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História e Cultura Afro-Brasileira – Histórica da África, Visão Geral
HISTÓRIA DA ÁFRICA, VISÃO GERAL
GUIA DE ESTUDO 2
PROFESSOR (A): COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 04
2. A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA ÁFRICA ............................................ 06
3. A ÁFRICA SOB DOMINAÇÃO COLONIAL ................................................. 10
4. A DESCOLONIZAÇÃO AFRICANA............................................................. 24
4.1. Quebrando as correntes coloniais ......................................................... 25
5. A ÁFRICA INDEPENDENTE ........................................................................ 40
6. REFERÊNCIAS CONSULTADAS E UTILIZADAS ...................................... 50
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1. INTRODUÇÃO
Apesar de o Brasil ser o segundo país com maior número de habitantes
negros do planeta, ficando atrás apenas da Nigéria, o estudo da realidade africana
não chega a alcançar expressão suficientemente relevante no meio acadêmico,
principalmente por um déficit na formação dos profissionais da área de educação.
Por tal motivo, a lei n.º 10.639, de 09 de janeiro de 2003, sancionada pela
Presidência da República, alterou a legislação anterior que estabelecia as diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
Desta forma, o presente curso pretende proporcionar ao profissional ou
estudante elementos para compreender a trajetória política, econômica e social do
continente africano com ênfase na África Colonial e Pós-Colonial.
O curso adota a perspectiva das transformações econômicas no sistema
capitalista como motivadores do colonialismo europeu em África, além de
contemplar aspectos políticos que motivaram o processo de colonização e
descolonização no continente africano.
A formação de profissionais com uma boa compreensão sobre os elementos
mais importantes relativos ao conceito de cultura Afro-Brasileira é uma preocupação
permanente do curso. Nesse sentido, busca-se, por meio da interdisciplinaridade,
dotar os alunos de instrumentos que lhes permitam trabalhar a disciplina em seus
respectivos cursos.
Esclarecemos dois pontos importantes.
Primeiro: este trabalho não é original, trata-se de uma reunião de materiais e
pensamentos de autores diversos que acreditamos, fornecem o essencial para o
curso em epígrafe.
Segundo: ainda que a apostila de Metodologia Científica e as Orientações de
Trabalhos de Conclusão de Curso tenham explicado que, embora haja
controvérsias, trabalhos científicos devem ser redigidos preferencialmente em
linguagem impessoal, justificamos que nossa intenção é dialogar com o aluno,
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portanto abrimos mão dessa regra e optamos por uma linguagem, digamos,
informal, tentando nos aproximar e nos fazermos entender mais claramente.
Questionamentos e dúvidas podem surgir ao longo desse caminho, e muito
embora tenhamos como missão abrir os horizontes, levá-los a se tornarem
especialistas na questão, pedimos desculpas por essas lacunas que possam surgir,
no entanto, deixamos ao final da apostila uma lista de referências bibliográficas
consultadas e utilizadas onde poderão pesquisar mais profundamente algum tema
que tenha chamado atenção ou a desejar.
Boa leitura e bons estudos a todos!
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2. A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA DA ÁFRICA
A experiência histórica africana é riquíssima e complexa. O objetivo desta
apostila é apresentar, de forma relativamente breve, a evolução histórica do
continente africano desde a implementação do sistema colonial aos dias atuais,
permitindo ao estudante compreender, pelo menos em linhas gerais, como foram as
diversas etapas da história mais recente da África para, após essa breve introdução,
poder refletir e compreender sobre a importância daquele continente não só para a
história do Brasil mas também como integrante e componente essencial para a
formação de diversos outros países, sobretudo nas Américas.
Nosso objetivo é analisar em perspectiva a evolução histórica do continente
africano nos dois últimos séculos, desde a implementação do sistema colonial
imposto pelos europeus no final do século XIX, passando pelo fenômeno da
descolonização e chegando ao período mais atual, ou seja, no contexto do pósGuerra Fria.
Durante muito tempo, os europeus adotaram o ponto de vista de que a África
não possuía uma história propriamente dita, uma vez que o continente era composto
por uma maioria de povos que ainda não utilizavam a escrita e que, portanto, não
eram merecedores de um lugar de relevo no conjunto das grandes civilizações. Na
verdade, tratava-se de mais um dos vários argumentos racistas lançados a partir da
Europa para justificar processos de dominação econômica e política. Esse olhar é
um grande absurdo porque vê o continente africano frágil e sob inútil perspectiva. O
olhar para o passado da África revela exatamente o contrário, ou seja, trata-se de
uma região na qual existem os mais antigos registros da existência do ser humano e
de um continente que durante muito tempo demonstrou um vigor e estabilidade
invejáveis, contando com a presença de inúmeros reinos e impérios bem
estabelecidos.
Outro aspecto que contribuiu para essa visão equivocada sobre o passado
africano foi o fato de que se processou uma divisão do continente estabelecendo
como linha demarcatória a divisão entre uma África do Norte, onde prosperou a
civilização egípcia e outros povos que margeavam o mediterrâneo e se
aproximavam do Oriente Próximo, e uma África subsaariana habitada por povos de
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pigmentação negra e que possuíam poucos contatos com os europeus. Assim, é
ainda relativamente frequente por parte de alguns estudiosos, mais ainda, no
entanto, por parte do senso comum, não incluir o Egito como sendo componente
histórico do continente africano. Trata-se de mais uma medida para tentar diminuir a
importância da África no contexto da evolução humana e de sua contribuição para a
diversidade cultural do planeta.
O Brasil, país que possui em sua estrutura social uma visível e importante
herança africana, além de aspirações comerciais e políticas que não podem deixar
de levar em consideração o continente africano, não deveria e nem poderia deixar
de tentar entender a África mais contemporânea, seus fundamentos, processos e
vicissitudes. É nesse sentido que busca-se expor em linhas gerais a realidade
africana atual, principalmente dos anos pós-Guerra Fria, isto é, da década de 1990
em diante, e como tem sido a sua inserção internacional.
Do início do processo de descolonização, verificado na África no alvorecer da
década de 1950 (a princípio no norte do continente, mas logo em seguida se
espalhando pela África subsaariana) aos dias atuais, a África como um todo
atravessou diversas fases políticas e econômicas, destacando-se, principalmente, a
conclusão do processo de descolonização, o aprofundamento da situação de crise
econômica e política – derivada em parte do legado colonial – e as tentativas,
verificadas ao longo da década de 1990, de superação da crise, com propostas
africanas para problemas africanos, o que revela maior amadurecimento político por
parte das elites do continente, uma vez que estão buscando, por meios próprios,
mesmo que contando com alguma cooperação do mundo desenvolvido (na verdade,
muito pouca cooperação), achar caminhos e saídas para a difícil situação em que se
encontra o continente.
Com o fim da Guerra Fria e o redimensionamento das relações internacionais,
com todas as suas implicações para as sociedades contemporâneas, os países
subdesenvolvidos e em desenvolvimento se viram fragilizados no novo ambiente
que passou a se constituir desde meados da década de 1970 e que se firmou ao
longo da década seguinte. No processo de reestruturação política e econômica que
se seguiu após a Guerra Fria, os Estados africanos foram, provavelmente, os mais
atingidos em todo o mundo.
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Contando com uma estrutura econômica pouco diversificada e baseada em
produtos
primários,
cada
vez
mais
desvalorizados
pelas
transformações
tecnológicas e pelos paradigmas da Terceira Revolução Industrial, as economias
africanas, que já viviam em boa medida da ajuda dos países ricos, interessados em
alianças políticas no contexto da bipolarização, não davam conta de atender às
crescentes demandas sociais de suas sociedades. A crise econômica, portanto,
agravou a crise social com desdobramentos políticos de amplitude.
Em sociedades multinacionais como as africanas, sem tradição ou com pouca
tradição democrática, divididas geralmente em preceitos de cunho étnico, a situação
de escassez de recursos foi seguida pelo questionamento da legitimidade de grande
parte dos governos „nacionais‟. Estes, sem o apoio das antigas superpotências e até
mesmo de parte dos governos europeus, que afinal lhes davam certa legitimidade,
tentaram usar da violência para conter a revolta dos excluídos, que por sua vez
também geralmente optavam por métodos radicais para encaminhamentos políticos.
O quadro resultante dessa situação de crise econômica e instabilidade política foi a
intensificação das guerras civis, levando o caos a países demasiadamente divididos.
Foi assim que alguns Estados africanos virtualmente desapareceram durante a
década de 1990, como a Somália, a República Democrática do Congo e Serra Leoa,
este último já reintegrado após um longo conflito.
Não bastasse a crescente escalada das guerras civis e suas consequências
sociais, como a impressionante elevação do número de deslocados internos e
refugiados de guerra, além de problemas sociais outros de difícil solução, como o
alistamento forçado de crianças nas guerras civis e a ruptura nos processos
produtivos que aumentaram a fome, o continente africano foi palco também da
explosão da epidemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), que
pegou os africanos totalmente despreparados para lidar com uma situação
extremamente grave e com implicações sociais e econômicas de envergadura.
Registre-se, igualmente, o retorno de outras doenças e epidemias que não a AIDS
no continente, como a poliomielite, que preocupa autoridades sanitárias nacionais e
internacionais.
A década de 1990 pode ser vista como um período de transição, uma época
muito mais de incertezas e indefinições do que de convicções, e essa característica
é paradigmática no caso da África. Para os africanos, do ponto de vista político,
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aquela década, pela gravidade de seus problemas, simboliza uma espécie de
tomada de consciência política por parte de setores sociais organizados em vários
países africanos. Da valorização dos direitos humanos, do direito à alimentação, da
luta contra o racismo em todas as suas formas de expressão e do respeito aos
direitos da mulher, passando pelo incremento da conscientização na necessidade de
preservação do meio ambiente, todas essas questões vem sendo intensamente
discutidas pelas novas lideranças de vários países africanos, colocando temáticas
de cunho social nas agendas interna, regional e internacional.
Concomitante a essa renovação no plano social, outro tema de suma
importância que vem ganhando terreno na realidade atual da África diz respeito à
valorização da democracia como elemento fundamental para a harmonia, para a
justiça social e para a retomada do desenvolvimento dos países africanos. Assim,
gradativamente verifica-se a afirmação da ideia de um renascimento africano, a ser
conduzido pelos próprios africanos.
Diante de um contexto em permanente estado de mudança, de crise mas
também de revigoramento e renascimento, estudar e entender a realidade africana
atual contribuirá para compreender melhor a própria realidade brasileira,
contribuindo para desfazer preconceitos e indicar novos caminhos, de cooperação e
de perspectivas que certamente se abrirão no futuro para o relacionamento entre o
Brasil e o continente africano, considerado pelo governo brasileiro como área
prioritária de sua ação internacional.
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3. A ÁFRICA SOB DOMINAÇÃO COLONIAL
O movimento de expansão colonial que teve origem na Europa do século XIX
deve ser encarado como uma política inerente ao desenvolvimento do sistema
capitalista num determinado momento de sua evolução. De forma geral, essa
assertiva é aceita por grande parte dos autores que se dedicam ao tema.
Uma primeira constatação é que o colonialismo do século XX foi produto
direto dos impérios coloniais formados ao longo do século XIX. E quais motivos
levaram os europeus a formarem impérios com extensa rede de colônias espalhadas
pelo mundo? Como foi dito acima, alguns países europeus atravessavam uma fase
específica na evolução do capitalismo caracterizada pela busca de novos mercados,
por fontes de matérias-primas e por áreas de investimento de capitais, além de que
naquele contexto histórico a Europa vivia, segundo HOBSBAWM (1988, p. 114) uma
época de “concorrência entre economias industrial-capitalistas rivais”, o que
impulsionava ainda mais a busca por mercados monopolizados e que excluíssem
outras nações industrializadas. Além disso, o espírito da época também foi
caracterizado como de disputa e busca de status e prestígio internacional, aspecto
que potencializou a gana por mais territórios promovendo uma verdadeira
competição internacional.
Os Estados mais adiantados da Europa procuravam resolver parte de seus
problemas internos por meio do recurso do domínio de vastas áreas do planeta
desprovidas de organização mais complexa, recursos de defesa e resistência que
ameaçassem tal política. Com efeito, o desenvolvimento de vários Estados europeus
alcançado nos séculos XIX e XX estão relacionados com a condição de países
colonizadores.
Havia entre os europeus uma notória disputa por áreas coloniais. Segundo
BRUNSCHWIG (1993) essa corrida às colônias entre as potências europeias
acelerou o processo de colonização, uma vez que lhes interessava garantir espaço
econômico livre de riscos e prontamente exclusivo para o capital nacional, além de
que significava, no plano internacional do final do século XIX, prestígio o fato de
possuir territórios coloniais.
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De acordo com BRAILLARD & SERNACLENS (s.d., p. 27), a partida para a
conquista dos territórios no além-mar teve início com o estabelecimento de missões
de exploração científica, de empreendimentos missionários cristãos e com a ação
direta de empresas privadas com interesses econômicos nas áreas a serem
colonizadas.
Foi este um processo longo e paciente que contou inclusive com a
participação de lendários exploradores particulares. A propósito, essa participação é
tida por alguns autores, como ARENDT (1989, p. 153-336), como de grande impulso
para o processo de colonização. Mas, o fato mais importante para o
desenvolvimento do sistema colonial nessa fase, no nosso entender, se deu com a
progressiva intervenção do Estado, por meio dos governos europeus, no
empreendimento colonial. Sobretudo a partir de 1880 esse interesse foi crescente e
decisivo para a conformação dos impérios coloniais.
A política colonialista resultou efetivamente da busca consciente de domínio
de amplos territórios, numa lógica compatível com o estágio de evolução em que se
encontrava o capitalismo europeu. Vários Estados participaram dessa política
através de acirrada concorrência em que não faltaram momentos de grande tensão.
Como destaca CANEDO (1986, p. 9), fruto de ato deliberado de conquista, os
territórios subjugados tiveram modificadas profundamente as suas estruturas
originais. Muito pouco do que existia no continente africano foi preservado,
sobretudo nas áreas de interesse mais direto por parte das metrópoles europeias.
Exemplo disso foi a transformação, relativamente rápida, verificada na vida social
africana nas áreas próximas aos centros de irradiação do sistema colonial.
O colonialismo foi aos poucos assumindo a forma de sistema de dominação
que açambarcava em seu bojo todos os níveis da vida dos povos colonizados, sejam
eles políticos, econômicos, sociais ou culturais. A esse propósito é importante ter
cuidado com o reducionismo econômico que aponta numa tendência a localizar nas
motivações econômicas a única causa, objetivo ou efeitos de determinadas ações. A
questão econômica é de inquestionável importância no contexto geral da
colonização, mas objetiva-se expor que outros níveis de dominação, interrelacionados com os fundamentos econômicos, exerceram grande influência no
sistema colonialista europeu. Assim, é preciso estar atento ao fato da articulação
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dos vários tipos de dominação (econômico, cultural, político e militar) que
reforçavam-se mutuamente.
Muito embora outros fatores efetivamente tenham contribuído para com a
expansão europeia, acreditamos que o fator econômico foi decisivo na execução e
no sucesso dos projetos de dominação, haja vista que o fim último de todo tipo de
colonialismo está estreitamente relacionado com a exploração. Esta é, com efeito,
inerente ao sistema. Além disso é extremamente importante localizarmos o
fenômeno do “novo colonialismo” do século XIX no estágio de desenvolvimento do
sistema que lhe fundamentou, ou seja, o capitalismo. Nesse sentido, a dinâmica
principal do sistema estava vinculada à fase da chamada Segunda Revolução
Industrial, que modificou os paradigmas da economia industrial da época e serviu
como um poderoso elemento de incentivo, senão determinante, para o avanço
europeu em direção ao continente africano.
De acordo com essa perspectiva, outros fatores apontados pelos próprios
mentores
da
expansão
colonial
serviriam
como
objetivos
secundários,
consequências que só trariam vantagens e benefícios para os impérios coloniais.
Esse parece ser, por exemplo, o argumento do escoamento do contingente
populacional excedente e marginalizado das nações colonialistas. Havendo
territórios que os absorvesse isto estaria contribuindo para solucionar, ou pelo
menos amenizar, graves problemas sociais que poderiam ocorrer nas metrópoles
motivados pela marginalização econômica e política a que considerável parcela da
população havia sido submetida pelo capitalismo. Vale lembrar que data do final do
século XIX a escalada de exclusão social inerente ao sistema capitalista, e que
apresentou reflexos imediatos na vida da maior parte das sociedades europeias.
Isso significou, por exemplo, maior empobrecimento das pessoas, crescimento
desordenado das grandes metrópoles da Europa, como Paris e Londres e o
consequente aumento das tensões sociais nas grandes cidades.
Foi com o avanço do capitalismo, sobretudo durante a chamada segunda
revolução industrial (ocorrida entre as décadas de 1870-1890), que aumentou o
processo de exclusão nos países que conseguiram implementar essa fase da
industrialização. Com um grande contingente de desempregados, geralmente
excluídos das suas tradicionais atividades no campo e vagando pelas grandes e
médias cidades, isso trouxe um novo problema para as autoridades desses países.
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Basta lembrar, a título de exemplo, que para o Brasil foram direcionados grandes
fluxos migratórios principalmente dos países que haviam atingido essa fase (vide os
casos da Itália, Alemanha e Japão). No caso do continente africano o fluxo não foi
abrupto, mas gradativo. Vale lembrar que muitas pessoas saíram principalmente da
Inglaterra e da França para áreas coloniais específicas, com destaque para a África
do Sul e Argélia.
Há ainda que ressalvar que a ideologia justificadora da expansão colonial,
num primeiro momento e, posteriormente, da manutenção deste sistema, foi se
formando aos poucos e seguindo a dinâmica da evolução do colonialismo,
respondendo às novas realidades que se apresentavam. Não houve, pois, a
implementação de forma completa do sistema colonial em África, mesmo porque
várias regiões, sobretudo as mais interioranas, ficaram relativamente à parte do jugo
metropolitano. Alguns povos, geralmente nativos com tradição de deslocamentos
permanentes, passaram praticamente incólumes ao sistema de dominação europeu.
Isso aconteceu, por exemplo, com boa parte dos bosquímanos e dos chamados
pigmeus, estes encontrados em várias regiões da África central.
Embora o novo colonialismo não tenha sido exclusivamente aplicado ao
continente africano, este estudo privilegia o colonialismo baseado nesse continente.
Com efeito, a África foi o local onde mais devastadoramente as potências
colonialistas se instalaram. Mais de 90% do continente ficou subjugado pelo menos
por mais de meio século, com um profundo impacto em suas sociedades e no seu
modo de vida. A África foi partilhada e recortada em várias possessões por vários
países europeus, cada qual buscando aquinhoar o máximo possível de territórios.
Como afirma Maria Yedda Linhares (1981, p. 53), “a África sofreu a espoliação mais
completa que se conhece em homens, recursos e valores culturais.”
O infortúnio africano começou, todavia, bem antes. Basta lembrarmos que
desde o século XV os europeus deram início a uma modalidade de comércio
absolutamente desigual com a África que, segundo alguns importantes autores, teria
sido responsável pelo subdesenvolvimento e pelas relações de dependência cada
vez mais profundas que passaram existir entre a África e a Europa, uma vez que se
estabeleceu a troca de produtos manufaturados por matérias-primas. E também – e
mais importante ainda – ocorreu o incremento gradativo da busca de escravos
africanos que foram levados aos milhares para as terras do novo mundo, de forma
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que nos três séculos seguintes as atividades ligadas ao tráfico negreiro passaram a
ser um importante elemento na economia africana. Ou seja, os africanos
praticamente saíram de um comércio baseado na escravidão para o colonialismo.
Um dos grandes efeitos práticos do incremento da escravidão foi a conversão
de parte importante das economias africanas para essa atividade essencialmente
predatória. Ora, se pensarmos que uma das principais atividades econômicas do
continente foi a de utilizar parte da população economicamente mais ativa para
capturar a outra parte da população em idade econômica mais ativa, daí é possível
termos uma ideia do profundo impacto causado na África por conta da escravidão.
Naturalmente, esse impacto gerou consequências que devem ser projetadas não
apenas para a sua própria época mas também para o desenvolvimento ulterior do
continente.
Conquanto os europeus buscassem justificar a ação colonialista como
“civilizatória”, imbuída de certa atitude redentora, fica evidente a questão econômica
e política implícita na procura por mais riqueza e poder. Se, por um lado, buscava-se
a garantia de mercados cativos, por outro, o concerto europeu de disputas políticas
por prestígio e status levava à expansão pelo controle de territórios.
Se houve claro impacto no sentido do desenvolvimento das economias
capitalistas europeias em decorrência do colonialismo, haja vista enquadrarmos tal
sistema num campo estrutural da fase pela qual passava o capitalismo na Europa, o
impacto sofrido pelas nações africanas foi muito forte, mutatis mutandis, quando as
comparamos com as transformações na Europa. De fato, toda a formação
econômica, política, social e cultural dos povos africanos foi bruscamente modificada
pela nova situação. O impacto, pode-se dizer, foi devastador. Presas de um sistema
de dominação baseado na violência e nas teses de superioridade racial, a economia,
e mesmo todos os campos da vida colonial sofreram profundas modificações. A
economia de subsistência, baseada nas relações de troca e basicamente voltada
para suprir as necessidades internas foi deslocada e reorientada no sentido da
exportação, agora agregada à fome capitalista por mais e mais acumulação. Os
investimentos feitos nas colônias eram direcionados de acordo com os interesses
europeus, em ordem de maior vantagem econômica do momento e sem nenhuma
preocupação com os nativos e suas necessidades. Em muitos casos foi imposta a
monocultura e se estabeleceu no continente um dos pilares do sistema capitalista: a
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propriedade privada. Essa estrutura colonial acabou por condicionar, em grande
medida, o futuro do continente, mesmo passados muitos anos desde o fim do
colonialismo.
Efetivamente o colonialismo promoveu a integração da economia natural das
colônias às metrópoles, consolidando ao mesmo tempo a inserção da África no
sistema capitalista mundial. Aliás, é sob este ponto de vista que MARX & ENGELS
(1978, p.97-104) vislumbravam a ação positiva do colonialismo, uma vez que por
meio dele o capitalismo conseguia penetrar e destruir formas arcaicas e précapitalistas de produção, o que de certa forma preparava o caminho para a
transformação futura do próprio sistema. Muito embora moralmente condenável,
havia algo de progressista, para Marx e Engels, no colonialismo.
Com as transformações econômicas impostas aos povos dominados, estes se
viram submetidos a um tipo de organização produtiva que privilegiava a exploração
de uma força de trabalho absolutamente privada de direitos políticos e sociais.
WODDIS (1961, p. 15-62) analisa a expropriação da terra sofrida pelo africano em
favor do europeu, e mostra como foi planejado o empobrecimento dos nativos, sua
expulsão da terra e a quase total transformação do seu modo de produzir e das suas
culturas originais, tudo em nome dos interesses dos europeus que passaram a
dominar o continente africano.
Ainda segundo esse autor, houve a introdução compulsória de trocas
monetárias nos territórios coloniais. Os africanos eram obrigados a vender, e não
mais a trocar – como havia sido a fórmula predominante no período pré-colonial –
seus produtos. Isto em decorrência sobretudo do sistema de imposto individual, ou
per capta, introduzido pelos europeus e que obrigava aos nativos, sob pena de
prisão, o pagamento em dinheiro do imposto, forçando-o a vender sua produção ou
trabalhar como assalariado pessimamente remunerado. Assim, essa imposição
provocou o colapso na agricultura africana, com grande evasão de mão-de-obra do
campo para os negócios europeus como minas, fazendas e empresas, sempre
atividades voltadas para o mercado externo.
Dentro das regras do sistema observa-se que a constituição do proletariado
africano, ainda hoje muito incipiente, se deu da forma mais selvagem. O Estado
colonial é um Estado acima de tudo a serviço da burguesia metropolitana e como tal
exerceu uma política de baixos salários e de supressão dos direitos dos
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trabalhadores negros, desprovidos de assistência social e da possibilidade de
organização sindical.
As antigas organizações políticas e sociais de base tribal das nações
africanas foram, como sua estrutura econômica, subvertidas pelos colonizadores. Os
chefes tribais ou foram cooptados ou afastados da liderança. A conveniência ao
Estado Colonial situava-se como de primordial importância e a desestruturação das
formas autóctones de organização social fazia parte da lógica da exploração das
colônias. É necessário, no entanto, ressaltar a multiplicidade de povos e nações
encontrados na África pelos europeus, bem como as diferenças dos próprios
colonizadores. Mas muito embora os povos africanos se caracterizassem por
diferentes estágios de evolução e variadas formas de convivência social, todos
ficaram sujeitos, em última instância, aos mesmos fundamentos inerentes ao
sistema colonialista.
Com relação a essas diferenças entre europeus e africanos é preciso
destacar que a ação dos primeiros não foi homogênea. Mesmo considerando que o
colonialismo se define universalmente com sistema de dominação sendo, portanto,
um ponto comum a todos os países que o praticaram, houve na África modelos
próprios de domínio de acordo com cada Estado colonizador. Os mais clássicos
foram o modelo inglês de administração indireta (indirect rule), que procurava
penetrar menos nas estruturas locais, preservando até certo ponto a organização
original, desde que esta estivesse sendo útil ao sistema de dominação; e a
administração direta (direct rule) empreendida principalmente pelos franceses, num
tipo de controle que buscava alterar profundamente as estruturas locais, executando
uma política que, em parte, contemplava a assimilação dos povos colonizados.
Outra forma de ação colonialista, bem próxima ao modelo de administração
direta, mas com características bem específicas e que merece citação, foi o modelo
português. Com efeito, Portugal se destacou dos demais países colonialistas pelo
radicalismo com que executou o domínio na África. ANDERSON (1966, p. 14)
denominou o seu modelo como “ultracolonialista”, isto é, em suas palavras:
“simultaneamente a mais primitiva e a mais extremista modalidade de colonialismo.”
Portugal foi uma das primeiras nações a chegar na África e uma das últimas a
sair, mesmo sofrendo pesadas críticas e advertências principalmente no seio da
ONU. A ditadura Salazarista, além de dar maior consistência ao sistema colonial de
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Portugal, tudo fez para prolongar ao máximo o domínio no ultramar, movendo
inclusive longa e desgastante guerra contra os movimentos emancipacionistas nos
territórios ocupados.
Característica bem específica do colonialismo português em África foi a de
que sua ação neste continente não partiu da transformação interna da metrópole,
isto é, Portugal não era uma nação industrializada que buscava mercados para seus
produtos e fontes de matérias-primas para sua inexistente indústria. Nem muito
menos se enquadrava na tese da exportação de capitais, haja vista não dispor de
tais nem em seu próprio território. Perry Anderson, em obra já referenciada, chega a
afirmar que “o padrão é o verdadeiro reverso de uma economia imperialista”, pois
que a economia portuguesa girava em torno praticamente da exportação de
matérias-primas e importação de produtos manufaturados, evidenciando um
considerável grau de subdesenvolvimento.
Do ponto de vista econômico, relativo ao colonialismo português, muitos
autores reconhecem que o eixo central de sua atuação estava ligado a utilização
maciça do trabalho forçado dos povos dominados, o que se explica em parte pela
escassez de recursos para investimentos em áreas mais complexas.
A utilização deste tipo de exploração se dava sob diversas formas. Por um
lado, havia internamente – dentro dos territórios coloniais – o trabalho forçado tanto
para a iniciativa privada quanto para o setor público, ou seja, as obras estatais eram
em grande parte elaboradas a partir de um tipo de escravidão disfarçada, moderna
mas não menos vil. Por outro lado, Portugal se notabilizou pela exportação desta
mesma mão de obra forçada, que era enviada principalmente de Angola e
Moçambique para as minas da África do Sul, de acordo com os entendimentos entre
autoridades
portuguesas
e
sul-africanas.
Ou
mesmo
espaços
territoriais
consideráveis eram arrendados para empresas inglesas ou de outras nacionalidades
que, além de explorarem as riquezas da terra, aproveitavam-se igualmente do
braços africanos coagidos pelo colonialismo português.
Nessas condições, como afirma KI-ZERBO (1972, p. 137) “a exploração da
mão de obra negra supriu aqui (nas colônias portuguesas), mais do que em qualquer
outra parte, o fraco nível dos investimentos. Recorreu-se a todos os meios para ter
trabalhadores, para os conservar e para deles tirar o máximo.”
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Outra fonte de recursos encontrada pelos portugueses para superar
debilidades econômicas metropolitanas e conseguir auferir mais dividendos com as
colônias foi abri-las com enormes vantagens para o capital internacional. Assim,
várias empresas começaram a investir nos territórios sob controle de Portugal, em
diversos setores da economia, como empreendimentos agrícolas e mineradores.
Exemplo concreto é o da Companhia dos Diamantes de Angola (Diamang) na qual o
capital internacional, neste caso anglo-saxão, belga e alemão, era predominante.
Além dos diamantes, outros setores da mineração, como a extração de ferro e de
manganês, estavam sob o mesmo controle.
Cite-se ainda que com relação ao principal argumento utilizado pelos lusos
para justificar sua ação no além-mar, isto é, a crença na “missão civilizadora”, devese levar em conta que no campo da educação (os portugueses chamavam os
professores que ensinavam nas colônias de “agentes civilizadores”) jamais se
considerou realmente que ela fosse além do rudimentar, baseado em ensinamento
primário e mesmo assim acessível a parcela muito reduzida da população. Vejamos,
de agora em diante, deixando de lado o caso específico de Portugal e passando
novamente a considerações mais gerais, como o sistema colonialista atuou em
outros níveis além do econômico.
Do ponto de vista cultural a ação do colonialismo mostrou-se, igualmente à
econômica, desestruturadora das formações originais africanas. O colonialismo
cultural subordinava as diversas e variadas culturas africanas às dos europeus,
considerando-se sempre estas como formas mais avançadas e superiores.
O desprezo pela cultura dos povos dominados ultrapassava o fato de
simplesmente não considerá-la sequer como modelo original de “Cultura”. A ideia de
que colonizar implicava “civilizar” estava, para os europeus, implícita no processo de
conquista, como se ambas fossem sinônimos. Para eles, os povos que estivessem
sob controle estariam recebendo a dádiva da cultura civilizada. Numa visão
absolutamente discriminatória e na falta de melhor justificativa para o ato de
domínio, o argumento da obra civilizadora e moralmente necessária para os povos
ainda na infância, e portanto inferiores, era o mais empregado, afinal de contas
fazia-se um ato caridoso e benevolente.
As consequências da penetração europeia e da desestabilização dos
sistemas culturais africanos comprometeram seriamente o futuro do continente.
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Conforme SARAIVA (1991, p. 16) o sentimento de inferioridade inculcado nos
africanos e imposto por amplas teias de dominação degenerou povos inteiros,
amputando-lhes a liberdade, “destruindo” sua história e seu passado e causando
uma
“sensação
de
impotência”
que
certamente
ainda
hoje
influi
no
subdesenvolvimento africano. É possível pensarmos, por exemplo, que foi mais
difícil o processo de descolonização mental do que o político.
A África, para o europeu e os demais povos que sempre viveram voltados
para as glórias do passado deste continente, enxergando ali somente os grandes
feitos, não possuía propriamente o que chamamos de História. A ideia era de que a
história da África, assim como sua importância para o mundo, só passou a existir
após a chegada dos colonizadores-civilizadores. Primeiro, quando foram buscar a
mão de obra escrava para o trabalho forçado em outras áreas; segundo, de acordo
com as novas transformações do sistema econômico, quando resolveram se instalar
no próprio continente e dirigir um tipo diferente de exploração.
Tentou-se construir sobre o continente negro uma ficção na qual a história
deste confundia-se com a história da Europa. A história deles era, a bem da
verdade, uma espécie de extensão da europeia. Esta ideia chegou ao cúmulo do
absurdo com os franceses ensinando aos africanos que os seus antepassados eram
ninguém menos que os... gauleses. Assim se ensinava história nas escolas
francesas nas colônias africanas (onde as havia, é claro), em flagrante gritante de
manipulação e falsificação do passado. Manipulação esta sem dúvida objetivando
referendar o domínio naquele presente e estendê-lo ao futuro.
Contribuiu muito para a penetração cultural e espiritual dos europeus a ação
dos missionários religiosos que desde a época das grandes navegações se dirigiram
para a África com o pensamento de levar àqueles povos a pregação cristã.
Carregavam consigo, além da doutrina cristã ocidental, a língua e os valores morais
dos povos ditos “civilizados”. Como quem prepara o terreno para o plantio, esses
missionários tiveram uma ação sumamente importante para o desfecho da história
da colonização. Eles não eram apenas agentes que levavam a pregação cristã para
o continente africano. Atuaram também com esmero para compreender melhor as
sociedades africanas, tornando-as mais legíveis para uma intervenção mais eficaz
do colonialismo europeu. Dessa forma, além de pregadores foram também
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linguistas, antropólogos, enfim, cientistas sociais muito úteis para o processo de
dominação que estava sendo implementado a todo o vapor no continente africano.
Nos aspectos religiosos, os europeus fizeram ver aos africanos que sua
religião nada possuía de verdadeira, de sacra. Os cultos afros sempre assumiram
perante os dominantes um significado e atitude de povo místico e primitivo, acima de
tudo ignorante. No entendimento dos europeus era preciso salvá-los do animismo
primário em que jaziam e, para isso, toda a repressão possível se abateu sobre as
práticas religiosas africanas. Por meio da ação dos missionários, ao mesmo tempo
em que pregavam sua religião, novos idiomas começaram a ser ensinados,
agilizando o processo de adaptação ao sistema colonial.
Mas além do cristianismo ocidental, tiveram os africanos da África
subsaariana de enfrentar o avanço sempre crescente do islamismo. Muitas vezes
até mais bem sucedido. Entretanto, a penetração islâmica se diferiu qualitativamente
da cristã, mesmo que tenha encontrado em algumas áreas tanta rejeição quanto a
religião ocidental. Uma das diferenças mais importantes é que o islamismo nunca foi
associado a projetos de expansão colonial, ou seja, de domínio. Além disso, houve a
conversão genuína e autêntica de vários povos africanos ao Islã, em várias partes
do continente, mas com grande concentração na África Ocidental e na Oriental,
áreas adjacentes ao berço do islamismo e vinculadas aos povos árabes por meio de
contatos comerciais seculares.
É preciso ainda considerar que no tocante à vida espiritual esta esteve
estreitamente relacionada com o processo de dominação. Voltando mais uma vez ao
exemplo de Portugal, porque talvez neste aspecto um dos mais presentes na
relação de dominação, lembramos que as autoridades civis legaram às religiosas a
responsabilidade pela conversão e alfabetização dos povos coloniais. Isto é uma
evidência bastante contundente da associação entre a Igreja e Estado atuando
conjuntamente na afirmação do sistema colonialista.
Contudo, a atuação dos cultos cristãos e do islamismo, à medida que se ia
avançando o colonialismo e então aflorando-se mais claramente suas contradições,
foi se modificando até se transformar, em muitos casos, como força contrária ao
mesmo, acompanhando a dinâmica dos novos tempos e participando da fase da
descolonização. Nesse sentido, várias congregações cristãs africanas foram
fundadas, sobretudo de matriz protestante, que utilizavam os ensinamentos cristãos
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para condenar o sistema discriminatório e as injustiças do colonialismo. Por sua vez,
o Islã, que nunca esteve associado na África subsaariana aos sistemas de
dominação, foi também um importante veículo na luta contra a dominação europeia.
Continuando no nível superestrutural da análise do sistema colonialista faz-se
necessário considerar o relevante papel exercido pela teoria do racismo nestas
complexas relações entre colonizadores e colonizados. É preciso destacar que o
racismo efetivamente caracterizou a situação colonial, principalmente porque servia
como substrato ideológico do colonialismo. Ao dividir a sociedade em “homens” e
“indígenas” (brancos e negros) o racismo, enquanto ideologia, estabeleceu lógica e
coesão ao sistema colonial, o que serviu para justificar o mito da superioridade do
branco sobre o negro.
A despersonalização sofrida pelos colonizados é enfatizada por MEMMI
(1977) como consequência da ação do racismo, uma fórmula de subordinar o ser
colonizado ao colonizador, uma vez que através do racismo o colonizado é levado a
“descobrir”, e o que é mais importante, a acreditar que é diferente e inferior e que se
trata de uma condição definitiva e absoluta, portanto nada restando a fazer para
mudar esta situação, a não ser quando a complacência do colonizador permitisse a
“assimilação” dos colonizados, que seriam, pois, elevados a uma situação teórica de
igualdade.
FANNON (1979, p. 257-262) cita as teorias do Dr. A. Porot e de outros
médicos e psiquiatras sobre a inferioridade biológica dos nativos da África do Norte.
Para estes, os indígenas daquela região não passavam de seres primitivos, nãoevoluídos e por isso delinquentes. Seres – não é permitido chamá-los homens diante
de tais teorias – que deveriam ser tratados e considerados de acordo com seu
estágio de evolução, portanto submissos ao europeu plenamente desenvolvido.
Como se pode observar, o racismo reinante no sistema colonialista foi além da
retórica e procurou abrigo “científico” em teorias médicas justificadoras da conduta
do dominador.
O sentimento de inferioridade impingido aos colonizados foi um dos fatores de
dominação de um sistema complexo que visava acima de tudo realçar a missão que
os europeus se propunham na África e em outras partes do mundo. A relação de
superioridade/inferioridade serviu como componente real e eficaz na ação
colonizadora.
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Ainda segundo MEMMI (1977, p. 69) o racismo, para o sistema colonial,
exerceu de fato uma função ideológica que foi a da discriminação racial com o intuito
de justificar e reforçar a exploração econômica. Além do mais, o racismo impregnava
todo o meio social dos povos colonizados, o que se refletia não só no
comportamento individual, quando os africanos acabavam perdendo todo o
referencial histórico de sua comunidade para se espelhar na do homem branco. É de
se imaginar o profundo impacto coletivo que as premissas racistas tiveram onde
foram aplicadas.
Quando o colonizador estabeleceu a sua língua, cultura, modelo de
organização político-social, economia, enfim, seus valores sobre os povos
colonizados, a um só tempo desorganizou e dominou sociedades que há muito
vinham se consolidando de forma bem original. Nunca antes havia ocorrido
fenômeno parecido nas histórias dos povos africanos. Aliás, existe uma diferença
brutal das impressões dos primeiros europeus que travaram contatos com as
civilizações africanas, no caso dos viajantes venezianos que chegaram até os reinos
da África ocidental por meio das caravanas árabes, e os brancos do século XIX.
Isso não quer dizer que o racismo foi uma novidade exclusiva do século XIX
e, mais particularmente, do momento áureo da expansão colonial no continente
africano. Em muitos aspectos já existia a discriminação assentada em bases raciais
nos séculos anteriores que, inclusive, ajudaram a justificar a escalada do tráfico de
escravos, uma vez que tornava seres humanos em coisas, bens móveis desprovidos
de sentimento, para ser mais exato. Mas o fato novo foi a intensidade do discurso (e
o seu caráter supostamente científico), que passou a ser acoplado à ideia
pretensamente civilizatória que os europeus usaram como argumento para ocupar a
África.
Ressalte-se que o ato de colonizar europeu, tendo sido justificado em parte
por essa ideia bastante questionável de “missão civilizadora”, não foi novidade
inventada para a África. Antes disso já se viu o mesmo argumento sendo utilizado
para se apropriar da riqueza e do trabalho de outros povos, como na colonização do
continente americano, onde além da exploração, o genocídio de populações
autóctones foi um fato indelével e ainda hoje vivo na memória de muitos.
Mesmo considerando que alguns aspectos do colonialismo possam ser
admitidos como positivos (no sentido dado a ele por Marx e Engels), resta assinalar
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que o continente africano ainda hoje se encontra diante de muitos problemas que
podem ser considerados como herança direta da presença branca e do seu sistema
colonialista. Talvez a prova mais contundente seja o próprio mapa político africano,
desenhado exclusivamente para atender os objetivos das potências colonialistas.
Enfim, das motivações que levaram os europeus a ocupar o continente
africano pode-se relacionar pelo menos três fatores que, conjugados entre si,
exerceram papel preponderante na ação colonizadora, quais sejam:
1) Motivação econômica, isto é, a fase pela qual passava o sistema capitalista
europeu em expansão e busca de novos mercados, ao mesmo tempo em que se
intentava aumentar as fontes de matérias-primas minerais e produtos agrícolas,
além de áreas de investimentos para o capital excedente, numa tentativa de solução
para graves problemas e contradições inerentes ao próprio sistema;
2) Motivação política, ou seja, aspiração de alguns políticos e diplomatas
europeus que visavam ampliar o poder internacional dos seus Estados (status e
prestígio), além de aspirações de cunho pessoal, o que levou a uma corrida por
áreas coloniais que estimulava uma conquista após a outra;
3) Missão civilizatória europeia. Argumento que na prática mais servia como
justificativa do que como realmente motivadora do empreendimento colonial.
Associada às explorações científicas e às missões religiosas exerceu função
ideológica importantíssima na ação colonialista.
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4 DESCOLONIZAÇÃO AFRICANA
Um dos fatos mais marcantes do pós-Segunda Guerra Mundial foi o processo
de descolonização que ocorreu nos continentes asiático e africano. Este fato marcou
a entrada, no cenário mundial, de vários novos Estados que começaram a
reivindicar seu reconhecimento internacional e a lutar pelo desenvolvimento
econômico há muito retardado pelo sistema colonialista.
Como resultado de longo processo histórico, vários territórios asiáticos e
africanos, nos anos posteriores ao término da Segunda Guerra, foram obtendo, aos
poucos, a independência política. Este processo se acelera no final da década de
1950 com o surgimento de vários novos países. Em contexto internacional
notadamente caracterizado pela Guerra Fria e por um ordenamento mundial
bipolarizado entre Leste e Oeste, os novos Estados africanos encontraram um
mundo que se tentava estruturar em bases rigidamente ideologizadas. O Ocidente
se apresentava como “o mundo livre”, organizado em torno da produção capitalista e
defensor da democracia como o melhor sistema político já inventado pelo homem;
do outro lado, o Leste, entendido o conceito mais pelo seu valor ideológico do que
geográfico ou cultural, tendo à frente a União Soviética, expoente do socialismo e
visto como uma ameaça latente ao Ocidente. No mundo bipolarizado, as duas
nações líderes buscavam, cada qual à sua maneira, ampliar sua área de influência e
arregimentar novos aliados para sua causa. Ou mesmo tratavam de manter as
posições definidas durante os anos da Guerra, sustentando uma ordem conveniente
aos seus interesses.
A luta pela descolonização e pela independência levada a efeito pelas nações
colonizadas se voltava principalmente contra o Ocidente, uma vez que as colônias
estavam sob domínio, todas elas, de países capitalistas. Tratava-se de se libertar do
jugo colonialista que fazia com que quase todo continente africano, e grande parte
do asiático, estivessem sob domínio de países europeus. O sistema colonialista
representava a manutenção do domínio secular de povos que por muito tempo
foram espoliados em todos os sentidos, indo muito além da exploração econômica.
Na história mundial do pós-Guerra figuram-se, pois, de notada importância, o
processo de descolonização ásio-africano e a Guerra Fria, haja vista que a
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bipolarização, traduzida na disputa entre Estados Unidos e União Soviética por
aliados e zonas de influência, acabou atingindo direta ou indiretamente todas as
áreas do globo.
Outro fator de relevância a ser destacado é que os acontecimentos do pósGuerra se constituíram em marco importante na História das Relações Internacionais
pela enorme dimensão que assumiram, inclusive como nova etapa na evolução do
ordenamento mundial. Não bastasse a própria divisão do mundo, a ameaça real de
destruição da humanidade foi uma constante nos anos 50 e 60, primeiro na Guerra
da Coréia e, por último, quando chegou ao seu ápice, com o episódio que ficou
conhecido como a crise dos mísseis cubanos, em 1962.
Não resta dúvida de que efetivamente há uma relação entre a rivalidade
Ocidente-Oriente e o amplo processo de descolonização referido anteriormente. A
contextualização histórica que se pretende neste capítulo tem o objetivo de elucidar
uma fase importante pela qual passou a humanidade e relacioná-la com a
descolonização do continente africano.
4.1. Quebrando as correntes coloniais
Os resultados da Segunda Guerra mundial alteraram profundamente as
características das relações internacionais. Houve uma mudança qualitativa no
cenário internacional com a redistribuição do poder e o deslocamento do núcleo
decisório mais importante, que pela primeira vez em vários séculos deixou de ser a
Europa. Por um lado, países que até então exerciam forte peso nas decisões
mundiais foram tragados pelas circunstâncias históricas e perderam a sua
capacidade de influir decisivamente nos destinos da humanidade; por outro,
surgiram dois novos polos que atraíram para si o centro das atenções,
transformando-se indiscutivelmente nos centros mais importantes das decisões
políticas e econômicas do planeta.
O conflito duradouro e devastador que foi a Segunda Guerra teve a
capacidade de desalojar da Europa o peso que este continente até então desfrutava
na balança do poder mundial. O que se seguiu ao término da Guerra foi a ascensão
dos Estados Unidos como nação líder dos países Ocidentais e da União Soviética
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como a outra grande potência vencedora, colocada em condição de rivalidade
crescente, no plano ideológico, com a primeira.
Com efeito, as os países europeus que até o início da Guerra possuíam
status de potência e estavam presentes em várias partes do planeta como impérios
colonialistas, ou com intenções de adquirir o que designavam de espaço vital para o
crescimento e desenvolvimento, saíram praticamente arruinadas do conflito.
Alemanha, França, Itália e Inglaterra já não tinham mais o vigor de antes e a
capacidade para levar adiante intenções de domínio.
As relações internacionais no pós-Guerra se caracterizaram também pela
complexidade crescente do sistema internacional. Esta complexidade está ligada ao
fato de que houve um acréscimo considerável dos atores no cenário internacional,
fato este resultado direto das consequências da Segunda Guerra e do processo de
descolonização que se acentuou logo após o fim do conflito.
Surge como tema de destaque na nova conjuntura a questão da
descolonização e o aumento dos países participantes do sistema das Nações
Unidas, organização criada para substituir a antiga Liga das Nações, que não
conseguira promover a contento os objetivos de paz a que se propusera.
Dentre os principais fenômenos que envolveram as relações internacionais
nas décadas de 1940 e 1950 como a Guerra Fria, a bipolarização do poder, a
questão da energia atômica e da guerra nuclear, a descolonização apareceu com
destaque devido à importância que assumiu no decorrer desses anos. É a este tema
específico que nos dedicaremos a seguir, encarando-o como a negação e
superação do sistema que o gerou – o colonialismo – e como processo envolvido
com as características fundamentais de seu tempo, e por isso mesmo necessárias
para compreendê-lo.
A descolonização, assim como o colonialismo, é fenômeno complexo, e para
ser compreendido é preciso que tenhamos uma visão mais ampla das suas
motivações e de como a confluência de vários fatores atuou no sentido de incentivar
o sucesso do movimento.
Dentre os fatores que levaram à descolonização se destacaram, além das
próprias contradições internas do colonialismo – que dialeticamente trabalhavam
pelo seu fim e superação –, dois tipos de influências: as internas, isto é, os
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movimentos pela independência no interior da África; e as externas, como o referido
abalo sofrido pelas potências colonialistas durante a Guerra, a política externa
adotada tanto pela URSS quanto pelos EUA, a ação da ONU, que desde a sua
fundação propugnou pela autodeterminação dos povos, e o envolvimento crescente
dos países recém-independentes que começaram a atuar em bloco pugnando pelo
fim do sistema colonialista.
Desde antes da Segunda Guerra já havia por parte das áreas colonizadas o
desejo e a luta pela independência. Aliás, igualmente aos demais povos submetidos
ao domínio estrangeiro, como na América e na Ásia, os africanos não se entregaram
sem luta ao domínio europeu uma vez que, como visto, eles não foram vencidos
sem resistência nos processos de dominação. Assim, da chegada à conquista e
afirmação da ordem europeia na África passou-se por vários movimentos de
resistência. Durante o século XIX inúmeras guerras foram travadas no interior da
África com o objetivo de conter e, se possível, expulsar os brancos e evitar a
submissão. Além da luta armada existiram várias outras formas de resistência ao
longo do domínio colonial, sendo uma constante na história dos povos dominados e
jamais deixando de existir.
Apesar da superioridade bélica outras táticas foram utilizadas para subjugar
os africanos. O exemplo mais clássico e que se prestou muito aos europeus foi o de
jogar com as rivalidades entre as etnias preexistentes ou mesmo a de provocar
antagonismos entre uns e outros grupos, ou entre lideranças de uma mesma etnia.
Muitos dos conflitos que surgiram no continente depois do colonialismo e que
possuíram na questão étnica um dos seus fundamentos se deve justamente a essa
característica de fomentação de diferenças levada a efeito pelos europeus.
Até a Segunda Guerra foi possível aos países colonialistas manter quase
intactas, mesmo com os movimentos de resistência interna, as suas possessões no
além-mar. Mas este quadro se alterou profundamente diante das derrotas na Guerra
e a crise daí advinda. O mito da superioridade branca começava a cair.
A Segunda Guerra desgastou expressivamente as metrópoles, o que se
traduziu no abalo moral, econômico e humano e que repercutiu nas áreas
colonizadas, uma vez que estas logo foram chamadas a ajudar no esforço de
guerra. A contribuição se deu com o aumento na produção de alimentos e matériasprimas que eram enviadas como suprimentos para os exércitos aliados. Além do
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empenho econômico foram organizadas tropas oriundas das regiões colonizadas
que se dirigiram ao front para combater junto aos aliados.
Os soldados africanos lutaram principalmente no norte da África combatendo
na Divisão Leclerc as tropas do Africa Korps comandadas pelo famoso marechal
alemão Erwin Rommel. Lutaram também no teatro de guerra da Europa, pois
participaram nos desembarques da Itália e enfrentaram os alemães em seu próprio
território. Mas o mais importante da participação africana na guerra foi, certamente,
a mudança de mentalidade originada desta atuação, de sorte que pela primeira vez
foi dispensado ao negro tratamento de relativa igualdade com o branco. Este fato
ajudará a compor o quadro geral na conscientização dos movimentos de resistência
que sairão revigorados após a Guerra.
Durante a guerra e com o objetivo de atrair para si o apoio das colônias, os
países colonialistas mais importantes prometeram para o futuro autonomia para os
territórios africanos. No entanto, esta promessa não significava a concordância com
a independência, ainda mais porque as metrópoles desejavam utilizar, naquele
momento, todos os recursos possíveis – e isto significava o aumento da exploração
das colônias – para a reconstrução de seus países arrasados.
No desenrolar dos acontecimentos o que se sucedeu foi que a situação
colonial existente antes da Segunda Guerra se tornou insustentável para as
metrópoles. O desejo de independência tomou conta de praticamente todo o
continente africano, envolvendo os seus povos num sentimento de liberdade que a
cada momento crescia mais. A cada episódio de expressão internacional, de vitória
contra o sistema colonial, a esperança renascia; além de que a experiência estava
mostrando às potências colonialistas que a guerra contra a descolonização era
inviável.
A independência significava muito para os africanos colonizados. Para eles as
discussões mais profundas sobre a natureza da descolonização e o futuro das novas
nações
era
secundário.
Deixou-se
de
lado
momentaneamente
questões
problemáticas como a da viabilidade econômica dos pequenos Estados e mesmo
com relação a transformações mais efetivas em suas sociedades.
Assim, o que realmente motivava os africanos era o anseio pela
independência, sinônimo de liberdade. Embora não deixassem de discutir o futuro
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econômico de suas nações, o tema político era o que contagiava os espíritos dos
africanos e os levava à mobilização. Se existia algum elemento geral de coesão do
discurso político em quase toda a África esse era justamente o anseio pela liberdade
política que viria com as independências.
Com a alteração do equilíbrio mundial de poder e a ascensão dos Estados
Unidos e da União Soviética como superpotências, este novo quadro veio alterar e
influenciar no processo de descolonização. Vejamos como se comportaram estas
nações com relação à situação africana entre 1945 e 1960.
A política dos Estados Unidos foi de certa forma ambivalente no que diz
respeito ao continente africano a partir de 1945. Por um lado, os Estados Unidos
apoiavam a ideia de autodeterminação dos povos, seguindo uma tradicional política
anticolonial; por outro, apesar das críticas verbais aos colonialismos europeus, no
âmbito oficial concedia-lhes apoio. Inclusive indiretamente apoio militar, pois sabe-se
que armamentos da OTAN, aliança Ocidental liderada pelos Estados Unidos, foram
empregados na guerra colonial principalmente na Argélia, pelos franceses, e nas
colônias portuguesas.
Mas além da ambiguidade política é fato que logo após o término da Guerra
os investimentos norte-americanos começaram a fluir com mais intensidade para o
continente africano. Buscavam aumentar as fontes de matérias-primas para suas
indústrias em expansão e com necessidades cada vez crescentes, além da
pretensão de penetrar em mercado antes exclusivo dos europeus. Ademais, à
medida que o colonialismo era forçado a recuar a assistência e a presença norteamericana na África aumentavam.
Os interesses econômicos, aliados a considerações estratégicas na
conjuntura da Guerra Fria, influenciaram decisivamente na política externa dos
Estados Unidos para a África. Mesmo não existindo, formalmente, uma política
externa especificamente formulada para a África, a posição adotada por Washington
repercutiu no processo de descolonização, ora apoiando os preceitos de
autodeterminação ora colocando-se ao lado dos países colonialistas, mas sempre
tendo em vista a preservação do continente africano na órbita Ocidental.
A União Soviética tinha uma visão mais precisa de seus interesses e ação na
África, portanto sem as ambiguidades que caracterizaram a posição norte-
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americana. Com sua política externa e anticolonial assentada em bases ideológicas
mais sólidas, os soviéticos buscavam principalmente penetrar politicamente no
continente. Sob uma perspectiva mais ampla, os interesses econômicos soviéticos
com relação à África eram restritos, uma vez que praticamente não existiam laços
anteriores vinculando política ou economicamente a África e a ex-União Soviética.
Houve, por certo, a utilização de meios econômico-financeiros para atrair os
africanos à sua órbita, como a concessão de créditos a baixas taxas de juros (mas
mesmo estes só a partir de meados da década de 50 e com dimensões muito
reduzidas e de pouco alcance), investimentos em projetos de infraestrutura,
concessão de bolsas de estudos para que africanos pudessem estudar e se formar
em universidades do Leste europeu, dentre outras medidas de cooperação e
aproximação.
É preciso ressaltar que de 1945 a 1960 houve pelo menos dois momentos
distintos na orientação da política externa soviética tanto global quanto para os
países que estavam em processo de descolonização. A primeira fase insere-se no
período em que Stálin ainda comandava a URSS, isto é, de 1945 a 1953. A
orientação externa nesta fase baseava-se na idéia de que os novos Estados
nascidos da descolonização continuavam fazendo parte do sistema capitalista –
agora no estágio do neocolonialismo, considerando-se que embora estivessem em
situação de independência política, nos aspectos econômicos e militares
continuavam atrelados ao mesmo sistema –, portanto as relações econômicas da
ex-URSS com estes Estados deveriam restringir-se ao intercâmbio comercial,
evitando envolvimento maior como o de fluxos de capital, investimentos e
cooperação mais arrojadas.
A revisão dessa política está diretamente relacionada com a morte de Stálin e
a ascensão de novos líderes na URSS. A partir de 1953 inaugurou-se uma nova
política para os países capitalistas dependentes, incluindo-se os novos Estados
descolonizados ou em vias de descolonização. Sob o novo ponto de vista do Kremlin
os novos Estados não eram percebidos nem como totalmente pertencentes ao
sistema capitalista e nem ao socialista. De acordo com essa revisão no pensamento
dos formuladores soviéticos estava aberta a possibilidade de conduzi-los ao mundo
socialista.
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No nível político-ideológico a ex-União Soviética continuou com sua
tradicional pregação anticolonial e de incentivos à luta de libertação nacional,
formando
quadros
e
fornecendo
equipamentos
militares
quando
havia
possibilidades. Mas somente após a vitória dos guerrilheiros das colônias
portuguesas, na década de 1970, é que a URSS conseguiu lograr uma real
penetração na África. Há que se destacar finalmente a sempre ativa atuação da exURSS na ONU a favor do fim do colonialismo.
No tocante à descolonização ocorreu uma certa convergência de interesses,
pelo menos por um determinado período, entre a ex-URSS e os EUA que favoreceu
os movimentos africanos que aspiravam à independência. Ambos foram favoráveis
ao fim do colonialismo porque almejavam colocar em torno de si as áreas que antes
eram exclusivas de países europeus.
Uma outra influência externa favorável aos novos Estados foi a Organização
das Nações Unidas, que em seu próprio estatuto se declarou pela autodeterminação
dos povos. Rapidamente a ONU se tornará a principal tribuna para as reivindicações
de autodeterminação dos povos colonizados. Nesta arena a ideia de independência
foi bem aceita pela maioria dos seus membros e a Organização se constituiu numa
forte aliada dos Estados que demandavam a emancipação. Nela, as nações
colonialistas sofriam as mais pesadas críticas contra o domínio e a exploração dos
povos colonizados, sendo pressionadas principalmente pelo Bloco Oriental e pelas
nações agregadas em torno do grupo de Bandung.
As ideias de autodeterminação, impulsionadas pelos exemplos bem
sucedidos de independência política, foram defendidas com afinco na Conferência
de Bandung. Nesta, 29 países afro-asiáticos com diferentes regimes políticos, mas
com objetivos em comum – como a denúncia do colonialismo – se reuniram e deram
início a um amplo movimento organizado que pretendia acelerar o processo de
descolonização.
Após Bandung seguiram-se várias outras conferências realizadas por nações
afro-asiáticas e outras exclusivamente por Estados africanos independentes – sinal
de que o movimento se ampliara no continente – que propugnavam pelo maior
entrosamento dos novos países africanos para o encaminhamento e solução dos
problemas comuns, além de enfatizarem sua solidariedade para com os territórios
que reivindicavam a emancipação.
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Apesar de todas as influências externas citadas terem ajudado a consolidar o
processo de descolonização, não deve-se subestimar ou deixar de lado o intenso
movimento no interior das colônias que de fato as conduziram à emancipação.
Assim, uma multiplicidade de movimentos existentes desde antes da Segunda
Guerra logo após o término desta assumiu uma dimensão muito maior. Sindicatos,
partidos políticos, Igrejas, intelectuais, artistas, escritores e estudantes todos eles
passaram a reivindicar intensamente o direito à autonomia de seus territórios.
Os sindicatos africanos, por exemplo, aparecidos mais timidamente na
década de 1940, cresceram espetacularmente nos anos 1950. Os militantes dos
sindicatos já com certa experiência se transformaram “nos melhores quadros dos
partidos políticos africanos”. Estes, por sua vez, acabaram se tornando os principais
núcleos onde internamente se debatia a questão colonial e se propagava a ideia de
liberdade.
As Igrejas cristãs, com diversidade admirável de cultos, também agiram ao
lado dos que batalhavam contra o colonialismo. Se antes, nos primórdios do avanço
colonialista, a religião cristã havia servido aos interesses das metrópoles europeias,
tal não mais se dará à medida que o século avança. Obviamente havia exceções,
como os membros da Igreja Católica nas colônias de Portugal que mantinham-se
fiéis e ligados ao Estado, mas no geral houve uma mudança de postura.
Além disso, muitas novas Igrejas surgiram na África, várias com forte discurso
messiânico e até revolucionário. O apelo que era lançado por estas Igrejas calava
fundo nos corações de gente pobre e sofrida como a maioria dos africanos. Os
discursos religiosos às vezes assumiam uma forma contundente de crítica ao
sistema de dominação. Havia até uma Igreja que pregava aos seus seguidores que
os anjos eram negros, e o demônio, branco. Nota-se a radicalização do discurso e a
inversão de valores, numa clara resposta aos anos de dominação branca no
continente.
Outra corrente expressiva que assumiu importante papel nas reivindicações
pela independência foi a dos intelectuais. Antes mesmo do aparecimento dos
sindicatos e dos partidos políticos, muitos intelectuais africanos já bradavam pela
emancipação. Nomes que se tornaram famosos como os de Agostinho Neto,
Leopold Senghor, Amílcar Cabral e Kwame N'Krumah, para citarmos apenas alguns,
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muito antes da descolonização participavam de conferências e se reuniam pregando
a África livre.
Foi na esteira do pensamento da intelectualidade negra, tanto de dentro
quanto de fora da África, que surgiram movimentos como o da Negritude, que
buscava restabelecer a consciência da originalidade e da validade das culturas
negras, sempre destratadas e invalidadas pelo colonialismo.
A negritude, conceito introduzido no movimento negro pela independência
principalmente por Leopold Senghor e Aimé Césaire, unia a defesa e a difusão da
cultura negra aos ideais políticos de emancipação. Foi esta uma bandeira de luta
capaz de mobilizar o apoio da população africana, canalizando-a para o
envolvimento mais participativo no caminho da independência.
Além da Negritude, o Pan-africanismo, cronologicamente anterior, e um
movimento gerado fora do continente africano – haja vista que seus ideólogos eram
negros oriundos das Antilhas Britânicas e do sul dos Estados Unidos – exerceu que
considerável influência sobre os jovens africanos que mais tarde assumiriam papel
de liderança em seus países.
Basicamente o pan-africanismo propunha a unidade e a autonomia para
África. Serviu como ingrediente ideológico largamente utilizado pelos líderes
africanos contra o colonialismo e deu grande impulso ao nacionalismo no continente,
mesmo de maneira utópica. Em essência o Pan-africanismo se constituía de um
programa amplo – como o Pan-americanismo – mais voltado para o quadro ideal,
em algo que um dia poderia vir a ser a união dos povos africanos, do que
propriamente a realidade da diversidade africana mostrava. De qualquer modo
ressaltamos que as suas idéias motoras ajudaram a dar um alento importante aos
movimentos políticos e sociais na história da África contemporânea.
O Pan-africanismo evoluiu desde os seus primeiros passos no início do
século XX até atingir um grau de discussão política mais centrada no próprio
continente africano. Gradativamente, como ressalta DECRAENE (1962), o
movimento tornou-se parte do nacionalismo africano e estimulou vigorosamente o
combate pela descolonização. Essa característica fica evidenciada principalmente a
partir do V Congresso Pan-Africano, realizado em Manchester, em 1945. O final da
Segunda Guerra Mundial e a situação quase caótica reinante na Europa naquele
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contexto favoreceram a aspiração de independência dos povos colonizados. No
Congresso, por sugestão da delegação que representava a África Ocidental, foi
aprovada por unanimidade uma declaração indicando que a única saída para a
questão do oeste africano era a sua completa independência. Destaque-se também
que foi no V Congresso que várias lideranças africanas se firmaram como
referências internacionais na luta pela descolonização, como Kwame N‟Krumah
(Gana), Jomo Kenyatta (Quênia), Sekou Touré (Guiné-Conakri), Agostinho Neto
(Angola), Amílcar Cabral (Guiné-Bissau), Oliver Tambo (África do Sul), Hastings
Banda (Malaui) e Julius Nyerere (Tanzânia), dentre outros.
A Negritude e o Pan-africanismo foram, pois, dois movimentos de notada
importância para a resistência africana. Ao destacar a personalidade e realçar os
valores negros, a Negritude atuou como resposta ao racismo e assumiu forte sentido
de resistência à política de assimilação, ambos alicerces ideológicos do
colonialismo. O Pan-africanismo, por sua vez, catalisou forças políticas e acirrou o
debate sobre a descolonização, renovando as esperanças e fortalecendo a luta
política dentro e fora da África.
É importante frisar que a descolonização não ocorreu de forma homogênea e
instantânea em todo o continente africano. O processo, iniciado no norte da África,
logo transbordou para a área subsaariana, mas inicialmente havia uma grande
expectativa sobre como se comportariam as antigas potências coloniais.
A Inglaterra foi a primeira a compreender que o mundo do pós-Guerra era
outro. Certamente, a experiência da Índia foi-lhe muito útil. Lá, o sucesso do
Mahatma Ghandi com o seu movimento pela independência utilizando-se de meios
não-violentos, mostrou a Londres que não era mais possível conter a onda libertária
que surgira em meados do século XX. No caso da África, os britânicos iniciaram as
negociações com as lideranças da colônia da Costa do Ouro e a independência
chegou em 1957. Com o nome de Gana e sob a liderança de Kwame N‟Krumah, o
novo país teve um enorme significado para todo o continente. Vale lembrar, contudo,
que no ano anterior os britânicos já haviam reconhecido a independência do Sudão,
mas num contexto diferenciado com relação ao da África subsaariana.
No geral, a descolonização dos territórios britânicos na África foi marcado por
uma relativa tranquilidade no que diz respeito ao posicionamento da ex-metrópole.
Um dos casos mais graves foi o do Quênia, onde explodiu uma reação violenta
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contra os brancos por parte do movimento conhecido como Mau-Mau. Sob a
liderança de membros da etnia dos kikuyos, os Mau-Mau queriam a retirada dos
ingleses e a devolução das terras aos nativos africanos. Assim, entre 1953 e 1956
os Mau-Mau se rebelaram abertamente contra os britânicos, que reagiram com rigor
e violência, matando milhares de africanos. Registre-se que o primeiro presidente do
Quênia, Jomo Kennyata, foi preso acusado de ser um dos líderes do movimento. A
revolta dos Mau-Mau foi mais um indicativo de que as coisas estavam mudando na
África. Causou pânico entre os brancos, relativamente numerosos se comparados às
populações brancas de outras colônias, e ajudou a politizar a discussão sobre a
independência do território. Mas os problemas dos britânicos não terminaram com a
independência do Quênia, afinal obtida em 1963.
Na Rodésia do Sul, atual Zimbábue, os colonos brancos resolveram se
antecipar às negociações entre Londres e os movimentos autóctones africanos e,
num ato de desafio à metrópole, declararam unilateralmente sua independência
frente a Coroa britânica. Sob a liderança de Ian Smith, os brancos impuseram um
regime de opressão contra a maioria negra e tiveram enormes dificuldades
internacionais, uma vez que a maior parte dos Estados não reconhecia a
legitimidade do governo. Em 1980, após uma longa guerra de guerrilhas e de um
forte estrangulamento internacional imposto por meio de sanções econômicas,
ocorreu finalmente a transferência do poder da minoria branca para a maioria negra,
surgindo o atual Zimbábue.
O comportamento da França frente o processo de descolonização não foi
muito diferente do britânico, exceto no caso da Argélia. Os franceses também
aprenderam a duras penas que a descolonização não poderia ser simplesmente
ignorada, contida ou eternamente adiada. Tentaram resistir na Indochina e o
resultado foi a derrota final na batalha de Dien Bien Phu. Na África, passaram ao
processo negociado e o primeiro território a obter a independência foi a Guiné
(Conakri), liderada por Ahmed Sekou Touré, um militante de longa data pela causa
da independência de seu país. Nesse momento inicial os franceses, sob o governo
de De Gaulle, tentavam contornar a descolonização direta com uma proposta de
comunidade federal, a ser submetida a consulta popular por meio plebiscitário.
Contudo, a campanha pela independência proposta pelos nacionalistas da Guiné foi
vitoriosa e os guineenses declararam sua independência em 1958. A reação
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francesa foi vergonhosa: ressentidos, os franceses retiraram do país os profissionais
brancos a serviço do Estado e prejudicaram a precária infraestrutura do território,
inclusive os serviços de transporte público. A ideia era provocar o caos e demonstrar
que os africanos não poderiam prescindir da ajuda da França. O surto nacionalista
guineense, naquele contexto de Guerra Fria, fez com que o novo governo se
aproximasse do bloco comunista e tivesse uma ativa participação também no
movimento dos não-alinhados.
Mas o caso mais grave da ação francesa na África foi, sem dúvida, a questão
da Argélia. Inicialmente, cabe destacar que o processo de descolonização argelino
se destoou completamente do quadro registrado no Norte da África. Foi nessa
região que se iniciou a descolonização da África, com processos negociados que
levaram a independência da Líbia (1951), da Tunísia, do Marrocos e do Sudão
(todos em 1956). O Egito já gozava de grande autonomia frente aos britânicos,
sendo considerado formalmente independente desde 1922. Restava nessa parte da
África, portanto, a Argélia.
O que a distinguia dos demais territórios da região era uma forte presença de
colonos brancos. Mais de um milhão de franceses moravam na colônia e, para Paris,
pelo menos durante a década de 1950 a independência era algo inadmissível. A
estratégia francesa com relação a Argélia se dividia em pelo menos dois campos:
um político e outro militar. No campo político, Paris defendia a tese de que a Argélia
era parte constituinte da França, e não um mero território colonial, portanto, não
poderia ser “descolonizada”. Já a estratégia militar era mais radical: os militares
desencadearam uma violenta campanha contra os movimentos nacionalistas e
usaram e abusaram da repressão, desenvolvendo uma doutrina de guerra antirevolucionária sem limites, na qual a tortura e a eliminação dos oponentes era a
regra. O governo francês chegou a mobilizar cerca de 500 mil soldados que foram
destacados para a luta na Argélia.
Acossadas pela opressão colonial francesa, as lideranças argelinas criaram,
em 1954, a Frente de Libertação Nacional (FLN) e se lançaram à guerra de
guerrilha. Mas a contestação contra a França vinha de bem antes. Em 1945
aconteceu um levante popular que foi severamente reprimido pelo Exército francês.
Não é difícil entender as motivações que levaram os argelinos a se rebelarem contra
a metrópole, uma vez que eram explorados como em qualquer outra área colonial.
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Aliás, até mais, uma vez que é preciso considerar que geralmente a existência de
um grande contingente de brancos ajudava a afetar ainda mais a situação dos povos
nativos pois que, diferentemente das áreas onde sua presença era menor, o nível de
exploração aumentava, a começar pela usurpação das terras dos povos nativos. Na
Argélia – a exemplo do ocorrido no Quênia – os colonos europeus se apoderaram
das terras mais férteis e, para os argelinos, incontestavelmente a maior parte da
população, sobraram as terras menos produtivas.
Com grande apoio popular a Frente de Libertação Nacional resistiu às
investidas do Exército da França e prosseguiu na luta até o armistício e a assinatura
dos Acordos de Evian, que em 1962 levaram à independência da Argélia. Numa
estimativa aproximada, calcula-se que cerca de 300 mil argelinos e 24 mil militares
franceses perderam a vida nas batalhas da Argélia, além do fato de que a guerra
produziu um saldo de milhões de refugiados e traumatizados.
Após os acordos de Evian, Ahmed Ben Bella assumiu a presidência e o país
entrou numa nova fase. O governo nacionalizou empresas francesas, dentre elas
petrolíferas, distribuiu terras e transferiu propriedades dos cerca de 900.000
franceses que regressaram para a França, num processo também traumático. O
novo governo argelino adotou uma política pró-Soviética e foi muito ativo no apoio a
movimentos que ainda lutavam em outras partes do continente contra o
colonialismo.
O término da guerra na Argélia praticamente significou o fim do colonialismo
francês na África. Após 1962 restou ainda, todavia, um território com o estatuto de
Departamento do Ultramar. O Djibuti, localizado nas bordas da região conhecida
como cornucópia africana (ou Chifre da África), ficou formalmente vinculado à
França até 1977, quando um referendo popular decidiu pela formação da República
do Djibuti. Antes, em 1967, houve um plebiscito que teve o mesmo objetivo, ou seja,
a manifestação popular sobre a permanência ou não na condição de Departamento
do Ultramar. Nessa primeira consulta a maioria da população optou pela
continuidade dos vínculos formais com a França.
Os belgas também estavam presentes na África com três áreas sob seu
controle. A mais importante delas era a colônia do Congo Belga, um grande
“empreendimento” que antes de se tornar colônia do Estado belga era uma
propriedade privada do próprio rei dos belgas. As outras duas áreas eram Ruanda e
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Burundi, antigos territórios coloniais alemães que haviam sido ocupados por tropas
da Bélgica durante a Primeira Guerra Mundial e transferidos ao seu controle como
protetorados por mandato da Liga das Nações em 1924.
A descolonização dos territórios belgas em si não foi tão problemática, uma
vez que os colonizadores resolveram se retirar de maneira até mesmo apressada,
como se deu no caso do ex-Congo Belga (que depois virou Zaire e atualmente se
chama República Democrática do Congo). O mais complicado foi a herança do
colonialismo belga nesses territórios. Conforme observa SARAIVA (1987, p. 40), a
Bélgica era uma potência colonial apenas em termos relativos e isso teve
implicações para o futuro imediato, pelo menos no caso do Zaire, que ao sair do
processo de descolonização caiu numa violenta guerra civil. Isso se deveu, em
parte, à ausência de compromisso do governo da Bélgica em dotar as suas áreas
coloniais de mínimas instituições políticas que poderiam ajudar na constituição do
novo Estado. Ademais, assim como no caso de Portugal, faltava aos belgas um
Estado moderno que pudesse manter os laços econômicos com as antigas áreas
coloniais, em que pese o fato de que isso nem sempre resultou em benefícios
concretos para os Estados africanos.
O fim dos sistemas coloniais da Inglaterra, da França e da Bélgica na África
não significou o imediato fim do processo de descolonização. Ainda permaneceram
os casos de Portugal e de alguns resquícios de tipo colonialista que só seriam
resolvidos bem mais tarde, com foram os casos da Namíbia (antigo Sudoeste
Africano) e do problema já relatado do Zimbábue (antiga Rodésia). Um outro caso,
que será explorado com mais detalhes, é a situação do território do Saara Ocidental,
único resquício do colonialismo que ainda não teve solução.
Ou seja, apesar de ter ocorrido a superação do colonialismo na maior parte
do continente, após 1965 ainda havia áreas que continuavam sob o domínio
europeu, como a insistente presença portuguesa que só em meados da década de
1970 se retirou forçosamente da África, depois de prolongada luta armada e forte
pressão internacional.
À parte os esforços de Portugal para manter as colônias, nestas surgiram
diversas correntes como o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA),
liderado por Agostinho Neto, a Frente Nacional para Libertação de Angola (FNLA)
tendo à frente Holden Roberto, a União Nacional para a Independência Total de
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Angola (UNITA), de Jonas Savimbi; o Partido Africano para Independência de Guiné
Bissau e Cabo Verde (PAIGC) liderado por Amílcar Cabral e a Frente de Libertação
de Moçambique (FRELIMO), dirigida por Eduardo Mondlane. Todas recebiam ajuda
do exterior para movimentar a guerra anticolonial. As principais ingerências externas
ficavam por conta do apoio da República da África do Sul e da Rodésia a Portugal e
do apoio da ex-União Soviética e do envolvimento cubano e chinês ao lado dos
guerrilheiros.
A intransigência portuguesa acirrou a luta de libertação nos territórios
africanos. Apenas Cabo Verde e São Tomé e Príncipe não vivenciaram a luta
armada, mas por uma questão meramente geográfica (o fato de serem formados por
ilhas de reduzidas dimensões dificultavam enormemente operações de guerrilha).
Mas mesmo nas ilhas a insatisfação com relação a metrópole aumentou e a luta
assumiu outra forma, a da ação política na clandestinidade. Guiné Bissau, Angola e
Moçambique, por sua vez, foram palco de uma sangrenta e demorada guerra.
Nesses territórios, gradativamente o Exército português foi perdendo terreno frente a
um inimigo decidido a atingir o seu objetivo final.
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5. A ÁFRICA INDEPENDENTE
A independência conquistada pelos antigos territórios coloniais na África não
significou a solução dos problemas que os povos africanos enfrentavam. Entre os
anos de 1955 e 1965 a maior parte das colônias havia se transformado em Estados
reconhecidos internacionalmente como autônomos e sob liderança dos próprios
africanos.
Como visto, de forma geral o processo de descolonização seguiu dois
parâmetros básicos. No primeiro caso, e onde se situa a maioria das ex-colônias,
houve a negociação entre a metrópole e a liderança dos nativos, que já se constituía
num tipo de burguesia africana e logo após a independência assumiu o controle dos
novos Estados. No segundo caso, subdividido em dois grupos, situam-se os Estados
que alcançaram a independência através de um intenso movimento de libertação
nacional, que mobilizou grande parcela de sua população e utilizou como tática a
mobilização política e pacífica; e os Estados para os quais a única via possível foi a
guerra anticolonial, tendo como consequência interna o planejamento da
transformação mais profunda de suas sociedades e o engajamento político no
contexto da Guerra Fria.
Frente ao crescimento do movimento pela descolonização alguns governos
europeus pragmaticamente optaram pela solução negociada, e através desta atitude
conseguiram manter laços econômicos mais fortes com as antigas colônias.
Principalmente a Inglaterra atuou neste sentido, ampliando o raio de alcance da
Commonwealth britânica. A exemplo deles, os franceses também procuraram criar a
sua Comunidade Francesa. Mas, no caso dos franceses houve um grande susto
inicial, uma vez que a Guiné (Conakri), o primeiro território da África subsaariana de
colonização francesa a conquistar a independência, em 1958, decidiu, por meio de
um plebiscito, não participar da Comunidade. Esse fato deixou o presidente Charles
de Gaulle profundamente irritado e preocupado com o sucesso posterior de sua
iniciativa, que no fundo acabou não sendo afetado pela decisão da Guiné e a maior
parte dos outros territórios, uma vez livres, optou por participar. É bom destacar que
tanto a Commonwealth britânica quanto a Communauté française eram esquemas
comunitários que tinham como objetivo manter os laços de dependências que
vinculavam a África à Europa, tanto do ponto de vista político quanto econômico.
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Destarte, via de regra, os novos Estados africanos continuaram ligados de
forma especial à Europa, mesmo porque, ainda na década de 1950, o Tratado de
Roma – que deu origem à Comunidade Econômica Européia – procurou criar
mecanismos que garantissem uma maior participação dos Estados africanos nas
relações econômicas e comerciais com a Europa.
Já os países europeus mais intransigentes com relação à independência de
suas colônias se viram numa situação desconfortável frente ao amplo e vigoroso
movimento pela emancipação. Acabaram por se distanciar dos territórios por causa
desta intransigência. Neste campo localizam-se Bélgica, Portugal e a França com
relação à Argélia, que para conseguir a independência teve de enfrentar uma longa
e violenta guerra de libertação nacional iniciada em 1954 e que só terminou em
1962, com os acordos de Evian.
A descolonização nos territórios em que as antigas potências coloniais
tentaram prolongar sua permanência seguiu roteiro violento e teve efeito qualitativo
em suas sociedades bastante diferente de onde o processo foi negociado.
Após a independência, do ponto de vista político-ideológico, houve variações
e diferenças entre os novos sistemas de governo surgidos na África. Muito embora a
grande maioria dos Estados, pelo menos nos primeiros anos de existência, tenha
adotado o modelo Ocidental de democracia, outros optaram pela via socialista,
tentando adaptá-lo à realidade africana.
Ao analisarmos os caminhos perseguidos pela democracia na África
constatamos no fundo a sua ineficácia, pelo menos na maioria dos Estados. Golpes
de Estado seguidos por regimes ditatoriais, geralmente de cunho pessoal, foram
uma constante na história africana contemporânea. Isto se deve muito ao fato de
que os novos governos não possuíam apoio consciente de sustentação interna,
ficando muito à mercê da ambição de uma espécie de “caudilho” africano. As crises
econômicas associadas a praticamente nenhuma experiência democrática favoreceu
muito a falta de estabilidade
Ademais não compartilhamos da crença de que a democracia possa funcionar
satisfatoriamente numa sociedade onde a maioria da população seja analfabeta e
alienada, que não tenha nenhuma noção de cidadania e nem tampouco educação
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política. Sem escolas, sem educação e sem o exercício da cidadania não pode
haver democracia.
Os Estados que tentaram adotar o modelo socialista também não lograram
sucesso. Com problemas estruturais semelhantes aos dos demais Estados (como
heterogeneidade
ideológica,
tribalismo,
características
étnicas
por
vezes
desagregadoras, regionalismos e analfabetismo), tiveram que enfrentar desafios
extras, a maior parte deles vinculados às disputas ideológicas do mundo bipolar e os
seus efeitos desestabilizadores na periferia dos centros hegemônicos. Afinal, como
destaca Flávio Saraiva, principalmente durante a década de 1970, em plena período
de détente, houve uma acomodação dos interesses das duas superpotências, que
passaram inclusive a colaborar entre si, mas isso não se refletiu nas disputas por
zonas de influência em áreas periféricas, como ocorreu no continente africano.
Uma das dificuldades dos Estados que abraçaram a via socialista foi
contornar as dissidências internas geralmente incentivadas e sustentadas por
interesses externos, embora seja necessário levar em consideração que ao
adotarem a perspectiva de partido único esses regimes impossibilitavam o jogo
político aberto, restando poucas opções para os setores que não concordavam com
o regime socialista. Assim, em vários países africanos ditos socialistas, conflitos
internos organizados e armados foram constantes. Exemplos podemos citar os
casos da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e da UNITA, em Angola.
A história da RENAMO passa pela Rodésia sob o regime de minoria branca
liderada por Ian Smith. Se não foi uma criação direta da Organização Central de
Inteligência da Rodésia (o serviço secreto do regime rodesiano), pelo menos ela
teve um grande papel na fundação do grupo, ainda em 1975. No ano seguinte
iniciam-se as hostilidades entre a RENAMO e a FRELIMO, desencadeando uma
guerra que durou longos dezesseis anos e comprometeu qualquer possibilidade de
desenvolvimento do novo Estado nos seus primeiros anos de vida.
Com o fim do regime de Ian Smith, a RENAMO sobreviveu com o apoio do
regime racista sul-africano. Sua função, nessa perspectiva, era enfraquecer e
manter debilitado um Estado que havia sido constituído com fundamentos socialistas
na região da África Austral e que poderia prestar apoio na luta do Congresso
Nacional Africano contra o apartheid. É claro que a meta da RENAMO era a tomada
do poder e sua existência não se explica apenas pelos interesses externos. Nesse
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sentido, para os dirigentes da RENAMO tratava-se de uma disputa interna pelo
poder que utilizava-se da força com apoio estrangeiro.
Tendo em vista as características econômicas de Moçambique, é muito difícil
acreditar que a RENAMO pudesse ter algum sucesso em deslanchar uma guerra
sem apoio externo. Isso se explica principalmente porque o país não possui recursos
naturais que pudessem ser utilizados pela RENAMO para sustentar sua campanha
militar contra o governo, como diamantes, por exemplo. Além disso, o grupo não
controlava nenhum território rico em qualquer outro tipo de recursos naturais
geralmente utilizados como moeda de troca no mercado internacional de armas,
como minerais estratégicos ou mesmo madeira, como aconteceu em diversos outros
conflitos africanos ao longo, principalmente, dos anos 1990.
A prova maior de que as ingerências externas é que subsidiaram, em grande
medida, a guerra civil em Moçambique é que a negociação da paz veio
imediatamente após o fim da Guerra Fria e do início do desmantelamento do
apartheid na África do Sul. Em 1992 as lideranças da FRELIMO, representada pelo
presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, e da RENAMO, representada pelo
seu presidente, Afonso Dhlakama, negociaram a paz e conseguiram chegar a um
acordo político, denominado de Acordo Geral de Paz.
Angola, por sua vez, sofreu ingerências externas ainda mais pesadas do que
Moçambique. O MPLA, a UNITA e a FNLA não receberam apenas ajuda do exterior
para fazer a guerra. Houve o engajamento direto de tropas estrangeiras no cenário
angolano, com o envio de milhares de soldados cubanos e sul-africanos, além da
atuação de mercenários eventualmente contratados por um ou por outro lado. Com
o passar do tempo os contendores reduziram-se a dois, de sorte que a FNLA foi
perdendo força, principalmente durante a década de 1980. A guerra em Angola
prosseguiu, com uma pequena interrupção, até 2002, quando Jonas Savimbi, o líder
da UNITA, morreu em combate.
Os interesses internacionais em Angola eram muito mais intensos do que em
Moçambique. Apenas o fato dos cubanos terem enviado grandes contingentes de
soldados em socorro do MPLA já seria suficiente para despertar todas as atenções
do governo dos Estados Unidos. Entretanto, não se tratava apenas de uma disputa
entre Havana e Washington. Os sul-africanos, por exemplo, não hesitaram em ir
além do suporte logístico e de treinamento, como fizeram com os guerrilheiros da
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RENAMO em Moçambique. Para Angola, os sul-africanos enviaram o seu Exército
regular, que penetrou profundamente o território do país e travou intensos combates
com tropas angolanas e cubanas. Isso sem contar o apoio inicial dado aos
guerrilheiros da FNLA pelo governo do ex-Zaire, quando Mobutu ainda era o seu
dirigente máximo.
No geral, os conflitos africanos na fase pós-independência estavam mais
relacionados aos processos políticos internos, ou seja, era notório as disputas pelo
poder de vários grupos que necessariamente não possuíam uma ideologia liberal ou
socialista. O problema é que alguns desses conflitos e disputas pelo poder foram
sendo transformados em conflitos ideologizados sob a lógica da Guerra Fria, e o que
é pior, no caso de alguns países como Angola, chegaram a ponto de adquirir uma
dinâmica própria que sobreviveu até mesmo à própria Guerra Fria.
Isso foi possível porque durante o período de vigência da Guerra Fria existia
efetivamente um interesse ideológico e estratégico sobre a África. A presença
soviética, cubana e chinesa no continente atestam a assertiva. Até mesmo a China –
que na época nem de longe poderia ser comparada à potência que é hoje em dia –,
embora com penetração menor e menos influente, tentou se aproximar dos Estados
africanos.
Se por um lado a penetração das ideologias levou ao continente disputas
políticas que muitas vezes terminavam em guerras civis, por outro lado aumentou o
poder de barganha dos Estados africanos no cenário internacional. Com a derrocada
da União Soviética no final da década de 1980 e a retirada dos cubanos, a situação
piorou com a perda da importância estratégica destes países.
Para contrabalançar esse quadro desfavorável do período final da Guerra
Fria, o fato mais espetacular e esperançoso no início da década de 1990 para os
países africanos, principalmente os da região da África Austral, foi o fim do regime
do apartheid na República da África do Sul e o resultado respeitado da vitória de
Nelson Mandela nas eleições de 1994. Sem dúvida nenhuma, a democratização da
África do Sul simbolizou, para muitos africanos, o encerramento por completo do
ciclo colonial, uma vez que alguns viram na substituição do poder branco ascensão
definitiva dos negros que passaram a governos todos os Estados africanos. Essa
corrente interpretativa, todavia, não levava em consideração o caso do Saara
Ocidental, conforme exposto no capítulo anterior.
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O sistema político pós-colonial dos países africanos, em termos gerais, se
caracteriza, desde o seu surgimento, por uma grande instabilidade. Tanto os
Estados que adotaram o sistema político inspirado no modelo ocidental quanto os
que seguiram os caminhos do socialismo enfrentaram, como visto, toda sorte de
problemas que quase os inviabilizou do ponto de vista político. Mas felizmente este
quadro está mudando. Nos últimos anos tem ocorrido um apelo internacional pela
democratização e as pressões chegam ao limite da imposição, uma vez que os
bancos de fomento internacionais estão condicionando a ajuda à consolidação do
processo de abertura política. Além disso, mudanças em termos de mentalidade
também podem ser verificadas e podemos observar que as novas elites africanas
parecem, de fato, mais comprometidas com a questão social e com elementos de
boa governança.
A fórmula adotada de partido político único não correspondeu às justificativas
de sua adoção. Várias lideranças africanas avaliaram que esta seria uma maneira
apropriada para enfrentar o problema da diversidade étnica no continente, que
tendia à balcanização ainda maior que a herdada do colonialismo.
O partido único acabou prevalecendo em várias partes e em sua maioria
foram formados por membros de “uma mesma etnia ou de etnias irmãs”. Através do
Partido, essas etnias acabaram obtendo o controle do aparelho de Estado e se
perpetuando no poder. Não raro o desfecho deste tipo de dominação acaba sendo a
luta armada, como se observa ainda hoje em várias partes da África.
Com efeito, o fator étnico tem atuado como elemento desagregador na
sociedade e na política africanas, sobretudo em momentos de crise e escassez,
quando os parcos recursos dos Estados são canalizados de forma preferencial para
representantes e grupos de uma mesma etnia, o que gera insatisfação e revolta por
parte dos excluídos do processo de distribuição de riqueza e poder. Ou seja, a
questão étnica não deve ser associada automaticamente como fator principal da
maior parte dos conflitos africanos. Ela entra como um elemento a mais e
geralmente não é a causa principal.
Além das limitações internas resultantes do grave problema étnico, os
governos dos novos Estados encontraram inúmeras dificuldades no plano externo
em decorrência do modelo econômico implementado pelo colonialismo e que
colocou a quase totalidade do continente na periferia do sistema capitalista.
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Portanto, o Estado africano nascido do processo de descolonização, ao
contrário das melhores expectativas, se transformou num tipo de “Estado
Neocolonial” – com independência política, mas numa profunda dependência
econômica – onde as elites dirigentes, na maioria dos casos, acabaram tendo que
governar de acordo com os ditames e os limites impostos pelas normas do
capitalismo central.
Outra consequência problemática do tipo de Estado surgido após a
descolonização e do aproveitamento que as elites nativas fizeram dele e que teve
consequências de longo prazo foi o inchaço da burocracia e o crescimento da
corrupção. Os funcionários públicos se transformaram num setor privilegiado, com
salários inadequados e um sistema de propinas exorbitantes e socialmente tolerado,
tudo agravado com o fato de se tratarem de economias frágeis. Ineficiente e
perdulário, o aparelho de Estado da maioria dos países africanos não tem tido
condições de exercer o papel de estimulador da economia e do desenvolvimento,
isto sem falar dos setores essenciais da educação e da saúde, relegados ao último
plano.
Contribuiu muito para esse quadro de instabilidade institucional permanente o
fato de que, na maior parte dos casos, houve um descolamento entre o Estado e a
sociedade no continente africano. Ou seja, as elites africanas que ficaram à frente
dos novos Estados não conseguiram superar a fragilidade de Estados com pouca ou
quase nenhuma coesão social. Isso se deveu a vários fatores, tais como a
dificuldade de adaptar instituições criadas para o modelo de Estado baseado na
concepção de Estado-nação, uma instituição tipicamente européia e ocidental e que
muito pouco ou quase nada tinha a ver com a realidade e com os sistemas políticos
genuinamente africanos.
A situação de instabilidade política no continente africano é também um fato
inerente à condição de dependência econômica gerada pela própria natureza do
sistema colonialista e que os novos governantes não conseguiram superar. O
acesso ao desenvolvimento foi bloqueado pelo modelo econômico imposto de fora
para dentro e que não levou em consideração as necessidades africanas, mas sim
as europeias. Ou seja, isso quer dizer que em grande medida o legado do
colonialismo continua afetando o desenvolvimento da África, embora essa não seja,
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naturalmente, a única e nem tampouco a principal causa do subdesenvolvimento
africano.
Durante o período colonial as transformações por que passaram os territórios
sob domínio seguiram a lógica do capitalismo central, ou seja, a economia sendo
orientada e controlada do exterior. Assim, não houve a modernização da economia
dos territórios africanos, mas sim o desequilíbrio generalizado. A super-exploração
capitalista das áreas coloniais tinha como objetivo apenas satisfazer as
necessidades das metrópoles.
Nota-se que um dos graves problemas econômicos tem sua origem no
seguinte aspecto: as economias, ao serem dirigidas de fora acabaram por se tornar
muito rígidas e pouco diversificadas, a ponto de muitos países dependerem de
praticamente um único produto como esteio de seu comércio exterior, fato que
acabou se agravando com a crescente deterioração dos termos de troca e que
colabora com a penúria destas nações. Como conseqüência direta desse modelo
econômico a inexistência, ou melhor, a fraqueza de um mercado interno
compensador fez aumentar a crise das frágeis economias africanas, muito
dependentes do exterior.
Os reflexos da crise aumentam quando analisamos a situação dos Estados
desprovidos de reservas de matérias-primas minerais e que têm na agricultura a
fonte de seus recursos. Considerando-se que são estas – agricultura e recursos
minerais – as duas principais bases de sustentação da maioria das economias
africanas, verifica-se, dentro do continente, um fosso que separa estes dois grupos
de países. Mas é importante também notar que nem sempre a existência de
recursos minerais estratégicos para os países mais desenvolvidos e que possuem
alto valor no mercado internacional significa prosperidade e melhoria das condições
de vida dos seus habitantes.
Malgrado a situação de pobreza estrutural dos países em que a agricultura é
a principal atividade econômica, a posição geral da África neste aspecto se
apresenta bem crítica. O aumento populacional supera o da produção de alimentos
e o resultado é a fome e a subnutrição generalizadas, seguidas das mazelas
inerentes a este quadro. Conclui-se que o setor primário, à parte o seu caráter
fundamental para os países africanos, não recebeu prioridade dos governos que
sucederam à descolonização. Isso resulta no fato de que o continente africano é o
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único continente do planeta que não consegue ter uma produção de alimentos capaz
de suprir as necessidades de sua própria população. Enquanto o problema dos
alimentos em outras partes do mundo diz respeito mais a estocagem, na África o
problema ainda é de produção. Isso não quer dizer que não exista fome em outras
partes do mundo, mas a característica principal no contexto africano é a escassez, e
não simplesmente uma questão de distribuição.
A deficiência de produção agrícola no continente africano se dá por uma série
de motivos. Questões climáticas, cansaço do solo, técnicas de produção não
adequadas, ausência de um planejamento estatal que considere incentivos à
produção, dentre outros. Muitos desses problemas estão ligados à fragilidade dos
Estados africanos que não dispõem de recursos para financiamentos de safras
agrícolas, incentivos aos produtores para correção de solo, programas de irrigação e
pesquisas para desenvolvimento rural, dentre outras medidas que poderiam ajudar a
corrigir essa grave deficiência.
Os grupos de países em melhores condições na África atualmente é o que
possui em seus territórios amplas reservas de minerais. Genericamente são países
que formam a região geograficamente conhecida como África Austral, mas que, com
exceção da África do Sul, não conseguiram aproveitar esta riqueza para o
desenvolvimento industrial.
Além dessas e de outras matérias-primas minerais, a África possui grandes
reservas de hidrocarboneto de notada importância estratégica nos dias de hoje. Não
seria incorreto afirmar que o grande interesse que a África desperta nas nações
industrializadas é o seu potencial mineral usado para o abastecimento destas
indústrias, tanto como fontes de material a ser transformado quanto como fonte de
energia.
Mas em decorrência dos paradigmas do que se convencionou chamar de
Terceira Revolução Industrial e seus impactos sobre o continente africano, a
situação, mesmo para os países ricos em matérias-primas, não é confortável.1 Os
1 Os paradigmas da Terceira Revolução Industrial são os seguintes: a) menor dependência em
relação às disponibilidades de recursos naturais( substituição de matérias - primas por materiais
leves); b) menor dependência do esquema tradicional de baixos salários( a mão-de-obra perde
significado em face do custo do produto final); c) aumento substantivo da importância do saber na
formação dos preços agregados ( tecnologia avança); d) emergência da robotização e produção de
máquinas de controle numérico computadorizado; e e) superação do Taylorismo e do Fordismo como
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avanços tecnológicos estão permitindo o reaproveitamento crescente do material
utilizado pelas indústrias (reciclagem), além de se notar uma tendência na utilização
de outros materiais que não os tradicionais.
Falta colocar que a solução para a fragilidade das economias africanas, e da
própria crise pela qual atravessa o continente, passa pela revisão do modelo
econômico imposto pelo colonialismo e pela incapacidade inicial dos primeiros
governos dos Estados independentes em solucionar os seus problemas.
Apesar de perspectivas não muito promissoras, haja vista que muitos dos
problemas africanos são estruturais e dependem de processos de maturação de
longo prazo, a solução para eles existe e só será obtida quando os Estados do
continente começarem a agir unidos. Para ajudar na coordenação de um esforço
coletivo existe a União Africana (UA), entidade criada em 2002 e que atualmente
engloba todos os países da África. A UA foi sucessora da Organização da Unidade
Africana (OUA), uma outra organização de dimensão continental criada ainda no
contexto da descolonização, em 1963, mas que ao longo do tempo foi se mostrando
inoperante e incapaz de enfrentar os grandes desafios do desenvolvimento e da
coordenação política continental. A UA buscar revigorar a ideia de coordenação e
concentração política e tem o objetivo de garantir a integração, a estabilidade e o
desenvolvimento do continente.
Finalmente há que se considerar que a independência e o surgimento dos
países africanos é um fato relativamente novo na história contemporânea,
principalmente se comparados aos séculos de dominação a que o continente foi
submetido. O esforço para a afirmação destes jovens Estados só será coroado com
a maturação e a depuração a serem proporcionadas pela experiência e pelo tempo.
formas de organização do trabalho. "ver: MOURÃO, Fernando A. Albuquerque. "África: Fatores
Internos e Externos da Crise". In: Revista USP - Dossiê Brasil/África. São Paulo (18). Jun-Jul-Ago
1993, p. 62. Os Paradigmas da Terceira Revolução Industrial e seus impactos sobre a economia
africana também são discutidos em: MOURÃO, Fernando A. Albuquerque. “O Brasil e a África”. In:
FONSECA JUNIOR, Gélson e CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de (orgs). Temas de Política
Externa Brasileira II. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão; São Paulo: Paz e Terra, 1994, p. 143
a 145.
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6. REFERÊNCIAS CONSULTADAS E UTILIZADAS
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sociais nas colônias - os movimentos de libertação. 7.ed. São Paulo: Atual;
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CASTRO, Therezinha de. África - Geohistória, geopolítica e relações internacionais.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979.
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1962.
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FERREIRA, Eduardo de Sousa. O fim de uma era. O colonialismo português em
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MOURÃO, Fernando A. Albuquerque. "África: fatores internos e externos da crise".
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SARAIVA, José Flávio S. Formação da África contemporânea. São Paulo: Atual;
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WODDIS, Jack. África - As raízes da revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1961.
www.institutoibe.com.br – [email protected] – (0XX31)2533-0500
Download

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