IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA
HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.
29 de Julho a 1° de Agosto de 2008.
Vitória da Conquista - BA.
A INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA: CONCESSÃO OU CONQUISTA?
Juvenal de Carvalho Conceição
Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana ( UEFS)
Mestre em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
E-mail: [email protected]
Palavras-chave: África. Angola. Colonialismo. Independência.
A libertação dos povos africanos do jugo colonial foi caracterizada, durante os anos
60 e 70, pela luta armada contra colonizadores que resistiram de todas as formas a qualquer
mudança. Assim foi o caso das colônias p ortuguesas. Dentre elas, Angola viveria a situação
mais dramática. Sua extensão territorial e suas riquezas naturais transformaram este país em
um ponto cobiçado e disputado. Sua independência implicou numa longa guerra contra
Portugal, que durou de 1961 a té 1974. Segui-se uma guerra civil envolvendo a Frente
Nacional de Libertação de Angola (FNLA), a União Nacional pela Independência Total de
Angola (UNITA) e o Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA). Em 21 de
outubro de 1975, o país foi invadid o, de forma aberta e direta, por tropas estrangeiras. Em
fevereiro de 1976 a invasão foi derrotada e o país passou a viver uma guerra de guerrilha que
só teve fim em março de 2002 com a morte de Jonas Savimbi, líder da UNITA.
A independência Angola não er a apenas um problema restrito à suas fronteiras. Era
também uma questão regional, da África meridional onde os povos africanos confrontavam se com os regimes racistas, de minoria branca, da África do Sul e da Rodésia. Mais ainda era
também um problema glob al, que repercutia no equilíbrio de poder entre os EUA e a URSS.
Os lideres nacionalistas declararam, repetidas vezes, uma posição de neutralidade na guerra
entre os blocos socialista e capitalista.
Amílcar Cabral, líder da independência da Guiné, durant e a segunda Conferência das
Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas (CONCP) afirmava que: “Defendemos
uma política de não -alinhamento. É a que mais convém ao nosso povo, na etapa atual de
desenvolvimento” (VEJA, 1973, n. 230, p. 34). Ainda assim, a África não ficou livre dos
efeitos da guerra fria. As superpotências jogaram todo peso econômico, político e militar
para conquistar influência e aliados no continente africano. Isto acabou refletindo na
radicalização das lutas de libertação e na inst abilidade dos novos Estados, como bem
demonstra a situação das colônias portuguesas.
Em 11 de novembro de 1975 a independência de Angola foi proclamada. Os
estudiosos deste processo dividem -se em duas correntes interpretativas. Em um lado estão os
que atribuem um papel decisivo à “Revolução dos Cravos”. Para Saraiva (1996, p. 165), “a
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independência das colônias portuguesas seria o fruto maior da Revolução dos Cravos”. Cunha
(1991, p. 102), por sua vez, afirma que:
[...] é importante salientar o papel dos levantes ocorridos em Portugal que
culminaram com a derrubada da ditadura de Marcelo Caetano em 25 de
Abril de 1974, [...], na precipitação do fim do colonialismo português em
África. Com isso não se pretende negar o papel do movimento de libertação
nacional no processo de independência.
Nesta perspectiva, ainda que não seja negada a participação africana, o fim do
colonialismo é entendido como decorrência direta da Revolução dos Cravos que derrubou o
regime Salazarista em Portugal. Mesmo que não seja est a a intenção dos autores, ao africano é
atribuído um papel secundário no processo de libertação. A outra abordagem procura localizar
o peso que a guerra de independência teve no desgaste do Salazarismo, forçado a combater
em várias frentes ao mesmo tempo. Nesta interpretação, os movimentos de libertação tiveram
a iniciativa sendo decisivos para a própria queda do Salazarismo. Para Menezes (2000, p. 183)
“em certo sentido, os movimentos de libertação colonial foram os responsáveis por esta
transformação na m etrópole ao colocar em marcha a luta armada ”. Segundo Oliver (1994, p.
266):
[...] o esforço combinado da guerrilha foi finalmente efetivo, obrigando uma
expansão demasiada das forças de defesa portuguesas, que chegaram a
contar 200 mil homens, a um cust o de 40% do orçamento nacional
português. Essa situação levou diretamente à revolução militar de 1974, e
deu um fim ao império português.
Afinal, o que teria sido decisivo na conquista da Independência de Angola? Teria sido
a luta armada ou a boa vontade do governo português nascido com a Revolução dos Cravos?
O objetivo deste estudo é refletir sobre essas questões destacando a singularidade do
processo de independência em Angola.
O colonialismo português na África
Uma expedição comandada por Diogo Cão chegou ao Congo em 1482. No início do
século XVI, os portugueses chegaram à região do reino do Ndongo que era habitada pelos
Mbundu. Seu soberano tinha o título de Ngola. Por isso os portugueses passaram a chamar
toda região ao sul do rio Zaire de Angola (PANTOJA, 2000, p. 65). Os domínios portugueses
estavam resumidos em alguns poucos pontos litorâneos, ameaçados constantemente pela
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presença de holandeses, ingleses e franceses (RODRIGUES, 1961, p. 9 -16). A presença
portuguesa na África, até o século XIX, ficou limitada ao estabelecimento de pequenos
núcleos nas feitorias. Partindo delas, explorando as divisões entre os Estados africanos,
desenvolveram expedições para o interior, fazendo guerras para estabelecer um domínio
militar precário, apenas suficient e para garantir um intenso tráfico de escravos.
A penetração efetiva no interior do continente só veio ocorrer no final do século XIX.
Neste momento a África estava sendo partilhada pelas potências imperialistas da Europa. A
posse não era mais definida pe lo pioneirismo da descoberta. Desde então, o que vale é a
ocupação efetiva do território. Angola que conhecemos hoje teve suas fronteiras definidas em
1891. Inglaterra, França, Alemanha e Bélgica disputavam o controle da África. Isto
significava possuir fo ntes de matéria -prima e mão-de-obra barata. Portugal pretendia
estabelecer uma grande colônia ligando o Atlântico ao Indico, de Angola a Moçambique. Um
sonho que ficou conhecido como o “mapa cor -de-rosa”. Este projeto confrontava com os
interesses da Ingla terra, que pretendia fixar o seu domínio do Cabo ao Cairo (RABIN, 1978,
p. 20-22).
Portugal pequeno e dependente, não tinha como enfrentar as potências européias.
Participou da Conferência de Berlim (1885) porque a Inglaterra tinha interesse em reduzir os
espaços coloniais da Alemanha. O acordo anglo -lusitano de 1891 definiu o mapa da “África
portuguesa” enterrando, definitivamente, aquele sonho cor de rosa (MARQUES, 1981). Mas
a consolidação definitiva do domínio sobre o país só ocorreu depois de 1902, com o fim da
guerra contra os Bailundos que habitavam o planalto central. Rabin (1978, p. 24-25) informa
que: “o território atual de Angola tem 1.246.700 quilômetros quadrados, mas em 1875, ele
não comportava sob domínio português mais que 612.000. A Angola a tual só foi conquistada
em toda a sua extensão pelos portugueses entre 1906 e 1919”. Marques (1981, p. 540) lembra
que: “Angola e Moçambique são criações artificiais, do fim do século XIX ”.
Portugal abriu o caminho para o desenvolvimento do capitalismo ao realizar sua
expansão marítima. Mas acabou ficando para trás, incapaz de acumular e reter em seu
território as riquezas geradas nas colônias. Sua economia rural permaneceu estagnada, pouco
produtiva e controlada por grandes latifundiários. 60% da população vivia no campo. O
capital nacional estava todo concentrado no comércio colonial. 80% das exportações eram de
produtos primários (vinho, azeite, sardinha). Este comércio externo dependia quase que
exclusivamente, da Inglaterra (MENEZES, 2000, p. 125).
A dependência portuguesa
dos territórios ultramarinos
assumia proporções
exageradas, se comparada com outras metrópoles coloniais. Com uma indústria embrionária,
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Portugal realizava aquilo que Menezes (2000) definiu como colonialismo por dependência.
Apesar de subordinar um vasto território, era um país pequeno, pobre e dependente dos
capitais internacionais. Fazia o papel de intermediário, exportando os produtos primários
coloniais e para lá enviando os manufaturados das potências européias. Abrir mão das
colônias nessas condições era impensável. Possivelmente este é um dos fatores para explicar
a longevidade do colonialismo português.
Portugal, até os anos 1920, só permitia investimentos do capital estrangeiro nas
colônias em associação com capitais portuguese s, mas esta limitação caiu. Exemplo disto foi
a Diamang (diamantes de Angola) composta por capitais ingleses, belgas, norte -americanos e
sul-africanos; a companhia Tanganica Concessions que controlava a principal estrada de
ferro era inglesa; a Standard Oi l e a Gulf Oil ganharam o monopólio da exploração de
petróleo; a Companhia Boror era francesa (MENEZES, 2000, p. 131).
Algumas
empresas
aparentemente
portuguesas
ou angolanas
eram apenas
representantes de um condomínio encoberto. A companhia agrícola de A ngola e a companhia
angolana de agricultura eram controladas por capitais franceses. A companhia geral dos
algodões de Angola era controlada por belgas. Holandeses tinham o monopólio da bauxita e
o minério de ferro estava nas mãos da KRUPP, alemã (MENEZES, 2000, p. 159).
Angola era considerada estratégica por suas riquezas naturais, como petróleo, gás,
carvão, ferro, cobre, manganês, quartzo, fosfato, torbenite (mineral radioativo) e diamantes;
mas também por ter um grande contingente de mão de obra barata e por ser, como lembra
Castro (1962), ponto de passagem e escoamento para as reservas minerais da África austral.
Esse complexo jogo de interesses em disputa tornou a independência um processo árduo.
No período posterior à II guerra mundial a pressão int ernacional contra o
colonialismo aumentou. A luta de libertação avançava nas áreas invadidas pela Inglaterra e
pela França. O colonialismo português reagiu fortalecendo a idéia de integração. “A nação é
única, o fisco é único, o território é único, o direi to é único”. Acabou o indigenato que
legalizava o trabalho forçado e todos passaram a ser considerados cidadãos portugueses.
Essas iniciativas não foram capazes de impedir que Portugal aprofundasse seu crescente
isolamento internacional. A imagem cultivada pelo regime salazarista de um colonialismo
protetor, útil, paternalista e atraente foi substituída pela imagem do conquistador destrutivo e
odioso.
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A resistência africana
A invasão portuguesa, na região que hoje chamamos de Angola, foi retardada por
uma resistência africana que nunca deixou de existir. Isto pode ser comprovado pela
realização constante de guerras contra os reinos locais. Rabin (1978, p. 25-27) afirma que:
“em nenhum outro lugar os portugueses encontraram tanta resistência da parte dos africanos
como em território angolano”. Segundo Rabin, revoltas nativas ocorrerão até por volta de
1939.
Uma expressão desta resistência foi a luta da rainha Nzinga no Ndongo e na Matamba
durante o século XVII. Sobre ela encontramos excelentes estudos feit os por Pantoja (2000) e
Glasgow (1982). Guerreira, Nzinga não foi vencida militarmente. Os portugueses com ela
negociaram e só assim conseguiram quebrar sua resistência. Sua experiência serviu como
fonte de inspiração para os movimentos nacionalistas que, no século XX, lutaram pela
libertação de Angola. Segundo Glasgow (1982, p. 179), “espantosas analogias são evidentes
entre algumas de suas técnicas e aquelas empregadas pelos grupos nacionalistas das décadas
de 60 e 70”.
Mas as raízes mais diretas dos mov imentos de libertação podem ser encontradas no
início do século XX, quando a colonização estava sendo efetivada com a destruição da
liderança dos Sobas e a imposição da administração colonial. O estudo de Dias (1997) sobre
o Kabuku Kambilu demonstra bem es se processo que, segundo Rabin (1978), começou de
fato com a expropriação de terras e bens; a instituição do imposto de propriedade (imposto de
cubata) e o trabalho forçado para os africanos.
Logo em 1912 foram criados a Liga Angolana e o Grêmio Africano, que publicou o
jornal Verdade e Independência. Em 1921 foi criado, em Lisboa, o Partido Nacional
Africano. Portugal iniciou um intenso trabalho de repressão. Destruiu jornais, dissolveu
associações e exilou ativistas. Além da repressão, as autoridades por tuguesas criaram
associações culturais para conquistar os estudantes africanos. Nos anos 30, a Casa de África,
a Casa dos Estudantes do Império Português, a Liga Africana e o Partido Nacional Africano
passaram a defender a cooperação com o governo colonial (MENEZES, 2000, p. 165).
As primeiras décadas do século XX podem ser então, caracterizadas pela ocorrência
de agitações localizadas nas cidades, com o surgimento de organizações e publicações
africanas. São iniciativas de intelectuais sem contato com as m assas agindo numa conjuntura
desfavorável, quando crescia a força dos Nazi -fascistas em todo o mundo. No campo,
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segundo Cunha (1991, p. 100), havia movimentos esporádicos dos camponeses que
utilizavam, até mesmo, seitas religiosas como base de mobilização.
Em Lisboa, estudantes africanos faziam sua formação técnica e política. Fundaram o
Centro de Estudos Africanos para discutir os mais variados aspectos da vida no continente
africano. Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, Viriato da Cruz, M ario de
Andrade são alguns dos que passaram por Lisboa nos anos 40 e que, retornando para as
colônias na década seguinte, iniciaram uma intensa agitação política em favor da
independência. A pequena camada de africanos que conseguiram concluir seus estudos em
Lisboa foi a base dos movimentos de libertação. Após a Segunda Guerra surgiram numerosas
organizações nacionalistas, não havia unidade, uma consciência angolana. A multiplicidade
de organizações refletia isso.
O apoio dos comunistas portugueses, desde cedo, foi muito intenso. Muitos dos
lideres africanos foram formados politicamente nesta colaboração com o PCP, freqüentando
o clandestino Centro de Estudo do Marxismo. Como resultado disto, o Partido Comunista de
Angola foi criado em 1953, mas teve curta existência, diluindo -se no Partido da Luta Unida
de Angola (PLUA), ainda em 53.
Em 10 de julho de 1954 foi fundada a União das Populações do Norte Angola
(UPNA), que em 1958 transformou -se em União das Populações de Angola (UPA). Esta
organização fundiu -se com o Partido Democrático dando origem à FNLA, em Março de
1962. A FNLA era declaradamente anticomunista e pró -ocidental. Tinha o apoio da Zâmbia e
do Zaire. E lutava com armas chinesas e norte -americanas.
A FNLA chegou a criar um Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE),
em abril de 1962. Seu presidente era Holden Roberto, filho de um chefe local educado por
protestantes. O GRAE chegou a obter o reconhecimento de nove países (VEJA, 2008, n. 3, p.
55).
O MPLA foi fundado em dezembro de 1956 como resultado da fusão de vários
grupos. Entre eles o Centro de Estudos Africanos, o Clube dos Marítimos, o Movimento dos
Intelectuais Nativos de Angola, a Associação Regional dos Indígenas de Angola, Movimento
pela Independência de Angola (MIA), o Movimento d e Independência Nacional do Norte de
Angola (MINA) e o PLUA. O MPLA era de tendência socialista, autoproclamado marxista,
contava com o apoio da Guiné, do Congo, da URSS e de Cuba. Seus primeiros líderes foram
Mário de Andrade e Viriato da Cruz. Em 1962, u m congresso mudou a direção e a
presidência passou a ser exercida por Agostinho Neto.
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A UNITA, fundada em 1966, foi resultado das divergências no interior da FNLA.
Tinha o apoio dos EUA e da África do Sul. Liderada por Jonas Savimbi, também educado
por protestantes, chegou a participar do GRAE como Ministro dos Negócios Estrangeiros.
A necessidade de unificar a grande quantidade de grupos organizados e dispersos era
vista como um mecanismo para acelerar a luta e fazer frente à repressão crescente
desenvolvida pelo governo português, mas este era um problema antigo e persistente. A
rainha Nzinga enfrentou essa dificuldade ao tentar montar seus exércitos de maneira coesa.
Glasgow (1982, p. 179) descreve como toda campanha militar de Nzinga era precedida de
um intenso trabalho diplomático para estabelecer alianças amplas, com o maior número
possível de soberanos.
Os Sobas jamais se uniram. Os portugueses manobraram com esta divisão para
avançar na conquista evitando sempre um levante geral contra suas forças. A colonização
recente e rápida não apagou as diferenças entre os vários povos. Ao contrário, a política de
Portugal foi sempre a de manter, aprofundar e explorar a divisão entre os governantes
africanos para melhor dominar.
As divergências entre os povos a fricanos impediram a unidade no passado e também
no período da luta anticolonial. Menezes (2000, p. 172) considera que: “as diferenças e os
conflitos de interesses entre os nacionalistas foi um problema quase tão significativo quanto a
própria luta contra o colonizador”. Para este autor, a origem deste conflito passa por vaidades
pessoais, disputas política, rivalidades tribais e até diferenças de cor, do tipo “negros
autênticos contra mulatos assimilados”.
As organizações são compreendidas como expressão d os diversos povos que habitam
o território angolano. Segundo Menezes (2000) a população atual de Angola é composta por,
aproximadamente, 100 grupos etno -linguístico de origem Bantu, que podem ser reunidos em
nove grandes agrupamentos: os Hereros e Ambós tê m 1% da população cada um; os
Nhanecas-humbes com 5%; os Nganguelas e os Lunda -Tchokué têm 10% cada um; os
Bacongos representam 15% da população concentrada no norte do país; os Quibundos
somam 20% sendo predominantes na região de Luanda; o maior de todos os grupos é o dos
Ovimbundos com 36% da população que são majoritários no planalto central. Além desses
grupos, ainda podemos encontrar bosquímanos somando cerca de 2% da população
(MENEZES, 2000, p. 102 -106).
A UNITA era composta majoritariamente pelos Ov imbundos, tendo suas bases
concentradas nas regiões do planalto central, no leste e no sul do país. O MPLA por sua vez
era predominantemente quimbundo, daí sua forte penetração na região de Luanda. Por fim, a
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FNLA com suas bases no norte do país era expres são dos bacongos. Cada organização
reivindica exclusividade no direito de representar o povo angolano, sem considerar a
pluralidade do país.
A guerra anticolonial
Os movimentos nacionalistas tomaram a iniciativa da luta armada. Em 1961, Angola;
1963 na Guiné e em 1964 em Moçambique. A partir daí, a história da luta pela independência
de Angola pode ser dividida em quatro momentos. O primeiro deles foi o da guerra de
libertação contra Portugal iniciada com a ação do MPLA contra a prisão de São Paulo de
Luanda, em 4 de fevereiro de 1961. O objetivo desta operação era libertar líderes
nacionalistas presos. Neste mesmo ano, a UPA comandou um levante camponês no norte de
Angola, atacando as fazendas dos colonos portugueses.
Essas iniciativas provocaram uma viol enta reação de Portugal. Segundo Cunha (1991,
p. 101), “estima-se que pelo menos 200 mil angolanos tenham morrido em pouco menos de
dois anos”. Para Menezes (2000) mais de 50 mil angolanos foram mortos em apenas dois
meses. Já Saraiva (1996, p. 78) afirma que “os portugueses mataram mais de trinta mil entre
1961 e 1964. Até as bombas de napalm estiveram presentes nas ações portuguesas daqueles
anos”.
O segundo momento foi iniciado com os acordos de Mombasa e Alvor que criaram
um governo de transição compost o pela FNLA, UNITA e pelo MPLA. As divergências entre
os movimentos de libertação acarretaram a dissolução do governo de transição e a ampliação
dos confrontos entre eles, que se tornaram cada vez mais freqüentes e violentos.
O terceiro momento foi o da gu erra civil, iniciada com a invasão de Angola em 21 de
outubro de 1975, numa ofensiva conjunta da Unita, África do Sul, FNLA e Zaire. Do outro
lado o MPLA contava com o apoio de tropas cubanas para assegurar o poder. Esta fase foi
caracterizada pela guerra aberta, convencional, opondo exército contra exército.
Por fim, o quarto momento que teve início com a vitória do MPLA na guerra
convencional em fevereiro de 1976. Desde então, os grupos derrotados, FNLA e UNITA, se
reorganizaram desenvolvendo, inicialment e, ações de sabotagem de pequena envergadura até
iniciar ações mais ousadas assumindo o controle de várias cidades do país.
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A reação portuguesa
O desenrolar dos acontecimentos nas colônias não foi visto passivamente por Lisboa.
A resposta de Portugal foi violenta, aumentando a repressão e o controle militar das áreas
dominadas. Para tanto, o recrutamento militar foi intensificado e o tempo de serviço
obrigatório foi elevado de dois para quatro anos, dos quais dois seriam, necessariamente,
prestados em uma das colônias.
A ditadura salazarista estava decida a não fazer concessão aos africanos e defender as
áreas invadidas. Além das iniciativas militares, procurou implantar mudanças políticas e
econômicas que eliminassem as ameaças representadas pelos mov imentos de libertação.
Abriu as colônias para investimentos diretos do capital estrangeiro, elevou os investimentos
estatais e incentivou a transferência em massa de portugueses para as colônias. O
colonialismo português assumiu um novo traço, marcadamente anticomunista, para atrair e
manter o apoio dos países ocidentais.
Os efeitos da guerrilha desenvolvida pelos africanos, com o tempo, começaram a
aparecer em Portugal. Aumento generalizado dos impostos; elevação da repressão interna;
despovoamento com as baixas, deserções e fugas do serviço militar; desprestígio do exército
que não conseguia vitórias expressivas numa guerra de fim, cada vez mais, imprevisível. A
evolução dos gastos militares com o combate nas colônias comprometia violentamente o
orçamento e toda a vida de Portugal, um desgaste crescente para um país pobre. A revista
VEJA (1968, n. 3, p. 50) assim classificou o impacto da guerra:
[...] as guerrilhas ali desencadeadas desde 1961, já exigem a presença
de 120 mil homens do Exército português para enfrentar os 20 mil
guerrilheiros africanos numa luta prolongada e penosa que já custa 40
por cento do orçamento nacional .
Portugal gastou, nestes treze anos de guerra colonial, o equivalente a
21 bilhões de dólares, teve cerca de 5 000 soldados mort os (8000
segundo outros) e consumiu em 1972 quase 60% do seu orçamento
para manter 185 000 soldados nas três frentes (VEJA, 1974, n. 308, p.
44).
Os efeitos da guerra não foram acidentais. Tratava -se de uma estratégia consciente,
deliberada e articulada entre os movimentos de todas as colônias para esgotar as forças
portuguesas. Vale lembrar a realização das CONCP. Segundo a VEJA (1968, n. 15, p. 41):
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Atualmente, 42 por cento do orçamento nacional de Portugal já são
gastos com despesas de defesa nas col ônias – e os lideres da Frelimo
prometem fazer tudo para que essa taxa seja aumentada até um limite
verdadeiramente insustentável.
Lentamente Portugal foi perdendo terreno. Em 1961 a Índia passou a controlar Goa,
Damão e Diu. Em 1966 Portugal perdeu Macau . Perdia também, cada vez mais, apoio
internacional e começou a ser pressionado na Organização das Nações Unidas ( ONU). EUA,
Rodésia, África do Sul e o Brasil eram os poucos aliados incondicionais que ainda possuíam.
Os portugueses, conscientes do problem a, divergiam quanto à solução mais adequada
para a crise. O integracionismo era a posição conservadora, do governo de direita, cujos
expoentes eram Oliveira Salazar, o presidente Américo Tomaz, o chanceler Franco Nogueira
e os militares. Consideravam que “ o ultramar é português, Portugal é africano, o país é uma
unidade homogênea e indivisível”. Portanto não era aceitável nenhuma concessão que
implicasse perda de território. Uma posição mais moderada era defendida por Marcelo
Caetano, sucessor de Oliveira S alazar como primeiro -ministro de Portugal. Para ele a
guerrilha não tinha peso, era localizada, limitada e estava sendo controlada. Caberia então
desenvolver o caráter multirracial das sociedades coloniais, ampliar os investimentos e
conceder uma autonomia progressiva e participada (CAETANO, 1974, p. 33-34).
Outra posição ganhou força com a aproximação do 25 de Abril de 1974.
Reconhecendo a inevitabilidade da ruptura, O general Spínola, defende a formação de uma
federação de estados independentes, uma comun idade Luso-africana que preservasse os
interesses dos grandes grupos econômicos portugueses instalados nas antigas colônias. Uma
solução próxima da que foi adotada por ingleses e franceses, difícil de ser viabilizada no
quadro de luta armada vivido nas col ônias portuguesas.
Finalmente a posição defendida pelos socialistas, comunistas e membros do
Movimento das Forças Armadas (MFA): independência total e imediata, sem impor
condições, para todos os territórios ocupados por Portugal. Devemos considerar ainda a
chamada “solução rodesiana”, estimulada pela África do Sul, que levaria à independência de
Angola e Moçambique proclamada unilateralmente pelos colonos brancos, montando assim
um regime similar ao da própria África do Sul.
Este quadro que acabamos de tra çar com as principais visões sobre a questão colonial
nos leva a pensar que a “Revolução dos Cravos” por si, não era garantia do fim do
colonialismo português. Tanto no governo de Marcelo Caetano, quanto no governo do
General Antonio Spinóla procurava -se uma saída que não representasse uma ruptura total
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com a situação colonial, contando para isto com a colaboração da FNLA (MENEZES, 2000,
p. 184) Parece razoável supor que a possibilidade de continuação da luta armada por tempo
indeterminado foi um fator deci sivo para o desfecho deste processo. Não podemos, portanto,
falar da independência como uma concessão de Portugal ou como um mero reflexo da
Revolução dos Cravos, pois, pela vontade dos portugueses, inclusive dos dirigentes do 25 de
Abril, as colônias jama is seriam “cedidas”. Os comunistas constituíam uma exceção, mas
esses não eram majoritários no movimento.
A guerrilha funcionou como elemento de pressão na disputa política em Portugal. A
ação coordenada dos movimentos de libertação das várias colônias a profundou e aproveitou
as divergências políticas dos portugueses para conquistar, na luta, seus objetivos: a
independência. Ao fazer isso criaram as condições para a queda da ditadura Salazarista. Os
portugueses devem agradecer aos africanos por esse prese nte.
Referências
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- 1968 (n. 8, 30 out. 1968); (n. 15, 18 dez. 1968)
- 1973 (n. 230, 31 jan. 1973)
- 1974 (n. 308, 31 jul. 1974)
- 2008 (n. 3, 25 set. 2008)
CAETANO, Marcelo. Depoimento. Rio de Janeiro: Record, 1974.
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a independência de angola: concessão ou conquista?