PSICOPEDAGOGIA
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 86 • 2011 • ISSN 0103-8486
EDITORIAL / EDITORIAL .......................................................................................................115
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
• Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska
para crianças (LNNB-C) ......................................................................................................117
• Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem
em estratégias de compreensão leitora .......................................................................... 126
• Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas” .................................... 133
• O emprego da literatura na educação infantil: a investigação e intervenção com
professores de pré-escola ................................................................................................ 144
• Mães de crianças com baixa visão: compreensão sobre o
processo de estimulação visual ....................................................................................... 156
RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT
• Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na
resolução de problemas matemáticos ............................................................................. 167
ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE
• Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação ..................................... 178
ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES
• Educação, Psicologia Escolar e inclusão: aproximações necessárias .............................. 185
• Aprendizagem e transtorno bipolar: reflexões psicopedagógicas .................................. 194
• Quando o vínculo é doença: a influência da dinâmica familiar
na modalidade de aprendizagem do sujeito................................................................... 201
30
ANOS
RESENHA / REVIEW
• Miniaulas .......................................................................................................................... 214
VOLUME
28
Associação Brasileira
de Psicopedagogia
Sede: Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 - São Paulo - SP
Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 - www.abpp.com.br - [email protected]
NÚCLEOS E SEÇÕES DA ABPp
(Agosto de 2011)
Núcleo Espírito Santo
Coordenadora: Maria da Graça Von Kruger Pimentel
R. Elesbão Linhares, 420/601 – Praia do Canto
Vitória – ES – CEP 29057-220
(27) 3225-9978
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Núcleo Sul Mineiro
Coordenadora: Maria Clara Rainato Foresti
R. Deputado Ribeiro Rezende, 494 – Centro
Varginha – MG – CEP 37002-100
(35) 3222-1214
[email protected]
Núcleo Teresina
Coordenadora: Amélia Cunha Rio Lima Costa
R. Eletricista Guilherme, 815 – Fátima
Teresina – PI – CEP 64049-486
(86) 3233-2878
amé[email protected]
Seção Bahia
Diretora Geral: Jozélia de Abreu Testagrossa
Av. Tancredo Neves, 3343, sala 1103 – Ed. Cempre
Torre B – Caminho das Árvores
Salvador – BA – CEP 41820-021
(71) 3341-0121
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Seção Brasília
Diretora Geral: Marli Lourdes da Silva Campos
SCLN Quadra 102 – Bloco D – sala 110
Brasília – DF – CEP 70722-540
(61) 3964-1004
[email protected]
Seção Ceará
Diretora Geral: Francisca Francineide Cândido
R. Assis Chateaubriand, 362 A – Dionizio Torres
Fortaleza – CE – CEP 60135-200
(85) 3261-0064
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Seção Goiás
Diretora Geral: Luciana Barros de Almeida
R. 85, 684, sala 207 – Ed. Eldorado Center – Setor Oeste
Goiânia – GO – CEP 74120-090
(62) 3954-2178
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Seção Paraná Norte
Diretora Geral: Neocleide Milani
R. Dinamarca, 381 – Centro
Cambé – PR – CEP 86181-080
[email protected]
Seção Paraná Sul
Diretora Geral: Rose Mary da Fonseca Santos
R. Fernando Amaro, 431 – Alto da XV
Curitiba – PR – CEP 80050-020
(41) 3603-8006
[email protected]
Seção Pernambuco
Diretora Geral: Maria das Graças Sobral Griz
R. das Pernambucanas, 277 – Graças
Recife – PE – CEP 52011-010
(81) 3222-4375
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Seção Rio de Janeiro
Diretora Geral: Ana Paula Loureiro e Costa
Av. Nossa Senhora de Copacabana, 861, sala 302 – Copacabana – Rio de Janeiro – RJ – CEP 22060-000
(21) 2236-2012
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Seção Rio Grande do Norte
Diretora Geral: Francy Izanny de Brito B. Martins
R. Coronel Silvino Bezzera, 1178 – Lagoa Seca
Natal – RN – CEP 59000-000
(84) 3223-3260
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Seção Rio Grande do Sul
Diretora Geral: Iara Caierão
Av. Venâncio Aires, 1119 – sala 9 – Cidade Baixa
(51) 3333-3690
Porto Alegre – RS – CEP 90520-000
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Seção Santa Catarina
Diretora Geral: Albertina Celina de Mattos Chraim
R. Eurico Gaspar Dutra, 445, sala 101 – Estreito
Florianópolis – SC – CEP 88075-100
(48) 3209-8035
[email protected]
Seção Minas Gerais
Diretora Geral: Regina Maria Caldeira Couto e Silva
Av. Brasil, 248, sala 202 – Santa Ifigênia
Belo Horizonte – MG – CEP 30140-001
(31) 3221-3616
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Seção São Paulo
Diretora Geral: Maria Cristina Natel
R. Marselhesa, 341 – Vila Mariana – São Paulo – SP –
CEP 04020-060
(11) 9513-1411
[email protected]
Seção Pará
Diretora Geral: Maria Nazaré do Vale Soares
Trav. 3 de Maio, 1218, sala 307 – São Braz
Belém – PA – CEP 66060-600
(91) 3229-0565
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Seção Sergipe
Diretora Geral: Auredite Cardoso Costa
Av. Ivo Prado, 312 – Centro
Aracaju – SE – CEP 49010-050
(79) 3211-8668
[email protected]
A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) é
uma entidade de caráter científico-cultural, sem fins
lucrativos, que congrega profissionais militantes na área da
Psicopedagogia.
Em 12 de novembro de 1980, um grupo de profissionais já
envolvidas e atuantes nas questões relativas aos problemas da
aprendizagem fundou a Associação Estadual de
Psicopedagogos do Estado de São Paulo, a AEP.
Devido ao grande interesse em torno dessa Associação, a sua
expansão a nível Nacional surgiu como necessidade imperiosa.
Em 1986, a AEP transformou-se na ABPp e gradativamente
foram sendo criados os seus escritórios de representação por
todo o Brasil, denominados de Núcleos e Seções.
ANOS
30
Durante estes anos, a ABPp vem cuidando de questões
referentes à formação, ao perfil, à difusão e ao
reconhecimento da Psicopedagogia no Brasil, já tendo
alcançado muitas vitórias na luta pela sua regulamentação.
Atualmente, conta com 16 Seções e 2 Núcleos, espalhados
pelo Brasil, para melhor divulgar a Psicopedagogia e
aproximar os profissionais em torno de seus objetivos comuns.
A ABPp promove conferências, cursos, palestras, jornadas,
congressos, bem como a divulgação de trabalhos sobre sua
área de atuação, por meio da revista científica
Psicopedagogia, da Revista do Psicopedagogo, do informativo Diálogo Psicopedagógico e do site www.abpp.com.br.
Oferece, ainda, descontos tanto nos eventos que
organiza quanto em eventos de terceiros, que são parceiros e
interessados nos assuntos desta área.
Preocupada com as questões sociais, a atual diretoria da
ABPp Nacional organizou um novo trabalho de cunho
sociocientífico, que visa não só ao atendimento
da população carente, promovendo a inserção social e a
divulgação da importância da prática psicopedagógica,
como também à implantação de um novo modelo de estudo
e pesquisa nesse campo. Dele poderão participar todos os
associados interessados em prestar um trabalho social.
Podem associar-se à ABPp todas as pessoas interessadas
nessa área de atuação, tendo ou não concluído a sua
especialização em Psicopedagogia.
Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000
São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567
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II Simpósio Nacional de Psicopedagogia ABPp 2011
O FAZER PSICOPEDAGÓGICO
NA CONTEMPORANEIDADE
O APRENDER E O ENSINAR EM FOCO
4 e 5 de novembro
– UNIFIEO – Osasco, SP
A Associação Brasileira de
Psicopedagogia - ABPp,
em parceria com a UNIFIEO,
REALIZAÇÃO
convida todos os
www.abpp.com.br
Psicopedagogos, profissionais
PARCERIA
da Educação e áreas afins,
www.unifieo.br
bem como estudantes e
demais interessados,
a participarem.
ORGANIZAÇÃO
www.arteemeventos.com.br
Arte em Eventos
(11) 3589-5560
Mais informações e inscrições pelo site
http://www.abppsimposio2011.com.br
EDITORIAL
E
mbora tenhamos um grande e incessante empenho em apresentar,
quadrimestralmente, uma coletânea especial de artigos que revelem
as últimas e mais importantes informações de nossa área, bem como
trazer aos leitores contribuições interdisciplinares atualizadas que lhes enriqueça as ferramentas de trabalho, a verdade é que algumas edições tornam-se
especiais. É com essa certeza que apresentamos a edição de agosto de 2011
da revista Psicopedagogia.
A interdisciplinaridade veio multiplicar e alargar as perspectivas do aprender. Vivemos em uma época onde o respeito às diferenças se impõe em todos
os campos e a articulação dos novos saberes, trazidos pelo desenvolvimento da
ciência, demonstra que hoje não basta apenas estar atualizado, mas é importante fazer parte da construção desse novo conhecimento. E o psicopedagogo,
como especialista em aprendizagem, mais do que qualquer outro profissional,
não pode se furtar a enfrentar tal desafio.
Iniciamos este número, com cinco artigos de pesquisa, O primeiro entre eles,
“Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para
crianças (LNNB-C)”, é um artigo original de Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte,
Adriana de Souza Batista, Luciana Silva, Ricardo Franco de Lima e Sylvia Maria
Ciasca, que com certeza despertará o interesse de muitos leitores.
Em seguida, temos o trabalho “Caracterização do desempenho de crianças
com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora”, no
qual Andréa Carla Machado e Simone Aparecida Capellini apresentam sua
pesquisa sobre a aplicação de algumas estratégias interventivas para melhorar
desenvolvimento da leitura de textos nas crianças com dificuldades nessa área.
O processo da leitura é, nessa edição, objeto de mais outros dois importantes estudos. No primeiro deles, Renata Savastano Ribeiro Jardini e Lydia
Savastano Ribeiro Ruiz avaliam os cursos e os multiplicadores do Método
Fonovisuoarticulatório (Método das Boquinhas), bem como a metodologia
envolvida. “Avaliação dos cursos de capacitação: método das boquinhas” abre
precedentes para a reflexão sobre o sucesso da inclusão pedagógica, que é a
demanda educacional atual.
“O emprego da literatura na educação infantil: a investigação e intervenção com
professores de pré-escola” é o artigo de Ana Claudia Bortolozzi Maia, Lucia Pereira
Leite e Ari Fernando Maia, que aponta para o papel decisivo do educador como
mediador na aprendizagem dessa faixa etária, mediante o uso de livros infantis.
A reflexão em Educação e seus entrelaçamentos com a ação na atualidade é
focada na pesquisa qualitativa “Mães de crianças com baixa visão: compreensão sobre o processo de estimulação visual”, de Mirela de Oliveira Figueiredo,
Roberto Benedito de Paiva e Silva e Maria Inês Rubo Nobre.
Quando o assunto é matemática, a possibilidade de conhecer como os alunos
com dificuldades de aprendizagem criam diferentes estratégias e registros no
pro­­cesso de resolução de problemas torna-se um ponto de grande interesse.
Esse é o tema do artigo “Análise da produção de um aluno considerado malsu­
cedido na re­­­­solução de problemas matemáticos” escrito por Rute Cristina Do­­
mingos da Palma.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 115-6
115
EDITORIAL

A contribuição especial desse número da nossa revista veio de Neide de
Aquino Noffs e Vitória Helena Cunha Espósito, “Formação de profissionais da
Educação: da proposição à ação”, um texto que nos traz uma discussão importante e sempre contemporânea.
Apresentamos, em seguida, o artigo “Educação, Psicologia Escolar e Inclusão:
aproximações necessárias”, de Claudia Gomes e Vera Lucia Trevisan de Souza,
cuja contribuição abrange uma reflexão teórica sobre as carências e desafios
da Psicologia na atuação da educação inclusiva.
“Aprendizagem e transtorno bipolar: reflexões psicopedagógicas”, trabalho
de autoria de Lanúzia Almeida Brum, Cristian Patrick Zeni e Silzá Tramontina,
faz um contraponto entre questões relacionadas à aprendizagem, refletindo
também sobre os prejuízos acadêmicos causados pelo transtorno bipolar na
infância e na adolescência.
“A influência da dinâmica familiar na modalidade de aprendizagem do
su­­jeito” é o artigo de Ana Paula Decnop de Almeida, que nos revela passos
de uma atuação assertiva no diagnóstico e na intervenção psicopedagógica,
entrelaçada a um estudo bibliográfico à luz da Epistemologia Convergente.
Finalizamos com uma resenha do livro “Marvelous minilessons for teaching:
intermediate writing, grades 4-6”, de Lori Jamison Rog, escrita e enviada por
Geraldina Porto Witter e que trata de uma interessante estratégia ainda pouco
difundida no Brasil, a Miniaula.
Encerramos essa edição com mais uma grata tarefa, que é trazer, em nome
do Conselho Nacional, da presidente da ABPp, Quézia Bombonatto, e da vice-pre­­
sidente dessa gestão, Luciana Barros de Almeida, um convite a todos os leitores,
associados e amigos, para que visitem o site http://www.abppsimposio2011.
com.br e se inscrevam no II Simpósio Nacional de Psicopedagogia da ABPp,
realizado em parceria com a UNIFIEO: O FAZER PSICOPEDAGÓGICO NA
CONTEMPORANEIDADE: o aprender e o ensinar em foco”, que acontecerá
nos dias 4 e 5 de novembro próximo, em São Paulo.
Esperamos encontrar a todos nessa ocasião e por ora desejamos bons e en­­
riquecedores momentos de leitura, reflexão e estudo.
Maria Irene Maluf
Editora
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 115-6
116
Estudo piloto de adaptação da bateria
neuropsicológica
ARTIGO
ORIGINAL Luria-Nebraska para crianças
Estudo piloto de adaptação da
bateria neuropsicológica Luria-Nebraska
para crianças (LNNB-C)
Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte; Adriana de Souza Batista; Luciana Silva; Ricardo Franco de Lima; Sylvia Maria Ciasca
RESUMO – Introdução: Em nosso País há carência de instrumentos neu­­ro­
p­sicológicos para a avaliação das dificuldades de aprendizagem. Objetivo: O
objetivo do presente trabalho foi realizar estudo piloto de adaptação de algumas
escalas da Bateria Neuropsicológica Luria-Nebraska (LNNB-C) em crianças sem
dificuldades de aprendizagem. Método: Participaram deste estudo 100 crianças
de 8 anos a 8 anos e 11 meses. Os procedimentos incluíram construção da versão
preliminar do instrumento, avaliação inicial, reformulação do instrumento e estudo
piloto. Foram adaptadas as escalas de funções visuais, linguagem receptiva,
lin­­­­­guagem expressiva, escrita, leitura, aritmética e memória. Resultados: Os
re­­­sultados apresentam o desempenho da amostra total em termos de média
dos escores-T, percentis (90% e 95%) e pontuações mínimas e máximas obtidas.
Conclusão: São sugeridos novos estudos para adaptação de outras escalas e para
a busca de evidências de validade.
UNITERMOS: Neuropsicologia. Transtornos de aprendizagem. Criança. Testes
neuropsicológicos. Exame neurológico/métodos.
Correspondência
Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte
Rua dos Radioamadores, 1-85 – Jardim Brasil – Bauru,
SP, Brasil – CEP: 17015-090
E-mail: [email protected]
Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte – Fonoaudióloga. Do­­
cente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de
Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo
(FOB-USP). Doutora em Ciências Médicas – Neurologia
Infantil/ Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP.
Adriana de Souza Batista – Fonoaudióloga. Espe­cia­­­­
lista em Linguagem pela FOB/USP. Docente da Uni­­­
versidade Nove de Julho. Mestre em Educação Especial
pelo CECH/UFSCAR. Doutoranda em Dis­túrbios da
Comunicação Humana pela UNIFESP.
Luciana Silva – Fonoaudióloga. Especialização em
Linguagem na Faculdade de Odontologia de Bauru
da Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em
Fonoaudiologia pela FOB-USP.
Ricardo Franco de Lima – Neuropsicólogo. Aprimo­
ramento em Psicologia Clínica em Neurologia Infantil.
Mestrando em Ciências Médicas – Saúde Mental/
Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP.
Sylvia Maria Ciasca – Neuropsicóloga. Coordenadora
do Laboratório de Pesquisa em Distúrbios, Dificuldades
de Aprendizagem e Transtornos de Atenção/DISAPRE.
Livre Docente em Neurologia Infantil/Faculdade de
Ciên­­­cias Médicas – UNICAMP.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25
117
Crenitte PAP et al.
Making Test, Stroop Test, Figura Complexa de
Rey e Hooper Visual Organization.
Fonseca et al.7 apresentaram a adaptação bra­­
sileira da Bateria de Avaliação Neuropsicológica
Breve – NEUPSILIN, composta por 32 tarefas que
têm o objetivo de avaliar as seguintes áreas e
fun­­ções: tempo e orientação espacial, atenção,
percepção, memória, habilidades aritméticas,
linguagem, praxia e funções executivas (resolu­
ção de problemas e fluência verbal). No entanto,
o instrumento é voltado para a avaliação de
adolescentes e adultos.
Argollo et al.8 realizaram a adaptação trans­
cultural da Bateria NEPSY, composta por 27
subtestes e voltada para a avaliação neuropsico­
lógica do desenvolvimento de crianças de 3 a 12
anos de idade. Romanelli et al.9 realizaram adap­
tação brasileira da Bateria Neuropsicoló­gica
Luria-Christensen para a avaliação de crian­­­­ças,
adolescentes e adultos. A bateria visa à avaliação
de dez funções específicas: funções visuais su­
periores, organização acústico-motora, funções
cutâneas superiores e funções cinestésicas, fun­
ções motoras, linguagem receptiva, linguagem
expressiva, leitura e escrita, processos mnésicos,
habilidades aritméticas e processos intelectuais.
De acordo com as autoras, a adaptação do ins­
trumento tem como objetivo central preencher a
lacuna de testes que auxiliem o diagnóstico na
realidade brasileira.
A versão da Bateria de Luria proposta por
Chris­­­tensen & Caetano10, denominada Luria’s
Neuropsychological Investigation (LNI), também
foi utilizada em outros países, como os países
Escandinavos e Espanha11.
Outra versão da Luria-Nebraska Neuropsy­
chological Battery – LNNB12,13 foi adaptada para
crianças brasileiras por Ciasca14, com a denomi­
nação “Bateria Luria-Nebraska para Crianças
(BLN-C)”, com versão reduzida dos subtestes.
Posteriormente, a BLN-C foi revisada por
Li­­­ma et al.15 e estudo piloto de normatização foi
realizado com 32 crianças, de ambos os gêne­
ros, idade média de 10 anos, encaminhadas ao
Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Aprendi­
zagem (Hospital de Clínicas da Unicamp) com
INTRODUÇÃO
Os distúrbios de aprendizagem são transtor­
nos de origem neurobiológica caracterizados por
dificuldades na leitura, aritmética e/ou expressão
escrita que são inesperadas quando considerada
a habilidade intelectual individual1,2. Sabe-se
que são consequências de uma disfunção no sis­
tema nervoso, que altera o processamento cog­­
nitivo e/ou de linguagem e, consequentemente,
são expressas por dificuldades nas áreas acadê­
micas de decodificação da palavra, compreensão
da leitura, cálculo, raciocínio matemático e/ou
expressão escrita2.
As crianças que apresentam algum tipo de
distúrbio de aprendizagem possuem caracterís­
ticas neuropsicológicas e escolares específicas,
tornando a avaliação interdisciplinar fundamen­
tal para a realização do diagnóstico preciso2-4.
Neste contexto, a avaliação neuropsicológica
desempenha um importante papel para a carac­
terização do perfil, assim como no planejamento
e monitoramento das intervenções.
De acordo com Lezak5, a avaliação neuropsi­
cológica tem como função inferir a organização
e o funcionamento cerebral por meio do desem­
penho, ou seja, as respostas aos instrumentos
neu­­ropsicológicos.
Segundo Costa et al.6, os resultados devem
ser interpretados com cautela, de modo a auxi­
liar na elaboração de um perfil que combine os
as­pectos neurológicos, clínicos, psicológicos e
sociais para auxiliar o diagnóstico.
Diferentes instrumentos têm sido descritos
para auxiliar no diagnóstico neuropsicológico
dos distúrbios de aprendizagem. Costa et al.6
des­­­­­­creveram instrumentos neuropsicológicos
utilizados para a avaliação de diferentes funções
corticais na infância, como por exemplo: Escala de
Inteligência Wechsler para Crianças (WISC-III),
Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, Ba­
teria de Provas de Raciocínio (BPR-5), Teste de
Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey (RAVLT),
Teste de Aprendizado Visual de Desenhos de
Rey (RVDLT), Teste de Nomeação de Boston,
Token Test, Teste de Fluência Verbal, Teste de
Clas­­­sificação de Cartas Wisconsin (WCST), Trail
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25
118
Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças
queixas escolares16. No referido estudo, foram
avaliadas as instruções e os materiais estímulos
utilizados na adaptação. Apesar de ter se mos­
trado satisfatório como instrumento de screening
de alterações em funções neuropsicológicas em
crianças com dificuldades de aprendizagem, os
re­­­­sultados indicaram necessidade de estabeleci­
mento de critérios para aplicação e correção, assim
como alterações em alguns materiais utilizados16.
A BLN-C é um instrumento destinado a
crianças de 6-12 anos de idade e tem sido utili­
zada exclusivamente para pesquisa. É composta
por tarefas simples, que têm como objetivo o
ras­­trea­­­­mento de funções neuropsicológicas: a)
ha­­­­­­bilidade motora; b) ritmo; c) habilidade tátil;
d) habilidade visual; e) linguagem expressiva;
f) linguagem receptiva; g) leitura; h) escrita; i)
raciocínio matemático e; j) memória14-16.
A versão original da Luria-Nebraska Neuro­
psychological Battery: Children’s Revision –
LNNB-C contém itens adaptados diretamente do
trabalho desenvolvido por Luria, sendo proposta
padronização com análises quantitativas e qua­
litativas do desempenho do indivíduo17.
A LNNB-C é composta por 149 itens indivi­
dualmente construídos para mensuração de di­­
versos tipos de déficits cognitivos em crianças na
faixa etária dos 8 a 12 anos. A bateria atualmente
consiste em 487 subtestes e é composta pelas
escalas clínicas a seguir: funções motora, ritmo,
funções táteis, funções visuais, linguagem re­
ceptiva e expressiva, escrita, leitura, aritmética,
memória e processos intelectuais. As escalas po­
dem ser reunidas em clínicas, sucintas e factuais
e têm sido utilizadas com os seguintes propósi­
tos: identificar lesões cerebrais em crianças com
sintomatologia incerta, identificar a extensão e
natureza dos déficits em crianças com lesões
conhecidas para auxiliar o planejamento de in­
tervenções; avaliação dos efeitos de intervenções
específicas ou das estratégias neuropsicológicas
na reabilitação e examinar os efeitos de dife­
rentes tipos de lesões em população diversas17.
Estudos desenvolvidos com adultos com qua­­­
dros neurológicos, psiquiátricos e normais in­
dicaram relação adequada dos subtestes com a
teoria de Luria18, correlação dos subtestes com
as variáveis idade e nível de escolaridade19, con­
fiabilidade para teste-reteste20, além de estudo
transcultural21. Teichner et al.22 demonstraram
que a versão derivada da LNNB (LNBB-III) apre­
senta alta consistência interna em cada escala
clínica, e evidências de validade para diferenciar
adequadamente indivíduos adultos normais de
sujeitos com quadros neurológicos.
Lewis e Lorion23 conduziram estudo com 30
ado­­lescentes do gênero masculino com diagnós­
tico de distúrbio específico de aprendizagem
e que foram avaliados por meio da LNNB. Ao
com­­­­­­parar o desempenho dos participantes com
o gru­po controle, verificou-se que as médias do
escore T do grupo propósito foram significativa­
mente maiores que as do grupo controle em pra­
ticamente todas as escalas, com exceção da escala
tátil e linguagem receptiva. Os resultados indicam
sensibilidade do instrumento para diferenciar indi­
víduos com e sem dificuldades de aprendizagem.
Outros estudos foram realizados para avaliar
a eficácia da LNNB-C na avaliação em distúrbios
de leitura e escrita, na tentativa de caracterizar
estas dificuldades e correlacioná-las a alterações
de funções corticais superiores. Pfeiffer et al.24
aplicaram a LNNB-C em crianças com e sem
distúrbios de aprendizagem e observaram que
as escalas de linguagem e aritmética foram par­
ticularmente sensíveis para identificar 84% da
amostra de crianças com os distúrbios. O estudo
de Oehler-Stinnett et al.25 teve resultado seme­
lhante com as escalas motora, escrita, aritmética
e de inteligência e Geary et al.26 observaram
93,3% de precisão da LNNB-C para diferenciar
crianças com e sem dificuldades de aprendiza­
gem, principalmente nas escalas de linguagem
expressiva, leitura e escrita.
Myers et al.27 encontraram diferenças entre
crianças com e sem dificuldades de leitura e
escrita, utilizando a LNNB. Foram observadas
diferenças significativas no desempenho dos
grupos em toda a bateria e em um formulário re­­
duzido da bateria que excluiu as escalas referen­
tes a linguagem, leitura e aritmética. Na bateria
reduzida, maiores diferenças foram encontradas
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25
119
Crenitte PAP et al.
nos testes de ritmo, que influenciam no desen­
volvimento as habilidades básicas de leitura.
Kilpatrick e Lewandowski28 compararam dois
grupos de crianças, um com distúrbio de apren­
dizagem e outro grupo controle em três instru­
mentos: Teste Viso-motor de Bender, “Quick
Neu­­rological Screening Test” (QNST) e o Teste
de Screening da LNNB-C. Os resultados obtidos
indicaram que os grupos não se diferenciaram no
Bender e no QNST, no entanto, o LNNB-C teve
taxa de precisão de 97,5% (39 de 40 crianças)
para diferenciar os dois grupos, uma vez que
o grupo com distúrbio apresentou resultados
significativamente inferiores.
Resultados diferentes foram encontrados por
Morgan e Brown29, que avaliaram 82 crianças
com distúrbios de aprendizagem divididas em
três grupos distintos, conforme o desempenho na
Escala de Inteligência Wechsler para Crianças
(WISC-R): auditivo-linguísticos, visuo-espaciais
e mistos. As análises não revelaram diferenças
no desempenho da LNNB-C entre os grupos, in­
dicando que os subtestes não falharam em dife­
renciar padrões de distúrbios de aprendizagem.
Apesar dos relatos de desenvolvimento de
instrumentos neuropsicológicos adaptados para
o Brasil, observa-se que os trabalhos utilizando
a LNNB-C em nosso contexto são incipientes,
principalmente para auxiliar no diagnóstico
dos distúrbios de aprendizagem. Com base no
exposto, foi objetivo do presente trabalho reali­
zar um estudo piloto de adaptação de algumas
escalas da LNNB-C que estão envolvidas com
as habilidades de leitura e escrita e verificar o
desempenho de estudantes sem dificuldades de
aprendizagem em tais escalas.
Os critérios utilizados para a seleção da amos­
tra foram: a) estarem dentro da faixa etária do
estudo; b) assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido pelos pais e/ou responsáveis;
c) ausência de alterações sensoriais, motoras, cog­
nitivas ou linguísticas; d) desempenho adequado
nos instrumentos de avaliação da linguagem oral
e escrita.
Instrumentos
Para a verificação do desempenho na lingua­
gem oral e escrita foram usados os instrumentos:
avaliação fonológica da criança, prova de leitura
em voz alta e prova de escrita sob ditado.
Bateria Neuropsicológica Luria-Nebraska –
Revisada para crianças (LNNB-C)17
Designada para avaliação de crianças na
faixa etária de 8 a 12 anos de idade. É composta
por 149 itens divididos em 11 escalas: funções
motoras, ritmo, funções táteis, funções visuais,
lin­­­guagem receptiva, linguagem expressiva,
escrita, leitura, aritmética, memória e processos
intelectuais (Quadro 1).
Para o presente estudo foram adaptadas as
principais escalas clínicas, conforme descrição
abaixo:
• C4 - Funções Visuais – avalia as habili­
dades visuais, sem envolvimento dos
as­­pectos motores, com respostas orais.
Composta por 7 itens (do item 59 ao 65) e
envolvem nomeação de figuras com fina­
lidade de avaliar a percepção de objetos
e seus atributos, avaliação de orientação
espacial e operações intelectuais no espaço;
• C5 - Linguagem Receptiva – avalia a ha­
bilidade de compreensão da linguagem
oral. Composta por 18 itens (do item 66
ao 83), que incluem tarefas de audição
fo­­nêmica, compreensão de palavras, com­­­
preensão de frases simples (frases reais e
contraditórias), compreensão de estrutu­
ras gramaticais lógicas;
• C6 - Linguagem Expressiva – avalia a
habilidade de expressão da linguagem
oral. É composta por 21 itens (do item
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo 100 crianças de
ambos os sexos, sem dificuldades de aprendi­
zagem, com idade entre 8 anos e 0 meses a 8
anos e 11 meses. Destas, 50 crianças foram pro­
venientes de escolas particulares e 50 da rede
pública (municipal e estadual).
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25
120
Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças
Quadro 1 – Escalas Completas da Bateria Neuropsicológica Luria-Nebraska –
Revisada para crianças (LNNB-C).
Escalas
Nº Itens
Clínica
Escalas
Nº Itens
Sucinta
1C1 – Funções Motoras
34
S1 – Patognomômica
13
1C2 – Ritmo
8
S2 – Sensoriomotora Direita
9
1C3 – Funções Táteis
16
S3 – Sensoriomotora Esquerda
9
1C4 – Funções Visuais
7
Factual
1C5 – Linguagem Receptiva
18
1F1 – Sucesso Acadêmico
17
1C6 – Linguagem Expressiva
21
1F2 – Funções Integradas
6
1C7 – Escrita
7
1F3 – Movimento Espacial
6
1C8 – Leitura
7
1F4 – Velocidade e Acuracidade Motora
6
1C9 – Aritmética
9
1F5 – Qualidade de Desenho
6
C10 – Memória
8
1F6 – Velocidade de Desenho
6
C11 – Processos Intelectuais
14
1F7 – Percepção e Produção Rítmica
4
1F8 – Sensações Táteis
8
1F9 – Linguagem Receptiva
5
Opcionais
O1 – Soletração
7
F10 – Linguagem Expressiva
8
O2 – Escrita Motora
5
F11 – Repetição de Palavras e Frases
4
84 ao 104), que incluem avaliação da
articulação dos sons da fala, repetição,
no­­­­­meação e narrativa;
• C7 - Escrita – avalia o reconhecimento
das habilidades comunicativas por meio
da escrita. É composta por 7 itens (do item
105 ao 111). Os mesmos itens também
estão compreendidos nas escalas opcio­
nais O1, com respostas orais envolvendo
a soletração, e O2, envolvendo respostas
motoras por meio da escrita;
• C8 - Leitura – avalia os diversos com­
ponentes da leitura, tais como recepção
visual e análise de grafemas, importantes
para posterior codificação de grafemas
em seus correspondentes nas estruturas
fonéticas e compreensão do conteúdo
lido. Assim, esta escala é capaz de men­
surar a capacidade de conversão fonema­
-grafema, a leitura de silabas, palavras
frases e textos. É composta por 7 itens (do
item 112 ao 118);
• C9 - Aritmética – avalia a habilidade de
compreensão da estrutura numérica e ope­
rações aritméticas. Composta de 9 itens (do
item 119 ao 127), que incluem compreen­
são e escrita dos números, diferenciação
numérica, cálculos simples e complexos;
• C10 - Memória – avalia o processo de
apren­­­­dizagem por meio de séries de pa­
lavras sem conexões semânticas, retenção,
recuperação da informação e memória
lógica. É composta de 8 itens (do item 128
ao 135).
Procedimentos
O procedimento de adaptação da LNNB-C foi
composto por algumas fases descritas a seguir:
a) Construção da versão preliminar do ins­­tru­­­­­
mento – a tradução e confecção do ma­­­­­­­­­­­­­­te­­­­rial
estímulo do instrumento pelos pesquisa­
dores;
b) Avaliação inicial - as escalas foram apli­
cadas em um grupo de 10 crianças, de
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25
121
Crenitte PAP et al.
acordo com os critérios de inclusão do
estudo. O objetivo desta fase foi identifi­
car possíveis erros quanto às instruções,
compreensão das atividades propostas,
reconhecimento dos materiais estímulos
e tempo de aplicação;
c) Reformulação do instrumento – com base
nas respostas obtidas no grupo prelimi­
nar, foram realizadas modificações nas
instruções de aplicação, assim como nos
materiais estímulos do teste;
d) Estudo piloto – o projeto foi autorizado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fa­
culdade de Odontologia de Bauru/USP
(protocolos nº 78/2004 e nº 79/2004). Para
a realização do estudo, inicialmente foi
realizado contato com a diretoria das es­
colas para a apresentação dos objetivos da
pesquisa. Foram indicadas pelas profes­
soras, as crianças que não apresentavam
dificuldades de aprendizagem. Foram en­
caminhadas cartas aos pais das crianças
selecionadas, contendo o TCLE e, após
autorização, as crianças foram avaliadas
individualmente em duas sessões.
Na primeira sessão, foram aplicados os ins­
trumentos de avaliação fonológica da criança30,
avaliação de leitura e escrita por meio da Prova
de Leitura em voz alta, Prova de Escrita sob
Ditado. O objetivo dessa sessão foi identificar
possíveis alterações no processo de aprendiza­
gem, no reconhecimento de palavras, escrita
dirigida ou espontânea e excluir possíveis difi­
culdades de aprendizagem. Para a participação
na pesquisa, as crianças deveriam apresentar-se
ao menos na fase fonológica de desenvolvimento
na leitura, podendo estar presentes somente
erros de acentuação tônica e erros na qualidade
vocal e quanto à escrita e erros de desrespeito a
escritos determinados pela ortografia, no caso de
palavras reais irregulares. Para as crianças que
apresentaram falhas no processo de triagem, os
pais foram orientados quanto à importância de
avaliação fonoaudiológica.
Na segunda sessão, foram aplicadas as es­
calas da LNNB-C, de acordo com as instruções
e normas do instrumento. As avaliações foram
realizadas individualmente e a sessão teve
duração média de 30 a 40 minutos. Durante a
administração das escalas, os resultados foram
anotados em uma folha de resposta, enfatizando
tanto os aspectos quantitativos e qualitativos,
conforme as normas do instrumento.
Procedimento de análise dos dados
Para a análise do desempenho nas escalas
foram considerados critérios quantitativos e
qualitativos. Para o presente estudo foram consi­
derados apenas os resultados referentes à análise
quantitativa da LNNB-C.
Para a análise quantitativa foi atribuído esco­
re bruto para cada item que compõe as escalas,
realizada de acordo com critérios determinados
para cada uma delas, podendo variar de 0 a 2
pontos, de maneira que:
• Pontuação 0 - indica rendimento normal;
• Pontuação 1 - indica fraca evidência de
alteração;
• Pontuação 2 - indica forte evidência de
alteração.
Desse modo, quanto maior é a pontuação,
pior é o desempenho da criança no item. O es­
core total bruto da escala foi obtido mediante
a soma dos escores de todos os itens de cada
escala. O escore bruto total de cada escala pode
ser observado no Quadro 2.
Após a obtenção dos escores brutos de cada
escala, estes foram convertidos em escores de
Quadro 2 – Número de itens e
escore total de cada escala.
Escalas
1C4 – Funções Visuais
7
14
1C5 – Linguagem Receptiva
18
36
1C6 – Linguagem Expressiva
21
42
1C7 – Escrita
7
14
1C8 – Leitura
7
14
1C9 – Aritmética
9
18
C10 – Memória
8
16
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25
122
Nº
Escore bruto
Itens
total
Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças
pro­porção (T-scores - valores de ajuste de pro­
porcionalidade entre as escalas para que sejam
comparadas entre si) conforme Golden17.
Os resultados apresentados pela criança de­
vem considerados como indicadores do desenvol­
vimento das habilidades escolares específicas li­
gadas à linguagem escrita e contextualizados em
seu processo de desenvolvimento. Para Golden17,
no processo de interpretação, pouca confiança
deve ser dada à interpretação de uma única es­
cala, pois pode produzir problemas diagnósticos.
Por esta razão, a análise das escalas e dos itens
combinada com a análise qualitativa é mais
apro­­­­priada. Assim, as relações entre as escalas
também devem ser estabelecidas. Por exemplo,
em um perfil onde C5 (Escala de Linguagem
Receptiva) apresentou um alto escore, pode-se
hipotetizar que os déficits apresentados em outras
escalas podem ser atribuídos a uma dificuldade
nas habilidades receptivas da informação.
Diferentes estudos têm sugerido a importância
da LNNB-C como instrumento que auxilia no
diagnóstico dos distúrbios de aprendizagem, assim
como oferecer informações relevantes para a orga­
nização de programas de remediação para crianças
com os distúrbios de aprendizagem. Desse modo,
apresenta aplicação clínica e em pesquisas26-28.
De acordo com os estudos realizados utilizan­
do a LNNB-C na identificação dos problemas
de leitura e escrita, percebe-se a importância
deste estudo, que por meio da adaptação de
um instrumento que abranja as várias áreas da
aprendizagem auxilie no processo diagnóstico
dos problemas de leitura e escrita e direcione as
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todas as crianças incluídas na amostra apre­
sentaram desempenhos satisfatórios na avalia­
ção da linguagem oral e escrita.
Na Tabela 1, são apresentados os resultados
da análise descritiva do desempenho da amostra
total nas escalas da LNNB-C.
A Tabela 1 demonstra o padrão da amostra
total nas escalas adaptadas e indica os valores
de referência para se comparar o desempenho
de crianças avaliadas pela LNNB-C.
De acordo com Golden17, os valores obtidos
pela criança devem estar compreendidos entre
os valores-padrão mínimo e máximo esperados
para a normalidade. Em seguida, a interpretação
envolve a descrição do que a criança é ou não
capaz de fazer, associada aos comportamentos
obtidos nas escalas qualitativas, sem que o ava­
liador tire qualquer conclusão. Em um terceiro
momento, é realizada a interpretação dos proble­
mas no processamento das informações linguís­
ticas capazes de interferir na aprendizagem da
leitura e escrita, para que sejam descritos como
áreas-alvo a serem trabalhadas em procedimen­
tos terapêuticos. O foco da interpretação não
deve ser a localização da função, mas a análise
detalhada dos maiores déficits apresentados
que possam explicar o desempenho da criança.
Tabela 1 – Pontuação média bruta, desvio padrão, percentil e
valores mínimos e máximos normatizados para as escalas testadas.
Escalas
M
DP
P90
P95
Mín/Máx.
1C4 – Funções Visuais
64.00
4,97
51.00
51.00
40-62
1C5 – Linguagem Receptiva
59.70
12.70
73.5
80.00
40-98
1C6 – Linguagem Expressiva
40.00
7,25
49
56,15
36-66
1C7 – Escrita
43.10
5.80
47
53.00
41-72
1C8 – Leitura
43.20
5.20
49.5
52.00
41-79
1C9 – Aritmética
43,68
3,81
49.00
53.00
42-61
C10 – Memória
55.00
8.00
65.00
69.00
42-85
Legenda: M = média; DP = desvio padrão; P90 = percentil 90%; P95 = percentil 95%; Mín/Máx = escore mínimo e máximo.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25
123
Crenitte PAP et al.
intervenções neuropsicológicas e fonoaudioló­
gicas para esta população.
Estudos complementares em nosso contexto
são necessários com o intuito de: a) adaptar
outras escalas da LNNB-C; b) relacionar dados
do desempenho de crianças sem dificuldades de
aprendizagem com a avaliação de outras áreas,
tais como a Fonoaudiologia, Psicopedagogia,
Psiquiatria e Neurologia; c) buscar evidências de
validação das escalas com a correlação com outros
instrumentos neuropsicológicos e também com
a avaliação de crianças que possuem distúrbios
diferentes de aprendizagem (dislexia, disorto­
grafia, disgrafia e discalculia); d) verificação da
aplicabilidade do instrumento para estabelecer
perfil neuropsicológico de crianças com distúr­
bios de aprendizagem antes e após intervenção
neuropsicológica e remediação fonológica.
SUMMARY
Pilot study of adaptation of the Luria-Nebraska Neuropsychological
Battery for children (LNNB-C)
Introduction: In our country there is a lack of neuropsychological ins­­­­­­
truments to assess of learning disabilities. Objective: The aim of this
work was to adapt some scales of the Luria-Nebraska Neuropsychological
Battery (LNNB-C) with children without learning difficulties. Methods:
One hundred children with 8-8 years and 11 months were participated.
The procedures include the construction of a preliminary version of the
instrument, initial evaluation, reformulation and pilot study. Were adapted
scales: visual functions, receptive language, expressive language, reading,
writing, arithmetic and memory. Results: The results show the performance
of the sample in terms of average T-scores and percentiles (90% and 95%)
and minimum-maximum scores obtained. Conclusion: Further studies are
suggested to adapt other scales and the search evidence of validity.
KEY WORDS: Neuropsychology. Learning disorders. Child. Neuro­psy­
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Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças
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Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia de
Bauru/USP, Bauru, SP, Brasil.
Artigo recebido: 23/3/2011
Aprovado: 8/7/2011
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25
125
Machado
AC ORIGINAL
& Capellini SA
ARTIGO
Caracterização do desempenho de
crianças com distúrbio de aprendizagem
em estratégias de compreensão leitora
Andréa Carla Machado; Simone Aparecida Capellini
RESUMO – Introdução: O distúrbio de aprendizagem apresenta alterações em ha­­­bi­­
lidades como identificação e decodificação da palavra, compreensão de leitura, cálculo e
raciocínio matemático, o que ocasiona um prejuízo significativo na aprendizagem escolar.
Objetivo: Caracterizar o desempenho de estratégias relacionadas à compreensão leitora
em crianças com distúrbio de aprendizagem. Método: Participaram deste estudo doze
crian­­­ças do 3º ao 7º ano do ensino fundamental do município de Marília-SP, de ambos os
gêneros, na faixa etária de 8 a 13 anos de idade. Os dados foram coletados no Laboratório
de Investigação dos Desvios da Aprendizagem do Departamento de Fonoaudiologia da
FFC/UNESP – Marília, SP. Para a aplicação das tarefas de compreensão de leitura, foi
utilizada leitura de um texto, seguida por perguntas e respostas. Durante a aplicação da
tarefa de compreensão de textos, os erros foram anotados e computados posteriormente
nas seguintes categorias: Bom, quando ocorreu autonomia da criança para a realização
da tarefa; Médio, quando ocorreu auxílio verbal da pesquisadora para a compreensão da
leitura e Deficiente, quando a criança não realizou a tarefa de compreensão. Resultados:
Os resultados foram analisados de forma descritiva. Neste estudo verificou-se que a maioria
das crianças com distúrbio de aprendizagem obteve um desempenho deficiente de 80%
e 90% em quase todas as estratégias analisadas, sendo em algumas delas alcançando a
porcentagem de 100%, ou seja, nenhuma das crianças realizarou as estratégias observadas,
como, por exemplo: o uso de habilidade fonológica para abordar a palavra e entonação.
Conclusão: Os resultados deste estudo permitiram concluir que as estratégias relacionadas
à compreensão leitora das crianças com distúrbio de aprendizagem obtiveram um de­­­
sem­­­penho abaixo do esperado para as suas idades e escolaridade. Este fato demonstra
a importância da realização de estudos futuros, com amostras maiores de participantes,
para investigar e identificar as estratégias de leitura de textos em crianças com distúrbio
de aprendizagem. Os resultados também poderão maximizar novas pesquisas referentes
à construção de intervenções sobre compreensão leitora.
UNITERMOS: Transtorno de aprendizagem. Leitura. Compreensão.
Andréa Carla Machado – Doutoranda em Educação
Es­­­­­­pecial pela Universidade Federal de São Carlos –
UFSCar; membro do Grupo de Pesquisa “Linguagem,
Aprendizagem, Escolaridade” da Universidade Estadual
Paulista – UNESP – campus Marília. Bolsista FAPESP.
Si­­­mone Aparecida Capellini – Livre-Docente em Lin­­­gua­
gem Escrita do Departamento de Fonoaudiologia e do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Fa­­­­­­culdade
de Filosofia e Ciências – FFC/UNESP – Campus de
Marília. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq “Linguagem,
Aprendizagem, Escolaridade”. Coordenadora do Labo­­­
ratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem
do Departamento de Fonoaudiologia da FFC/UNESP –
Cam­pus de Marília.
Correspondência
Andréa Carla Machado
Rua Rui Barbosa, 416 – Centro – Neves Paulista, SP,
Bra­­­sil – CEP: 15120-000.
E-mail: [email protected]
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32
126
Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora
de realizar inferências e da experiência de mundo
de cada indivíduo, além do desenvolvimento da
expressão clara e organizada de ideias, tanto na
forma oral como na escrita9.
Assim, conhecendo-se os processos envolvi­
dos na compreensão e no monitoramento das
estratégias de leitura, torna-se mais fácil a detec­
ção de suas dificuldades, podendo-se identificar
as irregularidades e suas propriedades por meio
de uma avaliação específica9.
Atualmente, há um amplo conjunto de in­­
ves­­tigações sobre modalidade e procedimentos
de estratégias oferecidas fora da sala de aula
regular para auxiliar alunos que apresentam
dificuldade para adquirirem os conhecimentos
e habilidades iniciais de leitura e escrita10.
Nessa perspectiva, os resultados do Early
Steps11, um programa de identificação para crian­
ças iniciantes na leitura e escrita, enfatizando
estratégias de leitura, revelaram uma melhora
importante em crianças de risco, principalmente
no desempenho da leitura, compreensão e de­
codificação de pseudopalavras.
Baseando-se nesta conjectura foram encon­
trados estudos que reforçam tal hipótese da
im­­­­portância e a eficácia de identificação em es­
tratégias de leitura. Camahalan12 enfatiza em
suas conclusões que se deve dar devida impor­
tância para pesquisas avaliativas e individuali­
zadas que auxiliem na construção de estratégias
de leitura, pois tal proposta corrobora para o
desenvolvimento dos elementos subjacentes e
prejudicados envolvidos na leitura.
Assim, de acordo Goulandris13, a importância
de se avaliar os diferentes tipos de estratégias de
leitura em sequência e de analisar a facilidade
com que um leitor consegue passar de uma es­
tratégia para outra quando necessário deve ser
enfatizada em programas de leitura. No entanto,
segundo a mesma autora, a leitura competente
necessita de mais do que simplesmente conhe­
cer e ser capaz de usar as estratégias de leitura
diferentes; requer também que se combine essas
estratégias para que “a leitura com sentido” não
consi sta apenas em um trabalho de adivinhação,
mas seja guiada pela informação grafêmica.
INTRODUÇÃO
O distúrbio de aprendizagem é uma expres­são
genérica que se refere a um grupo heterogêneo
de alterações manifestadas por dificulda­des sig­
nificativas na aquisição e no uso da fala, leitura,
escrita raciocínio ou habilidades matemáticas.
Essas alterações são intrínsecas ao indivíduo e
ocor­rem devido à disfunção do Sistema Nervoso
Central (SNC)1.
Para Pinheiro e Capellini2, escolares com o
diag­­­nóstico de distúrbio de aprendizagem apre­
sentam características alteradas em habilidades
como a identificação ou decodificação da palavra,
compreensão de leitura, cálculo, raciocínio ma­
temático, soletração e expressão escrita, e ainda
podem ter acometidas para acadêmicas que en­­
volvem de maneira mais ampla a expressão oral
e a compreensão auditiva.
Sua etiologia exata ainda não foi completa­
mente elucidada, sendo, no entanto, verificados
déficits neurocorticais em ao menos duas regiões
do cérebro, no córtex pré-frontal e na região tem­
poro-parieto-occipital, que podem representar
ori­gem biológica dessas disfunções3,4.
Dessa maneira, os problemas de atenção, me­
mória e linguagem de crianças com distúrbio de
aprendizagem contribuem para a falta de cons­
cientização de estratégias concretas em relação
às exigências de tarefas de leitura e escrita5,6.
De acordo com a literatura7,8, enfatiza-se a im­­­­
portância da verificação de estudos que visem à
identificação e também ao desenvolvimento de
estratégias de ensino, as quais possam contribuir
para a minimização dos prejuízos de leitura e
escrita encontrados em indivíduos com distúrbio
de aprendizagem.
A compreensão leitora inclui vários processos
cognitivos inter-relacionados, entre eles estão os
processos básicos de leitura, como o reconheci­
mento e a extração do significado das palavras im­
pressas, que são requisitos necessários, mas não
suficientes. A compreensão da leitura depende da
ativação de relevantes conhecimentos que estão
fortemente relacionados com o de­­senvolvimento
do vocabulário, da linguagem oral, habilidades
linguísticas, habilidades de me­­mória, capacidade
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32
127
Machado AC & Capellini SA
“O menino e o Muro”, da coleção estre­
linha II14. A cada parágrafo do texto lido,
foi fornecida uma pergunta referente ao
trecho, tendo a criança que responder
oralmente sobre questões explícitas sobre
quem eram os personagens, sobre o en­
redo, o ambiente, entre outras e somente
depois foi formulado questões de caráter
mais inferencial, sobre sentimentos e
ações presentes no texto15.
Para este procedimento foi utilizado um ro­
teiro para determinar o perfil da leitura para
pro­porcionar informações sobre o uso das estra­
tégias de leitura por crianças com distúrbio de
aprendizagem. O roteiro seguiu diretrizes para
a análise de erros cometidos na leitura de texto
de acordo com Goulandris13. Durante a apli­­­­­cação
da tarefa de compreensão de textos, os erros
foram anotados e computados posteriormente
nas seguintes categorias: Bom, quando ocorreu
autonomia da criança para a realização da ta­
refa; Médio, quando ocorreu auxílio verbal da
pesquisadora para a compreensão da leitura
e Deficiente, quando a criança não realizou a
tarefa de compreensão. Os resultados foram
analisados de forma descritiva.
Partindo-se da hipótese de que tarefas de ava­­
liação e, por seguinte, aplicação de programas
de intervenção que utilizam procedimentos
envolvendo em seu ensino estratégias de leitura
intensivas, certamente, poderiam levar à dimi­
nuição dos problemas de aprendizagem apre­
sentados por crianças acometidas pelo distúrbio
de aprendizagem, o objetivo do presente estudo
foi foi caracterizar o desempenho de estratégias
relacionadas à compreensão leitora em crianças
com distúrbio de aprendizagem.
MÉTODO
O presente estudo foi realizado após apro­
vação do Comitê de Ética em Pesquisa da Fa­
culdade de Filosofia e Ciência da Universidade
Estadual Paulista – CEP/FFCUNESP, sob o pro­­
tocolo nº 1589/2008.
Participaram deste estudo doze crianças do 3º
ao 7º ano do ensino fundamental do município
de Marília, SP, de ambos os gêneros, sendo 80%
do sexo masculino e 20% do sexo feminino, na
faixa etária de 8 a 13 anos de idade. Os dados
foram coletados no Laboratório de Investigação
dos Desvios da Aprendizagem do Departamento
de Fonoaudiologia da FFC/UNESP – Campus de
Marília, SP, onde os participantes foram diag­­
nosticados por uma equipe interdisciplinar, in­
cluindo avaliação fonoaudiológica, neurológica
e neuropsicológica.
O diagnóstico de distúrbio de aprendizagem
das crianças foi realizado pela equipe, ao apre­
sentarem durante a avaliação multidisciplinar
dificuldades significativas na aquisição da leitu­
ra, escrita e compreensão, demonstrando, dessa
forma, desempenho substancialmente abaixo do
esperado para a idade e escolaridade.
Para a realização desse estudo foram apli­
cados nas crianças com distúrbio de aprendiza­
gem os procedimentos descritos a seguir, após
a assinatura do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido assinado por seus responsáveis:
a. Aplicação das tarefas de compreensão de
leitura – foi apresentado para as crianças
com dis­túrbio de aprendizagem um texto
de pergunta e resposta extraído do livro
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados desse estudo serão descritos
de forma separada, ou seja, com apresentação
descritiva dos resultados obtidos referente às
es­­tratégias utilizadas na leitura de textos e os
resultados obtidos referente aos erros cometidos
na leitura de textos.
Na Figura 1, podemos observar que, na estra­
tégia que utiliza o contexto para o entendimento
do material lido, 70% das crianças obtiveram
desempenho deficiente, enquanto que 20%, de­­
sempenho médio, e 10%, bom desempenho. Com
estes achados pudemos observar que a 100% das
crianças do estudo confundiram palavras fono­
logicamente similares, corroborando achados de
Layton e Deeny16.
Quanto ao desempenho na estratégia de lei­­­­
tura do significado, verificamos que 90% das
crianças apresentaram desempenho deficiente
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32
128
Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora
e somente 10%, desempenho médio. Estes resul­
tados demonstram que as alterações de atenção
e memória presente nas crianças com distúrbio
de aprendizagem comprometem a extração do
significado17.
Quando verificamos o desempenho das crian­
ças com distúrbio de aprendizagem utilizando
ha­­­bilidades fonológicas e entonação para a leitura
da palavra, notamos que 100% não conseguiram
fazer o uso de ambas as estratégias. Tais resul­
tados corroboram estudo realizado por Alves et
al.18, que descreveram que a relação sintaxe-en­
tonação-significado é fundamental para o acesso
ao sentido e à compreensão da leitura.
Com relação à estratégia de autocorreção,
verificamos que 90% das crianças com distúrbio
de aprendizagem apresentaram desempenho de­
ficiente, enquanto que 10%, desempenho médio.
Desta forma, podemos afirmar que as crianças
com distúrbio de aprendizagem apresentam
muitas dificuldades para realizar a autocorreção
no ato da leitura.
Esses resultados corroboram o estudo de
Cu­nha et al.9, o qual explicita as dificuldades
relacionadas da estratégia de autocorreção. Em
90% dos casos, observa-se na estratégia sobre
inferência, ou seja, a maioria das crianças com
distúrbio de aprendizagem do presente estudo
não conseguiu fazer inferência sobre o compor­
tamento dos personagens oriundos do texto lido.
Na Figura 2, verificamos os erros cometidos
na leitura de texto pelas crianças com distúrbio
de aprendizagem. No que se refere aos erros de
reconhecimento de palavra, 90% das crianças
apresentaram desempenho deficiente, enquanto
que 10%, desempenho médio. Esse dado corro­
bora a literatura16, que referiu que há déficits na
memória visual e na memória de trabalho fono­
lógica que acarretam prejuízos na identificação
e no reconhecimento das palavras. Desta forma,
a exposição ao material gráfico não é exatamente
uma habilidade, mas um fator que interfere no
incremento do léxico visual. A habilidade, neste
caso, estaria envolvendo a memória fonológica
para a análise da palavra, que deve ser estimu­
lada juntamente com a exposição ao material a
ser lido19.
A mesma porcentagem de 90% foi observada
na estratégia referente à velocidade de leitura,
evidenciando que, quando as habilidades de
análise, síntese e manipulação fonológica estão
alteradas, a velocidade de decodificação da lei­
tura se encontra prejudicada20.
Na estratégia usada para identificação de
palavras, verificamos que 80% das crianças
obtiveram desempenho deficiente, 10%, desem­
penho médio e 10%, bom desempenho. Quanto à
capacidade de aplicar estratégia de leitura, 100%
das crianças obtiveram desempenho deficiente.
De acordo com os resultados encontrados
nesse estudo, podemos verificar que as crianças
com distúrbio de aprendizagem apresentaram
estratégias aquém para sua idade e escolaridade
e, por conseguinte, cometem erros no reconhe­
cimento de palavras.
Figura 1 – Estratégias durante a leitura de textos.
Figura 2 – Análise dos erros cometidos na leitura de texto.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32
129
Machado AC & Capellini SA
Esses resultados vão ao encontro dos achados
dos estudos de Goulandris13, onde é salientada
a importância da identificação e do desenvolvi­
mento de estratégias, concluindo que é funda­­
mental também focar em intervenções com es­­­­­­­­
quemas instrucionais que desenvolvam estraté­
gias para a aprendizagem da leitura e escrita.
Assim, a caracterização das estratégias apre­
sentou resultados condizentes com o estudo de
Layton e Deeny16, que pontuam a importância
da avaliação de estratégias na leitura de textos
com tarefas direcionais para auxiliar no desen­
volvimento da compreensão leitora.
do esperado para as suas idades e escolaridade,
demonstrando que se torna importante a reali­
zação de estudos futuros, com amostras maiores
de participantes, para investigar e identificar
as estratégias de leitura de textos em crianças
com distúrbio de aprendizagem. Os resultados
também poderão maximizar novas pesquisas
referentes à construção de intervenções sobre
compreensão leitora.
Assim, os resultados descritos neste estudo
apontam para a necessidade de refletirmos
sobre os erros cometidos durante a leitura de
crianças com distúrbio de aprendizagem. Nessa
direção, pensarmos tarefas de avaliação que
contemplem estratégias de compreensão da
leitura, bem como tarefas que possam auxiliar
o professor pa­­ra realizar a detecção precoce da
criança de risco para o aprendizado da leitura
e da escrita.
CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo permitiram con­­
cluir que as estratégias relacionadas à com­
preensão leitora das crianças com distúrbio de
aprendizagem tiveram um desempenho abaixo
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32
130
Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora
SUMMARY
Characterization of the performance of children with
learning disabilities in reading comprehension strategies
Introduction: The learning disorders have changes in skills such as word
identification and decoding, reading comprehension, mathematical cal­
cu­lation and reasoning, which causes a significant impairment in school
learning. Objective: To characterize the performance of strategies related
to reading comprehension in children with learning disabilities. Methods:
The study included twelve children from 3 to 7 years of elementary school in
the city of Marília-SP, of both genders, aged 8 to 13 years of age. Data were
collected in the Research Laboratory of deviations Learning Department
of Speech Pathology, FFC / UNESP – Marília, SP. For the implementation
of the tasks of reading comprehension was used to read a text followed by
questions and answers. During the implementation of the task of reading
comprehension errors were recorded and later counted in the following
categories: Well, when was child’s autonomy to carry out the task; East,
when there was help for the researcher’s verbal reading comprehension
and deficient when the child did not perform the task of understanding.
Results: The results were analyzed descriptively. In this study we found that
most children with learning disabilities received a poor performance by 80%
and 90% in almost all strategies analyzed, and some of them reaching the
percentage of 100%, i.e, none of the children were strategies perceived as the
use of ability to address the phonological word and intonation. Conclusion:
The results of this study concluded that the strategies related to reading
comprehension of children with learning disabilities had a performance
below that expected for their age and education showed that becomes
important, future studies with larger samples of participants to investigate
and identify strategies for reading texts in children with learning disabilities.
The results could also maximize new research relating to the construction
of interventions on reading comprehension.
KEY WORDS: Learning disability. Reading. Comprehension.
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Trabalho realizado na Faculdade de Filosofia e Ciência
da Universidade Estadual Paulista – CEP/FFC-UNESP,
Marília, SP, Brasil.
Artigo recebido: 11/2/2011
Aprovado: 22/4/2011
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32
132
Avaliação dos cursosARTIGO
de capacitação
: “método das boquinhas”
ORIGINAL
Avaliação dos cursos de capacitação:
“método das boquinhas”
Renata Savastano Ribeiro Jardini; Lydia Savastano Ribeiro Ruiz
RESUMO – Introdução: O Método Fonovisuoarticulatório (Método
das Boquinhas) utiliza, além das estratégias fônicas (fonema/som) e vi­
suais (grafema/letra), as articulatórias (articulema/Boquinhas). Seu de­sen­
volvimento foi alicerçado na Fonoaudiologia, em parceria com a Pedagogia,
indicado para alfabetizar quaisquer crianças, jovens e/ou adultos e reabilitar
os distúrbios da leitura e escrita. Objetivos: Os objetivos do presente tra­
balho são avaliar os cursos e os multiplicadores do Método, bem como a
metodologia em si. Método: Foi feita uma análise quantiqualitativa de
questionário de múltipla escolha. Participaram 10 multiplicadores, que
ministraram 37 cursos para 1668 educadores, em 13 cidades dos estados do
Paraná e Rio Grande do Sul, durante o ano de 2010. Conclusões: Concluiu-se
que o Método das Boquinhas foi aceito pela maioria dos participantes, para
ser utilizado em sala de aula para todo tipo de aluno, com ênfase nos que
apresentam algum grau de dificuldade, abrindo precedentes para a reflexão
sobre o sucesso da inclusão pedagógica, que é a demanda educacional
atual, estar relacionado à metodologia adotada. Ainda, concluiu-se que os
educadores desse estudo vêem a necessidade e a urgência de uma proposta
de natureza fonológica e articulatória, com bases oralistas, para a melhoria
da educação brasileira, inclusive, enfatizando a necessidade de capacitações
continuadas, que se iniciem na grade curricular da formação de docentes
alfabetizadores. Como finalização, a totalidade dos entrevistados ficou
satisfeita com a atuação/forma de trabalho dos multiplicadores, constatando
se tratar de um trabalho já aprovado como Tecnologia Educacional pelo
MEC. Esse trabalho reforça a necessária aliança entre a Fonoaudiologia e
Pedagogia, para o melhor desempenho de alunos e docentes.
UNITERMOS: Aprendizagem. Educação. Fonoaudiologia.
Renata Savastano Ribeiro Jardini – Doutora e Mestre
em Saúde da Criança e do Adolescente na Área de
Saúde da Criança e do Adolescente pela UNICAMP;
Especialização em Psicopedagogia pela UNICEP,
Fonoaudióloga pela EPM.
Lydia Savastano Ribeiro Ruiz – Doutora e Mestre em
Agronomia na Área de Energia pela UNESP, Campus
Botucatu; Especialização em Matemática – Álgebra
pela FCL – Avaré; Especialização em Ensino e Ciên­­
cias e Matemática pela UNESP, Campus Bauru; Li­­
cenciatura em Física, Matemática e Química pela
UNESP – Campus Bauru.
Correspondência
Renata Savastano Ribeiro Jardini
Av. Prof. Antonio Felippe da Rocha, 195 – Camboinhas –
Niterói, RJ, Brasil – CEP 24358-711
E-mail: [email protected]
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43
133
Jardini RSR & Ruiz LSR
Para aquisição da leitura e escrita é necessário
que os fonemas sejam decodificados/codificados
em letras (grafemas), como é feito no processo
fônico, trabalhando diretamente nas habilidades
de análise fonológicas12 e consciência fonológica
e fonêmica13,14 fator primordial e sine qua non
no processo de alfabetização15,16. Esse processo,
bastante abstrato, deve ser favorecido por meio de
intervenção pedagógica, mas por vezes torna-se
incompreensível e dificultoso para alguns alunos.
Assim, acrescentaram-se os pontos de arti­
culação de cada letra ao ser pronunciada isola­
damente (articulemas, ou boquinhas), baseados
nos princípios da Fonologia Articulatória – FAR,
que preconiza a unidade fonético-fonológica, por
excelência, o gesto articulatório17-19, favorecendo
a compreensão do processo de decodificação,
por mecanismos concretos e sinestésicos, isto
é, com bases sensoriais. Desta forma, a aquisi­
ção da leitura e escrita passaria a ser acessível
a quaisquer tipos de aprendizes, de maneira
simples e segura, pois bastaria uma única ferra­
menta de trabalho – a boca. Essa metodologia foi
consagrada em oito livros sobre o tema, além de
materiais, jogos, DVDs e banners de apoio para
seu desenvolvimento e aplicabilidade, tanto em
salas de aula, como clínicas.
Como consequência, começaram a ser minis­
trados pela idealizadora de Boquinhas, os di­­
versos cursos de capacitação de educadores e
profissionais ligados à alfabetização e à interven­
ção da leitura e escrita, em centenas de cidades
pertencentes a dezenas de estados brasileiros.
Com a aprovação de Boquinhas como Tecnologia
Educacional pelo MEC (DOU/2009), houve au­
mento da demanda por cursos de capacitação e a
necessidade de adequar-se a oferta de trabalho de
maneira organizada, sistemática e sem o risco de
equívocos no conteúdo e desvios da informação.
Assim, passou-se a formar multiplicadores de Bo­
quinhas, supervisionados e treinados pela autora,
para capacitar educadores, mantendo a proposta
metodológica assegurada em sua origem.
A proposta de oferecer a Capacitação de Bo­­­­
quinhas por meio de multiplicadores tem a in­
tenção de facilitar o acesso desses profissionais
INTRODUÇÃO
Defende-se a construção do conhecimento a
partir do incentivo à pesquisa como o modo de
promover o desenvolvimento humano de forma
sustentada. Para tanto, a capacidade de aprender
a aprender e saber pensar são habilidades vitais
para o cidadão e trabalhador moderno1. Na trilha
de uma reconfiguração ética do trabalho docente,
e a despeito da imagem quase caótica que parece
acompanhar as representações que hoje se têm
da educação brasileira, a palavra de ordem para
a cidadania do novo século é uma só: escolari­
dade com qualidade2. Acredita-se, no trabalho
aqui apresentado, no desenvolvimento humano
docente, sustentável, pautado na escolaridade
consciente, que tem em si atrelada a avaliação
como reflexão transformadora em ação3.
Pratica-se que avaliar é o ato de diagnosticar
uma experiência, tendo em vista reorientá-la
para produzir o melhor resultado possível; por
isso, não é classificatória, nem seletiva, ao con­
trário, é diagnóstica e inclusiva4.
O Método Fonovisuoarticulatório, carinhosa­
mente apelidado de Método das Boquinhas,
uti­­­liza-se, além das estratégias fônicas (fonema/
som) e visuais (grafema/letra), as articulatórias
(articulema/Boquinhas). Seu desenvolvimento
foi alicerçado na Fonoaudiologia, em parceria
com a Pedagogia, que o sustenta, sendo indicado
para alfabetizar quaisquer crianças e reabilitar
os distúrbios da leitura e escrita5. Parte das
reflexões deste método foi proporcionada pelo
con­­­­tato com o “Programa de Mejoramiento de la
Calidad y Equidad de la Educación” (MECE) –
“Programa das 900 Escolas”, desenvolvido no
Chile desde 1990, indicado pela UNESCO e
estendido a outros países6. Sua fundamentação
encontra-se também nos estudos de diversos au­
tores7-11, entre outros, cujas ideias são resumidas
numa percepção holística frente à alfabetização,
tendo a visão da linguagem como ponto focal da
aprendizagem.
O ponto de partida do ser humano na aquisi­
ção de conhecimento reside na boca, que produz
sons – fonemas, que são transformados em fala,
meio de comunicação inerente ao ser humano.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43
134
Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas”
às instituições, minimizar os gastos com deslo­
camentos e aumentar a atenção e su­­per­­­visão
da implantação e implementação do método,
estando o profissional mais perto da instituição.
A autora do Método das Boquinhas é correspon­
sável pelo trabalho desenvolvido pelos multipli­
cadores e solicita às instituições uma avaliação de
desempenho do profissional referente ao cur­­­­so
ministrado, avaliação esta objeto deste traba­­­­lho.
Pois se acredita que não se pode questionar sem
ser questionado, não se pode arrumar consciên­
cia crítica sem tê-la, não se pode avaliar sem ser
avaliado. Quer dizer, a coerência da crítica está
na autocrítica1. Assim, os objetivos desse trabalho
pautam-se em avaliar os cursos e os multiplica­
dores, além da metodologia em si.
Os dados foram tabulados e analisados em
dois pilares, visando atingir aos objetivos da
presente pesquisa:
a) atuação/capacitação do multiplicador;
b) utilização/eficiência do Método das Bo­
quinhas.
RESULTADOS
No primeiro pilar avaliado, a pergunta de
número 1 indagou sobre a forma de trabalho do
multiplicador e obteve 1171 (70,2%) respostas
pa­­­ra interessante, 497 (29,8%) para prazerosa
e nenhuma (0%) para as alternativas desmoti­
vante e complicada. A pergunta de número 2
in­­­vestigou a atuação do multiplicador com os
alunos, obtendo 968 (58%) para atencioso, 770
(42%) para motivador e nenhuma (0%) para as
alternativas distante e inseguro. Ainda nesse
pilar, a terceira pergunta, ilustrada na Figura 1,
avalia a atuação do multiplicador frente ao con­
teúdo abordado.
Nas questões seguintes, avaliou-se o método
em si, sendo a de número 4 referente à opinião
sobre o Método, ilustrada na Figura 2.
Na questão de número 5, avaliou-se como os
alunos aceitariam o método, obtendo os dados
ilustrados na Figura 3.
Na questão de número 6, avaliou-se a visão
do educador para se utilizar Boquinhas como
uma ferramenta de trabalho, ou seja, inserida
MÉTODO
Foi elaborado um questionário composto de
dez questões, cada uma com quatro alternativas.
Foram escolhidas alternativas que propiciassem
interpretação quantiqualitativa das respostas.
Participaram dez multiplicadores, qualifica­
dos, treinados e supervisionados pela autora, que
ministraram cursos em 37 encontros de oito horas
cada, durante o ano de 2010. A carga horária de
cada curso variou desde um dia de atividades
de oito horas até vários dias não consecutivos,
totalizando 40 horas de capacitação, incluindo
assessoria aos professores para a implantação do
método nas escolas envolvidas. Os multiplicadores
possuíam, na época em que os cursos foram mi­
nistrados, tempo de prática na vivência do método
como palestrantes variando de oito a 18 meses.
Participaram desta avaliação 13 cidades, em
dois estados brasileiros, Paraná e Rio Grande
do Sul, totalizando 1668 profissionais que, após
terem participado do curso de capacitação com
os multiplicadores, se dispuseram a responder
in­­­dividualmente o questionário. Embora não
tabulados estatisticamente, a grande maioria dos
profissionais era composta de educadores e/ou
supervisores da rede pública de ensino, lotados
no ensino fundamental e educação infantil. Den­­­­­­
tre eles haviam alguns profissionais também
qualificados na área clínica, além de docentes.
Figura 1 – Questão 3: O que achou da atuação do multiplicador em relação ao conteúdo abordado?
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Jardini RSR & Ruiz LSR
dentro de sua prática pedagógica vigente. Ob­
teve-se 1121 (67,2%) respostas que Boquinhas é
compatível com qualquer metodologia utilizada,
bastando ser adaptada ao material pedagógico já
usado na escola. Ainda, 405 (24,2%) acreditam
que a metodologia possa ser usada em qualquer
disciplina e conteúdo acadêmico, independen­
temente do material, enquanto que 112 (6,7%)
assinalaram como resposta que a metodologia só
seria viável se usada com os livros Boquinhas e
ainda outros 30 (1,7%) responderam que a meto­
dologia somente deveria ser usada na disciplina
de Língua Portuguesa.
Na questão de número 7, apenas 1321 (79,1%)
questionários foram respondidos e investigou-se
como o educador acredita que a metodologia
possa ser utilizada, em relação ao tipo de clien­
tela e forma de aplicação. Obteve-se 852 (64,5%)
respostas para todas as crianças juntas, priori­
zando as que apresentam mais dificuldade, 421
(31,9%) indiscriminadamente para qualquer tipo
de aluno, todos juntos, 48 (3,6%) isoladamente,
apenas com os alunos com distúrbios e nenhuma
(0%) somente para os alunos que apresentam
distúrbios, estando dentro da sala.
Na questão de número 8, apenas 1608 (96,4%)
questionários foram respondidos e avaliou-se os
cursos de capacitação em Boquinhas, e as res­
postas foram ilustradas na Figura 4.
Na questão de número 9, apenas 1642 (98,4%)
questionários foram respondidos e avaliou-se a
recomendação do uso da metodologia para ou­
tros educadores, obtendo-se os resultados de
861 (52,4%) para recomendaria fortemente, 495
(30,2%) para depende do tipo de educador, 231
(14,1%) depende do tipo de alunos e 55 (3,3%)
não recomendariam.
A questão de número 10 era específica para a
justificativa dos educadores que não acreditaram
na metodologia e 1624 (97,4%) dos entrevistados
deixaram de responder a essa questão, ou seja,
Figura 2 – Questão 4: Qual a sua opinião sobre o Método
das Boquinhas?
Figura 4 – Questão 8: Sobre os cursos de capacitação em
Boquinhas.
Figura 3 – Questão 5: Como acredita que seus alunos receberão o Método das Boquinhas?
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43
136
Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas”
resposta prazerosa, indicando que o profissional
usou mais de recursos convincentes para produ­
zir interesse, que se reporta à aprendizagem em
si do que estratégias para suscitar prazer, que
poderia ser encarado como momentâneo. Não
houve respostas de aspectos negativos. Por estes
dados, infere-se que a forma de trabalho eleita
esteja de acordo com os objetivos almejados, ou
seja, aprendizagem consciente.
Sobre a atuação do multiplicador com os pro­
fissionais (questão 2), as respostas para atencioso
superaram motivador, indicando, embora com
pouca margem de diferença, que o profissional
recrutou por sua apresentação mais atenção,
su­­gestiva de conceitos neuropsicológicos, do que
motivação, atrelada aos aspectos socioemocio­
nais. Não houve respostas de aspectos negativos.
Acredita-se que, nesse caso, é fundamental que
a atuação do palestrante contenha certa dose de
empatia, além de assertividade, possibilitando
aos educadores a aprendizagem gradual e vo­­
luntária, sem estresse e/ou alto nível de desgas­
te. Também aqui se infere que o trabalho do
mul­­­­­tiplicador esteja de acordo com os objetivos
almejados, possibilitando ganhos a ambos, pro­
fissionais e palestrante.
Analisando a atuação do multiplicador em
relação ao conteúdo abordado (questão 3), um
pouco mais que a metade dos entrevistados ava­
liou como seguro, ou seja, que domina intelec­
tualmente o assunto, enquanto outros avaliaram
como confiante, ou seja, que apenas confia no
que está apresentando. Não houve respostas de
aspectos negativos. Novamente, viu-se a presen­
ça de aspectos positivos na escolha predomi­
nante pela resposta que denota conhecimento
assimilado, portanto, com chances de repassá-lo
seguramente. Ainda pode-se inferir que a pala­
vra seguro esteja atrelada à experiência pessoal
sobre o assunto, o que vem corroborar com a
formação oferecida aos multiplicadores.
Analisando-se o segundo pilar: utilização/efi­­­­­
ciência do Método das Boquinhas, na opinião
sobre o Método (questão 4), novamente obser­
va-se o caráter intelectivo presente na resposta
interessante, com grande número de escolha,
foi respondida apenas por 44 entrevistados. Dos
que responderam, obteve-se 5 (11,3%) para di­
ficuldade de ser compreendida pelos alunos,
38 (86,3%) para dificuldade para ser aplicada,
nenhuma (0%) resposta para incompatibilidade
com a proposta educacional de escola e 2 (4,5%)
por ser contrária à proposta pessoal educacional.
DISCUSSÃO
A opção por questionários de múltipla escolha
teve a intenção de facilitar o seu preenchimento,
pela agilidade da resposta e não exposição do
educador. A escolha de palavras aparentemente
de conteúdo semelhante deveu-se ao fato da
pos­­­­sibilidade de se analisar o verbete em seus
aspectos semânticos, mesmo que subliminar­
mente, pois durante o preenchimento, esse fato
deve ter sido pouco consciente pelos profissio­
nais participantes.
Optou-se por quatro alternativas, com duas
palavras de caráter positivo, uma que suscitasse
apelo emocional e outra, apelo intelectual, o
mes­­­mo acontecendo com as duas palavras de ca­­
ráter negativo. Essa abordagem forneceria dados
qualitativos relativos à aceitação/recusa do pro­
fissional e/ou metodologia, por aspectos emocio­
nais e/ou intelectuais, fornecendo informações
preciosas no tocante à continuidade do trabalho
e possíveis reestruturações, sendo um feedback
de excelente qualidade. Ainda, propositalmente,
a ordem entre o caráter positivo e negativo das
alternativas não foi mantida a mesma durante
todo o questionário, a fim de se evitar respostas
mecânicas ou uma irrefletida leitura.
As palavras escolhidas de apelo emocional
atrelado à resposta foram: prazerosa, motivador
e confiante. As demais palavras: interessante,
atencioso e seguro suscitaram apelo intelectual,
posto que se reportavam a conceitos relativos à
aprendizagem em si e não apenas a sensações
durante o trabalho.
A discussão apresentada a seguir foi baseada
nos dois pilares acima citados, iniciando-se com
o primeiro: atuação/capacitação do multiplicador.
Em relação à forma de trabalho do multiplica­
dor (questão 1), a resposta interessante superou a
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Jardini RSR & Ruiz LSR
Avaliando o Método das Boquinhas como uma
ferramenta de trabalho (questão 6), ou seja, seu
uso como um recurso a mais, dentro da prática
pedagógica já utilizada pela escola, um pouco
mais que a metade julga que Boquinhas é com­
patível com qualquer metodologia, desde que
adaptada ao material pedagógico da escola. Já
ou­tros, bem menos que a metade, acreditam que
Boquinhas pode ser extensivo a todas as disci­
plinas e conteúdos acadêmicos, enquanto que
um mínimo dos entrevistados encara a metodo­
logia somente no contexto de Língua Portuguesa
e ou­­­tros a sinalizam ser utilizada somente com
os livros Boquinhas. Infere-se aqui que o uso da
metodologia está em consonância com o ideali­
zado pelas autoras, ou seja, um trabalho integra­
do aos conteúdos e recursos já disponíveis pela
escola e pelos educadores, não se desfazendo
nunca de sua bagagem anterior, descartando-a,
para apenas trocá-la por algo novo. Acredita-se
que o ser que aprende, seja ele educador e/ou
aluno, traga consigo sua visão sócio-cultural­
-histórica de desenvolvimento permanente,
inserindo a aprendizagem em sua vida. Os livros
da metodologia são e devem ser utilizados como
apoio e parte do processo. Gradativamente, os
ma­­­teriais autênticos disponíveis passarão a fazer
parte dos livros didáticos adotados pelas escolas,
uma vez que atendem às necessidades de uma
alfabetização segura, que está sendo aplicada.
Na análise do tipo de clientela e forma de
aplicação (questão 7), obteve-se um pouco me­­­nos
que a metade de respostas favoráveis a assertiva
de uso da mesma metodologia para toda a classe
junta, e mais da metade de aceitabilidade da
me­­­todologia como inclusão, mas com prioridade
aos que apresentam mais dificuldade, enquanto
que um mínimo de educadores acredita que o
uso de Boquinhas deva se restringir somente aos
alunos com algum distúrbio e, ainda, separados
do grupo. Não houve resposta para a alternativa
de uso isolado e separado da turma. Discute-se
aqui a aceitação do educador para com a deman­
da atual de que todo aluno deve aprender junto
com os demais, isto é, a inclusão total, social e
pedagógica. Pela soma das respostas, temos a
que desperta interesse e possíveis chances de
aprendizagem, frente a algumas respostas na
alternativa prazeroso, que se remete ao caráter
emocional frente ao Método. Ainda houve um
mínimo de educadores que o avaliou como difí­
cil. Não houve resposta para não compreensão.
Destaca-se aqui a forte aceitação em relação à
metodologia proposta que, embora inovadora,
tem ganhado adeptos e bons resultados, con­
firmados pelos inúmeros feedbacks oferecidos
pós-capacitações e adoção da metodo­logia em
caráter municipal. Esta questão nos remete à
assimilação do novo, que embora traga conflito
e desequilíbrio, é necessária para que se torne
aprendizagem. Segundo Piaget, assimilar é
atribuir significado à experiência, enquanto
que acomodar é fazer o novo conhecimento
fa­­­zer parte do ser, o que vimos pelos comentá­
rios rece­bidos de educadores ávidos em usar a
metodologia tão logo finalizasse a capacitação.
Sobre a possível recepção dos alunos em re­­
lação ao Método (questão 5), um pouco menos da
metade dos entrevistados avalia como facilmente,
a maioria como prazerosamente e um mínimo de
respostas como dificilmente. Não houve respostas
para não aceitarão. Nessa pergunta vemos que o
educador avalia que seus alunos usarão mais ca­
racterísticas emocionais (prazerosamente) do que
racionais (facilmente) para assimilar o trabalho
proposto. Acredita-se que esse dado deve-se ao
fato de serem crianças em fase de aquisição, o que
naturalmente estaria relacionado à aprendizagem
lúdica. Essa constatação também colabora para
que a aplicação da metodologia se torne mais
eficaz, uma vez que o educador sente-se seguro
ao oferecer algo que atinja às expectativas infan­
tis, ou seja, brincar e aprender ao mesmo tempo.
Já a pequena porcentagem que o relatam como
difícil para a criança (assimilação do novo, como
discutido anteriormente) nos remete à reflexão
de que, por vezes, a técnica oferecida em um
curso de capacitação de apenas oito ou 16 horas
não seja suficiente para que o educador sinta
total segurança em repassá-la com facilidade aos
alunos. Fato esse que será mais bem abordado na
discussão da questão de número oito.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43
138
Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas”
quase totalidade favorável à inclusão, o que vem
abrir precedentes de reflexão sobre a eficiência
de a metodologia ser a responsável pela acei­
tação das diretrizes educacionais atuais, o que
contradiz a visão de resistência ou preconceito
dos educadores frente à inclusão. Acredita-se
que esse seja um dos fortes ganhos apresentados
pela metodologia, que foi demonstrado por essa
análise. Na discussão da questão seguinte, esse
assunto será retomado.
Quanto à avaliação dos cursos de capacita­
ção que acabaram de participar (questão 8), um
pouco menos da metade o considerou como
eficaz e suficiente para a utilização imediata da
metodologia, todavia quase a metade sentiu a
falta da educação continuada, com assessoria e
supervisão ao educador. Entretanto, outros de­­­­­
tectaram a necessidade dessa formação iniciar
ainda na graduação como formação dos docen­
tes. Esses dados são fundamentais para a refle­
xão de que o educador tem interesse e vontade
de se qualificar melhor e mais adequadamente
para atender às necessidades atuais das crian­
ças, principalmente referentes à aprendizagem e
seus resultados. O fato de solicitarem mais apro­
fundamento e estudo em relação à metodologia
proposta, inclusive iniciados na graduação, é
forte indicativo da aceitabilidade e abertura para
novos conhecimentos, como a aliança entre con­
ceitos fonológicos e aquisição da leitura e escrita.
Esses dados já foram elucidados em inúmeras
pesquisas atuais sobre o tema5,13,14,16,20,21, e devem
ser motivo de reflexão para as capacitações e
projetos educacionais.
Referindo-se à recomendação do uso do
Método das Boquinhas para outros educadores
(questão 9), um pouco mais que a metade o re­
comenda fortemente, enquanto que outros são
reticentes em afirmar que depende do tipo de
educador, e outros na dependência do tipo de
alunos. Essa discussão passa pela constatação
que o educador é consciente de que mudanças
metodológicas requerem mudanças pessoais,
pois nada que se refere à educação é apenas
rea­lizado em sala de aula. Adotar Boquinhas
significaria pensar a alfabetização partindo de
pressupostos oralistas e fonológicos, o que vem
em oposição ao forte paradigma de que “apren­
de-se copiando da lousa”. Aqui, vê-se, com cla­
reza, a consciência de que a mudança proposta
é trabalhosa e requer estudo e prática, embora
seja desejosa e aceita. Novamente abrem-se
precedentes para que a formação dos docentes
em relação à alfabetização requeira conteúdos
diversos, analisados e refletidos, como a relação
fonológica e articulatória intrínseca envolvida na
conversão fonema/grafema. Pois de nada adianta
oferecer-se práticas construtivistas aos alunos,
quando educadores não o são.
Finalizando, foram avaliados os motivos pelos
quais os educadores possam não ter acreditado
na proposta como metodologia de alfabetização
(questão 10). No entanto, um mínimo de educa­
dores respondeu essa questão, com escore maior
por ser de difícil aplicabilidade. Desta forma, a
análise voltou-se aos participantes que não res­
ponderam à questão, ou seja, os que acreditaram
na proposta como metodologia de alfabetização,
que foi quase a totalidade dos entrevistados.
CONCLUSÃO
De acordo com os dados analisados pelos
1668 entrevistados, em dois estados brasileiros,
concluiu-se que o Método das Boquinhas, multis­
sensorial, de ênfase fonovisuoarticulatória, indi­
cado para alfabetizar e intervir nas alterações de
leitura/escrita foi aceito pela maioria dos partici­
pantes dos cursos de capacitação ofe­recidos pelos
multiplicadores do referido método. Ainda, abrin­
do precedentes para a reflexão sobre o sucesso
da inclusão pedagógica, demanda educacional
atual, estar relacionado à metodologia adotada,
a quase totalidade dos entrevistados afirma que
a metodologia proposta possa ser utilizada em
sala de aula para todo tipo de aluno, com ênfase
nos que apresentam algum grau de dificuldade.
Obteve-se que quase a totalidade dos entre­
vistados aceita a metodologia, no entanto, a
metade desses refere que o uso da mesma
de­­­pende do tipo de educador e tipo de aluno,
abrindo precedentes para a análise do “novo”
frente aos paradigmas educacionais vigentes.
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139
Jardini RSR & Ruiz LSR
Ainda, concluiu-se que os educadores vêem
a necessidade e urgência de uma proposta de
natureza fonológica e articulatória, com bases
oralistas, para a melhoria da educação brasi­
leira, inclusive, enfatizando a necessidade de
capacitações continuadas, que se iniciem na
grade curricular da formação de docentes. Esse
trabalho reforça a necessária aliança entre as
duas ciências Fonoaudiologia e Pedagogia, para
o melhor desempenho de alunos e docentes.
Como finalização, a totalidade dos educado­
res entrevistados ficou satisfeita com a atuação
e forma de trabalho recebida na capacitação
oferecida pelos multiplicadores de Boquinhas,
constatando se tratar de um trabalho já apro­
vado como Tecnologia Educacional pelo MEC
(DOU 2009), que tem perfeitas condições de ser
repassado às instituições interessadas.
AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos são para os multiplicado­
res que participaram da coleta de dados no ano
2010, assim como as Secretarias Municipais
de Educação das cidades participantes, que
ofereceram a capacitação aos seus profissionais
nesse ano: Alessandra A. Baquete da Cunha –
Ivaiporã/PR, Roncador/PR; Andressa Alves
Fernandes Gonçalves – Nova Esperança/PR;
Cris­­­­­tiane Muller – Imbé/RS; Cristina Ossig da
Luz – Imbé/RS; Danielle Peres Toigo – Caxias
do Sul/RS; Jea­­nine C. Elgersma – Senges/PR;
Mayumi Yabe Terao – Ivaiporã/PR; Patrícia
Hoffmeister de Almeida – Viamão/RS, Passo
Fundo/RS; Rosana Alves de Liz – Conselheiro
Mairink/PR; Suélia Pinheiro de Oliveira – Ma­
riluz/PR, Iguaraçu/PR, Paranaguá/PR, Santa
Izabel do Oeste/PR.
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140
Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas”
ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO
01- O que achou da forma de trabalho do multiplicador?
A
B
C
D
(
(
(
(
) interessante
) prazerosa
) desmotivante
) complicada
02- O que achou da atuação do multiplicador com os educadores?
A
B
C
D
(
(
(
(
) atencioso
) motivador
) distante
) inseguro
03- O que achou da atuação do multiplicador em relação ao conteúdo abordado?
A
B
C
D
(
(
(
(
) seguro
) confiante
) inseguro
) pouco competente
04- Qual a sua opinião sobre o Método das Boquinhas?
A
B
C
D
(
(
(
(
) interessante
) prazeroso
) difícil
) não compreendi
05- Como acredita que os educadores receberão o Método das Boquinhas?
A
B
C
D
(
(
(
(
) facilmente
) prazerosamente
) dificilmente
) não aceitarão
06- Sobre o Método ser uma ferramenta de trabalho:
A
B
C
D
(
(
(
(
) Boquinhas é compatível com qualquer metodologia, adaptada ao material pedagógico vigente da escola
) Boquinhas só é compatível se usada com os livros de Boquinhas
) Boquinhas pode ser usada em qualquer disciplina e conteúdo acadêmico
) Boquinhas só pode ser usada na disciplina de Língua Portuguesa
07- Com qual clientela e como acredita que Boquinhas possa ser utilizado:
A
B
C
D
(
(
(
(
) isoladamente com pessoas que apresentam dificuldades, separadas da classe
) isoladamente com pessoas que apresentam dificuldades, incluídas na classe
) para toda a classe junta, priorizando as que apresentam mais dificuldades
) para qualquer tipo de aluno
08- Sobre os cursos de capacitação em Boquinhas:
A
B
C
D
(
(
(
(
) são eficazes e bastam para a utilização da metodologia
) são superficiais e insuficientes para a utilização da metodologia
) falta a educação continuada, com assessoria e supervisão ao professor
) falta a capacitação de Boquinhas na grade curricular do docente
09- Você recomendaria o uso do Método das Boquinhas para outros educadores?
A
B
C
D
(
(
(
(
) não recomendaria
) recomendaria fortemente
) depende dos alunos
) depende do tipo de educador
10- Se não acreditou na proposta como metodologia de alfabetização, justifique:
A
B
C
D
(
(
(
(
) não atinge todas as crianças porque é difícil de ser compreendida pelos alunos
) não atinge todos os educadores porque é difícil de ser aplicada
) não será aceita pela proposta educacional de minha escola
) é contrária à minha proposta pessoal educacional
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Jardini RSR & Ruiz LSR
SUMMARY
Evaluation of training courses: “little mouth method”
Introduction: Besides using phonic (phoneme/sound) and visual
(grapheme/letter) strategies, the Phono-visual-articulatory Method (the
“Little Mouth Method”) also makes use of articulatory (articuleme/little
mouth) strategies. Its development was based on Speech Therapy and also
on Pedagogy, recommended for teaching any types of kids, youngsters
and/or adults how to read and write and to rehabilitate their reading and
writing disorders. Objective: This study aims to evaluate the courses and the
multiplier agents of the method, as well as the methodology itself. Methods:
A quantitative and qualitative analysis of the multiple choice questionnaire
was carried out. The study had the participation of 10 multiplier agents who
delivered 37 courses to 1668 educators in 13 cities in the stages of Paraná and
Rio Grande do Sul in the year 2010. Conclusions: It was concluded that the
“Little Mouth Method” was accepted by most participants to be used in the
classroom with all types of students, especially with the ones who have some
degree of difficulty, making educators and parents give serious thoughts
over the success of inclusive education, the current educational demand
and its relation to the methodology adopted. Moreover, it was concluded
that educators involved in this study feel there is a need and urgency for
a phonologic and articulatory proposal, with oralistic basis, to improve the
Brazilian education system, with emphasis on the need to develop continued
qualification courses that might be included in the curriculum guidelines
for the education of leaning and writing teachers. Finally, all respondents
to the study were satisfied with the performance of the multiplier agents
and the way they handled the project, knowing that this work is already
approved by the MEC (Ministry of Education) as Educational Technology.
This study strengthens the necessary cooperation between Speech Therapy
and Pedagogy for better performance of students and educators.
KEY WORDS: Learning. Education. Speech and language sciences.
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Trabalho realizado na Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, SP, Brasil.
Artigo recebido: 30/4/2011
Aprovado: 26/7/2011
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43
143
Maia ACB
et al.
ARTIGO
ORIGINAL
O emprego da literatura na
educação infantil: a investigação e
intervenção com professores de pré-escola
Ana Claudia Bortolozzi Maia; Lucia Pereira Leite; Ari Fernando Maia
RESUMO – Introdução: As escolas infantis são espaços ampliados de
educação e atenção à primeira infância. O papel do educador como me­
diador na aprendizagem é fundamental para o desenvolvimento infantil,
sendo que o uso de livros infantis pode atuar como importante recurso di­dá­ti­­­­­­
co-me­­­­­todológico nesse processo. Método: Este artigo relata uma in­terven­­ção
psicoeducacional realizada junto aos educadores de uma pré-es­­­­­­­cola pública
com os objetivos de: (a) registrar o acervo de livros infantis da escola, (b)
investigar sobre a aquisição e o uso de livros infantis pelas professoras e (c)
oferecer uma intervenção às professoras em relação ao uso pedagógico dos
livros infantis. Participaram sete educadoras que atuavam com crianças
de 2 a 6 anos. Resultados: Os resultados indicam que entre os 315 livros
na escola, a maioria versava sobre histórias de ani­mais (75 livros), fantasias
e mistérios (38), contos de fada e fábulas (34), aprendizagem formal (33),
aprendizagem de regras (33) e natureza e meio ambiente (22). As edu­­cadoras
relataram que a escolha dos livros era feita principalmente pela faixa etária
à qual os livros eram destinados, como tam­bém a partir dos temas presentes
nos textos e/ou ilustrações. Apesar das educadoras acreditarem que os livros
podem estimular a leitura das crianças, elas não descrevem seu uso em
atividades direcionadas e relatam falta de conhecimentos sobre a utilização
deles. Conclusão: A proposta de intervenção ofertada às professoras
possibilitou a elas o repensar do uso dos livros na pré-escola, instruindo-as
para a utilização dos livros visando estimular a fantasia, a criatividade e a
capacidade crítica e reflexiva das crianças.
UNITERMOS: Educação infantil. Literatura infanto-juvenil. Educação
continuada. Creches.
Ana Claudia Bortolozzi Maia – Professora do De­par­ta­
mento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação
em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendiza­­­­­
gem – Faculdade de Ciências – Unesp – Bauru/SP.
Lucia Pereira Leite – Professora do Departamento
de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem –
Faculdade de Ciências – Unesp – Bauru/SP.
Ari Fernando Maia – Professor do Departamento de
Psicologia – Faculdade de Ciências – Unesp – Bauru/SP.
Correspondência
Ana Claudia Bortolozzi Maia
Departamento de Psicologia – Faculdade de Ciências –
Universidade Estadual Paulista – Unesp
Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 – Bauru,
SP, Brasil – CEP 17033-360
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Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55
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Literatura e educação infantil
nas interações sociais que estabelece – a apro­
priação é concebida como característica típica
do gênero humano, possibilitada por intermédio
da sua participação nas atividades, por meio
das relações práticas e verbais; 2) o ser humano
desenvolve suas funções psicológicas superio­
res – linguagem, memória mediada, raciocínio
lógico-matemático, entre outras – ao longo do
seu desenvolvimento, formando sistemas cere­
brais que permitem novas formações mentais;
3) a linguagem ocupa lugar de destaque nas
formações mentais, pois possibilita à criança
adquirir, acumular e repassar os conhecimentos
já produzidos pela humanidade, em momentos
históricos distintos, implicando na formação dos
seus conceitos.
Nessa compreensão sobre aprendizagem, a
atuação do professor é fundamental para o desen­
volvimento da criança, uma vez que é no estabe­
lecimento das interações sociais no âmbito do
espaço escolar que se dá a mediação entre o uni­
verso de conhecimentos produzidos pelo mundo
adulto e a formação de conceitos na infância. Para
Vygotsky7, a mediação, no âmbito educacional,
pode ser entendida como um processo interacional
entre crianças e professores que leva à formação
de conceitos acadêmicos por intermédio da lin­
guagem, em particular, do uso e compartilhamen­­­to
de diversos códigos linguísticos.
Na educação infantil, o hábito de contar his­
tórias para crianças desde a tenra idade parece
ocupar um papel de destaque nas ações educa­
tivas, e deve ser visto como uma estratégia pe­­
da­­gógica importante para a promoção da leitura
e, consequentemente, no desenvolvimento edu­
cacional infantil8-11.
Constituída nas interações sociais, a narrativa
aparece como necessidade individual ou coletiva
de se registrar acontecimentos histórico-cultu­
rais, verdadeiros ou imaginários, permeados de
emoções, medos e fantasias. Para Zilberman12,
tais manifestações podem ser caracterizadas co­­­­
mo formas de linguagens presentes nas moda­
lidades orais e escritas, em diferentes gêneros
linguísticos, que circulam nas interações sociais
em sociedade.
INTRODUÇÃO
As escolas de educação infantil são hoje
con­­­sideradas espaços nos quais se visa a uma
educação plena e não apenas o cuidado das
crianças, de caráter puramente assistencialista1.
Tal premissa é relativamente nova, pois a Educa­
ção Infantil no Brasil só foi reconhecida e insti­
tucionalizada a partir da Constituição Federal de
1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), em 1990, e da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), publicada em 1996.
Após a promulgação desses documentos,
acon­­­teceram várias mudanças no processo de
ensino das crianças, desde o nascimento até a
idade pré-escolar. Assim, a educação infantil
passou a ser reconhecida legalmente como a
educação básica que tem por “finalidade o de­
senvolvimento integral da criança até seis anos
de idade, em seus aspectos físicos, psicológicos,
intelectual e social, complementando a ação da
família e da comunidade”2.
O Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (RCNEI), elaborado em 1998,
é um documento oficial do Ministério da Educa­
ção3, que orienta a proposta pedagógica de uni­
dades de ensino que atendessem esse público.
Nesse documento, há indicativos para subsidiar
o trabalho pedagógico realizado na Educação
Infantil, com proposições, por exemplo, sobre
procedimentos didático-metodológicos a serem
adotados pelos professores. Além disso, em 2006,
o Ministério da Educação, mais especificamen­
te a Secretaria da Educação Básica4, divulgou
os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a
Educação Infantil e, em 2009, outro importante
material, os Indicadores da Qualidade na Educação Infantil5, que ajudaram traduzir e detalhar
esses parâmetros de modo teórico-operacional,
para ofertar instrumental de apoio ao trabalho
dos educadores.
A psicologia histórico-cultural tem uma im­
portante contribuição nas práticas educativas na
pré-escola. Segundo essa abordagem teórica, o
desenvolvimento mental infantil parte de três
pressupostos básicos, de acordo com Leontiev6:
1) a criança se apropria do mundo dos objetos
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Maia ACB et al.
Em particular ao universo da literatura infan­
til, as histórias surgem como possibilidades da
criança vivenciar sensações de perda, de busca
pelo desconhecido, de tristeza, de desconforto,
de amor, raiva, dentre outras, levando-as a expe­
rimentar novas descobertas sobre o mundo e
sobre elas mesmas. Em conformidade com esse
posicionamento, entende-se que a criança que
entra em contato com as histórias infantis de­
senvolve seu imaginário, tornando-se, pouco a
pouco, um leitor em potencial. Nesse contexto,
o mediador terá papel de destaque na promo­
ção da leitura, pois nenhum conhecimento será
construído sozinho13.
Cabe, então, aos professores propiciarem
oportunidades no espaço escolar para que as
crian­­­­ças possam vivenciar os enredos, as tramas
e as fábulas presentes nas produções literá­
rias infantis, tão necessárias para a aquisição
de elementos linguísticos que subsidiarão o
desen­volvimento mental. Para que isso ocorra,
Martins14 pontua a importância da ação docente
nessa atividade, uma vez que é ele quem esco­
lhe a narrativa e o modo como irá apresentá-la.
Assim, deve atuar como mediador nesse pro­
cesso ou, nas palavras da autora, “como sujeito
ativo, que compartilha situações significativas
de leitura”.
A partir desses apontamentos, percebe-se que
existe uma preocupação nas políticas públicas
atuais em implementar propostas educacionais
preocupadas com o desenvolvimento infantil de
crianças com até seis anos de idade, por meio
da atuação dos professores que precisam, então,
considerar a criança como uma pessoa capaz
de desenvolver e aprender em ambientes de
estímulo e incentivo a essa interação. Um dos
recursos importantes para realizar esse objetivo
seria a utilização da leitura de livros infantis na
pré-escola.
Pensando nessas proposições, elaborou-se um
projeto de pesquisa e intervenção que pudesse
instrumentalizar educadores de uma pré-escola
para que eles analisassem de modo crítico os li­
vros infantis disponíveis e se utilizassem desses
materiais de maneira mais apropriada, como
re­­­cursos didático-metodológicos importantes
para o desenvolvimento cognitivo e emocional
das crianças.
Este texto apresenta os resultados obtidos
durante a realização do projeto de extensão
universitária desenvolvido que objetivou:
a) Observar, no cotidiano da pré-escola in­
vestigada, como os livros disponíveis são
utilizados pelas educadoras, abarcando
os seguintes aspectos: escolha dos li­
vros – se são escolhidos por tema, faixa
etária, ilustrações, e se há um objetivo
a ser alcançado com a escolha do livro;
se as leituras realizadas dos livros são
dirigidas ou livres, e qual a proposta com
que cada leitura é feita. Além disso, foram
observadas como são analisadas, nas ati­
vidades com os livros, as complexidades
que as histórias trazem, desde questões
de gênero, diversidade, até questões de
conduta moral – identificando a explora­
ção do livro a partir do gênero literário,
das ilustrações, do título e outros aspectos
de identificação;
b) Investigar com as educadoras como elas
justificam a escolha e o uso de livros in­
fantis, por meio da aplicação de questio­
nários;
c) Oferecer formação continuada às profes­
soras em relação ao uso psicopedagógico
dos livros infantis. A partir dos dados cole­
tados e da análise da literatura a respeito
da temática, foram ofertadas estratégias
para que as educadoras da pré-escola pu­
dessem analisar de modo crítico os livros
infantis disponíveis na escola e utilizá-los
de maneira mais apropriada, ou seja, a
sua utilização como recursos didáticos e
metodológicos importantes para o desen­
volvimento cognitivo e emocional das
crianças.
MÉTODO
A realização deste projeto ocorreu em 2009 em
uma escola de educação infantil, subsidiada por
uma universidade pública estadual. O projeto foi
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Literatura e educação infantil
com as crianças: história, figura, texto, função,
outros aspectos?; (6) Em geral, você tem faci­
lidade ou dificuldade em usar os livros com as
crianças? Por que?; (7) Você recebeu formação
para trabalhar com os livros infantis na gra­
duação em pedagogia/magistério?; e (8) Gostaria
de comentar alguma situação interessante que
viveu com as crianças quando usava os livros
infantis na escola?
Após uma avaliação dos dados de diagnósti­
co, foram planejadas e programadas as ativida­
des com as educadoras, almejando, sobretudo,
que elas pudessem refletir sobre a natureza dos
livros utilizados, sua finalidade e seu uso com
estratégias pedagógicas possíveis. As temáticas
propostas para o curso de formação continuada
foram elaboradas em dois eixos: moral e diver­
sidade, incluindo temas como família, regras,
sexualidade e gênero.
realizado com anuência da coordenadora, subdi­
vido em diferentes etapas: (1) observação siste­
mática sobre o uso dos livros infantis, além de um
levantamento dos livros existentes e disponíveis
na sala de aula; (2) aplicação de questionários
com as professoras sobre a escolha e a utilização
dos livros; e (3) proposta de formação continuada.
Participaram do estudo sete educadoras,
com idade variando entre 26 e 38 anos, as quais
tinham experiência no magistério em educação
infantil variando entre um a 15 anos. Cada edu­
cadora era responsável por um grupo de crian­
ças, distribuídas em idades diferentes, de qua­tro
meses a seis anos, variando então do grupo do
berçário até o grupo 6. A última etapa do pro­­­­
je­to – formação continuada – contou também
com a presença da coordenadora da pré-escola.
A observação foi realizada ao longo de três
meses, alternando os períodos entre manhã e tar­
de e todos os grupos de crianças da escola foram
observados. A observação ocorria por meio da
presença das alunas bolsistas na escola, seja na
sala das crianças ou durante as atividades rea­
lizadas no ambiente da escola, e o levantamento
sobre o acervo dos livros ocorreu no mesmo pe­
ríodo. A intenção era saber quais eram os livros
existentes na escola, sua quantidade, disponibi­
lidade e, em especial, quais eram as referências
para a sua aquisição e como eram escolhidos e
apresentados às crianças. Investigou-se ainda
como os livros eram utilizados como um recurso
didático-pedagógico durante o planejamento e
execução das atividades com os pré-escolares.
Depois dessa observação, foram aplicados
ques­­tionários com as professoras, com as se­
guintes questões abertas: (1) Quem escolhe a
aquisição dos livros que tem na escola? Princi­
palmente os da sua sala?; (2) Como se escolhem
os livros que serão adquiridos? (Todo ano se com­­
pram livros? Quais livros? Quantos? Por que se
compram os livros?); (3) Como costuma usar os
livros infantis na escola com as crianças da sua
sala?; (4) Você costuma planejar antes o uso de
algum livro para um fim específico ou o livro é
um recurso auxiliar para outras atividades?; (5)
O que você prioriza na escolha do livro que usa
RESULTADOS
Observação sistemática da utilização dos
livros e levantamento do acervo literário
escolar
A observação geral em todos os grupos sina­
lizou que os livros ficavam dispostos em estantes
nas respectivas salas de aula, ao alcance das
crianças, e as instruções que se seguiam relati­
vas ao uso era de manuseá-los somente com a
permissão da professora. Em alguns momentos,
as crianças manipulavam os livros para ver as
figuras, ou ainda, quando as estagiárias ma­
nuseavam os livros, as crianças se mostravam
curiosas a respeito das suas histórias. Na maioria
das vezes, o manuseio espontâneo do livro por
parte das crianças ocorreu em horários livres ou
quando as educadoras estavam ocupadas com
alguma tarefa e, então, deixavam que as crianças
pegassem os exemplares. Foi possível observar
que, quanto mais novas eram as crianças, menor
era o contato físico delas com o livro. Muitas
vezes, esse distanciamento foi justificado pelas
educadoras em virtude de as crianças mais novas
rasgarem os livros – fato que pôde ser observado,
pois vários exemplares estavam rasgados, sem
capa ou faltando páginas.
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Presenciaram-se algumas atividades dirigi­
das com o uso dos livros, nas quais tanto ocorreu
uma mera leitura do livro, ou seja, não se foi
além da contação da história e apresentação
das figuras com crianças de dois anos, como,
em outro grupo, crianças de seis anos, a leitu­
ra dirigida foi relacionada com outras leituras
anteriores realizadas no grupo. Também houve
espaço para imaginar as cenas do livro (que não
possuíam figuras), para refletir acerca da histó­
ria, para comentar a respeito do autor (no caso
Monteiro Lobato), como também para avaliar a
atividade proposta na sequência. Após o perío­
do de observação, as estagiárias continuaram o
levantamento do acervo literário da pré-escola,
durante os meses seguintes.
O levantamento do acervo literário da pré­
-escola revelou que a maioria dos livros versava
sobre histórias de animais (75 livros), fantasias e
mis­térios (38 livros), contos de fada e fábulas (34
livros), aprendizagem formal (33 livros), apren­
dizagem de regras (33 livros) e natureza e meio
ambiente (22 livros). Foi observado que poucos
livros faziam referência a conflitos infantis ou
familia­­­­­res, apresentando personagens humanos
(crianças, pais, outros familiares), discutindo
ques­­­­tões psicológicas e sociais tão importantes
no cenário atual. Muitos livros não constam de
informações importantes, como o autor e a na­
cio­­­­­nalidade e, ainda, 160 deles estavam em mau
estado (fato alertado pelas educadoras com seus
alunos, demonstrando que o descuido ou o mau
uso dos livros pode torná-los inutilizáveis). A
Tabela 1 apresenta a categorização dos livros da
pré-escola.
Tabela 1 – Categorização dos livros
da pré-escola quanto ao conteúdo temático.
Conteúdo temático dos livros
Quantidade
Livros temáticos: histórias de animais
75
Ficção: fantasia, mistério, aventura
38
Contos de fada e fábulas
(tradicionais e modernos)
34
Aprendizagem formal:
formas, cores, números, letras,
resolução de problemas
33
Aprendizagem de regras:
educação, higiene, condutas morais
33
Natureza, meio ambiente e ecologia
22
Aspectos sociais na infância:
solidão, preconceito, solidariedade,
deficiência, amizade
16
Folclore brasileiro, cultura popular
e outras culturas
12
Livros temáticos: a família
11
Livro sem texto escrito
9
Livro-interativo:
livro-brinquedo, para pintar
8
Poesia, poemas, rimas
8
Livros de humor:
diversão em situações cotidianas;
personagens engraçados
7
Arte e música
4
Livros temáticos: tempo
3
Histórias bíblicas
2
Total
315
Al­­­gumas delas afirmaram escolher os livros
após terem observado neles principalmente os
seus conteúdos, as figuras, ou ainda a sua parte
textual. Outras relataram priorizar o objetivo da
atividade e focar especificamente na faixa etá­
ria, para poder avaliar quais características dos
livros seriam mais atrativas para as crianças. A
aquisição de livros novos ocorria todos os anos
e a responsabilidade da compra era dos pais das
crianças, a partir de uma lista encaminhada pela
educadora do grupo a cada família.
A presença de livros na sala de aula foi justi­
ficada pelas professoras por ser um incentivo à
Levantamento de informações junto às edu­
cadoras
A análise das respostas nos questionários
com as educadoras relevou dados interessantes
que foram elencados por temas, conforme o
disposto abaixo.
Segundo as professoras, a escolha dos livros
era realizada por elas com a colaboração da
coordenadora da escola, considerando principal­
mente a faixa etária à qual seriam destinados,
como também os temas presentes nas obras.
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Literatura e educação infantil
leitura; elas reconheceram que, como as crianças
ainda não lêem, o objetivo dos livros ficarem
dispostos na sala seria o de desenvolver nelas
o gosto por histórias e pelo manuseio de livros.
Também relataram que os livros eram destina­
dos principalmente à realização de atividade de
leitura livre ou dirigida, ou ofertados após a rea­
lização de alguma outra atividade. Assim, existia
um planejamento da utilização dos livros, mas
estes não seguiam um padrão. As educadoras
ora escolhiam os livros de acordo com a neces­
sidade gerada por certas situações (por exemplo,
aprender a compartilhar brinquedos, utilizando
alguma história que tratasse do assunto), ora sem
motivo aparente (quando o tema da história era
aleatório), ou ainda afirmaram que as atividades
com livros estavam no planejamento de ensino,
porém não sabiam especificar como eram reali­
zadas as atividades. Entretanto, algumas delas
relataram ler com antecedência os livros para
procurar aproveitá-los como recursos auxiliares
para abordar temas que já estivessem em pauta,
e também que retomavam os temas lidos em
outros momentos.
Algumas educadoras tiveram dificuldades em
pontuar quais foram as situações específicas em
que foram utilizados livros em suas atividades
cotidianas, relatando que os utilizam o tempo
todo. Entretanto, a maior parte relatou que se
utilizava do livro como recurso auxiliar em pro­
jetos específicos, como educação nutricional,
utilização da água, sobre natureza e sociedade
e/ou meio ambiente. O número expressivo de
livros relacionados ao tema “animais e meio
ambiente” pode ser explicado pelo uso nestes
projetos, embora as professoras não tivessem
sinalizado que a compra dos mesmos tenha sido
com esta finalidade.
Todas as educadoras afirmaram que havia
momentos em que as crianças escolhiam livre­
mente os livros na sala de aula e, em outros, a
escolha era feita pela professora – conforme os
objetivos da atividade que estava sendo realiza­
da. Segundo as próprias, as crianças escolhiam
os livros na maioria das vezes, embora sempre
sendo observadas pela professora.
Quanto à formação acadêmica que recebe­
ram na sua graduação para utilizar livros na
pré-escola, algumas educadoras responderam
sumariamente que sim (indicando que tiveram
formação acadêmica para trabalhar com livros),
outras relataram concordância, mas declararam
que a formação foi pouca ou insuficiente, e ou­
tras responderam que receberam formação sobre
a utilização dos livros em projetos específicos.
Em geral, as educadoras relataram ter fa­
cilidade no trato pedagógico com os livros, ar­
gumentando que a leitura era um momento de
encantamento, em que a fantasia e a imaginação
estavam em evidência, ou então que se sentiam
à vontade para contextualizar as histórias e
utilizá-las como auxílio nos temas trabalhados
nos grupos.
Realização do curso de formação continuada
para educadores
Foram realizados encontros de formação com
as educadoras, conduzidos pelas estagiárias,
com a supervisão dos coordenadores do projeto.
O reduzido número de encontros foi decorrente
da dificuldade em estabelecer horários comuns
para atividades desta natureza no ambiente
escolar. Nos encontros, foram discutidas as se­
guintes questões:
a) Educação como meio para o desenvol­
vimento do pensamento crítico que gera
autonomia dos sujeitos: a meta foi a de
promover um debate com as educadoras,
evidenciando que o conhecimento gerado
pela escola deve ser crítico, permitindo
que os sujeitos possam ter contato com
as mais diversas experiências, seja pela
própria vivência pessoal ou dos outros –
como é no caso da literatura;
b) Coerção na Educação: o caráter coerciti­
vo, muitas vezes praticado nos ambientes
educacionais, foi repensado como uma
ne­cessidade para que os sujeitos apren­
dam a viver coletivamente. Entretanto, a
Educação não deve ser vista unicamente
por esse lado, mas também pelo seu ca­­
ráter humanista, que aponta para a au­­­
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cas, que aqui irá se chamar de moral da
história fechada. A história fechada não
permite que o sujeito pense em outras
possibilidades de resolução dos proble­
mas da história, outras consequências
para as ações ou ainda que ele compreen­
da a necessidade das regras sociais e as
siga a partir desta compreensão (e não
pelo medo de deixar de segui-las). Ainda,
pode criar uma identificação falseada da
realidade, pois geralmente as histórias de
moral fechada são dicotômicas, dividindo
o mundo entre sujeitos bons e sujeitos
ruins. Entretanto, foi demonstrado que
o professor pode trabalhar a história de
moral fechada, proporcionado à criança
um espaço para que ela pense e diga a
respeito do que ouviu, leu, e aprendeu –
identificando o que ela concorda e dis­
corda, e os porquês implicados. Por outro
lado, as histórias com a moral aberta per­
mitem que o sujeito se coloque no lugar
do personagem, tentando encontrar uma
adequação entre o seu desejo pessoal e
as possibilidades saudáveis de realizá-lo
na sociedade, para que a coletividade não
seja prejudicada – tampouco o próprio
sujeito. Exemplos disso são histórias que
pedem à criança: uma resolução para o
problema apresentado (o final da histó­
ria), um questionamento acerca da con­
duta dos personagens e onde as condutas
destes os levaram, uma reflexão sobre os
dilemas humanos, sejam externos (dos
perigos do mundo) ou internos (dos pe­
rigos de si mesmo), dando oportunidade
para que ela pense a respeito deles e
encontre uma solução, seja sozinha ou
com a ajuda de um adulto, no caso do
professor. Histórias assim direcionadas
propõem que deve haver uma conduta
moral a ser adotada pelas crianças, mas
que seja algo pensado, refletido e esco­
lhido por elas. A discussão das histórias
não deve ser guiada moralmente pelo
educador, mas pode ser debatida, dis­
tonomia dos sujeitos. Pensar na educação
e em sua função implica pensar em quais
situações devem-se coibir os desejos
dos sujeitos, em quais outras se deve
permiti-los e em que momento é possível
produzir uma discussão reflexiva sobre a
necessidade da coerção e do adiamento
da realização dos desejos;
c) Concepção de infância: debateu-se que
concepções de infância estão relaciona­
das à infância – ora a criança é colocada
como suficientemente boa, ingênua, cor­
ruptível e, portanto, alguém a ser protegi­
do dos males da sociedade e das tragédias
humanas; ora a criança é vista como de
toda má, com instintos que devem ser re­
primidos, para que ela se torne um bom
cidadão, um adulto aceitável e adaptado.
Esta cisão, entre a criança boa e a criança
má, esconde as contradições da realidade
humana, pois somos, todos, em parte bons
e em parte maus, gerando assim uma de­
fasagem na sua formação ética, ao deixar
de tratar de seus dilemas “sombrios” (seus
desejos ruins e os males do mundo) e ao
não respeitar sua autonomia (quando não
há espaço para a criança colocar o que
ela pensa a respeito das coisas, o que ela
de­seja para si, o que é mais importante
para ela, por exemplo), adota-se uma ati­­
tude paternalista que camufla conflitos e
dificulta o desenvolvimento da reflexão
sobre si mesmo e sobre o mundo;
d) Moral das histórias: refletiu-se sobre o
ensino de uma conduta moral, apontando
que, seja ela boa ou má, seja ela rígida
ou flexível, é uma coerção dos impulsos
humanos, pois estabelece limites às rea­
lizações das vontades dos sujeitos na
convivência com os outros. As histórias
dos livros carregam sempre uma conduta
moral, sobre o que é considerado bom e
agradável (o certo) e do que é considerado
prejudicial e infame (o errado). A grande
tradição das histórias infantis é de haver
sempre uma moral com conclusões úni­
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Literatura e educação infantil
pai, mãe, irmão, avós) por meio de nossas
instituições sociais e a reprodução desse
modelo nas salas de aula, por meio de
um tratamento às crianças baseado numa
concepção de “normalidade” das suas
famílias – ou seja, ter necessariamente pai
e mãe coabitando juntos, por exemplo – e
como o uso de histórias infantis possibi­
litaria abarcar o tema da diversidade,
construindo um pensamento crítico sobre
o ideal de “normalidade” nas concepções
de família. Outros livros que podem tra­
balhar tal tema foram apresentados para
as educadoras, tais como Minha família é
colorida (Georgina Martins), Menina bonita do laço de fita (Ana Maria Machado)
e Os meninos verdes (Cora Coralina);
f) Sexualidade Infantil – relatou-se que a
temática da sexualidade é encarada com
desconforto por grande parte das pessoas,
e que as indagações infantis são tratadas
com respostas ambíguas ou ainda omis­
sões, nas quais geralmente se reproduz
a dificuldade que pais, educadores e as
autoridades tiveram para respondê-las
em momentos decisivos no processo
de desenvolvimento. Discutiu-se que a
sexualidade não abarca somente o sexo,
mas também as questões de gênero, afeto,
carinho, prazer, entre outras. Por exem­
plo, nas questões de gênero, foi refletido
como os estereótipos são reproduzidos na
literatura infantil utilizada no cotidiano
escolar, na utilização de cores e brinca­
deiras mais “adequadas” para meninos
e meninos, inferência de habilidades
típicas de cada gênero, curiosidade das
crianças a respeito de conhecimento de
seu próprio corpo e do corpo de outrem,
os papéis de gênero apresentados nos li­
vros e nas narrativas. Foram apresentados
para as educadoras alguns exemplos de
bibliografia para serem trabalhados em
sala de aula sobre este assunto - Menino
brinca de boneca? (Marcos Ribeiro), Ceci
tem pipi? (Thierry Lenain), Convivendo
cutida, construída. Portanto, a educação
deve direcionar os sujeitos a pensar por si
mesmos e a colocar-se no lugar do outro,
a fim de que eles encontrem maneiras
saudáveis, sociavelmente aceitas de rea­
lizar seus desejos, podendo renunciar a
parte destes em prol da coletividade, ou
seja, seguindo as regras sociais por com­
preender a necessidade destas, por meio
da reflexão e construção de pensamento e
leitura crítica da realidade. Para dar conta
da reflexão das temáticas, foi solicitado
que as educadoras trouxessem para o
cur­so quaisquer livros do acervo de seu
grupo que quisessem. Após as discussões
realizadas durante o curso, foi pedido que
elas mostrassem os livros escolhidos e que
pudessem então discernir as questões
de moral aberta e fechada a partir dos
próprios materiais que elas dispunham.
Também foram apresentadas às educa­
doras as possibilidades de se trabalhar
histórias de moral fechada, de modo
mais aprofundado (mesmo histórias sem
dilemas e conflitos), levando as próprias
crianças a refletir o conteúdo do livro
(questionar se a história do livro é igual
na vida real, propor outro fim para a his­
tória, discutir a atitude dos personagens
etc). Pediu-se para que elas relatassem
suas dificuldades em trabalhar os livros
com as crianças, a fim de que o trabalho
das estagiárias fosse enriquecido com
relatos de quem faz a prática do cotidia­
no escolar e, por fim, pudessem avaliar o
encontro;
e) Conceito de família: foi discutida a impor­
tância de se pensar as várias formações de
família e que ainda se reproduz um mode­
lo rígido e idealizado de família em várias
instituições. Para isso, foi solicitado que
as educadoras relatassem suas impres­
sões sobre o que era uma família e, com o
uso do livro A história de cada um (Juciara
Rodrigues), foi discutida a construção do
estereótipo de uma família ideal (com
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Maia ACB et al.
sendo desmerecidos na pré-escola, talvez pela
concepção de que as crianças “ainda não lêem”
ou ainda pela defasagem nos cursos de formação
de pedagogas e educadoras que não trabalham
profundamente tal questão.
Apesar disso, o interesse aparente das edu­
cadoras pelo uso dos livros seria um elemento
forte para que propostas de formação continuada
sobre esses temas pudessem se constituir com
práticas comuns na pré-escola15. As educadoras
se mostraram entusiasmadas com a proposta de
formação continuada ofertada, relatando que
passaram a atentar para outros aspectos das
histórias que elas trabalhavam, nunca antes
percebidos. Alguns desses apontamentos foram:
a dificuldade de trabalhar histórias com crianças
muito pequenas, de que as crianças vivenciam
as histórias com mais complexidade do que se
espera quando o livro apresenta uma moral da
história, rígida e normativa e, ainda, de que há
crianças que, na leitura dos livros, relatam his­
tórias pessoais nas quais sofreram algum tipo
de coerção moral. Isso faz crer que as questões
trabalhadas no curso foram refletidas pelas
professoras e, em alguma medida, puderam
ser relevantes, talvez por se tratar de assuntos
importantes e cotidianos. Percebeu-se, também,
que as discussões foram baseadas em exem­
plos vivenciados na realidade investigada, e os
relatados apontavam dificuldades pessoais no
tratamento escolar, especialmente em questões
que abordavam sexualidade ou entendimento
sobre a diversidade – como as situações em que
as crianças reproduziam ações preconceituosas
de racismo ou, ainda, concepções tradicionais
do que seja família.
Na maioria dos casos relatados, a escolha
e a utilização dos livros não se basearam pre­
viamente em uma proposta pedagógica e nem
eram considerados como recursos que poderiam
ser usados sob várias temáticas e retomados sob
outras perspectivas, estimulando a apropriação
de conteúdos simbólicos7 por parte das crian­
ças que, segundo Vieira11, se interessam por
curiosidade pelo mundo fantasioso e imaginário
presentes nas narrativas, possibilitando o desen­
com meninos e meninas (Guia da Crian­
ça Cidadã, Unicef), Menino ou Menina:
João ou Joana? (Luísa Veiga, Filomena
Teixeira, Fernanda Couceiro).
Os resultados da observação realizada na
escola foram apresentados às educadoras e
à coordenadora da pré-escola, na tentativa de
ajudá-las a sanar as dificuldades apontadas. O
mesmo procedimento foi adotado sobre o levan­
tamento do acervo literário realizado, fato visto
pelas educadoras como elemento enri­quecedor
no trabalho de sala de aula, pois muitas rela­
taram não ter tempo de analisar os livros que
existem em suas salas de aula e assumiram
desconhecer o acervo geral da escola, o que
permitiria trocas de exemplares entre as salas
dos diferentes grupos.
DISCUSSÃO
Os dados obtidos com os questionários
indicaram que as educadoras apreciam o uso
dos livros nas atividades cotidianas de sala de
aula, mas que a maioria delas não tem alguma
formação específica acerca da literatura infan­
til – relataram ter utilizado os livros com suas
crianças, mesmo que esporadicamente. Segun­
do o relato das educadoras, as atividades com
os livros despontam como sendo insuficientes,
por não haver um planejamento sistematizado e
contínuo a longo prazo. Por exemplo, temas que
se entrelaçam e que poderiam ser trabalhados,
tais como diversidade (de família, de gênero,
classe social, religião, entre outros), poderiam
ser retomados durante o ano letivo com o uso de
histórias recontadas e reelaboradas.
Os dados também demonstram um desconhe­
cimento por parte das educadoras sobre essas
possíveis análises e tal fato pode ser explicado
por uma cultura local escolar que ainda pouco
valoriza o uso dos livros como um importante
instrumento pedagógico que pode gerar auto­
nomia dos sujeitos. Evidentemente, os livros
podem ter um caráter de entretenimento, mas,
embora seja muito importante esse elemento
lúdico da literatura, ela poderia ser utilizada em
vários outros aspectos pedagógicos que acabam
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55
152
Literatura e educação infantil
volvimento de importantes construções mentais.
Ziberman12 também afirma que o uso de livros
na educação infantil pode ampliar a capacidade
infantil imaginativa. Nesse sentido, o uso dos
livros extrapola a finalidade de alfabetização,
podendo ser usado pelo adulto mediador como
um meio prazeroso de estimulação de futuros
leitores. Esse adulto, como afirma Martins14, não
se resume a um mero narrador, mas alguém ativo
que estimula na educação infantil a possibilida­
de das várias significações da leitura e o desen­
volvimento de conhecimentos, interpretações e
reflexões críticas. Por isso, o adulto – no caso, o
professor – deve assumir a responsabilidade sob
o uso dos livros na pré-escola desde a escolha
deles, a forma como usam e suas finalidades.
literário da pré-escola e da realização dos en­
contros de formação continuada, aponta para
a necessidade de aprofundamento da temática
com os educadores de pré-escola. Os livros
infantis existem nas pré-escolas, mas, muitas
vezes, constituem um recurso subaproveitado
pe­los educadores, que não utilizam o rico po­
tencial dos livros infantis em favorecer junto às
crianças o diálogo sobre questões psicossociais
importantes na infância. Almeja-se, com esta e
outras propostas extensionistas, oferecer supor­
te teórico-prático aos educadores de crianças
para ampliar suas reflexões sobre a natureza
ou tipologia dos livros, assim como seu preparo
em utilizá-los, para que possam refletir sobre
as propostas de atividades que diversifiquem
o uso dos livros infantis nas salas de aula da
pré-escola, considerando a infância como um
importante período da vida em que o contato
com livros pode ser tão enriquecedor para seu
desenvolvimento humano.
CONCLUSÃO
A análise geral do desenvolvimento das ações
do projeto, desde o levantamento do acervo
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55
153
Maia ACB et al.
SUMMARY
The use of literature in early childhood education: investigation and
intervention with preschool teachers
Introduction: The children’s schools are expanded spaces of education
and care for infants. The educator’s role as mediator in learning is crucial to
child development, and the use of children’s books can act as an important
methodological and pedagogical resource in this process. Methods: This
paper describes a psychoeducational intervention performed with the
educators of a public pre-school with the following objectives: (a) register
the collection of children’s books of the school, (b) investigate the acquisition
and use of children’s books by the teachers and (c) offer an intervention to
teachers regarding the educational use of children’s books. The participants
were seven educators who worked with children from 2 to 6 years old.
Results: The results indicate that among the 315 books in the school, the
majority was about animal stories (75 books), fantasy and mystery (38), fairy
tales and fables (34), formal learning (33), learning rules (33) and about nature
and environment (22). The educators reported that the choice of books was
made mainly considering the age group to which the books were directed,
and also from the themes found in texts and/ or illustrations. Although the
teachers believe that the books can encourage reading among children,
they don’t describe their use in planned activities and they report lack of
knowledge about their use. Conclusion: The proposed intervention to the
teachers allowed them to rethink the use of books in pre-school, instructing
them to the utilization of the books aiming to stimulate the imagination and
creativity, improving the critical and reflexive capability of the children.
KEY WORDS: Child rearing. Juvenile literature. Education, continuing.
Child day care centers.
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Literatura e educação infantil
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Estadual Paulista de Formação de Educado­­
res; 30 ago-3 set 2009; Águas de Lindóia,
BR, São Paulo:Universidade Estadual Pau­
lista Júlio de Mesquita Filho; 2009. p.617787. 1 CD-ROM.
Trabalho realizado no Departamento de Psicologia
da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), Bauru, SP, Brasil. Este trabalho deriva
do projeto de extensão universitária “A re-lei­tura de
livros infantis como estratégia de formação con­ti­
nuada de professores de uma pré-escola” (Processo
n. 5627/2008), que teve como colaboradoras: Priscila
Sayuri Oliveira Fukuda e Tatiana Koschelny Pereira,
alunas do curso de Psicologia e bolsistas da Pró-reitoria
de Extensão da Unesp (PROEX), na época do estudo,
que auxiliaram na coleta de dados.
Artigo recebido: 3/4/2011
Aprovado: 11/7/2011
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55
155
FARTIGO
igueiredoORIGINAL
MO et al.
Mães de crianças com baixa visão:
compreensão sobre o processo de
estimulação visual
Mirela de Oliveira Figueiredo; Roberto Benedito de Paiva e Silva; Maria Inês Rubo Nobre
RESUMO – Objetivos: Analisar como mães de crianças com baixa visão
compreendem o processo de estimulação visual de seus filhos e o percurso
ao serviço de intervenção terapêutica. Método: Este estudo se caracteriza
como uma pesquisa qualitativa. Foram entrevistadas 11 mães de crianças
com baixa visão atendidas pelo Serviço de Estimulação Visual do Setor de
Oftalmologia do Hospital de Clínicas da Unicamp. Para a coleta dos dados
foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas. Os tópicos principais da
entrevista foram: compreensão das mães a respeito do encaminhamento para
a estimulação visual, percurso e condições para comparecer aos atendimentos
de estimulação visual e a importância da estimulação visual. Resultados:
Algumas mães referiram que não lembravam, não sabiam, ou até alegaram
que não foram informadas do porque foram encaminhadas ao serviço de
estimulação visual. As mães conseguem entender gradativamente a situação
do filho, na medida em que têm contato com os profissionais que estão
in­tervindo no processo de estimulação visual da criança. O percurso para
chegar aos atendimentos apresenta variações de acordo com as condições
financeiras e de transporte. A maioria das mães considera os pequenos
progressos, parece entender que a aprendizagem dos filhos é gradativa e
a importância de dar continuidade à estimulação em casa. Conclusão: A
compreensão das mães sobre a importância da estimulação visual para o
desenvolvimento do filho com baixa visão foi construída gradativamente,
na medida em que vão sendo orientadas pelos profissionais do serviço de
estimulação visual e percebendo progressos no desenvolvimento do filho.
UNITERMOS: Baixa visão. Estimulação visual. Compreensão. Mães.
Mirela de Oliveira Figueiredo – Doutoranda em Edu­
cação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação Especial do CECH/UFSCAR, Bolsista do
CNPq até submissão.
Roberto Benedito de Paiva e Silva – Professor Doutor do
Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof.
Dr. Gabriel Porto”, FCM/UNICAMP.
Maria Inês Rubo Nobre – Professora Doutora do Centro
de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr.
Gabriel Porto”, FCM/UNICAMP.
Correspondência:
Mirela de Oliveira Figueiredo
Rua Boa Morte, 1246 – Centro – Limeira, SP, Brasil –
CEP: 13480-754
E-mail: [email protected]
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
156
Mães de crianças com baixa visão
uma melhor adaptação da capacidade visual à
eficácia na visualização8.
O papel que o ambiente externo representa
no desenvolvimento infantil é de extrema importância e pode variar dependendo da idade
da criança. À medida que esta se desenvolve, o
seu ambiente também muda, o que consequentemente causa uma alteração na forma como se
relaciona com ele. O ambiente do recém-nascido
é composto pela sua rede familiar, no qual todas
as suas necessidades serão satisfeitas por meio
dos cuidados advindos principalmente da figura
materna. Para o recém-nascido, o mundo que se
relaciona imediatamente com ele é um mundo
limitado e ligado aos fenômenos conectados ao
seu corpo e aos objetos que o rodeiam intermediados pela mãe e/ou pai9,10. Gradualmente este
mundo começa a se ampliar, incluindo a creche
e/ou a escola, onde a criança passará também
grande parte do seu dia3,11. A forma como a fa­­­mília
reage perante as dificuldades do filho que apresenta uma deficiência pode auxiliar ou influir
no agravamento das mesmas. A dificuldade em
aceitar o filho e a sua deficiência gera conflitos internos na mãe, que acabam se refletindo
no comportamento da mesma em lidar com a
criança, o que pode vir a prejudicar o próprio
desenvolvimento do filho12-14. Os pais usualmente não têm consciência de que seus próprios
sentimentos em relação às dificuldades do filho
podem servir como obstáculo às oportunidades
para o desenvolvimento saudável da criança10.
A literatura tem apontado que nessas famí­
lias há maior incidência de estresse quando
com­­­paradas às famílias de crianças com desenvolvimento típico15-17. Além disso, existe uma
discrepância entre a reação da família e as reais
limitações da criança13. A forma como os pais
compreendem as dificuldades dessas crianças
está relacionada com o nível de conhecimento
que possuem sobre a própria dificuldade, aliado
ao significado que esta dificuldade representa
para ambos. A atribuição de um significado a
algo ocorre por meio da elaboração mental do vi­­­­
vido segundo os sentimentos, vínculos e valores
presentes e desencadeados no indivíduo18. Os
INTRODUÇÃO
A história da deficiência visual na humanidade é comum a todos os tipos de deficiências. Os
conceitos foram evoluindo conforme as crenças,
valores culturais, concepção de homem e transformações sociais que ocorreram nos diferentes
momentos históricos1. Na atualidade, a concepção de deficiência visual compreende uma
situação de diminuição da resposta visual, em
diferentes graus, mesmo com tratamento clínico
e/ou cirúrgico e uso de lentes convencionais, englobando a cegueira e a baixa visão como causas
para esta deficiência. Durante muito tempo os
indivíduos com baixa visão foram erroneamente
diagnosticados como cegos. O reconhecimento
da baixa visão como comprometimento distinto
da cegueira traz uma nova forma de compreen­
der a deficiência e o seu portador, abrindo caminhos para novas medidas reabilitacionais2-4.
O período entre o nascimento e os primeiros
anos de vida se caracteriza como determinante
no desenvolvimento da criança, pois corresponde ao momento em que o organismo está pronto
para receber e utilizar os estímulos ambientais,
reunindo condições satisfatórias para a aquisição
e o desenvolvimento das diferentes funções5.
O desenvolvimento do potencial visual em
crianças com baixa visão raramente ocorre de
maneira espontânea e automática. Faz-se necessária a realização de orientações e atividades
que auxiliem e estimulem o processo de dis­cri­
minação entre formas, contornos, figuras e símbolos. A busca contínua com os olhos permite à
criança com alteração visual a identificação de
detalhes antes despercebidos, levando à aquisição de noções perceptuais reais, das várias
formas existentes no universo visual no qual
está inserida6,7. A estimulação visual na infância
é um processo que promove o desenvolvimento
funcional da visão e os aspectos psicomotores,
afetivos e sociais da criança. Dessa forma, a
criança com baixa visão necessita da estimulação visual desde os primeiros anos de vida. Esta
estimulação consiste em desenvolver e utilizar o
resíduo visual, pois, quanto maior for o seu uso,
mais funcional será o seu resultado, propiciando
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
157
Figueiredo MO et al.
seres humanos atribuem significados a todos os
fenômenos que vivenciam. O significado tem uma
função estruturante crucial para os indivíduos e
para a vida dos grupos. Através dos significados
atribuídos pelo homem, este organiza a sua vida,
inclusive a própria saúde19.
Como já referido, para ocorrer um crescimento físico e emocional saudável da criança
com baixa visão, esta necessita de estimulação
desde seus primeiros momentos de vida. Para
que o ambiente familiar seja estimulante, os
pais necessitam de apoio de profissionais especializados, que possam esclarecer suas dúvidas e orientar quanto ao desenvolvimento da
criança e suas necessidades8,9,20. Neste sentido,
é primordial que estas famílias sejam acolhidas,
ouvidas e recebam um suporte que propicie o desenvolvimento de práticas parentais favo­ráveis
ao desenvolvimento dessas crianças, sendo que
para tal é necessário verificar e analisar a forma como as mães de crianças com baixa visão
compreendem o processo de estimulação visual
de seus filhos.
atendidas pelo Setor de Estimulação Visual do
Serviço de Visão Subnormal Infantil (SVSNI)
do Ambulatório de Oftalmologia do Hospital de
Clínicas de Campinas – S.P (HC – UNICAMP),
constituiram a amostra deste estudo.
A amostra deste estudo foi construída de forma intencional e por saturação. Na amostragem
intencional há a escolha de um pequeno número
de pessoas com características similares que
compõem um grupo com representatividades
ligadas aos objetivos do estudo. Na amostra por
saturação entende-se que o pesquisador encerra
a coleta de dados quando as informações coletadas se tornam reincidentes19.
Para a seleção das participantes da pesquisa, foram consideradas mães ou responsáveis
de crianças com o diagnóstico de baixa visão,
independente da gravidade do caso, que estives­
sem em atendimento no SVSNI e no Serviço de
Estimulação Visual.
Iniciou-se a seleção das participantes em
novembro de 2005, encerrando em setembro de
2006. Na medida em que ocorriam as entrevistas, estas foram transcritas, realizando-se uma
análise preliminar dos dados. Desta forma, na
11ª entrevista, verificou-se que alguns dados
já estavam repetitivos, sendo considerado que
havia número suficiente de entrevistas para
responder aos objetivos da pesquisa.
Questões como a caracterização sociocultural
das participantes, assim como a caracterização
da criança com baixa visão, foram levantadas
nas entrevistas e nos prontuários, a fim de auxiliar na contextualização e na interpretação dos
achados no estudo.
A idade das participantes situou-se entre 22
a 52 anos. Oito das participantes concluí­ram o
Ensino Fundamental e três não o concluí­­­­­ram. Três
concluíram o Ensino Médio e uma delas não o
concluiu. À época da realização do estudo, as
mães eram donas de casa, sete já tiveram uma
profissão, sendo que três pararam de trabalhar
para cuidarem dos filhos e quatro nunca tra­
balharam fora de casa. Quanto ao es­­­­tado civil,
nove eram casadas e duas pos­s uíam união
estável. Em relação a filhos, cinco tinham filho
MÉTODO
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa
qualitativa. A abordagem qualitativa con­­­sidera
que o sujeito vive em determinada condição e
classe social, têm suas crenças, valores e significados, é complexo, contraditório, inacabado e em
permanente transformação21. O estudo qualitativo
busca uma compreensão particular daquilo que
estuda, não se preocupa com generalizações. O
foco da atenção neste tipo de pesquisa é o específico, o peculiar, o individual, almejando sempre
a compreensão dos fenômenos estudados19.
A teoria da análise de conteúdo foi adotada
como referencial teórico para desvendar os conteúdos particulares e inerentes de cada participante e as continuidades e reincidência destes
conteúdos dentro da amostra estudada referente
à temática abordada22.
Participantes do estudo
Mães ou responsáveis de crianças com baixa visão, com idade entre zero a quatro anos,
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
158
Mães de crianças com baixa visão
único, quatro mães, dois filhos e duas, três
filhos. Quanto à situação econômica, seis famílias possuíam renda mensal de três a quatro
salários mínimos e cinco famílias, de um a dois
salários mínimos.
Em relação ao local de moradia, oito participantes eram da região de Campinas e três do
sul de Minas Gerais.
Em relação aos filhos, oito crianças eram do
sexo masculino e três, do sexo feminino. A ida­de
das crianças estava entre um mês e quatro anos.
Observa-se que o início dos atendimen­tos no
SVSNI ocor­reu entre um dia de vida a dois anos
e três meses. Sendo assim, o tempo de atendi-
mento recebido por elas variou também de um
mês a três anos e oito meses de atendimentos
seguidos (Tabela 1).
Procedimentos
Como instrumento para coleta dos dados foi
utilizada entrevista semi-estruturada. Este tipo
de entrevista, comumente utilizada em pesquisas qualitativas, permite que o entrevistado
res­ponda às questões da pesquisa com liberdade
e espontaneidade, ao mesmo tempo em que se
mantém a linha de pensamento do pesquisador
com o roteiro pré-elaborado23.
Tabela 1 – Dados das crianças com baixa visão.
Criança
Sexo
Diagnóstico
1
F
2
Doenças
Associadas
Idade em
que Iniciou
no SVSNI
Idade na
Época da
Pesquisa
Tempo de
Atendimento
no SVSNI
Amaurose congênita de Leber
2 anos e 3
meses
2 anos e 6
meses
3 meses
M
Persistência de vítreo
primário hiperplásico
9 meses
4 anos
3 anos e
3 meses
3
F
Corioretinite com cicatriz
macular
Nistagmo anárquico em
ambos os olhos
9 meses
4 anos e
4 meses
3 anos e
7 meses
4
M
Baixa acuidade visual central
Estrabismo divergente
Nistagmo central
Hidrocefalia
6 meses
3 anos e
8 meses
3 anos e
8 meses
5
M
Baixa acuidade visual central
Estrabismo olho esquerdo
Paralisia
Cerebral
1 ano e
11 meses
3 anos
1 ano e
1 mês
6
M
Placa macular em olho direito
com palidez temporal
Estrabismo em olho direito
secundário
1 ano e
2 meses
3 anos e
3 meses
2 anos e
1 mês
7
M
Baixa acuidade visual central
5 meses
2 anos e
8 meses
2 anos e
3 meses
8
M
Retinopatia da prematuridade
1 ano
4 anos e
3 meses
3 anos e
9 meses
9
M
Retinopatia da prematuridade
7 meses
11 meses
4 meses
10
M
Albinismo óculo cutâneo
1 dia
1 mês
1 mês
11
F
Cicatriz macular ao
estrabismo
1 ano
4 anos e
2 meses
3 anos e
2 meses
Síndrome de
Prunne-Belly
Hidrocefalia
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
159
Figueiredo MO et al.
As entrevistas foram realizadas no Setor de
Estimulação Visual do SVSNI do Ambulatório
de Oftalmologia do HC – UNICAMP.
Todas as entrevistas foram gravadas em áudio
cassete, após a obtenção do consentimento livre
e esclarecido, segundo a Resolução 196/96 do
Conselho Nacional da Saúde e aprovado pelo
Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciên­­­
cias Médicas da UNICAMP. Foram transcritas
literalmente e digitadas pela pesquisadora, mantendo o sigilo necessário, conforme as questões
éticas do estudo. Realizadas as transcrições,
retomou-se a escuta das gravações, conferin­
do-as com o material transcrito e partiu-se para
a fase de tratamento do material.
“Eles falou que ele tinha uma visão baixa
então tinha que passar pra ele experimentar pra ver as cores, que ele tinha nem que
fosse de longe começar a fazer os exames
para que ele pegasse os brinquedos, porque ele não pega de jeito nenhum.” (M 5).
“Sim, é por causa do desenvolvimento
dele, pra ver se ele continua a percepção
de luzes. [...] é pra ele assim desenvolver,
não sei se é isso, eu me confundo um
pou­co, num é pra ele se desenvolver, os
outros membros, pra ele ir pegando a
noção das coisas” (M 9).
Percebe-se que algumas mães referiram que
não lembravam, não sabiam, ou até alegaram
que não foram informadas do motivo do encaminhamento ao serviço de estimulação visual.
“Olha, eu não entendi muito bem, não.
Porque eles mandaram” (M 1).
Análise dos dados
Foi utilizada a técnica de análise de conteúdo,
do tipo temática e categorial22.
A partir do tema, estimulação, foram escolhidas três categorias que, juntas, podem responder
aos objetivos do estudo. São elas:
1. Compreensão das mães a respeito do encaminhamento para a estimulação visual;
2. Percurso e condições para comparecer aos
atendimentos de estimulação visual;
3. Importância da estimulação visual.
Com base nas categorias selecionadas, procedeu-se à análise dos dados de cada participante
em cada categoria, para depois se agruparem
os dados das onze participantes, o que permitiu verificar e analisar a forma como as mães
compreendem o processo de estimulação visual.
“Ah, isso eu não tenho lembrança não”
(M 2).
“Que eu me lembro não” (M 10).
Depreende-se, no dizer dessas mães, a difi­
culdade de compreenderem o que o médico explica, fato que pode ser em decorrência do nível
sociocultural das participantes, pois muitas vezes o médico se utiliza de termos técnicos e não
explica de maneira simplificada o diagnóstico,
procedimentos e o prognóstico da baixa visão.
No entanto, esta situação não é o ideal, pois as
famílias permanecem desinformadas a respeito
do processo de reabilitação de que os seus filhos
necessitam e que estão recebendo. Estudo relata que os profissionais mais apreciados pelos
pais eram aqueles que forneciam informações
precisas e demonstravam preocupação, oferecendo encorajamento24. Os profissionais com
essas atitudes utilizam-se de uma linguagem
clara, em uma atmosfera aberta e informal, o
que torna possível aos pais se sentirem mais
confortáveis para fazerem perguntas, podendo,
assim, ter melhor compreensão do diagnóstico
e das necessidades da criança.
Percebe-se que, na maioria das vezes, as
mães conseguem entender gradativamente a
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Compreensão das mães a respeito do en­
caminhamento para a estimulação visual
Quanto à necessidade da criança ser atendida pelo serviço de estimulação visual, as mães
referiram o que lhes foi dito pelo médico oftalmologista sobre o encaminhamento:
“Falaram que ele precisava deste setor
pra ele adaptar o mundo” (M 3).
“Ah, falou que era pra melhorar, né. Vê
se conseguiria recuperar um pouco da
vis­ão dele” (M 4).
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
160
Mães de crianças com baixa visão
situação do filho, na medida em que têm contato com os profissionais que estão intervindo no
processo de estimulação visual da criança. Como
refere as mães:
“Não, só falaram que ia passar questão
assim de explicar tudo eu vim saber depois
que eu tava aqui, mas antes não” (M 6).
dos pacientes aos problemas de saúde são tão
relevantes para o encontro clínico e o sucesso do
tratamento quanto os dados fisiológicos28.
2. Percurso e condições para comparecer aos
atendimentos de estimulação visual
Após o encaminhamento do oftalmologista
para a criança iniciar o processo de intervenção
terapêutica no serviço de estimulação visual,
considerou-se necessário verificar se as famílias
tiveram condições de ir à busca do tratamento,
visto que são oriundas de outras cidades ou até
de outros estados.
Observa-se, no relato das mães, que o percurso para chegar aos atendimentos apresenta variações, de acordo com as condições financeiras
e de transporte. Parece que o local de moradia,
se distante ou próximo, não representou um
fator determinante nas dificuldades, já que as
famílias que residem em outro estado, levando
um tempo maior para chegar ao ambulatório,
não apresentaram queixas:
“Ah, não. Não, não porque lá em G. (cidade) tem condução de graça, né, não
tem problema” (M 2).
“Não. Quando chegou aqui que ela falou
pra mim o porquê que era” (M 8).
A maneira como os indivíduos significam e
comunicam os seus males, bem como a forma
que os mesmos traçam o percurso das intervenções terapêuticas são elementos essenciais
para a formulação de ações em saúde, que vão
representar as reais necessidades da clientela25.
A verbalização do desconhecimento das mães
sobre os motivos do encaminhamento do filho
para um serviço de reabilitação aponta para
a necessidade da criação de abordagens em
saúde que englobem tanto a questão cultural
das famílias, quanto os fenômenos orgânicos
vividos pelos pacientes. Os modelos explicativos
dos profissionais precisam ser compreendidos
e internalizados pelos familiares, de forma que
estes possam construir modelos condizentes com
o quadro real vivido pelo paciente26.
As prescrições do tratamento médico serão
bem recebidas pelos pacientes, somente se estas
fizerem sentido para eles, segundo seus modelos
explicativos. Isto é extremamente importante
para que ocorra a adesão ao tratamento, pois a
adesão às formas de tratamento depende do contexto interno do paciente, de suas experiências
anteriores, expectativas e preconceitos sociais,
religiosos, raciais e de gênero. Como também,
a adesão ao tratamento depende do contexto
externo, ou seja, do ambiente e da conduta do
profissional perante o paciente e seu acometimento27. Neste sentido, cabe aos profissionais da
saúde fornecerem o diagnóstico de modo acessível ao paciente e investigarem a interpretação
que tanto o paciente como aqueles que o cercam
fazem sobre a origem, significado e o prognóstico
da sua condição de saúde / doença e a influência
disso sobre os demais aspectos de sua vida; já
que as reações psicoemocionais e socioculturais
“Não. Porque eu não trabalho por isso
mesmo, meu tempo já é disponível pra
isso. Isto não é o problema porque eu quero que ele fique melhor do que já tá” (M 3).
“Não, eu venho com o carro da prefeitura,
né. Mas eu venho de madrugada e sou
atendida assim, só às 13:00” (M 7).
Em contrapartida, as outras mães que vêm da
região de Campinas apontam dificuldades para
comparecerem ao atendimento:
“É, agora no momento a gente tá tendo.
O pai dela tem um carro, deixa com meu
marido, a saverinho. Ele que me traz, né.
Agora a gente tá vindo de ônibus, porque meu marido bateu, né, o carro. Aí a
gente tem um pouco de dificuldade, faz
o impossível, mas traz” (M 1).
“Ah, eu tenho, por um motivo, porque a
T. pra andar com ela, ficar esperando ali
na frente pra ser atendida é muito difícil
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
161
Figueiredo MO et al.
do serviço. Além disso, as mães relatam sobre a
forma de funcionamento de algumas ambulâncias que acabam levando um grande número
de pacientes e só podem retornar à cidade de
origem quando todos já tiverem recebido o atendimento. Com isso, aqueles que são consultados
primeiro passam o dia no hospital, e como estão
fora de casa necessitam se alimentar, o que
representa um gasto fora das possibilidades de
alguns. Estes relatos acabam demonstrando
uma realidade vivida por algumas mães que
não podem comparecer aos atendimentos com
condução própria ou transporte coletivo pago, e
parece ser para essas mães uma justificativa para
a não adesão aos serviços de saúde e/ou pelas
faltas nas consultas agendadas.
No entanto, faz-se importante refletir que,
apesar dessas mães terem de fato uma dificuldade real para uma adesão ao serviço, por problemas financeiros e de transporte, observa-se
uma disponibilidade interna para tentar vencer
qualquer obstáculo para realizar o que pensa ser
imprescindível para o seu filho.
A mãe 9 reforça a importância de fazer o que
está ao seu alcance, o que é necessário, para não
se arrepender depois. Ela refere:
“Não tem, não tem porque eu venho no
ônibus da prefeitura, eu vou lá e marco.
Não tem dificuldade nenhuma, pego na
porta, deixa lá, deixa aqui. [...] Mas não
tem problema nenhum enquanto falar
assim “é pro bem do meu filho”, não
meço distância pra fazer nada, nem dificuldade pra fazer nada. Quero é o bem
estar dele, vê ele bem. Isso que eu quero
pra amanhã, depois, quando ele crescer
eu não ficar com peso na consciência,
pensando se eu tivesse feito isso meu
filho tinha melhorado. Por enquanto eu
não tenho remorso nenhum por que tudo
o que está ao meu alcance eu faço” (M 9).
porque ela não pára, como você viu, eu
tenho que ficar com ela no colo, ela é um
pouco agitada, e também na hora de ir
embora eu tenho que ficar esperando todo
mundo pra ir embora. E pra mim ficar com
ela dá muita dificuldade, e eu não tenho
condições para ficar pagando passagem
pra mim ir embora só e ficar esperando
os outros me dá dor no corpo...“ (M 11).
“Às vezes sim. Porque que nem quando
eu tinha duas consultas marcadas, o
pai dele não tinha dinheiro, aí ele disse
você escolhe ou uma ou outra. Porque é
difícil pra eu pegar passe. Quando eu vou
buscar passe lá no Serviço Social num
tem. E sempre chega no meio do mês,
no começo do mês aí você tem que ficar
ligando do dia 1º até o dia 10. Aí quando
chega muita gente já foi lá e já pegou. A
ambulância eu nunca agendei, porque
quando vem, vem muita gente e quando
vai embora quando acaba a consulta
dele tem que esperar todo mundo. Se a
consulta de uma pessoa é 16:00 horas,
tem que ficar esperando ela pra poder ir
embora, pra levar todo mundo, então eu
acho muito” (M 5).
“Tem e muita. Porque é só eu pra vim,
né...Sai de manhã, às vezes se tá com o
dinheiro pra comer, às vezes num tá, passa o dia todo sem comer. Aí quando chega
em casa vai almoçar e jantar de uma vez,
por isso que é dificuldade” (M 10).
O relato dessas mães demonstra que o problema maior em dar seguimento aos atendimentos
são as condições socioeconômicas, pois apresentam dificuldades financeiras, muitas vezes não
podendo pagar as passagens dos transportes
coletivos e, por isso, dependem do transporte
cedido pela prefeitura de suas cidades (ambulância ou micro-ônibus). As mães queixam-se da
burocracia para agendar o transporte e, devido
à grande procura pelos pacientes e pelo limite
de capacidade de usuários em cada transporte,
torna-se concorrido o número de vagas para uso
3. Importância da estimulação visual
Ao analisar os dados das entrevistas, observou-se que seis crianças (2,3,4,6,8,11) têm um
seguimento de mais de dois anos no serviço de
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
162
Mães de crianças com baixa visão
Estimulação Visual, as mães 1 e 9 cujos filhos
têm um tempo de atendimento de apenas três a
quatro meses conseguem perceber melhora na
parte visual.
“O médico colocou a luz no olho dele ele
pegou mais, bem mais, porque ele tem
percepção de luz, mas hoje eu percebi
ele acompanhando a luz” (M9).
visão subnormal. As mães dessas crianças ao
falarem sobre a estimulação visual pontuam
melhoras. Algumas delas enfatizam a melhora
na capacidade visual, como refere a mãe 4:
“É eu acho que melhorou bastante. Porque assim, por exemplo, quando o pai
dele chegava ele nem notava, agora o
pai dele chega na porta ele já sabe que
o pai dele chegou. Quando eu vou na
minha mãe e minhas irmãs chega do
trabalho, ele sabe que elas chegou. A
gente chega perto dele ele dá risada, ele
tá danadinho” (M4).
“Tô observando que antes ela olhava com
a cabecinha torta e agora tá mais aprumadinha a cabeça e o pescocinho” (M1).
Observa-se a importância da intervenção e
orientação quanto ao aspecto visual, pois em
pouco tempo percebe-se reação da criança aos
estímulos visuais e melhora da resposta visual.
Ao contrário dessas mães, a 7 e a 10 não re­­­
lataram mudanças no desenvolvimento do filho,
sendo que uma delas frequenta somente há
um mês o serviço e a outra, apesar da criança
receber estimulação visual a 2 anos e 3 meses,
a mãe não identifica melhoras. Nesse caso,
po­­­de-se levantar a hipótese de não aceitação
da baixa visão do filho, bem como a falta de
en­­tendimento do que é a baixa visão, levando-a
manter expectativas irreais em relação ao desenvolvimento do filho.
Outras mães, além de perceber a melhora na
capacidade visual do filho, também associam
que essa melhora traz progressos na aprendizagem. Como por exemplo, temos o relato das
mães 8 e 11:
“Só agora assim depois que nóis começamo que ele começou a seguir, ele
não seguia, ele não conhecia nóis, ele
começou a seguir, a rir mais, a dar gargalhada, sabe coisa que ele não fazia.
E os médicos mesmo falaram “nossa H.
você mudou bastante, cresceu, porque
era muita coisa que ele não fazia” (M8).
“Bastante porque antes de eu vir aqui
ela era totalmente diferente, aí comecei
a vir, fazer os cuidados com ela, aí ela
me­lhorou mais. Assim ela aprendeu
algumas coisinhas, aprendeu pegar algumas coisas coloridas, né, vocês foram
me explicando como era pra fazer, eu já
fui tentando em casa. Tá dando um pouco
certo, não é totalmente, assim, porque
num é Jaspion, né, num é de uma hora
pra outra. Mas ela tá melhorando um
pouquinho” (M11).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão das mães sobre a importância
da estimulação visual para o desenvolvimen­to
do filho com baixa visão parece ser construída
gradativamente, na medida em que vão sendo
orientadas pelos profissionais do serviço de estimulação visual e percebendo o progresso do filho.
Em um primeiro momento, a maioria das
mães parece não entender a necessidade real do
filho frequentar o serviço de estimulação visual,
tentam repetir o que o médico explica sobre o
encaminhamento para esta terapia e outras mães
não lembram o que foi explicado e não sabem
exatamente porque levam o filho ao serviço de
estimulação visual.
A falta de compreensão da necessidade e da
importância da estimulação visual parece interferir diretamente na adesão ao serviço.
Nota-se, no relato dessas mães, a valorização
dada aos pequenos progressos, parecem entender
que a aprendizagem dos filhos é gradativa e a
importância de dar continuidade à estimulação
em casa.
Do mesmo modo que essas mães, cujos filhos
têm um tempo de seguimento maior no Setor de
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
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Figueiredo MO et al.
Várias mães referem problemas financeiros
e de transporte, dificultando o comparecimento
e a adesão à reabilitação.
Fica evidente que, além do entendimento
dos objetivos da terapia, a mãe precisa ter uma
disponibilidade interna para contornar todas as
dificuldades adversas.
Cabe ressaltar a importância da maneira
como os profissionais da área da saúde explicam
o prognóstico da deficência visual para as famílias, sendo necessário levar em consideração as
condições culturais, econômicas e emocionais
dos pais, pois, na maioria das vezes, essas situa­
ções podem interferir na compreensão clara da
necessidade da estimulação visual, o que auxilia
à adesão ao serviço.
Enfim, parece ser imprescindível a intervenção de uma equipe multidisciplinar que forneça
o acolhimento a essas famílias, escutando, explicando as dúvidas em relação ao diagnóstico e ao
prognóstico, o que poderá proporcionar melhor
compreensão da baixa visão do filho.
SUMMARY
Mothers of children with low vision: understanding the process
of visual stimulation
Objectives: To analyze how mothers of children with low vision un­
derstand the process of visual stimulation of their children and their path
to the service of therapeutic intervention. Methods: This study is cha­
racterized as a qualitative research. Eleven mothers of children with low
vision, whose children were assisted by the Visual Stimulation Service from
the Ophthalmology Sector from Hospital das Clínicas of Unicamp, were in­
terviewed. For data collection semi-structured interviews were used. The
main topics of the interview were: the mothers’ understanding about the
re­ferral to visual stimulation, the path and conditions to attend the services
of visual stimulation and the importance of visual stimulation. Results:
Some mothers said that they did not remember, did not know or they even
said that they were not informed of the reason they were referred to the
visual stimulation service. The mothers gradually come to understand their
children’s condition as they get in contact with the professionals that are
interfering in the visual stimulation process of their children. The path to
reach the service varies according to financial and transport conditions. Most
of the mothers considers the small progresses and seems to understand that
the learning of their children is gradual and they find it important to give
continuity to stimulation at home. Conclusion: The mothers’ understanding
about the importance of visual stimulation to the development of the children
with low visual was gradually built as they were guided by professionals
from the visual stimulation service and as they noticed progresses in the
development of their children.
KEY WORDS: Vision low. Visual stimulation. Com­­prehension. Mothers.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
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Mães de crianças com baixa visão
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Este artigo é parte da dissertação de mestrado “Diag­
nóstico de baixa visão em crianças: sentimentos e
representação de mães”, desenvolvida no Curso de
Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente
da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
Artigo recebido: 30/5/2011
Aprovado: 25/7/2011
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66
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Análise da produção de um aluno considerado
malsucedido
na resolução de problemas matemáticos
RELATO DE
PESQUISA
Análise da produção de um
aluno considerado malsucedido na
resolução de problemas matemáticos
Rute Cristina Domingos da Palma
RESUMO – Introdução: A pesquisa tem como objetivo investigar como
alunos considerados malsucedidos em matemática resolvem problemas
matemáticos ao terem a oportunidade de utilizar suas próprias estratégias.
Método: A pesquisa caracteriza-se como um estudo qualitativo de caso,
com análise interpretativa. O estudo foi desenvolvido em uma turma de 5º
ano do ensino fundamental de uma escola da rede municipal de ensino do
município de Cuiabá-MT. Os dados foram coletados a partir de entrevistas
com a professora, observação e registro em vídeo das aulas de resolução de
problemas matemáticos e do acompanhamento da resolução de problemas
matemáticos por alunos considerados malsucedidos nessa atividade. No
texto é apresentada a análise de dados de um aluno considerado como mau
solucionador de problemas matemáticos. Resultados: Os resultados indicam
que, ao ter a possibilidade de usar suas estratégias pessoais, o aluno resolveu
o problema matemático utilizando diferentes registros (a escrita, o material
manipulável, o desenho e o algoritmo não convencional) que se articulam
entre si. Conclusão: Há necessidade de considerar que o tipo de problema
e o encaminhamento proposto pelo professor podem influenciar no sucesso
ou no fracasso escolar do aluno ao resolver um problema matemático. No
contexto escolar, a possibilidade de utilizar diferentes estratégias e registros
no processo de resolução de problemas matemáticos oportuniza aos alunos
a reconstrução da ação realizada; o desenvolvimento da autonomia e da
criatividade; e a apropriação da linguagem matemática.
UNITERMOS: Baixo rendimento escolar. Resolução de problemas. Ma­­­
temática.
Rute Cristina Domingos da Palma – Professora Adjunta
do Departamento de Ensino e Organização Escolar
do Instituto de Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso-UFMT.
Correspondência
Rute Cristina Domingos da Palma
Rua Buenos Aires, 39 – Edifício Villagio Della Torre
– apto 1402 – Jardim das Américas – Cuiabá, MT,
Brasil – CEP: 78060-634
E-mail: [email protected]
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77
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Palma RCD
INTRODUÇÃO
agora, problemas!”, “É só pedir para resolver e já
perguntam: ‘é de mais ou de menos?’”.
Davidov2, pesquisador filiado à perspectiva
histórico-cultural e que compôs a Teoria do Ensino Desenvolvimental, ao fazer uma análise sobre
o trabalho com resolução de problemas, destaca
que, comumente, a escola enfatiza a proposição
de um número reduzido de tipos de problemas.
Assim, a função do professor consiste em ensinar
o aluno a identificá-los e aplicar o método antes
assimilado para chegar ao resultado.
Os estudos de Pototzki e Skripchenko, citados
por Davidov2, concluem que os alunos, ao depararem-se com um problema que não se enquadra
em nenhum dos tipos do seu conhecimento, são
incapazes de resolvê-los.
Outra questão destacada por Davidov3 é a ên­­­
fase dada às representações usadas na tenta­tiva
de tornar “concreta” a situação problema. In­­­­
seridos nesse processo, muitos alunos, ao re­­­solver
os problemas, centram sua análise no ca­­­ráter
meramente ilustrativo e externo, sem, contudo,
estabelecer relações para compreender a situação
problema.
Ao analisar esse tipo de procedimento escolar,
Davidov2 conclui que essas tarefas não ultrapassam o pensamento descritivo, classificatório
e empírico. Segundo Libâneo4, para Davidov,
o “conhecimento adquirido por métodos transmissivos e de memorização não se converte em
ferramenta para lidar com a diversidade de fenômenos e situações que ocorrem na vida prática”.
Além disso, Davidov3 argumenta que a organização do ensino, pautada no pensamento empírico, traduz-se na repetição e na memorização
e reflete nos resultados escolares e na atividade
mental dos alunos.
O reflexo dos resultados escolares gera uma
prática que se propõe a distinguir os alunos
“bem-sucedidos” dos “malsucedidos”, no que diz
respeito à resolução de problemas matemáticos.
Esta breve compilação de experiência e teoria
indica que há várias dimensões a serem problematizadas acerca da resolução de problemas.
Neste estudo, expresso a dimensão que escolhi
no seguinte problema: como um aluno considera-
A Resolução de Problemas em sala de aula
é, também, um problema a ser re­solvido
“Problemas, eu não gosto não! Porque
você tem que descobrir a conta certa e
eu nem sempre consigo descobrir”. (Beto,
aluno sujeito da pesquisa)
A importância da resolução de problemas tem
ocupado lugar de destaque nos estudos sobre os
processos de ensino e aprendizagem da matemática escolar. Há um consenso entre as pesquisas
desenvolvidas em diferentes áreas – Matemática,
Psicologia, Educação –, ao considerarem que a
resolução de problemas é um elemento imprescindível no desenvolvimento do raciocínio lógico
e na construção significativa dos conhecimentos
matemáticos.
No entanto, tenho verificado que ainda há um
distanciamento entre o que é proposto nas orientações curriculares nacionais e internacionais
acerca da resolução de problemas matemáticos
e a prática pedagógica vivenciada pelos alunos
no contexto escolar. Nas aulas de matemática,
mais especificamente naquelas destinadas à
re­­solução de problemas, apesar dos avanços já
apresentados, ainda se presencia esta sequência
de fatos tão bem conhecidos por nós, professores:
proposição de problemas de tipo livresco, orientação do professor sobre a operação aritmética
que o problema apresenta, questionamento dos
alunos sobre que operação aritmética realizar,
correção coletiva no quadro, conferência da
res­­posta pelos alunos e, em caso de erro, imediato apagamento. Palavras como mecanização,
repetição, apreensão e monotonia traduzem a
imagem desse ambiente.
Nesse contexto, em que a resolução de problemas tem como objetivo fazer os alunos produzirem a operação aritmética de forma correta,
muitos estudantes são indicados como “maus
so­­­­­lucionadores de problemas”, por não apresen­
tarem a solução com um algoritmo convencional1. É comum depararmo-nos com falas do
professor como estas: “conta até que eles fazem,
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Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos
alguns problemas e decidimos, juntas, sobre o
processo de mediação adotado para acompanhar
os alunos na resolução. Estabelecemos que, nessa
tarefa, seria respeitado o tempo de cada aluno;
que eles seriam incentivados a usar estratégias e
registros próprios; e que, caso desejassem, seria
permitida a utilização de material manipulável,
como tampinhas, pedras, conchas e outros materiais dispostos numa mesa na sala de aula.
Um dos problemas propostos aos alunos foi
adaptado do livro de Gwinner5 pela professora
e apresentado numa folha de papel sulfite, conforme a Figura 1.
Enquanto Pato Donald toma banho alegremente, Peninha pensa...
O elefante Jambo é meu amigo. Ele usa doze
sabonetes e vinte esponjas para tomar banho.
Jambo toma banho de quinze em quinze dias.
Quantos sabonetes ele gasta em três meses?
A situação proposta, o tipo de texto, a apresen­
tação do material e a maneira de encami­nhar o pro­­­­
cesso de resolução do problema dis­tancia­ram-se
do modelo frequentemente vivido pelos alunos e
pela professora, provocando uma agitação entre
os alunos. Estes, em tom de surpresa, diziam:
“Legal assim, com desenho!”, “Olha esse é o Pato
Donald”, “Pode fazer do jeito que quiser?”.
do malsucedido resolve problemas matemáticos,
ao ter a oportunidade de utilizar suas próprias
estratégias?
MÉTODO
A pesquisa caracteriza-se como um estudo
qualitativo de caso. Os dados foram coletados
a partir de entrevistas com a professora e da
ob­­servação das atividades de resolução de problemas matemáticos propostas durante um ano
letivo, em uma sala de 5º ano de uma escola do
município de Cuiabá-MT.
A professora, em uma das entrevistas e em
uma ficha de acompanhamento, indicou, dos
de­­­­­zesseis alunos da turma, quatro como bem-sucedidos e quatro como malsucedidos na reso­
lução de problemas matemáticos.
A observação das aulas fez-nos levantar como
hipótese, juntamente com a professora da sala
de aula, que o fracasso escolar dos alunos em
re­­­solução de problemas, dentre outros fatores,
poderia estar associado ao tipo de problema e
aos encaminhamentos de resolução propostos
até aquele momento.
Para investigar qual seria a produção dos
alunos tidos como malsucedidos na resolução de
problemas, tive a oportunidade de, em colaboração com a professora, acompanhar um trabalho
referente à resolução de problemas cuja proposta
era oportunizar aos alunos resolverem problemas
da maneira que desejassem.
Os dados que apresento são do acompanhamento de um aluno considerado malsucedido no
desenvolvimento de um problema matemático
em sala de aula. A aula proposta pela professora
foi registrada em vídeo e o diálogo estabelecido
com o aluno no momento da resolução do pro­­
blema foi gravado em áudio. Os registros do
aluno no processo de resolução do problema
ma­­­temático também compõem o material de
aná­­­lise. Após a transcrição e a organização dos
dados, procedeu-se à análise interpretativa.
Beto, um aluno indicado como “malsucedido” na resolução de problemas matemáticos
No grupo de alunos selecionados pela professora, Beto foi indicado como um aluno “malsucedido” na resolução de problemas. As produções
realizadas em sala, as avaliações e os registros
da professora indicavam que Beto raramente
solucionava os problemas propostos. Segundo
a professora, Beto apresenta, em Matemática,
“desempenho abaixo da média”. No dizer dela,
“ele raramente resolve os problemas propostos
em sala de aula e, quando o faz, as respostas,
geralmente, estão incorretas”.
O percurso de Beto
Logo que os alunos iniciam a atividade, sen­
to-me ao lado de Beto, com quem estabeleço um
diálogo enquanto resolve o problema.
O problema matemático proposto à turma
A fim de criar um clima propício para a rea­
lização da atividade, a professora selecionou
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77
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Palma RCD
Figura 1 – Problema matemático proposto à turma.
Beto: Ah! É o Peninha.
Lê novamente o problema, agora em voz alta.
Pesquisadora: O que você descobriu na leitura? Que problema você tem para resolver?
Beto: Posso anotar na folha, posso escrever?
Em seguida, ele começa a fazer algumas ano­
tações em uma folha de sulfite.
Nas conversas com Beto, percebo que ele não
se sente capaz de resolver o problema e pensa
em desistir, antes mesmo de começar a lê-lo.
Talvez os constantes fracassos em atividades de
resolução de problemas expliquem essa atitude
do aluno. O trecho de sua fala, “Não sei se eu
tenho o meu jeito”, revela, possivelmente, que
resolver problema, até aquele momento, tinha-se
caracterizado pelo emprego de procedimentos
convencionais ensinados pela escola. Subentende-se que o uso de tais procedimentos destitui o
aluno daquilo que é fundamental para resolver
um problema: pensar por si próprio. A escola, ao
negar a diversidade de representações, ensina
às crianças que existe uma única maneira de re­­­­
presentar e resolver as operações6.
As primeiras manifestações
Aproximo-me de Beto, que imediatamente diz:
Beto: Não sei fazer.
Pesquisadora: O que você não sabe fazer?
Beto: Isto. O problema.
Pesquisadora: Você já leu, já pensou como
pode resolvê-lo? Você ouviu as orientações da
professora? Você vai poder resolver o problema
do seu jeito.
Beto: Do meu jeito? Não entendi.
Ele fica por algum tempo pensativo e depois diz:
Beto: Não sei se eu tenho o meu jeito.
Pesquisadora: Vamos tentar para ver o que
acon­­tece?
Beto: É do jeito que eu quiser, então, né?
Beto pega a folha com o problema, debruça-se
sobre o texto com certo desânimo e diz:
Beto: Vou ler.
Observa o desenho que acompanha o problema e faz o seguinte comentário:
Beto: Este é o Pato Donald. Mas este aqui eu
não sei quem é.
Realiza a leitura em voz baixa. Diz:
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Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos
Continua o seu registro:
3º)Agosto, setembro, outubro.
Ele toma banho nesses meses.
Lê novamente o problema:
Beto: Toma banho de quinze em quinze dias
em três meses.
Como ele fica durante algum tempo olhando
para a folha com o problema, eu pergunto:
Pesquisadora: O que você está pensando?
Beto: Tô pensando.
Depois de realizar o agrupamento com as con­
chas e descobrir a quantidade de banhos, Beto
também escreve, como apresentarei no próximo
item.
No primeiro e no segundo textos de Beto, o
registro escrito descreve os dados do problema,
como o número de sabonetes, esponjas e banhos.
Já o terceiro registro indica o movimento usado
para tentar atribuir significado ao problema,
de­­­nominando os meses do ano a partir do mês
em que estávamos, ou seja, o mês de agosto. O
quarto registro só é realizado depois de sua ação
com o material manipulável (Figura 3), em que
ele resolve uma parte do problema: o número de
banhos que o elefante toma nos três meses. Beto
não faz uso da escrita para registrar as outras etapas de resolução do problema, como o número de
sabonetes utilizados pelo elefante, por exemplo.
Na tentativa de compreender o problema, Be­
to lê várias vezes o texto e, apesar de não ser um
procedimento utilizado nas aulas de matemática, toma a iniciativa de fazer os seus primeiros
registros mediados pela escrita.
A escrita
O texto inicialmente escrito por Beto encontra-se na Figura 2.
1º)Eu tenho um Elefante ele é meu amigo Eu
quero saber se vocês descobrem quantos
sabonetes Ele gasta quando toma banho.
Lê o problema e continua o registro:
2º)Ele usa 12 sabonetes
e gasta vinte esponjas
Eu quero saber de você
quantos sabonetes Ele
gasta em 3 meses
Ele toma banho de
quinze em quinze
dias
Lê o texto do problema repetidamente e depois pergunta:
Beto: Em que mês nós estamos mesmo?
Pesquisadora: Agosto.
Beto: Vou escolher os meses. Agosto, setembro, outubro.
Figura 2 – O início da resolução do problema mediada pela escrita do aluno.
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171
Palma RCD
Figura 3 – Agrupamento realizado pelo aluno com o material manipulável.
Ao observar atentamente os registros de Beto,
é possível verificar que ele utiliza a escrita com
três objetivos diferentes: descrever os dados do
problema, organizar os dados e registrar parcialmente a solução. Depreende-se desse processo
que a escrita parcial da solução foi posterior à
utilização do material manipulável (conchas),
como descrito a seguir.
Inicialmente, Beto começa a fazer a contagem
das conchas aleatoriamente, “Uma, duas... vinte.
Não, passou”. Todavia, logo depois, recomeça a
contagem das conchas fazendo seis agrupamentos com quinze conchas cada um, representando
os banhos de quinze em quinze dias. Posteriormente, denomina os meses correspondentes a
cada dois agrupamentos de quinze.
O fato de Beto ter sido bem-sucedido nessa etapa pode ter influenciado na sua decisão de utilizar
a mesma estratégia para resolver a situa­ção sobre
o número de sabonetes utilizados em seis banhos.
A utilização de material manipulável
Descobrindo o número de banhos em três meses
Depois de ficar por alguns minutos pensando, pergunta se pode usar o material que está
disposto na mesa. Beto mostra-se indeciso na
escolha do material manipulável a utilizar. Ao
apro­­­ximar-se da mesa em que o material está
disposto, observa e pega em cada um dos materiais (palitos, pedrinhas, tampinhas, conchas),
antes de decidir-se pelas conchas. Pega o saco
de conchas e começa a contá-las uma a uma.
Beto: Uma, duas... vinte. Não, passou.
Recomeça a contagem:
Beto: Uma, duas... quinze. Passa estes dias
(se­­gura o 1º agrupamento de quinze), um banho.
Conta mais um agrupamento de quinze conchas e diz:
Beto: Mais estes quinze dias, outro banho.
Quinze mais quinze são trinta. Este foi o mês
de agosto. Mais quinze dias, mais quinze dias,
dois banhos, mês de setembro. Mais quinze dias,
mais quinze, dois banhos, mês de outubro. Em
agosto dois banhos, em setembro dois banhos,
em outubro dois banhos. Seis banhos.
Registra na folha:
4º)O Elefante toma banho 2 vezes ao mês.
Ao todo são seis banhos nos meses
Descobrindo a quantidade de sabonetes usada em três meses
Pesquisadora: Você terminou de resolver o
problema?
Beto: Acho que não.
Pesquisadora: O que você precisa descobrir
ainda?
Lê novamente o problema e diz:
Beto: Quantos sabonetes ele gasta em três
meses. Cada vez que ele toma banho ele gasta
12 sabonetes.
Depois de alguns momentos calado, ele per­
gunta:
Beto: Eu posso usar as conchas de novo?
Antes de obter a resposta, ele pega as conchas
e apresenta seis grupos de doze conchas.
Beto: Posso contar tudo. Um, dois, três... vinte...
trinta e seis.... setenta e dois.
Conta de um em um até setenta e dois.
Pesquisadora: O que você descobriu?
Beto: Ele toma banho duas vezes e gasta doze
sabonetes. Em cada banho, doze. Agosto doze,
setembro doze, outubro doze. Deu setenta e dois
sabonetes.
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172
Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos
Mostra com as mãos dois grupos de doze, re­­­
ferindo-se ao mês. Olha para a mesa com as conchas dispostas e, com confiança e satisfação, diz:
Beto: Puxa! Resolvi o problema!
Desse modo, Beto representa com o material
manipulável as suas ações para resolver o problema. Primeiro, em relação ao número de banhos, faz dois agrupamentos de quinze e registra
o número de banhos e os meses até completar
os três meses; depois faz seis agrupamentos de
doze. Apesar de ter feito agrupamentos anteriores, Beto opta por contar de um em um para chegar ao total de sabonetes utilizados nos banhos.
Concordo com Kalmykova7 que a utilização
de material manipulativo por um longo tempo
pode causar “uma influência negativa sobre a
generalização e não se estimulará a formação de
formas superiores de análise e síntese”. Mas, no
caso de Beto, a utilização do material manipulável foi importante na resolução do problema,
pois a mobilidade permitida pelo material deu-lhe o suporte necessário para desenvolver a sua
estratégia e representá-la.
Ao constatar que resolveu o problema, Beto
revela sua alegria através da sua expressão corporal e facial: senta-se mais ereto e esboça um
sorriso. Diante dessa reação de Beto, apresento-lhe um novo desafio: como explicaria a um
colega a resolução do problema. Ele manifesta
o desejo de fazê-lo por meio de um desenho.
O desenho
Pesquisadora: Beto, se você tivesse que explicar o que você fez para resolver o problema para
um colega aqui da sala, como faria?
Beto: Eu posso mostrar o que eu escrevi e...
Não conclui a frase e fica por momentos pen­­­­
sando.
Beto: Eu posso desenhar? Eu vou desenhar.
Pesquisadora: Pode.
Diante da resposta positiva, começa a desenhar, dizendo ao mesmo tempo, em voz sussurrada:
Beto: Vou desenhar primeiro o elefante, com
orelhas compridas porque o Dumbo voa, as esponjas, o balde com água e o tratador de animais.
Desenha o elefante, retoma a leitura do problema.
Beto: Ele toma banho de quinze em quinze dias.
Depois de algum tempo, apresenta o registro
apresentado na Figura 4.
Figura 4 – Desenho produzido por Beto para explicar a resolução do problema.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77
173
Palma RCD
Peço que explique o que fez.
Beto: Primeiro eu desenhei o elefante, a esponja, os sabonetes e o tratador. Aí, como está
falando de mês, eu registrei o número de vezes
de banho e depois escrevi 2, 2, 2. Dois quinze no
mês de agosto, dois quinze no mês de setembro
e mais dois quinze no mês de outubro.
Aponta para o desenho.
Beto: Depois eu escrevi dois banhos, dois
ba­­­nhos, dois banhos. Cada banho gasta doze
sabonetes, coloquei mês de agosto e fiz a mesma
coisa com setembro e outubro. Aí foi só contar os
sabonetes.
O desenho auxilia Beto a registrar e comunicar a sua estratégia de resolução do problema. É
interessante verificar que, ao utilizar o desenho
para representar aspectos da situação apresentada no texto, acrescenta outros elementos. Poderia
dizer que, sem alterar os dados quantitativos, ele
cria um novo contexto para o problema e manifesta isso por meio da oralidade e do desenho.
O elefante Jambo passa a chamar-se Dumbo,
devido ao fato de este ter orelhas compridas.
Be­­­to ainda acrescenta ao contexto os elementos:
balde com água e tratador. Provavelmente isso
revele a necessidade que o aluno tem de atribuir
significado ao texto do problema, fazendo, neste
caso, referência a suas experiências anteriores,
uma vez que a sua turma havia concluído recentemente um projeto de literatura que tratava
justamente das personagens de Walt Disney.
Em síntese, o registro produzido por Beto
permite-nos dizer que ele utilizou um desenho
esquemático para representar duas situações: o
contexto do problema e o processo de resolução,
em que é possível perceber as transformações
numéricas. Ao registrar como pensou e explicitar
as ações anteriormente realizadas, ele consegue,
a partir do desenho, expressar suas ideias e co­­
municar-se.
Continuo a instigar Beto a pensar na possi­
bilidade de outros registros. Mostro a ele as suas
produções: a escrita, os agrupamentos com as
conchas e o desenho. Com o desenho em mãos,
indago se ele poderia registrar aquelas informações de outra maneira. Depois de ficar por
alguns minutos em silêncio, Beto pergunta: com
os números?
O uso do algoritmo
Pesquisadora: Como você pode registrar o
que fez?
Beto: Com os números?
Pega a folha e, abaixo do desenho, faz o seguinte registro apresentado na Figura 5.
Beto: Doze, doze. Dois, dois, dois... seis. Um,
um, um... três. Trinta e seis. Doze mais doze mais
doze, trinta e seis. Agora vou somar estes dois
(referindo-se a trinta e seis, mais trinta e seis):
setenta e dois. O elefante precisa de 72 sabonetes.
Pesquisadora: Há outra maneira de registrar
o cálculo?
Beto: Que eu saiba, não.
Pesquisadora: O que você achou de resolver
o problema assim?
Beto: Do meu jeito? Eu fiz mais fácil e mais rápido. Eu entendi o que eu fiz. Eu consegui resolver.
Como nos mostra a Figura 5, Beto não utiliza
um algoritmo convencional para a resolução do
problema. Apresenta o registro dos seis agrupamentos de doze em duas fileiras com três parce-
Figura 5 – O registro do algoritmo realizado por Beto.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77
174
Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos
proposto podem influenciar no sucesso ou no
fracasso do aluno, ao resolver a situação problema. No entanto, ao analisar as estratégias
e a linguagem matemática utilizadas por Beto,
constato que elas deveriam ser mais elaboradas,
considerando que ele é um aluno de onze anos
que frequenta o 5º ano do Ensino Fundamental.
Embora a experiência com Beto não tenha al­­
terado substancialmente o trabalho com resolução
de problemas (somente foi proposto aos alunos
que resolvessem o problema da maneira que desejassem), apresentou um novo quadro em relação
ao desempenho desse aluno, apontando que é
possível e necessária uma mudança no encaminhamento dessa atividade no contexto escolar.
Concordo com Davidov3 que “a escola deve
ensinar os alunos a pensar, isto é, desenvolver
ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporâneo, para o qual é necessário
organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento”. Nesse sentido, o ensino deve basear-se na passagem do pensamento empírico para
o desenvolvimento do pensamento teórico, cuja
essência consiste em compreender a realidade
a partir da análise das condições de sua origem
e desenvolvimento, por meio da aquisição de mé­­­
todos e estratégias cognitivas. O pensamento
teórico possibilita a sua aplicação em vários
âmbitos da aprendizagem, dado ser de caráter
generalizador e de abstração.
Para o desenvolvimento do pensamento teórico, a aprendizagem deve ter um enfoque problematizador que possibilite aos alunos apropriar-se
de forma autônoma dos conhecimentos teóricos3.
Assim, para além do tipo de problema proposto
pela professora neste estudo, é fundamental que
os alunos se percebam em situações problematizadoras que desencadeiem a necessidade e ou o
desejo de resolvê-las. Para isso, precisam dispor
de uma atividade cognitiva e metacognitiva in­
tensa no processo de planejamento, execução
e avaliação de suas ações, assumindo, assim,
um papel ativo no processo de elaboração do
conhecimento matemático1.
Além dos processos cognitivos e metacogni­
tivos envolvidos nos processo de resolução de
las, realiza a soma das fileiras separadamente
(12+12+12 e 12+12+12) e, posteriormente, soma
o resultado das duas fileiras (36+36), che­­­gando
ao resultado final (72). Ao explicar oralmente o
seu registro, Beto não deixa dúvidas quanto a
sua compreensão em relação ao procedimento
adotado.
Zunino6 afirma que “encontrar uma estratégia adequada para resolver um problema é algo
muito diferente de poder representá-lo através
de uma conta convencional”. Nesse sentido, é
fundamental oportunizar o uso de estratégias
pessoais, a fim de inserir o aluno num processo
de ensino em que paulatinamente possa apro­­
priar-se da linguagem matemática e das representações convencionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para iniciar minhas considerações, quero retomar as palavras de Beto, transcritas na epígrafe
deste texto “Problemas, eu não gosto não! Porque
você tem que descobrir a coisa certa, e eu nem
sempre consigo descobrir”.
A fala de Beto traduz as práticas escolares de
resolução de problemas matemáticos até então
vivenciadas por ele. Ao acompanhá-lo na resolução do problema citada neste texto, fica evidente
que a proposição de situações que se caracterizam
como mero exercício não possibi­lita ao aluno
aprender Matemática ou usar ideias matemáticas
já anteriormente aprendidas. Nesse contexto,
geralmente o aluno não atribui significado aos
conceitos matemáticos e, por não compreendê-los, acaba por estabelecer um vínculo negativo
com a Matemática, como bem retrata Beto.
É possível inferir que, na resolução do problema, Beto, ao ser incentivado, foi capaz de
re­­solver o problema matemático apresentado,
utilizando as suas estratégias e diferentes registros (escrita, material manipulável, desenho,
algoritmo não convencional) que se articularam
entre si. Ele conseguiu, mediante suas estratégias e seus registros, não só resolver o problema,
mas representar e comunicar as suas ações e
os resultados, o que confirma a nossa hipótese
inicial de que o problema e o encaminhamento
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Palma RCD
senvolvimento o aluno aja com liberdade e seja
incentivado a utilizar os seus próprios registros.
Como diz Moreno9, “comunicar uma resolução
permite tornar explícito o que era implícito e
torna possível o reconhecimento desse conhecimento por parte do sujeito”. Os diferentes
registros oportunizam a reconstrução da ação
realizada; o desenvolvimento da autonomia,
da criatividade; e a apropriação da linguagem
matemática.
problemas, os aspectos subjetivos fazem-se presentes. A esse respeito, concordo com Marco8,
que destaca que o aspecto subjetivo do sujeito
deve ser considerado no contexto da Resolução de Problemas, pois, como argumenta essa
autora, “o cognitivo não está desconectado das
sen­­­sações, pelo contrário, tem nelas suas bases
de formação”.
No contexto escolar, a resolução de problemas deve ser um processo criativo em cujo de-
SUMMARY
Analysis of the production of a student considered unsuccessful
in solving mathematical problems
Introduction: The aim of this research tends to investigate how un­­suc­
cessful mathematical learners solve math problems when it is given them an
opportunity to use their own strategies. Methods: The research characterizes
as a qualitative study case, taking into account an interpretative analysis.
The study was developed with a group of primary learners in the fifth year
in a public school in Cuiabá, Mato Grosso, Brazil. Data were collected
through some interviews made of a mathematical teacher, attended his or
her classes and filming the learners doing the mathematical activities and
the way the teacher helped the unsuccessful learners in solving them. This
text is presented the analysis of the data of one unsuccessful learner with
difficulties in solving the problems given. Results: The results show us
that when it is given the learner a possibility in using their own personal
strategies, this learner will be able to solve the mathematical activity
through different ways as followed: (the written skill, the impressed and
manipulated material, the drawing strategies, and the use of the algorithm
not conventional) in which this can be articulated itself. Conclusion: The
conclusion is, therefore, there is a necessity to be considered related to the
type of a mathematical problem is given to be done and the way teacher can
lead to those learners who present some difficulties in and how the teacher
will help the learners to achieve their goals and get successful. Thinking of a
contextual school, the possibility of using different strategies in the process
of solving mathematical activities will give the learners opportunities in
re­­constructing the action made; thus, it is very important to develop and
create a good environment of mathematical teaching and learning in which
learners can get their autonomy and draw on the mathematical language.
KEY WORDS: Underachievement. Problem solving. Mathematics.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77
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Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos
REFERÊNCIAS
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séries iniciais do ensino fundamental: dois
estudos de caso [Dissertação de Mestrado].
Cuia­bá: Instituto de Educação, Universidade
Federal de Mato Grosso; 1999.
2. Davidov V. Tipos de generalización en la en­­­
señanza. Moscou: Editorial Pedagógica; 1982.
p.154.
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rollo psiquico. Investigación psicológica teó­
rica y experimental. Moscou: Editorial Progreso (Biblioteca de Psicologia Soviética);
1988. p.3.
4. Libâneo JC. A didática e a aprendizagem do
pensar e do aprender: a Teoria Histórico-cultural da Atividade e a contribuição de Vasili
Davydov. Rev Bras Educ. 2004; 27:5-24.
5. Gwinner P. “Probremas”: enigmas matemáticos. São Paulo: Vozes; 1990.
6. Zunino DL. A matemática na escola: aqui e
agora. Trad. Llorens JA. 2ª ed. Porto Alegre:
Ar­tes Médicas; 1995. p.53.
7.Kalmykova ZI. Pressupostos psicológicos
para uma melhor aprendizagem da resolução
de problemas aritméticos. In: Luria AR, Leon­
tiev A, Vygotsky LS, eds. Psicologia e Pedagogia: investigações experimentais sobre problemas didáticos específicos. 2ª ed. Trad. Simões
MFM. Lisboa:Editorial Estampa; 1991. p.14.
8. Marco FF. Estudo dos processos de resolução de problema mediante a construção de
jogos computacionais de matemática no ensino fundame ntal [Dissertação de Mestrado].
Campinas: Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas; 2004. p.11.
9. Moreno BR. O ensino do número e do sistema
de numeração na educação infantil e na 1ª série. In: Panizza M, ed. Ensinar matemática na
educação infantil e nas séries iniciais. Análise
e proposta. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.52.
Trabalho realizado na Universidade Federal de Mato
Grosso, Instituto de Educação, Cuiabá, MT, Brasil.
Artigo recebido: 20/5/2011
Aprovado: 16/7/2011
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77
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Noff
NA & EESPECIAL
spósito VHC
ARTIGO
Formação de profissionais da Educação:
da proposição à ação
Neide de Aquino Noffs; Vitória Helena Cunha Espósito
RESUMO – Este estudo apóia-se na hermenêutica filosófica de Gadamer
e busca explicitar as concepções que embasam a formação profissional
docente, e conclui que transformações no quadro político maior influenciam
a percepção da importância estratégica da educação pela sociedade e a
pro­­­­dução significativa de ações que contemplem o conflito como elemento
gerador de transformação e a autonomia do pensar e do agir e a uma política
de estado comprometida coma formação humanizadora dos profissionais
da educação.
UNITERMOS: Políticas públicas. Formação docente. Ação educativa.
Docentes.
Neide de Aquino Noffs – Doutora em Educação pela
Uni­­­versidade de São Paulo, Psicopedagoga Clínica e
Institucional, coordenadora do curso Psicopedagogia
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Atualmente é Diretora e docente e da Faculdade
de Educação da PUC-SP, presidente vitalícia da ABPp,
assessora institucional na rede municipal de ensino e
coordenadora geral da comissão de regulamentação
e formação do Psicopedagogo no Brasil junto à ABPp.
Vitória Helena Cunha Espósito – Doutora em Edu­cação:
Currículo pela Pontifícia Universidade Ca­­tó­­lica de São
Paulo e líder do grupo de pesquisa Edu­­cação e Produ­
ção do Conhecimento (CNPq/PUCSP), coordenadora
da Cá­tedra Interinstitucional Joel Martins (PUCSP –
FASM – UNIFESP – UFSCar) e fundadora da Sociedade
de Estudos e Pesquisa Qualitativos.
Correspondência
Neide de Aquino Noffs
Rua Diana, 715 – São Paulo, SP, Brasil – CEP 05019-000
E-mail: [email protected]
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 178-84
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Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação
e o de cultura a ela historicamente atribuídos,
pois, no processo de formação, tudo é preservado, nada desaparece. Não se trata de adquirir
simplesmente algo qualitativamente novo, ou
aprender sobre isto ou aquilo, mas de buscar
uma atualização de capacidades humanas e
saber-se vivenciando ou dirigindo-se a algo, um
movimento que se projeta no espaço e no tempo
em contínuo devir.
Formação que, ao se situar no espaço e no
tempo como uma ação de caráter educativo teó­
rico/prático, confronta-se diuturna e cotidianamente com o exercício de um pensar fundado na
lógica do improvável. Portanto, solicita escolhas
e a constante tomada de decisões em contextos
de incerteza. Esta palavra, ao ser adjetivada
como sendo “de professores”, descreve uma ação
intencional, diz de valores e de situações. Diz de
finalidades conforme se destine à preparação de
profissionais, no caso daqueles que se dedicarão
ao exercício da docência3.
Consideramos que, tanto no que se refere ao
momento de iniciação à docência ou àquela que
continuadamente se faz ao longo da vida, esta
docência há que ser considerada no âmbito do
que designamos como “formação profissional de
educadores”. Vista como ação educativa, será
um meio, o processo para atingirmos tal fim.
INTRODUÇÃO
Este trabalho desenvolve-se no âmbito da Cá­­
tedra Interinstitucional Joel Martins (PUC-SP/
FASM/UNIFESP/UFSCar), com sede na Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Considera ca­­­­ber
aos educadores a tarefa de clarear a ambiguidade
que reveste a linguagem, bem como a de apontar
a lógica falha que muitas vezes está nas raízes
dos vários problemas educacionais1. Para tanto,
busca, com o apoio da hermenêutica filosófica2,
interpretar algumas acepções que revestem o
termo formação e o uso que dele se faz enquanto
formação inicial e continuada em algumas políticas de educação, procurando apreender os
princípios e finalidades que as orientam diante
das transformações no quadro político maior,
identificando assim algumas contradições e ló­
gicas perversas na formação de educadores tal
como a vemos, centrada nas Ciências Humanas.
Faz parte de pesquisa interinstitucional mais
ampliada em desenvolvimento: Formação e De­­­­­­
senvolvimento Humano. Por uma Educação e
Cultura de Paz.
A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA
EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS HUMANAS
Consideramos aqui a palavra alemã Bildung
como um dos conceitos fundamentais para as
ciências do espírito ou humanidades, termo este
amplamente utilizado desde o século XV e que
mais recentemente foi traduzido e divulgado na
língua portuguesa como formação2.
Na esteira de nossa análise trazemos a palavra formação como uma forma+ação. Visto desta
forma, o termo passa a referir-se a algo próprio
à constituição humana, sendo que formação é
então um processo que não é só externo, como no
caso das formações geológicas, nem somente um
processo interno, como uma aptidão ou apenas
algo culturalmente constituído. É algo externo – uma configuração –, mas também interno
ao ser humano, que permanece em evolução e
aperfeiçoamento contínuos. Assim, formação
supera os sentidos de mero cultivo de aptidões
A UNESCO E AS DIRETRIZES PARA AS
POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO: AVALIAÇÃO
Na Declaração Mundial sobre Educação para
Todos: satisfação das necessidades básicas de
aprendizagem, realizado em Jomtien, Tailândia,
de 5 a 9 de março de 1990, a UNESCO anun­­­ciou
importantes compromissos para os signatários
deste documento. O Brasil, como um destes
sig­­­natários, passou a fundamentar a maioria
das diretrizes para as políticas de educação
nacionais em um documento conhecido como
Relatório Jacques Delors. Este documento, elaborado a partir de trabalhos realizados de 1993
a 1996 pela Comissão Internacional sobre a
Educação para o século XXI, da Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO), contou com a colaboração
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 178-84
179
Noff NA & Espósito VHC
de educadores do mundo inteiro e foi publicado
no Brasil sob o título de Educação – um tesouro
a descobrir4.
Considera o documento que:
“Para poder dar resposta ao conjunto das
suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendiza­­gens
fundamentais que, ao longo de toda
vi­­­da, serão de algum modo para cada
indivíduo, os pilares do conhecimento:
apren­­­der a conhecer, isto é adquirir os
instrumentos da compreensão; aprender
a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim
de participar e cooperar com os outros
em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que
integra as três precedentes. É claro que
estas quatro vias do saber constituem
apenas uma, dado que existem entre elas
múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta4”.
Outro fator está na organização dos sistemas escolares, pois existem muitos problemas
de gestão do sistema de educação e de falta de
valorização do professor. Poucos países asseguram ao professor uma carreira decente, além
dos diversos problemas que surgem em sala
de aula, e a escola, de modo geral, não está
suficientemente preparada para enfrentar todas
as dificuldades de aprendizado do aluno. Se
este não está aprendendo, devemos pesquisar,
descobrir o que está acontecendo. Quais são as
suas dificuldades? A questão não é reprovar. Se
o Brasil tem uma média de reprovação de 19%,
cada aluno reprovado é um problema que se
acumula. E isso amplia o desafio educacional.
Cunha6 considera ser necessário haver uma
política de educação de Estado, que possa, gradativamente, dar conta da grande tarefa da educação. Precisamos de escolas onde o aluno possa,
de fato, ter condições de estudar e aprender, para
assim se inserir num movimento mundial de
educação continuada ao longo da vida. Refere,
ainda, que o desafio brasileiro é maior que o da
Argentina, do Chile e do Uruguai, porque o país
historicamente se omitiu no quesito educação
popular; lembra que, já nos anos 20, o educador
brasileiro Almeida Júnior denunciava o esquecimento da educação primária. Os municípios
brasileiros reivindicavam delegacias, fontes
luminosas, mas não falavam sobre educação,
escolas. Hoje, esse problema social perdura,
pois a educação não é considerada uma das
prioridades da população. A sociedade brasileira
ainda não tem a percepção clara da importância
estratégica da educação na vida das pessoas
como o instrumento mais seguro para superar a
pobreza. Mas se essa percepção não existe na
sociedade, ela não estará entre os políticos, pois
eles se reportam à população.
Autores como Silva e Bertolo (2005) também
remetem à lógica do capital que permeia toda a
educação nacional, e revelam o descaso das elites
brasileiras com a educação do povo, só vindo a
investir na mesma quando fustigadas por determinações de organismos internacionais. Esta
lógica vê o trabalho docente como um insumo
O “Relatório de Monitoramento Global de
Educação para Todos”5, que avalia o trabalho da
instituição, nos traz que, apesar do progresso já
realizado, os compromissos assumidos para 2015
não serão atingidos.
Comentando esses resultados, Cunha6 aponta
que são vários os fatores que têm dificultado esse
desenvolvimento da educação mundial, sendo
que considera como o mais importante o fato
de que poucos países tomaram efetivamente a
decisão de colocar a educação como prioridade
de Estado. Ou seja, há um discurso mundial de
educação para todos, de ênfase na qualidade da
educação, mas entre o discurso e a concretização
dessa proposta existe uma grande distância, sendo que os investimentos que se esperavam para
a educação ainda estão muito aquém do ideal. O
autor observa que a UNESCO recomenda que os
países da América Latina invistam no mínimo 6%
do produto interno bruto (PIB), mas que poucos
países no mundo atingem esse percentual. Na
América Latina, o Brasil, por exemplo, apesar do
discurso bem feito do ex-presidente Lula, investe
apenas 4% do PIB em educação.
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Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação
na economia é um elemento que inibe o setor
privado e freia o desenvolvimento econômico, e
a educação é por eles considerada elemento decisivo para a formação do capital humano, para
aumentar a produtividade, promover a coalizão
social e a redução da pobreza.
Seus defensores apostam num mundo inte­
grado e sem fronteiras, em que as novas tec­­­­
nologias e métodos gerenciais garantam o aumento geral da produtividade, o bem-estar dos
indivíduos e a redução das desigualdades entre
as nações, de forma a reforçar a hegemonia dos
países centrais sobre os periféricos. Redimensionando o conhecimento e as informações, estes
são assim submetidos aos princípios de mercado.
O texto As políticas educacionais para o
sé­­culo XXI: de Color a Lula8 nos traz que, no
Brasil e na maioria dos países ocidentais, as
diretrizes das políticas educacionais, elaboradas
sob a égide do neoliberalismo e do discurso de
globalização da sociedade capitalista, foram e
ainda são ditadas por organismos multilaterais e
amplamente implementadas desde que o Banco
Mundial assumiu a postura de coordenação da
educação mundial e a administração de vultosas verbas, que são investidas em seus projetos
específicos, geridos com o apoio técnico e logístico próprios a esta lógica, em especial, aqueles
voltados para a educação básica.
As políticas do Banco Mundial para a educação são pensadas do ponto de vista da produção,
uma articulação entre trabalho e educação, de
forma que o investimento humano em educação
básica – principal foco dessas políticas – possa
aumentar a produtividade e, consequentemente,
a força de trabalho estará relacionada a uma
educação que transmitirá as competências e
habilidades necessárias à melhoria da capacidade de trabalho. Com relação à escola, esta tem
sido vista como panaceia para todos os males
da sociedade, e, de forma coerente à proposta
neoliberal, traz o sentido de adequar e preparar
o “cidadão-trabalhador” e “capacitá-lo a viver
numa sociedade democrática”.
Considerando-se que a formação docente
proposta na perspectiva das Ciências Humanas
educacional e não na dimensão educativa da for­­­­
mação. Mais: “Professores, nesta perspectiva, se
equiparam às bibliotecas, ao material pedagógico, aos computadores, ao vídeo e à televisão”
(Souza apud Silva7).
O “CONSENSO DE WASHINGTON” E O
CONCEITO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES: IMPASSES
A história contemporânea do século XX foi
marcada pela “Guerra Fria”, quando dois grandes blocos políticos, econômicos e ideológicos
antagônicos se digladiaram pela “hegemonia”
mundial. De um lado, o “bloco Ocidental”, ca­­­pi­­­
taneado pelos Estados Unidos e Europa Ocidental, defendia os preceitos do liberalismo político
e econômico como o único modo de vida. De
outro, o “bloco Oriental”, liderado pela União
So­­­viética, defendia a ideologia do socialismo
de Estado. Ambos os lados possuíam um grande
número de armas de destruição em massa, como
ogivas nucleares. Por algumas vezes, como na
“Crise dos Mísseis”, em Cuba, em 1962, o mundo
esteve muito próximo da Terceira Grande Guerra
mundial. É por isso que o final da Guerra Fria,
cujos marcos principais foram a queda do Muro
de Berlim (1989) e a dissolução da União Soviética (1991), marcou um novo momento político
internacional. Os Estados Unidos, tidos como os
grandes vencedores do conflito, buscaram exportar os valores do liberalismo político e econômico
norte-americano. Utilizaram, para tal finalidade, algumas instituições internacionais, como
o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial, para incentivar determinados modelos
de políticas públicas centrados no “Mercado”,
também conhecidas como “neoliberais” ou do
“Consenso de Washington”.
Estas têm sua origem em 1989, no chamado
Consenso de Washington, quando numa conferência do Institute for International Economics
(IIE), em Washington, foram listadas as políticas
que o governo dos Estados Unidos preconizava
para o enfrentamento da crise econômica dos
países da América Latina. No entendimento dos
mentores dessas políticas, a presença estatal
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Noff NA & Espósito VHC
associações científicas e profissionais têm se envolvido, especialmente no que tange às po­­­­líticas
públicas, e, dentre estas, destacamos, em São
Paulo, o Sindicato de Supervisores do Ma­­­gistério
(APASE), que realizou em 2010 o XXIV Encontro
Estadual: A Educação e Economia: exigências da
Sociedade Democrática, em que essa te­mática foi
amplamente debatida. Da mesma forma outras
entidades, como a Asso­ciação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Edu­­­cação (ANPEd),
as Conferências Brasileiras de Educação (CBEs),
pelo Fórum Nacional em Defesa da Educação
Pública, o Sindicato Nacional dos Docentes
de Ensino Superior (ANDES) e outros têm-se
manifestado em defesa da educação pública,
gra­­­tuita, laica, unitária e universal, concepção
de educação antagônica à concepção mercantil
fragmentária e pragmática das condições de empregabilidade10. É ainda Frigoto10 que considera
que, mesmo no governo Lula, houve mudanças
nas políticas redistributivas em programas, projetos e ações que envolvem milhões de brasileiros,
antes excluídos; no entanto, estas ocorreram sem
trazer alterações nas estruturas produtoras de
de­sigualdades.
Voltando à discussão posta por Trindade9 e
comparando os contextos sociais, culturais e
eco­­­nômicos do século XIX com os atuais, corroboramos com o autor que não podemos deixar de
considerar, no mínimo, anacrônico o fato de a escola se manter, enquanto instituição, quase inalterada, especialmente privilegiando um modelo
político centralizador em um país de dimensões
e diversidade cultural continentais. Acerca das
suas finalidades, dos seus conteúdos às políticas
e dos modos de realizar tanto a formação inicial
quanto a continuada, uma questão crucial há
que ser respondida: formar professores para quê?
Questão esta que, segundo Trindade9, continua
a fazer todo o sentido, em qualquer das modalidades referidas. Ele ressalta ainda que a questão
se desdobra em: formar professores para que
escola? Pois será a resposta encontrada que irá
condicionar o desenho da formação e limitar as
escolhas do currículo e das metodologias a serem
utilizadas na sua concretização.
apresenta princípios que focam o desenvolvimento humano ao longo da vida e, na sua integralidade, uma formação voltada para alógica
do capital, esta se acha, portanto, em franca rota
de colisão com a perspectiva de formação posta
neste trabalho.
A GESTÃO EDUCACIONAL E OS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
Entre as concepções que embasam a formação de profissionais da educação e as proposições políticas que regem a sua aplicação, sejam
estas presentes nos discursos estruturantes ou
de princípios que informam e “enformam” os
di­­plomas legais que validam institucionalmente
a profissão docente, esta é um problema que se
estende para além das nossas fronteiras. Com
Trindade9, vemos que em Portugal hoje já não
se levanta controvérsia quanto à amplitude do
termo. Desta maneira, a formação inicial à docência passa a constituir-se como um primeiro
momento de um processo que ocorre ao longo
da vida, pensamento este que legitima a gestão
da formação de professores no que condiz às
exigências e às políticas de formação de professores por nós trabalhadas neste texto.
Este autor refere, com relação à formação
continuada, que:
“Quem a vai frequentar, já está no terre­no;
isto é, na escola, ou já exerce a pro­­­fissão.
Por isso, a formação contínua deve oferecer oportunidades para a atualização
e aprofundamento dos conhecimentos
científicos, técnicos e tecnológicos ligados ao exercício da profissão, bem como
a inspiração humanista que os informa.
Consoante a sua índole, esta formação
pode ser fornecida por associações científicas, profissionais (por exemplo, sindicatos e/ou associações de professores),
centros de formação e instituições de
ensino superior que possuam estruturas
para o efeito9”.
No Brasil, no que se refere à formação dos
profissionais da educação, as entidades de classe,
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Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação
Concordamos com o autor que o fato de a
escola atual manter, na sua essência, a mesma
estrutura organizacional e de funcionamento
de há quase dois séculos, isto é, basicamente a
mesma organização de espaços e de tempos e
estruturas curriculares semelhantes e, principalmente, a mesma forma com que embasa seu
trabalho, esta termina por estabelecer um delimitador ao trabalho do profissional docente, pois
“um óculo perceptual é forjado culturalmente,
desde o século XVII, e de maneira imperceptível
modela e recorta o modo de ver e situar-se no
mundo nos seus diferentes tempos e espaços”11.
Este é um fator crucial que inviabiliza as
(trans)forma-ações que contemporaneamente
se fazem necessárias ao trabalho de educação e
formação docente, devido à bidimensionalidade
que continua a impor-se à nossa vida de forma
(in)visível pela lógica que dá suporte aos métodos
de ensino prevalentes desde a modernidade –
de natureza indutiva e lógico-dedutiva. Estes,
calcados numa pedagogia realista, acham-se
introjetados, engessando, (in)formando e (con)
formando o pensar e o fazer da escola.
e autonomia do pensar e do agir. Mais, nesta
empreitada promovem-se ações gestoras que
terminam por dicotomizar a ação docente sob
a alegação de que a alguns cumpre a execução
e a outros o planejamento e a decisão. Assim
or­­­questrado, o fazer que se diz “educativo” traz
como resultado a dependência crescente e a
desconexão entre aqueles que pensam e aqueles
que executam a ação docente, e se propaga nas
diversas instâncias gestoras que, diferentemente
da visão de projetos dirigidos à autonomia dos
formadores, se acha respaldada na dependência
e expropriação da autoria de seu ser e fazer.
Desta maneira, um elemento contraditório se
instala entre o que se diz por formação docente
e profissional, por nós enfocada neste trabalho,
e a ação das instâncias responsáveis pela gestão
das políticas públicas que as orientam. Estas, em
face das alterações que ocorrem em âmbito do
quadro político mais amplo, de forma contradi­
tória sutil (ou não), terminam por nortear as
ações educativas, inviabilizando que processos
pedagógicos diversificados aconteçam.
Há ainda a questão do financiamento das
políticas de educação, que, pautando-se numa
lógica perversa, não promovem ações que levem
a sociedade brasileira a apreender a importância
estratégica da educação como o instrumento
mais seguro para superar a pobreza. Como nos
traz Cunha6,“se essa percepção não existe na
sociedade, ela não estará entre os políticos, pois
eles se reportam à população”.
Consideramos ainda que necessário se faz
instaurar uma política de Estado verdadeiramente comprometida com a formação humanizadora dos profissionais da educação que,
gradativamente, venha a dar conta da grande
tarefa da educação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, consideramos que o caráter
transformador é o que caracteriza a ação educativa como projeto, no sentido de algo que se lança
à frente e que pode ser concretizado pela ação
engajada de uma ou várias pessoas. Difere substancialmente dos chamados projetos pautados
numa perspectiva que contempla a lógica neoliberal, cujos princípios de gestão trazem inseridos, sutilmente, uma dimensão de dominação
que propaga a ideia de convivência harmônica
em detrimento da consideração efetiva do conflito como elemento gerador de transformações
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SUMMARY
Training of professional education: the proposition to action
This study is based on Gadamer’s philosophical hermeneutics and seeks
to clarify the concepts that underlie the formation of the teaching profession,
and concludes that changes in the political influence the perception of
greater strategic importance of education in society and the production
of significant actions that address the conflict as generating element of
transformation and autonomy of thought and action and a state policy
committed eat humanizing training of education professionals.
KEY WORDS: Public policies. Teacher training. Educational activities.
Faculty.
REFERÊNCIAS
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currículo: Educação como Poíesis. In: Espósito VHC, org. São Paulo: Editora Cortez; 1992.
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2ª ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC/
UNESCO; 2003.
5. UNESCO. Relatório de monitoramento global
de EPT, 2008 - Educação para Todos em 2015:
um objetivo acessível? São Paulo: Moderna;
Brasília: UNESCO Office Brasília; 2009. 484p.
6. Cunha C. Entrevista concedida ao Portal pro­­­­­­­­
fes­­­­­­­­sor. Disponível em: http://www.conexao
professor.rj.gov.br/index.asp. Acesso em 3/1/
2011.
7. Silva CP. Tendências e perspectivas da super­
8.
9.
10.
11.
Este artigo é uma versão revisada do texto apresentado
no XXV Simpósio Brasileiro e II Congresso Ibero-Ame­
ricano de Política e Administração da Educação.
Comunicações Orais e Relatos de Experiências com o
título “Políticas de formação de profissionais da edu­
cação: da proposição à ação. Trabalho realizado no âm­
bito da Cátedra Interinstitucional Joel Martins (PUC-SP/
FASM/UNIFESP/UFSCar), com sede na Faculdade de
Educação da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
visão: apontamentos para uma militância
pos­­­sível e necessária. São Paulo, XXIV Encontro Estadual de Supervisores do Magistério. Revista APASE. 2010; Ano IX- nº11:50.
Jacomeli. As políticas educacionais para o século XXI: de Color a Lula. São Paulo, XXIV
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São Paulo: Editora Martinari; 2011.
Frigoto G. Educação contemporânea: disputa
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Espósito VHC. O ensino da matemática: discurso pedagógico de alunos e professores. In:
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artesão: construindo a trama no cotidiano da
escola. São Paulo: EDUC; 1996.
Artigo recebido: 18/3/2011
Aprovado: 3/7/2011
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EducaçãoARTIGO
, Psicologia
Escolar e Inclusão
DE REVISÃO
Educação, Psicologia Escolar e Inclusão:
aproximações necessárias
Claudia Gomes; Vera Lucia Trevisan de Souza
RESUMO – Este artigo tem como objetivo discutir teoricamente algumas
carências e desafios da Psicologia na atuação da educação inclusiva.
As análises dos estudos teóricos produzidos, assim como das pesquisas
científicas divulgadas nos últimos anos, evidenciaram que a Psicologia
tem a necessidade de exercer uma atuação contextualizada e reflexiva, e
acima de tudo comprometida socialmente com os alunos em processo de
inclusão escolar e seus professores. Conclui-se que o impulsionamento para
a mudança de paradigma vivenciado nas instituições escolares, para que se
tornem espaços inclusivos, exige posicionamentos políticos, pedagógicos
e institucionais mais democráticos e com respeito à diversidade humana.
UNITERMOS: Psicólogos. Psicologia Educacional. Educação.
Claudia Gomes – Professora Doutora do Instituto de
Ciên­cias Humanas e Letras da Universidade Federal
de Alfenas – UNIFAL-MG.
Vera Lucia Trevisan de Souza – Professora Doutora
do Programa de Pós-Graduação em Psicologia como
Profissão e Ciência da Pontifícia Universidade Católica
de Campinas – PUCCAMP.
Correspondência
Claudia Gomes
Instituto de Ciências Humanas e Letras – ICHL
Rua Gabriel Monteiro da Silva, 700 – Centro – Alfenas,
MG, Brasil – CEP: 37130-000 –
E-mail: [email protected]
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Gomes C & Souza VLT
especializados aos alunos em processo de inclusão decorrentes de deficiências, transtornos
globais do desenvolvimento, e altas habilidades
ou superdotação. Dentre os objetivos traçados
pela nova regulamentação nacional estão: prover
condições de acesso, permanência e participação, com a garantia de transversalidade das
ações da educação especial no ensino regular,
por meio do desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que auxiliem na eliminação
das barreiras acadêmicas para esses alunos nos
diferentes níveis acadêmicos2-4.
Ainda de acordo com a legislação, a compreensão da Educação Especial nessa nova
esfera vem possibilitar a oferta do atendimento
especializado aos alunos, com o oferecimento de
recursos e procedimentos apropriados, facilitando a acessibilidade e a eliminação de barreiras
e, assim, efetivando a promoção da formação
integral dos alunos6.
Não podemos desconsiderar que os amparos
legais vêm possibilitando gradativamente a inclusão de alunos com necessidades especiais no
ensino regular. De acordo com o Censo da Educação Básica, realizado pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais, no ano
de 2006, finalizado e divulgado em 2008, houve
crescimento de 72,4% do número de matrículas
realizadas em escolas regulares, o que, segundo
análise, torna-se um favorável indicador para a
inclusão escolar6.
Entretanto, se por um lado as estatísticas
parecem animadoras, por outro não podemos
deixar de considerar que o indicador de inclu­são,
quando delimitado pela realização da ma­­­trícula
do aluno, não garante que o acesso e a permanência do aluno, como proclamado pelos diferentes documentos nacionais e internacionais
que defendem a inclusão escolar, de fato está
sendo efetivado. As ações de inclusão escolar
direcionadas por diferentes chavões políticos,
como por exemplo, considerar a matrícula dos
alu­­­nos como um indicador positivo, podem ser
verídicas, mas se tornam ilusórias quando essas
mesmas estatísticas indicam os índices de eva­são,
repetência e nível de alfabetização dos alunos,
INCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL: POLÍTICAS, AÇÕES E INDEFINIÇÕES
Como se sabe, a educação brasileira se insere
no quadro de transformações e discussões da
in­­­clusão escolar com um rápido percurso iniciado em 19901, que coincidiu com a realização
da Conferência Mundial sobre Educação para
Todos2, ocasião em que foram estabelecidas prio­­
ridades para a Educação nos países de terceiro
mundo. Mas é com a condensação do Plano
De­­­­­­cenal da Educação para Todos, em 1993,
assim como as metas posteriores lançadas pelo
governo (descentralização da administração de
verbas, currículo básico, educação à distância,
avaliação nacional das escolas), que se fundem
ações alinhadas às tendências mundiais de uma
educação para todos1.
Todavia, alguns alinhamentos internacionais
ganharam maior destaque ao buscarem abordar,
especificamente, a proposta de inclusão escolar
de alunos com necessidades especiais. De acordo com a Declaração de Salamanca3, a construção de uma sociedade inclusiva é um processo
de fundamental importância para a manutenção
de um Estado Democrático. É este princípio que
o Brasil busca partilhar com a implementação de
suas ações educacionais inclusivas, que tomam
forma nas Novas Leis de Diretrizes e Bases da
Educação4.
Desta forma, no âmbito nacional, a polêmica
discussão da proposta educacional inclusiva se
deu pela aprovação, em 1993, e pela promulgação, em 1996, da Nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação, que em seus artigos firma a necessidade de equidade ao atendimento educacional
no ensino regular a todos os educandos. Deixa
claro, em seu Art. 3º (inciso I, II e IV), que os
princípios de igualdade de condições de acesso e
permanência, com respeito à liberdade e apreço
à tolerância, deverão ser as bases e princípios
da Educação4.
Esta compreensão é reafirmada na forma de
lei, pelo Decreto nº 6.571, promulgado em 17
de setembro de 20085, que busca avançar nas
discussões da inclusão escolar ao regulamentar
a possibilidade de atendimentos educacionais
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Educação, Psicologia Escolar e Inclusão
independentemente de possuírem deficiências
ou não. Tal fato mobiliza repensar as propostas
de inclusão escolar e os indicadores meramente
estatísticos lançados nos levantamentos realizados, que parecem desconsiderar questões como:
condições de instalações, despesas e materiais,
tempo letivo, formação de professores, clima e
gestão escolar, ações essas que, como se sabe,
contribuem para a efetividade do ensino.
Nesse sentido, pensar em um processo de
inclusão escolar que dê conta das ações excludentes que cercam as escolas é assumir que
mui­­ta atenção deve ser dada ao caráter elitista e
homogeneizante das práticas pedagógicas e suas
inadequações na abordagem da diversidade dos
alunos, e que exige de nossas consciências um
despertar mais ético ante a questão social fundada
por exclusões e desigualdades7. Ainda de acordo
com a autora, a escola deve passar de um local de
apropriação do conhecimento para constituir-se
em um espaço para o exercício da reflexão crítica,
de maneira que se revejam as dinâmicas e organizações pedagógicas instauradas ao longo dos
tempos, em nossas instituições escolares.
Um avanço na Educação pressupõe o alcance
de um novo patamar na história da evolução da
humanidade, com a revisão dos inúmeros equilíbrios existentes, injustiças e desigualdades,
que assolam nossa sociedade. Uma análise da
realidade capitalista contemporânea e suas cruéis
consequências, tais como miséria, desemprego,
conflitos étnicos, racismo, discriminação e marginalização de camadas da população, permeiam
o processo de inclusão escolar de alunos com
necessidades especiais8.
Discutir a temática da inclusão escolar nos
remete, inicialmente, à discussão do papel da
escola na sociedade6,8-10. Pode-se dizer que a
escola assume o relevante papel na consolidação
de determinados “traços” sociais, sendo produ­
to e produtora desses mesmos traços. Ainda
segundo a autora, para estudar a escola e sua
organização é necessário contemplar os aspectos
amplos da sociedade, como a economia e a política. “A inclusão, então, aparece como propulsora
de uma nova visão da escola. Entretanto, sob o
discurso do respeito às diferenças, oportuniza-se educação diferente para “compensar ” as
di­­­ferenças sociais”9.
De maneira geral, as pesquisas que tratam
das políticas educacionais refletem, explicitamente, o discurso da educação como instrumento para o enfretamento do processo de exclusão
social, acrescido da possibilidade de justiça
social da escola para todos, inclusive, para as
pessoas com necessidades especiais10. Estas
mesmas políticas abordam e divulgam, em suas
diretrizes, a importância do processo de socia­
lização em detrimento de currículos conteudistas, em respeito ao ritmo de cada criança. Porém,
a autora conclui que, embora esses princípios
sejam, em tese, democráticos, na verdade existe
um hiato entre a intenção e a realidade vivida
em nossas escolas.
Ainda de acordo com a autora10, dentre as principais causas do distanciamento entre a intenção
e a realidade educacional em nosso País podem
ser destacados os seguintes pontos: manutenção
das formas hierarquizadas e pouco democráticas
das políticas educacionais; desconsideração da
história profissional daqueles que fazem o dia-a-dia da escola; implantação das políticas sem
a articulação com a infraestrutura necessária;
ma­­­­­­­nutenção de concepções a respeito do aluno
e de sua família de classes populares, que desqualificam uma parcela importante da população,
para a qual essas políticas são dirigidas; desconhecimento das reais finalidades das políticas
educacionais implementadas pelos próprios
educadores, e demais profissionais da educação,
dentre eles, os próprios psicólogos escolares.
EDUCAÇÃO INCLUSIVA E PSICOLOGIA:
APROXIMAÇÕES NECESSÁRIAS
Diferentes estudos internacionais já enfo­
caram os aspectos mais explícitos que dificultam
o processo de inclusão de alunos com neces­
sidades especiais nas escolas. Dentre os vários
aspectos abordados, ainda é unânime a falta de
capacitação profissional adequada, a falta de
recursos e materiais apropriados, as barreiras
arquitetônicas e físicas, as barreiras humanas
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atitudinais que permeiam as práticas pedagógicas em relação à inclusão, dentre outros11- 14.
Ressalta-se que, para tanto, os desafios dos
psicólogos escolares são tão concretos como a
concretude dos problemas que assolam as instituições escolares do País. Há que se superar,
assim, a necessidade de uma formação política e
ideológica, que dê embasamentos para uma ação
profissional crítica e construtora da realidade
brasileira, contrapondo-se, efetivamente, a uma
política educacional segmentada, massificante
e dominadora, que há muito direciona nossas
escolas1,7,8,15,16.
A ressignificação da atuação da Psicologia
Escolar passa pela apropriação de referenciais
teóricos e práticos que reafirmem os processos
interativos conscientes e inconscientes, constitutivos dos sujeitos em processo de ensino-aprendizagem, dentro de uma perspectiva dinâmica e sócio-histórica16,17. A construção da nova
identidade do psicólogo escolar depende, ainda,
de uma compreensão de respeito e afirmação às
diferenças, garantindo o desenvolvimento do pa­­
pel de agente social transformador da realidade
em nossas escolas, principalmente no que se
refere às políticas educacionais inclusivas de
alunos portadores de necessidades especiais.
Com uma visão segmentada e apolítica, a
Psi­­­cologia não integrou em seus conceitos a rea­
lidade social. E é com esta noção que a Psico­­­­­­­­logia
permaneceu nas diretrizes educacionais do País,
enfocando o sujeito isolado e deixando ilesas e
isentas de culpa as instituições escolares pelo
fracasso de seus alunos, e, consequentemente,
responsabilizando-os por sua exclusão10,18.
A proposta de inclusão escolar oferece, assim,
a possibilidade da revisão das práticas escolares
excludentes, que cercam a sociedade historicamente. A reflexão constante da ação e compromisso com a mudança no tratamento da diversidade
humana se torna o ponto central da participação
da Psicologia nesse debate da inclusão e na busca
para uma sociedade democrática18,19.
Ser psicólogo escolar no Brasil é conhecer as
necessidades psicológicas de todos os sujeitos
envolvidos, independentemente de classes so-
ciais, capacidades físicas ou mentais, em situações de risco ou situações abastadas, “é defender
os direitos ao atendimento de suas necessidades
e à promoção de seu desenvolvimento, sem
discriminação ou intolerância de qualquer tipo
ou grau”20,21.
A Psicologia deve buscar romper com a cumplicidade que tem caracterizado sua relação com
a Educação, para se apresentar como um conhecimento científico capaz de demonstrar e compreender a dimensão subjetiva da experiência
vivida na escola pelas camadas marginali­zadas.
Porém, para a Psicologia assumir este novo mo­­­­delo
precisa superar a visão naturalizante do desenvolvimento humano, a compreensão do fenômeno
psicológico como abstrato e com características
universais18.
É unanimidade entre alguns pesquisadores
e profissionais da área da Psicologia Escolar,
a necessidade de se repensar ações e práticas
profissionais mais comprometidas com a trans­
formação social dos interesses da maioria da
população. A exigência de uma prática profissional
que contemple a construção crítica social e, para
tanto, a abordagem das políticas educacionais
inclusivas é um dos meios mais efetivos para esta
necessária transformação profissional15,17,19,21,22.
PSICOLOGIA NO PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR: PRODUÇÕES E CONSIDERAÇÕES
Dentre os estudos nacionais realizados entre
os anos de 1999 a 2007, e disponibilizados na
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) do Centro
Latino-americano e do Caribe de Informação em
Ciências da Saúde, que o processo de inclusão
es­colar de alunos com necessidades especiais
ainda é um desafio para nossas políticas públicas, para nossos profissionais da educação, para
os pais de alunos com necessidades especiais
e, acima de tudo, para os próprios alunos em
processo de inclusão.
Estudos como os de Bernardes23 e Jusevicius24, que lançaram como objetivos explorar as
concepções de professores acerca da inclusão
escolar, revelam que a falta de formação espe-
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Educação, Psicologia Escolar e Inclusão
cializada, a inexistência de recursos adequados
e de apoio técnico constante, assim como a rea­
lização de serviços de atendimento paralelo e
a redução do número de alunos em sala, foram
alguns dos desafios e necessidades apontados
pelos professores para justificar o pouco avanço
do processo de inclusão.
No entanto, o que se vem percebendo é que
essas deficiências passam a se constituir barreiras secundárias ao se considerar o distanciamento existente entre a legalidade e objetividade
das políticas educacionais inclusivas, e a realidade vivida nas ações educacionais que a escola
de­­­senvolve. Pesquisas como as de Emílio 25,
Viana26, Franca27 e Crespo28, que abordaram o
contexto educacional e suas deficiências frente
à proposta educacional inclusiva, apontam, de
diferentes formas, que as barreiras para um processo inclusivo parecem polarizar a discussão da
contex­tualização dos valores mais implícitos da
proposta, tais como o clima escolar e as resistên­
cias, que por ventura possam ser vivenciadas
pelos protagonistas envolvidos, assim como uma
formação acadêmica satisfatória, que seja relacionada à reflexão e à abordagem das diferenças.
Carmo Neto29 aponta que professores e de­
mais profissionais da educação apresentam dificuldades na construção de novas representações
do aluno com necessidades especiais, além de
indicarem sentimentos ambíguos quanto ao processo inclusivo. Já para Tessaro30, os resultados
de sua pesquisa indicam que os professores
apresentam não só um conceito insatisfatório
sobre inclusão, que viria a dificultar novas representações, mas também indicam, de certa forma,
atitudes e sentimentos negativos para com os
alunos com necessidades especiais.
Logo, o processo de inclusão escolar implica
mudanças radicais na compreensão dos sujeitos
e na estrutura da escola, questionando, inclusive, os mecanismos sutis de exclusão aos quais os
alunos parecem predestinados cotidianamente31.
Ao mesmo tempo em que os professores
acreditam ter uma adequada formação acadêmica para lidar com alunos com necessidades
especiais, as suas concepções e práticas pedagó-
gicas são limitadas e restritivas, e embasam suas
práticas profissionais na reprodução do discurso
médico sobre necessidade especial32.
No entanto, o que parece também deflagrado
pelos estudos desenvolvidos é que a responsabilização do êxito ou não da inclusão é direcionado
para professores. O que se percebe, no entanto, é que os professores, quando indicam suas
dificuldades e necessidades, podem também
estar chamando a atenção para a sua condição
de isolamento profissional. A democratização
da gestão e a educação inclusiva se relacionam
diretamente, e uma escola inclusiva deve ser,
antes de tudo, uma escola democrática1,7,8.
Por outro lado, o que se vivencia ainda em
nossas instituições escolares são práticas que
denotam isolamento dos profissionais, e um dis­­­­
tanciamento da compreensão sobre a política
inclusiva, que, muitas vezes ampara um atendimento segregado no interior das instituições
escolares33, ou ainda o desenvolvimento de pro­­­
gramas dissonantes à proposta, cujos resultados
são preocupantes, como os resultados apontados34, que ao buscar caracterizar o funcionamento de uma sala especial em escola regular,
cons­­tatou entre alguns dos desafios vividos pelas
profissionais, desde a dificuldade em definir e
caracterizar os alunos encaminhados para suas
salas especiais sem o devido diagnóstico, até o
processo de cisão entre os profissionais dessas salas e os demais profissionais dos ciclos regulares.
A consideração de uma política educacional
que visa à implementação da inclusão como uma
forma de descristalizar o insucesso e o fra­­­casso a
que muitos alunos estão submetidos pa­­rece se
contrapor ao desafio de re-significar esses alunos, como indivíduos criativos e saudáveis35. No
entanto, não podemos desconsiderar os desafios
vivenciados por esses profissionais que, como já
indicado, muitas vezes assumem isoladamente sua prática inclusiva de trabalho. Pode ser
constatada a percepção de constante ameaça e,
consequentemente, a sensação de sufocamento
que a implementação das propostas inclusivas
está causando, ao se desconsiderar os limites e
desafios dos próprios educadores, na consideração de sua prática profissional e de seus alunos36.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 185-93
189
Gomes C & Souza VLT
A responsabilidade pelo processo de inclusão
vivida até então isoladamente pelos docentes, que
denotam tais sentimentos e ficaram paralisados
frente às possibilidades de novas representações,
como por exemplo, a concepção de um processo
educativo sem falhas, parece lançar sérios im­
passes ao professor em sua tarefa cotidiana37.
De acordo com Serra e Paz38, é necessário de­­­
senvolver estudos que contemplem uma visão
sistêmica da inclusão, não atribuindo apenas ao
professor a responsabilidade pelas dificuldades
enfrentadas. Urgentes são ainda a elaboração e
construção de instrumentos e recursos pedagógicos que favoreçam o professor em sua prática
cotidiana, além do refinamento dos relatórios
psi­­­­copedagógicos desenvolvidos no acompanha­
mento dos alunos incluídos. Segundo os resultados obtidos39, os relatórios que descrevem o rendimento e o progresso acadêmicos dos alunos,
assim como suas dificuldades e necessidades,
em sua maioria são construídos com a descrição
minuciosa das dificuldades dos alunos, sem indicar possibilidades e necessidades que orientem
o trabalho docente. Desta forma, tal como elabo­
rado, o relatório que poderia subsidiar novas
ações profissionais parece ser estruturado para
o cumprimento burocrático da instituição, sendo
irrelevante para o trabalho pedagógico.
É com a consideração de que o processo de
inclusão escolar é um projeto que implica o en­­
volvimento de todos, que pesquisas como de Bernardi40 e Almendra41, explorando a percepção de
pais de alunos com necessidades especiais e pais
de alunos sem necessidades especiais se tornam
relevantes, ao indicar que, em ambos os grupos
de participantes, há falta de conhecimento e informação quanto ao processo de in­­­clusão escolar.
Assim, de modo geral, diversos estudos sobre
a proposta de inclusão escolar parecem alertar
para a importância de uma maior atenção na
implementação das políticas, enfatizando que a
proposta só será efetivada com sucesso quando
compreendida como consequência de uma discussão da necessidade de mudança do paradigma
educacional vigente. Esta mudança de paradigma
deve dar ênfase a um maior compromisso com a
diversidade humana e com as transformações das
representações das diferenças42-44.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar a articulação entre Educação, Psicologia Escolar e Inclusão remete à consideração
de diferentes entraves, dentre os quais, a adoção
de uma ação profissional mais comprometida
socialmente como elemento central no processo
educacional, pois somente a partir dessa articulação, as diferentes e complexas representações
que permeiam o processo de inclusão escolar de
alunos com necessidades especiais poderão ser
abordadas de uma perspectiva teórica consistente, que ampare novas zonas de inteligibilidade
na compreensão do desenvolvimento humano e
de relações escolares de fato inclusivas.
As questões dos psicólogos escolares mos­
tram-se controversas na mesma intensidade que
os problemas decorrentes, incidentes ou relacionados às instituições escolares mostram-se
complexos. E este sim é o desafio a ser superado,
uma formação política e ideológica, somada a
uma prática profissional crítica e construtora da
realidade brasileira, com o compromisso da compreensão da diversidade humana para o desenvolvimento de uma sociedade mais democrática.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao apoio financeiro oferecido
pelo CNPq para a conclusão desta pesquisa.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 185-93
190
Educação, Psicologia Escolar e Inclusão
SUMMARY
Education, School Psychology and inclusion:
approximations necessary
The understanding of educational problems represents one of the most
important aspects for reaching educational qualification; thus, this re­
search defined teacher needs and challenges and also the participation of
Educational Psychology for the solution to these problems. The analyses of
obtained information are related to teaching practices which dichotomizes,
focusing only on methodology and technique. Teaching practices unaware of
students needs. In the other hand, the study could verify that the challenges
are related to a necessity of adopting teaching practices able to ponder and
notice student’s context. Such practices would also be social-balancing
actions. The research concludes that more democratic (political, institutional
and personal) views of teachers and educational psychologists are necessary
for the driving towards changing the paradigm experienced in schools.
KEY WORDS: Psychologists. Psychology, Educational. Education.
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Texto derivado de Tese de Doutorado realizada no Pro­
grama de Pós-Graduação Psicologia como Profissão
e Ciência da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas – PUCCAMP, Campinas, SP, Brasil.
Artigo recebido: 18/3/2011
Aprovado: 3/7/2011
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 185-93
193
Brumde
LA revisão
et al.
ARTIGO
Aprendizagem e transtorno bipolar:
reflexões psicopedagógicas
Lanúzia Almeida Brum; Cristian Patrick Zeni; Silzá Tramontina
RESUMO – Este artigo objetiva realizar um contraponto entre questões
relacionadas à aprendizagem, refletindo acerca de aspectos específicos de
dificuldade de aprendizagem, dificuldade de aprendizagem secundária a
outras patologias e transtorno de aprendizagem, buscando-se correlacionar
com as alterações ocasionadas na cognição e os prejuízos acadêmicos
causados pelo transtorno bipolar na infância e na adolescência.
UNITERMOS: Aprendizagem. Transtornos de aprendizagem. Transtorno
bipolar. Cognição.
Lanúzia Almeida Brum – Psicopedagoga Institucional
e Clínica; Pesquisadora do Programa para Crianças
e Adolescentes com Transtorno Bipolar (ProCAB), do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Cristian Patrick Zeni – Psiquiatra da Infância e Ado­­les­
cência; Mestre e doutorando em Psiquiatria – UFRGS;
Coordenador de Pesquisa do Programa de Crianças
e Adolescentes com Transtorno Bipolar do HCPA
(ProCAB), Porto Alegre, RS, Brasil.
Silzá Tramontina – Doutora em Psiquiatria; Coor­de­
nadora do Programa de Crianças e Adolescentes com
Transtorno Bipolar do HCPA (ProCAB), Porto Alegre,
RS, Brasil.
Correspondência
Lanúzia Almeida Brum
Rua Suíça, 200 – Alvorada, RS, Brasil – CEP 94820-280
E-mail: [email protected]
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200
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Psicopedagogia e transtorno bipolar
podem acontecer na aprendizagem: dificuldades, problemas, descapacidades, distúrbios, os
quais, muitas vezes, referem-se a condições diferentes. Entretanto, nos manuais diagnósticos
(CID-10, 1993 e DSM-IV-TR, 2003), os termos
mais usados são dificuldades e transtornos1.
As dificuldades de aprendizagem podem ser
oriundas de problemas relacionados à escola ou
à família, uma vez que essas nem sempre ofere­
cem condições adequadas para que o sujeito
pos­sa vir a aprender com eficácia, pois o meio
tanto pode ser facilitador como inibidor, para que
o processo de ensino e aprendizagem venha a
acon­­­tecer com sucesso2.
É comum, muitas crianças em fase escolar
apresentarem determinadas dificuldades em
rea­lizar tarefas, as quais podem ser decorrentes
de problemas na proposta pedagógica, capacita­
ção do professor, problemas familiares ou dé­
fi­­­­­­­­­­­cits cognitivos. Estes fatores são chamados
di­­­­ficuldades de percurso, causadas por estas
ins­­­tâncias que nem sempre oferecem condições
adequadas para o sucesso da criança4.
Os pais, por sua vez, acabam tornando-se
descontentes com eles mesmos, buscando compreenderem no que possivelmente erraram na
educação do filho. Isto ocorre, provavelmente
pelo medo de fracassarem, passam a ficar mais
exigentes, contribuindo para que seu filho acabe por sentir-se incompetente diante de suas
dificuldades. Percebendo o fracasso de seu filho,
por vezes acabam deixando perceberem-se irritadiços e nervosos, comprometendo ainda mais o
vínculo entre pais e filho, interferindo no vínculo
da criança com a construção do conhecimento, o
que acaba por interferir negativamente na criatividade e na aprendizagem5.
As rupturas na vinculação familiar tendem a
ocasionar bloqueios e rupturas com o processo
de conhecimento. O afetivo e o cognitivo perma­
necem lado a lado, e toda e qualquer quebra
na vinculação afetiva acarretará prejuízos na
aprendizagem, perdas e bloqueios cognitivos,
ou ambos simultaneamente (Piaget 1956 apud
Chamat 2008)5.
INTRODUÇÃO
Diante da sociedade competitiva em que vi­­
ve­mos, cada vez mais se tem dado valor acentua­
do ao bom desempenho escolar e ao su­­cesso
pro­­­­­­fissional, levando muitos pais a fazerem
exi­­­gências signi­ficativas aos seus filhos em rela­
ção a este aspecto, buscando por este motivo a
avaliação de um psi­copedagogo. O número de
avaliações psicopedagógicas vem aumentando,
levando o especialista a organizar uma avaliação
mais objetiva, conclusiva e rápida1.
O período escolar é um dos tantos momentos
importantes para o desenvolvimento da criança,
desde o seu nascimento até a idade adulta. Deste
modo, qualquer situação de cunho emocional
poderá tornar-se um fator agravante no processo
de aprendizagem. Além disso, os transtornos psiquiátricos evolutivos tendem a agravar quando
associados aos conflitos escolares2.
Crianças e adolescentes com transtorno bipolar,
muitas vezes, tendem a apresentar problemas de
aprendizagem. As dificuldades podem ser oca­­
sio­­­­­­nadas pelos sintomas da doença, causadas por
outras condições psiquiátricas coexistentes ou,
ainda, estar relacionadas a fatores não atrelados
à saúde mental. Porém, o bom desempenho na
aprendizagem está vinculado à autoestima e às
realizações na vida como um todo. Deste modo, independente de qual for a causa das dificuldades de
aprendizagem, é necessário ajuda para descobrir-se o motivo dos problemas escolares, bem como
apoio imediato e auxílio nos aspectos escolares3.
MÉTODO
Para esta revisão, foi realizada uma busca em
livros relacionados a educação, psicopedagogia
e doenças psiquiátricas na infância e na adolescência, com foco no transtorno bipolar, em literatura brasileira. Além disso, foi feita uma busca
nos sistemas SciELO e PsycInfo, nos idiomas
português, inglês e espanhol, sem limite de data.
APRENDIZAGEM: DIFICULDADES E/OU
TRANSTORNOS NO DESEMPENHO ES­
COLAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Na literatura especializada, há uma diversidade de termos para designar as alterações que
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200
195
Brum LA et al.
A escola apresenta papel fundamental para o
sucesso da aprendizagem, pois a maneira pela
qual os ensinantes reconhecem o sujeito como
aprendente, o espaço propiciado para que o
perguntar seja possível por parte da criança, as
exigências das aprendizagens, a estimulação do
espaço do brincar, a socialização de aprendizagem com crianças da mesma idade e o modo
como o sujeito autoriza-se ou não como autor
de seu processo de autoria de pensamento são
primordiais para o aprendizado6.
Para que crianças e adolescentes tenham um
bom aproveitamento escolar é essencial, dentre
outros fatores, que a escola proporcione ao aprendente condições físicas de sala de aula, com um
ambiente seguro, limite aceitável de alu­­­­nos em
cada turma, condições pedagógicas favoráveis
de acordo com a faixa etária dos alu­­­­nos e, principalmente, condições do corpo docente, em que
haja motivação, dedicação e qualificação dos
profissionais envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem2.
As dificuldades de aprendizagem específicas referem-se a situações que acontecem
com crianças que não conseguem um grau de
adiantamento escolar compatível com sua capacidade cognitiva, não apresentando problemas
auditivos, visuais, sensoriais ou psicológicos
importantes, os quais possam explicar tais difi­
culdades (Adams 1973 apud Ohlweiler4).
Porém, as dificuldades de aprendizagem também podem ser secundárias a outras patologias,
como no caso das disfunções sensoriais, das
doenças crônicas, dos transtornos psiquiátricos
e das doenças neurológicas. Qualquer situação
de fundo psicológico pode se constituir em um
fator agravante, bem como timidez, insegurança,
baixa autoestima, necessidade de afirmação e
falta de motivação. Os transtornos psiquiátricos,
como depressão, fobias, transtorno de humor,
trans­torno opositor desafiante e transtorno de
conduta, tendem a se agravar quando associados
aos conflitos escolares2.
Além das dificuldades de aprendizagem, podem também existir casos onde há prevalência
de transtornos de aprendizagem, que se tradu-
zem por um conjunto de sinais sintomatológi­­­­cos,
os quais ocasionam uma série de perturbações
no aprender da criança, interferindo negativamente no processo de aquisição e manutenção
de informações acentuadamente. Os transtornos
de aprendizagem compreendem, assim, uma
incapacidade específica, como da leitura, da
es­­­­crita e/ou da matemática, em indivíduos que
apresentam resultados significativamente abaixo
do esperado para seu nível de desenvolvimento,
escolaridade e capacidade intelectual4.
Pode-se suspeitar de transtornos de aprendizagem em crianças com as seguintes caracte­
rísticas: inteligência normal, ausência de al­­­­­­­tera­­­­
ções motoras ou sensórias, bom ajuste emo­cio­
nal, nível socioeconômico e cultural aceitável4.
Nos casos específicos de transtornos de apren­­­
dizagem, os padrões normais de aquisição de
habilidades estão perturbados desde os primeiros estágios do desenvolvimento da criança, não
sendo adquiridos ou ocasionados por algum fator
externo, ocasionados pela falta de estimulação
adequada ou outro fator qualquer, bem como
um traumatismo ou doença cerebral, sendo importante diferenciá-los das variações normais
no aprendizado4.
Para o diagnóstico de transtorno de aprendizagem, o comprometimento deve estar presente
desde os primeiros anos de vida, devido a um
atraso no desenvolvimento da habilidade em
questão, e ter tido início desde os primeiros
anos es­­­colares. Mesmo diante de um processo de
in­­­tervenção psicopedagógica eficaz e centrado
no transtorno específico do paciente, o mesmo
muitas vezes persiste ao longo da vida, não
havendo então cura para tal problema, apenas
uma melhora significativa em relação à área da
aprendizagem afetada, de modo que o sujeito
possa dar continuidade a sua vida escolar, mesmo diante de suas limitações4.
Os transtornos da aprendizagem classifi­­­­­­­camse, de acordo com a CID-10 e o DSM-IV, em três
tipos específicos: transtorno da leitura, trans­­­­­
torno da matemática e transtorno da expressão
escrita, não diferindo muito nos dois manuais
quanto à caracterização dos mesmos4.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200
196
Psicopedagogia e transtorno bipolar
ser classificados em grupos e subgrupos. O trans­
torno bipolar clássico caracteriza-se então por episódios de mania, hipomania e depressão ou por
períodos mistos (mania e depressão) e ci­clagem
rápida (ciclos curtos de mania e depressão)3.
Os períodos de mania, caracterizados pelos
altos níveis de energia, afetam o humor e também a cognição, ou seja, o pensamento de uma
forma em geral, o comportamento e algumas
das funções biológicas, prejudicando o funcionamento da criança como um todo3.
Nos períodos de mania, devido ao estado de
energia alterado significativamente, afetando
todas as funções psicológicas, a mente acaba
por funcionar ou operar muito rápido. Os pensamentos tornam-se tão acelerados, que podem
vir à cabeça todos ao mesmo tempo, fazendo
com que o indivíduo se torne incapaz de pensar
ou de expressar-se com clareza, ocasionando o
que se pode chamar de fuga das ideias, em que
a criança pula de um assunto para o outro, tendo
raramente ligação um com o outro3.
Os episódios de mania em crianças e adolescentes tendem a impossibilitar o indivíduo a completar uma sequência de pensamentos, devido à
distratibilidade constante, ocasionando a mudança
de assuntos rapidamente ou a presença de ideias
irrealistas, podendo ser um período tão intenso
que ocasione a desorganização das mesmas3.
Além dos sintomas já referidos, em casos gra­
ves, pacientes com transtorno bipolar podem ter
sintomas delirantes, ou seja, falsas crenças ou
ideias que não são partilhadas por parentes e pela
comunidade, podendo-se classificá-las em um
episódio maníaco com características psicóticas3.
Em contraste com a mania e a hipomania, a
depressão, outro sintoma causado pelo transtorno bipolar, caracteriza-se por baixos níveis de
energia, provocando alterações no humor, na
cognição, nos comportamentos e nas funções
biológicas, ocasionando tristeza e ou irritabilidade nos sujeitos portadores. As crianças durante
este período deixam de sentir prazer em fazer
coisas antes prazerosas, como dançar, praticar
esportes e ler. A motivação em realizar tarefas
que exigem esforço e atenção, como os afazeres
O transtorno de leitura caracteriza-se pela
dificuldade específica em compreender palavras
escritas, tratando-se de um transtorno específico
das habilidades de leitura, eliminando-se assim
todas as outras causas possíveis4.
No transtorno da matemática, conhecido
também como discalculia, não há ausência das
habilidades básicas, como contar, e sim dificul­
dade na forma como o sujeito associa essas ha­­
bilidades com o mundo que o cerca. A aquisição
dos conceitos matemáticos fundamentais e das
atividades que exigem raciocínio, bem como a
capacidade de manejar os números e compreen­
der os conceitos matemáticos, é que estão afetadas neste transtorno, não sendo ocasionadas
por nenhuma lesão ou outra causa orgânica
qualquer4.
Em se tratando do transtorno da escrita, a di­­­
ficuldade está em compor textos escritos, erros
na gramática, pontuação, desestruturação de
pa­rágrafos e múltiplos erros ortográficos4.
ALTERAÇÕES NA COGNIÇÃO E PREJUÍ­
ZOS ACADÊMICOS EM CRIANÇAS E ADO­
LESCENTES COM TRANSTORNO BIPOLAR
Anteriormente chamado de psicose maníaco-depressiva, em que o humor varia ou oscila entre pólos opostos, mania e depressão, o transtorno bipolar na infância e na adolescência pode ser
comparado a uma montanha russa de emoções,
com constantes altos e baixos, ou picos e depressões, comprometendo crianças e adolescentes
de todas as idades, etnias e classes sociais,
sem diferenciação. Ainda não existem testes ou
exames laboratoriais ou cerebrais capazes de
diag­­­­­nosticar o transtorno bipolar, restringindo-se
às observações diretas do comportamento e do
humor, por meio da consulta clínica feita por
psiquiatras da infância e adolescência3.
Mesmo diante da existência de pesquisas
em andamento sobre questões diagnósticas e da
aceitação do transtorno bipolar na infância e na
adolescência, existem controvérsias sobre a forma como os sintomas se manifestam nesta faixa
etária. Muitos pesquisadores e profissionais de
saúde mental acreditam que os sintomas podem
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200
197
Brum LA et al.
da escola, torna-se diminuída, ou até mesmo
ausente, ao longo deste período3.
Durante os períodos em que a criança apresenta sintomas de depressão, mostra-se cansada,
quieta e lenta, em casos graves, pode preferir
ficar somente na cama e, até mesmo, apresentar
delírios ou alucinações. Porém, em alguns casos,
a depressão pode ocasionar excessiva agitação,
fazendo com que o indivíduo ande de um lado
para o outro, sendo incapaz de se manter sentado
durante o tempo necessário na escola3.
Crianças com transtorno bipolar podem apre­­­­
sentar dificuldades significativas na aprendizagem, problemas cognitivos, dificuldades na fala
e linguísticas, problemas de relacionamento na
família, com os amigos e com os colegas na escola,
podendo interferir negativamente no processo de
aprendizagem e ocasionarem falhas no desempenho escolar da criança e do adolescente3.
Sabendo-se que a aprendizagem está atrelada às áreas da memória, do pensamento, da
compreensão, da comunicação, da concentração
e da orientação temporal e espacial, para que
esta ocorra com eficácia depende dos aspectos
emocionais, como autonomia, segurança, autoestima, sociabilidade e estado de humor7.
Evidencia-se que, tanto para o transtorno
bi­­­­­polar como para outros transtornos psiquiátricos, é importante que se verifique a idade de
início dos primeiros sintomas, sendo possível
com­preender, com base nas etapas do desenvol­
vimento e aquisição da linguagem e das primeiras apren­­dizagens, o momento em que as alterações nes­­­tas áreas tiveram início, pois na maioria
dos casos os sintomas de aprendizagem acabam
sendo tratados como patologias primárias e não
secundárias ao quadro de transtorno bipolar7.
Além dos comprometimentos impostos pelo
transtorno bipolar, podem ocorrer dificuldades
na aprendizagem, variando a gravidade de paciente para paciente, principalmente se estes
não estiverem estabilizados. As dificuldades
de aprendizagem surgem em decorrência dos
graves prejuízos dos sintomas do transtorno bipolar em relação ao desenvolvimento emocional
e cognitivo do sujeito7.
As alterações cognitivas tendem a ocasionar
dificuldades na aprendizagem em crianças e
adolescentes com transtorno bipolar devido a
falhas atencionais, podendo alguns pacientes
apre­sentar dificuldades em matemática, em
decorrência da lentidão do raciocínio e de falhas
na compreensão e na elaboração do raciocínio,
principalmente com o aumento do grau de complexidade dos conteúdos estudados em cada
nova série7.
É válido salientar a importância do paciente
com transtorno bipolar ser acompanhado por
um psiquiatra, juntamente com uma equipe
multidisciplinar, que, além de fazer o diagnóstico
em suas respectivas áreas e acompanharem-no,
darão as orientações necessárias à família e à escola, pois estas necessitam ser guiadas em como
lidarem com toda a situação, não se esquecendo
que são estas as pessoas que passam a maior
parte do tempo com o paciente e têm muito a
con­­­tribuir para o bom andamento do tratamento
em seus múltiplos aspectos2.
Com base nas questões discutidas, é evidente
que o transtorno bipolar tende a desorganizar o
desenvolvimento emocional, cognitivo, isto é, a
maneira de pensar e a vida social da criança e
do adolescente, fazendo com que os problemas
de aprendizagem se agravem, modificando a
maneira como os sintomas se manifestam no
su­jeito, podendo afetar o funcionamento acadêmico, sendo necessário, portanto, um tratamento efetivo e imediato, requerendo não só o
tratamento medicamentoso, como intervenções
psicossociais adequadas e individualizadas3.
DISCUSSÃO
Considerando-se que o transtorno bipolar
infantil torna-se cada vez mais presente em
nosso meio, que há pouca literatura em língua
portuguesa disponível aos profissionais das
áreas de educação e saúde, que há necessidade
de informação e esclarecimento dos professores
e equipe pedagógica das escolas sobre o transtorno, bem como as possíveis dificuldades de
aprendizagem decorrentes, este artigo reveste-se
de especial importância.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200
198
Psicopedagogia e transtorno bipolar
Além disso, o transtorno bipolar infantil
apre­­­­­­senta gravidade variada, necessitando de
in­­­tervenção diferenciada em cada caso, por uma
equipe multidisciplinar, o que torna este artigo
significativo, no intuito de contribuir com escla­
recimentos fundamentais ao olhar e manejo de
crianças e adolescentes com esse transtor­no,
pro­porcionando um espaço inicial de reflexão
sobre o assunto e instigando estes profissionais
a buscarem maiores esclarecimentos na me­dida
de suas necessidades.
afetar a linguagem, a escrita, a compreensão,
a matemática e o vínculo com a aprendiza­­
gem. Paralelo ao tratamento me­­­­­­dicamentoso
e à terapia, faz-se necessário que o paciente
com transtorno bipolar seja acom­­­­­­­panha­­do por
um profissional da área psicopedagógica, no
intuito de propiciar um espaço em que seja
pos­sível trabalhar especificamente as áreas
da aprendizagem afetadas pela doença nos
perío­dos de crise e pós-crise, fazendo com que
a interferência das alterações cognitivas, decorrentes dos sintomas maníacos ou depressivos,
possa ser trabalhada, facilitando o processo
de desenvolvimento da aprendizagem do paciente. O tratamento psicopedagógico torna-se
necessário para instrumentalizar a escola e a
família em como ajudarem estas crianças e adolescentes da melhor maneira possível, podendo
proporcionar a eles uma vida escolar plena em
todos os seus aspectos.
CONCLUSÃO
Com base nos aspectos mencionados no
de­­­­­correr deste artigo, torna-se evidente que a
necessidade de pacientes com transtorno bipolar serem avaliados e receberem atendimento
psicopedagógico. A estabilização dos sintomas
com o uso de medicações adequadas e psicoterapia, com o acompanhamento de um psiquiatra
da in­­­fância e da adolescência, é fundamental
para o paciente ter um bom aproveitamento
escolar, entretanto não é o único tratamento
necessário, pois conforme referido anteriormente, o transtorno bipolar acarreta prejuízos
significativos tanto em relação ao desenvolvimento emocional, como ao cognitivo, podendo
CONFLITOS DE INTERESSE
A psicopedagoga Lanúzia Almeida Brum
não tem conflitos de interesse. O Dr. Cristian P.
Zeni e a Dra. Silzá Tramontina receberam verba
para viagens de estudos da Abbott Laboratories
e Jansenn Pharmaceuticals.
SUMMARY
Learning and bipolar disorder: psychopedagogical reflection
This review aims to discuss issues related to the learning process in
children and adolescents with bipolar disorder, reflecting on learning
problems, learning difficulties secondary to other disorders, and learning
disorders, and their relation with the cognitive and academic deficits.
KEY WORDS: Learning. Learning disorders. Bipolar disorder. Cognition.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200
199
Brum LA et al.
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neu­­­­robiológica e multidisciplinar. São Paulo:
Artmed; 2006.
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Rotta N, Weiler L, Riesgo R, eds. Transtornos
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4. Fernández A. O saber em jogo. Porto Alegre:
Artmed; 2001.
5. Moojen S, Costa A. Semiologia psicopedagógica. In: Rotta N, Weiler L, Riesgo R, eds.
Transtornos da aprendizagem: abordagem
Artigo recebido: 18/1/2011
Aprovado: 26/5/2011
Trabalho realizado no Programa para Crianças e
Adolescentes com Transtorno Bipolar (ProCAB), do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200
200
Tendo
o vínculo
como doença
ARTIGO
de revisão
Quando o vínculo é doença:
a influência da dinâmica familiar
na modalidade de aprendizagem
do sujeito
Ana Paula Decnop de Almeida
RESUMO – O presente artigo tem como objetivo favorecer a atuação
lúcida e assertiva no diagnóstico e na intervenção psicopedagógicos,
mergulhando em um estudo bibliográfico à luz da Epistemologia Con­
vergente, para discriminar o vínculo normal do patológico nas relações
fa­miliares e entender até que ponto é possível atribuir a essa dinâmica
familiar a influência na modalidade de aprendizagem do sujeito, causando
como sintoma o não aprender.
UNITERMOS: Família. Relações familiares. Aprendizagem.
Ana Paula Decnop de Almeida – Membro pertencente
à Sociedade Brasileira de Psicanálise, Dinâmica
de Grupo e Psicodrama (SOBRAP- JF). Psicóloga,
Psicopedagoga Clínica e Institucional, com espe­
cia­­­­­­lização em Gestão Estratégica de Recursos Hu­
manos, Programa de Saúde da Família e Formação
em Psicodrama (em fase de entrega de monografia).
Membro associado da Associação Brasileira de
Psicopedagogia.
Ana Paula Decnop de Almeida
Av. Independência, 2310/902 – São Mateus – Juiz de
Fora, MG, Brasil – CEP 36025-290
E-mail: [email protected]
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13
201
Almeida APD
podem ser estudados em relação a perspectivas
histórica ou a-histórica. Esse artigo levará em
conta as duas perspectivas: histórica, já que des­
taca a gênese e evolução das relações vinculares
e a-histórica, por meio de um corte transversal
em relação aos interesses no presente.
O olhar da Psicologia Social traz como um
elemento importante para a análise da aprendi­
zagem do sujeito o que corresponde ao vínculo­
-patológico ou saudável-estabelecido com os
grupos sociais nos quais convive. Vínculo é uma
estrutura dinâmica em contínuo movimento, cons­­­­­­­
tituído pela totalidade da pessoa, interpretado
por Pichon-Rivière2 como uma Gestalt. O estudo
psicossocial, sociodinâmico e institucional coleta
uma série de informações que são dados sobre o
interior do paciente e permite detectar e/ou des­­
cobrir as causas que provocaram a ruptura do
equilíbrio psicológico ou do não-aprender.
A Psicanálise vem investigar determinantes
psíquicos que levam alguém a ser um desejante
de saber e mostra que os educadores, investidos
da relação afetiva primitivamente dirigida ao pai,
se beneficiarão da influência que este último
exerce sobre a criança.
O presente artigo traz uma reflexão acerca
do papel psicossocial da aprendizagem que não
começa na escola, e sim, a partir das primeiras
relações com a mãe, com o pai e com a família;
prossegue tratando do conceito de vínculo e
dos tipos instituídos neste grupo social, levanta
questões sobre o que é normal e o que é patoló­
gico, para então refletir sobre a influência desses
vínculos na modalidade de aprendizagem e no
desempenho escolar do sujeito.
INTRODUÇÃO
A família é o grupo primário do qual o indiví­
duo participa. Sua dinâmica impõe determina­
dos tipos de vínculos particulares, vínculos esses
que irão interferir na formação da identidade
do sujeito – somando-se aos fatores genéticos e
sociais –, como também na sua modalidade de
aprendizagem, que vai se formando de acordo
com as primeiras aprendizagens no âmbito fa­
miliar, sendo modelada ao longo da vida.
Ao analisar o ambiente social familiar com
suas interações e a forma como ocorreram as
primeiras aprendizagens da criança, será pos­
sível inferir sobre como o conhecimento circula
na família.
A modalidade de aprendizagem se constrói
pelo modo como os ensinantes reconheceram e
desejaram a criança como sujeito aprendente e
a significação que o grupo familiar deu ao ato
de conhecer. Por esse motivo, o sujeito jamais
poderá ser considerado, dentro da perspectiva
psicopedagógica, fora do seu campo familiar.
Para levantar questões acerca dos vínculos
familiares interferindo na modalidade de apren­
dizagem do sujeito, o presente artigo lança mão
da Epistemologia Convergente de Jorge Visca1,
que propõe um trabalho clínico utilizando-se da
integração de três linhas da Psicologia: Escola de
Genebra (Psicogenética de Piaget), Escola Psi­
canalítica (Freud) e Psicologia Social (Enrique
Pichon-Rivière). Essa abordagem caracteriza-se
por ser uma visão integradora do conhecimento
acerca das estruturas cognitiva, afetiva e social,
respectivamente, de modo interdinâmico.
A inteligência é vista pela Epistemologia
Genética como o resultado de uma construção
e da interação das pré-condições do sujeito às
circunstâncias do meio social e entende que a
criança ao nascer se encontra em um estado de
adualismo, ou seja, indiscriminação de si mes­
ma e do mundo que a rodeia, a partir do qual
vai construindo futuramente níveis sucessivos
ou etapas de desenvolvimento. Assim como a
inteligência, os vínculos afetivos vão assumir
diferentes intensidades e irão orientar estrutu­
ras de conduta e personalidade. Esses vínculos
TUDO COMEÇA EM CASA
A família é a primeira referência de qualquer
pessoa e é reconhecida como um dos pilares na
formação do indivíduo. Desde o início da sua
existência, a criança vivencia um total estado
de indiferenciação e o adulto tenta ser capaz
de satisfazer todos os seus desejos. Quem cum­
pre o papel de mãe é que se torna responsável
por decodificar as necessidades e satisfazê-las,
dentro do possível, frustrando-a quando pre­
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13
202
Tendo o vínculo como doença
ciso. A frustração é que permite tomar contato
com o senso de realidade e começar a perceber
que existe o outro. Parafraseando Winnicott3, a
amamentação é o primeiro vínculo do bebê com
o objeto externo, ou seja, com o que pertence
ao meio que o rodeia. Quando esse vínculo
ocorre de forma satisfatória, preenchendo as
suas necessidades, essa experiência passa a
ser internalizadaa. Caso contrário, acaba sendo
vista como realidade externa ou como momento
de ilusão. A convivência com esse outro, nesse
contexto referenciado com a mãe, e até mesmo
com a cultura, é que será responsável para cortar
o cordão umbilical. Aos poucos a criança sai da
posição de plena dependência e parte para o
processo de individuaçãob, interferindo, assim,
na constituição do sujeito.
Tanto a forma como é exercida a maternagemc
quanto à disponibilidade da figura paterna no
trato para com o filho, influenciarão na dinâmica
dessa família. A família é, então, a matriz que irá
interferir até mesmo nos futuros papéis de pais
a serem exercidos pelos seus filhos.
Família se refere a um grupo de pessoas que
estão ligadas por um vínculo, nem sempre ca­
racterizadas por laços consanguíneos, que pode
colaborar ou não para o surgimento de um filho
saudável. Além da família é importante destacar
a influência dos aspectos hereditários e do meio
na formação da personalidade e na modalidade
de aprendizagem do sujeito. De acordo com Win­
niccot3, “ela constitui um grupo cuja estrutura
relaciona-se com a estrutura da personalidade do
indivíduo. A família é o primeiro agrupamento
e este é, simplesmente, uma duplicação da es­
trutura unitária”.
O processo educacional não começa na es­
cola. Ele se inicia a partir das primeiras rela­
ções afetivas com a mãe, com o pai e com a famí­
lia. As condições psíquicas para o aprendizado
estão em íntima relação com o desenvolvimento
dos primeiros vínculos afetivos e, no decorrer
deste processo, com o próprio desenvolvimento
da personalidade.
A família, como sistema, assume a função
psicossocial de proteger seus membros e de
favorecer a adaptação à cultura existente. Ela
se organiza a partir de demandas, interações
e comunicações que ocorrem em seu interior
e exterior. Sua estrutura é formada através das
normas transacionais que se repetem e informam
sobre o modo, o momento e com quem deve
relacionar-se cada um de seus membros. As
famílias vão criando sua identidade e forma de
agir, partindo das ideologias, crenças e histórias
anteriores.
Félix Guattari & Rolnik entendem que o capi­
tal inflacionou o jeito de amar, fazendo a família
implodir e se desterritorializar, ocasionando
um movimento de enclausuramento, simbiose
e endurecimento nos relacionamentos huma­
nos. A cultura tem produzido novas relações
vinculares tendentes à manutenção de fortes
laços intrafamiliares, culturalmente herdados e
transmitidos, que propiciam uma vida familiar
compacta, tendendo ao desenvolvimento de su­
perfixações neuróticas, desajustes emocionais e
relativa dificuldade dos filhos em estabelecerem
sua própria maturidade adulta e independente,
denominada de familiarismo.
A FAMILIA E SEUS VÍNCULOS
Existem dois campos psicológicos do vínculo
que se intercomunicam simultaneamente e são
complementares: um interno – sendo objeto de
estudo mais referenciado na Psicanálise e na
Adotar como próprias as ideias, normas ou valores de outra pessoa ou da sociedade, embora o processo de internalização
seja realizado inconscientemente, quer dizer, a pessoa que internaliza não pensa nem sabe o que faz. Em Psicanálise, o
Superego é o produto e representante da internalização das normas e padrões parentais.
a
É um processo descrito por Carl Gustav Jung através do qual o ser humano evolui de um estado infantil de identificação
para um estado de maior diferenciação, o que implica uma ampliação da consciência.
b
c
Relação calorosa e amiga com a mãe ou com aquela que a substitui (Dicionário Aurélio).
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203
Almeida APD
Psiquiatria – e outro externo – analisado sob o
ponto de vista psicossocial. O vínculo interno é
fruto de uma percepção subjetiva diretamente
ligada aos aspectos externos e visíveis do sujeito,
como sua forma de comportar-se, por exemplo. O
vínculo externo é visível e tende a ser mais está­
vel, resultado da observação do comportamento
que também é gerado por um vínculo interno.
Para a Psicanálise, as relações entre as pes­
soas podem ser definidas por três tipos de vín­
culos, ainda que se reconheça a existência de
outros nas relações mais complexas. São eles: o
de dependência, que traz em seu bojo um modelo
intergeracional entre pais e filhos, vínculo este
sempre presente no ato de ensinar e se manifesta
na concepção de que o professor sabe mais do
que o aluno, que deve protegê-lo para que não
cometa erros, que pode julgá-lo e determinar a
legitimidade dos seus interesses, que pode deter­
minar a comunicação possível com o educando.
Outro vínculo é o da cooperação e mutualidade,
caracterizado por um modelo intersexual, entre
casal e fraterno – irmão e irmã –, além de um
vínculo de competição ou rivalidade intergera­
cional, sexual ou fraterno. Para Bohoslavsky6,
esses três tipos de vínculos foram aprendidos no
seio da família. “Ela é – ninguém o duvida - o
primeiro contexto socializante”.
Vínculo “é um conceito instrumental em Psi­
cologia Social que assume determinada estrutu­
ra e que é manejável operacionalmente”a. Ele é
sempre social, mesmo sendo com uma só pessoa;
por meio da relação com este sujeito, repete-se
uma história de vínculos determinados em um
tempo e em espaços próprios. Vínculo está dire­
tamente ligado às noções de papel, status e de
comunicação. Para compreender o que é vínculo
normal “devemos partir da análise de uma das
principais características das relações de objeto:
o objeto diferenciado e o não diferenciado; isso é,
das relações de independência e dependência”2.
Quando há alterações do vínculo este pode ser
chamado de patológico.
d
Alicia Fernàndez7, ao analisar a família, con­­­­­­­
sidera simultaneamente três níveis: o nível in­­­­
dividual centrando-se no paciente, com sua
particular inter-relação organismo- corpo- inte­
ligência- desejo; o nível vincular, focalizado na
modalidade de circulação do conhecimento e da
informação entre os membros da família e o nível
dinâmico, aquele destinado a esclarecer o siste­
ma de papéis necessários para o funcionamento
e manutenção da estrutura familiar e os modelos
de interação possíveis. Esses três níveis mostram
que as relações se dão de modo que uma pessoa
alimente determinado comportamento em outra,
que como analogia faz parte de uma corrente.
Zimerman8 classifica a família em diferentes
tipos: “família suficientemente sadia, família
simbiótica, família dissociada ou dividida, fa­
mília narcisista, família com perdas de limites,
família depressiva e outros tipos”. Ao falar sobre
família, enfatiza que não existe uma família
perfeitamente sadia à relatividade dos critérios
referentes a sadio e patológico, mas enume­
ra algumas características que deverão estar
presentes nas famílias consideradas como sufi­
cientemente sadias. São elas: predominância da
harmonia, uma atmosfera sadia entre as pessoas,
que possibilita um crescimento de cada um e de
todos. Os pais servem como modelo de identi­
ficação para os filhos. Portanto, é fundamental
que haja coerência entre o que dizem, fazem e o
que realmente são, deixando clara a delimitação
de papéis e funções de cada um, bem como o
reconhecimento das diferenças existentes entre
as pessoas. Só dessa forma estará presente o
sentimento de empatiad tão necessário à estru­
turação familiar.
A família simbiótica, nas palavras de Zi­
merman8, “possui como principal caracterís­
tica o fato de estarem aparentemente ligados
uni­c amente pelo sentimento de um grande
amor entre todos os familiares, mas na verdade
nenhum deles ter conseguido uma autêntica
emancipação e a sadia conquista de um espa­
Refere-se à condição de conseguir se colocar no lugar do outro.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13
204
Tendo o vínculo como doença
des de aprendizagem, entre estas características
está aquela em que a família não sabe lidar com
as diferenças e as vê como aspecto destruidor
da sua harmonia. Aquele que se diferencia por
alguma razão, costuma ser rechaçado do grupo
por ameaçar a sua estrutura e união. Cabe ao
psicopedagogo poder provocar uma reflexão
sobre o crescimento que buscará trazer como
resposta do grupo lidar com o diferente, sendo
a diferença tida como algo complementar e não
como aquilo que vem para subtrair. O sintoma
a ser observado, por exemplo, é a sabotagem do
saber por quem o detém, a sua infantilização,
falta de confiança em si, dificuldade de aplicar
o que sabe, de se tornar autônomo. Pavlovsky
apud Fernàndez1 define o lugar atribuído a uma
pessoa no grupo familiar da seguinte forma:
“(aspas do autor) A maioria de nós está
submersa em um transe hipnótico que
remonta aos primeiros anos. Permanecemos nesse estado até que de repente
despertamos, e descobrimos que nunca
vivemos ou que vivemos induzidos por
outros que, por sua vez, foram induzidos
por outros. A ideologia é subterrânea.
Tudo é como um profundo mal-entendido. Se despertamos de repente, ficamos
loucos. Se despertamos pouco a pouco,
nos tornamos inevitavelmente revolucionários em algumas de suas múltiplas
formas, e então tentamos modificar
destinos. Se não despertamos nunca,
somos gente normal e não prejudicamos
ninguém”.
ço próprio”. Por meio dessa dinâmica tende a
ocorrer a infantilização de um ou de mais fi­
lhos, por causa do desejo inconsciente de um
dos pais de garanti-lo como segurança contra
a solidão na sua velhice. Na família dividida
ocorre a eleição de subgrupos, em detrimento
de uma saudável integração dos seus elemen­
tos, havendo o risco de se privilegiar um dos
pais ou um dos filhos. Dessa forma, o que não é
privilegiado, é excluído, dificultando o convívio
nessa família. A família narcisista é aquela cujos
membros acreditam serem donos da verdade,
pos­suidores das melhores qualidades e, por
isso, assumem uma onipotência em relação
às outras pessoas. Geralmente toleram mal
qualquer tipo de frustração. As famílias com
perdas de limites são aquelas em que falta o
reconhecimento das diferenças e manutenção
da hierarquia, de papéis, de lugares, posições
e funções no grupo familiar. Dessa forma, não
há possibilidade de uma estruturação sadia
en­­­tre os membros, havendo a necessidade de
colocação de limites. Na família depressiva, as
características principais são a tristeza, a apatia,
o pessimismo generalizado e, na maioria das
vezes, um culto a familiares mortos, impedindo
viver com mais intensidade o presente.
Outros tipos podem ser vistos como:
• obsessiva, prevalecendo uma cobrança
excessiva entre os seus membros, bus­
cando a perfeição através do controle
exagerado;
• fóbica, em que prevalece a evitação diante
de situações novas, que exigem maiores
iniciativas;
• paranoide, caracterizada por pessoas
muito desconfiadas, por isso, são provo­
cadoras e sensíveis ao extremo;
• sadomasoquista, caracterizada por uma
alternância entre amor e ódio recíproco
entre os membros;
• hipocondríaca, que cultua doenças, médi­
cos, exames e um abuso de medicamentos.
O que se pode considerar é que existem ca­
racterísticas que geralmente dizem respeito a
famílias com pessoas que apresentam dificulda­
Esse lugar vivenciado inconscientemente é
ocupado em geral quando o segredo familiar não
é guardado por determinado integrante do grupo
ou quando a este é destinado à obrigação de
retê-lo de outro membro, causando-lhe dificul­
dades no mostrar. Ele pode então, entender um
conteúdo escolar e ter dificuldade de transpor
para o papel ou ter o chamado “branco” na hora
da prova. Partindo dessa afirmação, fica ainda
mais explícito que a aprendizagem não deve ser
desvinculada da vida e nem muito menos restrita
ao espaço escolar.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13
205
Almeida APD
doença mental, influenciado pelo temor de ser
ele mesmo um doente.
Para a Psicopatologia existem critérios para
distinguir o normal do patológico que se origi­
nam da evolução do conhecimento sobre os seres
vivos e suas enfermidades, da prática clínica e
do progresso do conhecimento da natureza.
Um critério operacional é o subjetivo: a
consciência da dor, de estar enfermo, de estar
apresentando algum prejuízo pessoal ou um
impedimento qualquer é, talvez, o elemento
conceitual mais utilizado, outro seria o critério
estatístico, que é universalmente utilizado para
diagnosticar os casos de deficiências mentais,
déficits específicos de aprendizagens, deficiên­
cias psicosensoriais, anomalias psicomotoras,
enfim, todas as dimensões que possam ser
mensuradas, outro critério seria o normativo,
que pressupõe a existência de uma norma ideal
de funcionamento que sirva como referência
ao caso a identificar. Quando se trata de uma
situação na qual prepondere o aspecto bioló­
gico-individual, este critério é muito valioso.
Comportamentos sociopáticos, patologias orgâ­
nico-cerebrais, variações anormais do estado de
consciência e outras formas de patologias podem
ser identificadas com o auxílio desse critério.
Quando se emprega o critério normativo deve se
levar em conta os interesses sociais, tais como:
religiosos, político-ideológicos, de classe social,
entre outros. Existe o critério do sofrimento e
o anormal seria aquele que, em função do seu
estado anômalo, sofre ou faz sofrer a sociedade.
Este critério não pode ser absolutizado, porque
conduziria ao exagero, evidente por si mesmo,
que todo sofrimento fosse patológico. Contudo,
é um critério prático que pode e deve ser usado
em consonância com os demais, sobre o impé­
rio do senso comum, embora se saiba que nem
todos os casos de patologia psíquica sofram ou
façam sofrer e que, sobretudo, a grande maioria
do sofrimento não é o produto da patologia men­
O NORMAL E O PATOLÓGICO, POR ONDE
ANDAM ESSES LIMITES?
Em seu sentido mais extenso, a expressão
normal se refere a padrão, regra de funciona­
mento, sendo um paradigma que serve de mo­
delo e guia. Em patologia, a palavra normal é
melhor traduzida por higidez (de higéia- deusa
da mitologia grega que protege a saúde), porque
normal é sinônimo de saudável, próprio àquele
que goza saúde.
A saúde tem sido definida pela OMSe – como
perfeito bem-estar físico, mental e social. Bem­
-estar pode ser compreendido como estado de
satisfação das necessidades; entretanto, as neces­
sidades humanas tendem a se ampliar à medida
que são satisfeitas. Assim, o conceito deve ser
res­­­trito àquelas necessidades vistas como básicas:
trabalho, alimentação, moradia, vestuário, lazer,
conhecimento, ambiente adequado, possibilidade
de pleno desenvolvimento de suas aptidões natu­
rais, cuidados sanitários, amor, justiça, liberdade
e conhecimento da sua dignidade.
A psiquiatrização das diferenças e a psico­
patologização de comportamentos de minorias
têm sido um obstáculo à delimitação prática
entre saúde e doença e servido como elemento
de coerção e repressão social. Outra questão
preliminar que influi na diferenciação entre
normal e patológico se refere aos conceitos de
patológico, doença, enfermidade, deficiência,
sofrimento, embora contenham elemento de abs­
tração, somente podem ser exercidos sobre casos
concretos e pessoas reais. É importante destacar
o caráter relativo implícito na diferenciação entre
o que é normal e patológico: que é normal em
uma pessoa numa certa época de sua vida pode
ser anormal noutra. Deve-se destacar, portan­
to, o fator sociocultural, o grau de instrução, a
classe social, o sexo, o papel social e cultural e
a subcultura a qual pertença o indivíduo, bem
como o despreparo do profissional e a distorção
de quem discorre sobre os limites entre saúde e
e
É uma agência especializada em saúde, fundada em 7/4/1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas. Sua sede
é em Genebra, na Suíça.
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13
206
Tendo o vínculo como doença
de interpretação, o que refletia na escrita, bem
como restrita capacidade de combinar elementos
e produzir novas e ricas declarações.
Recorrendo à anamnese, aos dados coletados
na EFES, de Weiss, e nas sessões com o paciente,
constataram-se aspectos singulares da dinâmica
familiar: características de família simbiótica e
obsessiva: atitudes de superproteção, estímulo
à infantilização, cobranças constantes e proibi­
ções, demonstrado interesse no cumprimento do
papel de filho idealizado pela família, além de
um discurso diário de que “Só os fortes chegam
lá! O homem tem obrigação de dominar os seus
vícios!” Uma mãe impositiva e um pai ausente.
O paciente não se sentia respeitado em sua
individualidade e diante da cobrança, era inten­
sificada a sua percepção interna de impotência
e incapacidade diante do novo. Seu modelo de
aprendizagem foi centrado em um vínculo de de­
pendência, o que dificultava o seu crescimento;
falta de confiança em si mesmo, uma atitude de
sabotagem em relação ao saber, baixa autoesti­
ma. Adquirir conhecimento implicava em lidar
com situações novas, geradoras de ansiedade,
que se tornava ainda mais ameaçadora devido
à falta de confiança em si mesmo. Por serem
acentuados os erros em um dado momento da
sua vida, somado a expectativas familiares para
seguir determinada carreira, ocorria um medo
de ser avaliado negativamente. Esse fator inibia
o pensar e implicava na ausência de um real
desejo que o vinculasse afetivamente com o co­
nhecimento, já que tinha internalizado o estigma
da deficiência através da dinâmica familiar.
A proposta de intervenção psicopedagógica
foi de um trabalho vocacional, que despertou
o seu talento e os seus valores. Durante esse
processo, o paciente apresentou uma postura
criativa, cuidadosa, autônoma, uma capacidade
linguística, relacional, de contextualização, de
abstração, levando à constatação de que não
havia obstáculo epistêmico, apenas epistemofí­
lico. A família (e a escola) foi orientada simulta­
neamente gerando uma resposta de valorização
do paciente e reconhecimento do papel da famí­
lia no desenvolvimento do educando.
tal. Outro critério é o da adaptabilidade, que se
refere à capacidade do indivíduo de se ajustar
a novas condições de existência, sem perdas ou
prejuízos significativos da funcionalidade, pro­
movendo a sua interação com o meio ambiente.
Neste sentido, este critério é um valioso instru­
mento para identificar a normalidade e distin­
guir a anormalidade. Existe também o critério de
exercício da liberdade, já que o desajustamento
do mundo imediato, muitas vezes resultará de
um plano mais amplo de adaptação, e o sofri­
mento que daí venha a derivar, somente como
tal poderá ser considerado, dentro de uma escala
de valores contingente àquele próprio mundo
que condena, seja realmente a defesa contra um
sofrimento maior, representado pela contradição
às suas estruturas valorativas. O critério do exer­
cício da liberdade é o mais possível de ser gene­
ralizado para a conceituação do patológico, quer
se trate de deficiência ou impedimento, quer se
trate do sofrimento inadequado ou de doença
mental franca, o que todas essas condições têm
em comum, é que o seu objeto está privado de
liberdade ou dificuldade de exercê-la.
Diante das considerações anteriores, fica cla­
ra a dificuldade encontrada pelos psicopedago­
gos em delimitar o território normal e patológico
nas relações interpessoais e a conduta ética a
ser adotada por esses profissionais. Normal e
patológico, por onde andam esses limites?
Recordo de atender a família de um paciente
de 15 anos, do ensino médio, trazendo a queixa
de déficit no aprendizado, notas baixas, falta
de interesse para com os estudos, apatia (se­
gundo a educadora parecia perdido), possuía
forma sucinta de apresentar conteúdos verbais
e escritos, além das ideias serem expressas de
modo fragmentado, “sem acrescentar as suas
vi­­­­­vências”. Contudo, todos – profissionais e fa­­
miliares – acreditavam no seu potencial, caso
houvesse vontade e dedicação por parte dele de
reverter o quadro apresentado.
Na avaliação diagnóstica foi observado que,
apesar de estar no Período Operatório Formal,
seu pensamento hipotético-dedutivo estava pou­
co desenvolvido, apresentou certa dificuldade
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13
207
Almeida APD
for visto como um coparticipante do processo de
aprendizagem. Ele deverá ser ativo no sentido de
perceber a utilidade do saber para a sua vida. Por
esse motivo, a aprendizagem envolve o sujeito
au­tor, objetos a conhecer e o ensinante. Só ocor­
re ensino quando acontece a aprendizagem. É
preciso existir uma verdadeira interação de quem
ensina com quem aprende e vice-versa.
Existe uma expectativa da família para com
aquele que aprende. Essa expectativa interfere
diretamente na aprendizagem; ou seja, existe
uma dinâmica de encorajamento diante de
novas situações, diante dos desafios, se existe
um desejo inconscienteg de que esta pessoa
permaneça dependente emocionalmente para
sustentar alguns segredos (como, por exemplo,
a permanência de um filho em casa para cuidar
fisicamente da sua mãe quando ela estiver mais
idosa). Dependendo de como aconteça esse
vínculo com a aprendizagem, de como esteja a
autoestima de quem aprende e de seus interesses
conscientes ou não, o sujeito poderá se transfor­
mar em um pesquisador atuante, devido a sua
curiosidade diante do que lhe é apresentado
em situações que não trazem respostas prontas,
ou poderá reagir de modo acomodado e pouco
desafiador, repetindo comportamentos pouco
criativos diante de diferentes estímulos. Sen­
do assim, as pessoas podem desenvolver uma
modalidade fóbica de aprendizagem, em que é
fomentado o medo de se lançar diante do novo,
de correr riscos e, consequentemente, aparece­
rá a insegurança em relação ao potencial que
possui. Dentro desse contexto, se pode falar de
uma aprendizagem patológica conhecida como
hipoassimilativa, resultando em um déficit lú­
dico na disfunção da capacidade criadora. Essa
forma exibicionista em que o ensinante se porta
ofusca o olhar de quem aprende, já que o outro
fica tido como único detentor do saber.
MODALIDADE DE APRENDIZAGEM: UM
MOLDE RELACIONAL
Cada um de nós tem uma modalidade de
aprendizagem particular, uma forma pessoal para
aproximar-se do conhecimento e conformar seu
saber. Ela é construída desde o nascimento num
processo contínuo de conhecer-desconhecer.
A modalidade de aprendizagem é “como
uma matriz, um molde, um esquema de operar
que vamos utilizando nas diferentes situações
de aprendizagem”7. Ela é construída desde o
sujeito em seu grupo familiar de acordo com a
real experiência de aprendizagem e como esta
foi interpretada pelo sujeito e pelos seus pais.
A Psicopedagogia investiga a modalidade de
aprendizagem do sujeito, analisando um conjun­
to de aspectos – conscientes, inconscientes – da
ordem da significação, da lógica, da simbólica,
da corporeidade e da estética e tem como objeti­
vo principal capacitar a pessoa a tornar-se autora
do seu pensamento. Por esse motivo, é impres­
cindível analisar as influências familiares sobre
o aprendizado escolar, pensar no desempenho
do aluno, conhecendo o sujeito integralmente,
mergulhando no principal núcleo que este faz
parte: a família. Os psicopedagogos jamais
poderão dispensar a história de vida do sujeito,
somada a hereditariedade, já que esses elemen­
tos oferecem dados para a compreensão da sua
personalidade, o comportamento do indivíduo e
sua modalidade de aprendizagem. A modalidade
de aprendizagem marcará, segundo Fernàndez9,
uma forma particular de relacionar-se, buscar e
construir conhecimentos, um posicionamento
de sujeito diante de si mesmo como autor de seu
pensamento, um modo de descobrir, construir o
novo e um modo de fazer próprio ao que é alheio.
A condição essencial para que o sujeito ad­­­­­­­­qui­­
ra novos conhecimentos é o desejof de aprender.
Esse desejo só irá se manifestar se o aprendente
Segundo a Psicanálise é a representação de algo que a pessoa considera meio de satisfação ou gratificação. O sentimento
de que uma coisa ou condição determinada satisfará ou aliviará uma necessidade ou carência.
f
g
Qualquer processo mental cujo funcionamento pode ser deduzido do comportamento de uma pessoa, mas ao qual essa
pessoa continua estranha, sendo incapaz de o examinar e relatar.
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208
Tendo o vínculo como doença
pensamento, um modo de descobrir, construir o
novo e um modo de fazer próprio ao alheio. Na
perspectiva construtivista de Piaget, o começo do
conhecimento é a ação do sujeito sobre o objeto,
ou seja, o conhecimento humano se constrói na
interação homem-meio, sujeito-objeto. Conhecer
consiste em operar sobre o real e transformá-lo, a
fim de compreendê-lo, algo que se dá a partir da
ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento.
As formas de conhecer são construídas nas trocas
com os objetos, tendo uma melhor organização
em momentos sucessivos de adaptação ao objeto.
Então, quando essa modalidade de aprendi­
zagem se congela, tornando um padrão nas di­
versas situações da vida, é que pensamos em algo
patológico. Quando a forma de se relacionar com
a aprendizagem, com o objeto de conhecimento
e com o ensinante se cristaliza, traz como resul­
tado a falta de criatividade no que se faz, tendo
como produto apenas algumas repetições do que
lhe é apresentado. Outra experiência tida como
nega­tiva é quando ocorre uma internalização
pre­­­­­ma­tura dos esquemas, como, por exemplo,
ofe­recendo um excesso de conteúdo a ser estu­
dado, sem ter havido uma real assimilação do
anterior. Cria-se um processo de hiperassimilação.
A hi­­­­­­­poacomodação ocorre de modo semelhante,
quando não se respeita a necessidade de quem
aprende e nem o seu ritmo. Na hiperacomodação,
a pessoa é incentivada a uma imitação excessiva,
sem ter uma experiência prévia. Sabe-se que
ninguém aprende do mesmo jeito.
A forma particular de relacionar-se, buscar e
construir o conhecimento interessa diretamente
ao trabalho do psicopedagogo, uma vez que ele
deverá ser um facilitador para que o sujeito possa
posicionar-se diante de si mesmo como autor
do seu pensamento. É importante realizar esse
trabalho sempre com um olhar voltado para a
família, dentro de uma visão sistêmicai, levando
em conta três níveis: o individual, o vincular e
A forma como a pessoa se relaciona com a
aprendizagem não é fixa, ou seja, pode mudar
ao longo da vida. Entretanto, quando isso não
ocorre surgem grupos de modalidades (organi­
zações) que perturbam o aprender10. Segundo a
autora, são eles: hipoassimilação-hipoacomoda­
ção (déficit lúdico, resultando na disfunção da
capacidade criadora); hiperassimilação-hipoaco­
modação (internalização prematura dos esque­
mas, por causa do excesso de conteúdos a serem
estudados); hipoassimilação-hiperacomodação
(a pessoa é incentivada a uma imitação excessi­
va, sem ter uma experiência prévia) e alternância
variável entre assimilação-acomodação, que é o
modo saudável de aprender.
Assimilação e acomodação são termos uti­
lizados na teoria genético-cognitiva de Piaget
que favorecem a adaptação. Assimilação é o
movimento pelo qual os elementos do ambiente
alteram-se para serem incorporados à estrutura
do organismo. Neste caso, aprender não é ape­
nas memorizar, repetir livro, sem que haja um
entendimento efetivo do que se pretende enun­
ciar. É preciso raciocinar sobre o que é falado.
Isso implica a utilização de um pensamento mais
complexo, próprio do Estágio das Operações
Formaish. Para complementar a assimilação, é
preciso da acomodação – esse movimento pelo
qual o organismo altera-se, de acordo com as
características do objeto a ser ingerido –, isso
significa que a pessoa só acomoda se consegue
colocar em prática o que assimilou e usar desse
conhecimento para executar um trabalho. Ao aco­
modar e assimilar alternadamente, o aprendente
altera o estágio cognitivo do desenvolvimento em
que se encontra, avançando entre os estágios.
A modalidade de aprendizagem marcará
uma forma particular de relacionar-se, buscar e
construir conhecimentos, um posicionamento do
sujeito diante de si mesmo, como autor de seu
h
É o raciocínio lógico que em média começa em torno dos onze ou doze anos, necessário à solução de todas as classes de
problemas, segundo Piaget e os estágios de desenvolvimento.
i
É a ideia de que todo comportamento, por mais isolado que possa parecer, está em interação com o contexto que o cerca,
e pode ser mantido, ampliando ou atenuando por retroações do ambiente. Surgiu no século XX contra o pensamento
reducionista. Visão do mundo.
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209
Almeida APD
o dinâmico, que se manifestam considerando
as imagens, as sensações e as ideias de cada
pessoa. No nível particular é levada em consi­
deração a subjetividade do sujeito em relação
ao mundo que a cerca. Leva-se em considera­
ção o modo em que manifesta a sua expressão
corporal, verbal, seu grau de curiosidade, a sua
história em relação à aprendizagem e mediante
a dinâmica familiarj. Com relação ao nível vincu­
lar, o psicopedagogo deve verificar se o que é dito
pela família pode ser contestado pelo paciente
ou se é imposto como verdade, se nos vínculos
é abolida a diferença ou se sabem respeitar a
singularidade, ou ao contrário, se através destes
é cultuada a submissão, a falta de diálogo. No
caso de participarem de uma dependência mú­
tua, o novo não será bem-vindo e não haverá um
espaço para o risco e para a vivência de novas
experiências. Outro aspecto a ser considerado é
quanto à metodologia utilizada para educar, se
através de sanções ou prêmios. Se alguns as­
suntos considerados tabus são ditos e como isso
acontece ou tornam-se proibidos. Finalmente, o
nível dinâmico refere-se propriamente à dinâ­
mica familiar, aos papéis que são atribuídos e
desempenhados para a manutenção dos vínculos
e, consequentemente, da sua estrutura. Todos
esses fatores interferem nos relacionamentos
posteriores a serem estabelecidos pelo apren­
dente. Isso se explica porque ele internaliza
esse conjunto de relações, traduzindo-se, por
exemplo, em pais unidos ou distanciados, como
figuras protetoras ou protegidas, sem, contudo,
ser a relação familiar o único determinante para
a sua forma de pensar e agir.
A modalidade de aprendizagem é construída
nas relações interpessoais estabelecidas. Numa
perspectiva Piagetiana, valoriza-se a formação
do sujeito no grupo. A inteligência humana so­
mente se desenvolve no indivíduo em função de
interações sociais que são, em geral, demasia­
damente negligenciadas11. Apesar de não ter se
detido longamente sobre essa questão, reconhe­
j
ceu o papel do grupo social no desenvolvimento
da pessoa, entendendo social como tendências
hereditárias que nos levam à vida em comum e à
imitação; e o desenvolvimento intelectual sendo
obra da sociedade e do indivíduo.
Vygotsky apud Grossi & Bordin12 reafirmam o
valor do grupo social, tal como a família, quando
nos apresenta o novo quadro epistêmico da edu­
cação, incluindo o outro no processo de conhe­
cimento. Isso porque é através das relações que
se vai construindo um significado para os fatos.
Com a mediação é que se aprende até mesmo a
dar os primeiros passos, a falar e a estruturar o
pensamento. Essa mediação, além de interferir
na formação da inteligência, estando a criança
em contato também com objetos do mundo físico,
é responsável por promover a troca afetiva, de
modo geral. É através dessa rede de relações
que se vai desenvolvendo a personalidade.
Dessa forma, é realçada a presença dos pais,
professores, parentes, amigos nas diversas cir­
cunstâncias. Grossi & Bordin12 afirmam que “a
aprendizagem só existe na circulação de saberes
e conhecimentos, entre ensinante e aprendente,
entre o sujeito que tenta compreender o mundo
e o outro que se interpõe entre ambos,”, ou seja,
é algo dialético, onde só ensina quem aprende.
E tamanha é a responsabilidade de quem fica
na posição de ensinante ou modelo.
INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO DESEMPENHO ESCOLAR
Já é sabido que, algumas famílias de crianças
que apresentam transtornos de aprendizagem
levam mais tempo para tomar decisões, em com­
paração às famílias de crianças ditas normais, o
que levaria a adiar a resolução dos conflitos e a
uma falta de habilidade para resolver problemas.
NcWhrirter apud Scoz (1987) afirma ainda que,
quando os pais de crianças com dificuldades
de aprendizagem constituem um grupo hete­
rogêneo quanto à inteligência, valores afetivos
são comuns a todos os seguintes sentimentos:
Qualificação de um ponto de vista que considera os fenômenos psíquicos como resultantes do conflito e da composição de
forças que exercem uma certa pressão, sendo essas forças, em última análise, de origem pulsional.
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210
Tendo o vínculo como doença
sentimentos de confusão, frustração, raiva, crí­
tica, culpa e intolerância. Na visão do mesmo
autor, o sentimento de confusão se traduz na
não compreensão do sintoma do filho, devido
a sua instabilidade no rendimento escolar. Por
isso, faz-se necessário que os psicopedagogos
utilizem uma linguagem acessível no sentido
de esclarecer a problemática citada aos pais. À
medida que não compreendem, possuem maior
resistência ao lidarem com o comportamento
desse filho, gerando a raiva, por sentirem-se
impotentes. Por isso, a intervenção do terapeu­
ta para com a família se torna fundamental no
tratamento. A raiva pode ser transformada em
crítica aos profissionais, professores por não se
perceberem capazes de darem conta da situação
enquanto responsáveis. Outra possibilidade é de
se culparem pela pouca produção da criança e
paralisarem-se diante da situação. Há também
a intolerância, por não serem preenchidas as
suas expectativas com relação ao boletim escolar
desse filho. Torna-se importante verificar o que
esse fato comunica, uma vez que a desmotiva­
ção desse aluno pode estar relacionada a uma
dificuldade de aprendizagem e ao mecanismo
de defesak denominado fuga ou evitação, para
não tomar contato com a frustração. Quando é
possível aos pais aceitarem as diferenças, são
geradas posturas mais democráticas por enten­
derem que as contradições não são vistas como
ataques ao outro, mas como uma manifestação
da individualidade de cada ser, que se comple­
menta em sua diversidade.
“As famílias facilitadoras da autoria de
pensamento mostram características
marcadamente alteritárias, como: permissão busca e valorização da diferença;
possibilidade e promoção de escolha por
parte do aprendente, diferente da dos
ensinantes. Nessas famílias, a diferença não é entendida como um ataque ao
outro e a diferença é trabalhada com
base no afeto positivo, ou seja, é possível
opinar e discordar sem causar conflito.
(Munhoz, Scoz, 2007, p.152)
Essa afirmação justifica a necessidade de
destacar a família como o principal grupo social
onde o sujeito está inserido, porque os principais
ensinantes são os pais. O modo de aprender pode
se dar de acordo com os vínculos estabelecidos
com a forma que circula o conhecimento na
família. O psicopedagogo deverá captar essa
dinâmica familiar, observar como o paciente
é visto pela família, como todos lidam com as
situações divergentes, se esse sujeito manifesta
os seus sentimentos ou opiniões e se é ouvido.
A criança pode depositar na professora ou na
escola sentimentos agressivos originariamente
destinados às figuras parentais (aos pais que
ela têm representados dentro de si) e em sua
imaginação sentir-se com muito medo de ir à
escola ou de fracassar – conceito psicanalítico
de transferêncial). Então a professora, estando
no papel de autoridade, traz a simbologia do
que é vivenciado em casa e do registro em que
se processa a experiência vincular com os pais.
Nesse momento entra em questão o aluno como
um todo integrado, fazendo parte do seu ser
organismo, corpo, inteligência e desejo.
Vale lembrar que a escola é uma extensão da
sua casa, no sentido de que as relações tenderão a
ser reproduzidas e projetadas na figura do profes­
sor, que naquele papel representa a autoridade.
Se esse filho não se percebe aceito e respeitado
por quem faz parte da sua família, dificilmente
se verá como tal na escola, tendendo a evitar se
expor, não sendo autor dos seus próprios pensa­
mentos por medo da crítica ou por não exercitar
a capacidade de julgamento e inferência. Cabe
ao psicopedagogo clarear os pontos obscuros
estabelecidos nas relações para que cada um se
veja como corresponsável pelo outro e não apenas
k
Termo psicológico que designa diferentes tipos de operações em que a defesa pode ser especificada. Os mecanismos
predominantes diferem segundo o tipo de afecção considerado, a etapa genética, o grau de elaboração do conflito defensivo.
l
Designa em Psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro
de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica.
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211
Almeida APD
delegue responsabilidades, elegendo um deposi­
tário para a ansiedade de todo o grupo.
Para que a pessoa se considere autora do seu
pensamento, é necessário que lhe seja oferecida
a oportunidade para que possa experienciar
novas situações, correr riscos de forma saudá­
vel. Desde criança, por meio das brincadeiras,
jogos e contato com os objetos do mundo que a
rodeia, essa possibilidade pode se concretizar ou
não, dependendo da permissão que lhe for dada
pelos pais. Só dessa forma, poderá enfrentar os
obstáculos e, com o apoio necessário, construir
uma autoestima positiva, baseada na confiança
em si mesma. Contudo, se diante do erro, ela for
recriminada frequentemente e se esses erros são
sempre realçados em detrimento dos acertos,
descobrirem algo pode se tornar sinônimo de
castigo e repreensão e, portanto, de algo que
gera sofrimento. O problema de aprendizagem
pode ser originado do fato do sujeito não confiar
na sua capacidade e, consequentemente, não ter
autoria de pensamentom. Na maioria das vezes,
fica fixado no resultado e não no processo como
um referencial para o seu crescimento. Portanto,
o significado dado à aprendizagem pelo grupo
familiar, o modo como os ensinantes desejam
essa criança como aprendente, irão influenciar
na construção da modalidade de aprendizagem.
A autoria de pensamento é condição para a
autonomia e a autonomian favorece a autoria. A
dificuldade de aprendizagem pode ser a causa
de um transtorno específico por parte do sujeito
ou uma linguagem para dar conta de um meio
familiar disfuncionalo. A discriminação de um
pólo ou outro para compreensão de como ocorre
a aprendizagem do paciente é um dos principais
objetivos do diagnóstico psicopedagógico. As
coerções excessivas e as mensagens negativas
só servirão para exacerbar os conflitos, ao passo
que o sujeito precisa, nesse momento, de um
suporte afetivo dos pais e pessoas que o rodeiam,
para que possa se sentir seguro, para enfrentar
os obstáculos, e, consequentemente, motivado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola estabelece uma relação que pode ser
vista como uma continuidade dos vínculos fami­
liares, quando se diz, por exemplo, que no ensino
a professora é a segunda mãe. O vínculo familiar,
apesar de não ser o único responsável pelo de­
senvolvimento das potencialidades humanas, é
tido como o principal por ser o primeiro formador
da matriz de identidade e, consequentemente,
interfere no olhar do indivíduo sobre o mundo.
O vínculo escolar acaba tendo a mesma natu­
reza do familiar, porque os professores ocupam
o papel de autoridade. Existe uma continuidade
entre o ensino e seus vínculos arcaicos, apreen­
didos no seio da família.
A relação familiar não é só o vínculo que leva
ao desenvolvimento das possibilidades huma­
nas, mas que enquanto vínculo,que socializa é,
também, um vínculo potencialmente alienante;
daí pode concluir que o ensino prolonga e sis­
tematiza esses aspectos polares e realça o que
começa a se formar no lar.
É preciso, portanto, compreender como se
processa toda essa dinâmica, avaliar se ocorre
coerência entre o discurso dos atores com o que
é demonstrado pela família. O discurso envolve
aspectos inconscientes, segredos familiares e,
provavelmente, sintomas que fazem parte de
todo um grupo e que se entrecruzam com as
histórias individuais desse sujeito eleito como
figura central de toda a problemática familiar.
O trabalho psicopedagógico precisa direcio­
nar o seu olhar e o de outrem, neste caso, o da
família, para a saúde em detrimento da doença,
m
É definida por Fernàndez como o processo e o ato de produção de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como
participante de tal produção.
n
Na terminologia psicológica, atribui-se a autonomia à parte de um todo muito mais vasto que, em relação a esse todo,
funciona com relativa independência.
o
Família disfuncional é aquela que responde às exigências internas e externas da mudança, padronizando seu funcionamento.
Ocorre um bloqueio no processo de comunicação familiar.
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212
Tendo o vínculo como doença
no sentido de buscar o potencial que existe em
cada pessoa e não enfatizar a falta, entendendo
que a origem do problema de apren­­­­­dizagem não
se encontra na estrutura individual. “O sintoma
se ancora em uma rede particular de vínculos
familiares, que se entrecruzam com uma também
particular estrutura individual. A criança suporta
a dificuldade, porém necessária, e dialeticamente
os outros dão o sentido”7.
A escuta clínica do discurso, da comunicação
e da linguagem estabelecidas na família, através
da ótica da epistemologia convergente - como
referencial teórico - possibilita a compreensão
da modalidade de aprendizagem do sujeito.
Isto porque o tipo de comunicação decorrente
da relação vincular que a pessoa mantém com
o seu grupo familiar se repetirá, muitas vezes,
involuntariamente, nas situações escolares.
SUMMARY
Having the link as disease: the influence of family dynamics
on the subject’s learning mode
This paper proposes a review, under the perspective of Convergent
Epistemology, about the family ties of affection interfering in the subject’s
ability of learning. In addition, it aims to prompt a reflection on the im­por­
tance of psychopedagogists to know about normal and pathological links
so that they could develop the ability to identify the min family dynamic
sand check the strength of their influence on the subject’s mode of learning,
hither to seen as “ill” just because they simply can not learn.
KEY WORDS: Family. Family relations. Learning.
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cologia. São Paulo: Cultrix; 2001.
1. Visca J. Psicopedagogia: novas contribuições.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira;1991.
2. Pichon-Rivière E. Teoria do vínculo. São Pau­
lo: Martins Fontes; 1986.
3. Winnicott DW. Tudo começa em casa. São
Paulo:Martins Fontes; 1989.
4. Freud S. A Dinâmica da Transferência. In:
Edição Standard Brasileira das obras comple­
tas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janei­
ro: Imago; 1980.
5. Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartogra­
fias do desejo. Petrópolis: Vozes; 2005.
6. Bohoslavsky R. A psicopatologia do vínculo.
In: Patto MHS, ed. Introdução à Psicologia
Escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997.
O artigo foi baseado na experiência da autora como psi­­­
copedagoga clínica, tendo como foco a obtenção do título
de especialista em Psicopedagogia Clínica e Ins­­­­titucional,
realizado na instituição Estácio de Sá de Juiz de Fora,
coor­­­denado por Helena Delage. Trabalho realizado na
Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora, MG, Brasil.
Artigo recebido: 12/2/2011
Aprovado: 29/3/2011
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13
213
Witer GP
RESENHA
Miniaulas
Resenha: Geraldina Porto Witter
Resenha do livro: Rog LJ. Marvelous minilessons for teaching: intermediate writing, grades 4-6.
Newark, DE: International Reading Association; 2010. 216p.
A estratégia denominada miniaula ou minili­
ção surgiu, foi testada e utilizada nas várias áreas
de conhecimento nos anos sessenta do século
passado. Passou a ter um crescimento constante
tanto em termos de pesquisa como em relação
ao uso efetivo em sala de aula, em cursos de ex­
tensão, de curta e média duração, integrando as
estratégias e tecnologias úteis aos vários níveis
de ensino, não sendo apanágio de nenhum en­
foque teórico específico. Entretanto, é pouco
di­­­fundida no Brasil, a despeito de sua eficiência.
O livro de Lori Jamison Rog traz uma contri­
buição muito rica e, embora exemplifique com
um curso de escrita para alunos do 4º ao 6º grau,
aplica-se com adaptação rápida à formação de
qualquer escritor e à parte conceitual e instru­
mental a qualquer matéria. A autora tem longa
experiência de ensino primário intermediário e
superior, sendo consultora do sistema público
do Canadá e do Conselho de Leitura do qual é
mem­bro honorário vitalício. Tem vários artigos e
livros publicados. Também atua como consultora
no ensino privado.
A obra compreende Prefácio, nove capítulos e
índice de autores e conteúdo. O Prefácio é da pró­
pria autora e nele ela apresenta a obra e destaca
suas especificidades. Nos capítulos seguintes,
apre­senta vários planos de miniaulas de grande
utilidade e que constituem modelos adaptáveis
a vários assuntos.
Todos os capítulos seguem a mesma estrutura.
Começam pela apresentação da relevância do
tema, faz uma breve revisão das pesquisas na
área, introduz a minilição e se fecha com idei­as
adicionais para o ensino e o pensar sobre a maté­
ria. Como faz parte da técnica, o foco é sem­pre em
um objetivo específico, destaca que o mais im­
portante não é a tarefa em si, mas o que o aluno
está aprendendo como escritor. É iden­­tificado o
objetivo, o padrão de desempenho ou pro­ficiência
que o aluno deve alcançar para o en­sino ser sig­
ni­ficativo e a avaliação. Lembra que, em cada
mi­nilição, um ou mais traços da escrita eficiente
podem ser enfocados.
O esquema de cada minilição inclui: introdu­
ção, guia prático e aplicação independente. Na
primeira, é apresentado o objetivo e feita uma
li­gação com o conhecimento anterior do aluno.
No guia prático, o aluno tem base para usar a
es­tratégia e, na aplicação independente, há so­­­
li­ci­tação para que aplique o aprendido em sua
própria escrita. O professor que vai aplicar a
mi­niaula encontra apoio em exemplos, modelos,
organizadores gráficos e como usar estilo de en­
sino individualizado. Há espaço para o professor
fazer anotações pessoais para uso posterior.
Geraldina Porto Witter – Doutora em Ciências, livredocente em Psicologia Escolar; Professora Emérita da
UFPa, do UNIPE e da UNICASTELO, Coordenadora
da Extensão e do Comitê de Ética em Pesquisa da
UNICASTELO e Membro da Academia Paulista de
Psicologia.
Correspondência
Geraldina Porto Witter
Av. Pedroso de Moraes, 144, apto 302 – Pinheiros – São
Paulo, SP, Brasil – CEP 05420-000
E- mail: [email protected]
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 214-5
214
Miniaulas
O primeiro capítulo apresenta uma perspec­
ti­va geral sobre o workshop de escrita e como
ada­p­­tá-lo para outros níveis, as várias fases e res­
pectivas durações. Inclui da ideia à editoração,
pas­sando pela produção de texto. O capítulo
se­­­guinte apresenta os quatro passos básicos para
se preparar a aprendizagem e a produção da
es­crita: (1) escolher o gênero ou forma de texto
a ser enfocado; (2) determinar os objetivos da
aprendizagem; (3) planejar a sequência de obje­
tivos; e (4) estabelecer um plano de avalia­ção e
seus correlatos. Os seis traços básicos da escrita,
conforme evidências, são: ideias, organização,
voz, escolha de palavras, fluência verbal e con­
venções a respeitar. Para cada traço se estabelece
uma estrutura de referência e se especifica um
alvo de aprendizagem, isto é do que o aluno será
capaz após a miniaula.
O terceiro capítulo trata da importância dos
antecedentes à escrita ou pré-escrita, o que in­
clui o que o aluno aprendeu nos anos anteriores,
seu contexto de vida, se aprendeu a fazer rascu­
nhos e revisões práticas. Nesta área é importante
verificar o que sabe e como o aluno procede para
selecionar estratégias mais adequadas. São
pro­­postas atividades de avaliação para isto no
que diz respeito à escrita. O que ela já sabe é o
pon­to de partida e deve-se ir além para que ele
se desenvolva realmente.
O capítulo 4 trata da elaboração do texto, que
implica no acréscimo de detalhes. Para tanto, o
escritor precisa saber detectar quando é relevan­­te
incluir um detalhe específico, selecionar pos­sí­veis
adendos, avaliar se realmente pode enrique­cer
seu texto, fazer um teste e avaliar os resultados.
O capítulo seguinte tem por foco a pesquisa
e a produção de textos informativos, que são
de gran­de importância no mundo moderno, con­
tam com estruturas de escritas já estabelecidas
e que ajudam os estudantes a organizar seu
pen­sa­mento e a analisar a informação, sendo o
tipo de discurso em que melhor se estabelece a
relação entre estratégias de leitura e de escrita.
Para a escri­ta de textos informativos, a sequên­
cia facilitadora indicada é a seguinte: analisar
exemplos de textos quanto à forma e conteúdo;
escolher um tópico e reduzi-lo (objetivos espe­
cíficos); criar uma lista de possíveis questões
para pesquisa; obter informações sobre o tópico;
trans­formar as notas (lidos e pensados) em uma
primeira redação (cuidar de coesão); acrescentar
uma introdução e formular as conclusões; revisar
a pessoa gramatical (voz), o tempo, as palavras
escolhidas e a fluência das orações, checar com
a política de publicação e enviar para publicar.
Seguindo o mesmo processo, o capítulo 6 para
a produção de textos persuasivos ou convincen­
tes trata de como orientar o aluno para buscar
apoio em fatos, estatísticas e em argumentação
anterior. Já no capítulo seguinte, a preocupação
é ensinar o aluno a expressar bem suas ideias,
a usar semelhanças, verbos ativos, orações bem
cons­truídas, como fazer parágrafos, extrair ou
incluir palavras e frases no texto. O oitavo capí­
tulo trata de como se preparar para provas que
impliquem em escrever, ou seja, aspectos como
saber resumir, usar a literatura, usar eficiente­
mente o tempo disponível para a avaliação.
O último capítulo é dedicado aos alunos que
chegam à escola ou à classe com defasagens, os
diferentes, os relutantes. São alunos que reque­
rem atenção especial e o professor precisa dispor
de tempo e atividades especiais para trabalhar
com eles. É preciso verificar o nível de dificulda­
de que ele tem, detectar quais os problemas que
enfrenta, que estratégias de leitura e escrita sabe
usar. É necessário um atendimento individuali­
zado, o que pede recorrer ao ensino personali­
zado ou instrução programada especiais.
O livro é muito rico em sugestões e a organi­
zação das atividades propostas tornam o texto
muito atraente e útil. A bibliografia inclui clássi­cos
e textos recentes. Seria muito bom difundir mais o
ensino via miniaulas junto aos docentes bra­sileiros.
Ele é muito agradável e motivador, tanto para
professores, como para estudantes. Enseja muita
participação ativa e, aos poucos, os próprios alunos
podem usá-la em apresentações de seminários.
Resenha realizada na Universidade Camilo Castelo
Branco – UNICASTELO, São Paulo, SP, Brasil.
Artigo recebido: 5/6/2011
Aprovado: 12/6/2011
Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 214-5
215
ASSOCIADOS TITULARES PARA REVISTA 86 – 2011
ALAGOAS
Maceió
ELIANE CALHEIROS CANSANÇÃO
[email protected]
(82) 3223-4258 – Farol
BAHIA
Feira de Santana
LOURDES MARIA DA SILVA TEIXEIRA
[email protected]
(75) 3221-3456 – Mangabeira
Itabuna
GENIGLEIDE SANTOS DA HORA
[email protected]
(73) 3617-0372 – São Caetano
Salvador
ARLENE NASCIMENTO PESSOA
[email protected]
(71) 9983-0470 – Caminho das Árvores
DEBORA SILVA DE CASTRO PEREIRA
[email protected]
(71) 3341-2708 – Candeal
JACY CÉLIA DA FRANCA SOARES
[email protected]
(71) 3347-8777 – Pituba
ELISABETE SILVEIRA CASTELO BRAN­­
CO
[email protected]
(85) 3881-1673 – Rodolfo Teófilo
FRANCISCA FRANCINEIDE CÂNDIDO
[email protected]
(85) 3272-3966 – Fátima
JANAÍNA CARLA R. DOS SANTOS
[email protected]
(62) 3241-7837 – Setor Sul
LUCIANA BARROS DE ALMEIDA SILVA
[email protected]
(62) 3293-3067 – Setor Marista
MARISTELA NUNES PINHEIRO
GALEÁRA MATOS DE FRANÇA SILVA
[email protected]
(62) 3259-0247 – Nova Suíça
GERALDO LEMOS DA SILVA
MATO GROSSO
Cuiabá
[email protected]
(85) 3264-0322 – Aldeota
[email protected]
(85) 3246-7000 – Dionísio Torres
MARIA JOSÉ WEYNE MELO DE CASTRO
[email protected]
(85) 3261-0064 – Parque Manibura
ÂNGELA CRISTINA MUNHOZ MALUF
[email protected]
(65) 9214-4484 – Jardim Cuiabá
MARIA MASARELA MARQUES DOS
PASSOS
MARISA PASCARELLI AGRELLO
[email protected]
(65) 3028-1372 – Campo Velho
OTILIA DAMARIS QUEIROZ
MINAS GERAIS
Campanha
[email protected]
(85) 3267-5714 – Varjota
[email protected]
(85) 3246-7000 – Dionísio Torres
RAMONA CARVALHO FERNANDEZ NO­­­­
GUEIRA
Tianguá
[email protected]
(35) 3261-2119 – Centro
GRAÇA MARIA DE MORAIS AGUIAR E
SILVA
Pouso Alegre
JOZELIA DE ABREU TESTAGROSSA
[email protected]
(88) 9963-5854 – Centro
CLAUDIA MARQUES CUNHA SILVA
KARENINA AZEVEDO
DISTRITO FEDERAL
Brasília
SÔNIA REGINA BELLARDI TAVARES
[email protected]
(71) 3341-2708 – Caminho das Árvores
[email protected]
(71) 3345-3535 – Pituba
LEILA DA FRANCA SOARES
[email protected]
(71) 3347-8777 – Pituba
MÁRCIA GONÇALVES NUNES
[email protected]
(71) 3374-4505 – Federação
MARIA ANGELICA MOREIRA ROCHA
[email protected]
(71) 3797-6270 – Pituba
SANDRA MARIA FURTADO ANDRADE
[email protected]
(71) 3351-9973 – Itaigara
MARINA LIMA BEUST
ANDRÉA AYRES COSTA DE OLIVEI­RA
Uberlândia
MARLI LOURDES DA SILVA CAMPOS
[email protected]
(34) 3224-3687 – Lidice
[email protected]
(61) 3321-3666
SANDRA MEIRE DE OLIVEIRA R. ARAN­
TES
Varginha
ESPÍRITO SANTO
Vitória
HELENA SCHERER GIORDANO
MARIA DA GRAÇA VON KRUGER PIMENTEL
JÚLIA EUGÊNIA GONÇALVES
[email protected]
(27) 3225-9978 – Praia do Canto
[email protected]
(27) 3215-5039 – Jardim da Penha
[email protected]
(35) 3212-7296 – Novo Horizonte
[email protected]
(35) 3222-1214 – Centro
MARIA CLARA R. R. FORESTI
[email protected]
(35) 3212-3496 – Centro
MARIA ISABEL SILVA PINTO REZENDE
[email protected]
(85) 3261-0064 – Aldeota
GOIÁS
Goiânia
ELIANE CÁSSIA ROCHA BLANES
CARLA BARBOSA DE ANDRADE JAYME
[email protected]
(85) 3244-2820 – Dionísio Torres
[email protected]
(35) 3425-3456 – Santa Filomena
[email protected]
(61) 3326-9314 – Asa Norte
MARISTELA DO VALLE
CEARÁ
Fortaleza
[email protected]
(35) 3422-2050 – Fátima
[email protected]
(62) 3225-9805 – Setor Oeste
[email protected]
(35) 3212-9120 – Jardim Andere
REGINA CLAUDIA ARAUJO E SILVA
FERRAZ
[email protected]
(35) 3214-5660 – Jardim Andere
PARÁ
Belém
CARMEM CYLBELLE PEREIRA ALVES
VIÉGAS
[email protected]
(91) 3259-3531 – São Braz
ELIANE SOUZA DE DEUS NETO ALMEIDA
[email protected]
(91) 8850-8628 – Cidade Velha
MARIA DE NAZARÉ DO VALE SOARES
[email protected]
(91) 9981-2076 – São Braz
PARANÁ
Curitiba
ADRIANE CREDIDIO R. C. DYMINSKI
ARRUDA
[email protected]
(41) 3672-3454 – Jardim Menino Deus
ARLETE ZAGONEL SERAFINI
[email protected]
(41) 3363-1500 – Santa Cândida
CINTIA BENTO M. VEIGA
[email protected]
(41) 3332-2156 – Rebouças
EVELISE M. LABATUT PORTILHO
[email protected]
(41) 3271-1655 – Prado Velho
FABIANE CASAGRANDE C. O. MELLO
[email protected]
(41) 3022-4041 – Batel
ISABEL CRISTINA HIERRO PAROLIN
[email protected]
(41) 3264-8061 – Alto da XV
LAURA MONTE SERRAT BARBOSA
[email protected]
(41) 3363-1500 – Alto da Glória
REGINA BONAT PIANOVSKI
[email protected]
(41) 3345-8798 – Portão
ROSE MARY DA FONSECA SANTOS
[email protected]
(41) 3026-2865 – Centro Cívico
SIMONE CALBERG
[email protected]
(41) 3363-1500 – Alto da Glória
SONIA MARIA GOMES DE SÁ KUSTER
[email protected]
(41) 3264-8061 – Centro
Guarapuava
ADRIANA CRISTINE LUCCHIN
[email protected]
(42) 3622-4022 – Trianon
Londrina
ROSA MARIA JUNQUEIRA SCICCHITANO
[email protected]
(43) 3342-7308 – Jardim Caiçaras
Maringá
NERLI NONATO RIBEIRO MORI
DIRCE MARIA MORRISSY MACHADO
[email protected]
(21) 2236-2012 – Copacabana
HELOISA BEATRIZ ALICE RUBMAN
[email protected]
(21) 2259-9959 – Jardim Botânico
JANE BRAVO GORNE
[email protected]
(44) 3261-4887 – Campus Universitário
[email protected]
(21) 2541-4623 – Botafogo
São José dos Pinhais
[email protected]
(21) 2239-5878 – Gávea
CÉLIA REGINA BENUCCI CHIODI
[email protected]
(41) 8445-1444 – Ouro Fino
LORIANE DE FÁTIMA FERREIRA
LUCIA HELENA MACHADO SAAVEDRA
MARIA HELENA C. LISBOA BARTHOLO
[email protected]
(21) 2266-0818 – Humaitá
[email protected]
(41) 3282-9357 – Centro
MARIA KATIANA VELUK GUTIERREZ
PERNAMBUCO
Recife
MARIA LÚCIA DE OLIVEIRA FIGUEIREDO
DAISY FLORIZA C. AMARAL
[email protected]
(81) 3326-1927 – Boa Viagem
PIAUÍ
Teresina
AMÉLIA CUNHA RIO LIMA COSTA
amé[email protected]
(86) 3233-2878 – Fátima
JOYCE MARIA BARBOSA DE PADUA
[email protected]
(86) 3221-1013 – Centro/Sul
RIO DE JANEIRO
Ilha do Governador
DULCE CONSUELO RIBEIRO SOARES
[email protected]
(21) 3366-2468 – Freguesia
Niterói
FÁTIMA GALVÃO PALMA
[email protected]
(21) 2710-5577 – Icaraí
Rio de Janeiro
ANA MARIA ZENÍCOLA
[email protected]
(21) 2556-3767 – Flamengo
ANA PAULA LOUREIRO E COSTA
[email protected]
(21) 2436-1803 – Jacarepaguá
CLYTIA SIANO FREIRE DE CASTRO
[email protected]
(21) 2247-3185 – Ipanema
[email protected]
(21) 2527-1933 – São Conrado
[email protected]
(21) 9345-4020 – Botafogo
MARLENE DIAS PEREIRA PINTO
[email protected]
(21) 9739-5332 – Leblon
MARTHA IZAURA DO NASCIMENTO
TABOADA
[email protected]
(21) 2570-0065 – Barra da Tijuca
VERA BEATRIZ DA COSTA NUNES
MEN­­DONÇA
[email protected]
(21) 2295-4838 – Botafogo
RIO GRANDE DO NORTE
Natal
ADRIANNA FLÁVIA DE FIGUEIREDO
MELO
[email protected]
(84) 3031-0193 – Tirol
CHRISTINA SALES NOVO
[email protected]
(84) 3206-4449 – Dix Sept Rosado
EDNALVA DE AZEVEDO SILVA
[email protected]
(84) 3221-6573 – Lagoa Seca
ELOISA ELENA PRATES BOEIRA
[email protected]
(84) 3642-1004 – Alecrim
SONIA APARECIDA MONÇÃO GONÇALVES
[email protected]
(84) 3211-4220 – Ribeira
Paranamirim
MÁRCIA FIATES
ANA LISETE P. RODRIGUES
[email protected]
(84) 4006-9509 – Parque das Nações
MARIA ALICE MOREIRA BAMPI
ANDREA DE CASTRO J. RACY
RIO GRANDE DO SUL
Caxias do Sul
MARIA GUILHERMINA COSTA ACIOLI
FRANCY IZANNYDE BRITO BARBOSA
MARTINS
LOVAINE SALETE STREIT JUNGES
[email protected]
(54) 3536-3516
Passo Fundo
IARA SALETE CAIERÃO
[email protected]
(54) 3311-5230 – Centro
Porto Alegre
CLARA GENI BERLIM
[email protected]
(48) 3224-0441 – Centro
[email protected]
(48) 3333-1745 – Agronômica
[email protected]
(48) 3223-6402 – Centro
MARIA LÚCIA ALMADA FERNANDES
[email protected]
(48) 3331-1952 – Trindade
SILVANA MARIA BEDUSCHI DA SILVEIRA
[email protected]
(48) 3664-2186 – Centro
[email protected]
(11) 3885-7200 – Jardim Paulista
andré[email protected]
(11) 5572-1331 – Vila Nova Conceição
BEATRIZ JUDITH LIMA SCOZ
[email protected]
(11) 3651-9914 – Alto de Pinheiros
CARLA LABAKI
[email protected]
(11) 3815-5774 – Vila Madalena
CLEOMAR LANDIM DE OLIVEIRA
[email protected]
(11) 9302-5501 – Moema
EDITH REGINA RUBINSTEIN
[email protected]
(51) 3221-1740 – Santana
SÃO PAULO
Araraquara
[email protected]
(11) 3743-0090 – Vila Sonia
FABIANI ORTIZ PORTELLA
ALINE RECK PADILHA ABRANTES
ELISA MARIA DIAS DE TOLEDO PITOMBO
[email protected]
(51) 3209-5722 – Cidade Baixa
[email protected]
(11) 3335-7440 – Centro
MARILENE DA SILVA CARDOSO
Campinas
[email protected]
(51) 8182-0721 – Higienópolis
NEUSA KERN HICKEL
[email protected]
(51) 3333-5478 – Centro
SANDRA MARIA CORDEIRO SCHRÖEDER
MARIA LAURA CASSOLI MACEDO
[email protected]
(19) 3254-2714 – Jardim N. Sra. Auxiliadora
Cotia
[email protected]
(11) 5184-1340 – Granja Julieta
ELOISA QUADROS FAGALI
[email protected]
(11) 3864-2869 – Perdizes
HERVAL G. FLORES
[email protected]
(11) 3257-5106 – Higienópolis
MARIA CECILIA CASTRO GASPARIAN
[email protected]
(51) 3328-3872 – Chácara das Pedras
[email protected]
(11) 4702-2192 – Granja Viana
LEDA MARIA CODEÇO BARONE
SONIA MARIA PALLAORO MOOJEN
Jacareí
LUCIA BERNSTEIN
[email protected]
(51) 3333-8300 – Petrópolis
VERÔNICA ABELLA MARQUES
[email protected]
(51) 3374-6938 – Higienópolis
Santa Maria
FABIANI ROMANO DE SOUZA BRIDI
[email protected]
(55) 3225-1577 – N. Sra. de Lourdes
SANTA CATARINA
Florianópolis
ALBERTINA C. MATTOS CHRAIM
[email protected]
(48) 3244-5984 – Estreito
JANICE MARIA BETAVE
[email protected]
(48) 8453-7791 – Ingleses
LILIANA STADNIK
[email protected]
(48) 3248-0401 – Balneário
ANA MARIA LUKASCHEK BRISOLA
[email protected]
(12) 3951-7929
[email protected]
(11) 3082-4986 – Vila Olímpia
[email protected]
(11) 3209-8071 – Aclimação
MÁRCIA ALVES SIMÕES
Ribeirão Preto
[email protected]
(11) 8192-0921 – Tatuapé
ANA LUCIA DE ABREU BRAGA
MARGARIDA AZEVEDO DUPAS
[email protected]
(16) 3021-5490 – Jardim Sumaré
Santos
ANGELA COTROFE RODRIGUES
[email protected]
(13) 3232-5020 – Boqueirão
São Bernardo do Campo
BEATRIZ PICCOLO GIMENES
[email protected]
(11) 4368-0013 – Rudge Ramos
São Paulo
ADA MARIA GOMES HAZARABEDIAN
[email protected]
(11) 2261-2377 – Jardim França
[email protected]
(11) 3021-8707 – Alto de Pinheiros
MARIA BERNADETE GIOMETTI PORTÁSIO
[email protected]
(11) 2950-6072 – Santana
MARIA CÉLIA R. MALTA CAMPOS
[email protected]
(11) 3819-9097 – Alto de Pinheiros
MARIA CRISTINA NATEL
[email protected]
(11) 5081-2057 – Vila Mariana
MARIA DE FATIMA MARQUES GOLA
[email protected]
(11) 3052-2381 – Jardim Paulista
MARIA IRENE DE MATOS MALUF
REGINA ZAIDAN PEREIRA MENDES
[email protected]
(11) 3258-5715 – Higienópolis
MARIA TERESA MESSEDER ANDION
[email protected]
(11) 3023-5834 – Alto de Pinheiros
[email protected]
(11) 3491-0522 – Ipiranga
VIVIANE MASSAD DE AGUIAR
[email protected]
(11) 3259-0837 – Higienópolis
[email protected]
5041-1988 – Alto de Pinheiros
SILVIA AMARAL DE MELLO PINTO
[email protected]
(11) 3097-8328 – Pinheiros
NÁDIA APARECIDA BOSSA
[email protected]
(11) 2268-4545 - Mooca
SONIA MARIA COLLI DE SOUZA
NEIDE DE AQUINO NOFFS
[email protected]
(11) 3670-8162 – Perdizes
[email protected]
(11) 3287-8406 – Bela Vista
NIVEA MARIA DE CARVALHO FABRICIO
[email protected]
(11) 3868-3850 – Perdizes
REGINA A. S. I. FEDERICO
[email protected]
(11) 5041-1988 – Brooklin
SANDRA G. DE SÁ KRAFT MOREIRA
DO NASCIMENTO
SANDRA LIA NISTERHOFEN SANTILLI
MÔNICA HOEHNE MENDES
QUÉZIA BOMBONATTO
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(11) 3815-8710 – Vila Madalena
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(11) 3511-3888 – Pacaembú
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(11) 3805-9799 – Morumbi
MARISA IRENE S. CASTANHO
VERA MEIDE MIGUEL RODRIGUES
[email protected]
(11)3872-2434 – Pacaembu
TELMA PANTANO
[email protected]
(11) 3062-6580 – Jardins
[email protected]
(11) 9840-6337 – Pompéia
WYLMA FERRAZ LIMA
[email protected]
(11) 3721-6421 – Morumbi
YARA PRATES
[email protected]
(11) 2976-8937 – Vila Ester
Valinhos
CRISTINA VANDOROS QUILICI
[email protected]
(19) 9259-6652 – Portal Itália
SILVANA BRESSAN
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(19) 3829-1704 – Recanto
VALÉRIA RIVELLINO LOURENZO
[email protected]
(11) 5041-7896 – Brooklin
SERGIPE
Aracaju
VÂNIA CARVALHO BUENO DE SOUZA
AUREDITE CARDOSO COSTA
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(11) 5041-7896 – Brooklin
[email protected]
(79) 3211-8668 – São José
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Anete Busin Fernandes
Beatriz Scoz
Débora Silva de Castro Pereira Denise da Cruz Gouveia Edith Rubinstein Elcie Salzano Masini
Eloísa Quadros Fagali
Evelise Maria L. Portilho Gláucia Maria de Menezes Ferreira Heloisa Beatriz Alice Rubman Leda M. Codeço Barone Margarida Azevedo Dupas Maria Auxiliadora de Azevedo Rabello
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de Psicopedagogia
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PSICOPEDAGOGIA – Órgão oficial de divulgação
da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp
é indexada nos seguintes órgãos:
1) LILACS - Literatura Latino-Americana e
do Caribe em Ciências da Saúde BIREME
2) Clase - Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades. Universidad
Nacional Autónoma de Mexico
3) Edubase - Faculdade de Educação, UNICAMP
4) Bibliografia Brasileira de Educação - BBE
CIBEC / INEP / MEC
5) Latindex - Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas
de América Latina, El Caribe, España y
Portugal
6) Catálogo Coletivo Nacional – Instituto
Brasileiro em Ciência e Tecnologia –
IBICT
7) INDEX PSI – Periódicos – Conselho
Federal de Psicologia
8) DBFCC – Descrição Bibliográfica
Fundação Carlos Chagas
9) PEPSIC – Periódicos Eletrônicos em
Psicologia
Editora Responsável: Maria Irene Maluf
Revisão e Assessoria Editorial:
Rosângela Monteiro
Editoração Eletrônica: Rudolf Serviços Gráficos
O conteúdo dos artigos aqui publicados é de
inteira responsabilidade de seus autores, não
expressando, necessariamente, o pensamento
do corpo editorial.
É expressamente proibida qualquer modalidade de reprodução desta revista, seja total ou
parcial, sob penas da lei.
Psicopedagogia: Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia /
Associação Brasileira de Psicopedagogia. - Vol. 10, nº 21 (1991). São
Paulo: ABPp, 1991Quadrimestral
ISSN 0103-8486
Continuação, a partir de 1991, vol. 10, nº 21 de Boletim da
Associação Brasileira de Psicopedagogia.
1. Psicopedagogia. I. Associação Brasileira de Psicopedagogia.
CDD 370.15
Acesse a revista na íntegra: www.revistapsicopedagogia.com.br
Diretoria da Associação
Brasileira de Psicopedagogia
2011/2013
Presidente
Quézia Bombonatto
Tesoureira
Maria Cecília Castro Gasparian
Secretária Administrativa
Maria Teresa Messeder Andion
Diretora Científica
Marisa Irene Siqueira Castanho
Diretora Cultural
Débora Silva de Castro Pereira
Diretora de Projetos Sociais
Márcia Alves Simões
Diretora Regional de Relações Públicas
Galeára Matos de França Silva
Diretora Regional de Comunicação e Divulgação
Ana Paula Loureiro e Costa
Diretora Regional de Comunicação e Divulgação
Maria Helena Bartholo
Assessorias
Assessora de Cursos e Regulamentação
Neide de Aquino Noffs
Assessora de Divulgações Científicas
Maria Irene Maluf
Conselheiras Vitalícias
Beatriz Judith Lima Scoz
Edith Rubinstein
Leda Maria Codeço Barone
Maria Cecília Castro Gasparian
Maria Célia Malta Campos
Sp
Sp
Sp
SP
Sp
Conselheiras Eleitas 2011/2013
Ana Maria Zenícola
Andréa Ayres Costa
Carla Labaki A. Luvizotto
Cleomar Landim de Oliveira
Cristina Vandoros Quilici
Débora S. de Castro Pereira
Ednalva de Azevedo Silva
Eloisa Quadros Fagali
Evelise M. Labatut Portilho
Fabiani Ortiz Portella
Galeára Matos de França Silva
Heloisa Beatriz Alice Rubman Lucia Helena M. Saavedra
Luciana Barros de Almeida
Márcia Alves Simões
Vice-Presidente
Luciana Barros de Almeida
Tesoureira Adjunta
Viviane Massad de Aguiar
Secretária Administrativa Adjunta
Edimara de Lima
Diretora Científica Adjunta
Telma Pantano
Diretora Cultural Adjunta
Heloisa Beatriz Alice Rubman
Colaboradora
Cristina Vandoros Quilici
Diretora Regional de Relações Públicas
Maria José Weyne Melo de Castro
Diretora Regional de Comunicação e Divulgação
Fabiani Ortiz Portella
Diretora Regional de Comunicação e Divulgação
Maria Katiana Veluk Gutierrez
RJ
CE
SP
SP
SP
BA
RN
SP
PR
RS
CE
RJ
RJ
GO
SP
Maria Irene Maluf
Mônica H. Mendes
Neide de Aquino Noffs
Nívea Maria de Carvalho Fabrício
Sp
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Maria Angélica Moreira Rocha
Maria Cristina Natel
Maria Helena Bartholo
Maria José Weyne Melo de Castro
Maria Katiana Veluk Gutierrez
Maria Teresa Messeder Andion
Marisa Irene Siqueira Castanho
Quézia Bombonatto
Rosa Maria Junqueira Scicchitano
Silvia Amaral de Mello Pinto
Sônia Maria Colli de Souza
Sônia Maria G. de Sá Küster
Sônia A. Monção Gonçalves
Viviane Massad de Aguiar
Yara Prates
BA
SP
RJ
CE
RJ
SP
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PR
SP
SP
PR
RN
SP
SP
Associação Brasileira
de Psicopedagogia
sumário
EDITORIAL / EDITORIAL
• Maria Irene Maluf.........................................................................................................................115
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
• Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska
para crianças (LNNB-C)
Pilot study of adaptation of the Luria-Nebraska Neuropsychological Battery
for children (LNNB-C)
Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte; Adriana de Souza Batista; Luciana Silva;
Ricardo Franco de Lima; Sylvia Maria Ciasca.............................................................................117
• Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em
estratégias de compreensão leitora
Characterization of the performance of children with learning disabilities in reading
comprehension strategies
Andréa Carla Machado; Simone Aparecida Capellini................................................................126
• Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas”
Evaluation of training courses: “little mouth method”
Renata Savastano Ribeiro Jardini; Lydia Savastano Ribeiro Ruiz..............................................133
• O emprego da literatura na educação infantil: a investigação e intervenção com
professores de pré-escola
The use of literature in early childhood education: investigation and intervention
with preschool teachers
Ana Claudia Bortolozzi Maia; Lucia Pereira Leite; Ari Fernando Maia.....................................144
• Mães de crianças com baixa visão: compreensão sobre o processo de estimulação visual
Mothers of children with low vision: understanding the process of visual stimulation
Mirela de Oliveira Figueiredo; Roberto Benedito de Paiva e Silva; Maria Inês Rubo Nobre......156
RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT
• Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na
resolução de problemas matemáticos
Analysis of the production of a student considered unsuccessful in solving mathematical problems
Rute Cristina Domingos da Palma................................................................................................167
ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE
• Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação
Training of professional education: the proposition to action
Neide de Aquino Noffs; Vitória Helena Cunha Espósito............................................................178
ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES
• Educação, Psicologia Escolar e Inclusão: aproximações necessárias
Education, School Psychology and inclusion: necessary approximations
Claudia Gomes; Vera Lucia Trevisan de Souza............................................................................185
• Aprendizagem e transtorno bipolar: reflexões psicopedagógicas
Learning and bipolar disorder: psychopedagogical reflection
Lanúzia Almeida Brum; Cristian Patrick Zeni; Silzá Tramontina...............................................194
• Quando o vínculo é doença: a influência da dinâmica familiar na modalidade
de aprendizagem do sujeito
Having the link as disease: the influence of family dynamics on the subject’s learning mode
Ana Paula Decnop de Almeida.....................................................................................................201
RESENHA / REVIEW
• Miniaulas
Minilessons
Geraldina Porto Witter...................................................................................................................214
Download

LNNB-C - Revista Psicopedagogia