida, ou seja, usaremos da
dinâmica da cidade e da instituição para assim observarmos e entendermos a razão pela qual se
comporta parte do fluxo migratório da cidade de Maringá.
Esta pesquisa tem o propósito de estudar a mobilidade humana, usando assim, o
albergue Santa Luiza de Marillac como objeto de estudo, em que este recebe migrantes de
diversos momentos que em primeiro momento acabam se fixando na instituição para buscarem
no município emprego e moradia, tornando-se assim uma casa de passagem temporária, assim
também ocorre no albergue da cidade de Maringá.
Segundo o ex-coordenador da instituição, assim que alcançam seus objetivos, acabam
na maioria das vezes saindo rumo á outro lugar, migrando novamente, ou seja, os albergues
de forma geral estão em constante fluxo de itinerantes, gerando assim um fluxo migratório,
por parte dos migrantes que se encontram economicamente inativos na sociedade, ou seja,
trabalhadores desempregados, moradores de rua e até mesmo os dependentes químicos.
No período em que foi inaugurado o albergue, 1959, a cidade de Maringá, possuía 11
anos de história e passava por alguns momentos que valem ser ressaltados.
Segundo o site da prefeitura, a cidade tinha como prefeito na época, Américo Diaz
Ferraz. A linha férrea da cidade foi inaugurada em 1954, quando passa o primeiro trem na
cidade, meio muito utilizado pelos itinerantes naquela época.
Segundo Vercezi (2001), em seu trabalho é exposto que na cidade de Maringá o projeto
inicial sofreu algumas modificações, apesar de possuir um zoneamento definido.
O crescimento da cidade se deu inicialmente pelo sentido Oeste-Leste, fazendo com
que os sentidos Norte-Sul fossem preenchidos posteriormente. A partir do primeiro processo
de povoamento da cidade, correspondente ao “Maringá Velho”, onde também possamos
ainda observar construções antigas, deu-se então um crescimento espontâneo, fazendo com
que o aglomerado inicial se evolua, surgindo assim outros centros comercias para que fossem
gradativamente suprindo a demanda populacional, interferindo assim na estrutura ocupacional
e física da cidade. A autora ainda expõe que o período que foi registrado os maiores índices de
crescimento de Maringá foram entre os anos de 1953 a 1963. O traçado original da cidade era
linear, mas a presença da zona férrea fez com que a direção do crescimento se desse em outro
sentido privilegiando a orientação Leste-Oeste.
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CÉSAR COSTA SANCHES; SUELI DE CASTRO GOMES
Figura 1:Mapa de Localização do Albergue na cidade de Maringá-PR
C e n s o
Demográfico
População Do Município
Urbana
Taxa
de
crescimento
Rural
Taxa
de
crescimento
31.318
Total
Taxa
de
crescimento
1950
7.270
38.588
1960
47.592
654,63%
56.539
80,54%
104.131
169,85%
1970
100.100
210,32%
21.274
(-)37,63%
121.374
16,56%
1980
160.689
60,53%
7.550
(-)35,49%
168.239
38,61%
1991
234.079
45,68%
6.213
(-)8,23%
240.292
42,83%
2000
283.792
21,24%
4.673
(-)7,52%
288.653
20,05%
Tabela 1:Crescimento populacional de Maringá- 1950 a 200.
Fonte: IBGE -Censos 1959, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000
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O SIGNIFICADO DO ALBERGUE PARA O MUNICÍPIO DE MARINGÁ (PR)
METODOLOGIA
Na pesquisa realizada no Albergue Santa Luiza de Marillac da cidade de Maringá cujo objeto de
estudo em relação ao processo migratório que a cidade sofreu, foi analisado a procedência dos
migrantes, objetivo e também o papel do albergue no aspecto de desenvolvimento de Maringá.
Durante todo o processo de pesquisa, foram realizadas leituras, que consistem em artigos
de revistas, livros, dissertações e teses com o objetivo em obter um embasamento teórico sobre
o assunto. Posteriormente a isso fez-se a coleta dos dados quantitativos no albergue e em fontes
como o IBGE, para que compreendêssemos a ideia do novo universo da nossa pesquisa.
Esses autores contribuem para um maior entendimento sobre o assunto, para um maior
embasamento teórico sobre a pesquisa que nos ajuda a compreender com mais facilidade os
resultados coletados da pesquisa fazendo com que possamos demonstrá-los de forma precisa e
clara para o leitor.
Na saída de campo foram realizadas entrevistas com as pessoas envolvidas no assunto,
como por exemplo, os albergados, o assistente social, funcionários e um breve diálogo com
presidente Osvaldo Zanollo, para obtermos informações precisas, principalmente sobre o
albergue, seu funcionamento e história.
Nesse sentido, a pesquisa nos leva a estudar por meio do método dialético, historicizando
os processos analisados, para perceber a dinâmica e as transformações que o albergue está
inserido.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O albergue de Santa Luiza de Marillac situado em Maringá, foi fundado, como mostra o site
Filhas da Caridade, em 27 de março de 1959 pelo Arcebispo de Maringá Dom Jaime Luiz
Coelho, cujo seu objetivo era acolher trabalhadores rurais que vinham em busca de auxílio.
As primeiras irmãs chegaram ao abrigo somente um ano após a inauguração, em 1960, para
organizarem toda a parte administrativa da entidade.
O albergue surgiu devido a uma necessidade que se encontrava na época, pois ali havia
um alojamento para trabalhadores da companhia de melhoramentos de terras do norte do Paraná
sendo assim, a Companhia cedeu este terreno para a criação de uma obra de caridade, no caso
o albergue e assim que conseguiu constituir uma diretoria se firmou como uma instituição que
atende migrantes e moradores de rua, como acontece na perspectiva atual.
O albergue Santa Luiza de Marillac situado na zona 9 de Maringá, localiza-se na parcela
central da cidade, caracterizado assim, segundo Vercezi, sendo antigamente, zona de armazéns,
que eram estas destinadas para as áreas que situavam-se próximo ao pátio da estação ferroviária
da cidade, para o beneficiamento da produção de café.
A parcela da zona 9 em que se encontra o albergue está situada próximo a áreas destinadas,
por exemplo, ao comércio principal da cidade, a famílias de baixo e médio rendimentos que
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trabalham no comércio e também próximo a universidade. Também se encontra ao redor da
instituição áreas destinadas a famílias de médio padrão de vida, mas por situar-se próximo ao
centro, e possuir ótima arborização, com o decorrer do tempo atraiu famílias de alto padrão
de vida. Encontra-se também, áreas destinadas primeiramente ao armazéns gerais, abrigando
assim grande diversidade populacional, entre eles, aqueles ligados aos quadros profissionais de
armazenagem.
Nas proximidades do albergue é possível encontrar, como principais pontos, o Atacadão
e a garagem da Viação Garcia, como também pequenos comércios.
Figura 5: Foto da Fachada do Albergue Santa Luiza de Marillac
Fonte: Site Filhas da Caridade- Província de Curitiba
O ALBERGUE
O Albergue Santa Luiza de Marillac contribuiu historicamente, principalmente em relação
aos migrantes, que chegavam à cidade em busca de emprego, na época a grande demanda
populacional tinha como objetivo trabalhar em lavouras de café, que necessitavam de
principalmente mão-de-obra, gerando assim o sustento dessas pessoas que vinham em busca
de trabalho. A instituição surgiu primeiramente a fim de atender justamente essa parcela da
população, os que chegavam à busca de emprego, auxiliando-os principalmente em moradia e
alimentação.
Valmir Aranha destaca em sua pesquisa as principais características de um albergue,
sua representação na sociedade e as transformações que e a instituição imprime no município
e na sociedade. O autor afirma que a interiorização do crescimento representa a extensão ou o
aprofundamento das desigualdades, modificando os padrões de comportamento e os hábitos da
população, que passam a conviver diretamente ou indiretamente com a pobreza e a violência
urbana, de modo com que apareçam novos movimentos migratórios, principalmente das cidades
menores em direção as maiores, ou seja, as metrópoles. Para amenizar essa problemática,
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algumas prefeituras que conseguiram diagnosticar esse fato com antecedência, tentam controlálo pelo meio da triagem (método de cadastramento dos itinerantes) da entrada de migrantes
surgindo assim os albergues dos migrantes.
O autor ainda expõe em sua pesquisa, que:
Modificaram-se os padrões de comportamento e hábitos de consumo da população.
Cidades médias passaram a conviver com a pobreza urbana (favelas, cortiços,
expansão das áreas periféricas) e a violência; surgiram novas modalidades de
movimentos migratórios em direção ás cidades ( migração de população de
pequenas cidades em direção as maiores, migração pendular, sazonal e de retorno).
Enfim esse é o cenário de uma sociedade industrial de massa que reproduz, cada
vez mais, as desigualdades sociais, expandindo essa reprodução no interior do
espaço paulista ( Bógus & Baeninger, 1989:70)
Sendo assim, o ex funcionário do albergue Santa Luiza de Marillac expõe que:
[...] os recursos pra isso são bem escassos, mas por outro lado as pessoas não
tem preconceito da instituição mas sim do usuário , elas pensam “ pra que um
albergue daquele tamanho pra atender vagabundo, bêbado?” então é o preconceito
do usuário e não é essa visão do resgate do ser humano, resgate dos valores da
pessoa, porque muitos acham que os que veem aqui são casos perdidos, mas
agente tem que olhar com outros olhos, tentar buscar, encontra a pessoa que esta
ali.
Segundo ARANHA estes albergues visam atender um tipo especifico de migrantes
auxiliando-os em vários quesitos como, por exemplo, a obtenção da moradia, trabalho, recursos
financeiros.
O albergue de Maringá hospeda diversos tipos de migrantes, como dependentes
químicos, pessoas com problemas familiares e de saúde, além de receber também, em minoria,
uma parcela de pessoas que vieram em busca de trabalho. Após a realização das triagens esses
itinerantes recebem o encaminhamento e o auxílio que necessitam, sendo ele de saúde, moradia,
alimentação e emprego.
O Albergue registra fortemente as migrações de uma região, caracterizando-se assim
como um dos fatores em que podem contribuir para que o migrante se acostume a ir à busca de
trabalho e também para aquele que já não mais possui endereço fixo, que já está integrado na
rotina de migração, este sim localiza com mais facilidade as regiões que possuem as instituições
que oferecem moradia ao migrante, de modo com que saiba quais municípios possuem casa
de abrigo. Aranha expõe em sua pesquisa realizada no interior do estado de São Paulo que há
os chamados, migrantes “experientes”, que na maioria das vezes já possuem um trajeto para
onde desejam ir, pois provavelmente conhecem alguma instituição de abrigo que irá atendê-los.
Diante disso é possível observar que na instituição de Maringá acontece um processo semelhante
na qual os albergados, ou os que procuram qualquer tipo de apoio, possuem um maior interesse
em passagens para cidades que também possuem albergues.
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O autor ainda expõe que, as regiões que se caracterizam como pontos de passagem
dos migrantes são basicamente aquelas que possuem albergues, casa de abrigo voltado á este
público, mas isso não pode ser aplicado como uma regra geral, pois mesmo os municípios que
não possuem essas instituições em pró do migrante, realizam em conjunto com a assistência
social local, projetos para acolherem ou atenderem os migrantes, dando também algum tipo de
suporte e assistência aos mesmos.
Segundo o ex-coordenador do albergue Santa Luiza de Marillac, a instituição possui um
tipo de acolhimento dentro da política de assistência social, transitório e também emergencial,
pois além de não permanecerem albergados por longos períodos, também realizam o trabalho
de atender os albergados á qualquer hora devido a necessidade e a procura que há em relação ao
albergue, devido a sua estrutura e recursos á oferecer ao albergado.
De acordo com Aranha (1996), os itinerantes podem dirigir-se ao albergue de duas
formas. Na primeira delas os migrantes chegam através de iniciativa própria, pois na maioria
das vezes eles já ouviram falar que naquela cidade existe algum sistema de albergagem, então
se dirigem para lá contando com esse auxílio. Algumas cidades possuem informações em forma
de cartazes colados na rodoviária ou na ferroviária, indicando ao recém-chegado para que se
encaminhe rumo á instituição.
No albergue da cidade de Maringá, podemos notar, através de ex-membro do albergue
que:
O albergue mesmo não tem serviço de ronda, mas a prefeitura sim, a prefeitura
tem o serviço de abordagem de rua, esse serviço que faz a ronda na cidade, atende
as denúncias, que faz o translado do morador de rua, migrante para cá, que as
vezes nem sabe. Muitos param na rodoviária, ‘dai’ os funcionários da rodoviária,
os guardas já estão instruídos a chamar esse serviço, o serviço vai lá na rodoviária,
traz a pessoa pra cá dai ela é atendida.
Outra forma dos migrantes chegarem aos Albergues é através do sistema de ronda, que
é um trabalho feito pelo Albergue integrado junto a Policia Militar, cuja sua função é percorrer
certos pontos da cidade de modo a recolher a população que se encontra na rua, que também
conta um sistema de comunicação onde a própria população comunica a secretaria da produção
social sobre a localização das pessoas que ficam perambulando pela rua.
De acordo com os dados quantitativos levantados na instituição, podemos perceber
que o Albergue Santa Luiza de Marillac, registrou as principais procedências, originadas de
Londrina-PR, Presidente Prudente-SP e Sarandi-PR, sendo essas as três cidades de maiores
números registrados de procedências em um ano.
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Figura 6: Representação das 3 cidades que apresentaram maiores procedências
que o albergue Santa Luiza de Marillac recebeu durante um ano.
Fonte: Cadastro do albergue Santa Luiza de Marillac
Segundo o autor, esses itinerantes ao chegarem aos albergues, independente da forma
como se dirigiram para lá, em primeiro momento passam por um processo de triagem e
cadastramento, sendo em seguida encaminhados para uma entrevista com a assistência social.
De acordo com o ex-coordenador do Albergue Santa Luiza de Marillac, na instituição
é realizada uma entrevista social com o itinerante que chega ao albergue, em que é realizada
a identificação do sujeito, verificar seus endereços, telefones, vínculos familiares e até mesmo
seus documentos quando possuem, pois na maioria das vezes, os itinerantes acabam perdendo
seus documentos, de modo com que o albergue solicite ao albergado o boletim de ocorrência,
que fora realizado mediante a perda dos seus documentos, sendo assim, o albergue providencia
através do boletim de ocorrência, a segunda via dos seus documentos, facilitando assim o
ingresso do albergado em algum emprego na cidade ou em outra região.
De acordo, com Dornelas (1997), a AVIM (Associação dos Voluntários pela Integração
do Migrante), atualmente Casa do Migrante, localizada na cidade de São Paulo, um tipo de
albergue especializado em atender apenas migrantes e que, como o albergue Santa Luiza de
Marillac, é dirigido pela igreja católica da cidade, mas que se relaciona com a prefeitura, devido
as necessidades de financiamento, tratando-se assim de uma dependência econômica, que
segundo o autor se transforma numa relação de subordinação burocrática e política, tornando
praticamente o albergue numa instituição pública. Os estudos de Dornelas nos ajuda a entender
melhor como se dá a relação dessas casas de abrigo com a política da cidade.
Em Maringá, a instituição possui certa relação com a prefeitura em que esta, colabora a
despender 20% (vinte por cento) dos gastos que a instituição realiza. Este pagamento é realizado
de forma bimestral de modo com que ajude o albergue arcar com suas despesas, juntamente
com doações de pessoas jurídicas e físicas, o aluguel do salão de festas e através de promoções
e eventos que realizam.
Segundo reportagem feita pelo jornal O Diário, Albergue Santa Luiza de Marillac pede
doações (2008), o albergue de Maringá recebe por dia para a realização de refeições, em torno
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de 150 pessoas e diariamente são consumidos 20 quilos de feijão e 80 quilos de arroz. Segundo
o presidente da instituição, Osvaldo Zanollo, em entrevista concedida ao jornal, ele afirma
que muita gente do Paraná e de outros Estados vem em busca de trabalho e acabam optando
pelos albergues para se alojarem. ( tratar dos recursos financeiros) e caracterização da demanda,
primeiro o que entra e depois o que sai.
PERFIL DOS ALBERGADOS
Aranha (1996) afirma que esses albergues possuem predominantemente homens em idade ativa,
com baixos níveis de escolaridade e baixa qualificação profissional sendo que, assim que não
conseguem emprego em determinada cidade vão à procura de novas oportunidades.
Segundo, ex-coordenador do albergue Santa Luiza de Marillac, o ramo que proporciona
a esta população, um maior número de vagas para emprego, é o ramo da engenharia civil, pois
temos que pensar, que é um público em que o nível de escolaridade é baixa.
Figura 7 : Representação da diferença de homens e mulheres atendidos
no albergue Santa Luiza de Marillac.
Fonte: Cadastro do Albergue Santa Luiza de Marillac-2012
No albergue de Maringá, a grande maioria dos albergados são homens que, na maioria
das vezes vem, em primeiro momento sozinhos, até se estabelecerem financeiramente, para
então conseguirem trazerem suas famílias e nesses casos aonde o migrante vem em busca de
trabalho e emprego, para melhorar sua condições de vida, o albergue ajuda por exemplo a
dispor móveis que o albergado necessite para sua moradia.
Nasser, na sua pesquisa em um albergue de São Paulo, se preocupa em mostrar como
se dava o convívio desses itinerantes dentro desses albergues, o perfil dos migrantes e como
eram as tarefas dentro do albergue. A autora afirma que as tarefas que realizavam dentro dos
albergues eram todas coletivas e quem descumprisse essas atividades, correria o risco de sair do
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O SIGNIFICADO DO ALBERGUE PARA O MUNICÍPIO DE MARINGÁ (PR)
albergue e se transformaria num indivíduo isolado.
Neste sentido, a disciplina do Albergue também é representada como um meio de
demarcar a identidade de cada um, sem que a convivência obrigatória entre eles se torne
insuportável.
O grande problema dos migrantes que chegam em busca de trabalho é justamente a
falta dele. Segundo Martins (1989) a angústia e o sentimento de fracasso desses migrantes vão
aumentando cada vez mais, pois não estão completamente assimilados no processo de produção
e com isso estão dispostos a qualquer tipo de trabalho.
Segundo Rangel (1997) esses migrantes fazem parte do mercado de mão-de-obra livre,
que se encaminham para onde há trabalho disponível para eles, com esse movimento territorial
constante o migrante vai se marginalizando socialmente perdendo os valores dessa sociedade
que o impede de mostrar sua verdadeira face.
Segundo a autora o conforto de poder ter uma casa para si vai ficando num passado
distante e viver nessa sociedade em contradição com seus valores civilizatórios é mutilar-se,
é ter que se negar como sujeito dessa sociedade para dar sentido a outra conduta de vida, esse
sujeito altera entre o viver em determinadas normas e desprender-se totalmente delas.
Esses estudos, tanto os de Rangel como os de Martins nos contribui para nossa pesquisa
em compreender e entender melhor como esses moradores de albergues se sentem, ficando
longe de suas origens e ter que se verem obrigados a morarem em lugares que não sejam os
mais agradáveis para eles, a modo com que tenham vergonha de dizerem que são albergados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa pode nos proporcionar um melhor entendimento sobre, o papel do albergue no
desenvolvimento da cidade de Maringá, mostrando que o albergue pode ser um dos fatores que
motivou a vinda de mais trabalhadores para a cidade, pois sabiam que iriam possuir alguma
moradia, ou também que a casa de abrigo foi fundada para atender o grande número de pessoas
que estavam chegando ao município em busca de emprego, saúde e etc.
Podemos observar que o aspecto do albergue de Maringá, mudou em vista do que era
antes, hoje ele atende mais usuários de drogas e moradores de rua, fazendo com que o número
de pessoas que vêm em busca de trabalho como antigamente, diminuísse drasticamente.
Analisamos também que a instituição funciona basicamente de doações, tanto de
pessoas como das instituições, pois a prefeitura auxilia com muito pouco, disponibilizando,
como por exemplo, algumas passagens e meios de transportes para que levem os albergados,
onde precisam ir e arcam com 20% das despesas da instituição.
Diante disso podemos observar que, com poucos recursos associados a muitos
necessitados, não são todas as pessoas que recebem o beneficio, sendo assim os albergados
são capazes de omitir algumas informações, a fim de terem prioridade sobre as outras para
receberem tal auxilio.
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CÉSAR COSTA SANCHES; SUELI DE CASTRO GOMES
Na pesquisa nos defrontamos com alterações que ocorreram na estrutura administrativa
da instituição, como o desligamento da participação das irmãs e também do ex-coordenador que
nos proporcionou várias fontes e dados quantitativos para que fossem representados em gráficos
e tabelas. Sendo assim foi realizado novos contatos e visitas a fim de obter algumas explicações
do presidente da instituição, nos deparando assim com certas dificuldades no encaminhamento
da pesquisa.
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VERCEZI, Jaqueline T. Gênese e evolução da região metropolitana de Maringá. 179f. Dissertação (mestrado)UNESP, Faculdade de Ciências Tecnologia, Presidente Prudente-PR, 2001
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Marques, Renato Cesar. 2007. História e Futuro- Aeroporto de Maringá. Disponível em: http://
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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DIREITO À MORADIA: A REMOÇÃO COMO
DESLEGITIMAÇÃO DO DIREITO À CIDADE
Cristine Palma Zochio
Aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PGC) da Universidade Estadual
de Maringá (UEM). Área de concentração: Dinâmicas Urbanas e Políticas Públicas. Contato:
[email protected]
Resumo: A implantação de práticas neoliberais no âmbito da economia brasileira trouxe
consigo a supervalorização do mercado em detrimento à valorização dos direitos sociais,
inscritos no Título II, Capítulo II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Assim, a agressiva e sucessiva mercantilização do espaço urbano, exacerbada com o advento
dos megaeventos, prioritariamente de caráter esportivo, destitui da população de comunidades
da cidade do Rio de Janeiro o direito à moradia – direito social assegurado na Carta Magna – e
consequentemente, o direito simbólico à cidade. O presente trabalho tem o intuito de explicitar
como o direito à moradia é violado e, por conseguinte, apresentar como o direito à cidade é
deslegitimado em virtude de práticas que visam apenas aos interesses intensamente lucrativos
do mercado imobiliário.
Palavras-chave: Direito à Moradia; Direito à Cidade; Mercantilização do espaço urbano;
Megaeventos.
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DIREITO À MORADIA: A REMOÇÃO COMO DESLEGITIMAÇÃO DO DIREITO À CIDADE
A cidade do Rio de Janeiro pleiteia desde meados da década de 1990 o posto de sede para a
realização de grandes eventos - prioritariamente de caráter esportivo - em virtude, principalmente,
das novas práticas neoliberais pujantes no período e que trazem a questão da globalização1 e
consequentemente, o da expansão do mercado e do capital no espaço urbano. Com efeito,
[...] em termos mais propriamente políticos, verifica-se que o liberalismo mais
radical, sob a roupagem de um neoliberalismo, foi resgatado por sua extrema
funcionalidade para a constituição de um novo padrão de acumulação sistêmica,
requerido pelo capital. E esse novo padrão implica, fundamentalmente, o
endurecimento das condições materiais, seguramente para as maiores parcelas
das sociedades nacionais, o que pode ser entendido como a contrapartida óbvia
da exacerbação – e até exaltação – da competição social (VIDAL, 2006, p.104).
A supremacia da globalização representou a desestruturação do Estado provedor e,
acima de tudo, determinou a primazia do mercado (MARICATO, 2007, p. 54). É inevitável
que uma mudança de tamanho porte, na qual a sociedade é sujeita às regras do capital, novas
relações se estabeleçam. Por conseguinte,
[...] a globalização também está produzindo um novo homem e uma nova
sociedade por meio de transformações nos Estados, nos mercados, nos processos
de trabalho, na estética, nos produtos, nos hábitos, nos valores, na cultura, na
subjetividade individual e social, na ocupação do território, na produção do
ambiente construído e na relação com a natureza (MARICATO, 2007, p. 52).
A dinâmica que permeia a cidade do Rio de Janeiro sempre foi diretamente relacionada
com a questão da segregação de espaço e das relações sociais. A este tipo específico de
distanciamento pode ser atribuído o conceito de segregação socioespacial. Para tal conceito,
pode-se compreender que a cidade é dividida por critério de desigualdade social (ARAÚJO,
2003). Para Araújo,
A segregação nas cidades não se trata da separação entre diferentes grupos de
moradores, mas, além disso, da desigualdade existente entre eles. Bairros inteiros
estão separados e são diferenciados pelos bens públicos disponíveis em cada um
pela segurança dispensada a seus moradores, pela distância que os separa do
centro aglutinador de ofertas de trabalho, lojas, escolas, hospitais, etc (ARAÚJO,
2003, p.9).
Nesse sentido, a intenção que se observa com o advento dos grandes eventos, ou como
são notoriamente conhecidos, megaeventos, é exatamente a de esquecer a condição social na
qual a cidade deveria estar assentada, assegurada pelo art.182 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, doravante CF/88, e tratá-la como objeto de geração de lucros,
onde se instaura o raciocínio da segregação socioespacial para uma maior lucratividade. É a
cidade como objeto, como mercadoria do espaço urbano, e ao mesmo tempo, é a cidade sujeito,
1 O conceito de globalização utilizado neste trabalho será o descrito por Harvey, o qual remete à reestruturação
produtiva do capitalismo no início da década de 1970 (MARICATO, 2007, p. 51).
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CRISTINE PALMA ZOCHIO
agindo de acordo com a lógica empresarial. Vainer explicita que,
[...] ver a cidade como empresa significa, essencialmente, concebê-la e instaurála como agente econômico que atua no contexto de um mercado e que encontra
neste mercado a regra e o modelo do planejamento e execução de suas ações.
Agir estrategicamente, agir empresarialmente significa, antes de mais nada, ter
como horizonte o mercado, tomar decisões a partir das informações e expectativas
geradas no e pelo mercado (VAINER, 2000, p.86).
A cidade mercadoria, porém, não é transformada de tal maneira que seja passível
de aquisição de todos os que compartilham do solo urbano. A mercadoria que se constitui
é destinada a uma pequena parcela da população local, e especialmente, a um universo de
pessoas transeuntes, que não se fixam na cidade, mas apenas agregam conteúdo econômico
– como assim defendem os planejadores neoliberais - para esta. É um ambiente propício à
difusão do luxo, propício à emersão de uma cidade desigual e fragmentada. Como Harvey
argumenta, “Almost every city in the world has witnessed a building boom for the rich - often of
a distressingly similar character - in the midst of a flood of impoverished migrants converging
on cities […]2”(2012, p. 11, grifo da autora). De maneira sintética,
[...] transformada em coisa a ser vendida e comprada, tal como a constróis o
discurso do planejamento estratégico, a cidade não é apenas uma mercadoria mas
também, e sobretudo, uma mercadoria de luxo, destinada a um grupo de elite
de potenciais compradores: capital internacional, visitantes e usuários solváveis
(VAINER, 2000, p.83, grifo da autora).
Porém, a cidade não se apresenta unicamente como objeto a ser vendido. Ela também
desempenha papel fundamental na promoção do planejamento estratégico. Para tal, a cidade
assume a posição de agente articulador no marketing urbano e se transfigura em empresa.
Na cidade-empresa, o espaço é determinado de acordo com as regras do mercado.
Percebe-se então a negação e, completa anulação da cidade enquanto território político.
É possível concluir que o embate político desaparece no discurso de uma falsa necessidade
de unificação patriótica e consenso. A cidade-empresa representa muito mais do que seus
planejadores promovem, pois,
[...] a analogia cidade-empresa não se esgota numa proposta simplesmente
administrativa ou, como muitas vezes pretendem apresentar seus defensores,
meramente gerencial ou operacional. Na verdade, é o conjunto da cidade e do poder
local que está sendo redefinido. O conceito de cidade, e como ele os conceitos de
poder público e de governo da cidade são investidos de novos significados, numa
operação que tem como um dos esteios a transformação da cidade em sujeito/ator
econômico...e, mais especificamente, num sujeito/ator cuja natureza mercantil e
empresarial instaura o poder de uma nova lógica, com a qual se pretende legitimar
2 “Quase todas as cidades do mundo têm evidenciado a um boom da construção para os ricos - muitas vezes
de caráter lamentavelmente similar - em meio a uma enxurrada de migrantes empobrecidos convergindo para
as cidades” tradução e grifo da autora.
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DIREITO À MORADIA: A REMOÇÃO COMO DESLEGITIMAÇÃO DO DIREITO À CIDADE
a apropriação direta dos instrumentos de poder público por grupos empresariais
privados (VAINER, 2000, p.89).
Categoricamente, o território urbano enquanto mercadoria, ou a cidade enquanto empresa
determina o fim desta mesma cidade no âmbito das ações políticas e legitimação da cidadania.
Finda por escancarar o espaço urbano a uma lógica unicamente mercadológica capitalista, e
apropria à iniciativa privada do direito à cidade.
Em conformidade com a CF/88, o art. 182 determina que “A política de desenvolvimento
urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem
por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemestar de seus habitantes.” e corrobora as funções sociais da cidade em seu parágrafo 2º, onde
determina que “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. O plano diretor, mencionado
no parágrafo 1º do art. 182 da CF/88 é “[...] aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento
e de expansão urbana”.
Os engajados na promoção dos megaeventos – em sua grande maioria, empreendedores
capitalistas - não assumem a posição de mercantilizadores da cidade, e contradizendo essa
noção que ratifica que a cidade é uma mercadoria, legitimam os megaeventos através de
um discurso que traduz a criação e permanência de alguns legados econômicos, sociais e de
infraestrutura para a cidade. Dessa forma, os megaeventos não teriam como única função o seu
acontecimento, mas teoricamente, também promoveriam a transformação da cidade por meio
da realização de melhorias em todos os setores do espaço urbano, tanto no que diz respeito às
questões estruturais e econômicas, quanto no que diz respeito às questões relacionadas com o
social.
Com a proposta de amenizar este tipo de segregação, a Prefeitura Municipal do Rio
de Janeiro (PMRJ) se compromete a ser responsável pela realização de um projeto específico
para os Jogos Olímpicos de 2016 - jogos estes que compartilham do conceito anteriormente
apresentado de megaevento. Com a chegada destes megaeventos, a cidade depreende a
necessidade - ou, é imposta por comitês a exemplo do COI (Comitê Olímpico Internacional)
– de melhorias na infraestrutura disponível, e contemplar uma região maior da cidade com
equipamentos públicos.
É por meio dessas alegações das necessidades inerentes à malha urbana da cidade do
Rio de Janeiro que o projeto Cidade Olímpica foi apresentado com um comprometimento a
longo prazo. O projeto em questão é composto por vários outros programas os quais têm a
pretensão de equipar, integrar e urbanizar todas as comunidades informais da cidade do Rio de
Janeiro de forma a constituir um legado social, a fim de diminuir as divergências discrepantes
entre as camadas sociais menos e mais providas de recursos financeiros e públicos.
É relevante precisar que todas as mudanças que ocorrem no espaço urbano, são
diretamente relacionadas com o conceito de direito à cidade. No capítulo intitulado The Ritgh to
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CRISTINE PALMA ZOCHIO
the City da obra Rebel cities: from the right to the city to the urban revolution de David Harvey,
o autor aceita a percepção proposta por Ezra Park, que o direito à cidade é compreendido como
[...] man’s most consistent and on the whole, his most successful attempt to remake
the world he lives in more after his heart’s desire. But, if the city is the world
which man created, it is the world in which he is henceforth condemned to live.
Thus, indirectly, and without any clear sense of the nature of his task, in making
the city man has remade himself3 (2012, p.3).
e complementa esta percepção argumentando em suas próprias palavras que
The right to the city is, therefore, far more than a right of individual or group
access to the resources that the city embodies: it is a right to change and reinvent
the city more after hearts’ desire. It is, moreover, a collective rather than an
individual right, since reinventing the city inevitably depends upon the exercise of
a collective power over the processes of urbanization. The freedom to make and
remake ourselves and our cities is, I want to argue, one of the most precious yet
most neglected of our human rights4 (2012, p.3 grifo da autora).
Essa negligência para com o direito à cidade, descrita por David Harvey, é perceptível
quando as transformações que ocorrem na malha urbana são modificações do perímetro em
decorrência de empreendimentos que tratam o espaço citadino unicamente como mercadoria.
Tratam a cidade apenas como potencial acumuladora de excedente do capital. Em palavras
sucintas, reivindicar o direito à cidade representa o direito de fazer parte dos processos de
recriação deste território urbano “[...] is to claim some kind of shaping power over the processes
of urbanization, over the ways in which our cities are made and remade, and to do so in a
fundamental and radical way5” (HARVEY, 2012, p.4). Porém, se a cidade é tratada como objeto
mercantil, quem serão os reais beneficiários de tais lucros?
As intervenções de caráter infraestrutural, a exemplo das vias de locomoção rápidas
de ônibus, consensualmente denominadas de BRT’s (Bus Rapid Transportation), na cidade do
Rio de Janeiro decorrem, travestidas de caráter de urgência, da promoção e realização dos
megaeventos, principalmente em virtude da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e dos Jogos
Olímpicos de 2016, mas podem ser citados eventos de grandes dimensões como a Jornada
3 “[O direito à cidade pode ser definido como] a tentativa mais consistente do homem, e no geral, sua
tentativa mais bem sucedida de refazer o mundo no qual se vive de acordo com os seus anseios. Mas, se a
cidade é o mundo o qual o homem criou, é também o mundo no qual o homem é forçado a viver. Assim,
indiretamente e sem qualquer noção clara da natureza da sua tarefa, ao criar a cidade, o homem recria a si
mesmo” tradução da autora.
4 “O direito à cidade é, portanto, muito mais do que um direito do indivíduo ou do grupo de acessar os
recursos que a cidade incorpora: é um direito de mudar e reinventar a cidade mais de acordo com os seus
anseios. É, aliás, mais um direito coletivo do que um direito individual, já que reinventar a cidade depende
inevitavelmente do exercício de um poder coletivo sobre os processos de urbanização. A liberdade de criar
e recriar a nós mesmos e nossas cidades é, eu quero argumentar, um dos mais preciosos, ainda sim, um dos
mais negligenciados dos nossos direitos humanos” tradução e grifo da autora.
5 “Para reivindicar o direito à cidade, no sentindo que eu quero dizer aqui, é o de reivindicar algum tipo de
poder de formação sobre os processos de urbanização, sobre as formas nas quais as nossas cidades são feitas
e refeitas, e fazê-lo de uma maneira fundamental e radical” tradução da autora.
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DIREITO À MORADIA: A REMOÇÃO COMO DESLEGITIMAÇÃO DO DIREITO À CIDADE
Mundial da Juventude de 2013 e o festival de música Rock in Rio. Findam, porém, por privilegiar
o espaço urbano como mercadoria, onde os valores de uso do território citadino, principalmente
os territórios que cumprem - ou em muitos casos, cumpriam - a função de habitação de diversas
comunidades, migram de forma imposta para valores de troca. A imposição do valor de troca
não ocorre unicamente pela iniciativa privada como é possível de se imaginar, mas em sua
grande maioria, é legitimado pelo poder público o qual deveria fazer cumprir a função social
da cidade, instrumentalizada na Lei Nº 10.257 de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da
Cidade6.
A publicação do primeiro dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio
de Janeiro intitulado Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro
(futuramente mencionado pela sigla MVDH) explicita que,
[...] documentos internacionais atestam que a posse da terra é elemento central
do direito à moradia, pois sem a segurança da posse, independente se formal ou
informal, as pessoas vão estar em permanente ameaça de despejo ou deslocamento
forçado, e outras formas de perda da posse serão sempre iminentes.
É pujante a necessidade de trazer para a discussão do direito à moradia o cenário
normativo internacional, o qual se representa notoriamente pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos, doravante denominada DUDH, da Assembleia Geral das Nações Unidas7 de
10 de dezembro de 1984.
Em seu art. XVII, a DUDH proclama que “1. Toda pessoa tem direito à propriedade,
só ou em sociedade com outros.” e que “2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua
propriedade”. Os processos de remoção de moradores de suas comunidades na cidade do Rio
de Janeiro, como bem exemplifica o dossiê MVDH, o qual, até o ano de 2011 contabilizava
um total de 1.860 (mil oitocentas e sessenta) famílias removidas e 5.325 (cinco mil trezentas e
vinte e cinco) famílias ameaçadas pelo processo de remoção demonstram a clara deturpação e
violação dos direitos humanos.
Em outro momento, no art. XXV, é descrito que “1. Toda pessoa tem direito a um padrão
de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde, bem estar inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis [...]”, e o art. XXX, o último
proclamado, determina sinteticamente que:
Nenhuma disposição presente da presente Declaração pode ser interpretada como
o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer
qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer
dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.
A DUDH não apresenta força de lei, pois fora adotada pela Assembleia Geral das
6 Para maiores informações: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
7 Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas na íntegra no endereço
eletrônico do Ministério da Justiça http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm
acessado em 10/09/2013.
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CRISTINE PALMA ZOCHIO
Nações Unidas sob a forma de resolução, mais especificamente a Resolução 217 (III), porém,
é compreendido pela comunidade internacional, representada pela Organização das Nações
Unidas (ONU) que a DUDH – assim descrita pela própria ONU - deva ser “uma norma comum
a ser alcançada por todos os povos e nações”. No cenário legislativo brasileiro a CF/88 em
seu art. 4, que trata dos princípios fundamentais, determina que o país reja-se pelo princípio
da “II - prevalência dos direitos humanos;” e pela “VII - solução pacífica dos conflitos;” nas
suas relações internacionais. Assim, a DUDH pode não se apresentar como lei em um cenário
restrito, mas ratifica-se como tal na CF/88.
De acordo com a CF/88, dentre os direitos e garantias fundamentais, expõe-se no art.
5 que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade[...]” que “XXII - é garantido o direito de propriedade;”
e “XXIII - a propriedade atenderá sua função social;” e caso a propriedade não cumpra a sua
função social “XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade
ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro;
ressalvados os casos previstos nesta Constituição;”. Desta forma, logo nos primeiros artigos da
CF/88 depreende-se a necessidade de caracterizar a propriedade como constitutiva de um valor
social.
Entretanto, é no art.6 do título e capítulo II da CF/88, com relação aos direitos sociais
que se assegura que a moradia é de fato um direito constituído, visto que “São direitos sociais
a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição” (grifo da autora). Percebe-se então, que a destituição deste direito, por meio das
remoções forçadas no Rio de Janeiro, viola-o tanto em âmbito nacional, quanto em âmbito
internacional.
Outra questão que se apresenta problemática em relação às remoções forçadas é a falta
de publicidade do e no processo. De acordo com o documento “Princípios Básicos e Diretrizes
sobre os Despejos e o Deslocamento Gerados pelo Desenvolvimento” de 5 de fevereiro de 2007
mencionado no dossiê MVDH
Todas as informações do projeto devem estar disponíveis com antecedência,
em idioma e dialeto das pessoas que serão atingidas, em linguagem acessível
e utilizando referências comunitárias; as pessoas atingidas têm o direito de
procurar assessoria independente para discutir e elaborar projeto alternativo. [....]
Todos e todas devem ter vozes asseguradas e consideradas, sem qualquer tipo de
intimidação e com respeito às normas de expressão das comunidades atingidas;
[...] Ao final a inevitabilidade da remoção deve ser demonstrada com um estudo
de impacto. A autoridade responsável deve notificar a população sobre a decisão
final relativa à remoção; justificando detalhadamente a decisão, [...] possibilitar
que a população se defenda inclusive judicialmente. Os atingidos devem receber
assistência judiciária gratuita quando preciso; Dar prazo e condições para que a
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DIREITO À MORADIA: A REMOÇÃO COMO DESLEGITIMAÇÃO DO DIREITO À CIDADE
população se prepare para o dia da remoção; A comunidade deverá ter tempo para
fazer um levantamento detalhado (inventário) de seus bens e direitos afetados;
Deve ser dado aviso prévio suficiente de pelo menos 90 dias ou tempo necessário
que prejudique menos as famílias. A data exata da remoção deve ser observada.
Deve-se observar condições mínimas para local de reassentamento”.
De maneira sintética, pode-se observar quais deveriam ser os critérios e como deveria
se dar o processo de remoção nas comunidades da cidade do Rio de Janeiro, mas, como consta
no dossiê MVDH (2012), diversas comunidades, dentre elas: Comunidade do Campinho;
Comunidade Vila das Torres; Comunidade Arroio Pavuna; Comunidade Restinga; Comunidade
Vila Harmonia; Comunidade Vila Recreio II; Comunidade Vila Autódromo entre outras, sofrem
com ameaças de remoções, visto que a informação não é publicizada, ou, em um instância ainda
mais crítica, já sofreram as remoções que não ofereceram a transparência necessária para um
processo legalmente e socialmente justificável.
Com a clara deturpação do cumprimento do Estatuto da Cidade, assim como a falsa
segurança proporcionada pelos direitos sociais assegurados na CF/88, a cidade do Rio de
Janeiro trata seu território como produtor de capital especulativo ao buscar a valorização de
determinadas áreas de seu espaço urbano por meio de intervenções de infraestrutura. A questão
que se coloca não é apenas da legitimação de tais infraestruturas, muitas vezes construídas
apenas para a utilização temporária e para eventos específicos, como os megaeventos, - Copa
do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016 - criando assim uma lacuna de investimentos
na infraestrutura necessária para melhorar a qualidade de vida dos moradores da cidade,
mas compreender de maneira fidedigna a legitimação que se apresenta com as remoções de
comunidades inteiras, que dão lugar a tais infraestruturas.
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181
CRISTINE PALMA ZOCHIO
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A AMPLIAÇÃO DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL
DE MARINGÁ E SUA REGIÃO METROPOLITANA:
UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA OBRA PAC
“CONTORNO NORTE”
1
Felipe Fontana; Fernanda Martins Valotta
2
1 - Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Graduação em Ciência Sociais da Universidade
Estadual de Maringá; Pesquisador Colaborador do Observatório Nacional das Metrópoles
– Núcleo região Metropolitana de Maringá e, atualmente, doutorando do Programa de Pósgraduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos.
E-mail: [email protected].
2 - Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Graduação em Ciência Sociais da Universidade
Estadual de Maringá; Pesquisadora Colaboradora do Observatório Nacional das Metrópoles –
Núcleo região Metropolitana de Maringá. E-mail: [email protected].
Resumo: Uma construção com a magnitude estrutural e contábil como o Anel Viário
PAC-Contorno Norte do município de Maringá não deve ser justificada apenas por seus fins
econômicos. Preocupados com esta fundamental questão, os pesquisadores do Observatório
Nacional das Metrópoles – Núcleo Região Metropolitana de Maringá realizaram pesquisas nas
regiões que sofreram diretamente com os impactos desta obra. Este artigo apresentará os dados
oriundos da aplicação de questionários nos bairros localizados no entorno deste Anel Viário. Tais
questionários tinham o objetivo de revelar as transformações e as expectativas dos moradores
fixados nessas localidades. Os resultados obtidos com a pesquisa mostram a insatisfação da
população acerca da obra, o fato da mesma não ter sido consultada acerca desta edificação e as
mudanças em toda a vida cotidiana de cada indivíduo que ali habita. Tomando como pressuposto
que a produção das cidades se dá através de complexos processos que impactam diretamente
a vida da população, nossos dados e análises se deterão sobre a constituição e reprodução do
espaço urbano de Maringá no contexto das obras do PAC-Contorno Norte de Maringá.
Palavras-chave: Maringá; PAC-Contorno Norte; Segregação Socioespacial.
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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FELIPE FONTANA; FERNANDA MARTINS VALOTTA
INTRODUÇÃO
Observando a importância dos estudos sobre as cidades, os pesquisadores do Observatório Nacional
das Metrópoles – Núcleo Região Metropolitana de Maringá/PR da Universidade Estadual de Maringá
iniciaram estudos com o objetivo de analisar os diferentes impactos das obras do PAC edificadas na
Região Metropolitana de Maringá. Sob a supervisão da Coordenadora Profª Drª Ana Lúcia Rodrigues,
buscou-se compreender como se deu construção do PAC-Contorno Norte na cidade de Maringá e
como ele afetou e afeta a vida dos moradores que residem em seu entorno.
O município de Maringá localiza-se no norte central do Estado do Paraná e é uma cidade de
médio-grande porte, planejada e de recente urbanização. Maringá é uma cidade relativamente grande
em extensão com 473.064.190 m² de área total e 128.260.000 m² de área urbana, sendo a terceira
maior do Estado do Paraná e a sétima mais populosa da região sul do Brasil. Destaca-se pela qualidade
de vida e por ser um importante entroncamento rodoviário regional. De acordo com dados do Censo
2010, Maringá possui uma população de 357 077 habitantes. Maringá foi fundada pela Companhia
Melhoramentos Norte do Paraná; seu traçado obedece a um plano urbanístico previamente estabelecido
pelo engenheiro Jorge de Macedo Vieira.
Praças, ruas e avenidas foram demarcadas considerando, ao máximo, as características
topográficas da área escolhida, revelando preocupação lúcida no que se refere à proteção de áreas verdes.
Com esta filosofia, caracteristicamente contemporânea, nasceu Maringá, a 10 de maio de 1947, como
um distrito de Mandaguari. Em 1951 Maringá foi elevada a Município, sendo detentora dos distritos de
Iguatemi, Floriano e Ivatuba. Em 1954 foi instalada a Comarca de Maringá. No ano de 1998 instituise mediante a lei complementar estadual 83, a Região Metropolitana de Maringá, composta hoje por
25 municípios. Planejada para ser uma cidade de duzentos mil habitantes, a cidade de Maringá nasceu
como fruto de uma concepção considerada na época como “Visionária” e “Moderna”. Atualmente,
Maringá é considerado um grande centro de convergência econômica, cultural, educacional, etc.
(Cordovil, 2010).
Claramente observarmos que a cidade de Maringá cresceu, e muito; já ultrapassou o número de
habitantes para o qual foi planejada, e hoje sofre as conseqüências, que aliada à especulação imobiliária
e ao descompromisso do Poder Público, atinge a população de baixo poder econômico. Dessa forma,
notamos que “a produção do espaço urbano constituído pela atual Região Metropolitana de Maringá
se desenvolveu através de objetivos impostos pela Companhia loteadora”, nesse sentido, “o ideário
do projeto que inspirou os fundadores de Maringá trazia consigo o entendimento de que a realidade
urbana podia ser planejada e mantida através de mecanismos contidos somente em planejamento, seja
de iniciativa dos agentes imobiliários, do poder público, ou dos dois agentes, como ocorreu nessa
cidade.” (Rodrigues, 2004).
Falando especificamente da Expansão Viária da cidade de Maringá desde o momento em que
o sistema viário da cidade foi delineado, percebemos que a Avenida Colombo foi incluída como um
eixo limitador do plano urbanístico da cidade. Essa avenida foi desenhada com 35 metros de largura,
com duas pistas e um canteiro central; teoricamente, ela deveria receber o tráfego mais pesado e
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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A AMPLIAÇÃO DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL DE MARINGÁ E SUA REGIÃO METROPOLITANA:
UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA OBRA PAC “CONTORNO NORTE”
funcionar, ao mesmo tempo, como um perímetro urbano. Tal expectativa em relação a esta avenida não
se efetivou, obviamente, após a expansão da cidade de Maringá1.
Com a grande expansão demográfica da cidade de Maringá a partir da década de 80 - saltando de
240.000 mil habitantes para em torno de 370.000 (Censo de 2010) - a construção civil se desenvolveu
muito com a construção de prédios residenciais e condomínios horizontais fechados. A expansão do
perímetro urbano e a consolidação de Maringá como centro regional acelerou o mercado imobiliário,
havendo a necessidade de criar novas soluções para adequar a infraestrutura urbana, principalmente
viária, a fim de acomodar o tráfego intenso e permitir um escoamento mais rápido e adequado da
produção, dos serviços e das pessoas. Afinal, o tráfego de passagem da Avenida Colombo continuou um
problema na mobilidade da cidade, tanto para pedestres quanto para veículos. Esta situação causa além
dos congestionamentos diários, inúmeros acidentes, caracterizando esse eixo rodoviário como líder no
ranking de estatísticas de acidentes, segundo a Secretaria Municipal de Transportes de Maringá.
Para superar os problemas e transtornos existentes na Avenida Colombo, o DER-PR
(Departamento de Estradas e Rodagens do Estado do Paraná) desenvolveu um projeto denominado de
PAC-Contorno Norte de Maringá, o qual possibilitaria o desafogamento da Avenida Colombo com o
desvio de carros e caminhões ao redor da cidade. Com o intuito de não permitir que esse contorno se
tornasse um vetor que interferisse nas vias locais da cidade, a Prefeitura Municipal de Maringá adequou
o projeto tornando-o uma “via expressa” com o controle de acesso, cuja concepção foi um “greide” do
projeto com pistas rebaixadas em relação aos terrenos adjacentes, evitando assim interferência com o
sistema viário local.
No ano de 2009 iniciou-se nas regiões periféricas de Maringá uma grande obra, a construção
do PAC-Contorno Norte. Uma pista que tem 17,2 quilômetros de extensão que tinha a função de ligar
o trevo na divisa entre as cidades de Maringá e Sarandi - localizado no início da Avenida Sincler
Sambatti (Contorno Sul) - ao trevo da Coca-Cola, na zona oeste da cidade de Maringá, onde está o
entroncamento com a Avenida Sabiá. Parte do traçado seguirá os trechos projetados e os já existentes
da Avenida Major Abelardo José da Cruz. A nova via pretende aliviar o tráfego pesado de caminhões
da Avenida Morangueira e Colombo, duas principais vias de acesso à cidade.
Para além de uma análise puramente técnica acerca da obra, também é preciso compreender
como esta se relaciona diretamente à vida de muitos moradores que residem em seu entorno. Para
o bom desenvolvimento da cidade, os benefícios gerados por mudanças devem ser gerais. Ruben
George Oliven afirma: “Atualmente, o que caracteriza o Brasil é uma contradição entre uma crescente
modernidade tecnológica e a não realização de mudanças sociais que propiciem o acesso da maioria da
população aos benefícios do progresso material”. (Oliven, 2001).
A obra do Contorno Norte explicita claramente a idéia de Oliven posta na citação acima, uma
vez que, apesar de ter por objetivo a melhoria do tráfego nas principais avenidas da cidade, trouxe
diversos pontos negativos para a vida cotidiana da população localizada no entorno da construção
1 Em resposta a esse crescimento surpreendente e rápido da cidade, foi elaborado pela prefeitura e poder público
O Plano de Diretrizes Viárias, de 1979, liderado pelo arquiteto Nildo Ribeiro da Rocha. Esse plano, baseado em um
levantamento aerofotogramétrico de toda a área do município, considerou as distorções entre o projeto original, as
manchas urbanas antigas e atuais dispersas pela cidade e as restrições ambientais relativas ao relevo e corpos d’água.
(Villalobos, 2003).
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FELIPE FONTANA; FERNANDA MARTINS VALOTTA
dessa grande edificação. Nota-se que a construção do Contorno Norte, ao invés de contornar a cidade de
Maringá (Mapa 01) como o próprio nome da obra diz, rasga o interior de alguns bairros do município,
separando-os, o que leva a constituição simbólica e pejorativa do lado de “cá” e o lado de “lá” desta
obra. Esta clara separação dentro da cidade dá lugar a um lado que ficará melhor por estar localizado
no interior das mediações do Contorno Norte, e outro lado que ficará pior por estar posicionado do lado
externo do Anel Viário, longe, portanto do acesso aos equipamentos urbanos básicos.
Mapa 01: Setores Censitários/Bairros com residências que foram cortados pelo Contorno Norte.
Fonte IBGE.
O PAC-Contorno Norte é a maior obra pública da história de Maringá, com traçado estipulado
desde a década de 1990. Na percepção dos responsáveis pela execução da obra do DNIT (Departamento
Nacional de Infra-Estrutura de Transporte), o contorno é de fundamental importância para o contexto
viário local e regional, além de desviar o fluxo pesado da cidade pela BR- 376/PR. Segundo responsáveis
pelo DNIT o contorno trará inúmeros benefícios à região metropolitana de Maringá, dentre eles estão:
i.) separar o tráfego rodoviário de média e longa distância do tráfego local urbano; ii.) facilitar a fluidez
do tráfego minimizando o índice de acidentes aos usuários da cidade, como também dos viajantes que
passam por ela; iii.) diminuir o tempo de viagem principalmente dos veículos pesados que transportam
cargas; iv.) reduzir a emissão de poluentes e ruídos no trecho em que a BR- 376/PR corta a cidade;
v.) beneficiar a região lindeira atraindo investimentos com a criação de novos loteamentos devido à
facilidade logística de acesso e valorização da área.
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A AMPLIAÇÃO DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL DE MARINGÁ E SUA REGIÃO METROPOLITANA:
UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA OBRA PAC “CONTORNO NORTE”
Contudo a realidade não condiz com tal discurso, afinal, essa intervenção urbana com quase
vinte pontes e viadutos prevê que os futuros usuários do Anel Viário terão a liberdade de transitar em
uma via expressa sem redutor de velocidade. Por conta disso, o acesso dos moradores dos bairros
às marginais do Contorno ficou restrito. Acentua-se a segregação urbana com a implantação de
loteamentos destinados a população de baixa renda, além do perímetro citadino – o qual deveria ser
limitado pelo contorno – com infraestrutura aquém da necessária segundo padrões legais. A construção
do Contorno Norte tem como premissa a solução de problemas primordialmente viários que a cidade
enfrenta com o elevado fluxo de veículos de grande porte na porção da Avenida Colombo, mas ignora
uma série de fatores sociais ao instalar uma obra de tal magnitude em uma área já transposta pela
malha urbana. Se originalmente o contorno seria uma barreira limitadora para a ocupação urbana
ao norte da cidade, ao ser executado anos após o projeto, modificações condizentes com a realidade
deveriam ter sido feitas. Dessa forma, parte dos problemas concentrados na Avenida Colombo, como
poluição e ruídos, foram apenas transpostos. Por fim, é importante entender as diversas implicações
que envolvem a implantação do Contorno Norte nas condições atuais, pois elas não se relacionam
apenas com questões viárias, mas também sociais, provocando múltiplos impactos aos cidadãos que
residem na porção lindeira à via expressa.
METODOLOGIA
Levando em consideração a necessidade de compreendermos de maneira efetiva quais foram os
impactos inerentes à construção do PAC-Contorno Norte para a população localizada em seu entorno,
realizamos um Survey com a intenção de identificar quais os principais impactos, positivos e negativos,
existentes na região do entorno dessa obra e quais os frequentemente identificados pela população que
reside nessa região. O questionário aplicado no entorno do Contorno Norte foi elaborada exclusivamente
pelos pesquisadores e colaboradores do Observatório Nacional das Metrópoles – Núcleo Região
Metropolitana de Maringá da Universidade Estadual de Maringá com a supervisão da Profª. Drª. Ana
Lúcia Rodrigues. Tal questionário buscava identificar uma série de importantes aspectos; são eles:
demografia, transporte, locomoção e sinalização de trânsito, moradia e qualidade de vida, as mudanças
inerentes à vida cotidiana dessa população, laços de vizinhança, a participação dos moradores nas
tomadas de decisão sobre a obra em questão, as percepções dos moradores do entorno em relação ao
Contorno Norte e as expectativas que estes possuem após a sua finalização.
Os mapas utilizados para construir nossa metodologia de pesquisa foram elaborados pela equipe
de Geoprocessamento do Observatório Nacional das Metrópoles – Núcleo Região Metropolitana de
Maringá; neles foram usadas bases digitais do próprio Observatório e do IBGE (Instituto brasileiro de
Geografia e Estatística), ambas foram processadas no software de Geoprocessamento ArcGIS 9.
As bases para a pesquisa foram os setores censitários separados pelo IBGE no último Censo
em 2010. Dessa forma, identificamos trinta e oito setores censitários que são cortados ou que fazem
divisas com o Contorno Norte. Todavia, apenas dezessete setores censitários foram contemplados. O
primeiro motivo para a escolha específica destes setores está no fato de que os demais não possuem
moradores residindo efetivamente em suas mediações próximas ao Anel Viário. Ou seja, apesar dos
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setores censitários fazerem divisa com o Contorno ou serem cortados por ele, muitos de seus moradores
moram de maneira mais interiorizada no setor censitário, não estabelecendo ou sofrendo assim, um
contundente contato com o Contorno Norte e as implicações oriundas de sua construção. O segundo
motivo é pontual: alguns setores não possuem moradores; configuram-se como grandes loteamentos,
ou ainda, como grandes áreas dedicadas à agricultura, como por exemplo, o plantio de soja. O terceiro
motivo vincula-se com uma questão ligada ao transporte e a locomoção da equipe de pesquisa. Em
determinados trechos do Contorno Norte o acesso é impossível; levando em consideração que a obra
ainda está em realização, alguns setores censitários não possuem entradas ou áreas de acesso através das
pistas paralelas do Contorno Norte, inviabilizando assim, o acesso dos pesquisadores a determinadas
regiões.
No mapa (Mapa 02), podemos identificar então todos os setores censitários que são cortados
ou que perpassam o Contorno Norte. Deve ficar claro que os setores identificados com cores
diferenciadas no mapa são aqueles que foram contemplados pelo nosso Survey. Por fim, os setores ou
áreas pesquisadas não foram apenas aquelas que se encontram na parte externa da divisão imposta pelo
Contorno Norte (áreas ou setores externos, ou seja, localidades que no mapa aparecem após a linha
azul no sentido norte); também pesquisamos as áreas internas dos setores que são cortados ou que
fazem divisas com o Contorno Norte e que sofreram menores impactos, principalmente naquilo que
concerne ao transporte e locomoção, em relação às obras do Contorno.
Mapa 02: PAC-Contorno Norte e os setores censitários que ele corta e nos quais realizamos nossa pesquisa.
Fonte IBGE.
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A AMPLIAÇÃO DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL DE MARINGÁ E SUA REGIÃO METROPOLITANA:
UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA OBRA PAC “CONTORNO NORTE”
Os setores censitários selecionados possuem, de acordo com o IBGE, 4.112 domicílios
permanentemente ocupados2. Levando em consideração esse valor de nossa população e
realizando um cálculo para se obter uma amostra aleatória simples com margem de erro de 5,6
pontos percentuais para mais e para menos obtivemos o valor de 308 domicílios como um valor
altamente significativo.
A aplicação dos trezentos e oito questionários foi realizada em cinco dias por uma equipe
de vinte e dois alunos, colaboradores e funcionários ao Observatório Nacional das Metrópoles
– Núcleo Região Metropolitana de Maringá. A pesquisa foi feita através de uma abordagem
intercept, mais conhecida como ponto de fluxo, em cada setor censitário selecionado. Os pontos
de fluxo selecionados foram as avenidas que se localizam paralelamente ao contorno. Ficou por
parte do pesquisador e seu supervisor a responsabilidade de não ultrapassar os limites destas
avenidas. Afinal, caso o pesquisador adentrasse aos bairros paralelos as avenidas e recorresse
aos moradores em suas residências a aleatoriedade da pesquisa seria comprometida ou ainda os
limites dos setores censitários poderiam não ser respeitados.
O perfil de nosso entrevistado foi composto por algumas características. São elas:
-
Ser morador do setor censitário no qual a pesquisa está sendo aplicada (característica
primordial e mais importante do entrevistado);
-
Ser maior de dezoito anos e responsável pelo domicílio (declarar-se maior de dezoito anos
e responsável pelo domicílio)3;
-
Por fim, caso o entrevistado não seja o responsável pelo domicílio aonde reside, ele deve
declarar-se maior de dezoito anos e informar qual o grau de parentesco que possui com o
responsável pela residência.
O número de questionários aplicados em cada setor foi proporcional ao número de
domicílios ali existentes. No caso de setores que são cortados pelo Contorno Norte foi dividido
o número de questionários e os aplicamos tanto na parte interna quanto na parte externa.
Obviamente, identificamos os questionários pelos setores nos quais eles foram aplicados4; e no
2 Nota-se que os dezessete setores por nós selecionados representam, em número de domicílios
permanentemente ocupado aproximadamente 50% do universo de trinta e sete setores censitários; afinal, o
número total de domicílios nos trinta e sete setores é de 8.355 domicílios segundo os dados preliminares do
censo de 2010 do IBGE.
3 Nos resultados de nossa pesquisa nota-se que 1,6% de nossa amostra entrevistada são menores de dezoito
anos. Essa mudança ocorreu devido a alguns problemas encontrados no campo, são eles: falta de fluxo e
público para responder as questões, impossibilidade de passar mais tempo no campo do que o determinado
pelos responsáveis e supervisores da pesquisa e, em alguns casos isolados, o fato de um menor ser o
responsável pelo domicílio. No entanto, devido ao pequeno número de menores entrevistados, acreditamos
que os impactos em nossa pesquisa graças a isso não são significativos.
4 Após os questionários tabulados levando em consideração a identificação dos questionários, poderemos
fazer alguns cruzamentos e apresentarmos as semelhanças e diferenças entre os vários setores pesquisados
naquilo que concerne às informações obtidas.
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caso dos setores divididos pelo contorno as marcações INTERNO5 e EXTERNO6 foram feitas
nos questionários.
Para que houvesse a possibilidade dos moradores expressarem suas opiniões de modo
mais livre, o questionário aplicado possuía algumas questões abertas. Contudo, o questionário
foi composto por 90% de questões fechadas, as quais foram tabuladas pela equipe técnica do
Observatório Nacional das Metrópoles utilizando-se do software SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences).
Falando especificamente do questionário, podemos afirmar que ele foi construído através
de uma investigação prévia realizada pelos pesquisadores e colaboradores do Observatório
Nacional das Metrópoles – Núcleo Região Metropolitana de Maringá em uma recente pesquisa
denominada “Terra Morta: Representação Social dos Moradores em Frente aos Paredões do
Contorno”.
Diante das narrativas resultantes das entrevistas realizadas nessa pesquisa, categorias
foram estabelecidas graças a maior recorrência de determinados falas, assuntos, reclamações,
informações, etc. São elas: transporte, locomoção e sinalização de trânsito, moradia e
qualidade de vida, mudanças inerentes à vida cotidiana dessa população, laços de vizinhança,
a participação dos moradores nas tomadas de decisão sobre a obra em questão, as percepções
dos moradores do entorno em relação ao Contorno Norte e as expectativas que estes possuem
após a sua finalização. Nesse sentido, levando em consideração tais categorias, é que fizemos
um questionário fechado, o qual possibilitou a realização de uma pesquisa de maior fôlego e
com maior representação.
DESENVOLVIMENTO E RESULTADOS DA PESQUISA:
PARTE I – PERFIL DOS ENTREVISTADOS DADOS DA PESQUISA.
A pesquisa com os moradores do entorno do anel viário em construção foi realizada no segundo
semestre de 2011, quando 308 pessoas foram indagadas a respeito dos impactos desta obra em
suas vidas. A maioria dos entrevistados são chefes dos seus respectivos domicílios, totalizando
73,1% dos entrevistados. Os companheiros dos chefes de domicílio que responderam os
questionários correspondem a 9,1% dos entrevistados e os filhos (as) dos chefes de domicílios
que responderam os questionários representam 13,6% dos entrevistados. Outros graus de
parentesco, como neto, neta, pai, mãe, sogro, sogra etc. correspondem a 4,7% da amostra.
47,4% dos entrevistados eram do sexo feminino e o grupo de homens indagados corresponde
a 52,3%.
Sobre a faixa etária dos entrevistados apenas 17,1% possuem idade igual ou inferior a
29 anos, divididos em 1,6% na faixa entre 0 a 17 anos, 3,2% entre 18 a 24 anos e 12,3% entre
25 a 29 anos. Por outro lado, quase metade da amostra (47,8%) possui idade entre 30 e 49 anos,
5 Região previamente identificada como a que mais sofreu com a construção dessa obra principalmente com
questões relacionadas ao transporte, locomoção e desvalorização do imóvel.
6 Região previamente vista como privilegiada.
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UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA OBRA PAC “CONTORNO NORTE”
sendo 26 % para pessoas entre 30 e 39 anos e 21,8% para moradores entre 40 e 49 anos. O número de
entrevistados com mais de 50 anos também é relevante, totalizando 34,7% da amostra.
A maioria absoluta dos entrevistados possui formação escolar igual ou inferior ao ensino médio,
compondo 86,6%. Dentro deste quadro 16% possui somente a primeira parte do ensino fundamental
completo ou incompleto, 25,7% pelo menos cursou parte da segunda etapa do ensino fundamental,
enquanto 43,3 % cursaram parte ou a totalidade do ensino médio ou correspondente. Por outro lado,
a população entrevistada com grau superior completo ou incompleto é de apenas 13,4 %, sendo que
apenas 0,3% destes possui pós-graduação em nível de mestrado.
Dos entrevistados, 62,3% (192 pessoas) se autodeclararam da cor branca. Os de cor preta e
pardos somaram 34,7%, sendo 9,1% do primeiro grupo e 25,6% do segundo. A população pesquisada
que se autodeclarou de cor preta é superior à média nacional que tem a seguinte estrutura: brancos
correspondem a 47,7%, com 90 milhões, de cor preta 7,6% com 14 milhões e pardos 43,1% com 82
milhões (IBGE, 2010). Contudo, podemos dizer que isso é incomum porque o percentual da população
de cor preta em Maringá é menor que o nacional (Maringá, segundo IBGE 2010 apresentou 3,4% de
pessoas que se autodeclararam da cor preta).
Quanto ao quesito profissão, observamos uma variação significativa das ocupações, não
havendo um tipo de trabalho predominante na amostra. Neste quadro, a maior representação encontrase na categoria de trabalhadores do terciário especializado, o que corresponde a 25,4% da amostra,
enquanto outros 14,5% desempenham funções não especializadas no setor terciário. Outra ocupação
relevante é a dos trabalhadores do setor secundário, equivalente a 16,2% da amostra. Donas de
casa correspondem a 10,9% da amostra, enquanto aposentados estão representados em 10,2% dos
entrevistados. É possível verificar ainda que 48,6 % dos responsáveis pelo domicilio entrevistados
trabalham com carteira assinada, enquanto 38,2% dos trabalhadores exercem sua atividade de outras
formas que não com carteira assinada. Pessoas que declaram não trabalhar correspondem a 9,8% da
amostra.
A maioria da população entrevistada possui renda familiar entre 1 e 3 salários mínimos, sendo
que 25,4% dos entrevistados possui renda familiar entre 1 e 2 salários, enquanto 25,7% disse possuir
renda familiar entre 2 e 3 salários mínimos. Outros 27,7% disseram receber entre 3 e 5 salários e 7,5%
entre 5 e 10 salários mínimos. A porcentagem de famílias que ganham entre ½ e um salário mínimo são
de 7,2%. O reduzido de 32 famílias recebe benefícios de projetos sociais que corresponde a 10,4% dos
entrevistados. Todos indicaram que este benefício era provido pela inclusão da família no Programa
Bolsa Família.
Sobre a forma de utilização do tempo livre, utilizamos uma questão aberta perguntando ao
entrevistado como a família utiliza o tempo livre. A partir das informações coletadas classificamos as
respostas em quatro categorias. Quase 50% dos entrevistados realizam atividades domésticas ou ficam
em sua residência em seu tempo livre. Outros 35% indicaram que realizam atividades afetas a cultura,
lazer e atividades esportivas quando liberados do trabalho, enquanto 10% se ocupam de atividades
religiosas em seu temo livre. Os 5% restantes informaram que realizam atividades diversas em seu
tempo livre.
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PARTE II – O IMPACTO DO PAC-CONTORNO NORTE – MARINGÁ/PR.
A segunda parte do questionário apresentou questões relacionadas ao impacto da obra Contorno
Norte sobre a vida dos moradores de seu entorno. Ao serem indagados se houveram mudanças
em relação às formas de transportes que os moradores ou suas famílias utilizavam depois do
início da construção do Anel Viário 74,07% dos entrevistados disseram que não ter alterado
seus meios de transporte, mas 25,93% afirmaram ter alterado seus meios de locomoção, como
por exemplo, deixar de utilizar o carro e começar a fazer uso de moto.
A pesquisa também indagou acerca dos meios de transporte mais utilizados antes e após
a construção do Contorno Norte. Anteriormente à construção 44,2% do total dos entrevistados
utilizavam como principal meio de locomoção o transporte coletivo, o que praticamente não
se alterou, apresentando um aumento para 44,5% após a construção. O dado mais expressivo
se refere ao uso de automóveis particulares, pois antes da construção 37,7% da população
da amostra utilizava esse meio de transporte e após a obra 46,4% declarou que passou a
utilizar este veículo; a principal justificativa para essa mudança, segundo a população, foi em
decorrência das modificações que o trajeto sofreu, afinal, o Contorno Norte é materialmente um
obstáculo em forma de trincheira com poucas áreas de passagem para travessia. Quanto ao uso
de motocicletas, anteriormente à construção, 13% utilizava este tipo de transporte. Esse número
subiu para 14,9% de usuários de motocicletas após a construção do contorno. A modalidade de
transporte que não sofreu alteração foi a de bicicleta, com 3,2% de usuários. Nota-se ainda que
houve um decréscimo no número de pessoas que circulavam a pé. Antes da construção desta
obra, 3,7% se movimentavam desta forma e, após o Contorno Norte, 2,3% passaram a transitar
a pé. Dessa forma, as modificações oriundas do Contorno Norte ocasionaram o aumento do
número de moradores que passaram a utilizar carros e motocicletas como meio de transporte.
Quando perguntado se houve mudanças no trajeto da família após a edificação da obra,
mais de 58% dos entrevistados disseram que sim. No caso do entrevistado responder “SIM”
para a questão que indagava sobre a mudança de trajeto, o pesquisador apresentava algumas
opções de respostas que ajudavam a classificar essas mudanças. As opções fornecidas pelo
pesquisador aos entrevistados que os amparavam a qualificar essas novas mudanças de trajeto
eram: “POSITIVA”, “NEGATIVA” ou “INDIFERENTE”. Nesse sentido, notamos que mais de
70% dos entrevistados indicaram que as mudanças verificadas por eles foram de cunho negativo
para o desenvolvimento de suas atividades diárias. Após classificar as mudanças de trajeto, essa
mesma parcela de nossa amostra que identificou alterações de trajeto após a edificação do
Contorno Norte pode responder de maneira aberta quais foram essas principais mudanças.
Quando perguntado sobre as outras mudanças no trajeto após a edificação da obra, a
categoria mais mencionada é a referente ao aumento da distância, engarrafamento, lentidão
e violência no trânsito com 10,5% ou 19 entrevistados. Faz-se necessário atentar para o fato
que nessa questão o número total que indicou mudanças de trajetos foi de 180 entrevistados,
os demais (128) não indicaram quais foram as mudanças. De acordo com os entrevistados
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UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA OBRA PAC “CONTORNO NORTE”
a segunda mudança mais significativa é sobre a dificuldade de mobilidade e de acesso aos
serviços e equipamentos urbanos com 8,8% ou 16 pesquisados.
Quanto ao fator segurança, a pesquisa abordou dois elementos, as passarelas provisórias
para a travessia dos pedestres sobre a obra e as outras estruturas direcionadas a retenção de
acidentes (sinalização de transito, quebra-molas, semáforos, etc.). Relacionado a isso, 67,76%
dos entrevistados estão insatisfeitos quanto às passarelas provisórias instaladas para travessia
da população sobre a via, ou seja, que estas estruturas não satisfazem as necessidades de
deslocamento de sua comunidade, família e sua própria. Da amostra 32,24% se dizem satisfeitos
quanto a este equipamento de segurança. Além disso, 85% dos pesquisados acreditam que
elementos para a segurança do trânsito, tais como, faixas de sinalização, barras de contenção,
placas, faixas para pedestre, sinaleiro, placas e iluminação, entre outros, são pouco seguros e
inseguros. E um pouco mais de 14% consideram seguras ou muito seguras as instalações do
entorno do Contorno Norte.
Os entrevistados também foram indagados acerca dos impactos da obra em suas moradias
e suas vidas cotidianas. Dos entrevistados, mais de 70% indicaram que houve impactos sobre
seu cotidiano e moradia e quase 30% apontaram que não houve nenhum tipo de interferência.
Em seguida a esta pergunta, se a resposta do morador fosse “SIM”, o questionário solicitava
aos pesquisados uma resposta aberta que apresentasse quais eram então os impactos por eles
observados.
Dos mais de 70% que indicaram alterações em suas vidas cotidianas e moradias, 32%
disseram ter passado por problemas relacionados à poeira durante a construção do Contorno e 11%
apontaram o aparecimento de rachaduras em suas residências em conseqüência da obra. Deste
montante, 4% indicaram ter notado a valorização imobiliária de sua casa, mas 14% apontaram
o contrário, que houve desvalorização de seu imóvel. Outros fatores assinalados foram a falta
de visibilidade que o Contorno impôs aos moradores, indicado por 10% dos pesquisados que
apontaram alterações em suas moradias, e a mudança da paisagem foi verificada por 16% deles.
E 6% apontaram o fator desenvolvimento do bairro e da região como uma mudança positiva
advinda da construção do Contorno Norte de Maringá.
Quando perguntado sobre outros fatores que interferiram no cotidiano e também na
moradia dos entrevistados após a edificação do Contorno Norte, 217 moradores indicaram a
opção “outros”, isso significa que os demais (91) não indicaram essa alternativa. Dessa forma,
25,8% indicaram a categoria referente à dificuldade de acesso e de mobilidade aos serviços,
aos equipamentos públicos e ao lazer. A segunda categoria mais indicada refere-se ao aumento
da insegurança e ocorrência de alguma modalidade de violência, contabilizando 13,8% dos
entrevistados. E por fim, uma parcela reduzida, com 1,8% indicou melhorias das condições de
urbanização e de qualidade de vida.
Também foi mensurado na pesquisa o impacto que a construção do contorno causou
nas relações estabelecidas entre vizinhos frontais e da redondeza que foram separados pela
fundação do anel viário. Entre os entrevistados 54,33% disseram que tiveram seu convívio
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afetado com os moradores que agora estão do outro lado do contorno ou se encontram na
redondeza e 45,67% disseram não ter sofrido alterações em suas relações de vizinhança após o
início da obra.
Também foi pesquisado como os entrevistados classificavam suas relações de vizinhança.
Nesse sentido, 37,8% disseram ter um ótimo relacionamento com os seus vizinhos, 52,4%
bom relacionamento, 6,8% consideram regular e 0,7% ruim, o percentual de pessoas que não
estabelecem relações de vizinhança gira em torno de 2%.
Os dados apresentados abaixo nos permitem perceber que não foram realizados estudos
de impacto de vizinhança e que as obras do contorno não levaram em consideração a vida
cotidiana entre os moradores que se localizam em seu entorno. A participação destes moradores
nos processos de decisão revela que não foram adotadas medidas democráticas de construção
coletiva do projeto, conforme orientações técnicas para obras de grande impacto. Somente
6,21% dos entrevistados responderam ter participado do processo de decisão da viabilidade da
construção e 93,79% disseram não terem participado em nenhum momento de qualquer evento
para serem discutidas questões referentes ao projeto, sobretudo, não tiveram suas opiniões
consultadas.
Conforme mostrado, o processo participativo não foi levado em consideração dentro
do projeto de construção do contorno. Todavia, foi realizada, através do survey em sua última
questão fechada, uma avaliação sobre a construção do contorno norte. A maioria avaliou de
maneira negativa, sendo que, 45% dos pesquisados apontaram índices entre ruim e péssimo. Já
as variáveis classificadas em ótima e boa totalizaram 26,3% das entrevistas. Por fim, a variável
regular teve índices expressivos com 17,6% de apontamentos.
Assim, se considerarmos a variável regular como pessoas que ainda não conseguiram
estabelecer uma avaliação positiva ou negativa poderemos ter esses dados alterados até o final
da construção do contorno, contudo tais dados também sofreram alterações uma vez que cerca
de 10% dos entrevistados não souberam avaliar a obra.
Finalmente, os entrevistados foram indagados acerca de suas expectativas em relação
à moradia, deslocamento e bem-estar após o término do contorno norte, sendo que nesta
questão poderiam responder livremente, sem alternativas preestabelecidas. Deste modo,
devido ao amplo número de formulações coletadas, elaboramos três categorias que indicaram a
natureza valorativa dessas expectativas, em outras palavras, as respostas giravam em torno de
expectativas positivas, negativas ou indiferentes. Em especifico para os que se posicionaram
de forma indiferente, predomina uma descrença quanto às possibilidades de mudanças de
qualquer tipo, sendo este grupo composto por 26,6% dos entrevistados. Por outro lado, 35,7 %
nutrem esperanças positivas em relação à moradia, deslocamento e bem-estar após o termino do
contorno, enquanto que as expectativas negativas compõe 26,6% da amostra.
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UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA OBRA PAC “CONTORNO NORTE”
CONCLUSÃO
A cidade é muito mais do que apenas o local de habitação dos indivíduos. Ela também representa
o espaço onde serão concretizados os laços comunitários de um determinado grupo. Além disso,
ela é meio no qual a vida de uma determinada população se constitui, por vezes, por intermédio
das políticas públicas aplicadas ao local, como a prestação de serviços públicos, bem como a
implantação de equipamentos públicos.
A ausência destes serviços e equipamentos públicos combinada com o processo de
segregação sócio-espacial que permeia os espaços urbanos atualmente constitui uma questão
primordial a ser debatida a fim de compreender este processo sociológico que tende a afetar
primordialmente os menos favorecidos em todos os aspectos (estrutura de oportunidades,
econômico, social, cultura e político).
Por considerar ser de extrema importância empreender estudos em relação às cidades e
sobre seus desafios e limitações em relação à vida dos indivíduos que constituem a sociedade,
é essencial o desenvolvimento de pesquisas com o objetivo de entender e analisar os vários
aspectos e impactos de obras direcionadas a modificar profundamente os espaços urbanos. Um
exemplo interessante para este tipo de estudo é o já citado Contorno Norte de Maringá.
Para além de uma análise que visa contemplar as dimensões arquitetônicas dessa obra,
é preciso compreender que estas se relacionam diretamente à vida de muitos moradores de
seu entorno e, por vezes, da população da cidade como um todo. Nesse sentido, buscar o
entendimento, através de uma perspectiva sociológica, da forma como a construção de tais
obras, afetaram e afetam a vida dos moradores que residem em suas mediações é primordial
para que se possa compreender os aspectos comuns de como os processos de sociabilização
se dão em situações semelhantes. Ou seja, para que se entenda como as vidas das pessoas que
moram nas mediações dessas construções são alteradas e modificadas artificialmente por obras,
na maioria das vezes, fomentadas pelo poder público. Traduzindo assim uma gama significativa
de incoerências e contradições. No caso de Maringá, pode-se explicitar no mínimo duas.
A primeira vincula-se ao fato de que o poder público, no caso o governo municipal, ao
implantar sem nenhuma modificação o projeto Contorno Norte, desenhado e confeccionado há
mais vinte anos, sobre uma malha urbana altamente povoada, claramente traduz uma postura
contrária a sua função de resguardar o bem estar de uma dada população circunscrita em seu
território de atuação.
A segunda liga-se ao fato de que uma obra tal como a do Contorno Norte nega a uma
determinada população os seus direitos à cidade criando e ressaltando assim, uma dimensão
altamente segregadora. No caso de Maringá, o contorno literalmente separa uma determinada
parte da população do resto e do centro da cidade, dificultando em muito, o acesso de uma
parte da população maringaense, dentre outras coisas, a aparelhos públicos (escolas, postos de
saúde, hospitais, etc.), eixos de serviços (mercados, bancos, etc.) e o centro da cidade (espaço
que concentra locais de lazer, eventos culturais e serviços fundamentais para a população). Essa
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FELIPE FONTANA; FERNANDA MARTINS VALOTTA
triste forma de segregação fica mais explícita quando a interpelamos levando em consideração
as palavras de Pierre Bourdieu versadas acerca d’Os Efeitos do Lugar: “Inversamente, os
que não possuem capital são mantidos à distancia, seja física, seja simbolicamente, dos bens
socialmente mais raros e condenados a estar ao lado das pessoas ou dos bens mais indesejáveis
e menos raros. A falta de capital intensifica a experiência da finitude: ela prende a um lugar”.
(Bourdieu, 1997).
Levando em consideração a problematização que se acabou de realizar, podemos dizer
que este estudo foi fundamental para se apreender, de maneira geral, quais as relações entre as
modificações do território urbano e a vida das pessoas que são diretamente afetadas por elas. De
modo específico, esta pesquisa evidenciou quais os impactos da obra Contorno Norte na vida
cotidiana dos moradores que estão localizados em sua mediação.
Tomando por base de análise os dados levantados nas entrevistas, pode se elencar
alguns elementos que reforçam o pressuposto da presença e aprofundamento de processos de
segregação nessa intervenção urbana:
- o contorno comporta-se como uma barreira física e segmenta duas parcelas da cidade
de Maringá: antes e depois do contorno.
- as áreas próximas ao contorno são destinadas às classes relativamente de rendas mais
baixas da população, às quais não resta outra escolha a não ser morarem às margens do contorno
(principalmente à margem norte), cujos valores da terra são relativamente mais baixos que o das
demais áreas localizadas dentro do perímetro do contorno.
- essa ideia se reforça com a informação de que os loteamentos encontrados antes do
contorno são cerca de 20% mais caros que os localizados depois do contorno.
- existem poucas interligações entre os dois lados do contorno, o que facilita a situação
de abandono a que a população está sujeita dificultando-lhe o acesso à cidade de Maringá.
- nem todos os loteamentos existentes depois do contorno são providos de infraestrutura
adequada, o que contribui para as más condições de sobrevivência da população.
O que pressupomos inicialmente e que foi possível confirmar então, por meio do conjunto
das informações apresentadas, é que essa obra reproduz e aprofunda a segregação socioespacial
presente no desenvolvimento da cidade e região, inclusive, constituída à revelia daqueles que
serão os que arcarão com os ônus da implantação, os moradores, os que sofrem cotidianamente
os resultados dos processos segregadores.
Como ficou explicitado nos dados da pesquisa e nas reflexões realizadas, a principal
alteração da vida das pessoas que moram nas imediações da obra vincula-se principalmente ao
fato de que o poder público municipal implantou um projeto elaborado há vinte anos, portanto
num tempo em que a malha urbana não estava povoada como hoje naquela região e que a barreira
física em forma de trincheira traz a dimensão segregadora, pois separa uma determinada parte
da população do resto e do centro da cidade, dificultando muito o acesso desta população aos
equipamentos públicos necessários à vida urbana: escolas, postos de saúde, hospitais, eixos de
serviços e o centro da cidade (espaço que concentra locais de lazer, eventos culturais e serviços
fundamentais para a população).
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A AMPLIAÇÃO DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL DE MARINGÁ E SUA REGIÃO METROPOLITANA:
UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA OBRA PAC “CONTORNO NORTE”
Considerados todos os aspectos constitutivos do espaço urbano, destaca-se o fato de
que ao se planejar uma mudança no sistema viário, em relação ao trânsito urbano, todas as
variáveis devem ser analisadas. Afinal a mobilidade é um principio básico para a constituição
urbana e o bem estar da população. Assim, os benefícios deveriam ser estendidos para todos,
tanto para os motoristas como para os pedestres (muitos dos quais idosos ou portadores de
necessidades especiais), motociclistas, ciclistas, motoristas vindo de outras cidades e que nos
visitam diariamente.
A cidade é muito mais do que apenas o local de habitação dos indivíduos. Ela também
representa o espaço onde serão concretizados os laços comunitários dos agrupamentos garantidos
principalmente pelos espaços públicos onde os equipamentos coletivos oferecerão a prestação
de serviços necessários à vida urbana.
A ausência destes serviços e equipamentos públicos combinada com o processo de
segregação socioespacial que caracteriza a maioria dos espaços urbanos atualmente no país,
constitui uma questão primordial a ser debatida a fim de compreender este processo na sua
totalidade.
Também vimos que a implementação do Contorno Norte desvalorizou a terra localizada
em seu entorno e concentrou, na extremidade norte da cidade, uma gama significativa da
população com uma renda inferior em relação à média dos maringaenses. Sem querer discutir
aqui os vários significados fornecidos por diferentes autores acerca do conceito de Segregação
Socioespacial, acreditamos que este dado por nós evidenciado com a pesquisa ratifica uma
importante constatação de Flávio Villaça sobre a formação e constituição das cidades e
metrópoles brasileiras. Para o autor, há uma tendência, das classes sociais com maior poder
aquisitivo exibir um processo de segregação; qual seja: se aglomerarem em uma mesma região
da cidade, segundo o pesquisador: se “entende por segregação a alta concentração de camadas
sociais em determinada parcela do espaço urbana.” (Villaça, 1999). O que de “pronto nos fere
a retina” é justamente o fato de essa nítida separação entre diferentes camadas sociais ter sido
engendrada, na cidade de Maringá, pelo poder público.
A organização do espaço urbano nunca é resultado de ações puramente espontâneas
dos atores sociais, por vezes, as grandes intervenções impetradas por organizações do poder
público e da iniciativa privada promovem significativos e nem sempre positivos impactos para
a população circunscrita a um determinado espaço urbano. Desta intervenção urbana resta à
população local o sofrimento direto e cotidiano com os efeitos do projeto implantado, mas é,
entretanto, esta que tem sua voz silenciada pelo discurso dominante. Ouvir os moradores do
entorno de uma obra como esta, possibilita entender como a organização do espaço urbano não
pode ser realizada unicamente segundo critérios técnico-burocráticos, mas se faz necessário
também incorporar a voz dos moradores na constituição dos critérios elaborados em conjunto
com os que terão sua vida alterada por meio de intervenções dessa magnitude.
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FELIPE FONTANA; FERNANDA MARTINS VALOTTA
A pesquisa nos permitiu reconhecer de maneira mais concreta o sentido de conceitos
sociológicos que podem parecer tão abstratos, como, por exemplo, o de segregação socioespacial,
mas que representam muito bem um fenômeno concreto vivenciado dia-a-dia por tantos que,
nesse caso, ficaram para o “lado de lá” ou para o “lado de cá” do espaço que um morador
chegou a classificar de “terra morta”.
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REVISITANDO O DOCUMENTÁRIO “NOTÍCIAS DE
UMA GUERRA PARTICULAR” (1999) A PARTIR DE
PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS DE IDENTIDADE
Júlio César Lourenço
Doutorando em Sociologia pela UFPR
Resumo: Neste artigo o objetivo será debater criticamente a respeito do documentário
Entreatos (2004) de João Moreira Salles, que aborda os bastidores da campanha política
de Luís Inácio Lula da Silva para a presidência do Brasil em 2002. Neste sentido, procuro
problematizar a discussão a respeito de como o cineasta abordou o universo social de onde o
candidato à presidência surgiu e os imaginários sociais e expectativas para o futuro do Brasil
que pairavam nesta campanha. Por fim, desejo problematizar a importância que a leitura que o
cinema brasileiro, principalmente os filmes documentários, possuem para o debate sobre poder,
política e identidade no interior do pensamento social brasileiro.
Palavras-chave: Documentário; João Moreira Salles; Identidade; Sociologia.
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REVISITANDO O DOCUMENTÁRIO “NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR” (1999)
A PARTIR DE PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS DE IDENTIDADE
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo procurar entender a partir do documentário Notícias de uma
guerra particular (1996), os elementos que o diretor João Moreira Salles, olhando para os
grupos envolvidos na guerra do tráfico de drogas no morro de Santa Marta no Rio de Janeiro,
problematiza como identidade, isto é, a consciência e imagem que uma pessoa tem de si mesma,
dos grupos que pertence e dialoga, a sua relação com a sociedade abrangente e, seu papel como
um fator de integração cultural e uma forma de interagir com o mundo. E, de que forma estes
perfis sociais estão em constante contradição e lutando entre si para se afirmarem ou serem de
alguma forma reconhecidos socialmente.
Como mostra Santos (1993), as identidades culturais não são rígidas, nem imutáveis,
pelo contrário, são transitórias e em constante transformação. Observa que as identidades são
desconexas e fragmentadas, isto é, elas mudam conforme a necessidade prática do momento,
desta forma, um mesmo indivíduo pode ter diferentes opiniões e comportamentos de acordo
com os fatos que estão ocorrendo em determinado instante, tendo em vista que, como mostra
Agier (2001) o homem não pensa isoladamente, mas através de categorias engendradas pela
vida social.
Assim Santos (1993, p. 31), analisa que a identidade é sempre plural, são dominadas pela
obsessão da diferença e pela hierarquia das distinções. Deste modo, analiso como os personagens
entrevistados pelo cineasta no documentário assumem diferentes posições e trabalham com
diferentes representações e como seus discursos se colocam de forma dialógica com relação à
alguma pessoa ou a um grupo, o que converge com a afirmação de Michael Pollak (1992) de
que “memórias e identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais”.
O prenome “notícias” é sugestivo, o filme se espelha na estrutura de reportagens de
telejornais, a narrativa é contada a partir das entrevistas, que o diretor coletou entre 1998 e
1999 e com situações explicadas com uma narrativa exterior que traz fontes de estatísticas
ilustrativas para à compreensão e organização da impactante realidade.
O filme trabalha com três planos de análise, ele procura mostrar a visão dos moradores
da comunidade, a visão dos policiais que atuam no local e a visão dos traficantes. A narrativa é
transmitida a partir de temas e perguntas que os entrevistadores elaboraram anteriormente para
os entrevistados seguido da apresentação de estatísticas oficiais sobre o quadro de violência e
tráfico na região.
Em cada grupo pesquisado foram destacados um ou dois entrevistados que aprofundaram
o ponto de vista daquele segmento. Pelo lado dos traficantes, é Adriano quem fez este papel;
pelos moradores, foi principalmente o casal Janete e Adão; pelos policiais, foram o capitão
Rodrigo Pimentel (do Batalhão de Operações Especiais - BOPE) e o chefe da Polícia Civil do
Rio de Janeiro, delegado Hélio Luz.
Além destes, há depoimentos que situam e contam a história do tráfico de drogas no Rio
de Janeiro e a gênese e formação do Comando Vermelho. Quem traça um contorno histórico
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JÚLIO CÉSAR LOURENÇO
do tráfico são Paulo Lins, que mais tarde publicaria o livro Cidade de Deus (1997) e seria
co-roteirista do filme de mesmo nome, e Carlos Gregório, o Gordo, um dos fundadores do
Comando Vermelho.
Todos esses discursos possuem um caráter ideológico e de crença, assim conscientes
ou inconscientes, elas caracterizam uma necessidade de alinhamento aos padrões de uma
coletividade e a reprodução de ações e papeis em um determinando campo de ação que os
indivíduos incorporam na coletividade e no desenrolar das ações cotidianas.
Certamente, a preocupação em buscar respostas para indagações pessoais e sociais não
se configura imune às influências de pessoas, grupos, ideologias e expectativas. O pesquisador,
desde a escolha do problema, recebe a influência de seu meio cultural, social e econômico.
Assim, entendo que o espaço de atuação tanto de Salles como das pessoas que entrevistou
é modelado não apenas pelos capitais econômicos mas também por condicionantes sociais e
culturais mais amplos e marcado por constrangimentos de várias ordens: jogos de poder, lutas
classificatórias, disputas quanto ao modo legítimo de produzir conhecimento, relações de gênero
assimétricas, polêmicas públicas que ressoam em dimensões inesperadas da vida pessoal dos
intelectuais que as promovem, padrões distintos de carreira e de sociabilidade.
Essas dimensões, como em outros universos sociais tendem a situar-se fora da consciência
dos agentes envolvidos e possuem grande poder de coerção sobre as condutas individuais. Isto
mostra que a compreensão destes fatos só é plenamente assegurada a partir da recuperação do
contexto social mais amplo que os conformam (PONTES, 1997, p. 68).
Deste modo, Salles ao longo de sua atividade, esteve relacionado e condicionado no
interior de um corpo de práticas e representações sociais e, simultaneamente, em uma “estrutura
de sentimentos” e no “ethos” do grupo e do momento de atuação deste (WILLIAMS, 1982, p.
148).
O cinema documentário por definição tem o mundo real como referência. Neste sentido,
busco perceber de que forma se produziu a construção dos argumentos de Salles e porque esta
obra se destaca no interior da prática documental no Brasil e como este espaço estava configurado
neste momento. Este processo envolve apreender este filme enquanto uma leitura do mundo
social, além das compreensões das reflexões teóricas em torno da linguagem cinematográfica e
a discussão de seus rumos.
DOCUMENTO DA VIDA REAL
Bernadet (2003) observa que o filme documentário é um discurso cuja compreensão está ao
alcance da razão e da emoção. Apesar de o foco destes filmes serem a busca da representação
da realidade tal como ela se apresenta, por vezes nos documentários, as pessoas envolvidas
são encaradas como personagens e as locações considerados como cenários. Deste modo,
pensar que seja possível encontrar no meio social a mesma realidade registrada pelos cineastas
traz, evidentemente, muitos problemas. Por isto, o autor observa que devemos entender estas
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REVISITANDO O DOCUMENTÁRIO “NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR” (1999)
A PARTIR DE PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS DE IDENTIDADE
obras como uma “produção de um olhar” sobre a realidade e não omite que esta visão possa
produzir muitas outras interpretações. Uma imagem, apesar de muitas vezes se apresentar como
uma verdade, é sempre um recorte do real, ela traz um ponto de vista de quem filma, tem um
enquadramento e pode mudar de significado ao ser montada/editada ao lado de outras imagens.
Em Notícias de uma guerra particular, Salles tem uma leitura de mundo muito
convergente com as ideias e conceitos de Goffman (2006) embora o cineasta não cite esta
referência. Este autor problematiza a sociedade como um grande teatro, as pessoas dentro dessa
relação interpretam papéis sociais e são avaliadas de acordo com suas ações e as expectativas
exteriores em relação às mesmas, mostrando que o homem em sociedade sempre utiliza formas
de representação para se mostrar a seus semelhantes. Dentro desse contexto, entende que
cada pessoa representa um papel dentro da sociedade que pertence e de acordo com o meio, o
momento e o público que interage.
Por isto Goffman (2006) em seu trabalho procurou analisar como somos “testados”
diariamente em nosso cotidiano, em nosso trabalho e em nossas relações sociais. E isto ocorre
nas mais simples as mais complexas ações que tomamos. Seguimos, gostando ou não, o
receituário estabelecido socialmente e temos que corresponder as expectativas que as pessoas
colocam em nossas vidas. Por exemplo, ter uma carreira de sucesso, passar no vestibular, casar,
ter filhos, tem um bom salário. A obtenção destes símbolos, títulos e capitais proporciona um
certo status na sociedade e você é reconhecido socialmente dependendo do modo como se
encara essas demandas, isto é, convence seu público.
Assim, a representação é algo tênue e sempre propicia a ter desvios, indecisões e
quebras. É uma relação de pressão por resultados e confiança, por isso evitar o desmonte é vital
para manter a representação que, uma vez perdida, pode até se reestabelecer, mas nunca será a
mesma de antes. O filme mostra, por exemplo, em diversos momentos a ojeriza da figura do “X9”, que correspondem a policiais infiltrados no tráfico ou aos indivíduos traidores do pacto de
confiança estabelecida pelos traficantes entre si e com os moradores, denunciando a atividade à
polícia ou revelando segredos de um grupo a outro.
Deste modo, o autor ao estudar o cotidiano foca nos rituais, que são cerimônias simbólicas
características de quase todas as sociedades humanas conhecidas, passadas ou atuais, além de
serem realizados nas mais diversas atividades sociais.
Através dos rituais, a sociedade vivencia e dramatiza dimensões da vida social e reflete
sobre si mesma. Assim, o desafio do autor foi entender todo o processo de construção dessas
práticas, buscando fornecer orientações para a compreensão das atividades culturais e sociais,
e suas influências para a trajetória das pessoas nele envolvidos.
Goffman (2006) problematiza sobre o que comunicamos e o que trocamos nestas
cerimônias simbólicas. No centro da análise está a relação entre o conceito de “performance” e
“fachada”. Isto é, o autor nos orienta a olhar a situação, o particular para desvendar tudo o que
é objeto de suposição e por isso necessita ser comprovado. A identidade social que as pessoas
usam são as máscaras que possuem.
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JÚLIO CÉSAR LOURENÇO
O autor mostra que os símbolos e condutas instituem uma criação de redes de
sociabilidades, estabelecendo formas de representação e de ações coletivas que assumem
grande diversidade, fundada pelo modo como os agentes instituem socialmente suas relações,
formas de produção, de consumo e difusão de conhecimentos, valores e crenças, estabelecendo
relações sociais, culturais e políticas entre os indivíduos e os meios sociais aos quais pertencem
(GOFFMAN, 2006).
Este conjunto teórico permitiu a Salles estranhar e problematizar os fatos sociais que
aparentemente se apresentavam para as pessoas como algo rotineiro e normal, mas que se
detivéssemos um olhar mais aguçado iríamos perceber que tal atividade foi construída durante
os anos e foi tensionada, contestada, problematizada para que se configurasse da forma como
se apresentava no cotidiano.
Neste ponto, o suporte audiovisual permitiu que a realidade reconstruída fosse além da
realidade perceptível, alcançando lugares aonde nossos olhares por vezes não colocam atenção.
Esta atitude de estranhamento mostrou os acontecimentos de forma mais intensificada e crítica.
E Salles soube muito bem usar estes recursos a seu favor. As tomadas panorâmicas da favela
são impressionantes e ilustrativas da total precariedade das condições de vida, do abandono e
do descaso que a sociedade possui com as pessoas que moram naquela região. E as imagens
trabalham também os gestos e os modos de se falar e comunicar na favela, mostrando que as
linguagens corporais, como as hesitações, as reflexões das pessoas, são indicadores da escolha
e do sentido daquilo que poderia ser falado ou deveria ser omitido (GEERTZ, 2001).
Por isto, Salles entendeu que a partir da descrição dos modos como os personagens se
comportam no meio social era possível compreender a forma como os seus agentes estabelecem
relações entre si, os códigos simbólicos utilizados, os valores cultivados, as demandas e
reivindicações. Os contextos e as práticas demonstraram ainda que estas atividades traziam
implicações também no campo político e social porque as ações dos personagens interferem no
desempenho dos papeis de outros personagens.
IDENTIDADES EM CONFLITO: O POLICIAL, O TRAFICANTE E O MORADOR
O trabalho de Salles esteve sempre procurando responder sobre quais as identidades sociais
dos mais diversos grupos brasileiros. Deste modo, por exemplo, no filme Entreatos (2004), ele
procurou saber qual o perfil do então candidato Lula, prestes a ser eleito presidente do Brasil, no
documentário Futebol (1998), o cineasta procurou conhecer as características das pessoas que
deixavam seus lares para seguir o sonho de serem jogadores de futebol. Em Notícias de uma
guerra particular (1996), Salles buscou saber quem são as pessoas envolvidas nessas guerras
travadas cotidianamente no morro de Santa Marta.
Neste sentido, as perguntas que Salles para os grupos são semelhantes: Quem são essas
pessoas? De onde elas veem? Para onde elas vão? Porque valorizam determinadas condutas
em detrimento de outras? Quais os sentidos de suas condutas? Como se relacionam com outros
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REVISITANDO O DOCUMENTÁRIO “NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR” (1999)
A PARTIR DE PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS DE IDENTIDADE
grupos? Como se reconhecem socialmente e suas expectativas em relação ao presente e ao
futuro? (GOFFMAN, 2006; GEERTZ, 2001).
Como todo bom entrevistador, Salles consegue extrair informações preciosas dos
entrevistados ao colocar estas questões de identidade em pauta refletindo como essas pessoas
desejam ser retratadas, compreendidas e situadas na sociedade, conseguindo perceber que essas
identidades se por um lado tem um perfil individual e psicológico, o que as definem, o que traz
corpo, conteúdo, significado e voz a suas ações são seus elementos sociais.
O ponto de partida para a pesquisa do cineasta foi a tentativa de problematizar a dimensão
do tráfico de drogas no morro Santa Marta. Assim, as primeiras cenas logo traduzem o perfil
desolador da região mostrando que na primeira terça feira de cada mês, um camburão escoltado
por três carros da polícia civil da cidade do Rio de Janeiro vão a um ferro velho transportando
todas as drogas apreendidas durante o último mês, uma quantidade que pode variar de 200
quilos a 3 ou 4 toneladas para serem incineradas em um forno de alta temperatura, cenas que
indicam o forte tráfico que impera naquele contexto. Se pensarmos que o Rio de Janeiro tem
segundo o censo do IBGE de 2010, 1071 favelas, e Santa Marta é apenas uma delas, não
sendo nem a maior ou a mais violenta, já conseguimos ter uma extensão ainda que pequena do
problema e da pertinência do filme.
Na sequencia o filme entra mais diretamente em sua proposta afirmado, embora não cite
a fonte, que a expansão de drogas a partir da metade dos anos 1980 é diretamente responsável
pelo aumento vertiginoso do número de homicídios na região. Segundo estatísticas apresentadas
pelo filme, uma pessoa morre a cada meia hora no Rio de Janeiro, 90% delas vítimas de armas
de fogo de grosso calibre.
O primeiro grupo apresentado no filme é o policial, que no contexto do documentário, é
colocado como a representação do Estado nas favelas. A polícia aparece como uma instituição
que em sua fachada deveria combater a violência, porém, aparece muito mais como uma força
de repressão contra os curtos circuitos das estruturas desiguais da sociedade do que um poder
apaziguador e de atuação imparcial, isto é, atuando para a população abrangente do Rio de
Janeiro.
O primeiro policial entrevistado no filme é o Capitão Pimentel, do BOPE. Este batalhão
é uma força de intervenção da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), responsável
por atuar em situações críticas, sendo a reserva tática de pronto emprego da Corporação.
Mas, é interessante notar que a primeira fala do policial descreve o sentimento do que
é carregar este peso de proteger o cidadão do Rio de Janeiro. Apesar do status do cargo e da
representatividade que tem a farda para o próprio policial e para as pessoas, o sentimento do
Capitão ao contrário do que se poderia a princípio julgar, é de medo.
O documentário observa que a identidade do policial é contraditória porque ele se
encontra sujeito a pressões sociais altamente conflituosas. Ele vive o drama de não fazer parte
do grupo social que decreta as leis, mas sim, do grupo que por vezes é oprimido justa ou
injustamente por elas, e mais, por vezes tem fazer valer estas normas, ainda que tenha que fazer
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JÚLIO CÉSAR LOURENÇO
o uso da força contra pessoas com as quais convive no dia a dia ou que viu crescer. Aliado a
isso, por vezes ele sofre ameaças contra sua família e seu salário não condiz com o serviço que
realiza, o que facilita a corrupção neste meio. Com todo este conjunto de fatores, sua autoridade
em muitos momentos fica em suspenso, abrindo o espaço, para que a população, em diversos
momentos, se vincule mais aos traficantes do que aos policiais (TURNER, 2005).
O segundo grupo apresentado são o dos traficantes e sua identidade, apesar das diferenças
individuais de cada indivíduo, possuem várias características sociais em comum, quase sempre
são pessoas que nasceram nas favelas onde atuam, pessoas jovens, em uma faixa etária que
pode variar dos 12 aos 30 anos, encaram o tráfico como uma possibilidade de mudança da
situação precária de vida em que vivem, no entanto, não se fazem de vítimas desta realidade e
não possuem ilusões quanto ao futuro, sabem que em qualquer momento podem ser presos ou
mortos pela polícia ou por outro traficantes.
A narrativa mostra que tráfico de drogas nos morros cariocas é vista pelos grupos
envolvidos como um comércio e uma profissão pelas pessoas da região, uma alternativa
altamente perigosa contra sua vida e a de sua família, mas, que faz frente aos empregos formais
de alta jornada de trabalho e baixos salários e a ausência do Estado naquele local. Interessante
pontuar que nem todo o tráfico de drogas se situa nas favelas, porém, como o filme mostra, a
repressão se concentra nessas regiões.
A imagem dos traficantes atrai os jovens de baixa renda pelo sonho de ao venderem
produtos ilícitos de alta rentabilidade, possuírem condições de terem acesso a bens materiais
que com um emprego comum eles não teriam e pelo respeito que eles acreditam adquirirem
perante a comunidade, o que configura quase uma busca desesperada por identidade, dignidade
e atenção.
Parafraseando Goffman (1988), o traficante, assim como todo ser humano, é movido por
uma imagem de presente e futuro que constrói para si tendo um diálogo com o mundo social
a sua volta. As pessoas na sociedade sentem necessidade ou desejo de serem respeitadas por
outras pessoas e se realizarem em suas atividades. A frustração dessas necessidades, entretanto,
produz sentimentos de inferioridade, fraqueza e desamparo. Se no seu trabalho e meio cotidiano
ele percebe, dia após dia, que o seu futuro será uma réplica do seu presente, ou seja, no caso, tão
ruim quanto o seu patamar atual, ele gradativamente desanima, entra em desatino e, se enxergar
em outro lugar uma oportunidade, ele é coagido direta e indiretamente a abandonar a ocupação
ou grupo para se aventurar no tráfico, devolvendo este estigma para a sociedade de forma hostil
e violenta.
Como o consumo de bens comumente é restrito às pessoas de baixa renda, o acesso a
eles pelos traficantes se torna um motivo de orgulho e diferenciação social. Parafraseando agora
Sansone (2000, p. 87), podemos afirmar que tais objetos estão ligados ao corpo, aos costumes e
ao comportamento, como elementos formadores de um estigma ou como sinais de mobilidade
e sucesso, ou seja, a forma de acesso a bens materiais pelo poder de compra, também é uma
forma de segregação entre as classes. Assim, estes itens costumam ter para eles um significado
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REVISITANDO O DOCUMENTÁRIO “NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR” (1999)
A PARTIR DE PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS DE IDENTIDADE
especial, um sentido que é de diferente compreensão pelas mais diversas classes sociais. Por
exemplo, o significado de usar um tênis de marca famosa por uma pessoa de uma classe alta,
não tem o mesmo tratamento simbólico e concepção que o uso do mesmo tênis por uma pessoa
carente.
Neste ponto ocorre uma das falhas do documentário que é tratar as desigualdades sociais
no Brasil de forma tangencial. A falta desse debate é algo visivelmente sentida, pela temática,
o debate deveria ter sido realizado ainda que rapidamente. Esta ausência deixa espaços teóricos
e reflexivos que mancham o resultado geral da obra e o próprio desenvolvimento da narrativa.
Salles deveria de alguma forma ter abordado que apesar de o Brasil ter uma das maiores
economias do mundo, ele por outro lado, ele é dividido em classes sociais altamente antagônicas
e desiguais e com contrastes sociais de renda e oportunidades notórias e de difíceis soluções.
Assim, como observa Sansone (2000, p. 87) não é de se admirar que ainda hoje os
direitos civis sejam comumente distribuídos em função do que se pode consumir, do livre
acesso aos rituais associados ao consumo ostentoso e ao que desse consumo pode se fazer notar
em público. O consumo, portanto, é um marcador étnico, uma forma de oposição à opressão,
uma maneira de, como uma pessoa pobre, fazer-se ser visto ou mesmo ouvido.
Mas, se engana quem acredita que estas duas classes não se conversam. Não compensa
para o traficante entrar em conflito com a polícia porque quanto mais em evidencia estiver a
ilegalidade de sua atividade, maior a chance de ele ser preso ou ter seu tráfico interrompido. Do
mesmo modo, o policial não deseja o sentimento de ter constantemente sua vida sob risco, por
isto não atrair os holofotes acabava sendo uma atitude atraente para as partes.
O último grupo abordado são os moradores de Santa Marta, que correspondem a maioria
das pessoas que residem na região e um grupo bastante heterogêneo entre si, mas com estigmas
em comum, como a pobreza, falta de estudos, de oportunidades, pessoas estas que não possuem
condições de morarem em outros lugares. Fatores que os obrigam a permanecerem reféns desta
guerra particular (GOFFMAN, 1988).
O lugar onde se mora é um fator de diferenciação social e, assim, os lugares mais nobres
e com mais recursos estruturais comumente são frequentados por pessoas de maior poder
aquisitivo, e, por sua vez, os espaços com menos recursos e estruturas, por pessoas carentes.
Historicamente as cidades brasileiras mostram um processo de urbanização pautado
na segregação e exclusão sócio-territorial, na fragmentação do espaço, bem como no contínuo
crescimento e adensamento da periferia. As desigualdades sociais, expressas na concentração de
renda, refletem a ausência de uma moradia digna para a população de menor poder aquisitivo.
Esse modelo de produção e reprodução das cidades brasileiras faz com que um contingente
expressivo da população resida em assentamentos precários marcados pela inadequação das
residências e irregularidade no acesso a terra. O que compromete a qualidade de vida e contribui
para a degradação ambiental e territorial (MORAIS, 2006).
Como mostra Morais (2006), nas cidades encontramos territórios diferenciados,
demarcados por cercas imaginárias e reais, que determinam o lugar de cada cidadão e de cada
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JÚLIO CÉSAR LOURENÇO
grupo, a partir de um movimento de segregação social. E isto ocorre mesmo com a cidade do
Rio de Janeiro sendo uma metrópole onde as desigualdades sociais estão expostas a todos,
ao contrário de outras cidades que expurgam as desigualdades para as periferias ou cidades
satélites.
Em paralelo a estas desigualdades, o desemprego, igualmente aflige este grupo social
e se mostra um problema que ajuda a perpetuar as disparidades sociais, vitimando mais,
proporcionalmente, as populações de renda mais baixa e menor escolaridade (MORAIS, 2006).
Por outro lado, a situação de “empregado” não significa, necessariamente, uma ocupação
de boa qualidade ou acesso a bens de consumo e serviços ou a bens fundamentais. Os baixos
salários pagos à maioria da população, em conjunto com a precariedade dos serviços públicos
impedem o acesso da maior parte dos trabalhadores empregados a uma vida digna e confortável
(MORAIS, 2006).
A GUERRA DO TRÁFICO
O depoimento do delegado Hélio Cruz mostra que governos e classes dominantes ao invés de
buscarem políticas para contornar estes problemas, reproduzem o quadro de desigualdades e
exclusões se utilizando de métodos de controle, domesticação, “pacificação” e segregação da
enorme massa de desempregados, subempregados, excluídos e pobres.
Neste sentido, como mostra Moais (2006) administrar elevados graus de desigualdade e
garantir a concentração de poderes políticos e econômicos nas mãos de uma minoria requer um
controle por parte do Poder Público sobre grupos sociais que possam ameaçar ou desestabilizar
a ordem estabelecida. Tal controle busca neutralizar o poder de mobilização dos grupos sociais
que possam por em perigo a distribuição de riquezas e poderes vigente.
O filme mostra ainda que os políticos, ligados diretamente à máquina da burocrática do
Estado, funcionavam como um obstáculo para qualquer mudança social, política ou econômica
daquela região. Apesar dos recursos que a carreira política disponibilizava, eles selecionam
os projetos com base no interesse econômico e na visibilidade que tal ato poderia trazer em
campanhas futuras, até por isso por vezes eram acusados de corrupção e buscavam amenizar as
crises tomando medidas paliativas conforme os acontecimentos se desenvolviam.
Devido a todos estes fatos relatados, o medo é mostrado como algo onipresente para
os moradores das favelas. Mas, o filme mostra que os moradores não defendem os traficantes,
porém, sequer ousam questioná-los por temerem represálias, assim, procuram fazer “vistas
grossas” ao que ocorre, isto é, as pessoas tentam se precaver do que acontece no mundo ao seu
redor, entretanto, ele é onipresente a vida e ao lugar onde residem. Entretanto, os moradores
igualmente também não possuem qualquer confiança na polícia, isto ocorre porque quando a
polícia sobia nos morros por vezes não era com a intenção de negociar, de distinguir trabalhadores
de traficantes, ela atuava invadindo casas, desrespeitando direitos civis das pessoas, praticavam
agressões físicas, quando não torturava e roubavam os moradores, entre outros atos.
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REVISITANDO O DOCUMENTÁRIO “NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR” (1999)
A PARTIR DE PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS DE IDENTIDADE
Por isto, o depoimento da moradora Janete é perturbador, ela afirma que os policiais
quando sobiam nos morros invadiam as casas, roubavam e torturavam moradores e por isto,
o advento do tráfico chegou mesmo a ajudar os moradores, porque a partir deles os policiais
nessas operações passaram a agir com mais “cautela” com medo de serem surpreendidos,
porque os traficantes, segundo ela, teriam um “espírito suicida”. Segundo suas palavras, “eles
não querem saber se vão morrer ou se vão matar”, assim, eles almejam defender a comunidade
mesmo que isto custe suas vidas.
Janete em outro momento afirma também que o tráfico em muitos momentos substitui
o papel do Estado na região, tendo muitas vezes um papel assistencialista como uma forma de
agregar alguma legitimidade a sua atuação. A moradora em uma fala posteriormente confirmada
o traficante Adriano observa que a comunidade quando precisam de remédios, alimentos,
materiais escolares ou de construção e não tem como pagar, os moradores pedem a alguém do
tráfico e eles providenciam a sua família.
Porém, o lado negativo do tráfico fica em evidência segundo Janete, corresponde ao fato
de que quando os traficantes tem que cobrar uma dívida de alguma pessoa, eles não agem na
forma da lei, e sim com a violência.
Na sequência, o filme aborda a forma de organização da polícia e do tráfico. A primeira
fala novamente é a do capitão Pimentel. Ele comenta que o Rio de Janeiro não vive uma
guerra civil declarada e em moldes formais, mas sim uma guerra nos morros, uma guerra entre
traficantes e policiais e entre traficantes e traficantes.
Em outra passagem, é mostrada a forma de treinamento dos policiais do BOPE e é focado
que este batalhão possui métodos e exercícios especiais para a ação em favelas. Pimentel afirma
que em seis meses, o BOPE atuou 156 vezes nas favelas com troca de tiros com traficantes e,
segundo sua fala, outras 156 vezes sem confronto, o que possibilitou que a tropa adquirisse
uma experiência de atuação em favelas sem igual no Brasil e no Mundo, fato que creditou ao
batalhão a condição de serem umas das mais eficientes tropas de combate urbano no mundo.
Mas, apesar desta “eficiência” deste batalhão de elite, em contrapartida é mostrada
a ineficiência do sistema penal brasileiro, que não consegue promover de forma precisa sua
função de reintegrar o criminoso à sociedade, pelo contrário, o sistema contribui para que este
indivíduo quando reintegrado, volte mais violento e ameaçador.
Somado a isto, o depoimento do delegado Hélio Luz converge no sentido problematizar
que a sociedade exige um tipo de comportamento da polícia que não exige para si mesma.
Assim, a lei não vale para todos e a sociedade não deseja uma polícia que atue da mesma maneira
em todos os espaços. O delegado cita o caso que o sistema penal no Brasil tem assumido um
papel dúbio em relação às classes sociais. Ele é repressivo no que tange aos crimes efetuados
por indivíduos socialmente excluídos e de outro lado, tende a ser permissivo e flexível quando
se trata de pessoas das classes sociais mais favorecidas.
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JÚLIO CÉSAR LOURENÇO
Existe ainda um debate secundário na obra que corresponde a maioridade penal1. O
debate ocorre no sentido de problematizar o fato de uma pessoa menor de idade ficar menos
tempo preso que uma pessoa adulta, fenômeno que acaba incentivando que indivíduos cada vez
mais jovens adentrem a esse mundo das drogas por saberem que se forem presos, não ficaram
muito tempo detido e quando tiverem 18 anos, terão a ficha criminal limpa.
Por tudo isto, a polícia não crê no funcionamento das leis brasileiras. Os policiais
sabendo que a justiça brasileira, vista como lenta e ineficiente, irá soltar o acusado preso prefere
por vezes “agir por conta própria”, torturando, espancando, por vezes até matando indivíduos
envolvidos durante as ocorrências, o que gera obviamente a raiva dos traficantes e medo dos
moradores perante uma instituição que deveria ser treinada para agir com exemplo e não da
mesma maneira que os marginais.
Talvez por isto, a resposta do traficante é de que quando a polícia aparece nos morros ele
procura primeiramente fugir dela, caso não consiga, atira contra eles. Segundo a falta do rapaz,
a morte de um policial é vista por seu grupo como algo festivo e uma vitória, ela corresponde
a morte de um “inimigo”.
Outra passagem impactante é quando é debatido sobre o armamento dos policiais e dos
traficantes. É impressionante a quantidade de armas utilizadas por ambos os grupos, armamentos
de alta tecnologia e enorme poder de destruição, muitas delas usadas apenas por exércitos em
guerras ao redor do mundo, mas que, segundo a fala do capitão Pimentel, “se fazem necessárias
pela intensidade dos confrontos”.
O Capitão Pimentel afirma que a ousadia do tráfico é tamanha que eles possuem
equipamentos que nem os próprios policiais possuem como óculos de visão noturna, para
andarem com mais facilidade pelos morros durante a noite. Interessante também observar o
conhecimento que os traficantes tem do armamento e ver que eles aprendem a utilizá-los na
prática e qualquer treinamento formal a respeito deles. Nessa passagem também é instigado ao
expectador refletir como essas armas chegam aos morros e ver que tráfico nos morros é apenas
a ponta de um iceberg, o contexto geral do mundo das drogas é muito maior.
Neste momento, é notável a segunda grande falha do filme que é não mostrar as
perspectivas e identidades dos usuários de drogas a respeito dessa guerra nos morros. Como ele
vê seu papel na estruturação dessas organizações e debates. Seria bastante interessante ouvir
depoimentos de alguns e a arguição a respeito de como eles se relacionam com o tráfico, suas
percepções quanto às denúncias de serem eles os financiadores desta violência, quais suas
visões políticas e sociais, entre outros assuntos.
1 A idade mínima a partir da qual o sistema judiciário pode processar um cidadão como adulto, não
existindo à priori sobre ele quaisquer desagravos, atenuantes ou subterfúgios baseados na sua idade à
época da ocorrência do fato de que é acusado. O indivíduo é, pois, reconhecido como adulto consciente das
consequências individuais e coletivas dos seus atos e da responsabilidade legal embutidas nas suas ações.
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REVISITANDO O DOCUMENTÁRIO “NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR” (1999)
A PARTIR DE PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS DE IDENTIDADE
CONCLUSÃO
Em Notícias de uma guerra particular, Salles não procurou trazer respostas de como resolver
este dilema da guerra das drogas, ele buscou na realidade, a compreensão do expectador deste
fenômeno. A pesquisa de Salles foi genuinamente descritiva, isto é, o cineasta não necessariamente
procurou resolver algum fato prático e direto, mas sim analisar este quadro de violência que
assola a cidade do Rio de Janeiro. A exposição dos fatos ajudou a situar a discussão em quadros
melhores visíveis, estimulando as pessoas a refletirem com novos conhecimentos a questão da
violência e do tráfico de drogas no Brasil como um todo.
As cenas finais do documentário reforçam este interesse mostrando várias cenas de
enterros de policiais, traficantes e moradores onde podemos perceber o chocante número de
envolvidos nesses acontecidos e ficamos nos perguntando se é possível que esta guerra tenha
realmente um final.
Ainda que tenha várias imperfeições e espaços ao longo da narrativa, Notícias de
uma guerra particular conseguiu ser um documentário significativamente impactante ao
problematizar o tráfico de drogas no morro de Santa Marta e mostrando como esse cenário de
conflitos entre policiais e traficantes e traficantes e traficantes, possuem ressonância no interior
dos três grupos abordados por Salles e para a sociedade brasileira como um todo.
Obviamente, não é possível falar sobre todos os aspectos e variáveis deste debate em
um único filme. A limitação de tempo e por vezes de recursos técnicos e financeiros leva o
cineasta assim como qualquer pesquisador a fazer cortes e procurar ser objetivo em sua análise.
Mas, algumas brechas em Notícias de uma guerra particular poderiam ser sanadas com
criatividade ou mesmo citações de alguma literatura mais aprofundada sobre o tema abordado
na narrativa e não apenas dados estatísticos oficiais ou depoimentos, isto porque dados oficiais
demandam interpretações e análises. Já as entrevistas dependem da memória e do interesse
das pessoas consultadas e também, estas nem sempre são capazes de descrever com precisão
acontecimentos presentes e passados, por não se recordarem ou por terem conhecimentos
incertos ou mesmo hesitantes do assunto tratado (POLLAK, 1992).
Por fim, o documentário teve o mérito de abordar no cinema brasileiro um tema tão
delicado para nossa sociedade que é a violência mostrando as origens deste conflito e os grupos
envolvidos de forma clara e abrangente. Passados vários anos após seu lançamento, muitos
dos fatos abordados no filme não resistiram ao tempo ou foram intensificados. Aliado a isto,
outros elementos, personagens e grupos surgiram, como a organização das milícias nos morros
por exemplo. Ainda assim, Notícias de uma guerra particular segue influente no interior da
prática cinematográfica brasileira inspirando diversos filmes como Cidade de Deus (2002),
Ônibus 174 (2002), Carandiru (2003), Tropa de Elite (2007) e outros que vieram depois
dele, permanecendo um excelente panorama da guerra do tráfico no Rio de Janeiro, mostrando
o dilema das drogas em nossa sociedade e as dificuldades de se encontrar soluções para estes
problemas no Brasil.
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JÚLIO CÉSAR LOURENÇO
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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O PESO DA VELHICE: ENTRE O DISCURSO E A AÇÃO
Tatiane Gonçalves Damasceno
Bacharel em Ciências Sociais / Licencianda em Ciências Sociais-UEM
Resumo: O presente trabalho busca analisar de maneira bastante breve, e através do
levantamento bibliográfico e da legislação vigente, de que maneira as recentes discussões e
mudanças na legislação sobre os idosos tem, de um lado garantido seus direitos, porém sem que,
na prática, tais direitos sejam efetivamente implementados, continuando os idosos sofrendo com
o estigma de serem um peso na sociedade e, por outro, como essa mesma legislação e políticas
de afirmação decorrentes dela, tem auxiliado os idosos a conquistarem um espaço que durante
muito tempo lhes foi negado, recusando assim, o âmbito do privado a que, muitas vezes, são
relegados. A análise de um caso prático, as Academias da Terceira Idade em Maringá, pode
apontar como essas políticas podem ser postas em práticas sem, contudo, buscarem efetivamente
a emancipação dos idosos.
Palavras-chave: Velhice; Academia da Terceira Idade; Políticas públicas.
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TATIANE GONÇALVES DAMASCENO
INTRODUÇÃO
“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público
assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direto à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania,
à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.” (Lei
n°. 10.749 de 01 de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso, art. 3°.)
O ano de 2013 começou com uma declaração bastante imprópria, vinda do Ministro das
Finanças do Japão, Taro Aso, à época, com 72 nos. Em matéria publicada no Jornal O Globo, a
fala do ministro causou espanto e indignação.
“Deus me livre de ser forçado a viver se quisesse morrer. Eu acordaria me sentindo
cada vez mais pior sabendo que (o tratamento) foi todo pago pelo governo” –
disse ele, durante uma reunião do Conselho Nacional de Reformas da Segurança
Social. “O problema não será resolvido, a não ser que você deixe que eles se
apressem e morram”. Aso também afirmou que escreveu uma carta a sua família
na qual rejeita qualquer procedimento caso necessite de aparelhos para manter-se
vivo. Para completar, ele também descreveu pacientes idosos que não conseguem
se alimentar sozinhos como “pessoas tubo” e alertou o ministro do Bem-Estar e
Saúde, presente na reunião, que tal tratamento custava “dezenas de milhões de
yenes” por mês para tratar um só paciente. (O globo, edição online, 22/01/2013)
Declarações como esta chamam atenção para o modo como os velhos são vistos em
nossa atual sociedade: como um peso.
Pode-se, no entanto, argumentar que esse tipo de comentário não é recorrente, e que
seja como depois o ministro japonês tentou alegar, apenas “uma opinião pessoal” e não uma
prática, ou forma corrente de tratamento aos idosos e doentes terminais. Mas analisando-se os
discursos e práticas é possível verificar que, se não claramente, ao menos de forma velada, tanto
a sociedade como o Poder Público fazem crer que o velho é algo – e não alguém –, que custa
caro e não dá retorno algum. É um estorvo.
Assim, com base na análise da legislação vigente e de ampla bibliografia, incluindo-se
aqui a consulta a diversos meios de publicação, este artigo busca apresentar algumas críticas
ao pensamento padrão no qual o velho é tido como grande culpado dos gastos do governo, do
déficit da previdência, bem como apresentar algumas das formas de exclusão a que essa parte
da população vem sendo submetida.
Tentaremos apresentar também como, embora tenhamos uma ampla legislação tratando
do tema do envelhecimento, reconhecendo as peculiaridades desta fase da vida e, portanto,
concedendo e ampliando alguns benefícios ou tornando mais claros os direitos das pessoas com
mais de sessenta anos, essas normas não são sempre tomadas como regras, não são respeitadas
e não chegam a ser de conhecimento dos idosos e, muitas vezes, nem dos gestores públicos.
É mister esclarecer ainda que, embora não haja consenso ou métodos claros e seguros
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O PESO DA VELHICE: ENTRE O DISCURSO E A AÇÃO
na definição de velhice, visto que o envelhecimento é um processo heterogêneo, variando
cultural e socialmente, e até mesmo biologicamente, utilizaremos o critério etário na definição
de “idoso”, sendo 60 anos a idade adotada como marco inicial do envelhecimento, conforme
proposto na Política Nacional do Idoso (Lei 8842 de 04 de janeiro de 1994, cap. I, art. 2°) e
orientação da Nações Unidas para países em desenvolvimento.
MARCOS LEGAIS DE AMPARO À VELHICE
“Uma sociedade para todas as idades possui metas para dar aos idosos a
oportunidade de continuar contribuindo com a sociedade. Para trabalhar neste
sentido é necessário remover tudo que representa exclusão e discriminação contra
eles.” (Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento (parágrafo 19),
Madrid, 2002)
A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, trouxe para a
vida dos brasileiros algumas significativas mudanças com relação a seus direitos e ao modo
como eles deveriam ser vistos e implementados.
Após um longo período ditatorial, a promulgação da CF/88 foi um dos grandes passos
dados rumo à confirmação da Democracia no país, ao reconhecimento da cidadania e do cidadão
enquanto detentor de direitos individuais, civis, sociais e políticos, ao diálogo entre a população
e o Poder Público.
O reconhecimento dos direitos do idoso e de políticas voltadas especialmente para ele
mostra, a partir da CF/88, um significativo avanço legal.
A partir da promulgação da nova Constituição, outros aparatos legais passaram a ser
pensados e definidos para a proteção e suporte do velho no Brasil. Esse desenvolvimento
jurídico deve-se em parte ao aumento no número de idosos do país, bem como de políticas
mundiais visando à melhoria da qualidade de vida desta parcela da população.
Desta forma, o ano de 1999 foi definido pela ONU como o ano Internacional do Idoso,
com o objetivo de, através de diversos eventos realizados nos países membros da Organização
e na própria sede da ONU, atentar para o envelhecimento demográfico da população mundial
bem como construir planos de ação que possibilitassem um envelhecimento digno, socialmente
protegido e legalmente amparado.
Em seu relatório Direitos Humanos e a Pessoa Idosa, a ONU apresenta as seguintes
informações:
A população mundial está a envelhecer ininterruptamente a um ritmo bastante
impressionante. [...] A população de idade avançada é o grupo com maior
crescimento em todo o mundo, com um aumento estimado em 10%, entre 1950
e 2025, em comparação com os 6% do grupo de pessoas de 60 anos de idade e
um pouco acima de 3% do conjunto da população. Estes números denotam uma
revolução silenciosa, embora de consequências imprevisíveis e de longo alcance
[...]. A maioria dos Estados que são partes no Pacto [...] vê-se confrontada com
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TATIANE GONÇALVES DAMASCENO
a tarefa de adaptar as suas políticas sociais e económicas ao envelhecimento das
suas populações, em especial em matéria de segurança social. [...] (ONU, 2002:2)
É possível, portanto, notar que o aumento da população idosa no mundo começava a
chamar atenção já há alguns anos e que os países deveriam estar atentos a este novo dado.
No mesmo documento, a ONU menciona as políticas aprovadas quando da Assembléia
Mundial sobre o Envelhecimento, realizada em Viena em 1982, na qual foi aprovado um Plano
de Ação com 62 recomendações sobre o envelhecimento. Já em 1991, a Assembléia Geral
aprovou os Princípios das Nações Unidas em Prol das Pessoas Idosas, que foram por sua vez,
divididos em 5 seções, a saber, Independência, Participação, Cuidados, Auto-realização e
Dignidade.
No site da ONU no Brasil, vemos o seguinte alerta:
O mundo está no centro de uma transição do processo demográfico única e
irreversível que irá resultar em populações mais velhas em todos os lugares.
À medida que taxas de fertilidade diminuem, a proporção de pessoas com 60
anos ou mais deve duplicar entre 2007 e 2050, e seu número atual deve mais que
triplicar, alcançando dois bilhões em 2050. Na maioria dos países, o número de
pessoas acima dos 80 anos deve quadruplicar para quase 400 milhões até lá. (site
da ONU/Brasil, http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-em-acao/a-onu-e-aspessoas-idosas/.)
Assim, todas essas ações visam criar em cada país, legislação específica que trate
dos Direitos dos Idosos, de Políticas Públicas voltadas a eles e de maior conscientização da
população geral com relação à última fase da vida.
No Brasil, já em 1994, e seguindo as determinações da Constituição Federal de 1988,
foi estabelecida, a nível federal, através da Lei n°. 8842 de 04 de janeiro de 1994, a Política
Nacional do Idoso, que em seu art. 1°. diz: “A política nacional do idoso tem por objetivo
assegurar os direitos sociais dos idosos, criando condições para promover sua autonomia,
integração e participação efetiva na sociedade”. Essa lei também criou o Conselho Nacional
do Idoso.
À criação do Conselho Nacional do Idoso, seguiu-se a criação de conselhos a níveis
Estaduais e Municipais de forma a aproximar toda a população da legislação existente, de
programas de atenção ao idoso (saúde, esporte, cultura, lazer, etc.), de minimizar as agressões
e discriminações sofridas pela pessoa idosa, de servir de suporte na criação de políticas locais e
acompanhar as políticas que porventura estivessem já em desenvolvimento.
No entanto, o maior marco na legislação que trata da velhice no país, tem sido o chamado
Estatuto do Idoso, a Lei n°. 10.741 de 1°. de outubro de 2003.
No estatuto, amplamente divulgado, muitos direitos foram conquistados, ampliados e
outros esclarecidos. A pessoa idosa passa a ter respaldo em Lei para garantir-lhe o acesso à
cultura, à educação, ao esporte e lazer, ao trabalho e à profissionalização, à alimentação, ao
transporte – gratuito em algumas situações –, à habitação, às medidas de proteção, etc.
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O PESO DA VELHICE: ENTRE O DISCURSO E A AÇÃO
Ainda assim, o descaso com que são tratados, os casos de violência e a “invisibilidade”
do velho continuam sendo grandes desafios em nossa sociedade.
OS IDOSOS EM DADOS NO BRASIL
“A população brasileira está se tornando cada vez mais velha. Aqui, como no resto
do mundo, o aumento da longevidade e a redução da fecundidade fazem com
que o segmento das pessoas consideradas idosas seja o grupo que mais cresce no
conjunto da população.” (Roberto Martins, IPEA, 1999)
O censo de 2010 apontou uma população total no Brasil estimada em mais de 190
milhões de pessoas.1 Destes, cerca de 10,79% tem entre 60 anos ou mais. A expectativa de vida,
calculada ao nascer, hoje é de 73 anos. O que isso nos diz? Que a velhice está deixando de ser
algo que fica escondido para se tornar assunto central nas políticas públicas, nos temas das
ciências sociais, na sociedade como um todo.
E não poderia ser diferente. O aumento de velhos no país é um reflexo do que já ocorre
no mundo, onde além da redução nas taxas de fecundidade, a maior perspectiva de longevidade
altera a forma com que a sociedade olha para si mesma e conduz suas políticas.
Nunca vivemos tanto. Mas estamos vivendo melhor? Esta é uma pergunta que ecoa
nos seminários e congressos, em que a velhice é tratada em seus vários aspectos: sociais,
econômicos, psicológicos, biológicos.
A tradicional visão do velho como dependente, também tem sofrido reformulações.
Novas pesquisas apontam que embora ainda sejam vistos como uma parcela frágil, dependente
e bastante empobrecida, esta percepção pode não ser condizente com a real condição do idoso,
ao menos em nosso país. Pelo menos é o que apontou um levantamento realizado pelo IPEA,
em 1999, o Ano Internacional do Idoso2.
Um dos fatores que contribuiriam para desbancar a noção de idoso dependente, segundo
o estudo do IPEA, é a transferência intergeracional, o que faria com que famílias que possuem
um ou mais idosos, obtivessem deles algum tipo de suporte. Assim, pais poderiam deixar seus
filhos com avós, que também cuidariam da casa e, até mesmo auxiliariam na divisão dos gastos
da moradia, uma vez que estivessem recebendo aposentadoria e/ou pensão.
Arranjos familiares podem ser o resultado da inexistência de fontes de renda e a
composição familiar pode ser um determinante importante da situação financeira
individual do idoso. Os padrões de arranjos domiciliares de pessoas idosas, fontes
de renda disponíveis e o suporte familiar recíproco existente são uma função
não apenas de valores culturais herdados na região, mas também de legislações
nacionais específicas, da disponibilidade de recursos para utilização imediata e de
diferenças nos contextos sócio-econômicos e institucionais. (Beltrão, apud Reis,
Ana Luisa O. da C., 2005: 18, 19)
1 Segundo o número oficial divulgado, 190.732.694. Fonte: www.censo2010.ibge.gov.br
2 Muito além dos 60: Os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro: IPEA, 1999.
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Assim, os velhos passariam da condição de assistidos para assistentes.
Quando, ou se, esses mesmos velhos atingirem uma condição tal que lhes impeça o
desenvolvimento pleno de suas atividades, seja por motivo de doença ou por idade avançada,
estariam protegidos por suas famílias, no seio da qual encontrariam o devido suporte físico e
emocional, mantendo em contrapartida, seu suporte financeiro.
Em matéria publicada no Jornal Estado de Minas, Geórgea Choucair e Marinella Castro,
dão o exemplo de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Mais velhos, mais ativos e mais ricos. A população com mais de 60 anos ocupa
hoje espaço diferente dentro dos lares. Onde estão presentes, eles garantem o
orçamento doméstico: respondem, em média, por 66,4% do ganho total das
famílias onde estão inseridos na Grande Belo Horizonte, segundo dados do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)
e da Fundação João Pinheiro (FJP). No lugar de ocupar um quartinho de fundos
na casa do filho ou do genro, o idoso agora é o dono da casa e o chefe do lar. As
famílias com pessoas com 60 anos ou mais somam 471 mil na Grande BH. A
proporção de idosos que são chefes de famílias é de 89,5%, segundo o Dieese
e FJP. (Matéria de 06/10/2012 e publicada no portal Notícias, do site do IPEA,
www.ipea.gov.br)
Entretanto, tal premissa encontra algumas barreiras, algumas inclusive, demográficas.
A diminuição da taxa de fecundidade aliada à maior inserção das mulheres do mercado
de trabalho tem alertado os pesquisadores para o tipo de assistência de mão única, na qual o
idoso das famílias nas quais se encontra inserido, através dos rendimentos de aposentadorias e
pensões3, seria um dos responsáveis pelo aumento da renda familiar sem, no entanto, encontrar
auxílios em suas necessidades físico-biológicas e emocionais, caso delas venham precisar.
Entretanto, o estudo realizado pelo IPEA em 1999 já apontava para nova composição familiar
que se configurava e, como vimos no caso de Belo Horizonte, tem se mantido: dos velhos como
novos chefes de família.
A família intermedeia parte da relação entre o mercado e os indivíduos, já que
distribui rendimento entre seus membros, quer participem ou não de sua geração,
assim como faz a intermediação entre o Estado e o indivíduo, redistribuindo, direta
ou indiretamente, os benefícios recebidos. Acredita-se que parte do cuidado com os
idosos é colocada sob a responsabilidade da família, especialmente das mulheres.
3 Em casos de idosos sem a contribuição previdenciária necessária para receber tais benefícios, há o
dispositivo conhecido como Benefício de Prestação Continuada (BPC). Benefício de Assistência Social, não
previdenciário, no valor de um salário mínimo federal, para idosos com mais de 65 anos e deficientes que
não possam se manter e não possam ser mantidos por suas famílias. “O Benefício de Prestação Continuada
da Assistência Social – BPC foi instituído pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei
Orgânica da Assistência Social – LOAS, Lei n°. 8.742 de 07/12/1993; pelas Leis n°. 12.435, de 06/07/2011
e n°. 12.470, de 31/08/2011, que alteram dispositivos da LOAS e pelos Decretos n°. 6.214, de 26/09/2007
e n°. 6564 de 12/09/2008. O BPC é um benefício da Política de Assistência Social, que integra a Proteção
Social Básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS e para acessá-lo não é necessário
ter contribuído com a Previdência Social.” Fonte: Site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à fome – MDS – Acesso em 13/05/2013. www.mds.gov.br/assistenciasocial/beneficiosassistenciais/bpc
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O PESO DA VELHICE: ENTRE O DISCURSO E A AÇÃO
Levando em consideração o quadro de diminuição dos recursos do Estado, da
desmontagem do sistema de proteção social e das dificuldades de emprego, o
envelhecimento da população brasileira tem sido visto como uma sobrecarga
para as famílias, que é reforçada pela queda da fecundidade (menos filhos para
cuidarem dos idosos) e pela maior participação das mulheres no mercado de
trabalho (menos tempo). (Camarano, A.A., El Ghaouri, S.K., 1999:292)
Porém,
Na verdade, mais do que uma redução na dependência, os dados sugerem uma
inversão na direção da dependência. Foi observado que as famílias brasileiras
que contêm idosos estão em melhores condições econômicas do que as demais.
Por isso, reconhece-se a importância dos benefícios previdenciários, que operam
como um seguro de renda vitalício. Em muitos casos, constitui-se na única fonte
de renda das famílias. Isso se verifica mesmo quando se consideram estruturas
familiares por nível de renda. (Idem:293,4)
Ou seja, ainda que o cenário atual não seja o ideal, o idoso tem encontrado em suas
próprias famílias uma das bases de sustentação, cabendo ao Estado, por meio da manutenção
dos benefícios previdenciários e/ou assistenciais, garantir o acesso à renda mínima e a serviços
sociais.
MARINGÁ E SEUS IDOSOS
Maringá é uma cidade jovem; com apenas 66 anos, possui cerca de 360 mil habitantes,
segundo o censo de 20104.
Localizada na região centro-norte do estado do Paraná, Maringá é uma cidade média,
planejada, de urbanização recente, a terceira maior do estado e a sétima mais populosa do sul
do país.
Algumas características da cidade chamam bastante atenção, como o fato de ter sido
totalmente planejada pela Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná, a CMNP, a partir
da década de 1940. Para levar a cabo sua empreitada, a CMNP contratou o urbanista paulista
Jorge de Macedo Vieira, adepto do conceito de “Cidade Jardim” para desenhar uma cidade
de amplas avenidas onde o paisagismo fosse deveras valorizado, mantendo as vias urbanas
intensamente arborizadas, numa espécie de meio-termo entre campo e cidade.
O planejamento da cidade fez com que fossem estabelecidas áreas residenciais de maior
valor (para as classes mais altas), áreas residenciais para as classes mais baixas e para a classe
operária, áreas industriais, centro cívico, área comercial (central), aeroporto, estádio municipal,
núcleos sociais, etc, além da manutenção de enormes áreas verdes, conhecidas como “pulmões
verdes” por seus desenhos e localização lembrarem grandes pulmões.
Embora tenha sido planejada para 200 mil habitantes e já tenha ultrapassado esse número
4 Censo 2010. População 2010: 357.077. A população estimada para a cidade em 2012, de acordo com o
IBGE, foi de 367.410 pessoas. Fonte: www.ibge.gov.br/cidades.
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há algum tempo, Maringá se destaca por manter a estrutura planificada original sem grandes
modificações que façam com que sua característica se perca. É possível destacar na paisagem
urbana maringaense, de maneira bastante clara, os diversos setores da cidade, marcadamente os
definidos economicamente.
A cidade, em pleno desenvolvimento, também precisa atentar para o envelhecimento de
sua população. De acordo com dados do IBGE, a população total de Maringá era, em 2010, de
357.077 habitantes, sendo que, destes, 43.716 possuíam, à época, 60 anos ou mais de idade, isto
é, aproximadamente 13%5 da população municipal.
Seguindo o ordenamento jurídico nacional, a cidade de Maringá também aprovou
algumas leis a fim de proporcionar aos idosos da cidade maior acesso à saúde, educação, lazer,
esporte, mercado de trabalho, entre outros. Desta forma, em 26 de maio de 1997 foi instituída,
no município, através da Lei nº 4400/97, a semana do Idoso, que se realizará, anualmente, na
segunda semana no mês de setembro, o mês da Terceira Idade.
Embora o Conselho Nacional tenha sido criado em 1994, prevendo inclusive a criação
de Conselhos a níveis Estaduais e Municipais, o Conselho Municipal dos Direitos do Idoso de
Maringá (CMDI), foi criado apenas em 1997, através da Lei Ordinária n° 4503/97 de 31 de
outubro de 1997 e regulamentado através da Lei Ordinária n° 5478/2001 de 18 de setembro de
2001, ambas revogadas pela Lei Ordinária n° 9139/2012, que trouxe nova regulamentação ao
CDMI.
Em 09 de novembro de 2004 é assinada a Lei 6742/2004 que cria o Fundo Municipal de
Promoção aos Direitos do Idoso (FMPDI), que tem como finalidade “gerar, captar e fiscalizar
os recursos necessários ao atendimento de programas e projetos voltados à promoção da
autonomia, integração e participação efetiva do idoso na sociedade” (Lei 6742/2004, art. 1°).
Assim, ainda que lentamente, a cidade de Maringá também vem trabalhando a fim de
constituir legislação própria no sentido de defender e garantir os direitos de seus idosos.
Entretanto, quando se fala em idosos, na cidade de Maringá, uma das primeiras coisas
que vêem à cabeça, é a Academia da Terceira Idade, ou como é popularmente conhecida, ATI.
As ATIs se tornaram um fenômeno na cidade e se espalharam pelo país, sempre levando
Maringá como a cidade que idealizou uma maneira de tornar a vida de seus idosos mais saudável.
Uma das principais vantagens da ATI, segundo seus idealizadores e defensores é que a
partir das instalações das academias, o número de idosos que procuram atendimento nos postos
de saúde tem caído consideravelmente.
Mas, afinal, o que são as ATIs e qual o verdadeiro impacto sobre a condição de vida dos
idosos?
De acordo com um manual das ATIs publicado pela Prefeitura de Maringá, as Academias
da Terceira Idade foram baseadas numa experiência chinesa. Uma reportagem da Revista
Época, depois transposta para o site Saúde e Força, traz maiores esclarecimentos ao destacar
uma entrevista com Aluizio Marques Junior, diretor comercial da empresa Ziober, fabricante e
5 De acordo com o IBGE a proporção de idosos na população total do país é de 10,8%. www.ibge.gov.br
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O PESO DA VELHICE: ENTRE O DISCURSO E A AÇÃO
distribuidora das ATIs no país.
De acordo com a reportagem, Aluizio Marques Junior descobriu as academias ao ar
livre durante apresentação de uma matéria do Globo Repórter, sobre a China. Ficou encantado
e resolveu desenvolver, juntamente com seu amigo Paulo Ziober, uma academia semelhante.
Ainda segundo a reportagem, foram os dois amigos quem desenvolveram os modelos de
aparelhos de que seriam compostas as academias, baseando-se no que conheciam das academias
convencionais.
O primeiro cliente da Ziober foi a Prefeitura de Maringá. Junior conta que o
prefeito se empolgou com a ideia, até porque não precisou tirar um tostão do
bolso. A Unimed patrocinaria a primeira (que custou menos de R$ 20 mil) e várias
outras das 42 academias ao ar livre da cidade. O projeto foi batizado de Academia
da Terceira Idade (ATI), e ganhou um slogan poderoso: “Quem vai para a ATI
não vai para a UTI”. Logo, logo, as ATIs viraram um ótimo negócio não só para
a Ziober, mas também para as empresas de saúde e as prefeituras, que passaram
a aparecer na mídia como criadoras de programas públicos de qualidade de vida.
(www.saudeeforca.com/academia-para-terceira-idade-a-verdadeira-histria/)
Uma outra reportagem, desta vez no site Maringá Mais, traz a entrevista do ex-secretário
municipal de esportes de Maringá, Roberto Nagahama.
De acordo com este site
Maringá recebeu prêmios como melhor iniciativa para promover a prática de
atividade física e tem alvará do Ministério da Saúde e dos Esportes por causa das
ATIs que recebe dinheiro para garantir a manutenção de estagiários de educação
física e para acompanhamento dos freqüentadores da terceira idade. Em Maringá,
as academias estão instaladas ao lado de postos de saúde, centros esportivos
e em parques e praças e as de maior movimento chegam a receber até 300
frequentadores por dia. De acordo com Roberto Nagahama, criador do projeto,
quando era secretário de Esportes da Cidade, e atualmente consultor da Ziober,
empresa que fabrica os aparelhos, a ATI nasceu da necessidade de melhorar a
qualidade de vida da população que compõe a faixa etária denominada melhor
idade. (www.maringamais.com.br/?pag=noticias_maislidas&id=3097)
Desta maneira, o ex-secretario justifica que as ATIs, formada por 10 equipamentos,
trouxeram uma série de benefícios para a saúde da população idosa da cidade, além de serem
uma opção de lazer para todos os habitantes de Maringá.
Quando era secretário, percebemos que havia um custo alto da Secretaria de
Saúde sendo empregado com analgésicos e remédios para hipertensão, então o
prefeito Silvio Barros II nos propôs um desafio: que cada pasta desenvolvesse um
projeto no intuito de reduzir esses gastos e melhorar a vida dos maringaenses. Foi
assim que surgiu a primeira Academia da Terceira Idade. (Roberto Nagahama in
www.maringamais.com.br/?pag=noticias_maislidas&id=3097)
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O ex-secretario também cita a experiência chinesa como inspiração para as academias e,
contrariando o que Aluizio Marques Junior apontara em entrevista6, afirma que as ATIs foram
pensadas em planejadas para atender as necessidades físicas das pessoas idosas.
Esses equipamentos foram baseados em uma experiência chinesa e podemos dizer
que está revolucionando a vida de muitos idosos em vários municípios do Brasil.
Uma coisa que não canso de dizer é que foi um projeto de Maringá para o Brasil
e só foi possível se tornar realidade devido à ousadia do prefeito Silvio Barros
que acreditou na criação do mesmo e permitiu a continuidade da ideia. (Roberto
Nagahama, idem)
E continua, ainda na mesma reportagem
As academias da Terceira Idade promoveram a atividade física através de seus
produtos, com qualidade de vida, inclusão social e entretenimento e ainda
trouxeram outros benefícios, resgataram e transformaram os locais públicos,
tornando-os mais bonitos e atrativos para a prática de hábitos saudáveis e ajudaram
a construir uma sociedade com hábitos saudáveis, autoestima, qualidade de vida
e despertaram a consciência de que o melhor tratamento é a prevenção. (ibidem)
Vimos até o momento que as ATIs geram muita dúvida nos próprios desenvolvedores.
Entretanto, de acordo com o material publicado pela Prefeitura de Maringá, só há benefícios a
serem mencionados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O prolongamento da vida é uma aspiração de qualquer sociedade. No entanto,
só pode ser considerado como uma real conquista na medida em que se agregue
qualidade aos anos adicionais de vida. Assim, qualquer política destinada aos
idosos deve levar em conta a capacidade funcional, a necessidade de autonomia,
de participação, de cuidado, de auto-satisfação. (Renato Veras, 2009: 549)
As mudanças que se operam em nossa sociedade têm feito com que diversas políticas
públicas tenham sido pensadas e implantadas para os mais diversos segmentos. No caso de
políticas voltadas para os idosos, são em grande parte, respaldadas por aparatos legais e pela
6 Em dois momentos na reportagem para a Revista Época, transposta para o site Saúde e Força, Aluizio
Marques Junior deixa claro que não houve nenhuma pesquisa, a fundo, sobre os benefícios das ATIs, em
especial para os idosos: 1 - “Junior diz que foram eles dois (Marques Junior e Paulo Ziober) mesmo que
criaram os aparelhos, baseando-se no que conheciam das academias convencionais. E que, só depois que
estava tudo pronto, chamaram um “professor de ergonomia” de uma universidade local e um conhecido
professor de judô da cidade para dar o aval.” 2 – “‘Não lembro direito as funções dos aparelhos’, confessa
Junior, o criador dos mesmos. ‘Mas procuramos fazer de um jeito que fosse seguro para a terceira idade.
Para os jovens não dá muito resultado de ficar musculoso, porque são aparelhos sem peso. Não há relatos
de alguém que tenha se machucado. ’ Ainda assim, Junior acredita que a academia seria mais benéfica se as
prefeituras assumissem a responsabilidade de orientar os usuários. Segundo ele, dificilmente elas mantêm
um profissional instruindo as pessoas sobre como se exercitar ali. ‘Sem isso, como saberão se estão mexendo
os músculos e ganhando energia na melhor medida possível? ’” (www.saudeeforca.com/academia-paraterceira-idade-a-verdadeira-histria/)
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O PESO DA VELHICE: ENTRE O DISCURSO E A AÇÃO
própria necessidade de se pensar uma sociedade que tem envelhecido rapidamente.
O fato de o envelhecimento no Brasil se dar num contexto bastante diferente, política
e economicamente, do que o que foi observado na Europa, não tem, no entanto, minorizado
o impacto das políticas para os idosos e tampouco encontrado em nosso país uma população
que não reivindique seus direitos, ainda que essas reivindicações se dêem de maneira lenta e
observando o que cada grupo, isoladamente, necessita num dado momento.
Foi assim, por exemplo, no emblemático caso dos 147%, que ficou conhecida como a
Revolta dos Velhinhos, no início da década de 90, onde milhares de aposentados foram às ruas
reivindicando o mesmo reajuste dado ao salário mínimo – 147% - enquanto as aposentadorias
subiram menos da metade, 54,06%.
Tudo começou em setembro de 1991, quando o salário mínimo recebeu um
aumento de 147,06%, mas os benefícios da Previdência Social foram reajustados
em apenas 54,06%. (...) A reação dos movimentos de aposentados e pensionistas
foi, a partir de setembro de 1991, impetrar, em diversos pontos do país ações
judiciais contra a Portaria dos 54,06%. (...) Em janeiro de 1992, a mobilização de
aposentados e pensionistas tornou-se mais intensa.” (Simões, 2006: 25, 26)
Assim, ao longo da década de 90 foram regulamentados diversos dispositivos
constitucionais voltados às políticas de proteção aos idosos (Camarano, 2004). Esses dispositivos
foram, aos poucos sendo incorporados e ampliados nas legislações municipais, impactando
diretamente na vida de milhares de idosos.
Com a aprovação do Estatuto do Idoso, no ano de 2003, o que era uma série de
dispositivos fragmentados, se tornou uma Lei ampla e que visa a integrar todas as políticas
voltadas para a velhice.
A aprovação do Estatuto do Idoso apresenta um passo importante da legislação
brasileira no contexto de sua adequação às orientações do Plano de Madri. De
acordo com Uriona e Hakkert (2002), uma lei geral voltada especificamente para
os idosos é consoante com a construção de um entorno propício e favorável para
as pessoas de todas as idades. Esse novo instrumento legal conta com 118 artigos
versando sobre diversas áreas dos direitos fundamentais e das necessidades de
proteção dos idosos, visando reforçar as diretrizes contidas na PNI. O avanço
se dá, principalmente, no que se refere à previsão sobre o estabelecimento de
crimes e sanções administrativas para o não cumprimento dos ditames legais.
(Camarano, 2004: 270)
O primeiro de muitos passos estava dado, embora haja muitas arestas a serem aparadas.
Diversas políticas setoriais vem surgindo e se reforçando desde então, na área da saúde,
de renda (um exemplo claro é o BPC), educação e cultura, esportes, integração social. E todas
elas com uma característica muito forte: proporcionar qualidade de vida para os idosos.
Desta forma é que, embora seja preciso realizar mais estudos em profundidade, as ATIs
são vistas como um grande passo na conquista da qualidade de vida para os idosos.
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É necessário que se tenha um acompanhamento regular e efetivo das atividades
desenvolvidas nas Academias para que possa afirmar, como tem sido feito pelos órgãos
promotores das mesmas, os benefícios na saúde, na integração social destes idosos e na relação
destes com a sociedade como um todo.
Não basta registrar discursos, nem colher entrevistas de usuários. É preciso mais. É
preciso efetivamente tornar as ATIs, bem como qualquer outra política, algo acessível à
comunidade, em especial, à comunidade de idosos de toda a cidade, nos quatro cantos.
A cidade que já foi pensada como um ambiente propício para o desenvolvimento
econômico, para a força de trabalho ativa e jovem, precisa hoje se adequar a uma realidade que
vem mudando e mudando rapidamente.
O número de idosos não para de crescer, e com eles vimos alterações no meio social,
econômico e cultural que precisam ser analisadas detidamente.
É preciso pensar e elaborar uma cidade que comporte também seus idosos. Que não os
veja mais como apenas aposentados que reúnem em uma praça, mas como membros efetivos
dessa sociedade, como agentes atuantes nas mudanças que se operam nos mais diversos meios.
Ecléa Bosi7 disse certa vez que os velhos precisavam de nossas mãos para encampar uma
luta. Hoje, talvez, já não precisem mais de nossas mãos para levantar suas bandeiras, mas de
nossas vozes a fazer coro para que a cidade seja inclusiva. Para que o discurso se torne prática.
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229
GRUPO DE TRABALHO IV
POLÍTICA EXTERIOR E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Coord.: Profa. Dra. Meire Mathias
A internacionalização da indústria farmacêutica
Aline Evelin Fabricio de Macedo ............................................................................................................................................231
O cinema político do grupo de cinema Dziga Vertov: perspectivas internacionalistas em Le Vent d’Est
Ana Laura Sé Silva .....................................................................................................................................................................240
A função do Egito no projeto imperialista dos Estados Unidos para o Mundo Árabe: linhas gerais
Felipe Alexandre Silva de Souza.............................................................................................................................................250
Brasil: constituição e continuação do capitalismo dependente
Francieli Martins Batista ..........................................................................................................................................................265
Apontamentos sobre política externa brasileira para o continente africano pós-segunda-guerra
mundial até o governo ditatorial de Geisel
José Francisco dos Santos .......................................................................................................................................................273
Ministério da Defesa: entre a égide militar e a esfinge civil
João Vicente Nascimento Lins................................................................................................................................................289
Fragilidade e posição periférica das ilhas da Oceania no sistema internacional
Raony Palicer ..............................................................................................................................................................................302
Projeto Chile: um elo ativo na revolução passiva
Rodolfo Sanches ........................................................................................................................................................................313
A questão ambiental no Mercosul e a política externa brasileira
Talita Martinelli..........................................................................................................................................................................324
A INTERNACIONALIZAÇÃO DA
INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
Aline Evelin Fabricio de Macedo
Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá
Resumo: Uma das maiores indústrias internacionais da atualidade, é a Indústria Farmacêutica.
É o ramo industrial que produz medicamentos, e atua na área de pesquisa, desenvolvimento e
comercialização de drogas farmacêuticas. Seu faturamento ultrapassa o da indústria militar, com
empresas espalhadas por todo o mundo. Sua internacionalização contribui no fortalecimento
e intensificação das capacidades tecnológicas dos países receptores. Este trabalho trata-se
sobre as relações da indústria farmacêutica em âmbitos internacionais, onde a tecnologia é
supostamente produzida e desenvolvida no país de origem e após isso, transferida pelas empresas
multinacionais através de subsidiárias, que se adaptam às condições locais de produção. Sendo
estes, movimentos estratégicos na expansão desta indústria bilionária, que opera na procura por
redução de custos, ganhos econômicos em escala mundial e maior participação nos mercados,
acirrando assim, a competição internacional.
Palavras-chave: Internacionalização da Indústria farmacêutica; Indústria farmacêutica;
Relações Internacionais; Mercado.
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ALINE EVELIN FABRICIO DE MACEDO
A INTERNACIONALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
Raymond Aron define o Sistema Internacional como um “conjunto constituído pelas unidades
políticas que mantêm relações regulares entre si e que são suscetíveis de entrar numa
guerra geral. São membros integrais de um sistema internacional as unidades políticas que
os governantes dos principais Estados levam em conta nos seus cálculos de forças.” (p.153,
2002) O termo sistema para ele, pode ser empregado ao denominar um sistema de partidos,
constituído por muitos atores em competição, sendo unidades de luta, e quando decidem lutar,
tendem a aproximar os atores nacionais e internacionais.
Um sistema internacional só comporta um limitado número de atores, e quando esse
número aumenta, não quer dizer que os atores principais aumentem proporcionalmente. Os
atores principais não se sentem submetidos ao sistema do mesmo modo que as empresas
de médio porte estão sujeitas às leis do mercado. É oligopolística a estrutura dos sistemas
internacionais, e os atores principais são quem determinam em cada época, como o sistema
deve ser.
Fazem parte de um dos maiores sistemas econômicos internacionais da atualidade, a
Indústria Farmacêutica. Como o nome já sugere, é o ramo industrial que produz medicamentos,
e atua na área de pesquisa, desenvolvimento e comercialização de drogas farmacêuticas.
Seu faturamento é contado em bilhões, com empresas espalhadas por todo o mundo. Sua
internacionalização é um importante fator contribuinte no fortalecimento e intensificação
das capacidades tecnológicas dos países receptores. Fusões e aquisições internacionais são
movimentos estratégicos na expansão desta indústria bilionária. A tecnologia é supostamente
produzida e desenvolvida no país de origem e após isso, transferida pelas empresas multinacionais
através de subsidiárias, que se adaptam as condições locais de produção.
Os Estados concluem seus acordos, convenções e tratados, onde alguns dizem respeito
à sociedade transnacional, e outros que cabem ao sistema internacional. Sendo relativo à
sociedade transnacional, assuntos como convenções postais, ou relativos à higiene, pesos
e medidas, e no caso do sistema internacional, o direito ao mar, dos meios de transporte e
comunicação, dos interesses coletivos dos Estados. Com a expansão do direito internacional,
há uma ampliação dos interesses coletivos da sociedade transnacional e a crescente necessidade
de organizar politicamente a todos sob uma mesma base territorial, para que as coletividades
humanas possam coexistir.
Os sistemas internacionais envolvem unidades que mantêm um relacionamento
diplomático regular, relação esta que engloba os indivíduos que fazem parte dessas unidades.
Segundo Raymond Aron:
“a sociedade transnacional manifesta-se pelo intercâmbio comercial, pelos
movimentos de pessoas, pelas crenças comuns, pelas organizações que
ultrapassam as fronteiras nacionais, pelas cerimônias e competições abertas aos
membros de todas as unidades políticas. Ela é tanto mais viva quanto maior é a
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232
A INTERNACIONALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
liberdade de comércio, de movimentação e de comunicação; e quanto mais fortes
forem as crenças comuns, mais numerosas serão as organizações não-nacionais,
mais solenes as cerimônias coletivas.” (2002, p.166)
As relações da Indústria Farmacêutica internacional, são um exemplo dessa sociedade
transnacional. Suas relações comerciais, suas organizações ultrapassando as barreiras nacionais,
e o próprio movimento de pessoas, coloca a indústria farmacêutica com uma manifestação da
sociedade transnacional. Os atores e relações que compõem o sistema farmacêutico constroem
um sistema dinâmico que liga elementos internos e externos às empresas, a fim de criar
novas interações comerciais. Além de que, as empresas acessam conhecimentos e tecnologias
espalhadas internacionalmente, o que compartilha o processo de aprendizado, aumentando a
especialização científica e sustentando vantagens na competição em torno da indústria.
As relações estruturais resultantes da internacionalização da indústria farmacêutica
exemplificam as relações e a dinâmica do mundo capitalista. Fazendo parte de um sistema
internacional muito bem organizado, a indústria farmacêutica fatura bilhões de dólares ao ano,
sendo uma das indústrias mais lucrativas do mundo. Segundo Giovanni Arrighi, a divisão da
economia mundial de forma a beneficiar a acumulação capitalista de capital, só se dá de acordo
com a intensidade da concorrência:
“...a competição entre empresas capitalistas não necessariamente promove a
segmentação contínua do domínio político em jurisdições separadas. Também
aqui isso depende da forma e da intensidade da concorrência, nesse caso, entre as
empresas capitalistas. Quando essas empresas estão entrelaçadas em densas redes
transestatais de produção e troca, as segmentações dessas redes em jurisdições
políticas distintas pode ter uma influência prejudicial na situação competitiva de
toda e qualquer empresa capitalista em relação às instituições não capitalistas.
Nessas circunstâncias, é bem provável que as empresas capitalistas mobilizem os
governos para que reduzam a divisão política da economia mundial, em vez de
aumenta-la ou reproduzi-la.” (1996, p.32)
O mundo da indústria tem sido alvo de muitas transformações nas últimas décadas. De
um lado, a indústria se expande para fora dos países sede de seu setor, descentralizando não
apenas o comércio, mas também, processos de pesquisa e desenvolvimento inovadores. Essas
mudanças são parte de uma nova configuração de organização industrial, tanto da produção
como de atividades de pesquisa e desenvolvimento. Suas mudanças atingem um amplo e
diversificado conjunto de países, com o objetivo de alcançar vantagens competitivas e poder
de mercado. Esse processo de mudanças nas formas de organização da indústria, acompanham
a expansão do comércio mundial e os acordos que acabam forçando um crescimento da
liberalização comercial entre os países, envolvendo um grande número de empresas localizadas
em praticamente todas as regiões do planeta.
Nessa nova forma de organização da indústria, implicam-se formas mais complexas
de coordenação de grandes redes de empresas e das cadeias globais. As grandes empresas
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233
ALINE EVELIN FABRICIO DE MACEDO
transnacionais são coordenadas a partir de seu controle sobre as marcas, patentes, comercialização,
capacitações em pesquisa e desenvolvimento de produtos, marketing etc. À medida em
que a competição global se acirra, as empresas transnacionais promovem uma crescente
internacionalização das atividades tecnológicas por meio de suas subsidiárias. Isto justificase, na busca por novos conhecimentos e capacidades estratégicas para a inovação, juntamente
com a necessidade de deter estratégias e tecnologias específicas. Essa estratégia da indústria,
de descentralizar suas atividades, principalmente no que diz respeito aos laboratórios, é tido
como um processo de transferência de funções de alta tecnologia, cada vez mais necessárias às
estruturas coorporativas que sustentam o sistema capitalista.
“São várias as empresas que tem direcionado seus esforços e estratégias de negócios
para a internacionalização de seus produtos e serviços no setor de fármacos e medicamentos”,
afirma Poatã Casonato (2012), Diretor Técnico do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade
Industrial de São Paulo. Ainda segundo ele, “neste primeiro momento, a América Latina é
o alvo das empresas do setor, porém a Europa, África e Ásia também estão na agenda de
internacionalização destas empresas.” A internacionalização das atividades tecnológicas é um
fato recorrente para a expansão da cadeia comercial das empresas transnacionais ao redor do
mundo, e fundamental para o fortalecimento dessas empresas e para o aumento do seu poder
de competição.
O processo de internacionalização da cadeia farmacêutica é impulsionado por diversos
fatores:
“O crescimento da demanda por produtos farmacêuticos tanto nos mercados
centrais como nos países emergentes explica em parte esse movimento. A busca de
maior competitividade via investimentos na qualidade, eficiência e especialização
também colabora para a internacionalização da indústria farmacêutica”.
(TRIEBNIGG, 2008)
A descoberta e a comercialização de uma nova droga é cada vez mais difícil, assim como
boas margens de lucro das empresas de genéricos. Nesse sentido, para a internacionalização da
indústria farmacêutica, uma das melhores estratégias tem sido as fusões e aquisições entre
empresas do setor localizados em diferentes países do mundo. Segundo Alexander Triebnigg,
“por meio dessas operações, as empresas buscam acesso a mercados regulados, diversificação
da carteira de produtos, incorporação de tecnologias específicas, entre outros objetivos” (2008).
A terceirização e a descentralização dos processos de produção e inovação das empresas,
também impulsionam a internacionalização do setor. A busca crescente pela inovação na indústria
farmacêutica tem fortalecido o movimento de fusões e aquisições que envolvem empresas
localizadas em diferentes países. Nota-se um aumento na demanda de serviços voltados para a
inovação dos produtos farmacêuticos fora de suas sedes, altamente especializados e localizados
em outros países. Redes internacionais de inovação surgem com a facilidade de transmitir
informações e dados para qualquer país do mundo, a qualquer momento. Redes estas, que são
de primeira necessidade para que a indústria farmacêutica desenvolva e crie elos que completem
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A INTERNACIONALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
sua cadeia de pesquisa e desenvolvimento.
São pequenos os movimentos de internacionalização de empresas brasileiras, mesmo
havendo uma cadeia avançada envolvendo empresas de capital nacional e estrangeiro. Parcerias
entre empresas nacionais com o exterior são mais exceções do que regra.
“A indústria e os mercado são controlados por empresas estrangeiras, que remetem
dinheiro ao exterior de mais de quinze modos. Os bens e serviços que vendemos
são subfaturados, e os que compramos são superfaturados.” (BENAYON, 2013).
Tradicionalmente, o mercado farmacêutico brasileiro era responsável basicamente pela
produção e venda de genéricos, enquanto as empresas estrangeiras ficavam com a fabricação e
comercialização dos produtos inovadores. Mas algo de diferente vem acontecendo nos últimos
anos. Segundo Alexander Triebnigg:
“O setor vem passando por um movimento bastante intenso de consolidação,
fortalecendo algumas empresas nacionais e dando massa crítica para o
desenvolvimento de inovações por parte dessas empresas, o que certamente
terá reflexo numa maior internacionalização de toda a cadeia. Além de
criar incentivos diversos por parte do governo brasileiro para promover a
fabricação e o desenvolvimento de medicamentos no país, o crescimento de
algumas empresas domésticas, sobre tudo dentro do mercado de genéricos,
proporcionando uma capitalização ímpar do setor.” (TRIEBNIGG, 2008)
A facilitação dos trâmites para o comércio internacional é um dos principais fatores
que impulsionam a expansão internacional do mercado. Esse fato possibilita a concentração
da produção em países onde se encontram as melhores condições, entre elas, a maior
competitividade, segurança para investir, disponibilidade de recursos, entre outros.
A indústria farmacêutica brasileira costuma registrar recorrentes déficits comerciais, e
isto não se dá apenas pelo fato do mercado ser dominado pelas empresas multinacionais. A Índia,
por exemplo, mesmo sendo um país em desenvolvimento, vem assumindo papeis crescentes e
importantes na indústria internacional. O Brasil hoje apresenta muitas fragilidades financeiras e
científicas, que o impede de sustentar investimentos em pesquisas que poderiam demorar muito
tempo para ter um retorno. A partir de 2004, o governo brasileiro reconheceu em suas políticas
de saúde, a necessidade de colocar a inovação como o centro de uma política industrial dirigida,
reconhecendo a sua importância para o desenvolvimento do complexo de saúde no país.
O intercâmbio comercial amplia-se gradualmente. Em todas as épocas que se passaram,
a sociedade transnacional foi regida por costumes, convenções, ou por um direito específico.
Quando se trata de dupla tributação, as nações garantem um tipo de tratamento recíproco para
os cidadãos de cada país, e ao mesmo tempo, protegem seus contribuintes contra a sobreposição
de taxas.
Essa facilitação dos trâmites para o comércio internacional, pode ser explicada por
diversos motivos, entre eles a diminuição das tarifas dos produtos farmacêuticos, redução de
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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ALINE EVELIN FABRICIO DE MACEDO
custos logísticos, e estruturação de serviços de transporte e armazenamento específicos para
a indústria farmacêutica. A maior facilidade no deslocamento de matérias-primas e produtos
finais é um dos motivos pelos quais as empresas tendem a concentrar suas linhas de produção
nos países que apresentam melhores condições para a especialização.
O processo de expansão e modernização industrial de fármacos ocorreu em associação a
uma estratégia de especialização da produção, o que ocasionou a desverticalização da produção, e
como consequência, sofreu com a dependência externa de fármacos e mesmo de medicamentos
prontos. A estratégia das fusões e aquisições de novas empresas vem se constituindo como o
principal instrumento de entrada e consolidação da participação das empresas multinacionais
no mercado mundial.
“Num mundo onde a produção se organiza, cada vez mais, perdendo suas bases
territoriais fixas, onde a troca econômica é crescentemente baseada em símbolos ou
marcas, pareceriam fortalecer-se os valores considerados globais (...) A tendência
à globalização é, certamente, consequência do peso crescente da economia na
organização internacional, mas esta configura-se com base em campos de poder
que não são apenas os econômicos em sentido estrito.” (VIGEVANI, 1999)
A importância da indústria não se dá tanto pelo seu tamanho, mas pelo fato do seu
dinâmico processo de competição. A inovação, na indústria farmacêutica, é fundamental para o
acirramento da competitividade internacional. O principal objetivo das empresas é inserir novos
produtos e aprimorar os já existentes no mercado, alcançando níveis globais de competição.
Segundo dados do IPEA (2003), os processos de fusões e de aquisições de empresas, tiveram
como resultado, um aumento da concentração na indústria farmacêutica internacional. Segundo
a instituição, “os onze maiores laboratórios globais respondiam por cerca de 36,1% do mercado
farmacêutico mundial em 1996, passando para 48,9% em 1999”. E esses números só aumentaram
nesses últimos anos.
“Serão excluídas do mercado aquelas empresas que não sistematizarem suas
atividades em busca de níveis mais elevados de produtividade, de investimentos
em inovação e da adequada gestão destes esforços por meio de parcerias e
interações com centros e universidades de pesquisas. Empresas focadas apenas
no local estão sob o risco de serem rapidamente superadas por aquelas orientadas
para o mercado global.” (RADAELLI, 2009)
Se antes a internacionalização visava a necessidade de ajustar o desenvolvimento de
novos produtos em diferentes mercados, agora o foco da descentralização está pautado na
apropriação de conhecimento disponível em outros países e às questões tecnológicas, sendo
um importante fator de fortalecimento e expansão das capacidades tecnológicas dos países
receptores. Algumas empresas usam da estratégia das fusões e aquisições para expandir
suas atividades, já outras, utilizam uma base sólida de Produção e Desenvolvimento (P&D)
doméstica, que consiste na produção e desenvolvimento da tecnologia no país de origem e a
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236
A INTERNACIONALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
transferência posterior pelas empresas subsidiárias das multinacionais à outros países.
O fato das empresas terem acesso a conhecimentos espalhados em várias partes do mundo,
e ao adquiri-los e integrá-los a diversas bases científicas, um processo hibrido de aprendizado
e de seleção é criado, ampliando as vantagens competitivas sobre as outras empresas do setor.
“A importância assumida pelas alianças estratégicas na manutenção de vantagens
competitivas é maior e mais complexa do que apenas externalizar funções, já que
mesmo entre as diferentes etapas da cadeia de valor existe uma enorme variedade
de empresas altamente especializadas tanto em atividades de P&D quanto
produção, marketing e vendas.” (RADAELLI, 2006)
Antes, as empresas mantinham-se integradas apenas por motivos econômicos. Agora,
os acordos estratégicos representam uma nova forma de organizar as atividades inovadoras,
utilizando-se da divisão do trabalho para consolidar as posições de competição adequadas.
Assim, diferentes tipos de instituições se especializam nos estágios produtivos em que são mais
eficientes, como as universidades nos primeiros estágios, pequenas empresas nos intermediários
e as multinacionais na finalização do produto.
Grandes empresas farmacêuticas, principalmente originárias dos Estados Unidos e da
Europa Ocidental, tem adquirido muitas outras empresas farmacêuticas, seja de pequeno ou de
grande porte:
“O aumento nos custos de P&D e do marketing requer grandes mercados
e racionalização do portfólio de produtos, de forma que somente grandes
corporações conseguem sustentar os custos de trazer novos medicamentos ao
mercado. Fusões em geral são justificadas pela necessidade de complementar a
pesquisa e o portfólio de mercados, de modo a adquirir novas competências e
escopo em P&D e marketing. Outro componente que induziu que os movimentos
de fusões e aquisições se acentuassem foi o declínio da competitividade, com o
fim das patentes de importantes medicamentos.” (RADAELLI, 2006)
Essas empresas gigantescas, entre elas as conhecidas como “Big Pharma” – Bayer,
GlaxoSmithKline (GSK), Merk, Novartis, Pfizer, Roche, Sanofi-Aventis - controlam metade do
mercado mundial de medicamentos, sendo seus lucros, superiores ao do grupo militar-industrial
(MACHADO, 2007). O objetivo desses grandes laboratórios é retardar o máximo possível, a
data de vencimento do período da proteção das patentes, já que a partir do vencimento desta,
outros laboratórios poderão produzir os medicamentos, inclusive por valores inferiores.
A força financeira que as Big Pharma possuem é gigantesca. E usam desse dinheiro e de seu
poder para arruinar os modestos fabricantes de genéricos. Os direitos de propriedade intelectual
são um dos principais motivos pelo alto custo dos medicamentos, o que acaba trazendo muitos
danos à população, principalmente a mais pobre. A diretora-geral da Organização Mundial
da Saúde (OMS), Margaret Chan, afirma que o preço tem consequências decisivas sobre as
possiblidades de adquirir medicamentos. Segundo ela, “além da distância dos serviços, da falta
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ALINE EVELIN FABRICIO DE MACEDO
de pessoal, das deficiências no abastecimento e da falta de seguros médicos, o preço continua
sendo a barreira definitiva para os pobres” (2010).
Muitas são as críticas e denúncias contra a indústria farmacêutica. O Prêmio Nobel da
Medicina Richard J. Roberts (2011) denuncia o modo de funcionamento das grandes empresas
farmacêuticas dentro do capitalismo, dando benefício aos ganhos econômicos ao invés da saúde,
e impedindo o progresso científico na cura de doenças, pois a cura não é tão rentável quando às
doenças crônicas. É uma lógica capitalista brutal para a população, mas muito simples para a
indústria: os medicamentos que curam não são rentáveis, portanto, não serão produzidos pelas
farmacêuticas, que investem em medicamentos que serão produzidos e consumidos de forma
contínua, mantendo assim, seu lucro sempre preservado.
Nenhuma empresa detém todos os conhecimentos necessários para o lançamento bemsucedido de um novo produto. A busca por novos conhecimentos e novas tecnologias tornou-se
extremamente necessária para alcançar esse sucesso. As fusões e aquisições de empresas são um
dos principais meios se para alcançar estes objetivos, pois novos conhecimentos e tecnologias
são adquiridas junto com elas.
É inegável o tamanho, a proporção e a influência da indústria farmacêutica na economia
internacional, sendo um dos principais polos de desenvolvimento tecnológico do mundo.
As relações estruturais resultantes de sua influência, organização e poder a nível mundial,
concretizam um dos pressupostos iniciais do capitalismo, a geração de lucro, que nesse caso,
é baseado no estímulo ao consumo e fomento de serviços destinados a saúde. A indústria
farmacêutica serve aos mercados de capitais, e ao capital, só interessa multiplicar-se. Mesmo
quando o que é bom e rentável para as empresas não é bom, e muito menos vantajoso, para a
população.
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O CINEMA POLÍTICO DO GRUPO DE
CINEMA DZIGA VERTOV: PERSPECTIVAS
INTERNACIONALISTAS EM LE VENT D’EST
Ana Laura Sé Silva
Discente do curso de Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá
Resumo: Este artigo procura perceber inclinações ao Internacionalismo a partir da análise
fílmica da produção Le Vent D’Est do grupo de cinema Dziga Vertov, considerando em paralelo
a analise, bibliografias de cunho marxistas acerca da arte, da cultura e o internacionalismo, em
específico as que se propõem em pensar a construção da cultura enquanto aparelho ideológico
do Estado e da sociedade.
Palavras-chave: Cinema Político; Grupo Dziga Vertov; Internacionalismo; Marxismo;
Cultura.
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O CINEMA POLÍTICO DO GRUPO DE CINEMA DZIGA VERTOV: PERSPECTIVAS INTERNACIONALISTAS EM LE VENT D’EST
O GRUPO DZIGA VERTOV E O CINEMA POLÍTICO
O grupo de cinema Dziga Vertov surge após os levantes estudantis de maio de 1968 na França,
no impulso de estudantes e diretores politicamente engajados por ideologias marxistas-leninistas
e maoístas, no sentido de vincular produções cinematográficas com conteúdo político, com a
proposta de destruir a ditadura do diretor e construir um movimento que seguiria uma via
contrária à maneira de fazer cinema ocidental, em específico o hollywoodiano, que vinha
tomando ascensão.
Um dos participantes de maior importância dentro do grupo Dziga Vertov é Jean-Luc
Godard, diretor que participa do movimento Nouvelle Vague1 no início da década de 60. Aliás,
Godard passa a ser o percussor do Coletivo, e graças a seu nome, consegue financiamento de
grandes investidores para produção dos filmes, que futuramente, receberiam criticas e seriam
barrados de amostras internacionais.
O Coletivo ao longo dos anos 1968 a 1972 construiu Un Film Comme Les Autres
(1968), British Sounds (See You at Mao) (1969), Pravda (1969), Vent d‘Est (1969), Luttes En
Italie (1969) e Vladimir Et Rosa (1971).
Todos os filmes possuem, cada um com sua
particularidade, embasamento revolucionário e uma estética curiosa, que até então não fora
energicamente explorada. Os filmes, segundo Almeida (2005),
[...] tendo sido imediatamente recebidos com certo furor pelos primeiros
espectadores e logo sendo relegados ao limbo, qualificados como “extremistas”,
“radicais”, “inassistíveis”, demasiadamente politizados para os amantes do
cinema e também demasiadamente estetizantes para o cinema político feito na
época [...] (ALMEIDA, 2005. p.8)
Para Maria (2010) 2, “a atitude política de Godard e de outros cineastas acaba por
influenciar o fazer cinematográfico, abrindo caminho para um novo e próprio cinema, que
refletirá as mudanças sociais.” (p.38). A ruptura com a Nouvelle Vague é, portanto, percebida.
Godard, que anteriormente se dedica a um tipo de cinema caracterizado por burguês, agora se
preocupa em se organizar enquanto militante para um cinema que possui por foco as relações
políticas e suas conseqüências para a sociedade.
Apesar do caráter extremista que lhe é atribuído, o grupo possui grande importância
dentro da história do cinema revolucionário. Seu nome é inspirado no diretor russo Dziga
Vertov, seu “cinema-olho” ou “cinema-verdade”, propunha mostrar a verdade, no sentido que a
câmera seria os olhos de quem estava fazendo o filme.
O cinema verdade de Dziga Vertov apresenta-se enquanto vanguardista para sua época,
bem grupo a linha de cinema do grupo Dziga Vertov, que é vista por Almeida (2010) como
experimentalista. Afirma:
1 Movimento que nasce na França a partir de nomes como Godard e François Truffaut, que possui como
uma das mais marcantes características a ruptura com a maneira de fazer cinema de estúdio.
2 MARIA, João Paulo M. A Influência do Grupo Dziga Vertov no Cinema de Jean-Luc Godard. 2010.
109 p. Dissertação – Universidade Estadual de Campinas, Campinas 2010
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ANA LAURA SÉ SILVA
Assistir a esses filmes hoje é como poder ver uma parte perdida de uma importante
discussão que talvez pudesse ter alimentado uma linha de cinema um pouco
abandonada
pelos espectadores e pelos produtores de filmes, cujo projeto
estético inclui a refletividade do aparato e a experimentação formal do cinema.
(ALMEIDA, 2010. p.11);
Ainda que para Almeida (2010) a discussão de tal linha de cinema, tida como
experimental, e de sua estética não tenham a ver com cinema o político, é inegável perceber
o conteúdo engajado dos roteiros dos filmes. Em Le Vent d’Este há a participação de um dos
percussores do cinema novo no Brasil, Glauber Rocha. Sua participação ainda que curta, é
fundamental para perceber que o movimento que estava em construção, movimento este que
mostra através de uma expressão de arte relações referentes a diferentes classes atingidas pelas
imposições capitalistas, possui suma importância no sentido de romper os vícios do cinema
ocidental.
A maneira como as produções ocidentais tomam espaço fora também comentada por
grandes pensadores, como Lukács, que ao refletir acerca do cinema ocidental, em entrevista
à revista Húngara “Film Kultura”3, afirma que o cinema é uma forma artística nova que
porta implementos técnicos aprimorados. Ainda, as produções ocidentais possuem estrutura
tecnológica bastante avançada, porém, seu conteúdo é bastante pobre com relação a questões
sócio-políticas. Lukács cita o fato de que o cinema oriental, em especial o cinema húngaro,
inclina-se em relatar temas que mencionem os reais problemas político-sociais através das
relações humanas presentes nas produções. Não obstante, acredita que o enfoque nas relações
sociais expostas representa uma renovação dentro da sétima arte, algo que deve ser passada ao
ocidente. Afirma:
De este modo, si nosotros enfocamos la discusión desde el punto de vista del contenido
social, podemos afirmar que nos encontramos ante uma renovación, y em esse sentido es
posible traer, em cierta medida, algo nuevo y original a occidente (LUKÁCS, 1971. p 04)
Para Lukács, o caráter da produção cinematográfica está relacionado à sua forma e
conteúdo. As ferramentas e arranjos modernos são positivos, no sentido que o público tem a
possibilidade de interagir com o filme, que quando utilizado para fins ideológicos emancipatórios,
ou seja, quando possuidor de conteúdo político e questões sociais reais, refletem resultado
satisfatório. É urgente, para Lukács, a necessidade de suprir a arte cinematográfica com filmes
de cunho emancipatório, uma vez que este tem grande sucesso em atingir grandes massas, e a
junção de técnicas visuais e de áudio desperta a atenção do público.
Entre os erros ideológicos próprios do cinema ocidental, segundo McBean (2005) podese considerar a generalidade no uso de conceitos que a produção burguesa prioriza4. Para ele,
3 LUKÁCS, G. El cine como lenguaje critico. 1971. Revista Film e Kultura. Entrevista concedida a Yvette
Biro y Szilard Ujhekvi. Tradução de Miguel Pérez Barberán.
4 MacBean faz sua reflexão acerca de um diretor que não usa conceitos como capitalismo, classe, burguesia,
exploração, lucro em um artigo sobre seus filmes. Em substituição são vistos frequentemente expressões
como salvação, tristeza, infelicidade, horror, salvação, entre outras que “são a matéria-prima de uma extensa
tradição do idealismo humanista burguês” (2005. p.63)
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O CINEMA POLÍTICO DO GRUPO DE CINEMA DZIGA VERTOV: PERSPECTIVAS INTERNACIONALISTAS EM LE VENT D’EST
quanto maior o aspecto de generosidade e generalidade presente, maior o sucesso em vetar a
análise materialista, que levaria o público a perceber fatos que incitariam mudança, revolta.
Argumenta:
Godard lamenta a forma como o cinema, desde seu nascimento, foi desfigurado por
uma ideologia capitalista burguesa que permeia suas próprias fundações teóricas,
sem jamais ter sido corretamente diagnosticada, e muito menos corrigida. Em
Vento do Leste, portanto, ele sistematicamente desmonta os elementos tradicionais
do cinema burguês [...] e revela o [...] caráter repressivo que o sustenta. (IBID.
p.64)
O cinema burguês incita o público no sentido de este experimentar uma sensação emocional e
confortável ao invés de tomar uma posição crítica e política. Godard assim busca estabelecer uma posição
adequada entre a sociedade e o cinema, a primeira como receptora e o segundo como informante que
baseia seu conteúdo em conceitos políticos.
MARXISMO E CULTURA: A ARTE ENQUANTO PARTE DA SUPERESTRUTURA
Ainda que Marx não tenha se dedicado em pensar, diretamente, questões referentes à
cultura, é possível perceber em diversas obras formulações acerca desta, ainda que breves. A
apreensão da cultura enquanto parte da superestrutura, permite refletir seu papel na construção
de um Estado burguês ou de uma sociedade sem classes, sendo ela um dos fatores fundamentais
para permanência do pensamento opressor, bem como de um pensamento cuja percepção se dá
numa direção revolucionária.
Em Contribuição à crítica da Economia Política5, Marx reflete que, as relações de
produção humana constituem a estrutura econômica social, a saber, a supraestrutura, onde
a superestrutura jurídica e política encontram apoio para se erguerem. A superestrutura, por
sua vez, tem correspondência com determinadas formas de consciência social. Para Câmara e
Jesus (2007), Marx compreendeu a arte através da concepção de criação humana libertadora e
expressão singular da universalidade (2007. p.01). A arte, enquanto parte da superestrutura, e
outras formas ideológicas, dentre as quais é possível citar a política e a filosofia, que como já
mencionado, são responsáveis pela formação da consciência social, são também os meios pelos
quais há tomada de consciência dos conflitos sociais dentro de uma sociedade, conflitos estes
que englobam as forças produtivas materiais e as relações sociais, numa relação dialética.
Em consonância, para Engels, em sua carta contra a vulgarização do materialismo
histórico6, o econômico é a base para os fatores que se erguem sobre ela na superestrutura,
isto é, fatores ideológicos. Não obstante, os fatores ideológicos exercem influência direta e por
vezes determinam o desenvolvimento das lutas histórias.
Marx, Em A Ideologia Alemã7, relata que a classe que possui os meios de produção
5 Apud MARX, Karl; ENGELS, F. Cultura, arte e literatura: textos escolhidos, São Paulo:Editora
Expressão Popular, p.97. 2010.
6 Ibidem, p.103.
7 Ibidem, p.113
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ANA LAURA SÉ SILVA
material obtém igualmente os meios de produção ideológicos, subordinando dessa maneira
suas idéias às classes dominadas. Nesse sentido, as idéias dominantes numa sociedade são
justamente as idéias pertencentes à classe que domina. Dentro da classe dominante a divisão
do trabalho também é manifestada enquanto trabalho material e trabalho espiritual (por este, se
compreende o responsável pelas formulações ideológicas), possuindo em sua constituição os
pensadores/intelectuais que atuam no sentido de manter a ideologia, ou melhor:
[...] os mais ativos e capacitados para formular as generalizações da ideologia, os
que convertem em fonte principal da sua própria subsistência a tarefa de criar a
ilusão desta classe sobre si mesma. (Apud Marx;Engels, 2010, p.114)
Dessa maneira, apreende-se que cada classe que toma o poder apresenta seus interesses
como o interesse de todos, no sentido de valorizar suas ideias como universais e absolutas. A arte
e todas as formas de representação cultura, portanto, passam a possuir características próprias
desta classe hegemônica, sendo construída com o intuito de manter sua posição. Ocorrem
reações hostis entre as duas partes antagônicas, no momento que surgem questionamentos com
relação à posição da classe dominante e, além disso, quando surge a percepção de que as idéias
da maioria não são as idéias da classe que domina. A falta de foco numa cultura de caráter
emancipatório é, dessa maneira, estratégica, pois o conflito gera questionamento, tomada de
consciência e sua conseqüência é uma revolução, isto é, transformação nas relações de poder e,
consequentemente, transformação da consciência dos indivíduos.
Será necessária uma inteligência excepcional para compreender que, ao mudarem
as condições de vida dos homens, as suas relações sociais, a sua existência social,
mudam também as suas representações, as suas concepções, os seus conceitos –
numa palavra, a sua consciência? (MARX; ENGELS. 2010. p.115)
CULTURA E CONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA EM GRAMSCI
Para pensar sobre a cultura a partir de uma percepção gramsciana, é necessário, primeiramente,
pensar como, de onde e por qual motivo ela surge. Para isso, é fundamental entender sua
formulação de sociedade civil. Segundo Coutinho (2010) 8, para Gramsci, os processos de
socialização da política e a estandardização, processo que uniformiza o comportamento e outros
elementos culturais que nascem do sistema capitalista, que resulta na padronização da sociedade
no seu comportamento e nas suas relações referentes à cultura, dão origem à sociedade civil.
É possível compreender, brevemente, que a sociedade civil para Gramsci se caracteriza
por ser uma esfera social que possui funções e leis específicas e autônomas com uma dimensão
material, além de ser o campo onde se encontram os aparelhos privados de hegemonia e os
meios ideológicos por onde ocorrem as lutas políticas. Esta concepção de sociedade civil,
sendo própria das civilizações ocidentais, não se empenha unicamente às esferas de dominação
8 COUTINHO, C.N. . Cultura e Sociedade no Brasil: Ensaios sobre ideias e formas. 4 ed. São Paulo.
Editora Expressão Popular. 2010
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O CINEMA POLÍTICO DO GRUPO DE CINEMA DZIGA VERTOV: PERSPECTIVAS INTERNACIONALISTAS EM LE VENT D’EST
direta, cuja função é agir com coerção. Mesmo não possuindo por único foco as forças relativas
à coerção, esta divisão é parte fundamental dentro do Estado ocidental, uma vez que possui
intima ligação aos interesses da classe dominante. Gramsci realça o fato de que, para além
dos interesses do Estado em proteger a classe que domina, há a sociedade civil, que dota uma
especificidade, no sentido em que nela ocorrem:
relações sociais de direção político-ideológica, de hegemonia, que –por assim
dizer- “completam” a dominação estatal, a coerção, assegurando também o
consenso dos dominados (ou assegurando tal consenso, ou hegemonia, para as
forças que querem destruir a velha dominação). (COUTINHO. 2010. p.14)
O Estado laico ocidental é um dos responsáveis pela particularidade da sociedade civil
ocidental, que passa a possuir aparelhos privados de hegemonia. As esferas que anteriormente
são ligadas ao Estado, como a Igreja, passam a fazer parte da sociedade civil, necessitando
formular e reforçar suas ideologias para se manter. Em consequencia do aumento no fluxo das
lutas por questões sociais, são originadas novas organizações que também se colocam enquanto
autônomas com relação ao Estado, que necessitam para sua estabilidade e de suas ideologias,
materiais culturais que provoquem tal reação.
Observa-se a partir desta reflexão que a sociedade civil possui uma função social que
lhe é própria, no sentido de garantir a validade do Estado e da sua formação social, os quais
são carentes de legitimidade. Dessa maneira: “apresenta-se como um conjunto de organismos
ou de objetivações sociais, diferentes tanto das objetivações da esfera econômica quanto das
objetivações do Estado strictu sensu” (Ibidem. p.16)
Na formação social ocidental a organização da cultura não está subordinada ao Estado,
mas sim à pluralidade que se constitui a sociedade civil. Não obstante, além de surgir dela,
a organização cultural desempenha um papel de afirmação e articulação da sociedade, numa
relação mútua. Desta maneira, há o espaço de os intelectuais se organizarem dentro da esfera
do privado, criando e difundindo suas atividades, dentro deste campo autônomo de criação e
propagação da cultura.
A organização da cultura, em suma, é o sistema das instituições da sociedade civil
cuja função dominante é a de concretizar o papel da cultura na reprodução ou na
transformação da sociedade como um todo (Ibidem. p.17)
Nesse sentido, é possível refletir que, enquanto a classe hegemônica for uma classe
burguesa opressora, haverá constante tentativa de manter-se hegemônica, fato que é possível
através da construção de uma ideologia coerente com o objetivo da mesma. Neste pensamento,
além de haver a interação entre a sociedade civil e o Estado, uma vez que a primeira surge do
segundo, é a sociedade através das suas organizações culturais que mantém o Estado. Assim,
um Estado burguês só o é porque a classe hegemônica e as suas representações culturais são
burguesas.
A construção da cultura nas sociedades modernas é obtida através da pluralidade nas
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ANA LAURA SÉ SILVA
relações dentro da sociedade civil. Ainda, existem os intelectuais que se debruçam a pensar e
construir os materiais referentes às questões ideológicas. Coutinho (2010) afirma:
O próprio desenvolvimento do capitalismo, ao criar um mercado de força de
trabalho intelectual, alterou a situação dos produtores de cultura: a possibilidade
de que eles exerçam sua função já não depende do favor pessoal, já não resulta da
cooptação. O velho intelectual elitista, prestigiado por possuir cultura, convertese cada vez mais em trabalhador assalariado. Experimenta agora a necessidade
de se organizar, como qualquer outro grupo social, para lutar por seus interesses
específicos, entre os quais não se situa apenas a melhoria das condições de
trabalho; e, entre essas últimas, ocupa lugar de destaque a sua autonomia enquanto
criador. A luta pelo específico articula-se aqui com a luta geral, ou seja, com a luta
pela liberdade de expressão, de criação e de crítica, que só podem ser asseguradas
plenamente democrático aberto à renovação social. (Ibidem.p.32)
É possível a partir disto, refletir sobre a urgência de haver intelectuais que se dedicam
na organização cultural de cunho político, isto é, preocupados em construir materiais cujo
embasamento se dá numa concepção emancipatória nas suas diversas ramificações (literatura,
cinema, teatro) e como o Coletivo Dziga Vertov está de acordo com essa idéia.
Para Coutinho (2010), a luta de classes, enquanto batalha de ideias e de luta pela
hegemonia, abrange a sociedade civil e o sistema referente à organização da cultura, porém,
enquanto o Estado estiver sob controle burocrático e capitalista, é um agente que interfere
negativamente e diretamente a batalha de ideias, interrompendo o fluxo dialético que lhe é
próprio.
O GRUPO DZIGA VERTOV E SUA PERSPECTIVA INTERNACIONALISTA:
LE VENT D’ESTE
Le Vent d’Este é a quarta produção do Coletivo de cinema Dziga Vertov, sendo construindo
entre 1969 e 1970. Um os mais emblemáticos filmes que o grupo produziu, em termos de
cinema político, trata sobre a importância das greves para os trabalhadores, além do declínio
ideológico que várias nações vinham sofrendo naquele momento, bem como procurou aludir
a relações políticas e a maneira como o cinema estava representado no ocidente. Todas essas
questões são manifestadas em um voice-over9 ininterrupto ao longo dos 100 minutos de duração
do filme. Na época de formação do Coletivo a sociedade se depara imersa às manifestações de
ideologia capitalista, especialmente no que se refere às organizações culturais. Ainda assim, há
o interesse e é perceptível seu caráter vanguardista, no sentido de tomar a luta internacional nas
mais diversas direções. Todo o embasamento teórico das produções fílmicas apresenta questões
referentes a grupos que mantêm nas costas o peso do capital. Em Le Vent d’Est, especialmente,
a participação de Glauber Rocha é fundamental para perceber que o movimento que o grupo
constrói, de negação e contestação das construções culturais típicas ocidentais, é não somente
9 Técnica que utiliza uma locução em sobreposição à fala do ator.
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O CINEMA POLÍTICO DO GRUPO DE CINEMA DZIGA VERTOV: PERSPECTIVAS INTERNACIONALISTAS EM LE VENT D’EST
de interesse de Godard e outros membros do Coletivo, mas, como já visto acima, fora alvo de
intelectuais e abrangera a organização cultural para além de limites fronteiriços.
Para Glauber Rocha, a crise que a Europa passava com relação à função da arte era
politicamente negativa. Em contrapartida, Godard afirma que ainda que no terceiro mundo a
arte cinematográfica encontre um campo aberto para levantar-se, é preciso ficar atento quanto
aos erros ideológicos que a Europa vivenciava, no sentido de não repeti-los. Ainda que Rocha
e Godard posicionem-se em direções contrárias, o primeiro que procura construir uma nova
forma de produzir cinema no Brasil, e o segundo que tenta derrubar algo que já se vê construído
na Europa e outros países ocidentais, há espaço para um trabalho que ficara marcado na história
do cinema político. A intervenção de Glauber Rocha, que dura poucos minutos, traz a questão
do cinema enquanto mercadoria. Ou melhor, nas palavras de MacBean (2010) Le Vent d’Est é:
[...] um filme que exploraria o funesto declínio ideológico, moral e social enraizado
não apenas na política francesa, mas na situação política do pós-Guerra Fria de
forma geral. Godard também aludiu a seu desejo de fazer o filme de tal forma
que fossem criados paralelos entre a representatividade de estruturas políticas
tradicionais e a representatividade de estruturas tradicionais de filmes, em especial
aquelas de padrão ocidental. (MACBEAN; 2005. p.59)
Ainda que com intuitos diferentes, ambos tomam mesma posição, a posição contra
a lógica burguesa de produção fílmica, cujo embasamento, para Glauber “[...]é o cinema da
opressão de consumo imperialista [...] É um cinema da repressão, da opressão fascista, do
terrorismo [...]” (Le Vent d’Este. 1969).
Marx em O Manifesto do Partido Comunista (Apud Marx; Engels 2010 P.148), afirma que
a burguesia, para sua existência, precisa revolucionar os meios de produção permanentemente,
o que ocasiona a revolução de todas as relações sociais, logo, os elementos da superestrutura,
como a arte, a política, etc. Uma vez que a revolução da burguesia, sua ascensão e permanência
ocorrem para além das fronteiras nacionais, necessitando do intercâmbio para manter suas
relações de produção e troca, alcança e fixa-se em toda parte. Não diferente, suas ideologias
também têm alcance supranacional.
Os produtos espirituais de cada nação tornam-se patrimônio comum. A
unilateralidade e a estreiteza nacionais mostram-se cada vez mais impossíveis;
das inúmeras literaturas nacionais e locais nasce uma literatura mundial. (ibid.
p.149)
Löwy (1998) acredita que a luta internacionalista é a principal chave de luta do explorado
contra o capitalismo global. Não obstante, afirma que esta não deve ter por percussor somente
o trabalhador, mas sim todas as classes que são prejudicadas pelo sistema. Nesse sentido, é
fundamental que, o internacionalismo não seja a soma de situações nacionais, mas sim que
constitua um todo orgânico. Dado o fato de que o capital possui abrangência supranacional,
pensamos a necessidade de uma luta contra-hegemônica de mesma proporção.
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247
ANA LAURA SÉ SILVA
Em Le Vent d’Est, há um momento em que o voice-over coloca a seguinte questão:
Hoje a pergunta ‘o que se deve fazer?’ é feita com urgência para cineastas militantes.
Não se trata mais da questão de qual caminho tomar; é a questão de o que devemos
fazer em termos práticos num caminho que a história de lutas revolucionárias nos
ajudou a reconhecer. Fazer um filme, por exemplo, é perguntar-se: ‘qual é a nossa
posição?’. E o que esta questão significa para um cineasta militante? Significa,
primeiro, mas não exclusivamente, abrir um parêntese no qual nos perguntamos o
que a história do cinema revolucionário pode nos ensinar. (Vento do Leste-Grupo
Dziga Vertov apud MacBean (2005)
Diante disso é possível responder à questão colocada na citação anterior. O cinema
enquanto uma ferramenta militante tem a urgência de colocar-se em prol de uma intervenção
contrária, tomando mesma dimensão, ao internacionalismo burguês. Uma vez que para Gramsci
os fatores ideológicos (logo a cultura), possuem um relacionamento constante com a base
econômica e estatal, definindo a forma e a posição política destas, é esse o caminho que deve
ser trilhado para alcançar o posto de ferramenta revolucionária.
Segundo McBean (2005): “o cinema (bem como a televisão) funciona como uma
ferramenta ou arma ideológica, usada pela classe prevalente-proprietária para ampliar o mercado
para os sonhos burgueses que vende” (p.65). Pensando em termos revolucionários, as formas
de comunicação que atendem as massas, devem possuir uma ideologia predominante de mesma
orientação. Nesse sentido o Coletivo de cinema Dziga Vertov atua no século XX no campo
de construção desses materiais. Entende-se que não há dúvida da posição dos integrantes dos
grupos, mas sim, dúvida enquanto quais meios tomar sua ação, uma vez que a cultura do capital
está inserida no modo de vida das classes e oferece um modo de vida confortável e ilusório.
Você chegou à situação concreta. Na Itália, na França, na Alemanha, em Varsóvia,
em Praga, você viu que o cinema materialista surgirá apenas quando atacar em
termos de luta de classes, o conceito burguês de representação. Lutar contra o
conceito burguês de representação [...]. Sim, para arrancar do imperialismo os
instrumentos de produção. (VENT D’EST, 1969)
Acima, o trecho do voice-over posterior à cena de Glauber Rocha, é consonante com
o que fora trabalhando ao longo do texto, considerando a relação dialética da realidade e de
que maneira a estrutura social, econômica e as formas de representação política e cultura se
interrelacionam.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Jane de (org.) Grupo Dziga Vertov. São Paulo, 2005. 117 p. Volume I.
COUTINHO, C.N. . Cultura e Sociedade no Brasil: Ensaios sobre ideias e formas. 4 ed. São Paulo.
Editora Expressão Popular. 2010
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O CINEMA POLÍTICO DO GRUPO DE CINEMA DZIGA VERTOV: PERSPECTIVAS INTERNACIONALISTAS EM LE VENT D’EST
LUKÁCS, G. El cine como lenguaje critico. 1971. Revista Film e Kultura. Entrevista concedida a
Yvette Biro y Szilard Ujhekvi. Tradução de Miguel Pérez Barberán.
MACBEAN, James Roy. Vento do Leste: ou Godard e Rocha na encruzilhada. P.60. In: Grupo Dziga
Vertov. ALMEIDA, Jane de (org.) São Paulo, 2005. 117 p. Volume I.
MARIA, João Paulo M. A Influência do Grupo Dziga Vertov no Cinema de Jean-Luc Godard. 2010.
109 p. Dissertação – Universidade Estadual de Campinas, Campinas 2010
MARX, Karl; ENGELS, F. Cultura, arte e literatura: textos escolhidos, São Paulo:Editora Expressão
Popular, p.97. 2010
VERTOV, Dziga (Grupo). VENT D’EST. Grupo Dziga Vertov. França, Itália, Alemanha. 1969. 100
m., cor. 16 mm
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A FUNÇÃO DO EGITO NO PROJETO
IMPERIALISTA DOS ESTADOS UNIDOS
PARA O MUNDO ÁRABE: LINHAS GERAIS
Felipe Alexandre Silva de Souza
Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP/Marília), graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM) e bacharel em Comunicação Social - Habilitação: Jornalismo - pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL).
Resumo: Este trabalho pretende examinar em linhas gerais o papel geopolítico do Egito na
manutenção dos interesses econômicos, políticos e militares dos Estados Unidos no Oriente
Médio e no norte da África no período do governo de Hosni Mubarak, entre 1981 e 2011,
caracterizado pela grande proximidade estratégica entre Washington e o Cairo. Para isso, nos
baseamos na concepção leniniana de imperialismo que, a partir de Marx, analisa o modo de
produção capitalista como inerentemente expansionista, decorrendo daí que o imperialismo é
uma fase de desenvolvimento necessária e mais avançada do capitalismo. Demonstrado esse
processo, é possível compreender mais claramente por que os Estados Unidos precisam manter
o domínio sobre o Oriente Médio e o Norte da África e como o Egito é utilizado como estadosatélite para atingir esse objetivo.
Palavras-chave: Egito; Estados Unidos; Imperialismo; Oriente Médio.
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A FUNÇÃO DO EGITO NO PROJETO IMPERIALISTA DOS ESTADOS UNIDOS PARA O MUNDO ÁRABE: LINHAS GERAIS
INTRODUÇÃO: O IMPERIALISMO COMO RESULTADO NECESSÁRIO DO
DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO
Entender com alguma profundidade o papel geopolítico do Egito em relação ao imperialismo
dos Estados Unidos no Mundo Árabe1 requer, antes de tudo, que compreendamos o capitalismo
como um sistema inerentemente expansionista e concentrador de recursos e o imperialismo
como uma fase mais avançada de seu desenvolvimento. Esse será nosso ponto de partida.
A busca incessante pela produção e acumulação de mais-valia que rege o modo de
produção capitalista cria a necessidade crescente de mercados e impele os detentores dos meios
de produção a extrapolar suas atividades para além das fronteiras de seus países de origem.
A burguesia é obrigada a estabalecer vínculos de exploração em todos os lugares possíveis
(Marx e Engels, 2008), e por isso a expansão mundial das classes exploradoras dos países
desenvolvidos tem sido um dos movimentos históricos mais significativos dos últimos séculos.
Nas palavras de Marx (1985), o capital nasceu gotejando sangue e lama dos pés à
cabeça2. O período de acumulação primitiva de capital, que deu origem ao modo de produção
capitalista (consolidado no século XVI3), foi caracterizado pela separação violenta dos
trabalhadores de seus meios de produção e também pela ocupação, administração e exploração
europeia de outras áreas do mundo.
A descoberta das minas de ouro e prata da América, o extermínio das populações
indígenas, sua escravização ou seu enterramento nas minas, a conquista e o
começo da pilhagem das Índias Ocidentais, a transformação da África em um
vasto cercado onde se caçavam negros, tudo isso caracteriza a aurora da era da
produção capitalista. Esses procedimentos idílicos são os fatores importantes da
acumulação primitiva. (Marx, 1985, p.580)
Nesse processo, os conflitos comerciais entre as nações européias começaram a se
agravar, e as resoluções bélicas se tornaram cada vez mais frequentes, como na guerra dos
Países Baixos contra a Espanha (1581), a guerra da Inglaterra contra a França Jacobina (1793)
e as guerras inglesas contra a China em torno da comercialização de ópio (1840) (Marx, 1985).
1 Neste trabalho demos preferência ao termo “Mundo Árabe” por este ser geograficamente mais abrangente
que o termo “Oriente Médio”. Afinal, o Egito está no norte da África, não no Oriente Médio. Mas “Mundo
Árabe” também é um termo impreciso, uma vez que o Irã, localizado no Oriente Médio, é um país de maioria
persa, não árabe.
2 Neste trabalho são ressaltados os pontos negativos da expansão europeia e estado-unidense pelo mundo, mas
esse processo civilizador é inevitavelmente contraditório e também pode ser caracterizado como progresso,
pois leva aos países dominados, junto com a barbárie, o avanço das forças produtivas, e extingue algumas
relações sociais mais atrasadas, criando (obviamente, de forma não intencional) condições objetivas mais
propícias para que os povos subordinados possam se emancipar. Para mais detalhes sobre essa contradição,
ver artigo publicado por Karl Marx no New York Daily em junho de 1853, intitulado “A dominação britânica
na Índia”.
3 “Ainda que as primeiras manifestações da produção capitalista se dêem já, aqui ou ali, nos séculos XIV
e XV, em algumas cidades do Mediterrâneo, a era capitalista só data, de fato, do século XVI. Por toda parte
onde se instala o capitalismo, a servidão já tinha sido abolida há muito tempo, e a Idade Média, cujo fasto
fora marcado pelas cidades soberanas, já estava empalidecendo.” (Marx, 1985, p.570)
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FELIPE ALEXANDRE SILVA DE SOUZA
Em 1648, com o objetivo de evitar esses conflitos e criar certo equilíbrio político na Europa,
as principais nações assinam o Tratado de Westfalia, segundo o qual não haveria qualquer tipo
de autoridade acima dos estados integrantes do sistema político internacional (Arrighi, 2010).
Mas, na prática, o Tratado não impediu a ascensão da Holanda como país dominante e centro
de acumulação capitalista.
A história da colonização holandesa no século XVIII — era a Holanda o modelo
da nação capitalista — desenrola um quadro incomparável de traições, de
corrupção, de assassinatos e ignomínia. Para se apoderar de Malaca, os holandeses
corromperam o governador português, que lhes abriu as portas em 1641. Em
seguida, correram à sua casa e o mataram para não lhe pagar a soma de 21.875
libras esterlinas, que fora o preço de sua traição. Por toda parte a devastação e o
despovoamento seguiram seus passos. Em 1750, Banjuwangi, província de Java,
contava com mais de 80.000 habitantes. Em 1811 esse número caíra para 8.000.
(Marx, 1985, p.583)
No final do século XVIII, a Holanda entrou em declínio e o Tratado de Westfalia se
tornou obsoleto com a ascensão da Inglaterra, que graças à Revolução Industrial alcançou o posto
de nação dominante. O Império Britânico em seu apogeu ocupou militarmente e administrava
cerca de quarta parte da superfície terrestre (Hobsbawm, 2007). Durante o domínio inglês,
especialmente a partir da década de 1870, o desenvolvimento da economia mundial passou por
alterações significativas, marcando, segundo Lênin (2012), a passagem do capitalismo de sua
fase pré-monopolista de livre concorrência para seu estágio monopolista e imperialista, na qual
há a predominância dos monopólios, da exportação de capitais e da competição intercapitalista
em níveis interestatais. Examinemos brevemente as principais características do capitalismo
monopolista imperialista.
A) A concentração da produção e do capital em nível elevado, resultando na formação
de monopólios. “O enorme aumento da indústria e o processo notavelmente rápido de
concentração da produção em empresas cada vez maiores constituem uma das particularidades
mais características do capitalismo (Lênin, 2012, p.37).” Ao analisar os países centrais europeus
e os Estados Unidos, Lênin constatou que um número cada vez maior de empresas controla
parcelas cada vez maiores do comércio e do emprego maquinário, matérias primas4 e mão de
obra5. Na década de 1870 os cartéis começam a se desenvolver, e, a partir de 1900, passam a
ser a base de toda a vida econômica (Lênin, 2012). “Os cartéis estabelecem entre si acordos
sobre as condições de venda, os prazos de pagamento etc. Repartem os mercados de venda.
Fixam a quantidade de produtos a fabricar. Estabelecem os preços. Distribuem os lucros entre
4 Maquinário e matéria prima constituem, para o burguês, o capital constante: são elementos que não geram
mais-valia, apenas transferem seu valor para o produto final (Marx, 1985).
5 Mão de obra, ou força de trabalho, constitui o capital variável, que gera a mais-valia apropriada pelo burguês.
Durante determinado período da jornada de trabalho, o proletário trabalha para gerar o valor correspondente
àquilo que será seu salário (calculado com base no custo dos recursos necessários para a manutenção da força
de trabalho: comida, moradia, vestuário etc); no restante da jornada, ele trabalha gratuitamente, produzindo
um valor excedente que será apropriado por seu patrão (Marx, 1985).
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A FUNÇÃO DO EGITO NO PROJETO IMPERIALISTA DOS ESTADOS UNIDOS PARA O MUNDO ÁRABE: LINHAS GERAIS
as diferentes empresas etc. (Lênin, 2012, p.44).”
B) A fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação do capital financeiro.
A tarefa básica dos bancos é a de mediar pagamentos, reunindo rendimentos em dinheiro e os
colocando à disposição do capitalista (Lênin, 2012). Mas, quando os bancos se desenvolvem e
passam pelo processo de monopolização, tornam-se forças poderosas que dispõem de grande
parte do capital da burguesia e pequena-burguesia (Lênin, 2012). Na medida em que os bancos
fazem operações monetárias isoladas para a burguesia industrial, isso não afeta a independência
do empresário. Porém,
se essas operações se tornam cada vez mais freqüentes e mais sólidas, se o banco
“reúne” nas suas mãos capitais imensos, se as contas correntes de uma empresa
permitem ao banco — e é assim que acontece — conhecer, de modo cada vez
mais pormenorizado e completo, a situação econômica de seu cliente, o resultado
é uma dependência cada vez mais completa do capitalista industrial em relação ao
banco (Lênin, 2012, p.68).
Desse modo, ocorre a união dos bancos com as maiores empresas industriais, “a fusão
de uns com as outras mediante a aquisição das ações, mediante a participação dos diretores
dos bancos nos conselhos de supervisão (ou de administração) das empresas industriais e
comerciais, e vice-versa (Lênin, 2012, p.68)”.
C) A exportação de capitais passa a adquirir uma importância cada vez maior. Com a
formação dos monopólios, a união entre bancos e indústrias e a intensificação da concentração
de capital, um dos resultados é o excedente de capitais nos países avançados. Não há mais espaço
para a aplicação dos excedentes dentro das fronteiras nacionais — e, se o capital não é aplicado,
não gera lucro6. Portanto, a burguesia deve procurar outras fontes de investimento nos países
pobres, onde as chances de extrair lucros maiores são grandes, já que nesses países o preço
das terras, força de trabalho e matéria prima são baixos e os capitais, escassos (Lênin, 2012).
“A necessidade da exportação de capitais se deve ao fato de o capitalismo ‘ter amadurecido
excessivamente’ em alguns países, e o capital [...] carecer de campo [em seu país de origem]
para a sua colocação ‘lucrativa’ (Lênin, 2012, p.94).”
D) A formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que
partilham o mundo entre si. As organizações capitalistas (trustes, carteis, conglomerados etc)
partilham o mercado interno entre si. Porém, no capitalismo, o mercado interno é inevitavelmente
conectado ao externo e, à medida que a exportação de capitais aumenta, junto com a relação
entre os países desenvolvidos e os menos desenvolvidos, também aumenta a influência das
6 “Naturalmente, se o capitalismo pudesse [...] elevar o nível de vida das massas populares, que continuam
marcadas—apesar do vertiginoso progresso da técnica—por uma vida de subalimentação e de miséria, não
haveria motivo para falar de um excedente de capital. Esse é o ‘argumento’ que os críticos pequeno-burgueses
do capitalismo se esgrimem sem parar. Mas o capitalismo deixaria de ser capitalismo, pois o desenvolvimento
desigual e a subalimentação das massas são as condições e as premissas básicas e inevitáveis deste modo de
produção. Enquanto o capitalismo for capitalismo, o excedente de capital não é consagrado à elevação do
nível de vida das massas do país, pois isso significaria a diminuição dos lucros dos capitalistas [...].” (Lênin,
2012, p.94)
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FELIPE ALEXANDRE SILVA DE SOUZA
associações monopolistas, e “a marcha ‘natural’ das coisas levou a um acordo universal entre
elas, à construção dos carteis internacionais (Lênin, 2012, p.99)”.
E) A partilha territorial do mundo entre as principais potências capitalistas se
completa, e “o mundo encontra-se completamente repartido, de tal modo que, no futuro,
somente novas partilhas serão possíveis, ou seja, a passagem de territórios de um ‘proprietário’
para outro, e não a passagem de um território sem proprietário para um ‘dono’” (Lênin, 2012,
p.110). A Inglaterra intensificou suas conquistas coloniais entre 1860 e 1890, e a França e a
Alemanha entre 1880 e 1900 — exatamente no período da passagem do capitalismo para seu
estágio monopolista (Lênin, 2012). “Em fins do século XIX, sobretudo a partir da década de
1880, todos os Estados capitalistas se esforçaram por adquirir colônias, o que constitui um fato
universalmente conhecido da história da diplomacia e da política externa” (Lênin, 2012, p.111).
As áreas de influência são fontes potenciais para suprir a necessidade de matérias-primas,
mercado consumidor e alvos para exportação de capitais.
O capital financeiro não está interessado apenas nas fontes de matérias-primas já
descobertas, mas também em fontes em potencial, pois, nos nossos dias, a técnica
avança com uma rapidez incrível, e as terras não aproveitáveis hoje podem tornarse terras úteis amanhã, se forem descobertos novos métodos (para tal fim, um
grande banco pode enviar uma expedição especial de engenheiros, agrônomos
etc.), se forem investidos grandes capitais. O mesmo accontece com a exploração
de riquezas minerais, com os novos métodos de elaboração e utilização de tais ou
tais matérias-primas etc etc. Daí a tendência inevitável do capital financeiro em
ampliar o seu território econômico e até o seu território em geral. (Lênin, 2012,
pp.117/118)
Enfim, o imperialismo pode ser definido sucintamente como o estágio monopolista do
capitalismo: o capital financeiro (capital bancário unido ao capital industrial) se intensificando
nos países desenvolvidos e se expandindo sobre as regiões do globo que ainda não estavam
definitivamente sob relações capitalistas (Lênin, 2012).
O IMPERIALISMO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E SUAS AÇÕES NO
MUNDO ÁRABE
Na década de 1870, enquanto a Inglaterra aprofundava sua dominação sobre o planeta,
começaram a crescer dois países capazes de ameaçar a posição britânica: a Alemanha e —
principalmente — os Estados Unidos (Arrighi, 2010). Os EUA experimentaram um notável
surto de desenvolvimento após a Guerra da Secessão (1861-1865) (Harvey, 2013), e no
início do século XX já detinham incontroverso poder, expressado pela influência global de
seus trustes, como os bancos de Morgan e Rockefeller, a gigantesca indústria elétrica General
Eletric e o conglomerado petrolífero Standard Oil Company (Lênin, 2012). Nesse período, o
desenvolvimento do capitalismo em sua fase imperialista elevou as disputas e contradições
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A FUNÇÃO DO EGITO NO PROJETO IMPERIALISTA DOS ESTADOS UNIDOS PARA O MUNDO ÁRABE: LINHAS GERAIS
inter-imperialistas, que se acirravam desde a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e a Partilha
da África na Conferência de Berlim (1884-1885). O resultado, além de uma tensão política
internacional sem precedentes, foi uma crise global de superprodução, e a resolução encontrada
pelas potências foi a deflagração de duas guerras mundiais (Harvey, 2013). Depois de 1945,
com a Grã Bretanha enfraquecida pelos conflitos, os EUA definitivamente assumiram o posto
de potência dominante. De 1945 a 1973, a economia mundial saiu da crise e experimentou
grande desenvolvimento nos países centrais, baseado na organização fordista de produção,
no welfare state, nas políticas keynesianas (Harvey, 2012) e no crescente complexo militarindustrial dos EUA (Mészáros, 2002). Durante essa “Era de Ouro” (Hobsbawm, 1995), os EUA
foram “líderes na tecnologia e na produção. O dólar (apoiado por boa parte do estoque de ouro
do mundo) reinava supremo, e o aparato militar do país era bem superior a qualquer outro. Seu
único oponente digno de nota era a União Soviética (Harvey, 2013, p.48)”.
Segundo Arrighi (2010), os Estados Unidos são herdeiros diretos do imperialismo
britânico. Mas o modus operandi não é o mesmo. Como lembra Halliday (2011), embora os
EUA tenham interesses imperiais, nunca foram um império formal, e sua única colônia oficial
foram as Filipinas (1898-1946). Os Estados Unidos exercem sua dominação primariamente por
meio de um sistema de mercados e de empresas transnacionais (Arrighi, 2010) — ressaltando
ainda mais a importância dos monopólios apontada por Lênin — e de países dependentes e
satélites (Hobsbawm, 2007).
A preponderância das empresas transnacionais no domínio global estado-unidense
determina, em última instância, a política externa dos Estados Unidos. As relações internacionais
se desenvolvem no sistema inter-estatal, mas no estudo dessas relações é freqüentemente
deixado de lado que o Estado — seja ele democrático ou ditatorial — é uma expressão das
contradições do modo de produção capitalista e um instrumento de dominação construído e
utilizado pela burguesia para manter sua exploração sobre as classes trabalhadoras (Lênin,
2013), e as contradições do capitalismo também se expressam nas relações internacionais. O
capital monopolista imperialista estado-unidense expande e aprofunda suas relações ao redor
do mundo apoiado pela força bélica7 do governo dos Estados Unidos, materializada em suas
Forças Armadas, serviços secretos e em dezenas de bases militares norte-americanas espalhadas
pelo mundo, muitas delas secretas, que “não existem para benefício das pessoas [...], mas para
benefício único do poder de ocupação, de forma a [...] dar condições e impor políticas que
melhor atendam aos [...] interesses [estado-unidenses]” (Mészáros, 2006, p. 55).
Depois da Segunda Guerra Mundial, o governo dos EUA, “dedicado ele mesmo à
acumulação ilimitada do capital, estava preparado para acumular o poder político e militar
capaz de defender e promover esse processo em todo o globo”. (Harvey, 2013, p.41) Na medida
7 É importante notar que o complexo industrial-militar que fornece a força bélica para os EUA (e muitos
ouros países) é parte fundamental do capital monopolista imperialista. A produção bélica do complexo
industrial-militar foi um dos fatores essenciais para que o capitalismo saísse de sua crise da primeira metade
do século XX, porque as compras massivas de armamentos por parte do governo dos EUA e de outros estados
nacionais permitiram a continuidade da produção de mais-valia e proporcionaram um destino para o capital
excedente. Para mais detalhes, ver Mészáros (2002).
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em que a acumulação se intensificou, a já mencionada necessidade de grandes quantidades de
matéria-prima pelos monopólios da fase imperialista também aumentou.
Esses monopólios adquirem a máxima solidez quando reúnem nas suas mãos todas
as fontes de matérias primas, e [...] as associações internacionais de capitalistas
se esforçam para retirar do adversário toda a possibilidade de concorrência para
adquirir, por exemplo, as terras que contêm minério de ferro, campos de petróleo
etc. [...] Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se
torna a falta de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de
fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta por
aquisição de colônias (Lênin, 2012, p.116).
Por isso, a carência de matérias-primas foi a força motriz de grande parte dos conflitos
bélicos iniciados pelos EUA ou em que estes se envolveram, embora outros fatores sempre
estivessem presentes, tais como o anticomunismo durante a Guerra Fria.
Na década de 1950, os Estados Unidos estavam importando 48% de seu suprimento
total de metais, comparado a 5% na década de 1920, e a saúde de sua economia
dependia em suprimentos do Terceiro Mundo. A dependência em matéria-prima
também era significativa. Como resultado da Guerra da Coreia, o preço mundial de
todos os metais aumentou 39% de 1950 a 1952, e com isso cresceu a consciência
de Washington a respeito da importância vital do Terceiro Mundo. Manganês,
níquel e estanho são a base da indústria de aço moderna, e em 1960 os EUA
escolheram auxiliar os franceses na Indochina para impedir que todo o sudeste
asiático caísse como dominós e as “grandes fontes de certas matérias primas”
fossem suspensas. “Eu não acredito que este país possa sobreviver”. W. Averell
Harriman, um dos homens mais influentes da era do pós-guerra, alertou um comitê
do Senado no início de 1952, “se as fontes de matérias-primas estiverem nas
mãos de povos hostis que estão determinados a nos destruir”. Essa necessidade
exigiu cada vez mais que os Estados Unidos usassem seus recursos encobertos e
declarados para regular as relações de estados espalhados por vastas distâncias —
um processo que sempre traz o perigo de conflito e guerra uma vez que as tropas
e equipamentos dos EUA entram em cena (Kolko, 2006, p.10, tradução nossa).
Mas o setor da produção capitalista mais sensível hoje em dia é o energético. Atualmente
os Estados Unidos são casa de 4% da população mundial e consomem cerca de 25% dos
recursos energéticos disponíveis no planeta. (Mészáros, 2006), e tudo indica que a situação
tende a se tornar mais crítica no futuro. Segundo Kolko (2006), na década de 1970 os EUA
produziam 69% do petróleo que consumiam, e em 1996 a porcentagem caiu para 38%. A região
do Golfo Pérsico forneceu 8,8% das importações de petróleo aos EUA em 1983 e 22,1% em
2000. Projeções oficiais estimam que a produção doméstica de petróleo nos EUA permanecerá
estável até 2020 enquanto o consumo saltará de 18,9 para 25,8 milhões de barris diários, e a
competição mundial pelas importações está se intensificando cada vez mais (Kolko, 2006).
Desta vez o senso comum está certo: grande parte dos conflitos no Oriente Médio gira em
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A FUNÇÃO DO EGITO NO PROJETO IMPERIALISTA DOS ESTADOS UNIDOS PARA O MUNDO ÁRABE: LINHAS GERAIS
torno do fornecimento de petróleo. “Quem controlar o Oriente Médio controlará a torneira
global do petróleo, e quem controlar o Oriente Médio poderá controlar a economia global, pelo
menos no futuro próximo (Harvey, 2013, p.25).” Por isso devemos “considerar a importância
e a condição geopolítica do Oriente Médio como um todo em relação ao capitalismo global. E
isso é afirmado na retórica oficial [dos EUA]”. (Harvey, 2013, p.25)
O Oriente Médio foi parte do Império Turco-Otomano do século XVI até o final da
Primeira Guerra Mundial, mas imperialismo europeu começou a adentrar o Mundo Árabe muito
antes do fim da administração Otomana, já na metade final do século XIX, em um movimento
que foi resultado do grande desenvolvimento do capitalismo na Europa.
Os capitais excedentes da Europa, que o poder afirmativo da classe capitalista
impedia crescentemente de encontrar usos internos, foram levados à força para
o exterior a fim de mergulhar o mundo numa imensa onda de investimento e
comércio especulativos, em particular a partir de 1870 ou perto disso. [...] A
necessidade de proteger esses empreendimentos externos, e mesmo de regular
seus excessos, pressionou os Estados a responder a essa lógica capitalista
expansionista. (Harvey, 2013, p.44)
Em 1918, com o fim da Primeira Guerra Mundial, o Império Turco-Otomano se
esfacelou, e os imperialismos britânico e francês efetivaram sua dominação sobre o Oriente
Médio. As ingerências foram profundas a ponto de terem sido a gênese do mapa político da
região: os estados nacionais árabes são, em grande parte, resultado do Tratado de Versailles
depois da Primeira Guerra Mundial. O acordo traiu os interesses dos nacionalistas árabes, que
auxiliaram a Inglaterra e a França na derrota dos otomanos, e impôs uma configuração de
Estados que refletia os interesses imperiais britânicos e franceses (Harvey, 2013, p.25). Mas
a Inglaterra saíra muito debilitada da Primeira Guerra Mundial e seu declínio em relação aos
Estados Unidos era evidente. Nesse meio tempo, a importância do petróleo para as potências
cresceu, atraindo a atenção dos EUA para o Oriente Médio. A partir de 1920 o petróleo se tornou
o fator mais importante nos cálculos das potências em relação às ações na região (Kolko, 2006).
Após a Segunda Guerra Mundial, os EUA se consolidaram como poder dominante, mas
quem ainda dominava militarmente o Mundo Árabe era a enfraquecida Inglaterra. O governo
dos EUA não queria acelerar o enfraquecimento da Inglaterra, afinal, os ingleses eram os aliados
econômicos, políticos e ideológicos mais próximos, e, além disso, os EUA haviam emprestado
uma grande quantia em dinheiro à Coroa Britânica em 1945, como forma de barrar a influência
soviética (Kolko, 2006). Mas a burguesia estado-unidense necessitava de um controle muito
maior sobre as reservas de petróleo do Oriente Médio. A administração Truman desejava que
a Inglaterra mantivesse a dominação militar na região, porque caso contrário isso teria de ser
feito pelos EUA, o que seria muito dispendioso. Porém, a crescente necessidade das reservas e
a pressão do lobby dos trustes de petróleo falaram mais alto e os EUA utilizaram vários meios
para acelerar a saída da Inglaterra (Kolko, 2006).
Em seguida, os Estados Unidos iniciaram uma série de operações declaradas e secretas na
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região, começando em 1953, quando a CIA auxiliou na derrubada do governo democraticamente
eleito de Mohamed Mossadegh, no Irã, e em seu lugar instaurou a ditadura sanguinária do Xá
Reza Palev e sua polícia secreta, a SAVAK. A manipulação estado-unidense da política árabe é
de evidente sucesso: entre 1940 e 1967, as empresas estado-unidenses aumentaram o controle
das reservas de petróleo do Oriente Médio de 10% até chegar aos 67%, ao mesmo tempo em
que as reservas britânicas caíram de 72% para 30% na mesma época (Harvey, 2013). Ou seja:
a partir da segunda metade do século XX, o Oriente Médio se tornou o ponto nevrálgico das
ações do capitalismo imperialista monopolista dos Estados Unidos.
Porém, um porto seguro, um aliado estável e confiável era essencial para a manutenção
do poder estado-unidense na região, e Israel aos poucos se mostrou o candidato perfeito. Em
1948, após a criação do Estado de Israel e a chamada “guerra de independência” do estado
sionista, que resultou no massacre e expulsão de centenas de milhares de palestinos da Palestina,
as Forças Armadas estado-unidenses consideraram Israel uma potência militar na região, com
a qual uma aliança seria muito útil para os interesses dos EUA no Oriente Médio. Na década
de 1950 o governo dos EUA consideravam Israel e o Irã do Xá os “patrulheiros da região”,
e em 1958 o Conselho de Segurança Nacional dos EUA avaliou que era necessário apoiar
Israel para criar uma barreira contra o crescente nacionalismo árabe, que poderia escapar ao
controle estado-unidense e deslocar a região para a esfera de influência da URSS (Chomsky,
2003). Aos poucos, a aliança EUA-Israel se constituiu em uma das bases para o domínio dos
EUA sobre a região (Chomsky, 2003). Depois da Guerra dos Seis Dias (junho de 1967) a
ajuda militar estado-unidense a Israel aumentou enormemente, fazendo do estado sionista um
agente poder dos EUA no Mundo Árabe (Kolko, 2006). Proteger Israel e manter o suprimento
de petróleo se tornaram os dois objetivos principais dos Estados Unidos na região (Halliday,
2012). Esses dados serão importantes para mais adiante compreendermos o papel do Egito
nessa configuração geopolítica.
O EGITO: TRAJETÓRIA GEOPOLÍTICA
A história das ingerências imperiais na região que hoje é o Egito começa em 30 a.C., quando a
última rainha do reino helenista Ptolomaico, Cleópatra, foi derrotada pelo imperador romano
Augusto Otaviano, cujas legiões invadiram Alexandria e transformaram a região em um
protetorado do Império Romano. Nos próximos séculos, os egípcios enfrentaram as invasões
dos bizantinos, dos persas, dos exércitos islâmicos do profeta Mohamed, e, no século XVI, do
Império Turco Otomano. Os otomanos mantiveram o Egito como uma província semiautônoma
de 1517 a 1867 (com a exceção do período de ocupação napoleônica entre 1798 e 1801) e depois
como estado otomano autônomo de 1867 a 1914. Depois dessa data o Egito se transformou em
um protetorado britânico.
Mas a burguesia europeia começou a adentrar o Egito ainda na época otomana, sob
a forma de investimentos franceses. Na década de 1850, o governo da França concebeu o
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A FUNÇÃO DO EGITO NO PROJETO IMPERIALISTA DOS ESTADOS UNIDOS PARA O MUNDO ÁRABE: LINHAS GERAIS
projeto do Canal de Suez, para ligar o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho e facilitar as rotas
comerciais. A construção, levada a cabo com capital francês e egípcio (e mão de obra egípcia),
durou 10 anos e foi concluída em 1869. O Império Britânico também passou a investir no Egito
nessa época, especialmente em campos de algodão. Por meio de várias negociações comerciais
vantajosas para a Inglaterra, esta acabou endividando o Egito, que para pagar parte do que
devia, entregou suas ações do Canal à Grã Bretanha, que via nessa construção uma ferramenta
fundamental para a manutenção de seu Império, com potencial para auxiliar o comércio marítimo
britânico e melhor proteger, através da construção de bases militares na região, os domínios no
subcontinente asiático (Hourani, 2004).
A transferência de recursos do Egito para a Europa causou uma queda na qualidade
de vida geral da população, resultando em revoltas, instabilidade e no surgimento de grupos
nacionalistas. França e Grã Bretanha, preocupadas com o prejuízo potencial dessas insurgências,
passaram a intervir cada vez mais nos assuntos egípcios, inicialmente de forma diplomática e
depois por meio da força, culminando no ataque e ocupação militar do país pela Inglaterra em
1882. A partir daí os britânicos virtualmente governaram o Egito8, mesmo que a dominação não
fosse expressa formalmente (Hourani, 1994).
Na Segunda Guerra Mundial, vários movimentos organizados, que aproveitaram o
declínio britânico para contestar a condição de protetorado imposta a seu país. A presença
britânica no Egito, materializada no controle da zona do Canal e na propriedade legal anglofrancesa do próprio Canal, era cada vez menos tolerada (Halliday, 2012). O exército egípcio
tomou o poder em julho de 1952 e proclamou a república, sob o comando do coronel Gamal
Abdel Nasser. A partir daí o Egito tornou-se palco de um processo de radicalização política que
afetaria todo o Oriente Médio e viria a inserir definitivamente a região na Guerra Fria.
Nasser nacionalizou o Canal de Suez em 1956. Inglaterra e França reagiram atacando o
Egito com auxílio israelense e bombardeando o Cairo. Temendo a escalada do conflito, EUA e
URSS, que já há algum tempo tentavam atrair o Egito para suas respectivas áreas de influência,
intervieram e ordenaram que os países agressores cessassem os ataques. A nacionalização
foi bem sucedida e Nasser se tornou uma figura popular e um líder do nacionalismo árabe,
colocando seu país na vanguarda da busca árabe por liberdade e unidade em uma grande nação
independente do colonialismo, porém com inegável influência soviética.
O prestígio de Nasser começou a fraquejar depois da humilhante derrota na Guerra
dos Seis Dias, em junho de 1967, quando diversas questões pendentes culminaram em um
conflito entre vários países árabes e Israel. O Egito e seus aliados sofreram significativas perdas
territoriais. O país foi tomado por forte sentimento de revanchismo, e quando Nasser morreu, em
1970, foi sucedido por Anwir al Sadat, que ficou a cargo da desforra na Guerra do Yom Kipur.
Em outubro de 1973, o Egito e a Síria atacaram as forças israelenses. Os países árabes levaram
vantagem no início, mas rapidamente os EUA enviaram carregamentos de armas para Israel e a
situação foi revertida. Sem interesse pelo prolongamento da guerra, EUA e URSS intervieram
8 Ainda que, lembremos, o domínio ainda fosse oficialmente dos turcos-otomanos.
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em Israel e no Egito, respectivamente, levando a um equilíbrio de forças e ao acordo de cessarfogo (Hourani, 1994). Em retaliação à ajuda dos EUA ao estado sionista, a Organização de
Países Exportadores de Petróleo (Opep), composta majoritariamente de países árabes, sustou as
remessas de petróleo para os países ocidentais, agravando a situação da economia mundial, que
adentrava uma grande crise de superprodução (Harvey, 2012, Mészáros, 2002).
No Egito, a crise rebaixou as condições de vida da população, o que por sua vez retirou
credibilidade interna que Sadat angariou depois da Guerra do Yom Kipur. A partir do cessar-fogo,
o Egito passou a se alinhar progressivamente aos interesses estadunidenses. O plano de Sadat era,
a priori, acabar pragmaticamente com uma sequência de guerras que, segundo ele acreditava,
os árabes não tinham chances de vencer (Hourani, 1994). Mas também havia um objetivo mais
amplo: uma vez consolidada a paz com Israel, o Egito tinha potencial para se tornar um grande
aliado dos Estados Unidos, “com todas as consequências que disso poderiam resultar, tanto em
apoio econômico quanto numa atitude americana mais favorável para as reivindicações dos
árabes palestinos (Hourani, 1994, p.419)”. A URSS foi paulatinamente afastada do Egito, seu
lugar foi substituído pelos EUA e uma das consequências foi o alinhamento egípcio com os
israelenses. Isso abalou o prestígio de Sadat entre grande parte da população, entre setores do
exército, que o consideravam um traidor da pátria.
A consolidação do alinhamento pró-ocidental egípcio foi em 1979, quando Sadat e o
premier israelense Menachem Begin assinaram, mediados por Jimmy Carter, o famoso acordo
de paz de Camp David, em setembro de 1978, entre seus respectivos países. O tratado destruiu
o que restava da popularidade de Sadat. Em outubro de 1981, Sadat foi assassinado durante uma
parada militar por soldados dissidentes. Seu sucessor, Hosni Mubarak, não alterou as linhas
políticas principais que estavam em curso.
O governo Mubarak foi marcado pelo constante estado policial justificado pelos
embates entre as autoridades e grupos islâmicos de oposição (Sharp, 2009)
e também pelo progressivo desmonte das estruturas de amparo social — em
especial acesso à moradia, educação, saúde e empregos estáveis no setor público
— construídas durante o período de Nasser (Kandil, 2011). No início do século
XXI, o desmonte estava quase completo, e o Partido Democrático Nacional, base
política de Mubarak, teve seus cargos ocupados por membros da alta burguesia
egípcia e intelectuais neoliberais (Kandil, 2011).
Em 2005, as taxas para os grandes industriais foram cortadas pela metade e os impostos
para a população em geral aumentaram vertiginosamente (Kandil, 2011). Em 2008 houve
uma disparada no preço dos alimentos, que se somou como fator de descontentamento e foi o
estopim de várias manifestações. A escalada nas tensões continuou no início de 2011, quando
terroristas islâmicos realizaram um atentado contra uma igreja católica no Cairo, elevando a
repressão estatal. Os egípcios se insurgiram, contando com a participação de vários segmentos
da população, inclusive da classe operária fabril9, especialmente em Alexandria, em cuja
9 Apesar da repressão exercida pelo governo Mubarak, a classe operária egípcia foi relativamente ativa:
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A FUNÇÃO DO EGITO NO PROJETO IMPERIALISTA DOS ESTADOS UNIDOS PARA O MUNDO ÁRABE: LINHAS GERAIS
periferia estão instaladas muitas fábricas de grande porte (Kandil, 2011). Revoltas semelhantes
estavam acontecendo em países da região, e o Egito acabou adentrando esse contexto e se
tornou o país principal do processo que viria a ser conhecido como Primavera Árabe. Em 11 de
fevereiro de 2011, Mubarak foi obrigado a renunciar, e o governo do país foi provisoriamente
administrado por uma junta militar até junho de 2012, quando Mohamed Mursi, membro da
organização fundamentalista Irmandade Muçulmana, foi eleito como presidente. O governo de
Mursi não foi popular e suas medidas baseadas em tradições islâmicas revoltaram grande parte
da população, que apoiou a deposição de Mursi pelo Exército Egípcio em junho de 2013. Em
outubro de 2013, a instabilidade social no Egito continua.
O PAPEL DO EGITO COMO ESTADO-SATÉLITE DOS EUA (1981-2011)
O governo de Hosni Mubarak estreitou relações com os Estados Unidos, que proporcionaram
constante ajuda econômica e militar (Hourani, 1994). O Egito, depois dos acordos de Camp
David, se tornou o segundo maior destino de auxílio econômico dos EUA depois de Israel
(Sharp, 2009). Além da ajuda econômica, as relações comerciais entre os dois países são
significativas: o Egito é um dos maiores mercados para trigo americano e um grande importador
de equipamentos agrícolas; além disso, os EUA são o segundo maior investidor estrangeiro no
Egito, principalmente no setor de óleo e gás (Sharp, 2009).
O eixo principal das relações EUA-Egito é a estratégia militar. Levando em conta que um
dos principais objetivos dos Estados Unidos no Oriente Médio é a proteção de Israel, o acordo
de paz entre Cairo e Tel Aviv transformou o Egito em um satélite estado-unidense fundamental.
O fato de o Egito fazer fronteira com Israel confere proteção ao estado sionista e proporciona
aos Estados Unidos fácil acesso ao Oriente Médio, facilitando a manutenção do fornecimento
de petróleo, cujo transporte depende em grande parte da passagem pelo Canal de Suez. Além
disso, o Egito foi considerado, pelo menos até 2011, um agente moderador e promotor da
estabilidade na região — em várias ocasiões, Mubarak e seu vice, Omar Suleiman, serviram
como mediadores nas negociações entre israelenses e palestinos (Sharp, 2009).
Durante a administração de George W. Bush (2001-2008) começaram alguns atritos
entre os dois países, em grande parte devido à recusa por parte do Egito em apoiar as invasões
estadunidenses no Afeganistão (2001) e Iraque (2003), e pelo fato de Mubarak ter começado a
quatro dias antes da queda de Mubarak, houve greves no Cairo e em Alexandria. “[Essas greves] foram
comuns nos últimos anos: estima-se que cerca de dois milhões de trabalhadores se envolveram em algum
tipo de atividade grevista ao longo da última década. Mas as greves foram, em sua grande maioria, apolíticas,
restritas a demandas de salário, resistência a demissões, pressão por aposentadorias; e elas foram estritamente
locais—nunca houve uma tentativa de qualquer ação industrial em escala nacional. Isso se deu em parte
porque a vigilância era tão rígida que os operários apenas organizaram greves com aqueles que eles
conheciam e confiavam [...]. E, enquanto as demandas eram apenas por melhorias econômicas modestas,
o regime as tolerava.Mas uma vez que a insurreição começou, todas as greves adquiriram força política e
deram momentum para a revolta. Nos últimos dias antes da queda de Mubarak, lideres grevistas começaram
a clamar pela criação de uma confederação trabalhista nacional independente, em substituição aos sindicatosfantoche da ditadura.” (Kanzil, 2011, pp.24/5, tradução nossa)
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expressar opiniões mais independentes quanto à ocupação sionista na Palestina (Sharp, 2009). Ao
mesmo tempo, um dos principais estandartes ideológicos da Guerra ao Terror era a exportação
da democracia para o Oriente Médio. Nesse clima, Washington começou a pressionar o Cairo
por maior abertura política e mais respeito aos direitos humanos. O Congresso estado-unidense
começou a discutir a respeito da continuidade do auxílio ao Egito e, em 2008, parte do auxílio
militar foi temporariamente bloqueada (Sharp, 2009). No primeiro mandato de Barak Obama
(2008-2012) houve sinais de boa vontade das duas partes em amenizar a tensão. Em 2009 os
EUA liberaram para o Egito 1,3 bilhão de dólares em auxílio militar e 250 bilhões de dólares
em ajuda econômica10.
Desde a queda de Mubarak, os Estados Unidos agem de forma ambígua à crise social
e política egípcia, recusando-se a apoiar ou condenar explicitamente qualquer envolvido no
processo. No dia 09 de outubro de 2013, o governo estado-unidense anunciou que vai suspender
parte do acordo militar com o Egito. De um total de U$ 1,3 bilhão em envio anual ao país,
os EUA vão reter U$ 650 milhões. O motivo alegado são os casos de violência do exército
contra manifestantes. O bloqueio do dinheiro seria uma forma de pressionar por aberturas
democráticas11.
CONCLUSÃO
A sobrevivência da burguesia estado-unidense depende do controle do fluxo de petróleo do
Oriente Médio, e para esse objetivo ser atingido, é vital proteger seu aliado mais importante na
região, o Estado de Israel. E o Egito foi, especialmente durante o governo Mubarak, um aliado
fundamental para os Estados Unidos para o cumprimendo desses objetivos. Sua produção de
petróleo não é significativa, mas o Canal de Suez torna o país importante para o fluxo dos
carregamentos de combustível fóssil. Sua posição geográfica, fazendo fronteira com Israel, é
essencial para a proteção do Estado sionista, protegendo as fronteiras terrestres a sudoeste de
Israel e as fronteiras marítimas a oeste.
Além disso, o governo Mubarak agiu como mediador dos conflitos na região, ajudando
a evitar que a situação escapasse ao controle dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o território
egípcio serve de base para qualquer ataque que os Estados Unidos precisem lançar aos países
do Mundo Árabe. A parceria não se desenvolveu sem atritos, como mostraram as duas últimas
décadas, quando o governo Mubarak deu sinais de estar começando a seguir uma linha
independente dos EUA, dificultando o controle do Cairo por parte de Washington.
Porém, a forma ambígua com a qual o governo Obama vem tratando as insurreições
egípcias — mesmo nos momentos mais duros, Washington não ameaça cortar mais da metade
10 Os valores estão em documento divulgado pelo Wikileaks em 2009, intitulado “President Mubarak’s
visit to Washington”. Disponível em: http://www.wikileaks.ch/cable/2009/05/09CAIRO874.html. Acesso
em 23 de novembro de 2012.
11 Segundo reportado no site noticioso Opera Mundi: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/
noticias/31721/por+causa+de+violencia+eua+anunciam+suspensao+de+parte+de+acordo+militar+com+eg
ito.shtml Acesso em 09/10/2013, às 22h.
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A FUNÇÃO DO EGITO NO PROJETO IMPERIALISTA DOS ESTADOS UNIDOS PARA O MUNDO ÁRABE: LINHAS GERAIS
do auxílio militar do Cairo — é um termômetro da importância que o Egito ainda tem para
o capitalismo dos Estados Unidos. Os eventos ainda estão se desenrolando e por enquanto
é impossível fazer uma análise integral, mas o fenômeno que veio a ser conhecido como
Primavera Árabe tem uma importância que extrapola em muito as fronteiras do Oriente Médio.
O modo de produção capitalista como um todo passa por uma crise que, ao que tudo indica, terá
desdobramentos sem precedentes (Mészáros, 2002), e, portanto, o que ocorre em um dos pontos
nevrálgicos de ação do capital monopolista imperialista pode ter conseqüências devastadoras a
longo prazo. O Egito é o país de maior importância geopolítica dentre os incluídos na Primavera
Árabe, e, portanto, os processos históricos que protagoniza são mais importantes do que pode
parecer à primeira vista.
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BRASIL: CONSTITUIÇÃO E CONTINUAÇÃO
DO CAPITALISMO DEPENDENTE
Francieli Martins Batista
Licenciada em Ciências Sociais/UEM
Resumo: O presente texto traz apontamentos a cerca da formação capitalista brasileira a
partir do século XX com a constituição do padrão industrial no país. A formação do Brasil está
intimamente ligada à conjuntura internacional e diretrizes do capital mundial. Busca-se elucidar
algumas das relações estabelecidas com o capital externo, principalmente no campo econômico,
na formação industrial e no processo de financeirização. Assim como, a consequente condição
de dependência e subalternidade brasileira consolidada durante o século XX e aprofundando-se
nos dias atuais.
Palavras-chave: Brasil; Capitalismo dependente; Capitalismo financeiro; Neoliberalismo.
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FRANCIELI MARTINS BATISTA
INTRODUÇÃO
A formação histórica brasileira alcança novos patamares, no século XX, com a consolidação da
produção capitalista no país. Assiste-se ao desenvolvimento vertiginoso da indústria no Brasil
estabelecida até então de maneira débil, com pouca expressão na economia e sinaliza a passagem
do modelo agroexportador para o padrão industrial. O alavanque neste setor produtivo, assim
como a instalação do regime capitalista na produção interna não se deu de forma espontânea
ou enquanto continuidade do desenvolvimento econômico do país, uma vez que está ligado
mais as condições e conjunturas externas que se colocam pelo capitalismo em seu âmbito
mundial. Tais mudanças carregam o caráter particular de entificação do modo de produção
capitalista brasileiro, na medida em que não aconteceu pela “via – clássica” como também,
ocorre tardiamente confrontado aos países centrais que já se encontra em outras condições,
inclusive de subordinar o Brasil a seus interesses pela estrutura hegemônica consolidada.
É necessário voltar-se, mesmo que ligeiramente, a esta conjuntura mais ampla para
compreender em suas particularidades os prosseguimentos que acompanham e determinam o
desenvolvimento econômico do Brasil neste período e seus desdobramentos políticos, sociais
e econômicos posteriores que se conserva na formação social brasileira até os dias de hoje. De
forma, geral, é possível identificar o caráter dependente em que se consolida o capitalismo no
país e que tal condição é preservada e aprofundada ao longo de sua formação.
Enquanto formação econômico-histórico-social, o capitalismo emerge suas bases
sobre determinados fundamentos, contudo não em condições imutáveis a sua existência. O
limiar do século XX e mesmo o período que o precede é marcado de intensas mudanças no
sistema de produção capitalista que inaugurará uma fase “superior” do capital, o imperialismo.
Fenômeno emergente nos países em que o modo de produção capitalista já está amadurecido
- nos centros hegemônicos do capital -, caracteriza-se essencialmente pelo deslocamento
na forma de produção até então estabelecido, o competitivo. A produção passa a ter como
forma fundamental de acumulação a formação de monopólios. Estes, assinalam-se como
grandes empresas que reúnem alta concentração de capital e dominam ,em âmbito mundial, a
produção de um, ou diversos, produtos, bem como, todo o processo de produção. O monopólio
compõe-se pelo capital financeiro, predominante e dominante, no sistema capitalista, em que
se estabelece a fusão entre o capital industrial e o bancário, no qual os bancos já não exercem
mais apenas função de meros interlocutores de pagamentos, mas concentra em suas agências
o capital dos grandes monopólios e colocam estas empresas em condição dependente por seu
domínio financeiro. Este capital especulativo, fictício, agora, tem tanta força de imposição sobre
o sistema econômico no seu todo assim como era possível ver nos assuntos bancários: o setor
produtivo torna-se um grande oásis para deslocar os capitais ociosos.
Este novo padrão de acumulação volta-se a necessidade de internacionalização do
capital, pois a sua grande concentração exige que seja aplicado novamente para continuar se
valorizando expansivamente. Há então, a exportação massiva de capitais para o exterior como
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BRASIL: CONSTITUIÇÃO E CONTINUAÇÃO DO CAPITALISMO DEPENDENTE
forma de expansão e da produção a ser revertido em lucro. Esta exportação se faz tanto em
países sob domínio colonial como, em países que já tenham independência política, ou no caso
do Brasil, que continuam subordinados ao capital externo, agora sob a forma de dominação
imperialista. É importante ponderar que, mesmo que superado a forma tradicional do capitalismo
competitivo, esta condição não deixa de existir, no entanto, se apresenta em outros patamares,
nos quais os grandes monopólios disputam o domínio de determinadas esferas de produção
e de novos mercados e assim, exportação de capital ocorre, não apenas como forma de sua
expansão, mas garantia de domínio de produção em detrimento a um concorrente e de controle
das atividades econômicas mundial.
Na medida em que o imperialismo avança, a corrida por domínios de territórios estrangeiros
com riquezas disponíveis ou em potencial desenvolvimento se intensifica e coloca estes países,
sejam colônias ou “semi - independentes” em condição de dependência e subordinação aos
centros hegemônicos e seus respectivos interesses econômicos. Constitui-se uma espécie de
“parasitismo” em que tais monopólios adquirem seus lucros pelos valores produzidos nestes
países dependentes colocando o seu desenvolvimento aquém das necessidades internas e em
disposição as necessidades do imperialismo que suga a grande parcela de rendimentos. Neste
sentido, o imperialismo se direciona para a internacionalização e finaceirização do capital,
garantido sua inserção em várias formações sociais que se consolida durante todo o século
XX. Desde o pós – guerra se verifica que a internacionalização coloca-se pela necessidade da
integração de mercados e a livre circulação econômica mundial. Contudo, só a partir da década
de 1970 esta tese ganha força e respaldo político com a crise de superprodução sob os pilares
da política econômica Keynesiana. A partir disso, o Estado Intervencionista passa a ser alvo
de duras críticas e a retórica da liberalização econômica se impõe e começa a ser admitida e
implementada, a princípio, pelos países centrais e no limiar da década de 1990 se expande pelo
restante do globo, principalmente nas economias periféricas, como no Brasil.
DISCUSSÃO
Antes de adentrarmos neste processo mais contemporâneo, retomaremos a formação histórica
brasileira no marco capitalista. Como já foi apontado, o desenvolvimento deste modo de
produção esteve intrinsicamente atrelado a conjuntura mundial e ao capital externo, mas
com determinadas particulares por sua constituição tardia no país e pelo histórico colonial
que carrega. Por um lado, é necessário apreender as bases universais e essenciais em que se
assentam o mundo e neste caso, a partir do modo de produção capitalista, mas, é necessário
compreender as particularidades de cada formação social analisada e entender como universal
e particular se relacionam reciprocamente, como se integram estes dois momentos, mas cada
com relativa autonomia, como indica, Caio Prado Jr.
O Brasil emerge como colônia, marcado pelo trabalho escravo e com larga exploração
comercial voltada para exportação o que lhe confere um alto grau de conservadorismo
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mesmo com o fim da escravidão e mantém sua condição de dependência e subalternidade
ao capital internacional mesmo com o ganho “político” da independência e a constituição da
industrialização. Sob as condições postas pelo imperialismo, o Brasil, apesar de independente
politicamente, continua vinculado à produção colonial, pois está voltado às demandas externas
fundamentalmente, fato que certamente não atinge apenas o âmbito econômico, mas politico,
social e cultural. E não se restringe ao século passado, mas adentra o século XXI.
Os períodos de maior crescimento industrial estiveram atrelados, substancialmente, às
condições da conjuntura mundial em que se estabelecia o imperialismo e à presença do capital
financeiro que estimulava direta e indiretamente os setores produtivos. Certamente tal situação
colocou a economia brasileira sob bases muito frágeis e instáveis, criando o que Caio Prado Jr.
chama de “indústria fictícia”.
O primeiro grande surto de industrialização brasileira ocorre em meados da I Guerra
Mundial, no qual o Brasil passa a atender as demandas externas que, em grande parte, era na
solvência de produtos primários e incorporação da produção dos países que se encontravam
em guerra. Isto posto, tem-se um desenvolvimento considerável da produção manufatureira
que atende de forma restrita o mercado interno. Contudo, este surto não promove um
desenvolvimento industrial com bases internas, pois não houve acumulação de capital necessário
para investimentos contínuos na produção interna. O Brasil só volta a ter um crescimento
significativo com a II Guerra Mundial, sob as mesmas condições em que ocorreram no primeiro
momento, todavia o país já possui bases econômicas mais sólidas e consegue chegar a avanços
mais vultosos. Neste período entre Guerras, verifica-se o crescimento das subsidiárias de
monopólios que se instalam no país e ocupam função primordial na sua vida econômica.
Passado a conjuntura favorável da II Guerra Mundial, o Brasil volta as dificuldades
na produção industrial com desequilíbrios das contas externas e aumento de divida, inflação
e instabilidade financeira. Os problemas postos, expressam a forma de produção instalada no
Brasil - colonial - e mantida sob interesse imperialista na qual a produção não se desenvolve de
forma ordenada e em consonância com as demandas internas, mas, faz-se a partir de conjunturas
temporalmente favoráveis em que alguns setores se devolvem e outros ficam estagnados,
conforme a margem de lucratividade possível ao capital externo. Em alguma medida, o Brasil
avança em sua produção industrial, contudo não consegue abarcar o desenvolvimento que o
país carece e fica atrelado a dependência imposta pelas hegemonias imperialistas.
As associações capitalistas centralizam para si tanto os lucros, como as forças produtivas
que possibilitam a manutenção e o contínuo desenvolvimento industrial, principalmente as
tecnologias, que são elementos essenciais a existência do capitalismo moderno e dão suporte a
sua produção. Tais recursos são produzidos e controlados pelos centros do capital e para os países
periféricos resta apenas a transferência do recurso. Ou seja, a possibilidade de desenvolvimento
industrial autônomo está assegurado nas mãos dos grandes capitalistas, aos quais, o interesse é
justamente manter a maior parcela de países sob seu domínio, de modo que a produção nestes
países não vão em direção à economia nacional, mas justamente os mantenha dependentes
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BRASIL: CONSTITUIÇÃO E CONTINUAÇÃO DO CAPITALISMO DEPENDENTE
do mercado externo. A internacionalização e exportação de capitais não garante as mesmas
condições de competitividade e investimento entre os países centrais e periféricos.
“A questão central nessa discussão refere-se a notar que os países desenvolvidos
não somente exploram suas vantagens comparativas em relação aos países
desenvolvimento, mas também controlam os mecanismos competitivos, visto
que, são detentores da tecnologia avançada, alta produtividade e capacidade de
desterritorialização da rede produtiva, que reduz custos e facilita a comercialização
e distribuição de mercadorias e ou produtos.” (MATHIAS, 2011, p. 72.).
Mesmo com uma economia dependente de investimentos externos, o Brasil, adota
um padrão de desenvolvimento-nacional que não deixa de seguir as diretrizes econômicas
mundiais, pois em grande parte do século XX, foi predominante as teses Keynesianas em favor
as formações nacionais, as garantias sociais e pleno emprego. No caso dos países centrais,
institui-se o Estado de Bem-Estar-Social e nos países em desenvolvimento, como no caso do
Brasil, não houve garantias e avanços sociais para as classes populares, se manteve o caráter
conservador desta formação através de um Estado intervencionista, centralizador e autoritário
que se atrelou ao fortalecimento da produção nacional, mas sob duras consequências a grande
parte da sociedade que enfrentou altas taxas de inflação, desemprego e foi excluída dos processos
políticos.
É preciso ponderar que, para além os momentâneos progressos da produção industrial
e capitalista viu –se consequências drásticas para grande parte da população brasileira. Este
progresso é acompanhado de uma intensa desigualdade econômica e social, no qual grande
parcela da sociedade não tem acesso aos grandes acúmulos que são produzidos por eles mesmos.
Os momentos de instabilidade em que ocorrem tais avanços provocam altas vertiginosas dos
produtos, contudo não provoca a valorização da mão-de-obra e dos salários, ficando estes
estagnados e levam a uma precariedade da condição de vida da sociedade em geral. A grande
acumulação realizada no país ocorre sob a intensa exploração da classe trabalhadora levando-os
a níveis de subsistência e apenas uma pequena parcela da sociedade brasileira tem acesso aos
progressos sucedidos nos país.
Se por um lado temos o desenvolvimento industrial produtivo, por outro, há um avanço
substancial do capital financeiro a nível mundial que é introduzido no Brasil. Considerando as
formações dos Bancos Centrais enquanto instituições com certo domínio da política econômica
e da movimentação de capitais das nações, podemos compreender como se estabelece a
finaceirização em níveis mundiais. O histórico dos Bancos Centrais demonstra que estes
assumem funções a partir da conjuntura social e econômica.
No início do século XX com a predominância da economia Laissez-Faire a instituição
tinha como única função a conversão de moeda em ouro, com autonomia do Estado; a partir
do pós - I Guerra até década de 1970 assume uma política intervencionista voltada para o setor
social estando atrelado ao Estado e submetido às teses keynesianas; na crise do Estado de Bem-
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Estar-Social dos anos 1970 e o início da liberalização econômica os Bancos Centrais voltam
a ter autonomia e suas funções restringem-se a estabilização monetária. No caso brasileiro, o
Banco Central do Brasil (BCB),é fundado em 1964 e durante os anos seguintes os debates que
cercam a instituição volta-se a sua independência e pela função de fomento que assume. Até os
anos 1980, o BCB, em consonância com o padrão de desenvolvimento-nacional, mantém suas
função de fomento e financiamento e com a crise instaurada neste período e abertura econômica
na década de 1990, estas funções são recoladas e o órgão ganha autônoma e se centra na politica
monetária que terá papel preponderante nas politicas estatais elaboradas a partir deste momento.
As considerações arroladas até então, se dirigem ao processo de formação e concretização
do capitalismo no Brasil durante o século XX, com suas particularidades e implicações na esfera
econômica e social. No contexto contemporâneo, verificamos algumas mudanças, mas que não
passam de remodelações e adaptações às necessidades postas pela acumulação capitalista a
nível mundial, não há superação da dependência brasileira, mas sim, o aprofundamento desta
condição subalterna e de fragilidade econômica. A década de 1990 é marcada no Brasil pela
adoção de um novo padrão de acumulação, voltado à abertura do mercado, a liberalização
econômica e desregulamentação, ou seja, o país se submete a política neoliberal, já instalada
nos países centrais em décadas anteriores.
Com a crise dos 1980, no qual do padrão de desenvolvimento-nacional não consegue
mais se sustentar devido a vertiginosa divida externa e os altos índices inflacionário, o projeto
que ganha força e se instada é o neoliberal, estabelecendo um novo patamar de dependência e
subalternidade. O BCB, assume o papel de gerenciar a política monetária sendo este o aspecto
fundamental da estabilidade econômica e tornando-se orientadora das politicas estatais.
O Brasil assume acordos com agencias multinacionais que impõe a abertura de mercado, a
desregulamentação dos capitais, a liberalização cambial e a privatização econômica, em suma,
assume a total submissão ao mercado externo e ao capital.
“Ou seja, a abertura financeira e a maior integração da economia têm acarretado
na ampliação do estoque de riqueza nacional com perfil de capital internacional,
com mobilidade interfronteira, horizonte de valorização internacional e com uma
relação “oportunista” com espaço econômico nacional. Com isso, as decisões
alocadas de riqueza dos gestores de capitais internos passam a ser guiadas pelos
mesmos parâmetros utilizados pelos gestores de capitais globais.”(MACHADO,
2011. p. 62).
Há um “declínio do Estado-Nação” no qual se perde sumariamente a função social
do Estado e os setores sociais (saúde, educação, previdência...) são colocados a serviço da
iniciativa privada em prol de geração de lucros. A chamada reforma do Estado direciona-se
a implantação do Estado Mínimo no qual um projeto de desenvolvimento nacional não tem
espaço. Não nos surpreende que a forma de produção esteja a alheia a realidade social de grande
parte da população produzindo altos índices de desigualdade. Afirma Ianni:
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BRASIL: CONSTITUIÇÃO E CONTINUAÇÃO DO CAPITALISMO DEPENDENTE
“Também por isso a globalização não significa nunca homogeinização, mas
diferenciações em outros níveis, diversidades com outras potencialidades,
desigualdades com outras forças. Nesse horizonte, a sociedade global pode ser
vista como uma totalidade desde o início problemática, no sentido complexo
e contraditório; atravessado pelo desenvolvimento desigual, combinado e
contraditório, que se especifica no âmbito de indivíduos, grupos, classes, tribos,
nações, sociedades, culturas, religiões, línguas e outras dimensões singulares ou
particulares.” (IANNI, 1994, p.159)
CONSIDERAÇÕES
As condições postas atualmente são muito mais contraditórias e agravantes do que as vivenciadas
em grande parte do século XX. A sociedade civil perde totalmente seu espaço de participação
no ambiente pública, não há mais lugar para ganhos sociais. A sociabilidade torna-se permeada
essencialmente por determinações mercantis. Os grupos subalternos não se colocam em avanço
aos seus direitos, mas em defesa dos mesmos que cada vez mais são limitados pela necessidade
expansiva e contínua da acumulação capitalismo: “Na época neoliberal, não há espaço para
o aprofundamento dos direitos sociais, ainda que limitados, mas estamos diante da tentativa
aberta – infelizmente em grande parte bem sucedida – de eliminar tais direitos, de desconstruir
e negar as reformas já conquistadas pelas classes subalternas...” (COUTINHO, 2012, p.123).
Apesar, de mais de um século tenha se passado desde a constituição efetiva do
capitalismo no Brasil, os desafios e contradições parecem manter-se e apenas se aprofundando.
A sociedade brasileira não conhece um desenvolvimento realmente nacional e que nos limites
do capitalismo, atendas as necessidades internas da grande massa populacional. Prosseguimos
com uma economia atrelada aos interesses puramente privados do capital internacional, em
uma produção dependente dos centros capitalistas. Assim como, as consequências sociais,
politicas subalternas intensificam, o aumento da desigualdade e das contradições sociais, com
uma política restrita as classes dominantes, autoritária desde sua gênese. Diante de tal situação
tão desfavorável aos interesses populares é preciso, como já indicava O.Ianni, uma organização
popular a nível global que se constituía com todos os grupos afetados por este sistema econômico
que alcança dimensões globais, seu combate só poderá ser feito também, a nível global. No
âmbito interno, é preciso colocar na ordem do dia a construção de economia em bases nacionais,
com políticas econômicas que estejam em concordância com as demandas nacionais e que
promova, de fato, condições sociais melhores a sobrevivência a classe trabalhadora.
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FRANCIELI MARTINS BATISTA
REFERÊNCIAS
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IANNI, O. “Globalização e Neoliberalismo”. In: São Paulo em Perspectiva. São Paulo,
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IANNI, O. “O Declínio do Estado-Nação”. In: Estudos Avançados, São Paulo, v.14, n.40,
2000, p.51-58.
LÊNIN. V.I. Imperialismo, Estágio Superior do Capitalismo. Ed. Expressão Popular, São
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MACHADO, Fernando D’Angelo. Mobilidade de Capitais e Vulnerabilidade Externa do
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Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto de Economia. Programa de Pós – Graduação em
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MATHIAS, Meire. Desenvolvimento e Inserção Internacional: Um Cenário de Crise e Reformas.
In: Sob o Prisma dos Interesses: A Política Externa Brasileira e a Confederação Nacional
da Indústria. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Programa de Pós – Graduação em Ciência Política,
2011, p. 63 – 99.
NOVELLI, José Marcos Nayme. Burocracia, Dirigentes Estatais e Idéias econômicas: Um
Estudo de Caso sobre o Banco Central do Brasil (1965 – 1998). Dissertação de Mestrado,
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH). Programa de Pós – Graduação em Ciência Política, 1999.
PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. Ed. Circulo do Livro, São Paulo, 1976.
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APONTAMENTOS SOBRE POLÍTICA EXTERNA
BRASILEIRA PARA O CONTINENTE AFRICANO PÓSSEGUNDA-GUERRA MUNDIAL ATÉ O GOVERNO
DITATORIAL DE GEISEL
José Francisco dos Santos
Doutorando em História pela PUCSP, bolsista CNPq.
Professor colaborador do Departamento de História – UEM
Resumo: O Este artigo é uma pequena parte de nossa dissertação intitulada Movimento Afrobrasileiro Pró-Libertação de Angola (MABLA) – “Um Amplo Movimento”: Relação Brasil
e Angola de 1960 a 1975 (2010). O recorte aqui apresentado discorre sobre apontamento da
relação Brasil e o continente Africano, após o final da Segunda-Guerra Mundial, até o governo
do General Ernesto Geisel. Ao longo desse período pretendemos demonstrar as aproximações e
distanciamentos do Estado brasileiro e os países africanos tendo como foco, as nações africanas
que eram colônias de Portugal até meados da década de 1970.
Palavras-chave: Continente Africano; Brasil; Politica Externa Brasileira.
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JOSÉ FRANCISCO DOS SANTOS
INTRODUÇÃO
Este artigo é uma pequena parte de nossa dissertação intitulada Movimento Afro-brasileiro PróLibertação de Angola (MABLA) – “Um Amplo Movimento”: Relação Brasil e Angola de 1960
a 1975 (2010). O recorte aqui apresentado discorre sobre apontamento da relação Brasil e o
continente Africano, após o final da Segunda-Guerra Mundial, até o governo do General Ernesto
Geisel. Ao longo desse período pretendemos demonstrar as aproximações e distanciamentos do
Estado brasileiro e os países africanos tendo como foco, as nações africanas que eram colônias
de Portugal até meados da década de 1970.
A partir da Segunda-Guerra Mundial, a política externa brasileira passou a ser mais ativa
no cenário internacional. Anteriormente, caracteriza-se pela defesa das fronteiras nacionais,
sendo que a principal novidade ocorreu quando o chanceler Visconde do Rio Branco, no final
do século XIX e início do XX, se aproximou dos EUA, intuindo que o poder internacional
estava passando da Inglaterra para os EUA. O Brasil só aparecera, com algum relevo, registrado
em matérias de política internacional, a partir a Segunda-Guerra Mundial.
Após o término desta, o mundo sofreu intensas mudanças em termos políticos, econômicos,
ideológicos e culturais, alterando o Mapa-Múndi, teve início o processo de descolonização,
tendo em vista não haver mais condições “morais” para a manutenção do colonialismo. Foi
nesse período que sistemas como nazismo, fascismo, franquismo, salazarismo e ilações no
peronismo e getulismo deram o tom da contradição com os princípios democráticos.
Valores liberais, após a Segunda-Guerra, tornaram-se essenciais, resultando, em 24 de
outubro de 1945, na criação da Organização das Nações Unidas – ONU, que veio ocupar o
espaço multilateral da extinta Liga das Nações. Promovendo uma reordenação das relações
internacionais, criando mecanismos em relação a intervenções em conflitos entre as nações,
buscando uma ordem internacional mais adequada à época, a ONU abrigou discussões de
relevância internacional na passagem do eurocentralismo ao eurocidentalismo. Enfatiza-se que
no eurocidentalismo insere-se no período da bipolaridade (URSS E EUA), com a Conferência de
Bandung (1955) que se define, em primeiro lugar, como “Não Alinhada”, tornando a realidade
internacional mais complexa.
Sob outro ângulo de abordagem, a Segunda Guerra Mundial permitiu construir outras
relações eurocidentais com o continente africano. Quanto ao Brasil, como expõe J.H. Rodrigues,
ao evidenciar enfaticamente a importância das bases norte-americana1 no Nordeste brasileiro
- sem a qual não teria sido possível a vitória de El Alamnein,2 nem a invasão da Europa,3- que
emergiram possibilidades de inserções na política internacional, até então inviáveis. Desde
1 Na Segunda Guerra Mundial os EUA instalaram bases estratégicas em Natal, Recife e Fortaleza, na
política aliada em relação à Dacar e à África francesa, à invasão do Marrocos e à campanha da África do
Norte. Cf. COSTA E SILVA, 2003:240.
2 A segunda Batalha de El Alamein será sempre lembrada como o início da derrocada das forças do Eixo na
África do Norte e um dos marcos decisivos na Segunda Guerra Mundial. A vitória britânica em El-Alamein
levou o primeiro-ministro, Sir Winston Churchill a afirmar que “este não é o fim, não é nem o começo do
fim, mas é, talvez, o fim o começo”. El Alamein foi uma vitória essencialmente do Reino Unido e das tropas
da Commonwealth.
3 RODRIGUES, J.H. 1964:370.
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APONTAMENTOS SOBRE POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA O CONTINENTE
AFRICANO PÓS-SEGUNDA-GUERRA MUNDIAL ATÉ O GOVERNO DITATORIAL DE GEISEL
então, segundo J.H. Rodrigues, estudiosos brasileiros vêm chamando atenção para importância
estratégica da África.
Com o advento do final da Segunda Guerra Mundial, o mundo entrou em nova conjuntura
internacional, denominada Guerra Fria, disputa ideológica entre Estados Unidos e União
Soviética, entre o capitalismo e comunismo. Em sua citada obra, J.H. Rodrigues expõe ideias
do coronel Golbery do Couto e Silva, em que este adverte sobre a importância estratégica do
continente africano, apontando que o Brasil devia realizar uma geopolítica da paz, impedindo
influências ideológicas comunistas do outro lado do Atlântico, pois isso colocaria não só o
Brasil, mas o continente americano, em perigo. 4
O Brasil participou da Segunda Guerra Mundial sob a presidência de Getúlio Dornelles
Vargas, no período do Estado Novo5. Sua política tinha como intuito a modernização do Brasil
e uma maior participação e autonomia na política externa. Para apoiar os aliados na Guerra,
Vargas negociara o financiamento da Siderúrgica de Volta Redonda com os EUA.
Outro fator relevante, no período desta guerra, foi que pessoas insatisfeitas com o
regime do Estado Novo de Getúlio Vargas acabaram saindo do Brasil. Entre estes, destacamos
o proprietário do jornal O Estado de S. Paulo, Júlio de Mesquita Filho, como também outros
liberais, que se exilaram em Portugal. Neste mesmo período, tem-se registro que oposicionistas
ao regime de Estado Novo de Salazar, exilaram-se no Brasil, constituindo outro campo de força
entre Brasil e Portugal.
Quanto à política externa estabelecida por Vargas, segundo José Sombra Saraiva, em
1943, tendo como ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, criaram-se bases para
o estabelecimento de uma política de desenvolvimento industrial do país, visando iniciar a
substituição de importações e criar mecanismo de integração com a América do Sul.
Não obstante, esses planos não foram adiante, pois Ásia e Europa estavam mais
envolvidas, após a Segunda Guerra Mundial, com a chamada “ameaça comunista”, capitalizando
atenções dos EUA, que investiu, por meio do plano Marshall, na Europa, ficando América do
Sul em segundo plano.
O governo de Eurico Gaspar Dutra posicionou-se, claramente, a favor da política
4 As idéias aqui apresentadas foram defendidas no livro Geopolítica, do Brasil (1966) do Coronel Golbery
do Couto e Silva. Apresentou uma política militar para o Atlântico que impedisse a influência de países
comunistas como União Soviética e China no processo de descolonização africano, em que após suas
independência tinha o temor que o Brasil fosse atacado. RODRIGUES, J.H 1964:370.
5 O termo Estado Novo foi a denominação dadas aos Estados de cunho totalitários. Como Portugal
(Salazarismo) Espanha, (Franquismo), Itália (Fascismo) e Alemanha (Nazismo) em 1937 foi instituído o
Estado Novo no Brasil, no governo Getulio Vargas com alegação de que o Brasil precisaria de um Estado forte
para impedir ameaça comunista, que estava contido no Plano Cohen (que até hoje não foi bem explicado).
O Estado Novo foi arquitetado como um Estado modernizador que deveria durar muitos anos. No entanto,
seu tempo de vida acabou sendo curto não chegou a oito anos. Com a ida em meado de agosto de 1942 da
Força Expedicionárias Brasileiras – (FEB) para combater o regime Fascista na Itália iniciaram protestos da
sociedade brasileira. A primeira manifestação ostensiva nesse sentido foi o Manifesto dos Mineiros, datado
de 24 de outubro de 1943. Não por acaso a data comemorava a vitória da Revolução de 1930. Com isso, os
assinantes do manifesto queriam demonstrar que não pretendiam voltar às práticas políticas existentes na
Primeira República, assinalando, ao mesmo tempo, sua percepção de que a Revolução de 1930 fora desviada
de seus objetivos democráticos. CF.BORIS, Fausto. 1994:340 – 389.
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externa norte-americana: perseguiu os comunistas e declarou o Partido Comunista Brasileiro
ilegal. Logo após, com o retorno de Getúlio Vargas, em outro cenário, na década de 1950,
ocorreu a abertura do Brasil ao capital de investidores estrangeiros. Todavia, uma elite critica a
sua política centralizadora e estatizante, fez-lhe oposição e, em agosto de 1954, Getúlio Vargas
suicidou-se.
Segundo José Sombra Saraiva, a política externa do segundo Governo Vargas (19511954) procurou centrar-se em melhores relações com os Estados Unidos, nos períodos dos
governos estadunidenses de Trumam (1945-1953) e Eisenhower (1953-1961). Neste governo
Vargas foi assinado o Tratado de Cooperação e Amizade entre Brasil e Portugal (1953), quando
ministro das Relações Exteriores, Vicente Rao. O Tratado, como veremos, atendeu mais aos
interesses de Portugal e foi elaborado em um período onde ficou em evidência certa importância
histórica das relações Brasil e Portugal. À época, a presença de uma comunidade portuguesa
relevante e com voz em alguns veículos de imprensa, levou o governo brasileiro a se conter
no campo da política externa. Todavia, registraram–se vozes discordantes no cenário político
brasileiro, entre setores da diplomacia brasileira, enquanto alguns deputados e senadores
defenderam que o Brasil deveria aproximar-se da África.
Ao assumir a presidência, Juscelino Kubitschek traçou uma política de modernização
para o Brasil, mormente no setor industrial, criando, entre outros, a indústria automobilística
e procurando atrair investimentos estrangeiros. Reforçou a política econômica difundida pela
Comissão Econômica para América Latina da ONU – CEPAL, cabendo registrar naquele
contexto o lançamento da Operação Pan-Americana (OPA) 6, visando fortalecer a nova política
externa brasileira. 7
O presidente JK prometeu grande desenvolvimento, em curto espaço de tempo,
“cinqüenta anos em cinco”, procurando investir na indústria de base e na infraestrutura. Em
relação à política externa, Kubitschek visou uma política exterior autônoma, ligada aos grandes
mercados internacionais, como Europa, Estados Unidos e também América do Sul.
O plano era atrair capitais estrangeiros para compensar a continua queda das exportações,
de 1951 a 1958. Naquele momento, a Europa estava em franca recuperação iniciando disputas,
por mercados, com os Estados Unidos, resultando na vinda, para o Brasil, das montadoras
alemãs DKW e Wolkswagen. Só depois seguidas por empresas americanas8.
Externamente, o Brasil alinhou-se ao bloco político-diplomático ocidental e, segundo
6 OPA – Operação Pan-Americana era uma proposta de cooperação internacional de âmbito hemisférico,
insistiram na tese de que o desenvolvimento e o fim da miséria seriam os meios mais eficazes que se
apresentavam como soluções, para países atrasados. A OPA foi lançada em uma conjuntura adequada,
em 1958, imediatamente após a mal sucedida viagem do então vice-presidente Nixon à América Latina,
oportunidade em que antiamericanismo dos sul-americanos ficou sobejamente evidenciado nos incidentes de
Lima e Caracas. Esta parte da América ficara à margem do Plano Marshall. Carente de divisas, não conhecera
os beneficio das cooperações então vigentes em outras áreas do Globo. As relações entre os Estados Unidos e
a América Latina pediam revisão. A proposta de JK voltou-se para uma atualização das relações entre os dois
segmentos do continente. Cf. CERVO e BUENO, 2008:290.
7 SARAIVA, 1996: 31-32.
8 VIZENTINI, 1996:232.
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APONTAMENTOS SOBRE POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA O CONTINENTE
AFRICANO PÓS-SEGUNDA-GUERRA MUNDIAL ATÉ O GOVERNO DITATORIAL DE GEISEL
J.H. Rodrigues: “A OPA obscureceu o mais importante fenômeno do processo histórico mundial,
entre 1958-1960: a liberdade africana”. 9 Esta frase de J.H. Rodrigues expõe uma insatisfação
em relação à postura do país, que não demonstrou, inicialmente, nenhum interesse em relação
a cenários africanos e asiáticos.
CONFERENCIA DE BANDUNG E A TENTATIVA DE “NÃO ALINHAMENTO”,
O BRASIL ALINHANDO COM OS GRANDE CAPITAIS.
Entre estes, a partir da década de 1950, registraram-se conferências englobando nações até então
excluídas, outrora subestimadas por seus colonizadores europeus. O marco foi a Conferência de
Bandung, em outubro de 1955, na Indonésia, em que se reuniram países asiáticos, alguns países
africanos e delegações entre as quais a Argentina. O Brasil esteve como observador.
O conceito de Terceiro Mundo, cunhado por Alfred Sauvy e Georges Balandier, passou
a ser central desde a Conferência de Bandung e constituiu-se em bandeira de reivindicação por
independências10. Secundou o processo de independência das colônias francesas, inglesas e
belgas, enquanto o Brasil prosseguiu, formalmente, uma política externa que ainda não refletia
os novos ventos. Esta ausência do Brasil no cenário do anticolonialismo foi alvo de explicações
por parte de J.H. Rodrigues:
O Brasil acrescenta-se, não deve transigir a respeito deles, mas transformar-se
num fator de medida e bom senso. Acusava-se o grupo de Bandung de basear-se
na intolerância racial e nos preconceitos raciais, lastima-se que muitos latinoamericanos se tivessem unido a este grupo, introduzido o espírito de Bandung no
Hemisfério Ocidental. A Delegação do Brasil acreditava permanecer equidistante
das partes e poder assumir atitudes conciliatórias, imparciais, discretas. Levavase, assim, para a política externa, a velha teoria da conciliação e do compromisso,
que tem na área internacional, como na nacional, os mesmos aspectos negativos.
Elas atendem aos privilegiados e busca a conformação dos oprimidos, e se evita
o conflito ou perpetua o status quo, faz malograr ou retardar as vitórias dos
dominados. 11
Era crença que aquela conferência estivesse encobrindo interesses da União Soviética e
da China, embora esta se designasse integrante dos países “não alinhados” 12 com os interesses
9 RODRIGUES, J.H. 1964:372
10 A expressão Terceiro Mundo surgiu com um artigo de Alfred Sauvy, em Revista IBGE Brasileira [s.n.t.],
em que o autor falava de três mundos. O dois primeiros, desenvolvidos e caracterizados por ideologias
diferentes, e um terceiro que, a exemplo do “Terceiro Estado”, pretendia a igualdade. A noção propagou-se a
partir da publicação de um número especial da revista do Institut Nacional d`Études Démographiques, editado
sob direção de Georges Balandier. Cf.GT: Relações Internacionais e Políticas Externas, comunicação: África
do continentalismo à fase das conversações globais. Conferência proferida pelo Prof. Fernando Mourão, no
VIII Encontro Anual da ANPOCS, Águas de São Pedro. 24/10/84.
11 RODRIGUES, J.H. 1964: 422-423.
12 “Não Alinhado” termo que foi usado pelos países da Conferência de Bandung no intuito de não se
envolverem na disputa entre os EUA e URSS, a Guerra-Fria. Contudo, alguns países auto designados de “não
alinhados” foram forçados pela conjuntura internacional, a se posicionarem nesse cenário. Após o término
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do capitalismo (EUA) e do comunismo (União Soviética e China), procurando caminhos
alternativos.
A diplomacia brasileira, que na época ainda refletia uma proximidade com os países
ocidentais, mormente os EUA, não acompanhou e não deu a devida importância à Conferência
de Bandung. A imprensa brasileira registrou o evento como uma ação ou proposta revolucionária.
Entretanto, esta Conferência constitui-se em um marco, no sentido de proclamar a legitimidade
dos povos coloniais, de acelerar os processos de independências, ao mesmo tempo posicionandose equidistante do bloco comunista (até certo ponto China), assim como do bloco ocidental,
EUA e Europa Ocidental.
Importantes figuras do marxismo e intelectuais como Jean Paul Sartre, sem romperem
com o marxismo passaram a apoiar posturas nacionalistas, tais como a proposta do Front
National de Liberation (FNL), em sua luta de libertação da Argélia. Foi nessa época que ocorreu
a aproximação entre Jean-Paul Sartre e Frantz Fanon, militante da independência e autonomia
da Argélia.
Não se pode deixar de destacar a participação do embaixador Adolpho Justo Bezerra
de Menezes, na altura secretário na Embaixada de Jacarta, como observador na Conferência
de Bandung. Segundo Sombra Saraiva, o livro de Bezerra de Menezes O Brasil e o mundo
Ásio-africano, constituiu uma “Obra complexa, foi o primeiro livro escrito por um diplomata
brasileiro voltado para o estudo especifico dos dois continentes” 13.
Bezerra de Menezes apontou que a desinformação da diplomacia brasileira, cujo
pouco que sabia sobre o continente africano, vinha justamente dos canais de informação das
metrópoles coloniais europeias. Bezerra de Menezes, em entrevista ao pesquisador Pio Penna,
(10/01/1993), apontou: “A vida “vegetativa e contemplativa” da política exterior brasileira, de
pouca ação e alinhamento com os Estados Unidos e a Europa, deveria ceder lugar a um novo
conceito, voltado para o Atlântico e para a África”. 14
A postura do embaixador Bezerra de Menezes traduz a discordância que havia, entre
setores da intellegentsia brasileira, sobre adotar uma política autônoma para África. No mesmo
sentido, leia-se Eduardo Portella que considerou: “conservadora, estática e racista”, onde,
“além do desinteresse oficial, os países africanos e asiáticos eram considerados, pela carreira
diplomática, postos de sacrifícios”. 15
A maioria dos diplomatas brasileiros, mais antigos na carreira, não compartilhava da
postura do embaixador Bezerra de Menezes em relação ao processo de independência das
colônias africanas. Importa refletir que a Conferência de Bandung foi formada por grupos de
países revolucionários de terceiro mundo, mas não necessariamente marxistas. Com o advento
da Guerra-Fria, alguns desses países tiveram que optar por um lado (capitalismo – EUA – ou
da Guerra-Fria, países, em especial do continente africano, passaram a desenvolver ações comerciais comuns
ao capitalismo.
13 Id. Ibid.op.cit.48.
14 Id. Ibid.op.cit.49
15 Id. Ibid.op.cit.49.
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comunismo – URSS e China). As obras de certos autores como Frantz Fanon, Jean Paul-Sartre
e Georges Balandier foram o cordão para construir uma teoria relativa à espoliação dos povos
colonizados.
Em relação a Portugal, que na década de 1960 ainda detinha, só em África, cinco
colônias: Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, registravamse críticas esparsas ao regime salazarista, que se perpetuou de 1928 até 25 de abril de 197416.
Campos diplomáticos europeus, desde antes da Segunda Guerra apontaram anacronismos do
regime salazarista, condenado em conferências, mormente na ONU, por seguir uma política de
manutenção das colônias, em África, Ásia e Oceania.17
Em função daquela situação, o governo português procurou apoio no Brasil para
seguir com sua política colonialista em África. Em 1953 assinou, com o Brasil, o Tratado de
Cooperação e Amizade18. Segundo o professor José Maria Nunes Pereira, o Tratado, por parte de
Portugal, visava obter, especificamente, respaldo do Brasil nas Nações Unidas. 19 Neste sentido,
o embaixador Alberto da Costa e Silva, em depoimento, relatou que o Tratado de Cooperação
e Amizade, assinado com Portugal, não incluía as “províncias ultramarinas” 20, restringindo-se
à metrópole.
O Brasil nunca aceitou esse tratado em relação às províncias, somente num
momento, na época de Castello Branco, nem na época do Juscelino foi aceito e
não há nenhum documento da época de Juscelino que se refira às colônias como
“Províncias Ultramarinas”. Há no governo, o único é Castelo Branco, mas
já no governo de Costa e Silva não há mais. Ele [Costa e Silva] mandou uma
missão composta por Luís Souto Maior, Ítalo Zappa e por mim, a Portugal para
16 A partir de 1926 a República sofreu um golpe e um regime de exceção foi estabelecido. O professor de
finanças da Universidade de Coimbra, António Oliveira Salazar em 1928 foi nomeado ministro da finanças
e depois, Primeiro Ministro. Com Salazar a administração tornou-se tão egocêntrica que se denomina
doravante salazarismo. Ver (SECCO, 2004), (MAXWELL,2006), (SILVA, 2006), (RAMOS, 2004).
17 . O historiador Francisco Martinho expõe que no início da guerra anti-colonial, registra que o Brasil, o
Vaticano e a Espanha pediram a Salazar para abrir mão de suas colônias, e este retrucou: “Estamos cada vez
mais orgulhosamente sós”. Ver: MARTINHO, Francisco Palomares. “Um país Tropical na Guerra Fria”.
REVISTA DA BIBLIOTECA NACIONAL. Rio de Janeiro, ano 2, n° 19, abril 2007. p. 62.
18 Concebido no tempo de João Neves da Fontoura no Ministério das Relações Exteriores, o Tratado de
Amizade e Consulta entre Portugal e o Brasil foi assinado pelo novo ministro Vicente Raó, no Rio de Janeiro,
em 16 de novembro. Ratificado um ano depois e promulgado pelo governo brasileiro em janeiro de 1955, o
tratado tinha nove artigos estabelecendo consulta mútua entre os dois países em matérias internacionais. Dois
desses artigos mostram como estavam próximas as relações entre Portugal e Brasil. O primeiro dizia que a
partir de então todos os problemas internacionais, que tivessem interesse comum, seriam objeto de consultas
previas. O artigo oitavo afirmava que partes contratantes deveriam desenvolver, de forma harmoniosa, o
prestigio da comunidade luso-brasileira no mundo. Apud. SARAIVA, 1996:55.
19 Entrevista concedida em sua residência. Rio de Janeiro, 16/01/2009.
20 O termo colônia foi utilizado desde início do processo de colonização até o período liberal, quando
Portugal passou a usar a designação “Província Ultramarina”. Com o advento da República, 1910, voltou a
se usar o termo colônia até a promulgação do Ato Colonial, já no regime salazarista, quando retornou usar,
em 1951, o termo “Províncias Ultramarinas”. GONÇALVES, 1994:107-108.
* Castello Branco insistiu na idéia que a política brasileira em relação à África tinha que levar em conta a
tradicional “afeição” brasileira por Portugal. Defendeu a formação gradual de uma comunidade Afro-lusobrasileira.
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desmanchar os acordos feitos na época por Castelo Branco que faziam menção as
“Províncias Ultramarinas”. 21
Registra-se que o Embaixador Alberto da Costa e Silva chama atenção para o fato que o
governo brasileiro nunca aceitou a expressão “Províncias Ultramarinas, continuando a utilizar
a designação colônias.
As “notas interpretativas”, em um texto confidencial anexo ao Tratado, estabeleciam
que a “Comunidade Luso-brasileira” não incluía as “Províncias Ultramarinas” de Portugal. Tais
notas foram criticadas por alguns diplomatas, como Álvaro Lins e Bezerra de Menezes, pois
ao não incluir as “Províncias Ultramarinas”, o tratado distanciava o Brasil da tendência natural
de aproximação em relação às colônias portuguesas em África22, Bezerra de Menezes e Álvaro
Lins evidencia que a exclusão das “Províncias Ultramarinas” no texto principal do acordo,
demonstrou a preocupação da diplomacia de Lisboa de evitar que o Brasil viesse a tratar desse
assunto.
Estas considerações do embaixador Costa e Silva expressam opinião divergente sobre
aquele Tratado. Os livros que abordam o assunto sempre mostram a ligação estreita entre a
não intervenção do Brasil, em relação às “Províncias Ultramarinas”, no período da presidência
de Juscelino Kubitschek, quando o Brasil ainda era fortemente agrário, com uma produção de
café importante tal como Angola. Mas importa ter clareza que a hipótese de tal Tratado a trazer
benefícios ao Brasil, não ocorreu.
A produção do café angolano era vista como uma competição negativa, tanto que Getúlio
Vargas já mandara denunciar, na Organização Internacional do Trabalho (OIT), que Portugal
utilizava mão – de – obra escrava na produção de café. E como nos conta o Prof. Fernando
Mourão, em relação à participação brasileira na reunião da OIT ressalta um fato que lhe foi
contado pelo Prof. Miguel Reale:
Este foi chamado por Getúlio Vargas para ir a Genéve com a orientação expressa
de denunciar o trabalho escravos nas plantações de café em Angola. Miguel Reale
recordou que na ocasião recebeu orientações explícitas de Getúlio Vargas no
sentido de viajar para Geneve, sem dar conhecimento a ninguém das orientações
recebidas do Presidente Vargas, isto possivelmente para evitar que a diplomacia
portuguesa ficasse sabendo, intentasse cooptar a diplomacia brasileira.23
Sobre a questão econômica do Brasil em relação à produção de Angola, o embaixador
Costa e Silva relatou:
(...) O Brasil não tinha interesse nenhum em Angola, nem em Moçambique,
Cabo Verde, Guiné-Bissau; deveria ter, mas não tinha, e não tinha por um motivo
muito simples: é que desde a independência do Brasil, Portugal impediu a
presença do Brasil em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São
21 Entrevista concedida em sua residência no Rio de Janeiro, 15/01/2009.
22 SARAIVA, Op cit: 55.
23 Depoimento fornecido em sua residência 19/01/2010. Caucaia do Alto – SP.
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Tomé e Príncipe; o Brasil não conseguia sequer ter um cônsul. O Brasil terá o
primeiro cônsul de carreira em Angola bem depois. Teve um no século XIX por
pouco tempo, de tal maneira
que foi hostilizado. Frederico Niterói. O
primeiro cônsul de carreira em Luanda será Frederico Carlos Carnaúva, em 1961.
Quando eu fui com Negrão de Lima e Sérgio Martins Moreira a Angola, numa
viagem de investigação sobre a guerra que estava acontecendo, depois de eclodir
as manifestações dos bakongos, no Congo português, movimento liderado por
Holden Roberto, houve a revolta dos presídios de Luanda organizada pelo MPLA.
O governo Jânio Quadros mandou uma missão em 1961, para Angola, para ter
o retrato da situação. Foi chefiada pelo Negrão de Lima e o professor Sérgio
Martins Moreira, que era um intelectual e escritor conhecido aqui no Brasil, e
eu. Chegamos lá juntamente com Carlos Carnaúva, que era o cônsul em Luanda.
Levou mais ou menos uns vinte dias para elaborar o relatório da visita. Mas, dizer
que o Brasil tinha comércio “mais intenso” tinha coisa nenhuma e, “mais intenso”
é maneira de dizer; com a África do Sul (...).24
GOVERNO JÂNIO QUADROS E A PEI – POLITICA EXTERNA INDEPENDENTE
Este Tratado, na afirmação de Afonso Arinos, ministro das Relações Exteriores no governo
Jânio Quadros, foi “nocivo” para a política internacional brasileira. Por outro lado, registra
comportamentos que “mexiam com as vaidades” dos diplomatas brasileiros:
(...) Mas, por grande que seja nossa amizade e nossa simpatia, não podemos, como
nação, manter, em face de Portugal, uma atitude sentimental, como se fossemos
uma criança de calças curtas diante de um vovô de barbas brancas. (...) Tem sido
invocado, ultimamente, um Tratado de Amizade e Consulta, que nos colocaria
numas tantas obrigações incomodas para com Portugal. Quando se anuncia uma
atitude do governo brasileiro que discrepe da velha conduta filial do Itamarati,
onde há sempre gente de olho na Embaixada de Lisboa e nas condecorações
portuguesas, alguém grita: “Olha o Tratado! Isso é contra o Tratado! Vejam....”
Então, esse tratado é antibrasileiro, isto é, um trambolho que impede de formular
uma política própria, sem subordinação ao Palácio das Necessidades. Temos já
idade para não sermos tutelados. Denuncie-se o Tratado em questão, se ele nos
impede a autonomia, a liberdade de movimento, que se faz necessária para que o
Itamarati desenvolva a sua nova política, uma política que faça o Brasil aparecer
no mundo como uma nação autônoma, soberana, independente, capaz de escolher
os seus próprios caminhos.25
A opinião de Afonso Arinos, participante da chamada Política Externa Independente,
juntamente com San Thiago Dantas entre outros, fortaleceu a crítica à ideia da subordinação
do Brasil aos interesses portugueses. As condecorações dadas aos diplomatas brasileiros,
apontados por Arinos, foram criticadas na época, por J.H. Rodrigues, que teceu comentários
24 Entrevista concedida em sua residência, no Rio de Janeiro, 15/01/2009.
25 ARINOS, FILHO, Afonso, 2001:199
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pessoais sobre os abusos do Tratado, incluindo o próprio ministro das Relações Exteriores,
Afonso Arinos:
O Trado Luso-brasileiro teve esse singular e estranho efeito: converter nosso
Ministro do Exterior em uma espécie de comendador português, sempre em visita
à corte, em consulta ao seu Chefe, correndo para a antiga Metrópole. Por que não
aguardar, com a grega virtude da moderação, que o Sr. Salazar e o Sr. Franco
Nogueira venham a nós? Se acreditam em Comunidade, a cabeça está aqui. Não é
possível submeter uma nação continental de 79 milhões de habitantes, às consultas
de um chefe autocrático de 9 milhões e meio de habitantes. Não pensou assim ao
consentir que o Sr. Negrão de Lima, Embaixador em Portugal, fosse o observador
brasileiro em Angola.26
O Brasil não obteve nenhum benefício econômico e político com este Tratado. A não
intervenção estava ligada à enorme pressão que a colônia luso-brasileira tinha no Brasil.
Pensando hoje, parece estranho, mas em meados do século XX, a presença portuguesa era forte
e exercia influência sobre a política brasileira. Por mais que o Brasil fosse um país anticolonial,
não conseguiu apoiar, de maneira eficiente, o processo inicial das independências das colônias
africanas. Em relação à postura do Presidente Juscelino Kubitschek, o embaixador Costa e
Silva esclareceu:
O Juscelino me disse que os brasileiros não aceitariam uma posição política
contrária, que fosse um desarranjo a Portugal. Podemos não gostar do colonialismo
português, dizia ele, mas não podemos fazer nada que machuque Portugal. A
opinião pública brasileira não aceita isto. Curiosamente, quando Jânio sobe ao
poder dinamizou extraordinariamente a relação com a África. Foi quando abriu
novas embaixadas, enviou missões de reconhecimento à África, da qual fiz
parte, colocou o problema da colonização, das colônias portuguesas, nas Nações
Unidas. Na primeira votação, o Brasil votou contra Portugal (1961), mas, na
segunda votação, votou a favor dos portugueses; o que aconteceu entre o primeiro
o segundo voto?
A opinião pública no Brasil se levantou [contrário], então, ele não pode enfrentar
a oposição política. Tinha os que diziam que era impossível votar contra Portugal.
Jânio Quadros tinha posição a favor da independência negociada, e era o que
dominava na época. Eu e o Antonio Houaiss achávamos que o colonialismo
português não tinha futuro. A ideia era de que o Brasil estivesse atrelado e, eu
acho que o Brasil nunca se atrelou a uma relação mais combativa.
Vendo do ponto de vista, não do futuro, mas do presente daquela época, tenho
que te confessar que éramos minoria. Toda a imprensa era a favor de Portugal,
somente o comentarista Paulo de Castro, do Diário de Notícias do Rio de Janeiro
era contrário. A imprensa que tinha cacife era anticolonialista, mas no caso de
26 RODRIGUES, J.H.Op cit: 384
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Portugal era especial: era Portugal que tinha que resolver. Visto como memória,
é diferente de visto como história, mas não se sabe exatamente como foram os
fatos, se vocês vão fazer uma investigação sobre isso, o que vocês podem fazer é
percorrer a imprensa da época, vai ver com muita clareza que existe muita coisa.
(...). 27
O Brasil passou a adotar mecanismos que proporcionaram uma aproximação com os
países africanos independentes, o que incluía um propósito de melhor conhecer e se preparar
para entrar em uma fase de aproximações com os movimentos independistas das colônias
portuguesas. O Ministério das Relações Exteriores passou a conceder bolsas de estudo para
que estudantes africanos pudessem estudar no Brasil e, curiosamente, a escolha dos bolsistas
recaiu não só entre originários de países africanos independentes, mas igualmente beneficiando
estudantes das colônias portuguesas que, à época, viviam em países independentes28.
O governo do presidente Jânio Quadros, de curta duração (cerca de oito meses no poder),
cedeu lugar, de forma conturbada, a seu vice João Goulart. Obrigado a aceitar um sistema
político parlamentarista, seu governo não resistiu às fortes pressões de oposição a suas políticas
de reformas internas.
No que se refere à política externa brasileira, o presidente João Goulart manteve a
Política Externa Independente (PEI) com aproximação ao continente africano. Não houve
avanços na PEI devido ao acirramento das tensões com setores das elites brasileiras, que viam
no presidente João Goulart alguém próximo ao socialismo, em função de seu governo defender
projetos de reformas de base, como a polêmica reforma agrária.
GOLPE MILITAR DISTANCIAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO DO CONTINENTE
AFRICANO, EM ESPECIAL DOS PAÍSES LIGADO À ÉPOCA A PORTUGAL.
Devido aos confrontos no campo da política interna, o continente africano passou ao segundo
plano. Com o Golpe Civil-Militar, de 1 de abril de 1964, os movimentos sociais foram perseguidos
e quadros ligados ao MABLA29 foram detidos. Posteriormente, estudantes africanos, que
vislumbravam o Brasil como terreno fértil para mobilizações em prol da libertação das colônias
portuguesas em África, migraram para outros países.
O governo do presidente General Castello Branco implementou uma política de
estreitamento de relações com EUA, registra-se o fato de que Portugal mantinha um acordo
na época pelo qual cedia uma base, localizada estrategicamente no Oceano Atlântico, base das
Lajes, no arquipélago dos Açores para o EUA, período que o governo salazarista aventou a
hipótese de oferecer portos em suas colônias em África, em troca de maior apoio ao seu regime
27 Entrevista concedida em sua Residência, Rio de Janeiro, 15/01/2009.
28 As bolsas de estudos foram criadas pelo Mistério das Relações Exteriores, segundo Honório Rodrigues era
descontado dos diplomatas 20% dos salários, que fossem iguais ou superior a 400 dólares, para manutenção
dessas bolsas. J.H.RODRIGUES, 1964:337.
29 O Movimento Afro-brasileiro Pró-independência de Angola – MABLA foi o tema central na dissertação
de (SANTOS, 2010)
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de exceção. Em contrapartida, o Brasil deveria ficar equidistante das colônias africanas e apoiar
Portugal na ONU, pois havia, por parte do governo Civil-Militar, receio de um avanço da União
Soviética, através dos países africanos localizados no outro lado do Atlântico. Com o término
do governo do presidente Castelo Branco, as articulações luso-brasileiras levadas a cabo foram
desfeitas na gestão do presidente Artur da Costa e Silva.
MUDANÇAS DE RUMO A REAPROXIMAÇÃO DO BRASIL COM A ÁFRICA.
Todavia, no governo do presidente Médici, em 1972, na comemoração da independência do
Brasil, foi enviada uma missão prospecção política a África, chefiada pelo ministro das Relações
Exteriores, Mário Gibson Barboza, que visitou vários países30.
A escolha desta data foi cuidadosamente pensada. Segundo o embaixador Costa e Silva:
“a ideia era o Brasil mostrar sua postura anticolonialista realizando uma visita ao continente
africano, no período das comemorações da independência brasileira”.31 Esta atitude da
diplomacia brasileira sofreu críticas da imprensa brasileira, da comunidade lusitana, de políticos
extremistas de direta e do governo português.
Devido ao processo de independência, em curso nas colônias portuguesas africanas,
a visita do ministro das Relações Exteriores foi recebida, pelos grupos mencionados, com
receio, já que as aproximações daquelas colônias com o Estado brasileiro poderiam trazer
consequências no sentido de apoio às suas independências.
Cabe registrar que o ministro Mário Gibson Barboza mostrou-se favorável à
independência das colônias portuguesas, em seu livro de memórias Na Diplomacia, o Traço
Todo da Vida, onde narra episódio em que teve discussões com o presidente da Petrobras, na
época general Ernesto Geisel32. As questões giraram em torno da possibilidade da Petrobrás
firmar uma parceria com o governo português, para explorar as reservas petrolíferas no enclave
de Cabinda, em Angola. O ministro Gibson Barboza argumentava que o investimento de risco,
em Cabinda, não valia a pena, que a independência de Angola era questão de tempo, enquanto
o general Ernesto Geisel insistia no projeto. O Presidente da República, na época, General
Médici, acabou por optar pelos argumentos do ministro Gibson Barboza.
Tempos depois, quando o diplomata Gibson Barboza assumiu a embaixada em Atenas e
o general Ernesto Geisel, a Presidência do Brasil, se encontraram em outro contexto. O General
Geisel confidenciou ao então embaixador Gibson Barboza: “Foi muito bom realmente que não
tivéssemos feito aquele acordo com Portugal.” 33
Na década de 1970, o Itamaraty criou o Departamento da África, Ásia e Oceania. O
diplomata Ítalo Zappa, encarregado do posto, enviou junto ao cenário político de Angola, em
1975, como representante do Brasil, o diplomata Ovídio de Andrade Mello34, que acompanhou
30
31
32
33
34
BARBOZA, 2007:399.
Entrevista, concedida ao autor em sua residência, Rio de Janeiro, 15/01/2009.
BARBOZA, 2007:355-358.
Id. Ibid.op.cit: 355.
GASPARI, 2004:136-140.
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de perto o processo de independência em Angola, envolvendo os três movimentos: Movimento
de Libertação de Angola (MPLA), criado em 1956 que, aos poucos, ligou-se a então União
Soviética e Cuba, consolidando como líder o médico e poeta Agostinho Neto; a Frente de
Libertação de Angola (FNLA), criada em 1961 e ligada aos interesses do Zaire e dos Estados
Unidos, sob a liderança de Holden Roberto e, por fim, a União de Libertação Total de Angola
(UNITA), de 1966, ligada aos interesses da África do Sul, China e portugueses, inconformados
com o processo de independência e também dos Estados Unidos 35.
O diplomata Ovídio de Andrade Mello recomendou apoiar o MPLA, argumentando:
“era isso ou tirar o time de campo”, 36 mesmo estando o MPLA, naquele momento ligado à
URSS e Cuba. O governo brasileiro, sob presidência do general Ernesto Geisel, outrora contrário
a qualquer apoio a processos de independências das colônias africanas de Portugal, teve como
ministro das Relações Exteriores, Azeredo da Silveira, favorável à independência das colônias
africanas. Nessa altura Geisel já tinha posição favorável às independências.
Segundo o Prof. Fernando Mourão, o apoio ao processo de independência angolano
e das demais colônias portuguesas, teve continuidade nos quadros diplomáticos da Política
Externa Independente, que se viram ampliado por uma série de jovens diplomatas que adotaram
a mesma postura. Paulatinamente, dezenas de diplomatas hoje bastante conhecidos, reformados
ou não, apostaram firmemente não só na mudança da política externa brasileira, mas na sua
manutenção. Haja em vista, que após o reconhecimento diplomático da independência de
Angola o apoio do Brasil passou a ser uma constante no país com maior ou menor intensidade.
Prof. Fernando Mourão recorda os nomes dos diplomatas que contribuíram para essa
nova postura do Itamaraty: Alberto da Costa e Silva, Carlos Alberto de Leite Barbosa, Rubens
Ricupero, Genaro Antonio Mucciolo (falecido) Luís Vinhaes da Costa, Ronaldo Mota Sardenberg,
Wladimir Murtinho, Manuel Pessanha Viegas, Affonso Celso Ouro Preto, Paulo Roberto de
Almeida, Bernardo Pericás Neto, João Cabral de Melo Neto, Paulo Tarso Flecha de Lima,
Marcelo Jardim, Roberto Abdenur entre outros.
Foram esses diplomatas entre outros que gestaram na prática novos procedimentos,
ora influenciando seus superiores, pondo em prática e com plenitude, ordens superiores,
influenciando membros do governo, membros da Câmara e do Senado em relação ao tema da
descolonização. 37
Não obstante, o pensamento pró-independência das colônias não era unânime. Na
conjuntura de Guerra Fria, aliados a setores extremistas do regime Civil-Militar exerceram
forte pressão, como o general Sylvio Frota, Ministro do Exército, uma das vozes que discordara
da linha pragmática na política externa, adotada pelo governo Geisel38.
A mudança, de forma mais evidente, teve início no governo do presidente Médici,
35 MENESES, 2000:34.
36 GASPARI, 2004:142. Em depoimento, o embaixador Ovídio de Andrade acrescenta que a frase foi
dita dentro de um contexto especifico, em Agosto de 1975, onde já era dado que o MPLA seria o líder da
independência. Rio de Janeiro 23/10/2009.
37 Segundo entrevista Prof. Fernando Mourão. 01/03/2010. Caucaia do Alto - SP
38 FROTA, 2006:185-191.
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JOSÉ FRANCISCO DOS SANTOS
segundo Paulo Vizentini (1998), pois a multilaterização intuía uma política econômica menos
dependente dos EUA, estabelecendo contatos comerciais externos independentes da conduta
ideológica. Essa política ganhou corpo no governo do presidente Ernesto Geisel, a ponto do
governo brasileiro ser o primeiro país ocidental a reconhecer a independência angolana, em
11 de novembro de 1975, mesmo que liderada pelo MPLA, então ligado à URSS e Cuba. O
processo de apoio à independência de Angola foi importante do ponto de vista diplomático uma
vez que o Brasil vinha de um histórico de apoio político a Portugal e as ex-colônias tinham
desconfianças em relação a um contato mais próximo com o Brasil.
CONCLUSÃO
O fato da independência do Brasil (1822) ter acontecido por vontade nacionalista de brancos de
origem portuguesa e também por motivos dinásticos da coroa portuguesa, levantou desconfiança.
Para líderes africanos a independência do Brasil é vista com restrições, ao perceberem que o
modelo de independência brasileira não se adaptava ao processo das independências africanas.
Até por que, a quase totalidade das populações dessas colônias em luta foi de povos e culturas
negras.
Os colonos portugueses eram de fato uma minoria. Desses, uma minoria de uma minoria,
aderiram à causa da independência, mormente ao MPLA. Os que aderiram a UNITA o fizeram
na esperança de manter seus privilégios.
Ao ser o primeiro país a reconhecer a independência, o governo brasileiro retomou um processo
de reaproximação abandonado em meados da década 1960. Promoveu contatos políticos e
culturais com países ex-colônias de Portugal em alianças que se mantêm até hoje. Desde 2002,
o comércio com Angola vem crescendo.39
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39 Sobre o crescimento comercial entre Brasil e Angola ver. Relações “Políticas-Comerciais Brasil-África.
(1985-2006)” .RIBEIRO, Cláudio (2007).
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APONTAMENTOS SOBRE POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA O CONTINENTE
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MINISTÉRIO DA DEFESA: ENTRE A ÉGIDE
MILITAR E A ESFINGE CIVIL
João Vicente Nascimento Lins
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá
Resumo: O Ministério da Defesa, criado em 1999, representou um novo paradigma para
as relações civis-militares, representado na figura de um ministro civil, dirigindo as Forças
Armadas. Atendeu-se a uma demanda histórica de setores da sociedade, preocupada com a
possibilidade de haver novos golpes militares como o de 1964. Mas sua criação por si só não
soluciona certos entraves que ainda contribuem para o atrito entre civis e militares no país.
A atitude por vezes dúbia dos presidentes e dos ministros de não se posicionar ou mesmo
confrontar o passado da ditadura militar, não se observa em igual amplitude na hora de utilizar
os militares para reprimir a população. Desse modo, utilizam de algo novo na aparência, mas no
fundo, como não se superou contradições históricas, mantém-se a essência do antigo, as Forças
Armadas ainda não se constituem enquanto uma força democrática, mas enquanto uma tropa
autoritária a serviço da classe burguesa e ao capital.
Palavras-chave: Relações civis e militares; Ministério da Defesa; Golpe Militar.
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JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS
INTRODUÇÃO
O Ministério da Defesa, com moldes em que um representante civil, é designado para exercer
a direção das Forças Armadas é criado em 1999, pelo então Presidente Fernando Henrique
Cardoso. Sua criação ocorreu no âmbito de uma demanda de setores da sociedade civil, que
clamavam por um controle sobre os militares como meio para evitar novas intervenções na vida
política nacional, representando assim um último passo na consolidação de uma democracia
no país. Fora da demanda civil, havia a necessidade de adequar a administração das Forças
Armadas à chamada “reforma do Estado”, um conjunto de medidas advindas da aplicação das
reformas de cunho neoliberal, tais como cortes de gastos, e reconfiguração das funções do
Estado na economia, o que dentro do meio militar significaria a diminuição no número de
efetivos, cortes orçamentários, e o fim de pensões especiais.
O governo de Fernando Henrique foi responsável pela criação da pasta, cabendo ao
governo de Luiz Inácio Lula da Silva sua consolidação e elaboração de medidas e planos de
defesa para o país no novo milênio. O processo de consolidação do país como uma democracia,
envolve debater o paradigma das Relações Civis e Militares1. Assim resta saber até que
ponto o Ministério da Defesa contribuiu durante o governo Lula para colocar novamente as
Forças Armadas naquilo que Nelson Werneck Sodré sinalizava como sua missão: assegurar as
instituições democráticas e a livre expansão econômica nacional. Ou fica a indagação: as Forças
Armadas caminharam no sentido de construir novos mecanismos antidemocráticos de atuação
contra a própria população? A saber, se a pasta serviu para se superar a antiga Doutrina de
Segurança Nacional vigente durante a ditadura civil militar, ou para reafirmar sua base a partir
de uma nova roupagem que possibilite manter a feição democrática de nosso sistema político.
HISTÓRIA DO MINISTÉRIO DA DEFESA
A rigor, houve tentativas de se criar o Ministério em outros períodos da história brasileira, e a
Constituição de 1946 citava a criação de um Ministério da Defesa, o que acabou se concretizando
na instituição do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA). Em 1967, o então presidente
Marechal Castelo Branco assinou um decreto, no qual pedia estudos para embasar a criação de
um Ministério das Forças Armadas. O assunto é retomado então nos debates da Constituinte
entre 1986-1988, sem, no entanto, haver um consenso, já que havia o temor de que a perda
de prestígio dos militares fosse visto por eles como um possível fator para um novo golpe de
Estado.
Porém a idéia de um civil assumir o comando das Forças Armadas não é algo inédito
na história brasileira, a destacar os nomes de João Pandiá Calógeras, João Pedro da Veiga
Miranda e Joaquim Pedro Salgado Filho que assumiram os Ministérios da Guerra, Marinha e
Aeronáutica. Dito isso, o próprio Ministério da Defesa definirá sua função como:
1 Sobre o debate envolvendo as Relações Civis e Militares há uma série de autores como João Roberto
Martins, Nelson Werneck Sodré, Antonio Carlos Peixoto, Edmundo Campos Coelho e João Quartim de
Moraes, que versam sobre a problemática.
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MINISTÉRIO DA DEFESA: ENTRE A ÉGIDE MILITAR E A ESFINGE CIVIL
O Ministério da Defesa (MD) é o órgão do Governo Federal incumbido de
exercer a direção superior das Forças Armadas, constituídas pela Marinha,
pelo Exército e pela Aeronáutica. Uma de suas principais atribuições é o
estabelecimento de políticas ligadas à Defesa e à Segurança do País, além da
implementação da Estratégia Nacional de Defesa, em vigor desde dezembro
de 2008.2
Fernando Henrique Cardoso tinha como uma de suas propostas de campanha a criação
do Ministério da Defesa3, assim em 1995 ele delegará ao Estado Maior das Forças Armadas,
a atribuição de analisar os modelos existentes de Ministérios em todo o mundo e decidir qual
se aproximaria mais para servir de base para a criação no Brasil. Concluindo foi construindo
um Grupo de Trabalho interministerial. Em 1999, no começo de seu segundo mandato, que o
processo de criação terá fim com a aprovação da Lei Complementar nº 97/99 e a nomeação de
Elcio Alvares como o primeiro Ministro da Defesa, depois Geraldo Magela Quintão Ambos
terão uma relação conturbada com o meio castrense, já que não possuíam experiência no trato
de assuntos militares, e a eles coube a tarefa de lidar com os cortes orçamentários que a pasta
sofreu nessa gestão.
Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, vence o candidato
do governo José Serra, abrindo a perspectiva de um candidato de um partido historicamente
à esquerda assumir o poder. Caberia então ao governo Lula a tarefa de consolidar a pasta da
defesa, e reestabelecer um bom diálogo com o meio castrense. Se a principal promessa de
campanha de Fernando Henrique referente ao setor militar era criar o Ministério da Defesa, a
de Lula será a de reavivar a indústria de defesa no Brasil, um ponto que agrada em muito os
militares.
O primeiro indicado à pasta no governo Lula, foi José Viegas Filho, um diplomata, sem
experiência com o setor militar4. Sua missão era de consolidar o Ministério, melhorar o diálogo
com outras pastas como das Relações Exteriores. Como uma de suas primeiras medidas, e
talvez a principal na pasta, José Viegas convocou um ciclo de debates, com participação de
civis e militares com o tema de Defesa e Segurança. Os debates foram publicados em quatro
2 O QUE É O MINISTÉRIO DA DEFESA/ MINISTÉRIO DA DEFESA. https://www.defesa.gov.br/index.
php/o-que-e-o-md-conheca. Acessado em25 mar 2013.
3 Segundo Jorge Zaverucha: “A criação de um Ministério da Defesa foi promessa de campanha de Fernando
Henrique Cardoso (FHC). Assim, incumbiu o Ministro-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA),
General Benedito Onofre Leonel, dessa missão. Essa escolha foi crucial: ela indicava que a concepção do
Ministério da Defesa (MD) teria uma percepção militar, embora fosse criado como instância de poder civil.
Além do mais, o fato de o EMFA ser um órgão burocrático e com poderes inferiores aos dos ministérios da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica sinalizava para os seus futuros limites.” (ZAVERUCHA, 2005, p.
107-108).
4 “O Presidente Lula, ao contrário de FHC, conseguiu nomear um diplomata para conduzir o Ministério da
Defesa: José Viegas, mas fê-lo pagando um preço elevado. Subvertendo a hierarquia, conceito tão caro aos
militares, Lula indagou aos três comandantes militares do governo FHC se aceitavam o nome de Viegas.
Com o sinal positivo dos comandantes, Lula confirmou o nome do novo Ministro. Desse modo, Viegas
começou a cair antes mesmo de assumir, ao tornar-se refém das Forças Armadas. Teria que se contentar em
ser, como seus antecessores, uma “rainha da Inglaterra”, ou seja, um despachante dos interesses militares,
algo improvável, dada a rivalidade corporativa entre o Itamarati e as Forças Armadas.” (ZAVERUCHA,
2005, p. 113).
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JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS
livros, como uma coleção intitulada “Pensamento brasileiro em defesa e segurança”, disponível
no endereço eletrônico do Ministério. Segundo Renato Dagnino:
Parecia interessar ao novo governo, no bojo de um processo de exorcizar os
fantasmas ou de se proteger da sua eventual materialização, tornar transparente
o processo decisório que envolvia os assuntos de interesse militar. E fazer com
que as decisões nesse âmbito fossem tomadas tendo por base considerações de
natureza econômica, social, geopolítica, de relações internacionais, de comércio
exterior, etc., além daquelas que, até então, manifestavam-se como dominantes
por serem consideradas de interesses exclusivamente militar. (DAGNINO, 2010,
p. 16).
Imbuídos nesse princípio, o ciclo de debates deveria gerar dados e possibilidades para
o governo elaborar o mais importante documento relacionado à defesa no país, a Estratégia
Nacional de Defesa. O ciclo se encerrou em junho de 2004, e devido à uma série de crises que o
ministério viveu, a implementação da Estratégia ocorreu apenas em 2008 já no segundo governo
Lula. José Viegas deixa o ministério no fim de 2004 após entrar em algumas disputas com o meio
militar5, no seu lugar, é indicado o Vice Presidente José Alencar. A indicação trazia prestígio ao
meio, afinal era o Vice Presidente em pessoa o responsável por dirigir as Forças Armadas e por
menos experiência que ele tivesse nos assuntos militares, a nomeação foi também uma notável
articulação política do presidente, no sentido de diminuir os atritos e a própria insubordinação
militar. Alencar logo se tornará um interlocutor direto dos militares junto ao presidente. Em sua
administração, será publicada uma nova Política de Defesa Nacional6, o texto é dividido em sete
itens, onde se pontuará a imagem que o país possui em escala regional, hemisférica e global no
que diz respeito à segurança e defesa. Apesar de ela indicar visões sobre a conjuntura externa,
em nenhum momento se esquece da conjuntura interna.
José Alencar deixa o Ministério em 2006 para pode concorrer à reeleição junto do
presidente Lula, em seu lugar assume Waldir Pires7, cuja gestão será marcada pelos problemas
5 “Viegas não entendeu ou não levou a sério as regras do jogo. Tomou medidas que desagradaram,
particularmente, o Comandante do Exército, General Francisco Roberto de Albuquerque. O Ministro criticou
a falta de empenho do Exército, ao contrário da Marinha e Aeronáutica, na busca de corpos de desaparecidos da
Guerrilha do Araguaia; levou adiante um projeto de reengenharia administrativa (aí incluída a reestruturação
curricular e de comando da Escola Superior de Guerra – ESG); comportou-se como membro do governo ante
os quartéis ao aceitar a decisão da área econômica em não dar aumento salarial para os militares e solicitou que
os comandantes militares não fizessem declarações públicas em favor de tal aumento, bem como exigiu que o
Exército se adequasse aos termos do Estatuto do Desarmamento patrocinado pelo governo.” (ZAVERUCHA,
2005, p. 113).
6 “A Política Nacional de Defesa (PND) é o documento condicionante de mais alto nível do planejamento
de ações destinadas à defesa nacional coordenadas pelo Ministério da Defesa. Voltada essencialmente para
ameaças externas, estabelece objetivos e orientações para o preparo e o emprego dos setores militar e civil em
todas as esferas do Poder Nacional, em prol da Defesa Nacional.”(MINISTÉRIO DA DEFESA, 2005, p. 1).
7 “Para o lugar de Alencar, Lula indicou o então ministro da Controladoria Geral da União, Waldir Pires,
seu amigo. Pires era o Chefe da Casa Civil do governo João Goulart quando o mesmo foi deposto pelos
militares em 1964. Lula quis com isso mostrar a maturidade da democracia brasileira, pois militares
bateriam continência para um civil outrora apeado do poder pelas Forças Armadas. O tiro saiu pela culatra.”
(ZAVERUCHA, 2007, p.39).
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MINISTÉRIO DA DEFESA: ENTRE A ÉGIDE MILITAR E A ESFINGE CIVIL
no setor da aviação civil. Em sua gestão ocorrerão dois dos maiores acidentes aéreos da história
do Brasil, o voo de nº197 da Gol em setembro de 2006 e o voo de nº3054 da TAM em julho
de 2007. Na ocasião tentou-se culpar os controladores aéreos pelas falhas que possibilitaram à
queda dos aviões, que em resposta, se amotinaram diversas vezes, exigindo a desmilitarização
do setor, melhores condições de serviço, contratação de mais funcionários e compra de
novos equipamentos. O motim trouxe indignação da opinião pública, mas também no meio
militar e o Presidente do clube da Aeronáutica ameaçou até acionar o presidente por crime de
responsabilidade8. O presidente Lula age rapidamente no sentido de punir os controladores
aéreos, e de revogar um ato encaminhado por ele sobre a desmilitarização do setor9.
Waldir Pires deixa o ministério em julho de 2007, em seu lugar é indicado o exministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Caberia a ele arrumar a casa após os
problemas no setor da aviação civil. Foi sua administração, a que melhor se relacionou com os
militares desde a criação do Ministério, ele sabia agradar e prestigiar, por exemplo, apareceu
publicamente em diversas ocasiões vestido com farda. Coube ao Ministro Jobim implantar a
Estratégia Nacional de Defesa10, terminando o ciclo de construção dos grandes documentos
com as diretrizes políticas, financeiras e estratégicas referentes à defesa nacional. Sobre sua
administração o governo efetivou as medidas de reativação do parque industrial de produtos
de defesa, assinando vários acordos de transferência de tecnologia, e retomando as discussões
referentes ao reaparelhamento das Forças Armadas, a compra de caças de combate de altíssima
tecnologia, e do desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear com tecnologia nacional,
medidas que em muito agradaram o meio castrense.
A ABORDAGEM INSTRUMENTAL E OS DESAFIOS REFERENTES ÀS RELAÇÕES
CIVIS E MILITARES EM UM CONTEXTO DEMOCRÁTICO
Ao focar as relações civis e militares dentro do governo Lula, têm se os debates mais acalorados
oriundos dos momentos em que se debate a ditadura civil militar. Em 2004, o primeiro Ministro
8 “Paralelamente, o Presidente do Clube da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar, Ivan Frota, enviou
um mensagem aos associados intitulada “Impunidade – “Apagão” Institucional. Na mesma, Frota ameaçou
entrar, no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade e denúncia de crime de
responsabilidade, contra a pessoa do Presidente Luiz Ignácio Lula da Silva, caso ele em 72 horas, não adote
imediatas providencias corretivas. Dente elas, “a imediata reconsideração da decisão de “desmilitarizar”
o controle do tráfego aéreo e a restituição ao Comando da Aeronáutica da autoridade para administrar o
problema militar surgido, com o envolvimento dos subordinados”. (ZAVERUCHA, 2007, p. 42-43)
9 “Confrontado em sua autoridade pelos militares, Lula preferiu não pagar para ver. Ou seja, reconheceu a
possibilidade de ser apeado do poder. Muito pelo contrário. Recuou com uma rapidez e radicalismo jamais
vistos nos seus cinco anos de governo. Creio que o peso da história ajudou na decisão presidencial. Em 1963,
houve uma rebelião de Sargentos onde a hierarquia militar também fora rompida. A tíbia atitude do então
Presidente João Goulart contra os rebelados ajudou a empurrar os militares legalistas a apoiarem o golpe
de 1964. A rebelião dos sargentos controladores uniu os oficiais das Forças Armadas contra o Presidente.”
(ZAVERUCHA, 2007, p. 43)
10 “A presente Estratégia Nacional de Defesa trata da reorganização e reorientação das ForçasArmadas, da
organização da Base Industrial de Defesa e da política de composição dos efetivos da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica. Ao propiciar a execução da Política Nacional de Defesa com uma orientação sistemática e
com medidas de implementação, a Estratégia Nacional de Defesa contribuirá para fortalecer o papel cada vez
mais importante do Brasil no mundo.” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2008, p. 1).
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JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS
da Defesa no governo Lula, José Viegas criticou publicamente o Exército e sugeriu que havia
pouco empenho por parte deles nas buscas dos corpos dos desaparecidos na guerrilha do
Araguaia, pouco depois o Exército respondeu à publicação de uma foto do corpo do jornalista
Vladmir Herzog diretamente, sem consultar antes o ministro, e quando interpelados por Viegas,
a resposta foi encaminhada diretamente ao presidente Lula. Em outro episódio mais recente,
envolvendo a Comissão da Verdade, o governo Lula resolveu postergar sua criação para o
governo de sua sucessora Dilma Rousseff, diante das manifestações contrárias do clube militar
e do próprio Ministro Nelson Jobim.
Na verdade, desde a redemocratização, tudo que envolve os assuntos militares é tratado
com certo temor por parte das autoridades civis, o Ministério da Defesa foi criado treze anos
depois do fim da ditadura, a Comissão da Verdade, sempre acusada de promover o revanchismo,
apenas foi instaurada em 2012. As pensões pagas aos mortos, desaparecidos e torturados pela
ditadura também causa certo desconforto.
Pauta-se sempre por uma versão deturpada das causas do golpe militar, na qual as Forças
Armadas são vistas como na concepção institucional-organizacional. Segundo Antônio Carlos
Peixoto:
A concepção institucional-organizacional, por sua vez, enfatiza a autonomia da
instituição militar face à sociedade global. Segundo essa abordagem, as Forças
Armadas se convertem na matriz dos inputs e dos outputs militares; o fenômeno
militar é, em última análise, auto-explicável.Os traços mais salientes da lógica
organizacional burocrática – são privilegiados em prejuízo das influências civis. O
aparelho militar é analisado como uma estrutura monolítica, e seu output, político
é o resultado de processos e de decisões que se prendem à lógica e à percepção
próprias da instituição e de seu funcionamento vertical. (PEIXOTO, p. 30).
Adotar essa visão como a única explicativa sugere uma concepção errada da realidade
histórica e da situação atual, exclui-se do debate o papel que frações da burguesia tiveram no
golpe, assim como os setores médios. Em outras palavras, deixa de lado o braço civil do golpe,
por exemplo, algo que não ocorre na tentativa de golpe em 1961, na qual um setor da cúpula
militar tentou impedir a posse de João Goulart, mas fracassou porque a população decide resistir
nas ruas, assim como setores militares decidem não correr o risco de jogar o país em uma guerra
civil. De acordo com Nelson Werneck Sodré:
Não resiste à mais superficial análise, por outro lado, a suposição de que as Forças
Armadas operaram isoladamente, e vivem e atuam separadas das forças sociais do
país. O golpe de 1964, militar na sua exteriorização – correspondendo a inegável
alteração na correlação de forças, e com apoio, portanto, de variadas e numerosas
e poderosas componentes – , foi político na sua essência, e atendeu a interesses
políticos inconfundíveis, independentes da vontade da maioria esmagadora
de seus participantes e de muitos de seus mais destacados chefes. As Forças
Armadas brasileiras foram acionadas para operar transformação cirúrgica na
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MINISTÉRIO DA DEFESA: ENTRE A ÉGIDE MILITAR E A ESFINGE CIVIL
estrutura política brasileira, a fim de deter o processo de transformação estrutural
que permitiria o desenvolvimento do país, econômico, social, político, dentro de
normas democráticas. (SODRÉ, 2010, p. 473-474).
Para Nelson Werneck Sodré, a concepção que melhor define as relações entre civis e
militares será a instrumental. As Forças Armadas sofrerão influências da luta de classes em seu
interior, e seu apoio será disputado pelas classes em conflito, mas no fim é a hierarquia, as altas
patentes que tomarão a decisão repassando-a ao resto de toda a organização, que pelos valores
de obediência haverá de acatar e executar. Segundo Antonio Carlos Peixoto, a concepção
instrumental:
A concepção instrumental busca nos interesses de classe, dos grupos,
das forças políticas e das correntes de opinião os motivos condutores das
manifestações militares. As forças militares agem a partir de estímulos
encontrados fora das fronteiras da corporação. Elas são acionadas por grupos
de interesse ou pressão e, em última análise, o sentido final da intervenção
militar favorece sempre um ou outro dos grupos que disputam o poder e o
controle do aparelho do Estado. As Forças Armadas identificam-se sempre
com ou outro desses grupos. O mais comum inclusive é encontrar, no âmbito
da organização, representantes de cada um deles, pois a instituição armada
deixa-se penetrar pelas tensões que atravessam a sociedade civil e a esfera
política. E os confrontos que existem e se desenvolvem no seio da corporação
militar são meros reflexos dos confrontos mais globais que marcam o processo
político. (PEIXOTO, 29-30).
De jeito, ocorre que em momentos específicos a organização militar possa estar dividida
em opinião tanto nas altas patentes como nas mais baixas, um exemplo são os anos de 1950
onde havia um debate intenso entre os militares nacionalistas, defensores do monopólio estatal
da exploração do petróleo, e aqueles militares que fechados com a fração da burguesia nacional
aliada do imperialismo defendiam a entrega da exploração do petróleo para as multinacionais.
Os debates foram intensos e acalorados ganhando uma dimensão publica no embate pela
presidência do Clube Militar em 1950. A chapa nacionalista encabeçada pelo General Estilac
Leal e contando com amplo apoio dos integrantes do setor militar do Partido Comunista
Brasileiro, vence o pleito, mas sofre uma pesada oposição que termina com o exílio interno
de membros da diretoria, assim como a perseguição e prisão de apoiadores. Os nacionalistas
controlavam o clube militar, Estilac Leal viria a se tornar Ministro da Guerra no Governo de
Getúlio Vargas. Mas os opositores eram maioria nas chefia e na cúpula militar, assim utilizaram
seu poder e força para tentar calar os nacionalistas e ganhar o apoio das Forças Armadas aos
interesses imperialistas11.
11 Segundo Paulo Cunha: “O candidato a presidente do clube militar expressava, naquele presente, a
história e a tradição de luta de um passado da esquerda tenentista (alguns inclusive o pontuam com um
ideário socialista), associado a um componente ético que forjara idealisticamente toda uma geração que
teve o intuito de reformar a nação. Ao longo do Estado Novo, o General Estilac Leal pautaria sua conduta
por vários posicionamentos políticos corajosos. Era sem dúvida, um tenente. O candidato a vice, o general
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JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS
Voltando à atual conjuntura, é um erro apreender os militares como uma ameaça ao
regime democrático apenas por adotar uma medida que vá de forma contrária aos seus intentos,
afinal em um regime solidamente democrático em teoria as instituições deveriam funcionar
sem disparidade de poder. Assim, por mais que possuam a especificidade da hierarquia e da
obediência, há correntes diferentes entre os militares, bem como as vozes elevadas de alguns
setores não devem ser tomadas como indicativo da vontade geral dentro da instituição. Segundo
Renato Daginino no pós 1985:
A principal corrente do pensamento civil no Brasil via a profissionalização como
uma maneira capaz de debilitar o poder de veto dos militares na esfera política
e sujeita-los ao controle civil. Os militares pareciam aceitar a profissionalização,
dado que ela poderia levar a uma acumulação de forças capaz de permitir aumentar
sua influência em outras esferas. Os militares pareciam estar convencidos de que
sua sobrevivência enquanto tais, estava cada vez mais dependente da adoção de
um novo papel profissional capaz de legitimá-los frente a sociedade. (DAGNINO,
2010, p. 181-182).
Essas esferas indicadas pelo autor não dizem respeito apenas à política, mas também
como Pesquisa e Desenvolvimento. Nesse sentido não haveria consenso entre os militares de
que eles deveriam se lançar na aventura de um novo golpe de Estado, mas antes buscar a defesa
e o desenvolvimento nacional, principalmente com a revitalização da Indústria de Defesa.
Segundo João Quartim de Moraes, um dos motivos para essa mudança de mentalidade
reside no fato de que o setor ligado à extrema direita e defensora do terrorismo de Estado
teria perdido a batalha pelo poder durante o governo de Ernesto Geisel; muito embora o setor
vitorioso também fosse ligado à direita, esta não defendia um recrudescimento da violência
contra os civis. A vitória da direita sobre a extrema direita possibilitou aos militares manterem
a:
[...] autonomia da corporação militar no interior do aparelho de Estado e,
portanto, de sua capacidade de intervenção numa gama de questões que inclui
desde a repressão a movimentos grevistas até as ameaças e pressões dirigidas
contra a soberania do Congresso Constituinte, eleito a 15 de novembro de 1986.
(MORAES, 1991, p. 15).
Horta Barbosa, que vinha se destacando na campanha O Petróleo é Nosso, era o que melhor representava
um projeto de nacionalismo como ideário de nação. Ambos os personagens, a meu ver representam em
grande medida, a continuidade do projeto tenentista. Um representando a história; e o outro, a viabilidade
modernizante e programática que até então faltava àquele ideário. A chapa de oposição dispensa ao meu
ver, grandes apresentações. Basta sinalizar a liderança hegemônica conservadora de seus membros que, em
sua maioria, estariam em posições de comando no golpe de 64, aliados como estavam, naquela ocasião,
aos interesses imperialistas. Nesta decisiva polarização, estavam por um lado, os segmentos nacionalistas e
democráticos e, por outro, seus oponentes conservadores, alguns de notória tradição militante nazi-fascista,
Aquela eleição, com certeza refletiria indubitavelmente na futura eleição presidencial e, consequentemente,
no projeto de desenvolvimento corrente.” (CUNHA, 2002, p. 245).
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MINISTÉRIO DA DEFESA: ENTRE A ÉGIDE MILITAR E A ESFINGE CIVIL
A direita das Forças Armadas ao manter certo tipo de autonomia, manteve o controle
sobre a ideologia e a formação de cadetes e oficiais, mantendo alguns aspectos dos currículos
das escolas de formação ainda embebidos em concepções da velha Doutrina de Segurança
Nacional, que embasava a atuação das Forças Armadas contra sua própria população para afastar
a ameaça comunista do país. A título de exemplo, na Argentina onde o resgate histórico dos
crimes da ditadura militar foi mais profundo, além de se abrir espaço para punir os torturadores,
inclusive os presidentes militares, houve um movimento popular para a mudança nos currículos
de formação militar para uma formação mais democrática e cidadã.
CONCLUSÃO
No sentido da discussão encaminhada até agora, o Ministério da Defesa pode cumprir um papel
fundamental de tentar acabar com os resquícios da ditadura, embora não se saiba até que ponto
sua criação, ou mesmo consolidação (já no governo Lula) contribuiu para retomar o caminho de
sua missão, que para Nelson Werneck Sodré será de “assegurar as instituições democráticas e a
livre expansão econômica nacional” (SODRÉ, 2010, p. 488). Mas, como não houve a superação
de contradições históricas existentes, como a grande concentração de renda e terras nas mãos de
frações da burguesia, ou então a subordinação relativa do país à certos interesses imperialista,
corre-se o risco como apontado por Nelson Werneck Sodré de transformar as “Forças Armadas
nacionais em tropa de ocupação [...]a serviço do imperialismo” (Sodré, 2010, p. 485).
Tendo em vista esses dois caminhos, ainda em aberto, é preciso compreender então
até que ponto o governo Lula caminhou em seus assuntos militares, se no sentido da busca de
consolidação das Forças Armadas como um instrumento que garanta a segurança das instituições
democráticas, ou como tropa de ocupação, afinal segundo João Quartim de Moraes:
A subordinação das Forças Armadas ao poder político legítimo (isto é,
correspondente à expressão soberana da vontade popular) exige, portanto, além
da firme determinação do Governo, do Congresso e dos Partidos no sentido
de romper a autonomia e os privilégios corporativos de que ainda desfruta a
burocracia militar, uma mudança de mentalidade dos próprios militares que
os leve a rejeitar a nefasta atitude de detentores profissionais do monopólio do
patriotismo para assumir, como qualquer outro corpo de funcionários do Estado,
o exercício exclusivo do serviço público que lhes foi confiado, a preparação dos
meios da defesa nacional (já que cabe às autoridades políticas legítimas fixar os
fins da atividade militar, com os da atividade de todos os demais funcionários,
sejam eles da área da saúde, dos transportes, da educação, etc.). (MORAES, 1991,
p. 20).
Enquanto exemplo a ser destacado, em 2008 e 2010, o Brasil foi escolhido para ser sede
respectivamente da Copa do Mundo e das Olimpíadas, tal fato foi utilizado para concentrar
capital e realizar investimentos de revitalização urbana nas cidades escolhidas para sediar os
eventos esportivos. No bojo dessa revitalização, era preciso desocupar casas e bairros habitados
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JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS
pela classe trabalhadora, para em seu lugar abrir novos espaços para setores da média e alta
burguesia, em outras palavras a Copa e a Olimpíada foram utilizadas para realizar um movimento
de especulação imobiliária. No âmbito desse movimento, as Forças Armadas e a polícia foram
chamadas para fazer reintegrações de posse, desapropriações, ocupações de morro, agindo de
modo violento contra a população que ousava resistir às ânsias do capital.
Dentro do que já foi exposto neste trabalho é possível aventar algumas hipóteses de
como se deu as relações entre civis e militares durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(2003-2011), e em que sentido o Ministério da Defesa contribuiu ou não para se superar o
padrão em que essas relações tem se dado desde a ditadura civil militar. Em outras palavras
compreender o modo como os militares foram utilizados em seu governo, se para garantir a
defesa das instituições democráticas, ou para defender os interesses do imperialismo no país.
E nesse caminho abarcar os objetivos do governo Lula, para qual classe ele governou qual a
natureza e sentido das mudanças sociais dentro desse governo, bem como ajuda a construir sua
imagem, se no fim foi um governo à esquerda, ou se ele foi um governo que se manteve no
centro próximo à direita.
O governo Lula representava para setores da esquerda a possibilidade de realizar as
mudanças estruturais que o país clama desde 1964 e contra as quais o golpe foi dado. Nesse
sentido torna-se necessário observar como se deu o trato da questão militar dentro de seu governo.
Como foi em pormenores que se desenvolveu as relações entre civis e militares, ou seja, é preciso
observar para como o governo tentou direcionar as Forças Armadas se no sentido da defesa das
instituições democráticas ou se no sentido da das “tropas de ocupação do imperialismo”. Tal
resposta ajuda a compreender a natureza de classe do governo e também o modo como se deu as
transformações sociais dentro desse período histórico e que transformações são essas, ajudando
a compreender a realidade que vivemos hoje.
Partindo dessa tentativa, aponta-se também para a hipótese elaborada por Carlos Nelson
Coutinho que retomando as categorias de Antonio Gramsci, observa o governo Lula12dando
continuidade na política econômica neoliberal do governo anterior, reafirmando assim a
hegemonia neoliberal – aqui entendida pelo autor enquanto contrarreforma – com o elemento
daquilo que Gramsci chamava de transformismo, ou seja, a cooptação para o bloco de poder de
lideranças de movimentos sociais e de outros representantes da classe subalterna.
Dessa maneira, é possível aventar a hipótese de que as Forças Armadas de alguma forma
não voltaram ao papel de defesa das instituições democráticas. Nesse sentido, em um primeiro
olhar observa-se que aquilo que João Quartim de Moraes apontava como necessidade para
12 Para Carlos Nelson: “Infelizmente, a chegada do PT ao governo federal em 2003, longe de contribuir
para minar a hegemonia neoliberal, como muitos esperavam, reforçou-a de modo significativo. A adoção
pelo governo petista de uma política macroeconômica abertamente neoliberal – e a cooptação para essa
política de importantes movimentos sociais ou, pelo menos, a neutralização da maioria deles – desarmou
resistências ao modelo liberal-corporativo e assim abriu caminho para uma maior e mais estável consolidação
da hegemonia neoliberal entre nós. Estamos assistindo a uma clara manifestação daqui que Gramsci chamou
de ‘transformismo’, ou seja a cooptação pelo bloco do poder das principais lideranças da oposição. E esse
transformismo, que já se iniciava no governo Cardoso, consolidou definitivamente o predomínio entre nós da
hegemonia da pequena política.” (COUTINHO, 2010, p. 42).
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MINISTÉRIO DA DEFESA: ENTRE A ÉGIDE MILITAR E A ESFINGE CIVIL
fortalecimento democrático via instituições militares, não foi concretizado, há o receio oriundo
de uma falsa visão da realidade de que se por algum acaso a autonomia militar for ferida
corremos o risco de um golpe. Assim continua-se sem haver mudanças nas doutrinas militares.
Em outro sentido, dessa vez apontado por Renato Dagnino em seu livro “A indústria de
Defesa no governo Lula” houve durante o governo Lula uma pressão das empresas que produzem
produtos de defesa – reunidas na ABIMDE, Associação Brasileira Das Indústrias de Materiais
de Defesa e Segurança – para se criar uma política, consolidada dentro da “Estratégia Nacional
de Defesa” de revitalização da Indústria de Defesa. Um dos eixos da própria “Estratégia”
é centrado na revitalização da indústria de defesa: “O segundo eixo estruturante refere-se à
reorganização da indústria nacional de material de defesa, para assegurar que o atendimento
das necessidades de equipamento das Forças Armadas apoie-se em tecnologias sob domínio
nacional.” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2008, p. 10).
Para tanto, o Ministério se encarregaria de estabelecer um regime de compras de
Material de Defesa que privilegiasse as empresas nacionais, estabelecendo um regime tributário
especial (Lei 12.598/2012) e também um regime mais flexível para licitação. Nesse sentido uma
análise ainda simples indica que já houve um crescimento no número de empresas associadas
à ABIMDE13, o que sugere um sucesso na estratégia de Revitalização da Indústria de Defesa.
Outro eixo, é que o Ministério da Defesa e das Relações Exteriores deveria agir no sentido de
estabelecer acordos com os países da América Latina, estabelecendo essa como uma das áreas
possíveis de se tornar um mercado cativo para os produtos da Indústria de Defesa brasileira.
Dentro das possibilidades de ação, o Ministério da Defesa aparenta ter superado seus
problemas iniciais no relacionamento entre o comando civil e o comando militar, podendo
assim cumprir seus objetivos iniciais que é o de estabelecer políticas públicas para área. Assim,
ao estabelecer e aplicar as políticas, fica mais claro o modo como o MD age, e o modo como ele
direciona a atuação das Forças Armadas em seu conjunto. O núcleo duro dessa análise centrase em observar que assim como outros ministérios, o da Defesa deve junto com as autarquias
ou instituições subordinas e ligadas à eles, servir como um meio de distribuição do fundo
público para as empresas, ajudando ou acrescendo seus lucros, principalmente em um ambiente
de crise. Exemplos maiores dessa forma de atuação são as grandes empreiteiras brasileiras,
Odebrecht, Camargo Correia e OAS, empresas que prestam serviço ao Estado em construção,
administração de rodovias, portos, aeroportos, criaram setores específicos para Defesa. Assim
ao lado de programas que se tornaram carro chefe do governo Lula e de sua sucessora Dilma
Rousseff, como “Minha casa, Minha Vida” e o Programa de Aceleração do Crescimento, o
PAC, pode se somar a Lei 12.598/2012.
Aventa-se então que o Ministério da Defesa cumpre um papel duplo, ele transfere
recursos para ajudar na manutenção dos lucros de setores da burguesia nacional e internacional,
ao mesmo tempo em que nos momentos que for preciso pode utilizar as Forças Armadas para
13 De acordo com um artigo do presidente da ABIMDE para a revista Tecnologia & Defesa, houve um
crescimento de 98 empresas associadas em 2009, para 150 empresas em 2011. (ORLANDO JOSÉ FERREIRA
NETO, 2011, p. 52 e 53).
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JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS
garantir a ordem, a manutenção dos lucros etc. reprimindo a classe trabalhadora, ou ajudando
nas remoções para garantir a reprodução do capital nas cidades. Portanto pode-se dizer que
as Forças Armadas, dentro da atual condição democrática cumprem um papel de defesa dos
interesses do capital no país, sendo que o órgão criado na falsa esperança de modificação da
atuação delas, contribui para essa forma de atuação, ao agir como os outros ministérios e o
Estado no sentido de garantir a reprodução do capital.
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FRAGILIDADE E POSIÇÃO PERIFÉRICA DAS ILHAS DA
OCEANIA NO SISTEMA INTERNACIONAL
Raony Palicer
Graduando de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá
Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar considerações iniciais a partir de uma
investigação em andamento sobre a posição dos Estados do continente da Oceania no sistema
internacional. Pensando o sistema internacional como palco de constante disputa hegemônica,
onde prevalecem as relações de política e poder, tentaremos identificar a distribuição de poder
dos referidos países neste cenário. Para tanto lançaremos mão do aporte teórico metodológico
no campo das relações internacionais.
Palavras-chave: Oceania; Sistema Internacional; Hegemonia; Relações Internacionais.
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FRAGILIDADE E POSIÇÃO PERIFÉRICA DAS ILHAS DA OCEANIA NO SISTEMA INTERNACIONAL
INTRODUÇÃO
Quando pensamos na Oceania, imediatamente nos vem à mente suas ilhas paradisíacas, os
mares de um azul límpido transmutando-se em um belo verde-água. Os corais multicoloridos
pulsando vida, as praias de areia branca, os povos com culturas tão ricas e variadas, entre
outras maravilhas de pacotes turísticos. Por trás desse panorama idílico estão Estados nacionais
frágeis, dominados no sistema internacional, com economias incipientes e sérios problemas de
estruturas básicas para a sua população.
O colonialismo deixou sua marca inclusive na ciência. Há vários estudos versando sobre
a colonialidade do saber, seja questionando o caráter eurocêntrico da epistemologia das ciências
sociais, seja observando a falta de olhares múltiplos através da ciência1. Por isso julgamos
necessário o olhar de regiões periféricas para o centro, ou para outras regiões periféricas. Se
os “brasilianistas” americanos muito contribuíram para a compreensão de nossa realidade,
contribuições de igual ou maior relevância poderiam advir de olhares asiáticos, africanos ou de
outros países da América Latina sobre o Brasil e vice-versa. Por isso propomos um olhar latinoamericano sobre a Oceania. Cientes de nossas proximidades e diferenças esperamos compor
uma alternativa, ao menos na tentativa de conhecimento da realidade, pois nações europeias
e os Estados Unidos já têm participações incisivas nos estudos da região. As similaridades
históricas – de passado colonial, por exemplo – e atuais – como a manutenção da posição
periférica – nos permite traçar paralelos e compreendermos mutuamente os papéis das duas
regiões no cenário internacional.
Ademais, a aproximação é imprescindível quando verificamos um cenário internacional
de embates hegemônicos, no qual ambas as regiões se encontram distantes dos focos de poder.
As alianças entre os Estados não-hegemônicos são primordiais para a superação da atual
organização dos Estados no sistema internacional, que relega a esses países papeis subalternos
e problemas endêmicos de condições básicas de sobrevivência de sua população.2
Este trabalho representa um esforço inicial nesta direção. Procuraremos analisar as
distribuições de poder dentro do continente da Oceania e entre este continente e outras regiões
do mundo, pensando nos âmbitos teóricos de autores das relações internacionais como Edward
Carr e Tullo Vigevani.
1 LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: Clacso, 2005.
2 Conforme Luciano Gruppi, pensando a hegemonia em seu papel mais clássico e classista: “Hegemonia é
isto: determinar os traços específicos de uma condição histórica, de um processo, tornar-se protagonista de
reivindicações que são de outros estratos sociais, da solução das mesmas, de modo a reunir em torno de si
esses estratos, realizando com eles uma aliança na luta contra o capitalismo e, desse modo, isolando o próprio
capitalismo”. (GRUPPI, 1978, p. 59). Esse conceito é expandido para as relações internacionais por autores
como Giovanni Arrighi, para quem a hegemonia mundial “[...] refere-se especificamente à capacidade de
um Estado exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas. Em princípio
esse poder pode implicar apenas a gestão corriqueira desse sistema, tal como instituído num dado momento.
Historicamente, entretanto, o governo de um sistema de Estados soberanos sempre implicou algum tipo
de ação transformadora, que alterou fundamentalmente o modo de funcionamento do sistema” (ARRIGHI,
1996, p. 27).
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RAONY PALICER
A OCEANIA
Composto por pouco mais de uma dezena de Estados, o continente da Oceania é o menor
do mundo em massa territorial e também o menos povoado - se excetuarmos a Antártica.3
Também nos chama atenção a sua composição diferenciada, onde os outros continentes
apresentam imensas porções de terras, a Oceania traz minúsculas ilhas, com exceção apenas da
gigantesca Austrália que representa quase 90% da massa de terra do continente. 4
Não é apenas no tamanho do território que a Austrália difere do restante dos Estados
na região. Junto com a Nova Zelândia, são os únicos países que conseguiram se adaptar ao
capitalismo mundial, sendo consideradas nações desenvolvidas, com economia diversificada,
indústria avançada e bons índices de desenvolvimento humano. 5
Os demais Estados da região, em maior ou menor grau, lutam pela sobrevivência.
Afastadas dos polos de poder, sem indústria estabelecida e nem mesmo condições de estabelecêla, com falta de mão de obra e de mercado consumidor, sendo constantemente atingidas por
desastres naturais como furacões, tornados e tsunamis, as pequenas ilhas do oceano pacífico se
encontram na periferia do capitalismo e consequentemente do sistema internacional.
Pensamos o sistema internacional de acordo com definição apresentada, entre outros, por
Tullo Vigevani que une a noção de sistema interestatal de Raymond Aron com os fenômenos
transnacionais e a economia mundial, no qual o capital passa a cumprir o papel do grande ator
transnacional. Assim, o sistema interestatal é exposto por Aron como as relações entre Estados
no cenário mundial, já o sistema internacional é definido por Vigevani como “um conjunto
que inclui o sistema interestatal, a economia mundial, ou o mercado mundial ou o sistema
econômico mundial, e os fenômenos transnacionais ou supranacionais.” 6
Esta relação entre os Estados não é harmônica. Com cada Estado sendo soberano e
buscando a conquista de seus objetivos, o que vigora é a anarquia, conforme Vigevani:
3 Há dissenso entre os teóricos quanto aos países que fazem parte do continente. O debate gira em torno
da ilha de Nova Guiné, que sofreu um processo de colonização por alemães e ingleses. A ilha é dividida
exatamente ao meio sendo que o norte foi ocupado pela Alemanha e hoje é parte da Indonésia e o sul pela
Inglaterra, hoje o Estado independente de Papua Nova Guiné, sendo que alguns teóricos consideram toda a
Ilha como parte do Sudeste Asiático. Neste trabalho compartilhamos da visão contrária, que por motivos de
afinidades culturais e posicionamentos políticos, considera apenas a parte indonésia da ilha como Sudeste
Asiático e Papua Nova Guiné como parte do continente da Oceania. Isto posto, esclarecemos que nossa
concepção de Oceania abarca os Estados independentes: Austrália, Fiji, Ilhas Salomão, Kiribati, Estados
Federados da Micronésia, Nauru, Nova Zelândia, Palau, Papua Nova Guiné, Samoa, Tonga, Tuvalu e Vanuatu;
os Estados em livre-associação como Ilhas Cook e Niue - que têm livre-associação com a Nova Zelândia - e
as Ilhas Marshall - em livre-associação com os Estados Unidos. Além disso, abarcaremos em nossa análise
algumas possessões e colônias, como as ilhas de Guam e Samoa Americana - posses dos Estados Unidos -, o
conjunto de ilhas da Polinésia Francesa, a Nova Caledônia e o arquipélago de Wallis e Futuna - em posse da
França -, além das Ilhas Pitcairn, último resquício do império britânico na Oceania.
4 Dados geográficos retirados da base de dados do Pacific Island Forum, disponível em <http://www.
forumsec.org/pages.cfm/about-us/member-countries/> acesso em 03/10/2013, em conjunto com informações
do CIA World Factbook.
5 Ao levarmos em conta dados do CIA World Factbook, World Bank DataBank e informações da ONU
sobre IDH.
6 VIGEVANI, 1999, p. 7
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FRAGILIDADE E POSIÇÃO PERIFÉRICA DAS ILHAS DA OCEANIA NO SISTEMA INTERNACIONAL
“Falar em sistema interestatal nesse sentido nos leva de volta à ideia de anarquia,
ideia chave em todo e qualquer estudo de relações internacionais. (...) Como
sugere a quase unanimidade da literatura, a anarquia existe, é um fato.” 7
Ainda nesta direção recuperamos as contribuições de E. Carr. Segundo o autor, entre
Estados e sob a lógica da anarquia, o que vigora são as relações de poder. A força, para Carr,
está presente em qualquer relação política e segundo ele:
“O fracasso em reconhecer que a força é um elemento essencial da política viciou,
até agora, todas as alternativas de se estabelecerem formas internacionais de
governos, e confundiu quase todas as tentativas de discutir o assunto.” 8
Carr vai se utilizar de uma divisão realizada por Russel, para classificar em três tipos o
poder político, ambos os autores são cuidadosos em afirmar a indissociabilidade do poder, sendo
esta tipologia meramente teórica. Os três tipos de poder dispostos por eles são o poder militar,
o poder econômico e o poder sobre a opinião. Vale ressaltar o caráter teórico desta divisão, Carr
coloca que “é difícil, na prática, imaginar um país que, por algum período de tempo, possua
algum tipo de poder isolado dos outros”.9 Além disso, temos mudanças no cenário internacional
que nos força a atualizar os conceitos, Meire Mathias, por exemplo, ao trabalhar a tipologia
de Carr, coloca em evidência a sobreposição do direito privado internacional sobre o direito
público internacional, ressaltando que:
“Do ponto de vista do poder na política internacional, altera-se não somente a
noção de soberania, mas também o domínio dos recursos de poder do Estado
resultando, inclusive, no aumento da vulnerabilidade externa do país”.10
Com isso em mente, utilizaremos da tipologia de Carr para analisarmos a distribuição de
poder entre os países da região.
O PODER MILITAR
Vejamos primeiramente o poder militar, o qual possui “suprema importância” na conceituação
de Carr. Segundo o autor, a guerra ocupa posição central na política internacional. Ainda que
a guerra seja indesejável, é uma necessidade em última instância para resolução de impasses
extremos como um último recurso, estando sempre presente como um espectro rondando as
relações interestatais. Por esse motivo, o autor afirma que:
“[as potências] são classificadas de acordo com a qualidade e a suposta eficiência
do equipamento militar, incluindo a força humana, à sua disposição” 11
7 VIGEVANI, 1999, p. 9
8 CARR, 1981, p. 109
9 CARR, 1981, p.110
10 MATHIAS, 2012, p.162
11 CARR, 1981, p.112
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Observando as ilhas por esse viés fica evidente sua debilidade. Nem todas as ilhas possuem Forças
Armadas próprias, Kiribati, Palau e Nauru, por exemplo, deixam sua defesa como responsabilidade da
Austrália ou da Nova Zelândia, baseados em acordos formais. As Ilhas Marshall têm acordo semelhante
com os EUA. Já Samoa se apresenta em uma situação ainda mais frágil, pois o acordo de defesa com
a Nova Zelândia é informal, o que o torna mais fácil de ser rompido. Mesmo as forças militares da
região, Austrália e Nova Zelândia, não possuem poderio militar para ameaçar as potências hegemônicas,
sendo que a Austrália tem atuado como um fiel aliado destas potências, apoiando e enviando tropas,
por exemplo, para a Guerra do Iraque, demonstrando um posicionamento mais voltado à submissão aos
estados hegemônicos do que à preocupação regional. 12
Quadro Militar13
País
Forças Militares
Austrália
Australian
Defense
Australian
Army
Force
(ADF):
(inclui
Special
Operations Command), Royal Australian
Navy (inclui Naval Aviation Force),
Royal Australian Air
Force,
Gastos
Homens em idade
Mulheres em idade
Militar(16-49 anos)
Militar(16-49 anos)
5,116,722
5,316,464
3%
233,240
222,587
1.6%
142,913
118,164
3.7%
25,190
20,302
-
22,008
23,501
-
Militares
(PIB)
Joint
Operations Command (JOC)
Republic of Fiji Military Forces (RFMF):
Fiji
Land Forces, Naval Forces (2011)
Ilhas Salomão
Kiribati
Não há forças armadas, nem acordos de
defesa
Não há forças armadas, a defesa é
fornecida pela Nova Zelândia
Micronésia,
Não há forças armadas, a defesa é
E s t a d o s
fornecida pelos Estados Unidos da
Federados da
América
12 Dados retirados do CIA World Factbook, disponível em <https://www.cia.gov/library/publications/the-worldfactbook/> acesso em 03/10/13.
13 Tabela construída pelo autor com dados do CIA World Factbook, disponível em <https://www.cia.gov/library/
publications/the-world-factbook/> acesso em 03/10/13.
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FRAGILIDADE E POSIÇÃO PERIFÉRICA DAS ILHAS DA OCEANIA NO SISTEMA INTERNACIONAL
Não há forças armadas, a defesa é
Nauru
fornecida pela Austrália
1,823
2,034
-
1,019,798
1,003,429
1.5%
5,272
3,969
-
1,568,210
1,478,965
0.5%
38,260
38,032
-
24,460
24,041
0.9%
2,021
2,026
-
43,331
44,927
-
New Zealand Defense Force (NZDF):
Nova Zelândia
New Zealand Army, Royal New Zealand
Navy, Royal New Zealand Air Force (Te
Hokowhitu o Kahurangi, RNZAF
Não há forças armadas, a defesa é
fornecida
Palau
pela
Estados
Unidos
da
América
Papua
Nova
Guiné
Papua New Guinea Defense Force
(PNGDF; includes Maritime Operations
Element, Air Operations Element)
Não há forças armadas, a defesa é
Samoa
fornecida pela Nova Zelândia
Tonga Defense Services (TDS): Land
Force (Royal Guard), Maritime Force
Tonga
(includes Royal Marines, Air Wing)
Não há forças armadas, nem acordos de
Tuvalu
defesa
Vanuatu
Não há forças armadas, nem acordos de
defesa
As ilhas também possuem baixo nível populacional (novamente com as exceções de Austrália
e Nova Zelândia, desta vez acompanhadas por Papua Nova Guiné), o que se desdobra em exércitos
defasados. O único país que nunca foi colonizado da região, Tonga, possui disponíveis em idade
militar (de 16 a 49 anos) cerca de 40 mil pessoas. Fiji, outro país com força armada própria, possui
aproximadamente 450 mil pessoas disponíveis para serviços militares. Números discretos perante aos
2 milhões de pessoas disponíveis para o exército da Nova Zelândia e ainda mais irrisórios frente aos 8
milhões da Austrália.14
14 Dados retirados do CIA World Factbook, disponível em <https://www.cia.gov/library/publications/the-worldfactbook/> acesso em 03/10/13.
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RAONY PALICER
Mapa Geopolítico15
Essa fragilidade fica ainda mais exposta quando observamos a posição estratégica ocupada
por esses países. Várias ilhas da região foram utilizadas como base militares durante a segunda guerra
mundial, principalmente pelos Estados Unidos e pelo Japão, mas também por alemães e franceses que
à época ainda mantinham suas colônias no continente. Atualmente a grande maioria dessas bases foram
desativadas, porém os Estados Unidos ainda mantém um grande número de bases ativas, seja em países
aliados, seja em suas dependências.
O PODER ECONÔMICO E O PODER SOBRE A OPINIÃO
Austrália e Nova Zelândia também são exceções quando se trata do segundo tipo de poder elencado por
Carr, o poder econômico. Se, como ressaltamos, as formas de poderes são inseparáveis na prática, mesmo
uma separação teórica entre o poder militar e o poder econômico é difícil de realizar, pois, conforme o
autor “O poder é indivisível; e as armas militares e econômicas são meramente, diferentes instrumentos
de poder” 16. O poder econômico está mais intrinsecamente ligado ao poder militar quando pensamos na
ameaça de guerra. Nesta condição, a autarquia, ou auto-suficiência é necessária para superar bloqueios
econômicos, garantindo a sobrevivência da nação. Além disso, temos o poder econômico sendo utilizado
em companhia do poder militar para garantir a influência dos países no exterior. Para isso realiza-se a
exportação do capital, isto é, investimentos externos e o controle de mercados estrangeiros. 17
15 SIMIELLI, 2009, p.37
16 CARR, 1981, p. 118
17 CARR, 1981, pp. 118-126
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FRAGILIDADE E POSIÇÃO PERIFÉRICA DAS ILHAS DA OCEANIA NO SISTEMA INTERNACIONAL
Pois novamente os únicos países em condição de exercer tais poderes na região são a
Austrália e a Nova Zelândia e mesmo assim de forma limitada. Ambos possuem uma economia
diversificada entre indústria, turismo e a agropecuária. O restante dos países da região tem
um leque de possibilidades econômicas diminuto, baseando-se quase que exclusivamente em
exportações de bens primários e na indústria do turismo.18
Com suas belas praias de águas claras, com seus corais pulsando vida, com a riqueza e
variedade de suas culturas, as ilhas do pacífico devem muito de sua renda ao turismo. Contudo,
a região é turbulenta. Cercada de vulcões, com grande número de terremotos e sendo atingidas
por tsunamis e ciclones, as ilhas são frequentemente devastadas, o que gera períodos de oscilação
no número de turistas, outro fator que acarreta em baixas nesta indústria são as democracias
recentes, as quais ainda passam por turbulências, como golpes de estado e instabilidades
política. 19
Além dessa indústria inconstante, o extrativismo é outra fonte de renda das ilhas,
com todos os malefícios que isso acarreta, como degradação do meio ambiente, condições
precárias de trabalho e eventuais extinções da fonte de riqueza. Neste sentido, o caso de Nauru é
exemplar, esta ilha foi exaurida pela mineração de fosfato, ficando com um território destruído
pela erosão, uma população empobrecida pela concentração dos lucros e um Estado falido, por
não ter outra fonte de renda. Ainda hoje temos algumas ilhas que vivem apenas da exportação
de copra (polpa seca do coco) e óleo de coco, ou outros produtos tropicais, todos com baixa
taxa de lucro. Outras ilhas, por fim, tem em sua economia somente a agricultura de subsistência,
sendo que alguns casos mais extremos exigem a importação de alimentos e ajuda internacional.
Fica aparente desta forma a falta de poder econômico das ilhas do pacífico, que não conseguem
promover uma autarquia e muito menos expandir sua influência através da economia, sendo
que, são elas que tem em seu território, uma grande influência dos países hegemônicos.
Quadro Econômico20
Mão
de
Exportações Importações
O b r a
(US$)
(US$)
Disponível
1 2 . 1 5
258.8 bilhões 239.7 bilhões
milhões
País
População
PIB (US$)
Crescimento
Austrália
22,262,501
1.542 trilhões
3.6%
Fiji
896,758
3.996 bilhões
2.1%
335,000
Ilhas
Salomão
597,248
1.01 bilhões
5.5%
202,500
226.5
milhões
$360.3
milhões
Kiribati
103,248
173 milhões
2.5%
7,870
7.066
milhões
80.09
milhões
991.6
milhões
1.762 bilhões
18 HEZEL, 2012, pp. 10-14
19 HEZEL, 2012, pp. 16-17
20 Tabela construída pelo autor com dados do CIA World Factbook, disponível em <https://www.cia.gov/
library/publications/the-world-factbook/> acesso em 03/10/13.
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Micronésia,
Estados
Federados
da
106,104
327 milhões
1.4%
15,920
24.9 milhões
132.7
milhões
Nauru
9,434
60 milhões
-
-
64,000
20 milhões
4,365,113
169.7 bilhões
2.5%
2 . 3 9 4
milhões
37.9 bilhões
37.15 bilhões
Palau
21,108
221 milhões
5.8%
9,777
12.3 milhões
113.4
milhões
Papua Nova
Guiné
6,431,902
15.79 bilhões
9.1%
3 . 9 8 6
milhões
5.604 bilhões
4.412 bilhões
Samoa
195,476
683 milhões
1.2%
47,930
11.4 milhões
318.7
milhões
Tonga
106,322
476 milhões
1.4%
39,960
8.4 milhões
121.9
milhões
Tuvalu
10,698
37 milhões
1.2%
3,615
600,000
16.5 milhões
Vanuatu
261,565
783 milhões
2.7%
115,900
$55.9
milhões
316.4
milhões
N
o v a
Zelândia
A última forma de poder apregoada por Carr é a propaganda, ou seja, o poder sobre a opinião,
no qual a capacidade de influência sobre as massas é fundamental para o exercício pleno do poder. Este
é mais um tipo de poder notável por sua ausência nas pequenas ilhas do pacífico. Sua influência é muito
fraca, tanto interna como externamente. A ausência de controle da opinião é visível internamente através
dos sucessivos golpes militares e instabilidade política. Fiji, por exemplo, já sofreu quatro golpes de
estados desde 1987, sendo que o último, de 2006, perdura até os dias de hoje. A falta de influência no
plano externo é visível pela pouca participação e pequeno peso das ilhas em decisões internacionais,
sendo que algumas ilhas têm livre-associação com Estados Unidos ou Nova Zelândia, ficando estes
países responsáveis pelos assuntos de política externa dos Estados, ou seja, eles nem mesmo chegam a
se manifestar propriamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos aqui, baseados na teoria de Carr, um levantamento inicial de um quadro geral dos países
da Oceania no sistema internacional. Pudemos visualizar sua visível fragilidade e sua posição à margem
da hegemonia mundial. Esse quadro pode ser encarado como desanimador, ao pensarmos as dificuldades
que esses Estados encontram em se manterem autônomos e conquistarem melhores condições de vida
para sua população, entretanto, podemos vislumbrar na região uma potencial configuração, ou ao menos,
um potencial aliado de uma contra-hegemonia. Conforme Edmundo Fernandes Dias:
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FRAGILIDADE E POSIÇÃO PERIFÉRICA DAS ILHAS DA OCEANIA NO SISTEMA INTERNACIONAL
“Constrói-se uma hegemonia na luta contra as formas institucionais da ordem
anterior, na crítica das suas formas de conceber o mundo; constrói-se, enfim, pela
atualização das suas possibilidades de transformação.” (DIAS, 2006, p. 46).
Sendo assim, uma área inicialmente tão frágil, pode vir a ser um poderoso contraponto
a essa dominação vigente. Por isso achamos importante o estudo da região em uma perspectiva
internacional. Procuraremos, com o avanço dos estudos, formar quadros mais amplos da
posição desse continente no sistema internacional. Neste caso nosso foco estará nas pequenas
ilhas, excetuando a Austrália e a Nova Zelândia que por se diferenciarem dessas ilhas tanto em
termos econômicos, quanto populacionais e militares, não caberia em nosso recorte. Visto, no
entanto, o importante papel que as duas nações cumprem na região, seria impensável não levalas em consideração ao pensamos sua relação com as ilhas.
Com um quadro mais completo da posição desses países no sistema internacional
poderemos investigar as possibilidades de organização regional, construção de contrahegemonia e aproximações com a América Latina.
Uma aproximação inicial entre as duas regiões é referente a forte influência americana,
atual pólo hegemônico, que se desdobra na ausência de soberania de alguns países e na perda
parcial da autonomia de outros mais poderosos. O segundo caso é visível em políticas voltadas
para interesses americanos de países maiores e mais desenvolvidos, como o Brasil na América
Latina e a Austrália, na Oceania. Já a ausência de soberania se visualiza claramente através dos
Estados livre-associados, como Porto Rico na América Latina e Ilhas Marshall na Oceania que
estão diretamente sujeitos à política norte-americana.
Esperamos com a continuidade deste trabalho encontrar novas aproximações e aprofundálas, para pensarmos a configuração de uma força nacional e internacional mais proeminente
entre essas nações no sistema internacional.
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RAONY PALICER
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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UNESP, Rio de Janeiro, 1995
CARR, Edward H. Vinte Anos de Crise: 1919 - 1939. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1981.
DIAS, Edmundo Fernandes. Política brasileira: embate de projetos hegemônicos. São Paulo,
Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2006.
FININ, Gerard A. Power Diplomacy at the 2011 Pacific Islands Forum (PIF). Asia Pacific
Bulletin, Honolulu, n. 136, p.1-3, nov. 2013.
GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal Editora,
1978.
HEZEL, Francis X. Pacific Island Nations: How Viable Are Their Economies. Pacific Island
Policy, Honolulu, n. 7, p.1-33, 2012.
LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais
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<http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/aurora/article/view/2702>. Acesso em: 04
Ago. 2013
SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas Básico. São Paulo: Ática, 2009.
VIGEVANI, Tullo. Ciclos longos e cenários contemporâneos da sociedade internacional. Lua
Nova [online]. 1999, n.46, pp. 5-53.
OUTRAS REFERÊNCIAS
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hdr.undp.org/en/statistics/>. Acesso em: 03 out. 2013.
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WORLD BANK. World Bank Databank. Disponível em: <hhttp://databank.worldbank.org/
data/home.aspx>. Acesso em: 03 out. 2013.
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PROJETO CHILE: UM ELO ATIVO NA
REVOLUÇÃO PASSIVA
Rodolfo Sanches
Graduado bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá e
mestrando pelo Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais da Unesp - Campus Marília.
Resumo: Entre os anos de 1956-1976 projetou-se a construção de uma contra-hegemonia ao
projeto cepalino no campo cultural, ético, político e econômico. Sob o disfarce de um acordo
institucional-acadêmico, o chamado “Projeto Chile”, vê-se que as classes dominantes puderam
se reestruturar em favor de seus interesses cosmopolitas, baseados, dentre outras possibilidades,
no elo proporcionado pelo Projeto citado. No decorrer do processo de Revolução Passiva, é
clarividente os pressupostos históricos da conformação de uma classe dominante submissa
ao imperialismo e defensora, como é de se esperar, do liberalismo “puro” e contumaz, aqui
chamado de neoliberalização.
Palavras-chave: Revolução Passiva; “Projeto Chile”; Meoliberalização.
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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RODOLFO SANCHES
INTRODUÇÃO
No Cone Sul – Argentina, Uruguai, Chile e partes do Brasil – as teses desenvolvimentistas
ganharam estofo teórico e político-institucional para progredir. A Comissão Econômica
para América Latina (CEPAL), 1950-63, órgão das Nações Unidas, sediada em Santiago
no Chile era o principal meio de veiculação técnica e científica. Acontece que esta idéia de
promover na América Latina o seu próprio New Deal arrebatou inimigos poderosos no
campo nacional e internacional. Aos olhos estadunidenses, o nacionalismo proveniente dos
ideais desenvolvimentistas era o passo intermediário para o “totalitarismo” comunista. Milton
Friedman e demais colegas de Chicago, viam nisto uma afronta irremediável para o status quo
legítimo do mercado “puro”. E, não menos importante, este processo incitado pela CEPAL e os
economistas ligados a ela, interfere conclusivamente para extirpar os lucros exorbitantes dos
latifundiários e torna possível outros meios de vida a uma grande massa camponesa. Nota-se
que este tipo de organização intelectual tem sérios reflexos na sociabilidade e, não por menos,
objetiva-se a isto, afinal a disputa de hegemonia se da no campo político, cultural e econômico.
Ademais, nos idos de 1956 é oficializado um acordo universitário entre a Universidade
de Chicago e Pontifícea Universidade Católica de Santiago, conhecido como “Projeto Chile”.
Fora marcado um encontro entre Albion Patterson, diretor da Administração para a Cooperação
Internacional dos Estados Unidos no Chile – que mais tarde se tornaria United States Agency
for International Development (USAID) –, e Theodore Schultz, diretor do departamento
de Economia da Universidade de Chicago, chegaram a conclusão de que o próximo passo
deveria ser “modificar a formação dos homens” (KLEIN, 2008, p. 76). Ostentava hegemonizar,
assim como a CEPAL no pensamento desenvolvimentista, os interesses político-econômicos e
ideológicos dos EUA através do acordo indicado. Os avanços econômicos do intervencionismo
estatal provocam uma ampliação das garantias democráticas e, mais do que isso, um processo
de democratização das instituições sociais.
Apostila-se, portanto, que o “Projeto Chile” tornar-se-á um imperioso centro constitutivo
de grupos intelectuais destinados aos ensinamentos do “livre-mercado” de Friedman e Friedrich
Hayek. Não bastassem impetrar uma contra-hegemonia no campo acadêmico restritamente, os
ideais eram de que, submerso à isto, dimanasse as definições do imperialismo estadunidense.
Neste sentido, veremos que entre os anos 1956-1976, o “Projeto” realizou a criação de um
grupo de intelectuais1 cujo principal norte era o implemento dos pressupostos neoliberais nas
economias locais contribuindo para manutenção do imperativo político-econômico dos EUA
nas políticas sócio-econômicas locais.
1 “Por intelecutais, deve-se entender não só aquelas camadas comumente compreendidas nesta
dominação,mas, em geral, todo o estrato social que exerce funções organizativas em sentido lato, seja no
campo da produção, seja no da cultura e no político-administrativo.” GRAMSCI, 2011, p. 93)
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PROJETO CHILE: UM ELO ATIVO NA REVOLUÇÃO PASSIVA
BASES PARA UMA SUBSUNÇÃO REAL AO IMPERIALISMO
Na primeira metade do século XX, é notável o esforço empreendido pelos EUA a fim de
solidificar um novo padrão de relações internacionais para com os países latino-americanos.
Desde fins do século anterior, os EUA iniciam sua tomada de poder de maneira indireta,
incidindo decisivamente no controle econômico dos setores estratégicos dos países sob o qual
esta nova relação internacional se materializou. Nota-se que o Chile tinha muito a oferecer: a)
uma longa e vantajosa costa marítima no Pacífico Sul que permite, ademais, estabelecer contatos
prolongados e eficazes com o comércio asiático e do leste europeu; b) setor de cobre e salitre
cujos usos são incomensuráveis, dentre outros momentos, na corrida armamentista e na guerra
efetivamente; c) comércio interno promissor dado as circunstâncias baixa industrialização;
d) cooptação política internacional a fim de legitimar seus escopos expansionistas no campo
econômico e político.
Os resquícios da colonização permanecem vivos na sociabilidade do Chile por séculos
e as marcas deixadas foram de uma economia primário-exportadora em que o aparato social
estabilizou-se sobre a monocultura e os reflexos derivativos deste trato econômico. O trajeto
aparentemente retilíneo da escolha das produções monolíticas, salitre e depois cobre, solidifica
no Chile uma classe dominante cujo expediente político raramente é conduzido de maneira
autônoma e efetiva. Destarte, o cenário social promovido pela Guerra Mundial, 1914-19182,
torna claro o objetivo estratégico da paulatina transferência das corporações do setor mineiro
das mãos inglesas para as estadunidenses. Nas relações políticas, internas e externas, a razão
de poder e definição dos passos seguintes é diretamente proporcional à quantia dos setores
estratégicos sob sua autoridade. A imposição externa sobre o limbo institucional nacional está,
de certo, consolidado e sua presença será marcante durante todo o século XX.
A seção mineira, no contexto mencionado acima, cumpre neste momento histórico,
dois papéis importantes. Embora de um lado tenha sido o canal de ingresso para o capital
internacional, americano neste caso, e a conseqüente subsunção política das classes dominantes
chilenas, foi quem favoreceu, de outro, e possibilitou que todo o processo social de consolidação
do capitalismo pudesse evidenciar o estreito limiar entre a ruptura democrática e a reação insana
e brutal. Nos países de formação capitalista atrasada, assim como o Chile, é provável que as
2 Observar o gráfico III exposto por Hormazábal (p. 25) onde fica claro os índices de exportação de salitre
segundo períodos compassados de quatro anos. Entre os anos 1916-1920 nota-se o maior nível de exportação,
em contraposição ao período 1921-1925, o pior dentre todos os analisados. Se ressaltada a TABELA I (p. 42)
veremos que o Chile desde o último quartel do século XIX já possui uma extremada dependência quanto à
exportação do salitre. A renda fiscal proveniente deste setor era muito elevada, como bem podemos observar
no Gráfico V (p. 43). “Sin embargo, el sector minero, pese a ocupar sólo 57.000 personas, era la principal
fuente de ingresos en moneda extranjera. (…) Ambos productos [cobre e salitre] ingresaron al país 111.7
millones (peso oro 18d) en 1918, que en esa fecha representaba el 44,84% del total de los ingresos del Estado.
Cifras que son sólo comparables con las de 1923, fecha en la que el salitre contribuyó con 76,4 millones (peso
oro 18d), representando el 40,61% del total de los ingresos del Estado.”. (HORMAZÁBAL, p. 43) Seguindo,
observa-se a tamanha dependência do Chile quanto à exportação de cobre e salitre como demonstrada na
TABELA III (p. 44)
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RODOLFO SANCHES
forças políticas dominantes concluam e executem o seu domínio social e econômico segundo a
lógica da hegemonia internacional.
Durante os anos 20 e 30 podemos elencar alguns princípios históricos do processo políticoeconômico cujos reflexos acabam por reavivar as fraturas internas na classe dominante. A classe
subalterna vive, por sua vez, seu momento de afirmação política mediante o recrudescimento
sindical e ratificação dos partidos de esquerda. Comum a todo o momento de ruptura, há um
distanciamento correspondente entre os representantes e representados, causando assim, uma
lacuna histórica para que novos atores políticos surjam no cenário e ganhem proeminência nas
instâncias decisórias.
Diante de um quadro instável como o apresentado, surge na cena política um “velho”
partido com leituras estritamente pragmáticas. O Partido Radical (PR) almejava a solidez estatal
e o desenvolvimento nacional, conquanto lhes avalizasse realce no cenário institucional. Embora
possamos evidenciar que o PR tenha tido um papel importante durante os anos de Frente Popular
(1938-1952), não é possível contrapor elementos que lhes garanta uma primazia histórica frente
a um processo amplo temporalmente, e complexo socialmente. Há que se destacar os feitos
necessários, mas há que se entender que os anos de Radicalismo3 também correspondem a
uma resposta política possível e consentida por amplos setores das classes dominantes: uma
transição pactuada e sob duras restrições. O papel cumprido pelo PR não garante a ele tamanha
importância para vincular, de alguma forma, o seu agir ao devir histórico enfatizado. Assim
como Aggio explana, o processo social chileno recondiciona os atores políticos e os modelos
econômicos, sem sequer vislumbrar algo diferente do que as próprias bases instituídas pelos
ideais clássicos da social-democracia4.
Atesta-se o peso da influência externa nas eleições de 1958, quando Jorge Alessandri
(PR) vence as eleições com o financiamento das empresas do setor mineiro5, mediadoras
com Washington. Isto corrobora com a hipótese de que realmente o período correspondente
à Frente Popular não foi um momento de ruptura, senão uma continuidade ao processo social
de Revolução Passiva. O Chile vivia uma grave crise social, que demonstrou ser decisiva na
implementação de uma rigidez monetária recomendada pelo órgão multilateral Fundo Monetário
Internacional (FMI), cuja conseqüência podemos ver nas demasiadas greves consentidas pela
Central Única dos Trabalhadores (CUT) e na insatisfação do empresariado. Procurados por
Alessandri, os chefes de governo dos EUA e os membros do FMI aconselharam a procura por
respaldo no capital financeiro privado e que cortassem os gastos destinados à área social, sem,
3 De acordo com Aggio, o período citado, correspondente à Frente Popular, revitalizou o capitalismo e o
adequou com os idéias de modernização, isto é, industrialização e planejamento. “Esta orientação imprimiu,
sem dúvida, um efeito perdurável no desenvolvimento econômico chileno, tornando-se, justamente com a
inevitável presença do Estado na vida social, a base fundamental de referência para a concepção e formulação
dos projetos e estratégias de todos os atores políticos.” (AGGIO, 1999, p. 155)
4 Entenda como um respaldo político para a intervenção e controle do Estado nos tratos da Economia. “A
intervenção do Estado, no entanto, não conseguiu anular o momento tardio em que se efetivava este processo
de ‘ocidentalização’. Industrialização, questão agrária, modernização, autonomia nacional, democratização,
tudo fica a meio caminho, efetiva-se sem completar-se; um quadro típico de revolução passiva absolutamente
coerente e essencial à natureza do reformismo.”. (AGGIO, 1999, p. 207)
5 A saber, estas são empresas oligopolistas norte-americanas: Kennetcott Copper e Anaconda.
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PROJETO CHILE: UM ELO ATIVO NA REVOLUÇÃO PASSIVA
portanto, ceder às incontestes manifestações que emergiriam.
Para as eleições de 19646, o candidato escolhido pelo representante norte americano
foi Frei Montalva do Partido Democrata-Cristão cujo programa de governo intitulava-se
“Revolução em liberdade” no qual defendia um estreitamento bilateral da relação Chile-EUA
ponderando aceitar as regras e o programa “Aliança para o Progresso”7, e também um projeto
de “chilenización8” das reservas de cobre e Reforma Agrária.
Observou-se que Frei, com suas políticas programáticas de reinserção do Chile no
mercado mundial, fez aumentar drasticamente a influência do capital internacional, pois
“subordinaram a política pública, a fim de atrair investimentos estrangeiros, às condições
impostas pelos Estados Unidos, como a liberalização das remessas de lucros para o exterior e
dos regulamentos de importação, bem como vantagens cambiais” (BANDEIRA, 2008, p. 119).
O processo social chileno observado nos três primeiros quartéis do século XX não ratifica,
de forma alguma, qualquer sinal contundente de ruptura com o quadro político-econômico
internacional: o capitalismo imperialista. Frei é a exposição clara do que estamos argumentando,
pois sua candidatura e eleição não continham em si nenhuma forma de ruptura senão traços
acentuados de continuidade para com um processo avassalador no terreno social do Chile.
Discordando das idéias de Aggio, segundo o qual “a estabilidade acabou por se consolidar como
resultante de um processo eminentemente político” (AGGIO, 1999, p. 177) tem-se claro que a
atinente estabilidade política advém muito mais dos condicionantes historicamente avistados na
configuração política das classes sociais chilenas, do que uma reforma gradativa dos aspectos
institucionais no campo do controle político do Estado. De certa maneira estes aspectos foram
transformados, porém no que diz respeito às variações estruturais, a preponderância está no
campo do acordo político-econômico entre as frações da classe dominante. É dessa leitura que
Aggio (p. 193-212) afirma que o PR toma para si, enquanto programa, a “Revolução Passiva”.
Isto é, uma definição assim contorna uma efetivação do sujeito enquanto história e da história
enquanto programa. Ademais, esta incorreção analítica permite atribuir ao campo político
um determinado peso histórico que acaba por não explicitar de maneira ímpar os entraves
econômicos que corroboraram para a criação consensuada de novos padrões de produção
intermediadas pelo Estado. Permite que o todo social se restrinja a um dos elementos ativos da
mudança.
6 Bandeira (2008, p. 106-109) coloca que entre 1962-70 o Chile fora o país que recebeu ajuda per capita
dos EUA.
7 Este programa constitui um invólucro político e econômico de ajuda financeira que perpassou todos
os países de maior desenvolvimento da América Latina. Sua aplicação visava, objetivamente, engessar a
autonomia dos Estados ponderando a necessária estabilização das políticas sociais e financeiras como contrapartida para o intercâmbio.
8 “[Frei] considerava que a sua nacionalização prejudicaria a assistência tecnológica necessária, porque o
Chile não dispunha de recursos para indenizar os proprietários, estorvaria o aumento da produção e abalaria
as relações com os Estados Unidos. Seu propósito era promover a ‘chilenización’ da indústria de cobre,
por meio da aquisição pelo governo de 51% das ações da Kennecott e a participação minoritária em duas
outras grandes corporações. Frei estava mais interessado em expandir a produção de cobre, para acelerar o
crescimento econômico do país e aumentar a receita, do que em um reforma profunda na propriedade da
indústria” (BANDEIRA, 2008, p. 105)
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Esta referência sistemática que Aggio faz à estabilidade do sistema político chileno
é, realmente, uma notoriedade do caso chileno. Durante todo o século XX, este elemento
permite que as classes sociais, organizadas em partidos políticos e associações, possam atribuir
ao processo histórico as suas demandas e dele se utilizar para a concreção do devir político.
No entanto, se para as classes subalternas este sistema político colaborou na manutenção dos
partidos de esquerda (PC do Chile e PS), deve-se, este fato, também, à grande inserção dos
comunistas/socialistas no movimento operário e nas lutas populares. Na outra ponta do espectro
sócio-político, as frações da classe dominante se organizaram de maneira mais efetiva nos
ativos civis, por exemplo, nas Universidades. Por muito tempo, mantiveram e sustentaram uma
rede extensa de organizações sociais e instituições midiáticas e escolares. Não há outra resposta
ao movimento da história senão a incessante busca por hegemonia intelectual e moral, isto é,
que a leitura de mundo ensimesmada da burguesia seja a única coerente e realizável.
Os alunos do “Projeto Chile” são a expressão mais acabada, neste contexto, dos intentos
hegemônicos cosmopolitas baseados socialmente no Chile e politicamente nos EUA. Notase que grande parte dos educandos neste momento está ocupada em reavivar o debate sobre
o modelo econômico a ser adotado pelo Estado e não em preencher lacunas nas instituições
políticas estatais. Já disse Gramsci (2011, p. 62-63) que, antes mesmo de ser dominante, cabe
ao interessado, que seja dirigente.
Não sem demora, a força política dos comunistas/socialistas tinha uma base social
extremamente contumaz. O recrudescimento e acirramento das contradições sociais levam a
um passo importante na história do Chile. Em 1970, vence as eleições o candidato da Unidade
Popular (UP), Salvador Allende. Sua “via chilena” para chegar ao socialismo, significou,
certamente, uma afronta terrível aos interesses imperialistas e reacionários. Durante os três
anos de governo, promoveu uma sistemática política de reforma agrária, redução da ociosidade
produtiva industrial, aumento das garantias democráticas junto ao aprofundamento da
democratização e uma intensa nacionalização das reservas de cobre que tornou-se o fundamento
da ampliação da base popular e de uma pertinaz especulação golpista das classes dominantes
até setembro de 1973.
O desenrolar dos anos não nos levou a nada diferente do que o Radicalismo já nos tinha
mostrado. Embora possamos demarcar com maior nitidez um acordo tácito entre as frações da
classe dominante durante o período supracitado, temos que ter claro que as eleições seguintes até a
eleição de Salvador Allende, acaba por reafirmar a altivez imperialista nas políticas sociais. Não
há de fundo, subsídios satisfatórios que confirmem a preponderância de uma burguesia chilena
de fato, afinal o capitalismo se reitera sobre burguesias débeis. (AGGIO, 1999, p. 210) Há que
se entender que o fato de serem nacionais, não os reitera o pressuposto da defesa dos interesses
chilenos9. Ao longo dos anos em exposição, verifica-se que o híbrido liberal-conservador tende
9 Relações internacionais atuam passivamente e ativamente sobre as relações políticas (de partidos).
Quanto mais atrelado subordinadamente estiver as relações econômicas imediatas às relações internacionais,
mais algum partido irá representar esta situação e tentar impedir a evolução dos demais partidos, isto é, o
‘partido do interesse estrangeiro’ ao se dizer “representar as forças vitais do próprio país, representa a sua
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PROJETO CHILE: UM ELO ATIVO NA REVOLUÇÃO PASSIVA
a se aproximar a um dos extremos segundo a correlação de forças. Embora não fosse o desejo
de muitos, as classes subalternas mantiveram-se arrimes em suas manifestações e promoveram
uma brilhante demonstração de unidade popular em torno dos objetivos comuns.
Esta dualidade reitera a possibilidade de que qualquer uma das duas extremidades
possa se sobressair à outra. Allende e os partidários da UP caminhavam para uma transposição
histórica na política e economia chilena. Alternando-se entre a radicalidade da luta armada e
o conflito político, os avanços aconteceram e não deixaram margem para qualquer alternativa
pacífica contrária.
Cumpriram os “Chicago Boys’” (alunos vinculados ao “Projeto Chile”), no governo
Allende, um papel também decisivo na construção do “ato” final: golpe civil-militar de 1973.
Certamente seu papel foi o de impulsionar entre as frações da classe dominante uma nova forma de
objetivar um velho paradigma político-econômico. Para sermos enfáticos quanto à procedência
desta análise, observamos que o “Projeto Chile” acabou por ajudar na reconfiguração das
classes dominantes. Em um dado sentido, o revolucionário, nada foi modificado, porém temos
uma série de reformas que visam dar amplos poderes econômicos a uma nova fração cujos
interesses, ainda mais que os de outrem, conduzirão o processo econômico chileno segundo
as intempéries de uma profunda onda de neoliberalização10. Assim como Mollo (1997, p. 1)
descreveu, é instaurado uma nova guinada globalizante da economia mundial. Compreendendo
uma vertiginosa capacidade de mobilidade do capital cujo reflexo podemos notar na retirada
da margem de manobra do Estado em suas políticas internas, gerando por sua vez um grau de
polarização, marginalização, volatilidade do capital que conjura, também, na sua instabilidade11.
O golpe comandado por Augusto Pinochet, então comandante-em-chefe das Forças
Armadas, foi a redenção do reacionarismo. Esta medida finaliza um longo processo de
acomodação das classes dirigentes no capitalismo internacional e demonstra a resposta que
tais classes dão às possibilidades reais de rupturas democráticas. Enquanto o jogo democrático,
sistema político, estava funcionando bem e sem muito perigo, os partidos de esquerda acabam
por ajudar a legitimar e respaldar sua existência. Agora, quando há um aprofundamento das
contradições e sua correspondência revolucionária nas classes subalternas, então os interesses
subordinação e servidão econômica às nações ou à um grupo de nações hegemônicas.” (GRAMSCI, 1978, p.
180) Neste sentido, uma constatação assim nos leva a ponderar a idéia de fracasso que Aggio (1999, p. 154)
diz o Radicalismo não representar.
10 David Harvey (2008, p. 49) define na história recente dois modos de inserção: um se pauta pela militarização
– envolvendo, em geral, um golpe militar de Estado, apoio das classes altas tradicionais e, no caso chileno,
apoio logístico e financeiro dos EUA – e o outro pela financeirização – como os casos de Moçambique e do
México. Muito embora possamos tornar simples esta problemática, não significa dizer que é simplista e por
suposto, devemos considerar o conceito de desenvolvimento geográfico desigual (HARVEY, 2008, p. 97130), isto é, as conjunturas político-econômica e jurídico-militar são determinações objetivas que, durante a
constituição desta processualidade histórico-social, interferem direta e qualitativamente nas possibilidades
deliberativas frente à inserção das políticas neoliberais.
11 Harvey sintetiza este momento: “Hoje, o Estado, está numa posição muito mais problemática. É chamado
a regular as atividades do capital corporativo no interesse da Nação e é forçado, ao mesmo tempo, também
nos interesses nacionais, a criar um ‘bom clima de negócios’, para atrair o capital financeiro transnacional e
global e conter (por meios distintos dos controles de câmbio) a fuga de capital para pastagens mais verdes e
mais lucrativas.” (HARVEY, 2009, p. 160)
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nacionais podem ser reconfigurados conforme a vontade nacional-popular. A reação foi brutal,
dizimou e cooptou uma grande parte das lideranças populares.
Na manhã seguinte ao golpe, os “Chicago Boys’” apresentaram um documento à
Pinochet chamado “El Ladrillo” que continha uma análise detalhada da economia chilena e
quais os pontos emergenciais de alteração para a salvação do livre-mercado e da “liberdade
humana”. As mudanças foram drásticas e receberam o nome de “shock treatment12”, ou seja,
visavam desqualificar todo o aparato social construído pelo governo UP e redirecionar as
empresas estatais para o setor privado.
O CONTEÚDO HEGEMÔNICO PROJETADO
Quando se fala no momento histórico em que nosso objeto está situado e também da condição
histórica inerente ao próprio, começa-se a salientar e revigorar algumas ponderações que foram
coerentes na historiografia moderna. Ressalta-se a importância de autores em suas considerações
acerca do incremento do capitalismo, um desenvolvimento desigual e combinado. Esse
juízo, segundo Trotski, revela que “aqueles países desejosos de alcançar a modernidade são
normalmente caracterizados por idéias derivadas, carentes de originalidade, embora o mesmo
não seja necessariamente o caso com suas práticas”. (TROTSKI apud MORTON, 2007, p. 48)
Essa conceituação nos ajuda a decodificar uma circunstância sócio-histórica em nosso
objeto que coloca-nos frente ao debate acerca da expansão do capitalismo e sua relação estreita
com as relações sociais fundamentais – luta de classes. Inicia Gramsci dizendo, e Morton reitera,
que a noção de Revolução Passiva, se usada como uma chave interpretativa da realidade pode
“apreender condições comparativas de formação de classe em processos específicos de formação
de Estado e como essas condições impactam e são, por sua vez, influenciadas pela geopolítica
e pela expansão do capitalismo”. (MORTON, 2007, p. 48-49) Ademais, entende-se que ela
exemplifica a incapacidade das classes dominantes em aderir as frações subalternas através
de procedimentos hegemônicos. Acabou-se, em muitos casos, por criar “Estados bastardos”
quando o desejo era criar um moderno. Neste sentido, as transformações desejadas na estrutura
econômica, seja de médio ou longo alcance, acabam sendo feitas por uma “dominação sem
liderança; ditadura sem hegemonia”. (GRAMSCI apud MORTON, 2007, p. 49)
Baseados em Coutinho nos atentamos para as duas causas-efeitos da Revolução Passiva,
já indicadas em Gramsci, isto é, “por um lado, o fortalecimento do Estado em detrimento da
sociedade civil, ou, mais concretamente, o predomínio das formas ditatoriais de supremacia em
detrimento das formas hegemônicas; e, por outro, a prática do transformismo como modalidade
12 Esta política necessitava de uma redução nos empregos (taxa de desemprego em 1975 era 9,1% e foi para
18,7%). O percentual, em média, ficou em 15,7%, pois isto faz reduzir os salários pagos e, portanto a circulação
de moedas. Aqui se encontra a necessidade de manter um Estado absoluto para conter a população assalariada.
(KANGAS) Outros dados desta política: inflação de 375,9% em 1974 para 341% em 1975; contração de 15%
do PIB; contração nos setores produtivos: 8,1% na mineração, 27% indústria manufatureira, 35% construção
civil, 11% extração de petróleo, 15,3% transporte e comunicação e 21,5% no comércio. (LETELIER, 1976)
Em 1980 os 20% mais ricos tinham 36,5% da riqueza nacional, em 1989 possuíam 46,8%.(KANGAS) Outro
dado: a distribuição de renda era em 1972 de 62,9% para os trabalhadores e 37,1% para o setor privado, já em
1974 ficou 38,2% para os trabalhadores e 61,8% para o setor privado. (LETELIER, 1976)
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PROJETO CHILE: UM ELO ATIVO NA REVOLUÇÃO PASSIVA
de desenvolvimento histórico que implica a exclusão das massas populares.” (GRAMSCI apud
COUTINHO, 1993, p. 112) Del Roio traz, de forma sucinta e direta, uma nova designação que
é a de via passiva no qual, sob o seu viés podemos constatar, concretamente, o Estado chileno
como uma forma hiper-tardia de desenvolvimento capitalista e na sua consequente sociabilidade
específica, portanto, temos neste conceito o pressuposto para afirmar que o Estado-Nação
colocar-se-á de modo negociado dentro de um sistema capitalista global definido. (DEL ROIO,
1999, p. 144)
No que tange à mesma discussão levantada, Morton (2007, p. 51) atenta-se para o papel
que Estado desempenha substituindo os empreendimentos privados, pois entrar tardiamente nas
relações capitalistas significa, para as Nações periféricas, que “as formas de Estado eram ‘menos
eficientes’ na criação de mecanismos ideológicos para postergar as conseqüências imediatas da
crise econômica”. (MORTON, 2007, p. 50) Daí decorre a influência do imperialismo capitalista.
Há muito que discorrer sobre o Estado, antes, porém, importa destacar a teorização que
Gramsci nos propõe a partir da concepção de Estado “ampliado”. Nesta linha, ele preocupa-se
com dois elementos: sociedade civil e hegemonia. Quanto à sociedade civil, argumenta que
esta se torna aparelhos “privados” de hegemonia, pois, é neste espaço que reside a autonomia e
especificidade da manifestação material da hegemonia no Estado13.
Observando o processo de formação dos Estados na América Latina verifica-se a
proeminência do caráter passivo das transformações, assim expostas na categoria de Revolução
Passiva. Nesse sentido, Morton (2007, p. 55) argumenta que a criação, o posterior desenvolvimento
destes Estados e sua inclusão gradativa ao sistema mundial econômico acabam por reproduzir
a condição do mesmo como mediador da luta de classes e, portanto, imprescindível para o
avanço das forças produtivas. O Estado, nesta condição, é também reflexo das incapacidades
das classes sociais em manter a direção política do capital, portanto, o desenvolvimento se
deu “como uma revolução passiva num quadro autoritário, sob os auspícios do Estado, devido
à ausência de qualquer hegemonia burguesa já estabelecida”. (COX apud MORTON, 2007, p.
55)
Conforme apontado anteriormente, nos anos 70, quando se inicia a 1ª onda de
internalização do neoliberalismo, nota-se uma característica assinalada por Morton (2007, p.
56), isto é, a necessidade do capitalismo em revolucionar a si mesmo em todos os momentos
em que a hegemonia não parecia válida e eficaz na aglutinação social. Tomando como fato,
sublinha-se a especificidade do capitalismo em reificar-se sempre que a condição hegemônica
de dominação está enfraquecida e impede as transformações expansivas das forças produtivas.
Por isso, “as pressões do desenvolvimento desigual são claramente mediadas por meio de
13 Coutinho faz uma excelente alusão: “Em outras palavras: a necessidade de conquistar o consenso ativo e
organizado como base para a dominação – uma necessidade gerada pela ampliação da socialização da política
–, criou e/ou renovou determinadas objetivações sociais, que passam a funcionar como portadores materiais
específicos (com estrutura e legalidade próprias) das relações sociais de hegemonia. E é essa independência
material – ao mesmo tempo base e resultado da autonomia relativa assumida agora pela figura social da
hegemonia – que funda ontologicamente a sociedade civil como uma esfera própria, dotada de legalidade
própria, e que funciona como mediação necessária entre a estrutura econômica e o Estado-coerção.”
(COUTINHO, 1981, p. 92-93)
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diferentes formas de Estado como pontos nodais de configurações nacionais específicas de
frações de classe e lutas por hegemonia e/ou revolução passiva sob condições de acumulação
em escala global”. (MORTON, 2007, p. 58)
Se entendermos que o “Projeto Chile” atuou como um forte instrumento contrahegemônico, acabamos por demarcar nossa intenção: evidenciar os elementos políticoeconômicos que certificam a hipótese de que no Chile a neoliberalização acontece gradualmente
durante o decorrer das décadas finais do século XX dado as necessidades de adequação desta
“nova” burguesia com as oligarquias tradicionais e pela real efetividade que isto pode concretizar
antes do golpe de Estado. É inegável que o desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo
acabou por constituir uma imposição rígida à sociabilidade chilena. Não sem demora, Harvey,
acertadamente, enquadra o caso chileno em um específico modus operandi de neoliberalização:
uso contínuo da força militar, e policial, na execução da maximização dos pressupostos do livre
mercado.
Destarte, se nossa busca é pela compreensão do “Projeto Chile” dentro da Revolução
Passiva, temos que perpassar o debate sobre sua constituição enquanto uma frente intelectual
orgânica do capital, afinal “esses intelectuais não se limitam a ser apenar os técnicos da produção,
mas também emprestam à classe economicamente dominante a consciência de si mesma e
de sua própria função, tanto no campo social quanto no campo político. Dão homogeneidade
à classe dominante e à sua direção”, isto é, “todo grupo social, quando se afirma no campo
econômico (...) deve elaborar sua própria hegemonia política e cultural”. (GRUPPI, 2000, p.
80) Neste sentido o intelectual “é o quadro da sociedade; mais exatamente, o quadro de um
aparato hegemônico”.14 (GRUPPI, 2000, p. 82) Assim, demonstra-se que há uma conexão direta
entre o programa defendido no campo político com as demandas econômicas imediatas e de
longo prazo.
Doravante todos os empreendimentos no campo cultural resultem em alguma influência
na constituição do “novo” devir histórico, constata-se que “assim que o grupo social dominante
esgota sua função, o bloco ideológico tende a fragmentar-se e, então, a ‘coerção’ pode
substituir a ‘espontaneidade’ sob formas cada vez menos disfarçadas e indiretas, até as medidas
propriamente policiais e os golpes de Estado”. (GRAMSCI, 2011, p. 64) Consolida-se, então,
uma “ditadura sem hegemonia15”, sustentada em outras bases que não o consenso, que poderia
significar a vontade coletiva, expressão do nacional-popular.
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14 Gramsci é claro quando diz que “não existe uma classe independente de intelectuais, mas todo o grupo
social tem uma própria camada de intelectuais ou tende a forma uma para si”. (GRAMSCI, 2011, p. 64)
15 Em alusão à constatação de Coutinho (COUTINHO, 1993, p. 113-114), onde complementa a idéia de que
no Brasil, seguindo Florestan Fernandes, houve uma “contra-revolução prolongada”.
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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A QUESTÃO AMBIENTAL NO MERCOSUL E
A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Talita Martinelli
Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá. (UEM).
Resumo: Há algum tempo os problemas ambientais têm atingido grandes proporções,
causando uma grave crise com desdobramentos a nível nacional e internacional, fato que obriga
os Estados a discutirem como enfrentar a realidade e quais medidas a serem tomadas, por isso,
é crescente na maioria dos países a discussão sobre as questões ambientais, suas implicações,
alcance e desdobramentos em nível interno e externo. A partir deste contexto, o presente estudo
procura compreender o tratamento dado à questão ambiental no âmbito do Mercosul no período
de 2001 a 2011, a partir da análise das Atas decorridas das discussões do Subgrupo Nº.6 do
Meio Ambiente, volta-se com atenção pra atuação da seção brasileira.
Palavras-chave: Mercosul; Crise ambiental; Política externa brasileira.
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A QUESTÃO AMBIENTAL NO MERCOSUL E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
Compreende-se política externa como um instrumento de relação com outros países e
instituições estrangeiras que visa proteger os interesses gerais da nação, sua segurança,
relacionando-se diretamente com cooperação internacional e acordos políticos. Ao considerar a
interação existente entre política interna e política externa constata-se que acordos, convenções
e tratados assumidos pelo país através da política externa, provocam influências na política
interna e causam mudanças diretas no modo de vida da sociedade civil, mesmo que não haja
participação efetiva deste grupo nas decisões. Segundo Mathias ao se ocupar de interesses
externos o país não prescinde dos interesses internos, pelo fato de que à ação externa consiste
amparar e promover os interesses internos.
Levando em conta a indissociação abordada anteriormente, à medida que o país opta por
um modelo de desenvolvimento econômico no âmbito interno, provocam-se reflexões no âmbito
externo. A partir da década 90, motivado pela instabilidade econômica, o Brasil optou pelo
modelo liberalizante, e conseqüentemente, abertura do mercado brasileiro, desregulamentação
da economia e privatização das empresas. Desta forma, devido a interdependência assimétrica
entre os Estados, no cenário internacional o Brasil se tornou mais sensível e vulnerável,
facilitando as influências tanto no campo interno quanto no externo. Nosso país em relação ao
campo regional considerava o Mercosul como meio de inserção competitiva no âmbito mundial,
principalmente ao levar em conta que a integração promove fortalecimento da autonomia dos
Estados-parte.
O presente trabalho1 pretende apresentar os resultados de uma pesquisa referente à
atuação brasileira no tratamento dado à questão ambiental no âmbito do Mercosul, tendo em
vista analisar de forma geral a maneira como o Brasil se voltou para o Cone Sul, atentando-se
para as particularidades de sua política externa durante o período de 2001 a 2011. Ao decorrer da
pesquisa foram analisadas todas as Atas disponíveis do Subgrupo citado referentes ao período
abordado, exceto 5 Atas de 2001; 4 Atas de 2002; 6 Atas de 2003 que estão indisponíveis para
acesso e diversos anexos reservados.
Na maior parte do período abordado neste estudo o Brasil foi governado por Luís
Inácio Lula da Silva, este iniciou seu mandato em 2003 com a promessa de mudança. Desde
o início mostrou interesse em incentivar as negociações comerciais com países emergentes e
em desenvolvimento, priorizando também as relações com a América do Sul. As principais
mudanças se deram pela incorporação de uma agenda social na política externa brasileira e uma
posição mais firme no campo de reformas de instituições multilaterais.
A política externa do governo Lula da Silva teve como propósito projetar o Brasil na
esfera internacional como um protagonista, trata-se de uma política externa de natureza nacional.
Ao seguir o princípio de autonomia acredita-se que países emergentes possuem condição de
exercer poder no mundo, independente do fato do cenário internacional possuir uma potência
hegemônica.
1 Este ensaio decorre do projeto de PIC/UEM (2012 -2013), sob orientação da Profa. Dra. Meire Mathias.
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TALITA MARTINELLI
O governo Lula considerou o Brasil capaz de participar da elaboração das regras que
ditam as relações internacionais, se posicionar no quadro mundial de forma ativa e não apenas
submisso às regras impostas. Entre os muitos objetivos da política externa brasileira desse
período, evidencia-se a busca de um equilíbrio nas relações Norte-Sul, privilegiando as relações
Sul-Sul. Para Lula da Silva, as negociações com os Estados Unidos permanecem importante,
porém, não é o único caminho para atingir as metas diplomáticas e econômicas do Brasil.
Ao defender a soberania nacional, o presidente Lula objetivava projetar uma economia
internacionalmente competitiva, mas sem deixar de se preocupar com as questões sociais. Por
conta disso, o Mercosul foi prioridade nos governos Lula, principalmente por estar preocupado
com o desenvolvimento da região, almejou-se resgatar a vitalidade e dinamismo do Mercosul.
Desde os anos 90, os governos brasileiros trataram de maneiras diferentes o Mercosul, no
entanto, tendo-o sempre como prioridade na política externa do Brasil.
A relevância do tratamento da questão ambiental no campo do Mercosul se justifica
devido ao crescimento na maioria dos países da discussão sobre as questões ambientais,
suas implicações, alcance e desdobramentos em nível interno e externo, à medida que a crise
ambiental que há algum tempo atinge o globo consiste em fato grave, avaliada não apenas
como um problema nacional, mas, também um problema internacional. A partir deste contexto,
visa-se compreender que tipo de soluções concretas estão sendo implementadas no Mercosul,
particularmente no Brasil.
No interior das discussões do Mercosul, criou-se o Subgrupo nº 6 do Meio Ambiente,
com o intuito de dar continuidade à harmonização das legislações ambientais dos Estadospartes e tratar de forma
DESENVOLVIMENTO
No âmbito do Mercosul, desde o início os países-membros sendo Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai2, instituíram-se a necessidade dos países considerarem a preservação e o
melhoramento do meio ambiente, já que o seu território abrange 56% do espaço ambiental sulamericano, apresentando uma grande biodiversidade. No preâmbulo do “Tratado de Assunção”
é demonstrado o caráter socioambiental do documento ao afirmarem que os objetivos da
Integração devem ser alcançados “mediante o mais eficaz aproveitamento dos recursos
disponíveis, a preservação do meio ambiente, a melhoria das interconexões físicas, coordenação
das políticas macroeconômicas e complementação dos diferentes setores da economia com
base nos princípios de gradualismo, flexibilidade e equilíbrio.” 3
É de conhecimento geral que o objetivo dos Estados-partes do Mercosul no campo
2 No âmbito da integração vale destacar dois aspectos recentes, a saber: a partir de 12/08/2012 a Venezuela
passa a ser Membro efetivo do Mercosul. Em virtude da crise político-institucional no Paraguai, que resultou
destituição do presidente Fernando Lugo e caracteriza o chamado “golpe branco”, decidiu-se que pela
suspensão temporária do Paraguai no Mercosul, a partir de 29/06/2012.
3 Tratado de Assunção. Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/tratados-e-protocolos/tratado-deassuncao-1.>
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A QUESTÃO AMBIENTAL NO MERCOSUL E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
das questões ambientais implica na implementação de um documento capaz de acordar as
normas relacionadas ao meio ambiente com a intenção de harmonização das leis ambientais,
assim torna-se necessário esclarecer que harmonizar não significa criar uma legislação única,
mas sim eliminar assimetrias e diminuir possíveis conflitos, a saber que serão respeitadas as
particularidades das legislações de cada país membro.
A partir de 1995 o Mercosul passou a contar com um Subgrupo de Trabalho do GMC
voltado para o tratamento das questões ambientais, que consiste no Subgrupo nº 6 do Meio
Ambiente, suas metas e prazos encontram-se na Resolução nº. 38/95. Tais metas são:
-
Análise das restrições não tarifárias relacionadas a meio ambiente.
-
Competitividade e meio ambiente.
-
Adoção das Normas Institucionais – ISO 14.000.
-
Temas setoriais, abrangendo outros subgrupos.
-
Projeto de Instrumento Jurídico de Meio Ambiente no MERCOSUL.
-
Criação de um sistema de informação ambiental.
-
Estabelecimento de Selo Verde no Mercosul.
Desde sua criação, o SGT-6 realiza a cada trimestre uma reunião ordinária, e sempre que
acordado entre os parceiros reuniões extraordinárias. Após diversas tentativas de harmonização
das leis ambientais, em março de 2001 em uma Reunião Extraordinária o SGT Nº 6 assinou em
Florianópolis o “Acordo Quadro sobre Meio Ambiente”, que reafirma as principais propostas
da “Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”, de 1992 (ECO
92), sendo este Acordo celebrado em 22 de junho de 2001, em Reunião do Conselho Mercado
Comum (CMC) na cidade de Assunção.
“No Preâmbulo do presente Acordo, as Repúblicas argentina, brasileira, paraguaia
e uruguaia, reafirmam a necessidade de proteger o meio ambiente e a utilização
sustentável dos recursos naturais, procurando melhorar a qualidade de vida e o
desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável e a importância da
cooperação entre os países membros do bloco.” 4
Dentre os vários temas discutidos no âmbito do SGT-6 a pesquisa priorizou temas que
possuem um alcance maior e perpassam os quatro países-membros do Mercosul no período
estudado. Sendo assim, é possível dividi-los em temas de maior relevância e menor relevância
em relação aos propósitos observados no meu projeto.
Um dos eixos principais discutidos nesse período consiste na temática Cooperação,
4 MERENDI, Tatiana Peghim. O MERCOSUL E O MEIO AMBIENTE: BREVES CONSIDERAÇÕES.
Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/Anais/Tatiana%20Peghim%20Merendi.pdf>.
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TALITA MARTINELLI
apesar de apresentar de forma geral, os interesses econômicos geram forte influência nas
discussões e decisões deste eixo. Realiza-se Cooperações Externas, decorrentes da atuação do
Mercosul na dinâmica internacional, destacando-se: Cooperação PNUMA, Cooperação JICA,
Cooperação Alemanha, Cooperação União Européia, Cooperação Canadense e Cooperação
AECID, Cooperação Cepal; realiza-se também Cooperações Intramercosul, sendo elas:
Cooperação FAO e Projeto Geo-Mercosul, este apresenta caráter Intramercosul apesar de ter
origens em uma iniciativa da PNUMA.
A cooperação com o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)
teve início em 2006, quando a representante Cristina Montenegro manifestou o interesse do
PNUMA em cooperar com as atividades do SGT Nº6, no Mercosul e na Reunião dos Ministros,
ressaltando a conveniência de contar com um plano de atividades a longo prazo, e assinalou
as possibilidades do PNUMA sobre temas como: gestão de substâncias e produtos químicos;
produção e consumo sustentável; biodiversidade (por exemplo, Projeto Pampa); comércio e meio
ambiente; oceanos e mares, como também a possibilidade de explorar fontes adicionais através
de outras agências cooperantes e através do Plano de Bali de desenvolvimento de capacidades.
Por outro lado, as Delegações solicitaram ao PNUMA cooperação para a realização de um
evento para a elaboração de uma Estratégia Mercosul de Produção e Consumo Sustentável.
No ano seguinte, a representante expressou a conformidade em avançar na implementação
do Plano de Ação Regional em PCS, priorizando as áreas, compras públicas sustentáveis e
informação e comunicação em CPS.
Em 2010, ocorreu a revisão do plano bianual de cooperação, que contou com a
informação do PNUMA sobre a Estratégia de Médio Prazo 2010-2013, que possui como temas
prioritários: Mudanças climáticas; Biodiversidade e Manejo de Ecossistemas; Governança
Ambiental; Substâncias Químicas e Perigosas; Desastres Naturais; Eficiência no uso de
Recursos e Produção, por fim, Consumo Sustentável. No mesmo ano a Delegação do Brasil
adiantou sua intenção de propor solicitação de apoio ao PNUMA em atividades de capacitação
e troca de experiências para possibilitar uma participação mais efetiva do Mercosul na Cúpula
Rio+20. A Presidência Pro Tempore em exercício destacou que se trata de uma oportunidade
para que Rio+20 reflita os grandes desafios ambientais do Bloco.
Em 2011 a Delegação Brasileira manifestou que para o país a Conferência apresenta
uma grande oportunidade para renovar os compromissos políticos adotados em 1992 em
direção ao desenvolvimento sustentável. Enfatizou sobre dois temas principais da Conferência,
a economia verde no contexto de desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza no
âmbito institucional para o desenvolvimento sustentável, assinalando que estas sintetizam as
principais idéias lançadas até o momento.
Sobre o quadro institucional para o desenvolvimento sustentável, a Delegação Brasileira
apresentou a visão de que já existe consenso sobre a necessidade de promover coordenação e
coerência a ações de desenvolvimento sustentável na esfera das Nações Unidas, porém não
há consenso sobre as soluções. Além disso, propôs que a discussão sobre governança para o
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A QUESTÃO AMBIENTAL NO MERCOSUL E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
desenvolvimento sustentável deve dar-se em paralelo e de forma complementar as discussões
sobre governança internacional para o meio ambiente. Por fim, as Delegações acordaram
trocar informações e documentos que contribuem a formular posições comuns/coordenadas até
Rio+20.
A JICA (Agência Internacional de Cooperação Japonesa) manifestou interesse em
cooperar com atividades do SGT Nº6 em 2007, tal proposta consiste em apoiar a integração
socio-econômica do Mercosul, na capacitação profissional necessária para a formação de
redes para uma atividade específica, para apoiar também o desenvolvimento tecnológico, e o
melhoramento do sistema de gestão das agências dos países membros. As discussões dos anos
seguintes giraram em torno da proposta do JICA em establecer uma cooperação voltada para o
melhoramento da gestão dos ambientes aquáticos no Mercosul para os rios Paraná e Paranaguá,
após as Delegações verificarem a necessidade e concordarem quanto a pertinência da proposta
para o SGT-6. No entanto, não houve avanços consideráveis no projeto e na cooperação.
Ao considerar a Cooperação Alemanha apurou-se que em 2007 a 2ª Missão Alemanha
realizou uma programa de cooperação, citando o fortalecimento da Secretaria do Mercosul,
a conservação climática mediante a eficiência energética e a cidadania Mercosul como os
principais eixos. As Delegações expressaram sua complacência com o início de um novo
programa de cooperação em uma temática que tem grande prioridade na Agenda do Subgrupo.
No ano seguinte, apresentou-se o Projeto GTZ e INWENT com objetivo de fornecer apoio para
a elaboração e implementação de uma política conjunta do Mercosul, no sentido de incrementar
a eficiência energética e a difusão de energias renováveis. As Coordenações acordaram
solicitar as CCT que busque assegurar que o Projeto sofra modificações substanciais, com
vistas a contemplar de maneira adequada a participação do SGT Nº6. Concordaram, ainda,
sobre a necessidade de um maior foco na temática ambiental e afirmaram que a vinculação do
tratamento da questão energética deve ser orientada às discussões sobre mudança do clima, com
enfoque em adaptação, conforme vem sendo abordada dentro do Subgrupo. Em 2009 a PPT em
exercício através do CCT se comprometeu a entrar em contato com a embaixada da Alemanha
com a intenção de obter informações sobre o estado de situação das negociações, sem respostas
até o fim do período estudado.
A cooperação entre o Mercosul e a União Européia teve início em 2007 após o representante
da Delegação da Comissão da União Européia, Sr. Jerone Poussielgue, apresentar a Proposta de
Projeto ECONORMAS, o qual consiste no apoio ao aprofundamento do processo de Integração
econômica e ao desenvolvimento sustentável do Mercosul e perpassa as discussões dos Grupos
Ad Hoc de Produção e Consumo Sustentável, de Gestão Ambiental e Produtos Químicos e
Perigosos e de Luta contra a Desertificação e a Seca.
O projeto foi lançado em dezembro de 2009 como experiência piloto para a Região,
contando com um orçamento total do de 18 milhões de euros, dos quais 12 milhões são
provenientes do Orçamento Geral da União Europeia e 6 milhões provenientes do Mercosul.
Em 2006, a PPT em exercício informou sobre contatos mantidos com a Cooperação
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Canadense e pôs em consideração às demais Delegações a necessidade de solicitar a essa
cooperação um encaminhamento formal, sendo essa proposta aceita por todos os membros.
Porém, durante o período estudando nota-se que não houve avanços no âmbito desta cooperação.
A cooperação com a AECID (Agência Espanhola de Cooperação Internacional para
o Desenvolvimento) iniciou a partir de 2005, mas somente em 2008 a PPT em exercício
informou sobre a assinatura de um Memorando de Entendimento entre Mercosul/AECID
que estão incluídas as questões ambientais e submeteu aos países a necessidade de identificar
questões a serem abarcadas nesta cooperação. Após discussões com a Coordenação Nacional,
a PPTB concordou em propor ao Subgrupo um projeto de financiamento que contemplasse o
desenvolvimento de um Portal Ambiental. Explicou-se que é proposto um sistema aberto para
garantir sua sustentabilidade, para gerenciar o sistema deverá ser contratada uma equipe de
assistência on line, que consolidará no Portal as informações de acesso aberto nos Estadosparte, a serem definidas pelas Coordenações Nacionais.
Em 2010, o representante da agência de Cooperação informou que o projeto está aprovado
pelo governo da Espanha e pelo GMC. Também informou que o SGT Nº6 deverá desenvolver
uma formulação do Projeto e Plano Operativo Anual de 2010, após realizarem-se estes dois
requerimentos se iniciará o Projeto. Se acordou que o administrador e receptor dos fundos da
Cooperação será o Ministério da Vivenda, Ordenamento Territorial e Meio Ambiente através da
Cooperação Nacional para o Desenvolvimento, organismo da República Oriental do Uruguai.
As Delegações acordaram conformar a Unidade de Gestão do Projeto: coordenações do SGT
Nº6, representantes da AECID e por um Comitê Cooperação Técnica da PPT em exercício, e
acordaram também a coordenação geral ser exercida pela Argentina e a administrativa pelo
Uruguai. Por fim, em 2011, a empresa Dextel foi selecionada segundo avaliação dos Estadosparte para desenvolver o projeto.
No ano de 2004 em relação à possibilidade de desenvolver atividades de cooperação
com a CEPAL, informada pela GTZ, o SGT Nº6 manifestou interesse. Por isso, acordaram
que a PPT emita uma nota a CEPAL manifestando seu interesse em promover atividades para
o desenvolvimento de capacidades em matéria de cadeias de valor, instrumentos econômicos e
regulatórios para a gestão ambiental e a Produção mais Limpa.
Em se tratando de cooperações Intramercosul contamos com a cooperação entre o SGT6 e o FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) a partir de 2010,
na qual as Delegações acordaram que o tema geral ou macro de interesse para a cooperação com
FAO seja “Apoio a implementação da estratégia de luta contra a desertificação, degradação de
terras e secas e seu correspondente Plano de Ação”, e também acordaram continuar trabalhando
com a identificação de temas de interesse que poderiam ser objeto de cooperação.
O projeto Geo-Mercosul iniciado em 2004 apesar de surgir de uma iniciativa do PNUMA
apresenta caráter Intramercosul, tal projeto objetiva enfocar as relações entre comércio e meio
ambiente e o processo de integração regional, em parceria com o CLAES (Centro Latino
Americano de Ecologia Social). Em 2008 a coordenadora do PNUMA entregou cópias do
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rascunho do Documento Geo-Mercosul e as Delegações acordaram a necessidade de efetuar
uma última revisão do rascunho do documento. Sem que houvesse novas decisões até 2011.
Também se destacaram na dinâmica do Subgrupo tais temas: Recursos Hídricos5,
Emergências Ambientais e Segurança Química. Em se tratar de Recursos Hídricos, a Delegação
Brasileira possui forte atuação, em 2005 apresentou uma proposta atualizada do “Protocolo
Adicional ao Acordo Quadro sobre Meio Ambiente no Mercosul sobre Cooperação e Assistência
Técnico-Científica em Gestão de Recursos Hídricos compartilhados no âmbito do Mercosul”,
porém a Argentina e Uruguai afirmou estar realizando um processo interno de consulta, sem
que houvesse continuidades no período estudado. No mesmo ano o ponto focal do Brasil
apresentou proposta para o início das atividades do Grupo Ad Hoc, ressaltando que o tema
requer discussões amplas, uma vez que a questão dos recursos hídricos extrapola a área do Cone
Sul, com a incorporação da Venezuela.
As discussões do Subgrupo desde o início voltaram com atenção para o tema Emergências
Ambientais, em 2003 aprovou-se o Protocolo Adicional ao Acordo Quadro sobre Meio Ambiente
do Mercosul em matéria de Cooperação e Assistência perante Emergências Ambientais, no
ano seguinte cada Estado-parte identificou as emergências ambientais prioritárias, chegando a
consenso de quais são prioritárias para o Mercosul, sendo: Acidentes tecnológicos; Inundações;
Secas e Incêndios Florestais. A Delegação do Brasil informou que em seu país criou-se por
decreto presidencial uma Comissão Nacional para tratar do tema Emergências Ambientais e
Tecnológicas e um Programa de Prevenção, Preparação e Resposta rápida integrada.
Em 2010, a Delegação da Argentina apresentou a proposta “Plano/Estratégia de Manejo
do Fogo no Âmbito Regional”, o projeto se originou considerando as últimas catástrofes
ambientais ocorridas nos países da região e informou que dado que o Protocolo de Emergências
Ambientais do Mercosul prevê entre suas atividades o manejo do fogo, o projeto tende
basicamente a prevenção de incêndios e a avançar na implementação deste instrumento. Porém,
encontram-se dificuldades para adequação do projeto ao formato FOCEM, a fim de requerer
financiamento deste órgão.
Ao considerar as discussões do tema Segurança Química destaca-se em 2004 a aprovação
da proposta apresentada pelo Brasil de criação de novos códigos de NCM para produtos
incluídos na Convenção da Basiléia, as Delegações concordaram em encaminhar diretamente
à CCM. Em 2007, a Delegação da Argentina informou que no dia 7 de junho recebeu um
representante de OPS/OMS para comunicar que este organismo está interessado em cooperar
com as atividades do SGT Nº6, além do mais, as Delegações tomaram nota da necessidade de
ajustar prioridades e identificar atividades estratégicas para Mercúrio e Praguicidas em conjunto
com o CISAT (Comissão Intergovernamental de Saúde Ambiental do Trabalhador). Em 2009,
a respeito do Projeto de Cooperação OPS/Mercosul a Delegação da Argentina comunicou que
5 Apesar de se tratar de um tema de interesse nacional e regional, tendo em vista a geração de energia, a
importância no desenvolvimento agrícola e industrial, além de apresentar dois grupos Ad Hoc, sendo um
sobre Aqüífero Guarani no âmbito do CMC somos obrigados a incluí-lo nos temas de menor relevância em
relação aos propósitos observados no meu projeto.
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TALITA MARTINELLI
conseguiu 30.000 dólares de financiamento para o “Projeto Mercosul Sistema de Vigilância e
Gestão de Praguicidas e Mercúrio”, porém, é insuficiente para o desenvolvimento completo do
projeto. As Delegações discutiram em relação a proposta apresentada pelo SGT11, no sentido
de elaborar perfis nacionais para os subcomponentes Mercúrio e Praguicidas de forma conjunta
entre o SGT Nº6 e SGT Nº11 (CISAT), mediante a contratação de especialistas locais.
Um dos temas de destaque nas discussões desse período consiste em Competitividade
e Meio Ambiente que trata de avaliação e estudos dos processos produtivos que garantem
condições consistentes de proteção ambiental e de competitividade entre os membros do bloco,
outros países e instituições.
Apurou-se que em 2000 a Delegação da Argentina informou sobre a nota enviada
pela República Federal da Alemanha ao Ministério das Relações Exteriores a fim de por em
conhecimento ao Subgrupo sobre o estado atual do tratamento do projeto de cooperação
Mercosul/GTZ no âmbito do Governo Alemão. As Delegações analisaram os aspectos que
foram observados pelo GTZ sobre o Projeto de Cooperação a respeito do “Desenvolvimento
do Sistema de Gestão Ambiental para Pequenas e Médias Empresas e Apoio para a criação e
o Fortalecimento do Centro de Tecnologias Limpas”, os Coordenadores Nacionais realizaram
uma reunião com um especialista enviado pelo GTZ a fim de avançar no projeto em questão.
Em reunião posterior as Delegações Manifestaram a necessidade de consolidar os
Termos de Referência para contratar um consultor que elabore uma proposta de Política de
Gestão Ambiental e Produção mais Limpa para o Mercosul. Combinaram realizar um encontro
regional público-privado de duração de dois dias e um evento CyMA regional. A respeito do
Fórum Virtual, as Delegações concordaram sobre a necessidade de efetuar ajustes a proposta
realizada pela GTZ, para tal finalidade acordaram realizar uma reunião de trabalho entre os
ENLP, o representante da GTZ e os Pontos Focais do Sistema de Informação Ambiental (SIAM)
de cada Estado Parte para elaborar uma proposta consistente que permita que o Fórum Virtual
torne parte do SIAM.
Em relação ao fórum virtual de gestão ambiental e produção mais limpa dentro do CyMA,
de acordo com a proposta apresentada para o SIAM, este será integrado na forma de um portal,
sendo aprovado na forma apresentada. A GTZ manifestou interesse em apoiar a realização de
duas reuniões do grupo ad hoc do SIAM. Por fim, o Subgrupo tomou conhecimento da Nota
Reversal encaminhada pelo governo alemão referente à aprovação da continuidade do projeto
Competitividade e Meio Ambiente – CyMA, para sua fase de implementação, bem como da
introdução de um novo componente ao projeto com o título Fórum Empresarial de Ecoeficiência.
A tais efeitos, o Subgrupo manifesta-se favoravelmente a essa proposta apresentada pela GTZ.
No ano de 2005 a PPTU através da Coordenadora Nacional do CCT informou ao SGT
6 que o GMC assinou a Nota Reversal em representação do Mercosul, formalizando o acordo
com o Governo Alemão para o Projeto de Cooperação “Produção Sustentável / Competitividade
e Meio Ambiente”, aprovado através da Resolução GMC Nº23/05. No que se refere a temática
do componente de ecoeficiência e a proposta concreta do Assessor do GTZ enquanto a “A
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A QUESTÃO AMBIENTAL NO MERCOSUL E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
avaliação de impactos sobre a competitividade e o meio ambiente a nível intra Mercosul e a
respeito ao acesso a terceiros mercados”, considerou a necessidade de contar com uma primeira
fase nacional, antes de passar para a fase regional.
Em 2006, a PPT pôs em conhecimento das demais Delegações o Projeto de Política
Mercosul de Produção e Consumo Sustentável com objetivo de avançar em seu tratamento para
possibilitar sua aprovação na próxima Reunião. Após discussões, as Delegações concordaram
sobre a conveniência de incluir na proposta aspectos de consumo sustentável.
Em relação ao documento de Política de Produção e Consumo Sustentáveis os
representantes da Argentina, do Uruguai e do Paraguai informaram que o processo de consulta
interna continua e questionaram o alcance do documento a ser firmado sobre a matéria.
Manifestaram também a preocupação quanto à natureza do instrumento em ser vinculante,
o que poderia contribuir para aumentar as assimetrias entre os países, visto que ressaltaria as
dificuldades relativas à sua implementação. Ademais, a Delegação argentina manifestou que
um instrumento de natureza vinculante poderia desvirtuar o caráter voluntário do tema.
A Delegação brasileira argumentou que não se pode esquecer que o documento vem
sendo discutido há um ano e que as posições concertadas devem ser coerentes com aquelas
defendidas em outros foros regionais e internacionais. A delegação do Uruguai ressaltou que
as novas realidades, inclusive com a entrada de novos membros, devem ser consideradas nessa
reavaliação. Acordou-se, então, quanto à necessidade de realização de uma reunião específica
para discutir o tema, e criou-se um grupo de contato para elaborar um termo de referência para
o referido evento.
Em 2007, tendo em vista que o Subgrupo aprovou a Política de Promoção e Cooperação em
Produção e Consumo Sustentável para o Mercosul e a necessidade de contar com financiamento
para sua implementação, a Delegação da Argentina pôs em consideração das Delegações a
proposta “Perfil de projeto Programa Piloto de Produção mais Limpa para o Mercosul” para ser
apresentado ao FOCEM. As Delegações manifestaram seu interesse em levar adiante, tendo em
vista seu alcance regional. Concordaram em solicitar a PPTU que realize as consultas necessárias
a Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul e ao Grupo Ad Hoc de Especialistas
do FOCEM a respeito da disponibilidade de fundos para atender os componentes estatais e
multiestatais desta proposta, no âmbito do Programa II “Desenvolvimento da Competitividade”
desse Fundo, a modo de avançar na definição de seus termos e formalizar sua apresentação.
Em 2008, em relação ao Projeto Piloto de Compras Públicas Sustentáveis no Mercosul
(projeto de cooperação PNUMA) a PPTA fez uma breve resenha dos Termos de Referência do
Projeto aprovado na última Reunião, em seguida, cedeu a palavra ao Responsável de Consumo
e Produção Sustentável do PNUMA/ORLAP, que destacou a importância do Projeto Piloto de
Compras Públicas Sustentáveis no Mercosul, já que esta iniciativa é o primeiro caso a nível
subregional.
Em Reunião posterior a PPTB informou sobre o processo de consultas a respeito do
documento tentativo “Projeto Piloto de Compras Públicas Sustentáveis do MERCOSUL”
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enviado pelo PNUMA. Após breve discussão, as Coordenações concordaram quanto ao
potencial de contribuição que o documento apresenta para os trabalhos futuros do Subgrupo
nessa temática, e quanto ao seu caráter informativo, nesse momento, considerados os diferentes
estágios em que se encontra o tratamento desse tema nos Estados Partes.
Além dos temas destacados até o momento, há uma grande quantidade de temas que não
foram aprofundados durante o período estudado, surgiram de forma esporádica e sem densidade
nas discussões. No entanto, é de importância registrá-los:
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Acordo Quadro sobre o Meio Ambiente.
Agenda Internacional.
Água de Lastro.
Aqüífero Guarani.
Aves Cinegéticas.
Baleia franca Austral.
Bosques.
Comércio ilegal de madeiras.
Conferência Social do Mercosul.
Indústria de couro.
IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza
Mercociudades.
Mudanças Climáticas.
Projeto Puembo II.
Qualidade do ar.
Saúde e Meio Ambiente.
Tema ambiental em outros foros.
Por fim, vale destacar que o tema Biodiversidade se fez presente nas discussões do
Subgrupo e perpassa, mesmo que de forma indireta, a maioria dos temas abordados. Sua
importância ocorre pelo fato dos países do Mercosul possuírem grande territorialidade e
desta forma abrange uma extensa área de ecossistemas distintos, apresentando uma grande
biodiversidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há algum tempo os problemas ambientais vem ganhando grande dimensão internacional, e com
isso cresce, na maioria dos países a discussão sobre as questões ambientais, suas conseqüências
e principalmente a respeito de quais são as medidas a serem tomadas. Diante deste contexto,
tornou-se necessário verificar que tipo de soluções concretas estão sendo implementadas no
Mercosul, particularmente a atuação da seção brasileira nesta questão.
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A QUESTÃO AMBIENTAL NO MERCOSUL E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Ao realizar a análise completa dos documentos apurou-se uma grande quantidade de
temas, fato este que compromete o andamento e aprofundamento das discussões, principalmente
na esfera de soluções concretas e aprovações de projetos. De forma geral, muitas vezes
indiretamente, os interesses econômicos geram fortes influências nas decisões, dificultando
ainda mais o desenvolvimento dos temas. Percebe-se também maior atuação por parte da
Delegação Brasileira em detrimento com os outros Estados-parte.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FERNANDES, Florestan. O desenvolvimento como problema nacional. In: Sociedade de
Classes e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zarah Editores, 1975. pp. 149-163.
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Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo
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TALITA MARTINELLI
OUTRAS REFERÊNCIAS
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MERCOSUL/CMC/DEC. Nº 27/12. ADESÃO DA REPÚBLICA BOLIVARIANA DA
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MERCOSUL/GMC/RES Nº 10/94. DIRETRIZES BÁSICAS EM MATÉRIA DE POLÍTICA
AMBIENTAL. XIV GMC, Buenos Aires, 3/VIII/1994.
MERCOSUL/GMC/RES. Nº 38/95. PAUTAS NEGOCIADORAS DOS SUBGRUPOS DE
TRABALHO, DAS REUNIÕES ESPECIALIZADAS E GRUPOS AD HOC. XX GMC
Puntadel Este, 4/XII/1995.
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DA SUSPENSÃO DA REPÚBLICA DO PARAGUAI. X CMC EXT. – Brasília, 30/VII/12.
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MERCOSUR/SGT N° 6/ACTA N° 2/00
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 1/04
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 2/04
MERCOSUL / SGT Nº 6 / ATA Nº 3/04
MERCOSUL / SGT Nº 6 / ATA Nº 01/05
MERCOSUR /SGT Nº 6/ACTA Nº 02/05
MERCOSUR /SGT Nº 6/ACTA Nº 04/05
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 1/06
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 2/06
MERCOSUL / SGT Nº 6 / ATA Nº 3/06
MERCOSUL / SGT Nº 6 / ATA Nº 04/06
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 1/07
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 2/07
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 3/07
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A QUESTÃO AMBIENTAL NO MERCOSUL E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 4/07
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 1/08
MERCOSUR / SGT Nº 6 / ACTA Nº 2/08
MERCOSUL/SGT Nº 6/ATA Nº 03/08
MERCOSUR/SGT Nº 6/ACTA Nº 01/09
MERCOSUR/SGT Nº 6/ACTA Nº 02/09
MERCOSUR/SGT N° 6/ACTA N° 1/10
MERCOSUR/SGT N° 6/ACTA N° 02/10
MERCOSUL/SGT Nº 6/ATA Nº 03/10
MERCOSUL/SGT Nº 6/ATA Nº 04/10
MERCOSUR/SGT Nº 6/ACTA Nº 01/11
MERCOSUR/SGT Nº 6/ACTA Nº 02/11
MERCOSUR/SGT Nº 6/ACTA Nº 03/11
MERCOSUR/SGT Nº 6/ACTA Nº 04/11
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GRUPO DE TRABALHO V
EDUCAÇÃO E ENSINO EM DEBATE:
PERSPECTIVAS PARA AS CIÊNCIAS SOCIAIS
Coord.: Prof. Dr. Fagner Carniel
Desigualdades sociais e escolares nos municípios de Maringá, Paiçandu e Sarandi - PR, Brasil
Ana Carolina Torrente Pereira ...............................................................................................................................................339
Escola e prisão
Fabiana Virginio da Rocha .....................................................................................................................................................368
Reflexões sobre a utilização do filme documentário como recurso didático
Isadora Coutinho Moraes; Laís Vitória Moreira Bonifácio ..............................................................................................375
Contribuição anarquista para uma critica ao modelo educacional
Luciano Scuissatto da Cruz .....................................................................................................................................................382
Educação e racismo: o racismo velado da sociedade brasileira presente na escola brasileira
Miriã Anacleto ............................................................................................................................................................................392
A sociologia no ensino médio: o que pensam sobre ela e como se configura no ambiente escolar?
Tabata Larissa Soldan ..............................................................................................................................................................398
Violência e preconceito homofóbico na educação: experiência com professores do ensino público
em Campo Grande/MS
Yasmine Braga Theodoro ........................................................................................................................................................411
DESIGUALDADES SOCIAIS E ESCOLARES
NOS MUNICÍPIOS DE MARINGÁ, PAIÇANDU
E SARANDI - PR, BRASIL
Ana Carolina Torrente Pereira
Mestre – Universidade Estadual de Maringá/UEM
Resumo: Com base nos municípios de Maringá, Paiçandu e Sarandi – estes constituem a área
conurbada da Região Metropolitana de Maringá – foi levantado o desempenho escolar das escolas
estaduais de ensino fundamental de anos finais (8ª série/9º ano) e os dados socioeconômicos
dispostos nas áreas de ponderação ao qual essas unidades educacionais se localizam. Através
da análise descritiva e regressão linear multivariada, foi estabelecido o comportamento de um
em relação ao outro. Especificamente estes dados socioeconômicos se constituem na renda
e nível de instrução do responsável extraídos do Censo 2010 do IBGE e a Tipologia SócioOcupacional 2010. O desempenho escolar foi aferido a partir da nota da Prova Brasil/SAEB,
extraído pelo INEP 2011.
Palavras-chave: PalavrasDesigualdades Educacionais; Segregação Urbana; Municípios de
Maringá, Paiçandu e Sarandi.
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ANA CAROLINA TORRENTE PEREIRA
A temática deste trabalho teve como objeto de estudo a relação entre o desempenho escolar e as
características socioeconômicas do espaço urbano no qual as escolas estão inseridas. Para esta
abordagem buscou-se responder a seguinte problemática: as variações de desempenho escolar
apontadas pela nota da Prova Brasil das escolas estaduais de ensino fundamental de anos finais
(8ª. série/9º. ano) dos municípios de Maringá, Paiçandu e Sarandi podem estar relacionadas
com a configuração de renda e escolaridade do responsável e da Tipologia Sócio-Ocupacional
das Áreas de Ponderação onde estas escolas se localizam?
Para amostra de desempenho escolar foram selecionadas as notas da Prova Brasil/
SAEB dos anos finais do ensino fundamental (8ª. série/9º. ano) do banco de dados do Instituto
Nacional de Estudos de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP 2011 e as variáveis
vinculadas a caracterização socioeconômica do território foram extraídas do banco de
microdados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, sendo elas
a renda, nível de instrução dos responsáveis pelo domicílio e a Tipologia Sócio-Ocupacional
(Observatório das Metrópoles, 2010). Estes dados indicam a representação de uma analise
tanto de microescala, indicativo das famílias dos alunos, quanto (e principalmente) a escala
do espaço urbano de entorno das escolas estaduais de ensino fundamental de anos finais, pois
somente foram escolhidas as unidades educacionais que apresentavam alunos oriundos de
suas proximidades. Assim, foram selecionadas as escolas as quais o Núcleo de Educação da
Região Maringá indicou como as receptoras das demandas de seu entorno, em um total de
trinta e uma em Maringá, cinco em Paiçandu e sete em Sarandi. A configuração do instrumento
Tipologia Sócio-Ocupacional auxilia a enfatizar a questão da importância do território urbano
como fator que se correlaciona com as unidades escolares e o desempenho de seus alunos. A
Tipologia Sócio-Ocupacional (SO) é um instrumento metodológico que serve como Proxy para
a hierarquia social do território urbano. Essa metodologia é desenvolvida pelo Observatório das
Metrópoles (IPPUR/UFRJ/INCT/CNPq). O estabelecimento dos tipos sócio-ocupacionais se
fundamenta nas informações de ocupação no mercado de trabalho levantadas pela pesquisa do
Censo do IBGE 2010. Para a construção destas categorias verifica-se que a atividade produtiva
ou ocupação do morador é o fator que direciona o estabelecimento dos diferentes agrupamentos
de pessoas em determinado território, pois é a partir das condições aferidas pela ocupação que
podemos identificar a hierarquia social de cada território.
Para a Região Metropolitana de Maringá1, ao qual Maringá (cidade-polo), Paiçandu e
Sarandi fazem parte, houve a definição de sete tipos de territórios divididos por agrupamentos
de ocupações profissionais homogêneas, sendo: Superior; Médio Superior; Popular; Operário
1 A Tipologia Sócio-Ocupacional para a Região Metropolitana de Maringá, elaborada com os dados do
Censo Demográfico do IBGE (2010), foi calculada e definida por Rodrigues e Accorsi no âmbito do projeto
em desenvolvimento CNPq-INCT-Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia-Observatório das Metrópoles
(2009-2013) e gentilmente cedida pelas pesquisadoras para a correlação com a nota da Prova Brasil/SAEB,
para o procedimento das análises que são fundamentais ao desenvolvimento dos resultados desta dissertação.
Destaca-se que a Tipologia Socioespacial da RMM constará do Relatório Final da Pesquisa que ainda não foi
encaminhado ao CNPq e tampouco divulgado. Além do Relatório Final os resultados estão sendo organizados,
também, para serem publicados como capítulo de um livro a ser encaminhado para editora no ano de 2013.
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DESIGUALDADES SOCIAIS E ESCOLARES NOS MUNICÍPIOS DE MARINGÁ, PAIÇANDU E SARANDI - PR, BRASIL
Popular Médio; Popular Agrícola Médio; Agrícola Popular; Agrícola Operário, conforme
espacialização que pode ser observada no Mapa 2 – Anexo I.
Os municípios de Maringá, Sarandi e Paiçandu, que se localizam na região Norte
do Paraná e constituem a Região Metropolitana de Maringá – RMM2. Esta apresenta desde
sua formação, características próprias do processo de reprodução de desigualdades sociais
embasadas nas ações do mercado imobiliário; a histórica segmentação de suas áreas, incentivada
por este mercado, foi fundamentada a partir da condição econômica de quem os adquirisse
(Costa; Rodrigues, 2009).
Para Rodrigues (2004) a ocupação urbana da cidade-polo vai além de seus limites
municipais e se propaga para a Região Metropolitana representada pela operacionalização da
“segregação da pobreza para os outros municípios e [o que] possibilitou ao município sede
preservar características urbanísticas – privilegiadas [...]” (Rodrigues, 2004, p. 19). Estas
relações se observam principalmente na área conurbada da RMM formada pela cidade-polo,
Paiçandu e Sarandi. Com a observação do Mapa 2 (Anexo I), pode-se evidenciar, através da
disposição dos tipos sócio-ocupacionais no território demonstrado, que há diferenças explicitas
entre a cidade-polo e os outros municípios da RMM. Estas diferenças são mais preponderantes
na área conurbada dos três municípios de estudo desta pesquisa, os quais são resultantes de um
processo de segregação engendrado historicamente (Rodrigues, 2004; Araujo, 2005).
Confirmando a conjuntura exposta acima os Quadros 1, 2 e 3 (Anexo II) das notas da
Prova Brasil de Maringá, Paiçandu e Sarandi, evidencia-se que as menores notas são encontradas
no município de Sarandi e as maiores notas estão em Maringá. Paiçandu apresenta poucas
diferenciações de notas entre suas escolas, suas notas escolares se aproximam mais as notas
encontradas em Sarandi do que as de Maringá.
No Mapa 3 (Anexo III) visualizamos a disposição da Tipologia Sócio-Ocupacional no
território de Maringá identificando a localização das escolas estaduais que compõe a pesquisa. O
município de Maringá é representada por 4 tipos sócio-ocupacionais, que em forma decrescente
segundo hierarquia social são: Superior, Médio Superior, Popular e Popular Agrícola Médio.
No Mapa 3 podemos verificar a disposição das escolas estudadas por APOND3, possibilitando
identificar qual a caracterização de tipo SO destas áreas.
O Tipo Superior apresenta-se nas APOND’s 05, 09, 10, 12, 13, 14, 15. Para as áreas
apresentadas podemos observar que a maioria das APOND’s de Tipo SO Superior apresentam
escolas com notas médias e altas, sendo que há duas representadas para cada um dos níveis,
fazendo com que o resultado das escolas para os Tipos Superiores seja positivo.
Para o Tipo Médio Superior as APOND’s apresentadas são: 02, 04, 07, 08, 11, 16, 17,
19. Para estas áreas foram encontradas 10 escolas, das quais cinco alcançaram notas médias e as
2 Ver mapa 1 – Anexo I
3 Área de Ponderação é uma unidade geográfica, formada por um agrupamento mutuamente exclusivo de
setores censitários, para a aplicação dos procedimentos de calibração das estimativas com as informações
conhecidas para a população como um todo. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/
resultados_preliminares_amostra/notas_resultados_preliminares_amostra.pdf; visita realizada em 20 de
Março de 2013.
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outras cinco chegaram a notas menores. Assim, identifica-se que metade das escolas apresentam
nível médio e a outra metade nível baixo.
As APOND’s 03, 06 e 20 foram identificadas pelo Tipo Popular, esta área demonstra
que das quatro escolas presentes, duas delas são de níveis menores e duas de níveis medianos.
O tipo caracterizado para a APOND 18 é o Popular Agrícola Médio, o qual se apresenta
sobre essa designação por ter uma porcentagem de trabalhadores agrícolas mais significativas
do que nos outros tipos vinculados ao município de Maringá. Nesta área se localiza a escola
RUI BARBOSA C E E FUND MEDIO com média 229,25. Podemos observar que esta é a
menor pontuação encontrada para as escolas de Maringá.
O Mapa 4 (Anexo III) apresenta a localização das escolas no território de Paiçandu face
à disposição da tipologia SO. As áreas de Paiçandu são caracterizadas como Popular Agrícola
Média na APOND 1-Região Oeste e Popular para a APOND 2-Região Leste. Dentre as médias
de Português e Matemática da nota da Prova Brasil/SAEB verificamos que as maiores estão
presentes na Região Oeste e as menores na Região Leste.
No mapa 5 (Anexo III) estão identificadas as escolas de Sarandi a partir do território
com sua tipologia SO. No município de Sarandi suas APOND’s se distribuíram a partir de dois
Tipos Sócio-Ocupacionais. Para as áreas 01-Parque Alvamar, 02-Monterey-Condominío-Sul
e 03-Conjunto Floresta-Esperança são identificadas pelo Tipo Operário Popular, já as áreas
04-Jardim Independência e 05-Centro-Jardim Universal-Norte pertencem ao Tipo Popular. Não
há escolas estaduais de ensino fundamental de anos finais na APOND 03, há quatro escolas na
APOND 05, uma na APOND 04, uma na APOND 02 e uma na APOND 01. As maiores médias
da Prova Brasil/SAEB encontram-se na área 05. A menor nota entre todas as escolas dos três
municípios estudados esta localizada na APOND 02.
A descrição das variáveis de renda e escolaridade do responsável em relação ao Prova
Brasil será realizada a partir de gráficos que demonstram essas variáveis por área de ponderação
em face da localização das unidades educacionais do estudo.
A transcrição dos gráficos irá apontar as regiões dos municípios em que o responsável
pelo domicílio agrega menor ou maior escolaridade. Esta informação auxilia na observação do
nível socioeconômico de cada APOND, pois pressupomos que quanto maior o nível de instrução
do responsável maior a possibilidade de ter sua renda incrementada, seu capital cultural, capital
social, os padrões de sua moradia, de acesso a tecnologias, possibilidades de viagens, acesso a
cultura, acesso a equipamentos de lazer, saúde, alimentação, entre outros fatores que denotam
uma condição de vida satisfatória. Admitimos que estas condições favoráveis mantenham
correlações com as possibilidades de desenvolvimento escolar de crianças e jovens vinculadas
a estes responsáveis.
As categorias para identificação da renda foram expostas em faixas de valores em
Reais. A leitura do território a partir deste dado de renda demonstrará quais as possibilidades
de estrutura física, social e econômica destas áreas. As localidades que forem representadas
por rendas baixas são vinculadas a locais que são desvalorizados perante o circuito do mercado
imobiliário, pois a renda baixa do responsável resulta na busca de imóveis de menor custo.
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DESIGUALDADES SOCIAIS E ESCOLARES NOS MUNICÍPIOS DE MARINGÁ, PAIÇANDU E SARANDI - PR, BRASIL
Essas áreas são menos valorizadas, indicando serem distante do centro urbano, cuja mobilidade
é dificultada, com déficit de equipamentos urbanos e sociais e com maiores índices de violência
urbana.
Com os referenciais teóricos utilizados podemos indicar que as áreas de ponderação
reconhecidas com nível de instrução alto sobressaem sobre as de baixo nível de instrução,
pois, propiciam mais facilidades e oportunidades de acesso a elementos que incitam o
desenvolvimento educacional de crianças e jovens. Estes, que se dispõe em estágio de formação
pessoal e intelectual, são mais predispostos à influência do ambiente de sua convivência e de
seus pares (Ellen, Turner, 1997), (Jencks; Mayers, 1989), (Wilson, 2012). Além do contato
mais facilitado ao capital social e a incorporação de capital cultural (Bourdieu, 2012). Crianças
e adolescentes destas áreas estão mais suscetíveis a oportunidades relacionadas incorporação
deste capital, além de estarem também expostas às experiências com adultos de maior nível de
educação escolar. Retrata-se que os responsáveis pelos domicílios dos territórios os quais se
apresentam com maior escolaridade para os responsáveis pelo domicílio podem proporcionar
maiores oportunidades as crianças e adolescentes vinculadas ao capital cultural e a modelos
educacionais mais bem sucedidos.
Explicita-se que nas áreas que têm maior incidência de rendas altas dos responsáveis
há maior possibilidade de exposição das crianças e adolescentes as ocupações profissionais
de maior renda e mais focadas no trabalho não-manual. A rede de contatos e capital social
também se torna mais acessível, fator importante para maximização das oportunidades
educacionais e futuras oportunidades para o mercado de trabalho. Os jovens destas áreas têm
maior possibilidade de acesso a serviços e bens de lazer, cultura, viagens e conhecimento. Além
das facilidades óbvias de suprir suas necessidades básicas de vida e estarem menos expostos ao
fenômeno da violência. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (2008)4, também reafirma
esses pressupostos de que quanto maior o nível de instrução maior se torna a renda. Assim
podemos inferir que não haverá grandes modificações para a situação social das crianças que
estudam em escolas localizadas em áreas de menor renda, baixa escolarização e ocupação
profissional não especializada dos responsáveis pelos domicílios, fato que denota e permite a
reprodução da pobreza.
No Anexo V encontram-se o Mapa 6 e o Quadro 4 das notas de Português e Matemática
da Prova Brasil/SAEB com a média entra as duas disciplinas com a indicação das APOND’s
nas quais as escolas se localizam.
A partir dos dados do Gráfico 1 (Anexo IV) podemos identificar três grupos preponderantes
em relação ao nível de instrução dos responsáveis por domicílio para as APOND’s de Maringá.
Um dos grupos se identifica por apresentar grande percentual de responsáveis com nível de
instrução alto. Constata-se que esta conjunção é observada para as áreas 05, 09, 10, 12, 13 e
15. Das seis escolas presentes nestas APOND’s de alto nível de instrução, duas delas possuem
4 Para maiores informações sobre a pesquisa, acessar http://www.cps.fgv.br/ibrecps/iv/midia/kc1654.pdf;
visita realizada em 15 de Abril de 2013.
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desempenho nível 5 de proficiência média da nota da Prova Brasil, duas apresentaram nível 6 e
duas obtiveram nível 7 (maior nível constatado para o município de Maringá). Verifica-se que
houve mais desempenhos vinculados a níveis maiores de proficiência (6 e 7) do que ao menor
nível encontrado para Maringá (nível 5).
Para outro agrupamento de APOND’s, verifica-se uma grande incidência de responsáveis
com baixo nível de instrução. Esta situação identifica as áreas de ponderação 03, 04, 06, 18,
19, 20. Encontram-se nestas áreas de ponderação oito escolas estaduais de ensino fundamental
de anos finais. Dentre estas escolas duas obtiveram notas que se enquadram no nível 6 de
proficiência, mas todas as outras atingiram notas adequadas ao nível 5 de proficiência. Percebese que a quantidade de escolas com nível 5 é superior ao grupo de APOND’s cujo nível de
instrução de seus responsáveis é alto.
Um terceiro grupo de Áreas de Ponderação mostra heterogeneidade em relação a
quantidade de responsáveis com baixo nível de instrução e com alto e médio nível de instrução.
Estas áreas são identificadas pelas APOND’s 01, 02, 07, 08, 11, 14, 16 e 17. Estas regiões são
contempladas com sete escolas estaduais de ensino fundamental de anos finais. Destas, duas
pertencem ao nível 5 de proficiência e cinco estão no nível 6. Observamos que nesta área,
há incidência expressiva tanto para escolaridade baixa quanto para escolaridade média e alta
dos responsáveis, o que nos faz constatar que para o território onde prevalece um grupo de
responsáveis em que o nível de instrução é heterogêneo, o desempenho das escolas tende a ser
mais positivo.
Este resultado também indica que as teorias apresentadas se expressam aqui, identificando
que as localidades onde há maior nível de instrução do responsável, há maior incidência de
médias altas para a Prova Brasil, nas áreas em que a escolaridade dos responsáveis são menores,
as médias da Prova Brasil também são menores, já as localidades onde se apresentam níveis
heterogêneos de instrução para os responsáveis as notas tendem a ser mais positivas.
Quanto ao nível de renda, presente no Gráfico 2 – Anexo IV, demonstram quatro grupos
de APOND’s representadas com faixas de rendas que mais preponderam. Para a maior parte
das APOND’s de Maringá, os responsáveis por domicílio possuem uma renda indicada pelo
intervalo de R$ 511,00 a R$ 1.530,00. As áreas de ponderação em que podemos observar
esta conjuntura são: 01, 02, 04, 05, 06, 08, 11, 16, 17 e 19. Nas áreas de ponderação 12 e 13
observamos que em torno de 40% dos responsáveis pelo domicílio possuem renda acima de R$
2.551,00. Nas APOND’s 03, 07, 18, 20 encontramos a menor faixa de renda, em particular com
grande incidência (50% dos responsáveis) na faixa de R$ 1,00 a R$ 510,00 e em torno de 25%
Sem renda.
As áreas de ponderação 09, 14 e 15 podem ser consideradas como heterogêneas
em relação à faixa de renda pois há taxas significativas de responsáveis tanto com rendas baixas
quanto com rendas altas.
Para o primeiro agrupamento de escolas, o qual engloba o maior número de APOND’s
e por consequência o maior número de escolas, foram constatadas que seis escolas pertencem
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DESIGUALDADES SOCIAIS E ESCOLARES NOS MUNICÍPIOS DE MARINGÁ, PAIÇANDU E SARANDI - PR, BRASIL
ao nível 5 de proficiência e três delas alcançaram nível 6. No grupo de áreas de ponderação
com rendas mais altas localizam-se três escolas, que obtiveram nível 5, 6 e 7. Para o grupo das
rendas preponderantemente baixas são cinco escolas, sendo que três delas apresentaram nível
6 e duas delas nível 5. Para o grupo das áreas de rendas heterogêneas, assim como nas áreas de
alta renda, se constata níveis 5, 6 e 7.
O município de Paiçandu apresenta duas áreas de ponderação, como podemos observar
no Gráfico 3 (Anexo VI), que realiza a identificação destas áreas a partir da escolaridade do
responsável por domicílio. Através da leitura deste gráfico nota-se que há poucas disparidades
entre os níveis de instrução das duas áreas de ponderação que formam o município.
No Gráfico 4 – Anexo VI percebemos que o território urbano de Paiçandu se constitui
de um grupo importante de pessoas (responsáveis pelo domicílio neste caso) cuja condição de
sustento, para a grande maioria – para a APOND 01-Região Oeste a taxa é de 87,4% e para a
APOND 02-Região Leste é de 80,6% - não ultrapassa R$ 1.020,00. O que nos faz constatar
que as condições socioeconômicas desse município é baixa e sua população esta mais propensa
a sofrer os processos referentes a desigualdades sociais, precarização e vulnerabilidade de
condições de vida, falta de estrutura urbana, falta de equipamentos urbanos e sociais e maior
exposição à situação de violência. A partir da leitura deste contexto ainda podemos citar mais
um agravante, nota-se que a porcentagem encontrada em relação aos responsáveis “Sem renda”
é bastante elevada, o que nos leva a inferir que essas pessoas convivem com a instabilidade de
empregos esporádicos, de serviços autônomos ou realmente não tem nenhuma fonte de renda
própria. Essa realidade demonstra que essa faixa da população está sujeita a intemperanças e
inseguranças do mercado de trabalho (informal), o que torna a situação dessa população mais
delicada.
Com o Mapa 7 e o Quadro 5 (Anexo VII) podemos identificar as escolas estaduais
por APOND do município de Paiçandu. O território de Paiçandu se baseia em níveis médios
e baixos tanto de nível de instrução e como de faixa de renda para os responsáveis pelo
domicílio. Verifica-se que para as duas áreas de ponderação do município as diferenças para
estes dois aspectos são mínimos, o que denota um território bastante homogêneo quanto a estas
características.
Para as duas APOND’s do município pode-se contatar que os níveis de instrução que
predominam são o “Sem instrução e fundamental incompleto” com média entre as duas áreas de
39,5% dos responsáveis e, “Fundamental completo de médio incompleto” com média para as
duas APOND’s de 29,65%. Pode-se inferir que para o todo do território de Paiçandu o nível de
escolaridade é médio e baixo que acaba por refletir sobre as notas da Prova Brasil/SAEB. Das
cinco escolas estaduais de ensino fundamental de anos finais, quatro delas se apresentam no
nível 5 de proficiência e apenas uma com nível 6 que demonstram acompanhar o comportamento
da escolaridade dos responsáveis.
A média de renda para os responsáveis no território urbano de Paiçandu é da faixa
de R$ 511,00 a R$ 1.020,00. Assim como também se constatou que em torno de 23% dos
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responsáveis indicaram ter rendimento na faixa de R$ 1,00 a R$ 510,00 e em torno de 25%
disseram não ter renda. A partir desta descrição podemos observar que o município como um
todo se identifica com rendimentos baixos e médios para seus responsáveis. Assim, da mesma
forma que o território urbano de nível de instrução dos responsáveis configurado como médio e
baixo inferiu em notas para a Prova Brasil mais coincidentes com nível baixo (nível 5), a renda
também se aplica sobre a mesma conjugação analítica.
Portanto, constata-se que, para Paiçandu, sua área é homogênea em relação à configuração
de renda e nível de instrução para os responsáveis, representado em sua grande maioria por renda
e escolaridade baixa e média. Nesta conjuntura, ao relacionarmos o desempenho escolar das
escolas estaduais de ensino fundamental de anos finais verificamos que o nível de proficiência
para as notas da Prova Brasil/SAEB tende a estar vinculado com nível 5, que entre as escolas
dos 3 municípios estudados, foi um dos menores níveis encontrados (apenas superado por uma
escola de Sarandi que obteve o nível 4).
O município de Sarandi se compõe por 5 áreas de ponderação as quais estão expostas
no Gráfico 5 (Anexo VIII) com a indicação do nível de instrução de seus responsáveis.
Observamos que para todas as APOND’s mais de 70% dos responsáveis pelo domicílio não
possuem Ensino Médio completo. Isso demonstra que o município de Sarandi como um todo
se constitui de um território de baixa escolaridade em relação aos responsáveis pelo domicílio,
o que explica a incidência de alto grau de desigualdade e precariedade quanto às oportunidades
de desenvolvimento social e econômico.
Sarandi, assim como Paiçandu, não apresenta diferenças muito significativas entre suas
áreas de ponderação. No Gráfico 6 vimos que grande parte dos responsáveis pelo domicílio, em
suas 5 APOND’s, possuem renda na faixa entre R$ 511,00 a R$ 1.020,00, indicados por índices
superiores a 30% dos responsáveis. Para a categoria “Sem renda” observa-se que há taxas
significativas de responsáveis nesta condição, sendo que para todas as áreas os percentuais
encontrados superam 25% do total desta população específica. Em Sarandi os responsáveis pelo
domicílio que apresentam renda superior a R$ 1.020,00 não chegam a 20%, sendo a APOND
04-Jardim Independência a mais expressiva em relação a rendas acima desse valor com 19,8%
de seus responsáveis; já a de menor incidência é a APOND 02-Jardim Monterey-CondomínioSul com apenas 11,2% de seus responsáveis com renda acima de R$ 1.020,00. A mais elevada
faixa de rendimentos verificada pelo Censo indica rendas acima de R$ 10.201,00 e para esta
faixa o município de Sarandi demonstrou valor máximo de 2,2% identificada na APOND
04-Jardim Independência, as outras são representadas por taxas ainda menores. Somando-se as
porcentagens das categorias de análise “Sem renda” e “De R$ 1,00 até R$ 510,00” para todo
o território deste município verificamos que em média 50% dos responsáveis pelo domicílio
encontram-se neste intervalo de rendimentos.
Este território se configura a partir de um nível de rendimento baixo de seus responsáveis,
o que incide diretamente na estrutura e serviços urbanos destinados a população igualmente ao
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analisado no município de Paiçandu. Para Sarandi os índices representativos de menores rendas
são ainda mais marcantes que os encontrados em Paiçandu, demonstrando que possivelmente
a população de Sarandi é ainda mais afetada pela precariedade e adversidades ligadas as áreas
urbanas desestruturadas pela segregação e desigualdades.
Considerando os dados de renda e nível de instrução responsável, pode-se constatar
que todo o território urbano deste município está exposto a um ambiente escolar precário, a um
mercado de trabalho voltado a empregos manuais, com rendas baixas. Seguindo esta reflexão,
podemos indicar que o espaço urbano de Sarandi se configura a partir de uma estruturação
precária e desorganizada, com déficit de equipamentos urbanos e sociais, falta de mobilidade
urbana, precariedade das instituições públicas, exposição a violência urbana, processos de
estigmatização de sua população entre outros fatores incidentes deste tipo de território.
No Mapa 8 e no Quadro 6 do Anexo IX encontram-se a localização das escolas nas áreas
de ponderação de Sarandi e as notas da Prova Brasil/SAEB.
A caracterização de Sarandi quanto ao nível de instrução do responsável se dá por
aspectos que indicam uma escolaridade baixa. Constata-se uma taxa bastante reduzida para
todas as áreas de ponderação quanto ao nível “Superior Completo” não superando o valor de
5% na maior incidência desta categoria e, altas taxas para o nível “Sem instrução e fundamental
incompleto”, sendo verificado valores entre 45% e 52% em todas as APOND’s. Em vista
destes fatos, os indicativos referentes aos valores da nota da Prova Brasil/SAEB são também
baixas, representadas por apenas uma nota de nível 6 entre as sete escolas estaduais de ensino
fundamental de anos finais. Dentre as outras, cinco indicaram nível 5 e uma delas chegou
apenas ao nível 4. A menor nota identificada para Sarandi esta localizada na área de ponderação
02-Jardim Monterey-Conodomínios-Sul, que também é a região de menor taxa de responsáveis
com nível “Superior completo” (1,6%) e maior taxa com nível “Sem instrução e fundamental
incompleto” (52,2%). Ao compararmos com todas as APOND’s de Maringá, Paiçandu e Sarandi,
esta APOND é a mais desfavorável quanto ao nível de instrução dos responsáveis, também
apresentando, portanto, o menor desempenho da Prova Brasil/SAEB (224,65 – nível 4).
A relação entre o desempenho escolar através da nota da Prova Brasil/SAEB com a
renda dos responsáveis por domicílio em cada uma das APOND’s desenvolve comportamento
semelhante ao verificado para o nível de instrução, o qual se estabelece níveis com incidência
nas faixas mais baixas do que as encontradas para as faixas medianas de renda. Entre todas as
APOND’s em torno de 25% dos responsáveis possuem rendimento na faixa de R$ 511,00 até R$
1.020,00 e mais de 50% indicaram pertencer a soma dos dois menores intervalos; “Sem renda”
e “de R$ 1,00 até R$ 510,00”. Os indíces das faixas de renda para os responsáveis por domicílio
entre as áreas de ponderação de Sarandi não apresentam grandes discrepâncias, representando
um território urbano em que se prepondera rendas baixas e em segundo rendas médias. Mas
podemos observar que a maior porcentagem das categorias de menores rendas estão dispostas
na APOND 02-Jardim Monterey-Condomínios-Sul, o qual como visto na discussão do item
anterior, encontra-se a menor nota da Prova Brasil/SAEB.
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Assim como em Paiçandu, o município de Sarandi é representado de forma homogênea
quanto as categorias de renda e nível de instrução do responsável pelo domicílio. Este cenário
incide na demosntração do desempenho escolar trânscrito nas notas da Prova Brasil/SAEB
alcançadas pelo município identificadas como as menores entre Maringá, Paiçandu e Sarandi.
No intuito de explorar mais o comportamento da nota da Prova Brasil/SAEB (variável
dependente) diante a renda e nível instrução do responsável pelo domicílio e a Tipologia SócioOcupacional (variáveis independentes) foi aplicado um modelo de regressão multivariada
através do software Statistical Package for the Social Sciences - SPSS. As notas da Prova Brasil
inseridas no programa se deram a partir da média realizada entre as disciplinas de Português
e Matemática das APOND’s dos três municípios estudados. E a correlação se deu a partir das
variáveis explicativas de renda, nível de instrução e tipologia também dos três municípios. A
partir dos valores encontrados, observa-se que o modelo de regressão proposto explica 44,2%
da variação da nota da Prova Brasil. Isto significa que ao analisarmos a conjunção do grupo
de variáveis independentes é possível obter a interpretação do comportamento da variável
dependente em quase 50%. Com o modelo de regressão pode-se identificar também o efeito
individual de cada uma das variáveis. Especificamente, a cada nível de instrução alcançado a
nota da Prova Brasil/SAEB apresenta um aumento de 0,4%. Para o comportamento da Prova
Brasil/SAEB quanto à renda do responsável se constata que com o aumento de 1% do valor
da renda a nota apresenta um incremento de 0,3%. Para a tipologia o grau de relação é maior,
sendo que a cada alteração de hierarquia de Tipo Sócio-Ocupacional, a nota da Prova Brasil
apresenta uma variação de 2,9%.
Podemos constatar que a maior taxa de correlação obtida se transcreve pela conjunção
das três variáveis independentes. Estas são preponderantemente expressivas quando vinculadas,
demonstrando, que conseguem explicar o comportamento da nota da Prova Brasil/SAEB
em 44,2%. O elemento mais forte desse modelo de regressão multivariada é a Tipologia
Sócio-Ocupacional, mas ao vislumbrarmos esta variável com a renda e nível de instrução, o
modelo se complementa e se fortalece, descrevendo que a nota da Prova Brasil/SAEB esta
amplamente correlacionada a estes três aspectos socioeconômicos. Este modelo se fortalece a
partir das macro-relações, ao percebermos a escola em face a estruturação sócio-ocupacional e
socioeconômica do território em que esta se insere. As oportunidades escolares, que podem ser
descritas a partir da constatação do desempenho das escolas, estão ligadas ao pertencimento a
uma localidade o qual os responsáveis possuem nível de escolaridade alta, rendimento alto e
ocupações profissionais mais privilegiadas.
Portanto, a escola é dependente de fatores múltiplos para desempenhar o papel a que
se propõe. O desenvolvimento intelectual, político, social e econômico dos jovens não pode
ser observado de maneira enviesada, a amplitude do assunto nos leva a considerar aspectos
diversos quando discutimos a escola. A localidade em que se estabelecem deve ser objeto de
estudo ao refletirmos sobre educação, este ente não está dissociado às práticas educacionais
diárias e, sua observação pode nos ajudar a desvendar muitas das problemáticas as quais se
enfrenta no desenvolvimento da escola e no auxilio da sua evolução.
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DESIGUALDADES SOCIAIS E ESCOLARES NOS MUNICÍPIOS DE MARINGÁ, PAIÇANDU E SARANDI - PR, BRASIL
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ANEXO I
Mapa 1: Região Metropolitana de Maringá 2012 – RMM
Fonte: Observatório das Metrópoles – Núcleo Região Metropolitana de Maringá
Elaboração: Wesley Ferreira de Souza
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Mapa 2: Tipologia Sócio-Ocupacional para a Região Metropolitana de Maringá – 2010
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2010); Observatório das Metrópole
Elaboração: Observatório das Metrópoles
Núcleo Região Metropolitana de Maringá/UEM, 2013
Wesley Furriel.
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ANEXO II
QUADRO 1: Nota da Prova Brasil das Escolas Estaduais de Ensino Fundamental
de Anos Finais (8ª série/9º ano) de Maringá
Fonte: Sistema de Avaliação da Educação Básica-SAEB/INEP, 2011.
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QUADRO 2: Nota da Prova Brasil das Escolas Estaduais de Ensino Fundamental de Anos Finais (8ª série/9º
ano) de Paiçandu
Fonte: Sistema de Avaliação da Educação Básica-SAEB/INEP, 2011.
QUADRO 3: Nota da Prova Brasil das Escolas Estaduais de Ensino Fundamental
de Anos Finais (8ª série/9º ano) de Sarandi
Fonte: Sistema de Avaliação da Educação Básica-SAEB/INEP, 2011.
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ANEXO III
Mapa 3: Tipologia Sócio-Ocupacional por APOND’s e
a localização das escolas estaduais de ensino fundamental de anos finais de Maringá
Fonte: Base Cartográfica IBGE, 2010.
Elaboração: Observatório das Metrópoles/Wesley Ferreira de Souza, 2013.
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Mapa 4: Tipologia Sócio-Ocupacional por APOND’s e
a localização das escolas estaduais de ensino fundamental de anos finais de Paiçandu
Fonte: Base Cartográfica IBGE, 2010.
Elaboração: Observatório das Metrópoles/Wesley Ferreira de Souza, 2013.
Mapa 5: Tipologia Sócio-Ocupacional por APOND’s e
a localização das escolas estaduais de ensino fundamental de anos finais de Sarandi
Fonte: Base Cartográfica IBGE, 2010.
Elaboração: Observatório das Metrópoles/Wesley Ferreira de Souza, 2013.
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ANEXO IV
Gráfico 1: Nível de instrução do responsável pelo domicílio
por Área de Ponderação de Maringá, 2010
Fonte: Microdados do Censo Demográfico do IBGE, 2010.
Organização: Observatório das Metrópoles/Wesley Oliveira Furriel.
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Gráfico 2: Faixa de renda do responsável pelo domicílio
por Área de Ponderação de Maringá, 2010
Fonte: Microdados do Censo Demográfico do IBGE, 2010.
Organização: Observatório das Metrópoles/Wesley Oliveira Furriel.
Anais do XI Seminário de Ciências Sociais - 21 a 25 de Outubro de 2013
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ANEXO V
Mapa 6: Escolas Estaduais de Ensino Fundamental
por Área de Ponderação do Município de Maringá
Fonte: Base Cartográfica IBGE, 2010.
Elaboração: Observatório das Metrópoles/Wesley Ferreira de Souza, 2013.
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Quadro 4: Notas da Prova Brasil das escolas estaduais de
Ensino Fundamental de anos finais por Áreas de Ponderação de Maringá, 2011.
Fonte: Sistema de Avaliação da Educação Básica-SAEB/INEP, 2011.
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ANEXO VI
Gráfico 3: Nível de instrução do responsável pelo domicílio
por Área de Ponderação de Paiçandu, 2010
Fonte: Microdados do Censo Demográfico do IBGE, 2010
Organização: Observatório das Metrópoles/Wesley Oliveira Furriel
Gráfico 4: Faixa de renda do responsável pelo domicílio
por Área de Ponderação de Paiçandu, 2010
Fonte: Microdados do Censo Demográfico do IBGE, 2010.
Organização: Observatório das Metrópoles/Wesley Oliveira Furriel
Anais do XI Seminário de Ciências Sociais - 21 a 25 de Outubro de 2013
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ANEXO VII
Mapa 7: Escolas Estaduais de Ensino Fundamental
por Área de Ponderação do Município de Paiçandu
Fonte: Base Cartográfica IBGE, 2010
Elaboração: Observatório das Metrópoles/Wesley Ferreira de Souza, 2013.
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Quadro 5: Notas da Prova Brasil das escolas estaduais de
Ensino Fundamental de anos finais por Áreas de Ponderação de Paiçandu, 2011.
Fonte: Sistema de Avaliação da Educação Básica-SAEB/INEP, 2011.
ANEXO VIII
Gráfico 5: Nível de instrução do responsável pelo domicílio
por Área de Ponderação de Sarandi, 2010.
Fonte: Microdados do Censo Demográfico do IBGE, 2010.
Organização: Observatório das Metrópoles/Wesley Oliveira Furriel
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Gráfico 6: Faixa de renda do responsável pelo domicílio
por Área de Ponderação de Sarandi, 2010
Fonte: Microdados do Censo Demográfico do IBGE, 2010.
Organização: Observatório das Metrópoles/Wesley Oliveria Furriel.
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ANEXO IX
Mapa 8: Escolas Estaduais de Ensino Fundamental
por Área de Ponderação do Município de Sarandi
Fonte: Base Cartográfica IBGE, 2010.
Elaboração: Observatório das Metrópoles/Wesley Ferreira de Souza, 2013.
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DESIGUALDADES SOCIAIS E ESCOLARES NOS MUNICÍPIOS DE MARINGÁ, PAIÇANDU E SARANDI - PR, BRASIL
Quadro 6: Notas da Prova Brasil das escolas estaduais de
Ensino Fundamental de anos finais por Áreas de Ponderação de Sarandi, 2011.
Fonte: Sistema de Avaliação da Educação Básica-SAEB/INEP 2011
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ESCOLA E PRISÃO
Fabiana Virginio da Rocha
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); Pós-graduada
em Docência do Ensino Superior e em Educação Profissional e de Jovens e Adultos com ênfase
em Sócio-Educação e Privação de Liberdade pelo Instituto Paranaense de Ensino. Professora
da rede Estadual de Educação Básica.
Resumo: Este estudo tem como ênfase a educação escolar no sistema prisional, com o intuito
de explicitar as principais dificuldades encontradas na organização existente nas estruturas
educacionais do sistema prisional do Paraná. A fim de contribuir para o debate das questões
educacionais para os sujeitos privados de liberdade. Para tanto, apresenta um panorama geral
sobre as prisões, os presos e os documentos que garantem a organização e a oferta da educação
prisional no Brasil, e discorre sobre a temática. Ao final, aponta alguns dos desafios que precisam
ser levados em conta no estudo e no aprofundamento teórico-metodológico das pesquisas em
educação prisional.
Palavras-chave: Educação no Sistema Prisional; Educação de Jovens e Adultos; Execução
Penal.
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ESCOLA E PRISÃO
INTRODUÇÃO
O presente texto foi elaborado buscando aprofundar discussões existentes em relação à educação
escolar no sistema prisional, evidenciando que tais discussões têm enfatizado as dificuldades
em desenvolver, efetivamente, um programa de educação, se este estiver ligado ao esquema de
funcionamento da prisão, cujo caráter é essencialmente disciplinar num ambiente marcado pela
punição e castigo.
O Sistema prisional tem seu modelo organizado de forma retrógrada, a visão de
repreensão e punição que os presídios viveram ao longo da história das prisões, esta embutida no
próprio sistema, uma formação que perpassou por um modelo, o qual o castigo sempre vigorou
como forma punitiva. Até o século XIX acreditava-se que os presos sem nenhuma intervenção
educativa iriam ter perspectivas positivas e estariam preparados para serem conduzidos de volta
à sociedade.
No entanto, como diz Foucault (2012), com o grande numero de reincidência percebeuse o fracasso e a falência do sistema penal. A cerca desta compreensão, iniciou-se uma busca
por novos caminhos e o sistema penal procurou outros rumos, inclusive a inserção da escola
nas unidades penais.
Dessa forma a importância da educação nos presídios vem ao encontro de duas
finalidades: coibir a ociosidade nos presídios, que, segundo alguns operadores da justiça e da
execução penal, gera maior propensão à reincidência, e dar ao condenado a oportunidade de, em
futura liberdade, dispor de uma opção para o exercício de alguma atividade profissional, para
a qual seja exigido um mínimo de escolarização. Assim, a opção por tirar uma grande massa
da população carcerária que está na ociosidade, colocando-a em salas de aula, não constitui
privilégio, mas uma proposta que atende aos interesses da própria sociedade.
Neste sentido, o presente artigo busca dar ênfase à questão da educação escolar no
sistema prisional apresentando um panorama geral sobre as prisões, os presos e os documentos
que garantem a organização e a oferta da educação prisional no Brasil. Discorre também sobre
a temática explicitando as principais dificuldades encontradas na organização existente nas
estruturas educacionais do sistema prisional do Paraná. Com o propósito de contribuir para
o debate das questões educacionais para os sujeitos privados de liberdade, apontando alguns
dos desafios que precisam ser levados em conta no estudo e no aprofundamento teóricometodológico das pesquisas em educação prisional.
Ciente da complexidade da discussão, este artigo é simplesmente um pequeno esboço de
reflexão sobre a política de execução penal no Brasil no que se refere aos programas e projetos
implementados no âmbito da educação para jovens e adultos privados de liberdade.
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FABIANA VIRGINIO DA ROCHA
AS PRISÕES E OS PRESOS
Foucault (2012) ao analisar as prisões diz que elas possuem mecanismos internos de repressão
e punição que ultrapassam o castigo da “alma”, investindo na regulação do corpo do detento
pela coação estimulada por uma educação total, reguladora de todos os movimentos do corpo.
E nesse sentido, além da privação da liberdade, elas executam uma transformação técnica dos
indivíduos.
A punição vai-se tornando, pois a parte velada do processo penal, provocando várias
consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência
abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade, não à sua intensidade visível; a
certeza de ser punido é que deve desviar o homem e não mais o abominável teatro;
a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens.(FOUCAULT, 2012,p.14)
Entrar no interior do Sistema Prisional requer mergulhar num mundo de reclusão e
opressão. De acordo com Goffman (2008), os indivíduos que se encontram naquele local em
algum momento perderam sua própria identidade ou, muitas vezes nunca foram percebidos
como pessoas “humanas”.
Segundo Onofre (2007) os presos fazem parte da população dos empobrecidos,
produzidos por modelos econômicos excludentes e privados dos seus direitos fundamentais
de vida. Ideologicamente, como os “pobres”, aqueles que são jogados em um conflito entre as
necessidades básicas vitais e os centros de poder e decisão que as negam. São, com certeza,
produtos da segregação e do desajuste social, da miséria e das drogas, do egoísmo e da perda
de valores humanitários. Por sua condição de presos, seu lugar na pirâmide social é reduzido à
categoria de “marginais”, “bandidos”, duplamente excluídos, massacrados, odiados. Assim o
aprisionado traz, como memória, vivências por vezes negativas, de situações pelas quais passou
antes e durante sua carreira delinquencial.
A arquitetura dos cárceres, como relata Onofre, acentua a repressão, as ameaças, a
desumanidade, a falta de privacidade, a depressão, em síntese, o lado sombrio e subterrâneo
da mente humana. Nas celas lúgubres, úmidas e escuras, repete-se ininterruptamente a voz da
condenação, da culpabilidade, da desumanidade. Ao serem analisados os aspectos arquitetônicos
das prisões, estas são caracterizadas como instituições disciplinares, à base da vigilância,
violência e punição.
Neste contexto as prisões se caracterizam como teias de relações sociais que promovem
violência e despersonalização dos indivíduos. Sua arquitetura e as rotinas a que os sentenciados
são submetidos demonstram, por sua vez, um desrespeito aos direitos de qualquer ser humano,
à vida. Nesse âmbito, acentuam-se os contrastes entre a teoria e a prática, entre os propósitos
das politicas públicas penitenciárias e as correspondentes práticas institucionais, delineando-se
um grave obstáculo a qualquer proposta de reinserção social dos indivíduos condenados.
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ESCOLA E PRISÃO
Perante a diversidade de fatores sociais, psicológicos, antropológicos, jurídicos e
políticos que envolvem a discussão sobre o sistema penitenciário como Instituição oficial do
Estado, o caminho metodológico para a investigação do tema proposto foi análise temática de
documentos, pesquisas e projetos produzidos pelos Poderes Executivo e Legislativo sobre a
educação penitenciária como assistência educacional dos apenados.
BRASIL E A QUESTÃO CARCERARIA
Os principais problemas enfrentados nas prisões brasileiras são: a superlotação, a deterioração
da infraestrutura carcerária, a corrupção de agentes/policiais, a abstenção ou abuso sexual, o
suicídio, a presença de tóxicos, a falta de apoio de autoridades governamentais, as rebeliões,
a má administração carcerária, a falta de apoio de uma legislação digna dos direitos do presocidadão, a falta de segurança e pessoal capacitado para realizá-la e o alto índice de reincidência.
Tudo isso demonstra que o Brasil está aniquilando qualquer possibilidade de que as pessoas em
privação de liberdade venham a se recuperar e, ao mesmo tempo, desperdiça dinheiro público.
Vemos, portanto que o Brasil é um país com grandes problemas no campo prisional e esse
fenômeno não é recente e se manifesta vinculado à insegurança publica devido ao crescimento
da violência e sua falta de solução. Levando-se em conta que esse crescimento descontrolado
da violência ultrapassa a capacidade de absorção existente no sistema prisional, e que este
fato se expressa nos dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça –
DEPEN/MJ (2009), demonstrando que o Brasil possui 469.546 presos distribuídos em 1.771
unidades penais do país, e que estima-se que a cada 100 mil habitantes no Brasil, 247 estão
encarcerados. As pesquisas, projetos e ações neste campo são relevantes para esta situação.
Um dos fatos marcante e desafiador para a política nacional, atualmente, é a situação
na qual se encontra o sistema carcerário brasileiro, cujo cotidiano está envolvido de muita
tensão, evidenciado pela quantidade espantadora de motins, rebeliões, massacres, despertando
na população carcerária ódio e sentimentos de vingança.
O sistema penitenciário brasileiro não tem possibilitado oferecer ressocialização de seus
internos, cujas causas são de várias ordens: superlotação das prisões, precárias e insalubres
instalações físicas, falta de treinamento dos funcionários responsáveis pela reeducação da
população carcerária, e a própria condição social dos que ali se encontram internados. Esses
são, sem sombra de dúvida, alguns dos principais fatores que contribuem para o fracasso do
sistema penitenciário brasileiro em se tratando da recuperação social de seus internos.
Além disto, a visão de repreensão e punição que os presídios viveram ao longo da história
das prisões, esta embutida no próprio sistema, uma formação que perpassou por um modelo, o
qual o castigo sempre vigorou como forma punitiva. As prisões neste sentido caracterizam-se
como teias de relações sociais que promovem violência e despersonalização dos indivíduos.
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A EDUCAÇÃO ESCOLAR NO SISTEMA PRISIONAL
No contexto internacional, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em sua resolução
1990/20, de 24 de maio de 1990, recomendou, entre outras coisas, que todos os reclusos deviam
gozar de acesso à educação, com inclusão de programas de alfabetização, educação básica,
formação profissional, atividades recreativas, religiosas e culturais, educação física e desporto,
educação social, ensino superior de serviços de bibliotecas (ONU e UNESCO, 1994, p. 1).
No Brasil, as bases legais que regulamentam a oferta da educação prisional dizem
respeito à Lei de Execução Penal de 1984, à Constituição da República Federativa de 1988,
ao Plano Nacional de Educação, à Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, de 1996, ao
Plano de Desenvolvimento Educacional de 2007, à Resolução n° 3 de 6 de março de 2009 do
Conselho de Política Criminal e Penitenciária, à Resolução CNE/CEB 2/2010, ao parecer CNE/
CEB n° 4 de 2010 e ao Plano Diretor da Sistema Penal Nacional.
As políticas públicas para educação em estabelecimentos penais no Estado do Paraná
estão fundamentadas nas políticas públicas educacionais do Brasil, sendo adequadas em nível
estadual e na modalidade de educação de jovens e adultos (EJA). São documentos normativos
que instituem o direito à educação no sistema penal do Paraná: a Constituição do Estado do
Paraná de 1989, o Regimento Interno do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná de
2003, o Plano Estadual de Educação de 2005, as Diretrizes Curriculares para a Educação de
Jovens e adultos de 2006, o Plano Diretor do Sistema Penal do Estado do Paraná de 2011, e
recentemente o Plano Estadual de Educação no Sistema Prisional do Paraná (2012).
A assistência educacional no sistema penitenciário do Paraná refere-se às atividades
de formação e subdivide-se em educação formal, educação profissional e educação social. As
unidades prisionais são atendidas pelos Centros Estaduais de Educação Básica de Jovens e
Adultos (CEEBJAs) ou Ações Pedagógicas Descentralizadas (APEDs). A modalidade de ensino
adotada nas escolas do sistema penitenciário do Paraná é a Educação de Jovens e Adultos.
Essa modalidade de ensino vem ao encontro da necessidade e da diversidade do perfil dos
educandos, no que se refere à idade, ao nível de escolarização, à situação socioeconômica e
cultural e, sobretudo, a sua inserção no mercado de trabalho.
Dessa forma a educação no sistema prisional pode ser considerada como um dos meios
de promover a integração social e a aquisição de conhecimentos que permitam aos reclusos
assegurarem um futuro melhor quando recuperarem a liberdade.
Entretanto, segundo Bourdieu (1975) a ação pedagógica reproduz a cultura dominante,
reproduzindo também as relações de poder de um determinado grupo social. Dessa forma o
sistema educacional reproduz por meio de uma violência simbólica as relações de dominação,
ou seja, a estrutura de classes, reproduzindo de maneira diferenciada a ideologia da classe
dominante.
Ressalta-se ainda que diferentemente de outros espaços nos quais a educação de jovens
e adultos (EJA) foi implantada, a prisão precisa ser ressignificada como espaço potencialmente
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ESCOLA E PRISÃO
pedagógico, uma vez que as prisões foram projetadas com o objetivo de servir como um
instrumento de punição e não de educação escolar.
Diante dos dilemas e contradições do ideal educativo e do real punitivo, de tantos
fatores que obstacularizam a formação para a vida social em liberdade, longe das grades, cabe
perguntar: o que pode fazer a educação escolar por trás das grades? Como situar a educação
dentro da prisão, como fazer as relações serem pedagógica? A escola neste contexto, insere,
reinsere, socializa, ressocializa o sujeito na sociedade? Ou reproduz mais desigualdade social e
serve para Estado transferir a responsabilidade dos índices de violência e reincidência criminal
para escola?
Considerando as dificuldades acima, as contradições quanto à inserção da educação
escolar nas prisões bem como, a necessidade de disseminação, compartilhamento e valorização do
conhecimento tácito e explicito produzidos pelos sujeitos do sistema penal, são imprescindíveis
estudos, ações e projetos voltados à gestão do conhecimento no Sistema penal. Uma vez que,
segundo o Plano Diretor do Sistema Penal do Estado do Paraná (2011), não há no estado uma
tradição de pesquisa científica no Sistema Penal.
Assim, num exercício reflexivo, numa especulação teórica, buscando instigar e provocar
questionamentos, dúvidas, suspeições e possibilidades, e necessário ampliar as discussões sobre
a educação escolar no Sistema Prisional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas proposições que foram apresentadas neste artigo, é possível tecer algumas
considerações a respeito do tema proposto. O objetivo, no entanto não é apresentar conclusões
prontas, mas sugerir reflexões a partir das observações evidenciadas sobre questão carcerária no
Brasil e a Educação Escolar no Sistema Prisional.
O que se conhece da questão penitenciária no Brasil é um cenário de impasses e dilemas
crônicos. Há uma realidade da qual não se pode fugir, mas é preciso buscar caminhos para o
repensar da melhoria das instituições penais.
Pensar a educação escolar no presídio significa, nesse sentido, refletir sobre sua
contribuição para a vida dos encarcerados e da sociedade em geral, por meio da aprendizagem
participativa e da convivência baseada na valorização e desenvolvimento do outro e de si
mesmo.
No entanto, o ambiente prisional é contraditório, a começar pela sua arquitetura, que
separa, esconde, afasta o condenado da sociedade, punindo-o e vigiando-o, enquanto fala de
educação e reinserção social. O cotidiano das prisões mostra um ambiente carcerário, com
seus valores, regras e práticas, como obstáculo à educação para a vida social livre, ao objetivo
ressocializador da pena.
Os meios contradizem os fins, levando a desconfiar, a duvidar de que se mandem pessoas
à prisão para serem educadas. De todas as tarefa